VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, Lukács: 50 anos depois, ainda - mar. 2022
A sombra do progresso: Lukács, Balzac e as
contradições do realismo
The shadow of progress: Lukács, Balzac and the contradictions of realism
Paula Alves*
Resumo: Esse artigo procura situar as leituras de
Lukács sobre Balzac, coligidas no volume
Balzac
und der französische Realismus
[Balzac e o
realismo francês] no contexto dos debates que
movimentaram a vida intelectual soviética àquela
altura, isto é, ao longo dos anos 1930. Nesse
sentido, foram fundamentais os debates contra a
sociologia vulgar, nos quais Lifschitz, com quem
Lukács irá manter por muitos anos uma rica
interlocução, logo tomou a dianteira. Além do
“triunfo do realismo”, outros conjuntos de
problemas ligados à relação entre literatura e
visão de mundo viram-se no centro de uma
disputa acalorada, que culminou na suspensão da
revista literária
Literaturnyi kritik
. Tanto Lukács
quanto Lifschitz operam um deslocamento desse
debate que concerne aparentemente problemas
da teoria literária para o campo da filosofia da
história, mais precisamente, das concepções
sobre o progresso, para expor afinal qual era de
fato o objeto da polêmica. Iremos então nos deter
nesse , acompanhando as consequências que
Lukács extrai daí para as suas leituras de Balzac.
Palavras-chave: Lukács; realismo literário;
Lifschitz; debate sobre a sociologia vulgar;
Balzac.
Abstract: This article aims to place Lukács'
readings on Balzac, gathered in the volume
Balzac und der französische Rrealismus
[Balzac
and the French realism], in the context of the
debates that stimulated the Soviet intellectual
life at that time, that is, throughout the 1930s.
In this regard the debates against vulgar
sociology were fundamental, in which Lifschitz,
who would become a long-time companion and
interlocutor of Lukács, soon took the lead. In
addition to the “triumph of realism”, other
constellation of problems linked to the
relationship between literature and worldview
found themselves at the center of a heated
dispute, which culminated in the suspension of
the literary magazine
Literaturnyi kritik
. Both
Lukács and Lifschitz operated a displacement of
this debate to the field of philosophy of history,
more precisely, of the opposing conceptions
about progress, to expose, after all, what was in
fact the object of the controversy. We will then
address this crucial point, following the
consequences that Lukács draws from it for his
readings of Balzac.
Keywords: Lukács; literary realism; Lifschitz;
debate on vulgar sociology; Balzac.
A crítica literária de Lukács no período moscovita
Nos ensaios coligidos em
Balzac und der französische Realismus
[
Balzac e o
realismo francês
], Lukács retorna uma outra vez à obra desse célebre romancista
francês. Publicado em 1952 pela editora Aufbau
1
, esse livro é a versão alemã de
uma coletânea que saiu anteriormente em húngaro, ao final da II Guerra Mundial,
* Mestre em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail
: paulaama@hotmail.com.
1
Erich Wendt, seu editor na época na Aufbau, sugere em uma carta (9 ago. 1950) que um ensaio
sobre Maupassant tornaria o livro “completo”, mas Lukács não se em condições de escrevê-lo, em
virtude de seu ritmo de trabalho àquela altura. Para a edição alemã, que é, portanto, idêntica à
húngara, Lukács expressa apenas a necessidade de modificar um pouco o prefácio.
DOI 10.36638/1981-061X.2022.27.2.634
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quando Lukács retornou a Budapeste depois de quase três décadas vivendo no
exílio.
Embora haja um forte vínculo entre eles, esses textos foram concebidos de
maneira independente. Com exceção de
Zum hundertsten Geburtstag Zolas
[
Para o
centenário de Zola
], que foi publicado pela primeira vez em 1940, tanto em revistas
húngaras (
Korunk
,
Uj hang
) quanto na União Soviética (
Literaturnoje Obosrenije
) a
propósito da efeméride dos cem anos de nascimento de Zola, os demais artigos
datam de meados dos anos 30.
Balzac: Les Illusions perdues
(1935) bem como
Die Bauern
[
Os camponeses
] (1934) foram escritos como prefácios às edições
soviéticas desses romances;
A polêmica entre Balzac e Stendhal
(1935)
apresentava a publicação do debate entre esses dois escritores na revista de teoria e
crítica literária soviética
Literaturnyi kritik
(cf. SZIKLAI, 1990, p. 133).
Esses são, portanto, textos cuja escrita data daquele período da produção de
Lukács que ficou conhecido como “exílio moscovita” (1930-1931 e 1933-1945), em
referência ao lugar em que ele se encontrava. Durante esses anos, Lukács redigiu os
artigos que se tornariam referência na discussão sobre sua teoria do realismo: os
referidos ensaios sobre Balzac, mas também aqueles sobre Goethe e o realismo
alemão, os ensaios sobre os realistas russos (de Púchkin aos realistas soviéticos),
o
Romance histórico
e os
Moskauer Schriften
[
Escritos de Moscou
], uma coletânea
que foi organizada e publicada postumamente
2
.
Embora seja conhecida a afirmação de que o período do exílio em Moscou
marcaria o retorno de Lukács à teoria e crítica literária, após mais de uma década de
intensa atividade política no movimento comunista húngaro após, portanto, seus
“anos de aprendizado do marxismo” (LUKÁCS, 1968, p. 34) , ela não corresponde
aos fatos
3
. Nos anos 1920, além de publicações com temática eminentemente
2
Lamentavelmente, passado tanto tempo, ainda é atual a reivindicação de László Sziklai em 1978
pouco depois da primeira publicação dessa coletânea considerando a quantidade de textos que,
tendo sido escritos durante esse período de exílio, ficaram de fora dos
Escritos de Moscou
: “A seleção
oferece apenas uma pequena parte dos escritos que surgiram durante os quase 15 anos da
emigração em Moscou. [...] Assim, a publicação dos
Escritos de Moscou
o pode ser considerada
finalizada e não foi finalizada. [...] Portanto, a publicação dos Escritos de Moscou deve ser continuada,
na Hungria como no mundo todo; é até mesmo nosso dever continuá-la” (SZIKLAI, 1978, p. 128).
3
László Illés, por exemplo, afirma que “a atividade de Lukács como crítico literário emergiu
concomitantemente à sua retirada do ativismo político”, chamando logo em seguida a atenção para a
“vasta atividade de crítica e teoria literária que Lukács exerceu na imprensa de língua húngara na
segunda metade dos anos 1920” (ILLÉS, 1993, p. 236), o que me parece incoerente, a o ser que
se considere insignificante essa “vasta atividade de crítica e teoria literária” na imprensa húngara,
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política e de intervenção, além de textos (mais ou menos extensos) sobre assuntos
filosóficos, Lukács publica diversos artigos sobre literatura na imprensa húngara
(
100%
,
Új Márzius
, muitas vezes sob pseudônimos) bem como na imprensa alemã
(
Rote Fahne
em 1922-23 e
Die Tat
). Já nesse momento, portanto, Lukács exerce uma
“atividade literária direta” (LUKÁCS, 2009, p. 32), embora ela não constitua o centro
de seu interesse. É preciso, assim, determinar melhor a especificidade do período
moscovita, no que diz respeito à abordagem de problemas literários. Se
diferenças importantes, inclusive do ponto de vista metodológico
4
, entre essa fase de
sua produção e a posterior, também algumas linhas de continuidade que se
revelam, por exemplo, na recorrência dos autores de que ele trata esse é o caso de
Balzac, sobre quem Lukács escreveu um artigo para a
Rote Fahne
em 1922 e que i
depois retornar nos artigos coligidos em
Balzac und der französische Realismus
.
