Ester Vaisman
284 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 277-307 - jan./jun. 2021
imputado, apresenta-se de um modo completamente distinto, pois:
Responde como fonte primária ou raiz polivalente pelas grandezas e falácias
do pensamento. De suas formas emanam carências e constrangimentos que
impulsionam ao esclarecimento, ou pelo contrário, conduzem ao
obscurecimento da consciência, em todos os graus e mesclas possíveis. De
suas formações, que demarcam épocas, tempos de luz e afirmação do
homem, ou de sombra e negação do mesmo. Se impõem e realizam,
abrangendo todo gênero em suas tendências peculiares e contraditórias
(CHASIN, 2009, p. 108).
No que diz respeito à relação indivíduo/sociedade, complexo categorial
específico, diretamente vinculado ao modo como Marx abordou e tematizou a
sociabilidade, ele se converteu, do mesmo modo, em objeto de inúmeras polêmicas,
por isso, é importante também, nesse momento da exposição, aduzir algumas
considerações de cunho explicativo com vistas a um devido posicionamento diante do
assunto.
Em outro lugar cheguei a afirmar que:
O desapreço por Marx, derivado do desconhecimento de sua obra e da
catástrofe impudente do Leste Europeu, levou inclusive intérpretes bem-
intencionados a navegar e submergir em ideias no mínimo problemáticas,
quando a grande tematização do homem está em Marx – os indivíduos
sociais, a individuação, a formação social da individualidade. O
reconhecimento do forte vínculo entre indivíduo e sociabilidade, quando bem
fundamentado, amparado nas formulações do próprio autor ao longo de sua
obra, permite-nos compreender que a categoria da individualidade em Marx
não é nem pode ser compreendida de outro modo, a não ser recaindo em
mitos e supostos naturalistas ou transcendentais (VAISMAN, 2009, p. 442).
Ainda nesse mesmo artigo, linhas à frente, acrescento o seguinte esclarecimento:
Por ora, importa lembrar que, já na VI Tese Ad Feuerbach, com objetivo de
rejeitar o naturalismo presente em Feuerbach, Marx é enfático ao afirmar que
“[...] a essência humana é o conjunto das relações sociais” (MARX; ENGELS,
2007, p. 534). O conteúdo desse conhecido, mas mal interpretado aforismo,
indica uma noção substancialmente diferente das concepções naturalistas ou
transcendentais, de longa tradição na história da Filosofia. Ademais, tal noção
– vale a pena repetir - não deve ser tomada como um sociologismo
à la
Durkheim. Em verdade, postulações dessa natureza são estranhas ao
pensamento de Marx, pois é no interior do complexo e contraditório campo
da interatividade social, segundo ele, que a individualidade se forja,
simultaneamente à produção do próprio mundo social, emergindo, dessa
forma, não como dois polos excludentes, mas como âmbitos da existência
humana que se determinam mutuamente (VAISMAN, 2009, p. 442).
De fato, à atribuição de um “sociologismo” em Marx foi associada à tese de que
a individualidade nada mais seria do que um apêndice condicionado e conformado
pelo “meio social”, não possuindo assim identidade própria, autoentificada. Como tais
postulações aparecem, de modo geral, correlacionadas, é mister tratá-las aqui do
modo como convém a um escrito cujo objetivo final é discutir as relações entre filosofia