Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, Lukács: 50 anos depois - jan./jun. 2021
Apresentação:
Heidegger Redivivus
Vitor Bartoletti Sartori
*
A presente tradução traz o primeiro momento em que Lukács dedica-se
exclusivamente à crítica imanente da filosofia heideggeriana. No texto, ele posiciona-
se diante de Heidegger, em 1949. Neste momento, principalmente na França, como
critica o marxista húngaro, em 1948, em
Marxismo ou existencialismo
, certa
tentativa por parte da filosofia existencialista de Sartre, Beauvoir e Merleau-Ponty de
conciliar-se com o marxismo. Ou seja, a época em que o artigo é escrito remete a certo
enfrentamento interno à filosofia marxista, que precisaria decidir sobre a possibilidade
de apropriar-se de conceitos típicos de autores, como aqueles mencionados,
fortemente inspirados na interpretação (seja ela a mais acertada ou não) das categorias
heideggerianas de
Ser e tempo
. Porém, o cenário é também mais amplo: a posição
heideggeriana em resposta à pergunta de Jean Beaufret sobre o humanismo posição
esta analisada por Lukács em
Heidegger Redivivus
diz respeito à relação entre a
filosofia heideggeriana e o existencialismo. Assim, é preciso perceber que ela não
poderia deixar de dizer respeito também ao impacto de
O existencialismo é um
humanismo
, publicado em 1946, por Sartre.
Ou seja, tem-se a tematização de algo que também diz respeito à estrutura
interna do próprio existencialismo, bem como às determinações das formações ideais
que pretendem partir da tematização desenvolvida por autores como Sartre. Se tanto
Heidegger como Lukács enxergam os existencialistas como detratores de suas
posições filosóficas, é interessante notar que a maneira pela qual se tem a colocação
da questão sobre o humanismo não deixaria de ser vista como equivocada pelos
autores em embate.
Heidegger Redivivus
, portanto, traz um posicionamento de Lukács neste cenário,
em que aquilo que se entende por humanismo, bem como a posição a se adotar diante
deste, parecia ser um divisor de águas tanto no que diz respeito ao existencialismo
*
Professor da UFMG, doutor pela USP e mestre pela PUC SP; e-mail: vitorbsartori@gmail.com.
DOI 10.36638/1981-061X.2021.v27.602
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(Heidegger veio a criticar pesadamente aqueles que o associaram a estas tradições)
quanto ao se analisar o marxismo, como a polêmica posterior entre Althusser que
em
O futuro dura muito tempo
confessa ter se inspirado na crítica heideggeriana ao
humanismo e Garaudy iria explicitar mais à frente, principalmente na década de
1960. este último embate, que os althusserianos não cansam de trazer à tona,
faria com que fosse necessária a publicação em português do presente texto, que pode
lançar luz sobre pontos importantes das questões que vêm enchendo páginas e mais
páginas do marxismo althusseriano. Pelo que dizemos, portanto, parece estar claro
que é possível dizer que um embate sério dentro do marxismo precisa de um acerto
de contas com Heidegger.
O autor, depois de determinado momento, passa a ser um dos filósofos mais
influentes e renomados do século XX e não deixa de ser referência obrigatória aos
estudiosos da filosofia. Para que tragamos ilustrações importantes deste ponto na
tradição marxista, vale mencionar: Marcuse, depois de ter sido orientado por
Heidegger, rompe com ele; porém, talvez tenha uma das posições mais tecnofóbicas
do círculo dos autores da assim chamada escola de Frankfurt. A crítica à razão (em
especial à “razão instrumental”) por parte de autores como Adorno e Horkheimer
também não deixa de se assemelhar não obstante as profundas diferenças, e pesadas
críticas ao autor de
Ser e tempo
com crítica de Heidegger à
Ratio
. A posição
althusseriana contrária ao sujeito e à concepção de Hegel sobre a história, bem como
sua crítica ao “humanismo”, aproximam-se muito do que Heidegger traz em sua
Carta
sobre o humanismo
, como o Althusser admite no final de sua vida. Temas centrais do
mencionado texto de Heidegger são a história, a historiografia, a razão e a técnica e é
justamente este texto, ainda hoje muito influente, que Lukács aborda na tradução que
aqui trazemos.