Além de algumas afirmações do próprio Lukács (cf. OPITZ, 1990, p. 4), o que
ajudou a consolidar essa ideia equivocada de um interstício entre os textos de
juventude (antes, portanto, de sua entrada no partido comunista) sobre os problemas
de estética e aqueles propriamente marxistas, é que ela parece convincente sobre o
pano de fundo daqueles anos, tendo em vista a intensa atividade política de Lukács,
à qual se ligam ainda certos revezes em sua biografia. Por vezes, atribui-se esse
“retorno” às questões estéticas nos anos 1930 a uma infeliz injunção, que Lukács
se viu forçado a sair do movimento político húngaro, depois que suas
Teses de Blum
,
apresentadas no II Congresso do Partido Comunista Húngaro, foram derrotadas
5
.
além dos textos publicados nessa mesma época na
Rote Fahne
.
4
Nos anos vinte, Lukács considerava a relação entre literatura e sociedade de uma maneira
mecanicista, daí porque muitas vezes ele estabelece uma relação de correspondência direta entre a
classe social do autor e perspectiva da obra. Para uma análise detida dessa questão, ver: (OPITZ,
1990).
5
Ao ser perguntado sobre a influência desse acontecimento sobre a sua trajetória, Lukács comenta:
“Até as
Teses de Blum
eu era funcionário do partido húngaro. Portanto, o âmbito de minha atividade
foi determinado em larga medida por essa circunstância. Após as
Teses de Blum
, quando compreendi
e isso é o essencial nelas que a revolução proletária e a revolução democrático-burguesa, em se
tratando de uma revolução real, o estão separadas por uma muralha da China, adentrei um terreno
em que podia me movimentar livremente e no qual estava dado esse espaço democrático para a ética.
Permita-me fazer uma espécie de confissão: depois de escrever as
Teses de Blum
, por um lado,
tornou-se claro para mim que eu não era um político, porque um político não as teria escrito naquela
época ou, pelo menos, não as teria publicado. Por outro, compreendi enquanto trabalhava nelas que a
revolução proletária não é um acontecimento isolado, mas a conclusão de um processo histórico.
Consequentemente, as
Teses de Blum
têm um lado bom, a saber, elas libertam o desenvolvimento
ideológico na direção da democracia. Para ter liberdade nessa questão reconhecida como importante,
submeti-me completamente à linha húngara; não queria proporcionar a Béla Kun um triunfo nesse
quesito, não queria que ele tornasse as
Teses de Blum
um problema internacional. Desse modo, o
caso foi reduzido a um problema húngaro e o conteúdo de toda minha filosofia se transformou. Eu
passei da linha húngara para a alemã, ou antes, para a russa” (LUKÁCS, 2005a, p. 116-117).
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Assim, ao se voltar para as questões estéticas, Lukács teria a possibilidade de
continuar obliquamente determinadas discussões, nas quais não poderia tomar parte
de outro modo.
No entanto, a despeito de sua verossimilhança, essa interpretação deixa de
considerar parte da atividade publicística de Lukács ao longo dos anos 1920, ao
mesmo tempo em que distorce, em certa medida, as correlações entre as limitações
conjunturais e sua atividade intelectual. Haveria pelo menos duas razões que
tornariam esse apagamento problemático. Artigos como aqueles publicados na
Rote
Fahne
documentam, já nessa “fase inicial de apropriação do marxismo” (OPITZ,
1990, p. 4), o aparecimento de certos problemas nos campos da história e teorias
literárias que serão desdobrados e reformulados posteriormente, à medida que
Lukács aprofunda sua compreensão do marxismo. De modo que, do ponto de vista
de seu desenvolvimento teórico, esses escritos sobre literatura nos anos 1920
podem ser vistos como importantes documentos de seu “caminho para Marx”,
testemunhando um momento relativamente inicial, impregnado de contradições, de
sua concepção da conformação social da literatura. Apagá-lo, por sua vez, de modo a
ressaltar a maior importância que os trabalhos de crítica e teorias literárias assumem
nos anos 30, acaba por estabelecer um dualismo inexistente entre estes e a
atividade política, como se fossem ocupações claramente dissociadas ou excludentes,
do ponto de vista teórico, mas também biográfico; como se houvesse, afinal, um
abismo entre “tática” e “teoria” que poderia, inclusive, justificar, sem mais, uma
“hierarquia de valor” (SZIKLAI, 1990, p. 135)
6
. Assim, por tabela, relega-se ao lugar
de um prêmio de consolação um campo de discussão que, no caso de Lukács, tem
uma significação que é também política: a literatura
7
. A reflexão sobre essa forma
6
Este dualismo parece repercutir um outro, que vira e mexe é utilizado para se caracterizar inclusive
de um ponto de vista biográfico a trajetória intelectual de Lukács: a divisão entre sua atividade
partidária e sua atividade teórica, a discrepância entre o
partisan
e o filósofo, como se uma coisa
impossibilitasse a realização plena da outra. Assim, a pretensão de distinguir entre eles costuma ser
ainda menos descritiva do que parece: trata-se, no fim das contas, de “salvar” um Lukács do outro, ao
invés de se discernir as possíveis tensões que o posicionamento do autor no movimento comunista
gera na sua produção intelectual. Nesse sentido, o caminho indicado por Sziklai parece mais
proveitoso: “as possibilidades positivas de uma estética comunista não dependem apenas da justeza
objetiva (realidade) da tática do partido e dos objetivos concretos do movimento, mas também da
capacidade do pensador de evidenciar os elementos reais das tendências contraditórias inerentes à
tática e
dar-lhes uma forma teórica em sua estética
” (SZIKLAI, 1990, p. 135, grifos meus).
7
Essa “lenda” de que Lukács, nos anos 30, teria retornado para o campo de atividade de sua
juventude por “razões ticas” (SZIKLAI, 1990, p. 136) também afirma nas entrelinhas que a crítica
literária seria um “campo de atuação aparentemente inofensivo” (SZIKLAI, 1990, p. 136). Se essa
afirmação pode ser questionada, de um modo geral, no caso da Rússia czarista, uma vez que a
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artística ocupa em sua teoria um lugar privilegiado por causa do (e não apesar de)
seu cunho político. A questão é antes como se estabelece essa relação, cujo sentido
não está fora do tempo, entre literatura e política, quais as mediações que constroem
a ponte entre esses dois campos de atuação.
Como se sabe, nos anos 30, a “atividade literária direta” de Lukács, que
continua a se dar sobretudo na forma de artigos para jornais e revistas
8
, assume um
lugar de proa. László Illés (1993, p. 237), por exemplo, dirá que nesse período na
União Soviética “a reconstrução e elaboração de uma estética” constituiu a essência
de sua atuação. Para contextualizá-la, demarcando, por um lado, a diferença entre
esse momento e o anterior, e por outro, esclarecendo os possíveis motivos por trás
dessas diferenças, parece-nos necessário recolocar essa questão a partir de uma
outra chave analítica: a dos desafios históricos aos quais ela responde. Para além do
banimento político, para além das tarefas no interior do partido, existe um outro tipo
de motivação prática que impele a sua teoria: a força motriz da história da teoria
filosófica e estética do marxista Lukács é a revolução socialista” (SZIKLAI, 1990, p.
