Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Vitor Bartoletti Sartori
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uma classe contraposta à nobreza, ligada à renda da terra e à propriedade rural.
A indústria e os homens de negócio tinham um incremento substancial, ao passo
que a nobreza estancava. O caráter burguês da cidadania urbana, assim, ficava
claro, destacando-se a correlação entre a emergência da burguesia e a dominação
da cidade sobre o campo.
Em meio a isto, Engels destaca também o papel da mediação monetária; o
dinheiro, que Marx aponta como um grande Leveller em O capital, aparece
dissolvendo relações feudais. E, assim, percebe-se que um tema muito
importante às obras econômicas de Marx também está presente em Engels: a
correlação entre a mediação das formas econômicas e a luta de classes; o solo
desta última não é, na sociedade capitalista, só o da sociedade civil-burguesa, mas
o desta sociedade analisada e compreendida em sua anatomia, que deveria ser
encontrada, diz Marx, na crítica da economia política.
Aqui, porém, tem-se algo análogo ao que se deu anteriormente: se no
Esboço havia, por vezes de modo complexo e de difícil apreensão, a unidade na
exposição da crítica da economia política, da religião, da política e do direito, aqui
a coisa se dá doutro modo. Engels remete a um tema central, mas, para que a
exposição seja facilitada, apenas menciona aspectos essenciais, que vem a
desenvolver noutros lugares. Em “O declínio do feudalismo e a ascensão da
burguesia” a análise engelsiana, para que se use uma dicção do próprio autor, é
muito mais “histórica” que “lógica”. O movimento da burguesia emergente é visto
sem que se adentre nos meandros da lógica da anatomia da sociedade civil-
burguesa, que nosso autor, como organizador dos livros II e III de O capital,
conhece consideravelmente. O dinheiro, assim, é visto como um dos fatores que
enfraquecem a lógica feudal, bem como os privilégios feudais; mas a ligação
orgânica desse tema com a acumulação de capital, com a forma mercantil
universalizada, bem como com a consequente consolidação do direito burguês
não está em foco no texto citado, mas em outros, como no polêmico O socialismo
jurídico.
Vê-se, assim, novamente, a necessidade de um tratamento conjunto dos
textos engelsianos. O desenvolvimento das nacionalidades em nações e no estado
moderno também aparece no texto, em que a aliança do rei com o cidadão
burguês é vista como algo a ser mediado por um estrato particular da sociedade,
aquele dos juristas. E, com isto, um dos temas essenciais da obra de nosso autor
aparece aqui; os juristas, e o direito, teriam um papel ativo, fundamental na
consolidação da sociedade capitalista, bem como da burguesia. Como não poderia
deixar de ser, o tema é mais complexo do que parece: se nosso autor menciona a
correlação existente entre os sacerdotes, os jurisconsultos romanos e os juristas
modernos em “O declínio do feudalismo e a ascensão da burguesia”, há de se ter
em conta aquilo que ele traz tanto no texto sobre o cristianismo primitivo quanto
em “O Livro de apocalipse”, em que a religião se apodera das massas com uma
concepção universalista e amparada em certa forma de igualdade.
O mesmo se daria com o direito, que traz uma visão universal da noção de
pessoa e coloca na igualdade jurídica a igualdade da própria burguesia; daí, em O