Ontologia do ser social: considerações sobre o valor e o dever-ser em Lukács
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 338-351 - jan./jun. 2021 | 343
emergência que se tem no processo de trabalho da configuração adequada entre
causalidade e pôr teleológico:
Teleologia e causalidade não são, como até agora aparecia nas análises
gnosiológicas ou lógicas, princípios mutuamente excludentes no
desdobramento do processo, do ser-aí e do ser-assim das coisas, mas ao
contrário, princípios mutuamente heterogêneos, que, no entanto, apesar da
sua contraditoriedade, somente em comum, numa coexistência dinâmica
indissociável, podem constituir o fundamento ontológico de determinados
complexos dinâmicos, complexos que só no campo do ser social são
ontologicamente possíveis, cuja ação nessa coexistência dinâmica constitui a
característica principal desse grau do ser (LUKÁCS, 2013, p. 89).
Todas as práticas sociais, por mais complexas que sejam, se assentam sobre essa
relação entre causalidade e teleologia. A noção abstrata de liberdade cede lugar aqui
ao entendimento da liberdade enquanto decisão subjetiva individual frente a essa
relação, no sentido de procurar fazer valer determinadas posições teleológicas futuras.
Assim, a respeito da liberdade, nos diz Lukács:
A liberdade obtida no trabalho originário era, por sua natureza, primitiva,
limitada; isso não altera o fato de que também a liberdade mais alta e
espiritualizada deve ser conquistada com os mesmos métodos com que se
conquistou aquela do trabalho mais primitivo, e que o seu resultado, não
importa o grau de consciência, tenha, em última análise, o mesmo conteúdo:
o domínio do indivíduo genérico sobre a sua própria singularidade particular,
puramente natural. Nesse sentido, acreditamos que o trabalho possa ser
realmente entendido como modelo de toda liberdade (LUKÁCS, 2013, p.
156).
A gênese da liberdade se encontra na relação consciente que se estabelece entre
o por teleológico – em sua conjunção com o valor –, e as condições objetivas nas quais
a ação se dará, o que se traduzirá por uma práxis orientada por um dever-ser. Nas
formas mais espiritualizadas das relações humanas, essa premissa ontológica
permanece, ou seja, o valor se realiza no agir que, por sua vez, pressupõe uma
objetividade social dada. O valor, para se realizar, necessita de uma substancialidade
social, sem a qual seria apenas uma ideia vazia de sentido, sem vínculo com a
realidade.
Em consonância com o texto marxiano, Lukács enfatiza o caráter histórico da
substância social, da qual se derivam as expressões ideais. Isso equivale a dizer do
caráter social do valor e do dever-ser. Estes não exibem uma racionalidade
transcendental, nem são frutos de uma argumentação racional, a não ser que se
compreenda esta última como assentada sobre a substancialidade social concreta. O
conteúdo do dever-ser se refere a uma dada configuração social, que para se
reproduzir, coloca determinadas finalidades no que se refere ao comportamento dos
indivíduos sociais. Lukács contrapõe-se assim às filosofias idealistas que,