126). Por esse motivo, Sziklai caracteriza sua estética como uma “estética
comunista”
9
.
Um ponto-chave na constituição dessa “estética comunista” foi o contato que
Lukács teve com textos que até então eram desconhecidos ou de difícil acesso de
Marx, Engels e Lênin. Naquela altura, sob a direção de Riazanov, o Instituto Marx-
literatura no século XIX desempenhava um papel político importante, comparável àquele que
desempenhavam instituições políticas desde o século XVII na Europa Ocidental (cf. MEIER, 2014, p.
23) não por acaso Lukács irá comentar a atividade de democratas revolucionários como Bielínski ou
Tchernichévski , no caso da União Soviética, em que a política cultural era um campo minado de
disputa, sob o qual pairava de maneira mais ou menos fantasmagórica a figura de Stalin enquanto
referência da doutrina oficial (como se sabe, certas posições poderiam custar a vida), a lenda parece
ainda mais sem fundamento. Ademais, no que tange a essas questões dos riscos associados à
“inofensiva” crítica literária, é preciso considerar que o lugar de Lukács, enquanto teórico da cultura,
era assentado sobre uma ambiguidade: se ele era, já então, visto como uma figura de peso no cenário
soviético, ao mesmo tempo, ele não escapava de suspeitas por ser um exilado na URSS, ligado à
tradição alemã, durante a guerra contra a Alemanha nazista (cf. TIHANOV, 2000, p. 65).
8
Mesmo
O romance histórico
, que conhecemos na forma de livro, foi publicado pela primeira vez em
russo, de forma seriada, na revista
Literaturnyi kritik
.
9
Desse ponto de vista, é possível compreender uma tensão que confere ao período moscovita de
Lukács sua feição particular, e que foi muito bem caracterizada por L. Sziklai: por um lado, o caráter
secundário, se não irrelevante, da ocasião que motivou os artigos, na medida em que Lukács escolhia
essas ocasiões e mais do que isso, ele determinava a concepção dos artigos; por outro, a
importância do
hic et nunc
concreto” para qualquer avaliação desses escritos estéticos, pois eles não
podem ser entendidos como uma historiografia da literatura enquanto tal e remetem para essa
peculiaridade de sua estética, uma estética comunista, uma estética do “movimento” comunista
(SZIKLAI, 1990, p. 133-134).
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Engels, no qual Lukács trabalhou como pesquisador
10
ao lado de Michail Lifschitz
quando se instalou da primeira vez em Moscou (1930-1931), preparava para a
publicação os volumes da primeira
Marx und Engels Gesamte Ausgabe
(MEGA).
Lukács pôde então ler os
Manuscritos econômico-filosóficos
de Marx e o impacto que
essa leitura, junto com os
Cadernos filosóficos
de Lênin, teve sobre o
desenvolvimento posterior de toda sua teoria está bem documentado
11
. Podemos
dizer, assim, que Lukács encontrou nos anos 1930 não um velho novo campo de
atuação, mais inofensivo a teoria e crítica literária –, mas “um ‘novo’ Marx”
(SZIKLAI, 1990, p. 137), numa situação em que, ao invés de uma onda
revolucionária mundial, que não ocorreu, o horizonte estava carregado pela
tempestade fascista
12
.
Tal “virada” em sua perspectiva filosófica
13
está estreitamente ligada ao rumo
que Lukács toma em suas reflexões estéticas. Ele afirma, no prefácio a uma coletânea
em húngaro de seus escritos sobre arte, que o reconhecimento da autonomia e da
originalidade da estética marxista foi o meu primeiro passo na direção da
compreensão e da realização de uma nova inflexão ideológica” (LUKÁCS, 2009, p.
10
Essa atividade foi exercida por Lukács de maneira contínua durante seu exílio moscovita: “Fora uma
breve interrupção (em 1939-42), Lukács foi, ao longo de sua estadia em Moscou, um pesquisador no
Instituto de Literatura e Artes da Academia Comunista de Moscou, a qual depois de 1934 funcionou
como um departamento do Instituto de Filosofia da Academia Soviética de Ciências” (ILLÉS, 1993, p.
239).
11
Veja-se a esse respeito as afirmações de Lukács no prefácio à edição húngara de
Arte e sociedade
(2009, p. 27). Para uma análise detalhada dos desenvolvimentos teóricos que a leitura desses textos
permitiu a Lukács, no sentido de uma superação de traços idealistas que se mantinham na sua teoria
literária, remeto a (COTRIM, 2009). Como se sabe, esse período é notável não pelas mudanças no
que tocam as concepções estéticas de Lukács. Nele, Lukács “consolida boa parte de sua produção
intelectual e as mudanças em sua relação com o marxismo” (DUAYER, 2020, p. 97). Nesse mesmo
sentido, atestando a importância desse momento para a gênese da ontologia crítica marxista, Oldrini
afirma que [...] é exatamente ali, em Moscou, que se forma o Lukács maduro” (OLDRINI, 2002, p.
53). Sziklai entende que “a publicação dos
Manuscritos
foi um evento que, por diversos motivos,
transcendeu em importância a descoberta ordinária de uma obra. A
intelligentsia
que tinha uma
orientação decididamente anticapitalista encontrou na
antropologia
de Marx um ponto de vista que
correspondia à sua própria concepção política e leu nas entrelinhas dessa obra a mensagem
extremamente atual de uma crítica humanista positiva (comunismo como superação positiva da
propriedade privada e da autoalienação humana; a apropriação humana da essência humana; o
desdobramento completo do humanismo)” (SZIKLAI, 1990, p. 32).
12
Para Opitz, a “forte tendência para a objetividade” que caracteriza a teoria de Lukács a partir dos
anos 30, tem ainda um componente biográfico: “tão determinante como os outros dois fatores
mencionados para esse desenvolvimento intelectual foram os momentos da biografia pessoal; todo
um conjunto de características constitutivas do sistema de Lukács de 1934, como a forte tendência
para a objetividade, podem ser corretamente classificados e avaliados como uma negação
consequente de posições filosóficas e estéticas da juventude e dos anos 20” (OPITZ, 1990, p. 184).
13
Com base nos materiais disponíveis à época, Opitz põe em questão esse aspecto súbito implicado
pela ideia de uma virada, concordando antes com a tese de Sziklai de que “se trata de um longo
processo de repensar, que levou muitos anos e na verdade pode ser considerado como concluído
por volta do final dos anos 1930” (OPITZ, 1990, p. 112).
Paula Alves
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27). Nesse momento se tornará claro para ele que, ao contrário do que defendiam
figuras importantes da II Internacional, como Mehring, a estética não estaria fora do
conjunto de reflexões de Marx e Engels; por conseguinte, uma estética marxista não
precisaria ser criada como que do zero” a partir de excertos tirados, por exemplo,
da estética kantiana, que seria possível encontrar nos escritos dos clássicos do
marxismo uma teoria estética imanente
in nuce
(COUTINHO; NETTO, 2009, p. 14).
Esse “reconhecimento da existência de uma estética marxista, autônoma e unitária”
foi, para Lukács, “o resultado ideal mais relevante deste processo de esclarecimento”
(LUKÁCS, 2009, p. 25). Partindo, portanto, dessa convicção, ele irá se dedicar a
desenvolver essa estética propriamente marxista; seus escritos sobre literatura
durante os anos 1930 e 1940 integram esse esforço, que culminará depois de
algumas décadas nos dois volumes de sua
Estética
.