Ou seja, caso se queira estudar a filosofia marxista do século XX do ponto de
vista da filosofia, não basta que nos atenhamos às querelas sobre a relação entre Marx
e Hegel. Elas podem ser importantes em diversos sentidos. Porém, é necessário notar
que, posicionando-se diante de condições sociais diferentes daquelas de Marx, e se
deparando com formações ideais distintas, o marxismo do século XX com seus
caminhos e descaminhos precisa ser entendido também em resposta a outros
autores, como Heidegger. No caso de Lukács, isto ganha importância tanto porque o
autor húngaro viria a desenvolver no final de sua vida uma ontologia que é
diametralmente oposta àquela de
Ser e tempo,
quanto porque ele identifica em
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Heidegger uma figuração típica da filosofia burguesa da história, que viria a fazer
escola em nossos dias, por exemplo, nos filósofos pós-estruturalistas. Ou seja, a crítica
imanente das formações ideais do século XX e do século XXI passa pela apreensão
de categorias que são refletidas por Martin Heidegger.
A questão, para Lukács, é que, no autor que critica, e em muitos que se colocam
em sua esteira, tais categorias apareceriam de modo distorcido e carentes de toda a
historicidade efetiva, como não cansa de se destacar em
Heidegger Redivivus
. Ou seja,
com as formas ideológicas como estas, formas estas pelas quais os indivíduos tomam
consciência das contradições sociais, a conformação da sociabilidade burguesa é
profundamente estilizada, no limite, estetizada, também é vista de modo rebuscado e
“sofisticado”, mas vem a se tornar uma espécie de condição humana eterna e
mistificada. E, por isto também, de acordo com o raciocínio de Lukács, qualquer
tentativa de renascimento do marxismo precisaria passar pela compreensão e pela
crítica a estes pontos de vista e a estas concepções de mundo (e não concepção
de mundo inocente), que envolvem autores como Heidegger, mas também de modo
distinto, claro pensadores anteriores como Nietzsche e contemporâneos, como
Wittgenstein, como viria a se preconizar na
Destruição da razão
e na
Ontologia
,
respectivamente.
Tal aspecto, que diz respeito ao que Lukács chamou de renascimento do
marxismo, levam o autor húngaro a temas que são clássicos do pensamento marxista,
mas que precisariam ser revistas diante das mudanças na opinião pública burguesa. O
autor de
Heidegger Redivivus
sempre estuda autores não marxistas e se coloca em
embates filosóficos profundos, que vão desde as diversas interpretações sobre a obra
hegeliana e para Lukács, até certo ponto, depois de Hegel, e do embate em torno
da filosofia do autor da
Fenomenologia
, não há nada de novo na filosofia burguesa ,
até os distintos embates que passam pela influência da obra de Heidegger na
politização dos filósofos franceses e na influência que filosofias teológicas como a de
Kierkegaard ainda exerce.
Como diz Lukács em suas últimas entrevistas, caso não se quisesse ficar às cegas
diante da conformação atual da sociedade capitalista (que aparece em diferentes
formas de espelhamento na filosofia que analisa), seria necessário um olhar cuidadoso,
por exemplo, diante de temáticas como a da religião. Segundo o autor de
Para uma
ontologia do ser social
, o renascimento do marxismo tem como suposto a superação
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da crítica à religião que se coloca em meados do século XIX (em Fauerbach, por
exemplo), de modo a se abranger seja o ateísmo religioso de um Schopenhauer, seja
o desespero de um Kierkegaard; e é interessante notar que o marxista húngaro
identifica tanto este desespero kierkegaardiano quanto o ateísmo religioso na filosofia
de Martin Heidegger anterior e posterior à II Guerra Mundial. Assim, desenvolver o
marxismo de modo minimamente digno pressupõe a capacidade de entender e de
realizar uma crítica imanente às formações ideais como as de Heidegger, e daqueles
que partem das categorias de sua filosofia. Ao contrário do diálogo de Sartre com as
categorias do autor de
Ser e tempo,
como “projeto” e “derrelição” como colocado
em
Sobre a questão de método
, mas também na
Crítica da razão dialética
Lukács
critica de modo duro tanto o pensamento heideggeriano quanto a função social dele,
que, em um primeiro momento, teria preparado o terreno, mesmo que de modo
indireto, para a atmosfera intelectual em que floresce o fascismo e que, diz nosso
autor, poderia servir de base como efetivamente serviu para a formação de uma
visão de mundo baseada na crítica aos sintomas da vida cotidiana burguesa, de um
lado e, doutro, na aceitação dos pressupostos histórico-sociais da produção capitalista.
