Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Vitor Bartoletti Sartori
11
assemelhavam a burocratas, dificilmente tal unidade almejada por Engels e
pelos grandes marxistas poderia ter sido bem-sucedida. Neste sentido
específico, não se pode deixar de dizer que não houve o que comemorar nos
100 anos da Revolução Russa, em 2017. As potencialidades desta Revolução
foram muitas, mas parte de sua herança ligou-se inelutavelmente ao
stalinismo, que, mesmo que possa ser explicado, na época, pelas condições
materiais da União Soviética, foi um entrave ao movimento socialista. Tal
tradição certamente, para dizer o mínimo, é uma degeneração e uma
falsificação de uma posição crítica e revolucionária.
O evento que marca o centenário de Friedrich Engels, e o marxismo que
daí decorreu, teve, portanto, um rumo trágico, assim como foi trágico o destino
dos grandes intelectuais socialistas do início do século XX. Lukács, por
exemplo, precisou render homenagens, mesmo que protocolares, ao
stalinismo, que tanto criticou. Permaneceu, de um modo ou doutro, limitado
pela realidade de sua época e pelas suas esperanças na reforma do sistema
soviético. O marxista húngaro permaneceu isolado e parte substancial de seus
textos de intervenção só foi publicada muitos anos depois de escritos. Lênin
morreu cedo, Trotsky foi assassinado a mando de Stálin, Rosa foi assassinada
e Gramsci apodreceu na prisão... Ou seja, mesmo sabendo da unidade das
tarefas que mencionamos, tais intelectuais foram levados pelos rumos do
conturbado século XX, no qual ocorreu, na melhor das hipóteses, o isolamento
e o silenciamento de uma das maiores vozes daquele período. O que nos leva a
uma preocupação sobre o presente: ao analisarmos o pensamento de Engels,
bem como as questões que se colocam a partir dele no século que nos antecede,
as quais marcam os rumos dos intelectuais que mencionamos, podemos dizer
que a farsa vem depois da tragédia? Seria o bicentenário de Engels a reedição
farsesca de seu centenário?
Esta talvez seja uma importante questão a ser respondida no
bicentenário deste autor. Duzentos anos depois de seu nascimento e um pouco
mais de 100 anos depois da Revolução Russa estamos em uma situação, para
dizer o mínimo, nada boa para os marxistas.
Os herdeiros diretos dos grandes pensadores do início do século XX, em
grande parte, morreram ou não tiveram envergadura suficiente. Deste modo,
há, na melhor das hipóteses, lukacsianos, leninistas, gramscianos,
luxemburguistas, trotskistas etc. Mas a gigantesca capacidade analítica dos
mestres não está presente nos discípulos. Estes, não raro, utilizam somente
uma espécie de jargão que supostamente estaria presente naqueles em que
embasam sua teoria e sua prática. Ou seja, as tarefas que Engels colocava a si
mesmo e aos marxistas passam longe de serem cumpridas de modo
satisfatório. Adicionam-se, ainda no campo marxista, althusserianos,
discípulos da teoria crítica (de Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre
outros) e tantas linhagens afins – importantes em diversos aspectos – que,