O interessante é como, nesse momento, a metamorfose que se delineia na
teoria estética de Lukács, remete continuamente às possibilidades (e limites) do
movimento comunista. Ela é, como define Sziklai de modo muito preciso, uma
“estética em movimento mais exatamente uma estética
do
movimento” (SZIKLAI,
1990, p. 133). Uma das dimensões dessa inserção no “movimento”, de um
desenvolvimento teórico no seu interior, é justamente o debate constante em torno
das ideias e estratégias do movimento comunista (cf. JUNG, 1990, p. 110) e Lukács
tinha clara consciência do papel que a publicística desempenhava nesse ponto (cf.
SZIKLAI, 1990, p. 134). Não surpreende, desse modo, o caráter, em larga medida
publicístico, de sua estética nesses anos. Não há, praticamente, nenhum órgão da
imprensa literária comunista e isso a nível mundial em que não tenha saído nessa
época uma contribuição sua (cf. SZIKLAI, 1990, p. 133).
Assim, é em meio a debates, interligados “organicamente com a vida literária e
artística contemporânea na União Soviética” (ILLÉS, 1993, p. 246), que Lukács
desenvolve sua concepção de realismo. Nesse contexto, poderiam ser mencionados:
aquele contra a Associação Russa de Escritores Proletários (RAPP), o debate sobre a
filosofia no início dos anos 1930
14
, os debates sobre o naturalismo e sociologia
14
Nesse debate, Stalin iniciou uma investida contra Deborin e seus alunos. No prefácio de
Arte e
sociedade
, Lukács o situa no contexto político da União Soviética: “A condição teórica para atingir
esta finalidade [construção do socialismo em um país] era fazer com que a opinião pública
reconhecesse em Lênin o somente o grande tático da luta revolucionária, mas também aquele que
restaurou e desenvolveu teoricamente o marxismo contra os desvios ideológicos da Segunda
Internacional. O debate filosófico dos anos 1930-1931 caminhou nesse sentido” (LUKÁCS, 2009, p.
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vulgar da arte ou o debate em torno do romance enquanto gênero literário
15
. Tendo
em vista, contudo, o fio condutor de seu desenvolvimento nesse período, isto é, o
empenho de Lukács na reconstrução dos fundamentos de uma estética marxista a
partir das concepções de Marx, Engels e Lênin, os debates contra a sociologia vulgar
parecem assumir um lugar central, na medida em que, como ressalta Sziklai, essas
duas frentes constituem “dois lados de um mesmo processo” (SZIKLAI, 1978, p.
95)
16
.
Debate contra a sociologia vulgar e os escritos sobre realismo de Lukács
Surgida nos anos 1920, a escola sociológica foi uma corrente importante no
pensamento estético soviético, representada por autores como V. M. Fritsche e V. F.
Pereverzev. Valendo-se, dentre outras fontes, da teoria de Plekhânov
17
, ela concebia
26-27). Como Lukács relembra em
Pensamento vivido
, tratou-se de um acontecimento muito
importante para seu desenvolvimento teórico, a despeito dos “posteriores traços stalinistas” que se
tornaram visíveis nesse debate: a crítica de Stalin a Plekhânov me levou também a uma crítica a
Mehring. Plekhânov e Mehring consideravam necessário completar Marx, se estivessem sendo
debatidas outras questões que não as socioeconômicas” (LUKÁCS, 2005, p. 123).
15
Foi pedido tanto a Lukács como a um aluno de Pereverzev, G. Pospelov, que escrevessem uma
entrada sobre o romance para a
Literaturnaya enciklopedija
. Baseando-se nesse artigo, Lukács deu
uma palestra na Seção de Literatura do Instituto de Filosofia da Academia Comunista em 1934, à qual
se seguiu um debate de alguns dias. De acordo com L. Illés, esse foi, “em essência, um dos primeiros
confrontos entre o círculo em torno da
Literaturnyi kritik
e os sociólogos vulgares que se reuniam em
torno de Pereverzev” (ILLÉS, 1993, p. 255).
16
Tendo-se em vista o cenário da crítica soviética nos anos 1920, torna-se muito claro o motivo de
essas duas frentes estarem estreitamente relacionadas: “na diversidade do pensamento soviético dos
anos 20 sobre história da arte e crítica literária, pode-se diferenciar duas linhas principais no que
concerne ao tratamento teórico de problemas da arte e da literatura. Uma (de uma forma ou outra
associada com o todo formal) se concentrava na investigação da organização interna da obra de
arte e seus vários componentes, assim como na investigação dos embates e sucessões na história da
arte; a outra vertente, orientada sociologicamente, que combatia o método formal, via na arte e na
literatura ou uma projeção de ideias e humores sociais de grupos da sociedade que historicamente se
substituíam e lutavam entre si ou o reflexo de um determinado nível de desenvolvimento econômico e
das formas de organização sociais correspondentes” (FRIDLENDER, 1990, p. 516). Como nota L. Illés
com base no ensaio de Lukács sobre Mehring, a sociologia vulgar, com sua crença em uma
“correspondência direta entre base de classe e ideologia”, dava continuidade ao pensamento da
Segunda Internacional, “a época em que a social-democracia abandonou a herança revolucionária da
dialética hegeliana e voltou novamente para Kant, afundou-se em oportunismo e falhou em empregar
o princípio marxista mobilizador do ‘desenvolvimento desigual’” (ILLÉS, 1993, p. 248).
17
Sobre a relação dos sociólogos vulgares com a teoria de Plekhânov, veja-se (LIFSCHITZ, 1988a, p.
470). Como lembra Leandro Konder, Plekhânov foi considerado “em certa fase o verdadeiro criador
da teoria estética do marxismo”, ocupando, junto com Mehring, o lugar dos “dois primeiros grandes
críticos de arte de orientação marxista” (KONDER, 1967, p. 39-40). Depois do debate filosófico,
contudo, seu renome foi posto em questão. Städtke alerta, em sua apresentação desse teórico, para a
necessidade de não se reduzir a recepção de Plekhânov às suas limitações sociologizantes: “é preciso
levar em conta que Plekhânov exerceu um importante papel de mediador entre a teoria literária russa
clássica e o programa estético da RAPP, especialmente no que diz respeito à tese da especificidade
da arte e da literatura em transmitir um conhecimento de mundo através de imagens sensíveis”
(STÄDTKE, 1977, p.11). Lifschitz, na verdade, também segue por essa linha: reconhecendo o vínculo
entre a sociologia vulgar e a teoria de Plekhânov, ele não deixa de observar que esta é “cara a todo
marxista” e que a sociologia vulgar “mobiliza os
piores
lados de Plekhânov, seu relativismo
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a forma literária como a expressão da visão de mundo do autor empírico,
determinada, por sua vez, por sua posição de classe (cf. MEIER, 2014, p. 114). Essa
aplicação direta de categorias da sociologia à análise de obras literárias foi o que lhe
rendeu a pecha de “vulgar” entre os colaboradores da
Literaturnyi kritik
(cf. MEIER,
2014, p. 114), uma revista de crítica e teoria literária que iniciou suas atividades em
1933 e na qual Lukács publicou “pela primeira vez” todos os seus “artigos teóricos
e de princípio sobre a essência do realismo” (LUKÁCS, 2009, p. 28).