Esta colocação da questão por nossa parte, porém, seria um pouco unilateral.
Por enquanto, somente destacamos a importância do embate lukácsiano para que o
marxismo pudesse fincar seus pés no século XX e no presente. Em
Marxismo ou
existencialismo
, há uma tentativa, por parte de Lukács, de mostrar a incongruência das
tentativas daqueles próximos a Sartre em conciliar categorias que advém da ontologia
heideggeriana com o marxismo. Porém, é interessante notar que, ao criticar a
Carta
sobre o humanismo
de Heidegger, o pensador ngaro se depara com uma situação
sui generis
: ele não julga os existencialistas coerentes com o marxismo, certamente.
Porém, também percebe que Heidegger não acredita que eles consigam compreender
sua ontologia fundamental. E mais: o autor de
Ser e tempo
procura demonstrar que a
posição que defendia em sua obra magna já estaria ultrapassada. E, assim, o filósofo
alemão está a criticar as consequências e as interpretações de sua obra pregressa. E,
diante disso, Lukács vai se posicionar. E ele, assim, percebe que as suas investigações
iniciadas na década de 1930 e que se colocam em sua crítica ao irracionalismo
precisariam ser, no mínimo, complementadas. Os elementos basilares da estrutura da
sociedade capitalista teriam se transformado e, com isto, também teriam passado por
modificações as funções e as estruturas do pensamento burguês.
Heidegger Redivivus
,
assim, testemunha, ao mesmo tempo, uma continuidade: segundo Lukács, as bases da
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filosofia de Heidegger anteriores e posteriores à derrocada do nazifascismo não teriam
se modificado substancialmente. Porém, o autor de
Ser e tempo
procura se
desvencilhar das consequências sociais de sua filosofia e, em textos como sua
Carta
sobre o humanismo
, arrebanha seguidores. E este fenômeno precisaria ser explanado,
compreendido e combatido.
Talvez, juntamente com Hegel, o autor de
Ser e tempo
seja o autor burguês
diante do qual Lukács se deparou mais vezes. Mesmo que, como mostrou Tertulian,
tenha havido embates importantes do marxista ngaro com Adorno, Brecht,
Hartmann e Bloch, por exemplo, Heidegger é dos autores mais criticados. E isto faz
com que seja preciso enxergar, mesmo que rapidamente, como a crítica a Heidegger
ganha progressivamente mais força no autor de
Para uma ontologia do ser social
.
Em a
Destruição da razão
, publicado em 1954, mas escrito entre as décadas de
1930-1940, o autor húngaro critica Heidegger e Jaspers como filósofos do momento
pré-fascista. No que se nota dois importantes aspectos: o primeiro deles é que Martin
Heidegger, ao contrário de Schelling, Schopenhauer, Kierkegaard e outros não
mereceu por parte do autor húngaro um tratamento autônomo. O segundo fato é:
mesmo que Heidegger tenha sido filiado ao partido nazista e mesmo que tenha
defendido posições explicitamente elogiosas ao nacional-socialismo na década de
1930, Lukács ao contrário de Adorno, por exemplo não diz que a filosofia
heideggeriana é fascista ou nazista. Antes, ele analisa como que uma teoria de
linguagem bastante árida poderia ter preparado o terreno para a angústia e o
desespero que seriam as disposições afetivas mais caras à concepção do mundo
nacional-socialista. Em
Marxismo ou existencialismo
, por sua vez, tem-se a análise do
existencialismo. A confluência entre a luta contra ocupação nazifascista na França, a
interpretação de
Ser e tempo
de Heidegger e uma posição à esquerda mas não ao
ponto de vista da classe trabalhadora teriam trazido as condições para o
desenvolvimento do existencialismo, e da importância da categoria da derrelição neste
pensamento como um índice de suas limitações. Assim, Heidegger aparece na obra de
1948 reflexamente, explicitando-se como alvo central somente em 1949, em
Heidegger Redivivus
. O autor, que seria tratado posteriormente em
Para uma ontologia
do ser social
, passa a ser visto como alguém essencial para a filosofia burguesa e, com
isto, a crítica a ele, aos olhos de Lukács, passa a adquirir uma importância crescente.