Tem-se os protagonistas de sucessivas polêmicas no interior da esquerda
soviética: de um lado, os sociólogos da arte, dos quais se aproximam também alguns
membros da então extinta RAPP, de outro, o círculo em torno da
Literaturnyi
kritik
18
, que publica diversos artigos em que o afastamento oficial da linha defendida
pela RAPP, isto é, da prescrição da dialética materialista como método artístico, se
combina com uma crítica do pensamento mecanicista, particularmente da sociologia
vulgar (cf. MEIER, 2014, p. 82). Isso faz com que essa revista seja considerada como
o centro de uma campanha movida contra essa corrente de pensamento, ainda que a
maior parte dos artigos explicitamente com esse propósito tenha sido publicada em
outros periódicos (cf. MEIER, 2014, p. 115).
Foi na
Literaturnyi kritik
que, após a resolução oficial de dissolução de todas as
associações literárias e a subsequente criação da União dos Escritores Soviéticos,
travou-se uma intensa discussão sobre a visão de mundo do autor e o método de
representação literária, entre 1933 e 1935
19
. A redação da
Literaturnyi kritik
,
representada por Rosenthal, defendia a posição de que um escritor, em princípio,
sociológico” (LIFSCHITZ, 1988b, p. 501; grifos meus).
18
Lukács considera que a
Literaturnyi kritik
surgiu a partir da outra “ala” na qual se bifurcou o
movimento contra a RAPP e seu sectarismo: uma ala estritamente stalinista, que se contentou em
isolar Averbach e a outra, “que se dedicou à transformação revolucionária e democrática da literatura
russa” (LUKÁCS, 2005a, p. 138). De acordo com szló Illés, a maior parte dos colaboradores da
Literaturnyi kritik
pertencia ao círculo de Lunatcharski (cf. ILLÉS, 1993, p. 245). Lukács é certamente o
nome mais conhecido dentre os teóricos e críticos em torno dessa revista, que contava também com
M. Lifschitz, I. Satz, I. Usievic, W. Grib, P. Judin, M. Rosenthal e G. Fridlender entre seus colaboradores.
Alguns deles ficaram conhecidos na União Soviética como “nova corrente” (
novojtecenie
). Além de
Lukács, a essa “nova corrente” pertenciam, entre outros, Lifschitz, Usievic e Fradkin (cf. BRENNER,
1991, p. 170-171). Para N. Meier, eles apoiam uma crítica da vulgarização do marxismo tal como
praticada na União Soviética; a descoberta de textos aentão inéditos de Marx teria possibilitado o
surgimento de novas correntes no interior do marxismo que portavam esse potencial de crítica radical
desde o campo socialista (cf. MEIER, 2014, p. 165).
19
Sziklai menciona que essa discussão se alongou por mais de 30 contribuições e foi interrompida
durante um certo tempo em 1934 (cf. SZIKLAI, 1978, p. 120). Para uma reconstrução detalhada
desse debate, bem como de sua relação com as mudanças na política cultural da União Soviética, veja-
se: (MEIER, 2014).
A sombra do progresso
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poderia fazer boa literatura (realista)
apesar
(em russo:
vopreki
) de sua visão de
mundo, pois, tendo características específicas, próprias desse campo, a prática
artística do escritor poderia atuar como um corretivo sobre sua visão de mundo e
seus preconceitos subjetivos. Contrariando essa tese, os defensores do
“blagodarismo” sustentavam que os escritores apenas são capazes de oferecer um
retrato realista da realidade
graças
(em russo:
blagodarya
) a sua visão de mundo. Foi
em torno dessas noções que o debate girou: apesar da” ou graças à” visão de
mundo do artista.
Nusinov, que é um representante do “blagodarismo”
20
, rejeitava igualmente os
postulados da RAPP, que, além do mais, ele considerava prejudiciais para o
desenvolvimento da literatura soviética (cf. MEIER, 2014, p. 101). No entanto, assim
como defendia a RAPP, ele supunha que a literatura poderia ser reduzida às
características do
milieu
de seu criador, à sua gênese social, de modo que, para
Nusinov, a essência da obra manifestaria necessariamente a ideologia da classe do
artista, demonstrando a sua potência se essa classe cumpre naquele momento
histórico o papel de arauto do progresso ou, pelo contrário, a miopia tacanha das
classes decadentes. Ao fim e ao cabo, o autor é lido como um porta-voz de sua
classe, a cujos limites ele está submetido como a uma fatalidade.
Na medida em que consideram a literatura apenas como expressão direta de
uma consciência determinada pela posição de classe, os sociólogos vulgares seguem,
em princípio, a mesma linha que os “blagodaristas” (cf. MEIER, 2014, p. 114).
Impulsionado não pelo momento oportuno, que se anuncia nos deslocamentos
que então sucediam na política cultural soviética (cf. PIKE, 1982, p. 268), senão que,
pelo empenho em dar continuidade ao pensamento estético de Lênin e dos clássicos
do marxismo (cf. SZIKLAI, 1978, p. 97)
21
, Lifschitz publica em 1936 um artigo na
Literaturnaja gazeta
,
O leninismo e a crítica de arte
e assume assim a frente da
campanha contra a sociologia vulgar
22
. Nesse texto, ele relaciona as limitações
20
Sobre Nusinov, Lifschitz afirma que ele “continua sendo o modelo ultrapassado da sociologia vulgar
consequente, que sabe como fazer as coisas [
wo Barthel den Most holt
]” (LIFSCHITZ, 1998a, p. 508).
21
Observe-se ainda que a crítica de Lifschitz à sociologia vulgar da arte, a partir de uma interpretação
dos escritos de Marx, Engels e Lênin, remonta já a seus primeiros trabalhos (cf. FRIDLENDER, 1990, p.
517); é difícil e errado, portanto, interpretá-la como um mero oportunismo político.
22
Para Sziklai, embora nos anos anteriores a relação entre visão de mundo e obra de arte, tal como
entendida pela sociologia da literatura, tivesse sido criticada na
Literaturnyi kritik,
é a partir desse
artigo de Lifschitz que a polêmica toma corpo. Ele considera que os primeiros artigos como os de
Rozenthal, Judin e Nusinov trataram a questão de modo muito “abstrato” e se valiam de
Paula Alves
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frequentemente observadas na crítica de arte soviética, que muitos buscavam
superar com uma retificação da figura do crítico (mais talento, mais honestidade…),
com um sistema de esquemas sociológicos, provenientes de uma concepção rasa e
dogmática do marxismo; com a influência, portanto, da sociologia vulgar sobre esse
campo do pensamento.
Um dos pontos centrais no argumento de Lifschitz é que, ao restringir o escopo
de percepção e criação do artista à psicologia de sua classe, da qual ele é, portanto,
“um produto passivo” (SZIKLAI, 1978, p. 96), a sociologia vulgar distorceria o
processo de formação da consciência de classe, que pressupõe, por sua vez,
diferentes mediações com o mundo exterior, com a realidade objetiva, apagando
assim “as contradições de classe fundamentais de cada época histórica” (LIFSCHITZ,
1988a, p. 478). As oscilações, as inconsistências manifestações características de
épocas em que
se mostra a “revolta contra os opressores”, mas
ainda
não
se
chegou à “luta consciente e consequente contra eles” (LIFSCHITZ, 1988a, p. 475),
isto é, em que “o velho ‘já’ foi ultrapassado, o novo ‘ainda’ não tem forças” (SZIKLAI,
1978, p. 97) , isso escapa, sistematicamente, aos esquemas lineares da sociologia
vulgar. Lifschitz conclui, assim, que essas “pessoas que tanto escrevem e falam sobre
‘análise de classe’ não compreendem nada da luta de classes real” (LIFSCHITZ,
1988a, p. 478).
Poucos meses depois, em uma tréplica
23
, Lifschitz irá mostrar como a análise
das relações de classe da sociologia vulgar
24
faz sentido em face de determinada
concepção do que é o progresso, a qual ele considera abstrata e distante do
marxismo (cf. LIFSCHITZ, 1988b, p. 510):
Se falamos do caráter progressista de uma classe, então a sociologia vulgar
se entusiasma com a força e a saúde da besta com bochechas rosadas e
musculosas. A burguesia saudável, a jovem burguesia repetem sem
cessar e com deleite os representantes da orientação por nós conhecida.
fundamentos filosóficos “lábeis” (SZIKLAI, 1978, p. 95).
23
De acordo com Sziklai, a sociologia vulgar mudou diversas vezes de figura ao longo dos anos 30.
Lifschitz aponta em mais de uma passagem de suas tréplicas para essas mudanças que foram se
operando nos argumentos de seus adversários, que, adaptando-se ao clima político, foram se
tornando mais ecléticos, pinçando até mesmo argumentos de seus opositores (SZIKLAI, 1978, p. 95).
24
Esse tipo de análise é próprio do marxismo dogmático, dirá Lifschitz: “o marxismo dogmático
entende por análise de classe a constatação dos tipos e estilos sociopsicológicos de pensamento
primordiais, que da mesma forma que são verdadeiros do ponto de vista da própria classe, são falsos
do ponto de vista da classe oposta. O sociólogo explica apenas esses tipos e suas explicações
equivalem à filosofia do doutor Pangloss: ‘está comprovado que as coisas não podem ser diferentes
do que elas são, pois como tudo foi criado para um fim determinado, tudo deve necessariamente se
dirigir para o melhor fim’” (LIFSCHITZ, 1988a, p. 474).
A sombra do progresso
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(LIFSCHITZ, 1988b, p. 517)
Uma classe “saudável” seria, nessa linha de pensamento, aquela que dirige a
economia, impulsionando o desenvolvimento das forças produtivas; nesse momento,
tal classe cumpriria a função de motor da história e conduziria a humanidade adiante,
vale dizer: a classe dirigente materializa o progresso e é, por conseguinte,
progressista. Assim, conclui Lifschitz, a tarefa da crítica literária seria então algo
simples, se ela consistisse apenas, como quer a sociologia vulgar, em “prender no
local do crime os clássicos da literatura mundial e comprovar que, em virtude de seu
nascimento, de sua educação ou, por fim, da expressão direta de suas visões
políticas, eles pertencem à classe dominante” (LIFSCHITZ, 1988b, p. 487). Pois, a
partir desse entendimento do que é o progresso, bastaria deduzir o “valor” das
obras de arte: a classe que conduz o desenvolvimento econômico realiza o
movimento de evolução da humanidade; na medida em que este é considerado
historicamente necessário, racional, na medida em que essa classe é, portanto,
progressista
25
, ela é capaz de criar obras de relevo, isto é, obras que expressam por
meio de seu estilo de classe
26
a visão de mundo progressista das classes dirigentes.
Lifschitz contrapõe a essa uma outra concepção sobre a luta de classes e seu
sentido histórico, que acentua o ponto de vista da totalidade. Trata-se, em última
instância, de ponderar “o vínculo [do artista] ao poder e à propriedade [...] em
relação à totalidade das forças sociais colidentes” (SZIKLAI, 1978, p. 96). Seria
preciso considerar as relações de antagonismo entre as classes da perspectiva de
todo
o desenvolvimento, e “não quanto ao seu estado morto [
tote
Zustandshaftigkeit
], mas quanto suas principais tendências de movimento” (SZIKLAI,
1978, p. 96). Em sua raiz, o progresso remete para Lifschitz à “vida do povo”, ao
“movimento vindo de baixo” das massas populares e à pressão que elas exercem nos
25
Não se engana quem entende que, seguindo essa linha, tudo é, no limite, uma expressão do avanço
da humanidade, na medida em que realiza uma necessidade histórica: “Não desperta no leitor a
impressão de que isso seria a dialética do doutor Pangloss, que achava que até mesmo a sífilis e a
santa Inquisição foram boas, pois elas foram o produto legítimo [
gesetzmäßig
] da história. Tudo é
progressista a seu tempo. Assim julgam também os nossos sociólogos, que emprestam dos antigos
escritos social-democratas a sua concepção de progresso” (LIFSCHITZ, 1988b, p. 516). Outra
passagem bastante significativa, nesse sentido, é esta, que remete mais diretamente ao contexto da
época: “De acordo com essa teoria, até mesmo o fascismo pode nos presentear com ‘valores
espirituais’. Nusinov comprova com detalhes que as ideias mais contrárias aos homens
[
menschenfeindlichsten
], mais larápias e mendazes são capazes de produzir obras-primas, porque
essas ideias contribuem para a ‘autopreservação’ das classes proprietárias e fortalecem a
crença
na
necessidade de sua dominação” (LIFSCHITZ, 1988b, p. 501-502).
26
Como sintetiza Sziklai, em seu artigo sobre Lifschitz, “o movimento das classes coincide com o
movimento das grandes orientações de estilo: ‘o estilo é a classe’” (SZIKLAI, 1978, p. 94).
Paula Alves
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“de cima”:
As massas populares sempre exerceram com sua pressão uma grande
influência na política dos reis e aqui se deve procurar a principal força
motriz do progresso. Mesmo a troca de dinastias, a usurpação do trono,
que ocorre tão frequentemente na história, não pode ser entendida sem a
referência ao desenvolvimento do movimento das massas. (LIFSCHITZ,
1988b, p. 512)
Assim, dirá Lifschitz num artigo de 1940, quando essa polêmica tomou um
outro rumo e a revista
Literaturnyi kritik
acabará como veremos mais adiante por
ser oficialmente suspensa, “o progresso o é
absoluto
”, nem “o conflito da
democracia burguesa com a reação feudal é a
única
forma na qual foi realizada a luta
a favor dos interesses populares e pelo desenvolvimento de uma visão de mundo
progressista” (LIFSCHITZ, 1988c, p. 544). Ideologias progressistas da burguesia em
ascensão, como foi a seu tempo o racionalismo, podem afinal se transformar no seu
contrário (cf. SZIKLAI, 1978, p. 96). Portanto, para apreender o sentido dos
fenômenos do complexo ideológico, o basta usar conceitos como “progressista”
ou “reacionário” como etiquetas de classificação; apenas uma análise que os situe
social e historicamente no movimento das classes, tendo em vista a diferenciação
dos interesses no interior das mesmas, pode dar conta dessa tarefa, de modo que
estes conceitos históricos são, do ponto de vista da dialética marxista, relativos”
(LIFSCHITZ, 1988c, p. 544):
Os interesses do partido burguês-progressista coincidiram às vezes com os
interesses do povo, mas não em todo lugar nem completamente. Desta
forma, é possível uma crítica conservadora e até mesmo reacionária ao
progresso que contenha elementos valiosos e até mesmo socialistas.