Pode-se mesmo dizer que a ontologia lukácsiana debate com o autor de
Ser e tempo
porque é diametralmente a ela em seus pontos basilares, tratados no presente texto.
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Lukács passa crescentemente a remeter às insuficiências da crítica heideggeriana
à opinião pública e à democracia (tanto presentes na descrição do autor alemão do
“impessoalquanto nas suas posições mais recentes); e também acontece porque seria
preciso compreender as continuidades e descontinuidades do pensamento burguês
analisado em
A destruição da razão
e aquele que se coloca no momento posterior à II
Guerra Mundial, momento este em que o nazismo, e aqueles que o apoiaram, passam
a ser vistos com certo descrédito. Ou seja,
Heidegger Redivivus
é, ao mesmo tempo,
tanto uma crítica a uma formação ideal que fora e foi influente quanto uma tentativa
de atualizar a crítica marxista diante de problemas que se apresentam depois da
derrota do nazifascismo em uma situação na qual o capitalismo parece ter outra face.
Também se tem neste texto uma temática importante a toda ontologia e que diz
respeito à relação entre ser e ente.
Segundo Lukács, a faceta nova do capitalismo apareceria (de modo invertido)
tanto nas obras econômicas de um Galbraith, na sociologia de um Wright Mills quanto
na filosofia de Heidegger e de outros (somente para exemplificamos os autores aqui).
No caso do autor da
Carta sobre o humanismo
, a angústia de outrora, bem como o
apelo a uma ontologia fundamental saem de cena, de modo que aquelas disposições
afetivas mais propícias ao desenvolvimento de uma visão de mundo compatível com o
fascismo e com o nazismo são tiradas de cena. Lukács, deste modo, admite uma
mudança de tom na filosofia heideggeriana e enxerga o abandono das pretensões de
uma ontologia fundamental como uma tentativa subjetivamente mais ou menos
sincera, não é este o foco de voltar-se contra a função social que o pensamento do
ser heideggeriano teria exercido. Ocorre, porém, que as determinações da formação
ideal do autor alemão permanecem ligadas, de um lado, a uma crítica romântica ao
capitalismo, doutro, na busca de uma espécie de terceira via diante das questões
essenciais à sociedade capitalista.
O autor da
Ontologia
critica profundamente Heidegger em sua posição segundo
a qual materialismo e idealismo seriam igualmente unilaterais, opõe-se também a
abordagem heideggeriana da historicidade e da atividade humana. Lukács diz que a
teoria que aborda acerta na crítica de alguns sintomas até certo ponto como por
exemplo na crítica à opinião pública burguesa. Porém, ao invés de se ter uma tentativa
de se suprimir os elementos basilares da sociabilidade burguesa, também em suas
posições sobre a democracia, sobre o progresso e sobre a história, Heidegger tenta
assumir uma espécie de terceira via. E isto somente poderia ser realizado de modo
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profundamente mistificado. A questão importante sobre o ponto de vista de Lukács é
que se explica como que tal postura do autor alemão não é um elemento acidental e
casual de sua filosofia: é algo basilar e se encontra, por exemplo, na oposição e na
muralha chinesa que se coloca de um lado, entre o ser, doutro, entre os entes. Tal
aspecto, que configura a chamada “diferença ontológica”, e remete ao “esquecimento
do ser”, ao apelo aos “eventos” da “história do ser” e àquilo “primordial”, leva a uma
forma renovada de idealismo subjetivo.
E tal qual no embate com a filosofia hegeliana nos meados do século XIX, bem
como no final do XIX e no começo do século XX, um elemento importante remete à
crítica à religião. Se em um primeiro momento tem-se uma crítica a Hegel pela
imanência de sua concepção de história, depois, volta-se diretamente contra a
pretensão de uma compreensão histórica no sentido objetivo e, depois, o embate com
aqueles que se opuseram a Hegel de modo consequente e de modo materialista
torna-se inevitável. Expliquemos melhor: um autor como Schopenhauer mas também
Kierkegaard critica o pensamento hegeliano com certa filosofia da história que é
saudosa quanto à influência e a função que a religião costumava exercer; Nietzsche,
por sua vez, em um momento posterior, em que o imperialismo já se implementa a
passos largos, adota uma posição ateia, porém politicamente oposta a de Hegel:
o último é alguém que prima pela racionalidade do Estado na reconciliação das
oposições da sociedade burguesa; o primeiro é um crítico do progresso, da democracia
e vem a adotar aquilo de mais bestial do capitalismo como base de sua crítica ao
cristianismo. Heidegger, por sua vez, ataca o pensamento hegeliano como uma espécie
de onto-teologia e, tanto em
Ser e tempo
, quanto na
Carta sobre o humanismo
, traz
por central a cisão entre ser e ente, que, segundo Lukács, não pode deixar de remeter
a uma espécie de secularização da oposição teológica entre criador e criatura. Um
aspecto importante sobre o texto heideggeriano que o marxista húngaro critica é:
Heidegger vem a reconhecer a importância da obra de Marx no que diz respeito à
história e à experiência do estranhamento no mundo moderno.
Com isto, aparentemente, o autor de
Ser e tempo
estaria se aproximando de uma
concepção objetiva e não subjetivista, como a de Bergson, por exemplo de tempo
e de história. Ou seja, parece que as pretensões dos filósofos existencialistas, bem
como o ímpeto inicial do Marcuse de
Materialismo e existência
(de aproximar o
marxismo da filosofia heideggeriana) estariam em um terreno fértil. Porém, segundo
Lukács, seria justamente o oposto que ocorreria: as raízes teológicas e
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kierkegaardianas do pensamento de Heidegger seriam mais do que presentes, tendo-
se na oposição entre história e historicidade correlacionada de modo mediado à
oposição entre ente e ser algo que afasta de modo absoluto as relações sociais e
reais. E, assim, tem-se uma pseudo-objetividade, bem como um tratamento a-histórico
e mistificado da história. O modo pelo qual se coloca a terceira via heideggeriana
levaria para que se use a dicção de
A
destruição da razão
a uma espécie de
apologia indireta do capitalismo. E, assim, haveria razões para que a influência das
posições do autor fosse grande. E mais: aqueles que pretendessem apropriar-se das
categorias heideggerianas para a reflexão crítica estariam em meio a uma espécie
renovada de irracionalismo, que ainda poderia vir a formar, em um futuro mais ou
menos próximo, elementos basilares de uma concepção de mundo perigosa e
inelutavelmente apologética diante das estruturas da sociedade capitalista.
Hoje, em um momento em que autores como Foucault, explicitamente
influenciados por Nietzsche, bem como por Heidegger, são essenciais para o assim
chamado pensamento crítico, o presente texto pode trazer elementos importantes para
reflexão. Isto se dá até mesmo porque, se é verdade o que diz Lukács, as categorias
que critica e que hoje o lugares comuns na filosofia não deixam de ter uma
origem teológica. Ou seja, Marx criticou os filósofos por somente interpretarem o
mundo de diferentes maneiras; Lukács, por sua vez, vê como a realidade objetiva e o
mundo se tornam pseudo-objetividades na filosofia burguesa. E o pensamento “crítico”
não se pode nem mais falar “progressista”, pois a noção de progresso parece ser
um palavrão... não deixa de se aproximar, cada vez mais, de uma posição relativista
e que se esquiva da apreensão reta do real. Sequer se interpreta o mundo; transformá-
lo substancialmente, assim, é impossível. O presente texto, objeto de tradução, procura
dar passos no sentido de um embate ideológico essencial ao tempo de Lukács, e ao
nosso.
Como citar:
SARTORI, Vitor Bartoletti. Apresentação:
Heidegger Redivivus
.
Verinotio
, Rio das
Ostras, v. 27, n. 1, pp. 40-47, jan./jun 2021.