(LIFSCHITZ, 1988c, p. 545)
***
A participação de Lukács nesses debates de início não se dá, como é o caso de
Lifschitz, na forma de uma confrontação direta (provavelmente isso se deve ao fato
de que ele não dominava a língua russa)
27
; mas ele elabora sua posição, que
converge em muitos pontos com a de seu camarada russo e polemiza, portanto, com
a sociologia vulgar, nos diversos artigos que escreveu sobre literatura durante o
período de seu exílio moscovita, muitos dos quais foram traduzidos e publicados na
Literaturnyi kritik
. Sua influência nesta revista é inegável e Nils Meier (2014, p. 128),
por exemplo, o considera propriamente um “voprekista”, isto é, um integrante
27
Comentando essa questão nas suas memórias, Lukács diz o seguinte: “Nessa linha, por exemplo, a
Usievic eu nem tanto, porque eu não sabia russo atacou a literatura política de seu tempo de
maneira bem contundente, sem que ela fosse presa por isso” (LUKÁCS, 2005a, p. 143).
A sombra do progresso
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daquele grupo que admitia a possibilidade de uma representação realista na obra
apesar da
visão de mundo do autor empírico (essa era, como vimos, a orientação que
os editores dessa revista defenderam na polêmica sobre a relação entre visão de
mundo e método de representação literária), fazendo ao mesmo a seguinte ressalva:
Lukács desenvolveu uma “versão do
voprekismo
(MEIER, 2014, p. 127).
28
Seria
Lukács então um “voprekista”, que teria visto em Balzac um realista
apesar de
suas
ideias reacionárias, que estariam em contradição com seu método artístico?
De fato, Lukács, assim como Lifschitz, retoma a leitura de Engels sobre Balzac.
Como se sabe, para Engels, o fato de que esse autor representa de maneira crítica,
em diversos momentos de sua obra, aquela classe com que ele simpatizava “os
seus queridos nobres”, como Engels formula em sua carta a Margaret Harkness
consiste num de seus traços mais “extraordinários”, num dos “maiores triunfos do
realismo” (ENGELS, 1948, p. 104). Igualmente importante para os dois
colaboradores da
Literaturnyi kritik
são os artigos de Lênin sobre Tolstói. Escritos
entre 1908 e 1911, nesses textos, Lênin analisa “do ponto de vista da revolução
russa e de suas forças motrizes” (LÊNIN, 1977, p. 95) como a obra desse escritor,
que, de nascimento, pertence à nobreza latifundiária, reflete as concepções de
“milhares de camponeses” (LÊNIN, 1977, p. 107), como ela expressa esse tempo
convulsivo da perspectiva dessas figuras, na sua ingênua limitação, mas também na
sua potência revolucionária
29
.
28
Meier diferencia a posição de Lukács daquela de Rozenthal no que toca a questão da honestidade
[
Aufrichtigkeit
] e sua relação com um movimento social: “Na
discussão sobre visão de mundo e
método
parte-se do pressuposto de que só se pode tratar, quanto ao movimento social que está mais
próximo da verdade objetiva do desenvolvimento [
Fortschritt
] histórico, da política de governo
soviética, interpretada como ‘construção do socialismo’, e sua realização. Desse modo, também para
Rozenthal, uma captura ‘honesta’ da realidade soviética está, de saída, comprometida com a afirmação
da política dominante implicada na sua interpretação como ‘construção do socialismo’. [...]Lukács, pelo
contrário, pensa em um ‘movimento social’, que nessa altura ele também imagina como o proletariado
combativo [
klassenkämpfendes
], mas que, de acordo com a situação histórica, poderia ter outras
raízes sociais e orientações políticas” (MEIER, 2014, p. 127).
29
Para Lênin, o Tolstói doutrinador e o Tolstói artista não se excluem; antes, relacionam-se de
maneira contraditória em suas obras literárias e filosóficas. Sziklai mostra como também Lifschitz,
seguindo as observações de Lênin, atenta-se para essa possibilidade característica das sociedades
anteriores ao socialismo: “Também nesse caso é decisivo se, em suas obras, a representação fiel à
realidade ‘da Rússia dos vilarejos’, do ‘ânimo da democracia camponesa’ se impõem, ou então se o
misticismo do artista, seu desejo de escapar ao mundo ou sua opinião sobre ‘não ofereça nenhuma
resistência contra o mal’ se subordinam à realidade. Ambas essas tendências fundamentalmente
distintas (que nem mesmo Plekhânov conseguiu separar uma da outra) podem até mesmo se enfrentar
no interior de uma única obra, e onde a última vence, ali a obra se transforma inevitavelmente em um
romance de tendência, em um sermão que enobrece os costumes” (SZIKLAI, 1978, p. 99). Não é por
acaso, portanto, que “ao combater a sociologia da arte vulgar, seus autores [da
Literaturnyi kritik
]
discutiram as apreciações de Engels sobre Balzac e os artigos de Lênin sobre Tolstói” (ILLÉS, 1993, p.
Paula Alves
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Assim, nessa tradição que tanto Lukács quanto Lifschitz recuperam, é
possível notar uma elaboração de certa descontinuidade entre o resultado plasmado
na obra literária e o
milieu
de origem do escritor, entre a expressão artística e a
ideologia de classe. Dessa árvore não parece cair um fruto “blagodarista”. Ao mesmo
tempo, a consequência que eles extraem dessas leituras não é, tampouco, a de que
um escritor burguês chega a uma representação realista
apesar de
sua visão de
mundo porventura reacionária. Não se alcança, na verdade, esquadrinhar o
posicionamento desses críticos quanto a essa questão, e nem da tradição a que eles
se referem, a partir dessa relação de rígida oposição (
ou
graças à visão de mundo,
ou
apesar dela), pois eles rejeitam a separação
abstrata
entre o lado “bom” e o lado
“ruim” de determinada ideologia, como se fosse possível salvaguardar com as
devidas loas os elementos progressistas e jogar fora o resto reacionário.
30
Por vezes,
esses aspectos compõem uma unidade contraditória e sua relação recíproca
responde pela força de uma determinada obra; outras vezes, a figuração da realidade
se sobrepõe à visão de mundo do autor empírico e a revida, trazendo à tona uma
verdade que escapa às suas convicções; outras tantas, estas põem a perder o
trabalho artístico. É antes o modo de percepção da realidade e a forma de sua
representação literária, com sua legalidade própria, que desempenham um papel
decisivo. Há, portanto, uma complexidade maior nessa interdependência entre o
autor, sua ideologia e a obra. Considerada por si só, fora da relação com o processo
criativo e o grau de abertura que este incorpora frente à realidade objetiva, a visão
de mundo não nos permite compreender os fenômenos literários, pouco importa se
ela é progressista ou reacionária.
31
Esse é o entendimento que Lukács irá
desenvolver naqueles textos sobre o realismo em que trata dessa questão, sendo os
artigos sobre Balzac paradigmáticos nesse sentido, pois este é um dos casos em que
ele comenta um escritor realista cuja visão de mundo contém elementos reacionários.
Ao analisar os romances desse escritor francês, Lukács não se limita a
245).
30
De acordo com Illés, “em essência, essa posição ideológica, a posição do ‘ou-ou’, caracterizou
Lukács até meados dos anos 1930. Sua concepção política sofreu uma mudança substantiva após o
sétimo Congresso do Comintern, o qual proclamou a estratégia da frente popular [...]. As mudanças
nas suas concepções estéticas acompanharam esse processo num paralelismo dialético que, partindo
da demanda por uma ‘grande arte proletária’ (Lukács foi um dos autores do esboço de programa da
Associação dos Escritores proletários-revolucionários que demandava isso em 1932!), passando pela
elaboração da teoria do realismo, culminou na postulação do ‘triunfo do realismo’” (ILLÉS, 1993, p.
242).
31
A respeito das condições do “triunfo do realismo”, veja-se (ALVES, 2020).
A sombra do progresso
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caracterizar suas posições quanto ao desenvolvimento da sociedade burguesa; ele
vai buscar, a partir da composição dos personagens e de suas relações, desentranhar
“sua lei
formal
fundamental”, que se mostra num “trazer à tona as determinações
mais importantes do processo social da vida em seu desenvolvimento histórico,
mostrando a sua forma de aparição específica nos diferentes indivíduos” (LUKÁCS,
1965a, p. 471; grifos meus). Para além das intenções propriamente políticas, Lukács
enfatiza assim a fatura da obra literária, embora também não sejam incomuns
formulações como “embora politicamente legitimista” (LUKÁCS, 1965a, p. 441), as
quais insinuam uma “vitória do realismo” sobre as limitações reacionárias do escritor
francês e se aproximam, nesses termos, da abordagem “voprekista”. Esse flerte com
o “voprekismo” é de fato um momento em sua interpretação. É sobretudo no texto
em que contrapõe o monarquista Balzac a seu “rival mais progressista”, Stendhal,
onde emerge com clareza as intrincadas correlações que Lukács identifica no
problema da visão de mundo na literatura:
A peculiaridade da dialética da história, o desenvolvimento desigual de
todas as ideologias tem a consequência notável de que Balzac,
por causa
de sua visão de mundo imediata mais confusa, amiúde francamente
reacionária, refletiu com mais perfeição e mais profundidade o período
entre 1789 e 1848 do que seu grande rival, intelectualmente mais claro e
mais progressista. De início, é certo que Balzac critica o capitalismo desde a
direita, pelo lado feudal-romântico. Mas seu ódio clarividente contra a
degradação do mundo capitalista nascente, que se origina desse
posicionamento, cria aqueles tipos eternos dessa sociedade, como são
Nucingen ou Crével. Basta contrapor essas figuras ao velho Leuwen, o
único capitalista que Stendhal figurou, para ver quão menos profundo e
abrangente ele foi aqui, embora a personagem mesma, enquanto
encarnação de um espírito superior e de uma cultura superior com um
talento financeiro incidental, seja uma transposição extraordinariamente
fidedigna para a Monarquia de Julho dos traços iluministas p-
revolucionários. (LUKÁCS, 1965a, p. 503-504, grifos meus)
Contrapondo Balzac a Stendhal, Lukács mostra como, no processo de reflexão
literária, é possível que o reacionarismo se constitua outrossim como um ponto de
vista privilegiado, o que permite que as obras de escritores conservadores ofereçam
uma crítica mais contundente do capitalismo em ascensão do que aquelas de
escritores cuja visão de mundo é relativamente mais progressista.
32
Pois, em última
instância, o “triunfo do realismo” não diz respeito ao conteúdo independentemente
de seu grau de progressismo da visão de mundo do autor empírico, mas à
“imagem do mundo que emerge na obra mesma” (VEDDA, 2015, p. 30), que pode
32
Lukács reconhece dois “complexos” em que Balzac, do ponto de vista da figuração, é superior a
Stendhal: na figuração dos capitalistas bem como na sua concepção do período da Restauração (cf.
LUKÁCS, 1965a, p. 503-506 e 1981, p. 73).
Paula Alves
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ser mais ou menos realista, que pode ser mais ou menos bem-sucedida na reflexão
da realidade objetiva. Interessa, portanto, ao crítico aquilo que está figurado na obra,
se nela a realidade em seu movimento é capaz de se sobrepor figurativamente às
intenções subjetivas do autor que porventura a distorcem. Dirá Lukács em outro
lugar que, para a crítica literária marxista, são
decisivas
a obra elaborada e sua
relação com a realidade objetiva” (LUKÁCS, 1964b, p. 225; grifo meu).
Em 1939, esse texto,
A polêmica entre Balzac e Stendhal
, que havia sido
publicado na
Literaturnyi kritik
, é publicado novamente em russo em uma coletânea
intitulada
K istorii realizma
[
Para uma história do realismo
]. O volume reúne também
artigos sobre Goethe, Hölderlin, Kleist, Büchner, Heine, bem como sobre Tolstói e
Gorki.
33
Nele, como afirma László Illés, Lukács usa de “maneira consistente a teoria
do ‘triunfo do realismo’” (ILLÉS, 1993, p. 256). Logo após sua publicação, Lukács se
viu no centro de um “áspero debate”, que tematizou, justamente, a legitimidade de
se empregar na literatura o “triunfo do realismo”:
A discussão, que se prolongou por um ano, centrava-se no seguinte
problema: em que medida era lícito aplicar em literatura o princípio da
vitória do realismo, sugerido por Marx em
A sagrada família
, que ganhou
extrema importância na correspondência dos últimos anos de vida de
Engels e se tornou o fio condutor dos ensaios de Lênin sobre Tolstói? Será
que não atentaria contra o “caráter ideológico” da literatura a afirmação de
que a medida do valor literário consiste na visão de mundo, elaborada
artisticamente, que se expressa na obra e não na ideologia consciente do
autor, na qual se exprime diretamente a tomada de posição política no
momento dado? (LUKÁCS, 2009, p. 30)
A discussão tem início com os artigos de V. Ermilov e J. Knipovitch, na revista
Literaturnaja gazeta
(cf. SZIKLAI, 1978, p. 121). Num primeiro momento, é assim
que alguns participantes percebem essa polêmica que irá culminar na
descontinuação da revista
Literaturnyi kritik
por meio de uma resolução do Comitê
Central do Partido em novembro de 1940: como uma discussão. Mas o fato é que,
no mesmo dia da publicação de seu artigo sobre Lukács, Ermilov endereça uma carta
ao secretário do Comitê Central, Jdánov, denunciando essa revista como um “centro
de convicções politicamente prejudiciais” (MEIER, 2014, p. 188). Em seguida, o
33
Os ensaios contidos nesse volume são:
O sofrimento do jovem Werther, Os anos de aprendizagem
de Wilhelm Meister, Hyperion de Hölderlin, Die Tragödie Heinrich von Kleists [A tragédia de Heinrich
von Kleist], Der faschistisch verfälschte und der wirkliche Büchner [Büchner, o falsificado pelo fascismo
e o autêntico], Heinrich Heine als nationaler Dichter [Heinrich Heine como poeta nacional], Balzac: Die
Bauern, Balzac: Les Illusions perdues, A polêmica entre Balzac e Stendhal, Tolstoi und die Probleme
des Realismus [Tolstói e os problemas do realismo] e Die menschliche Komödie des vorrevolutionären
Russlands [A comédia humana da Rússia pré-revolucionária].
A sombra do progresso
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órgão de pronunciamento do Comitê Central adverte diversas revistas a se
orientarem de modo mais rigoroso pela tarefa da “educação comunista das massas”,
ao escolherem os textos que publicam (MEIER, 2014, p. 188).
A acusação central levantada a partir desse debate gira em torno do
“voprekismo” da
Literaturnyi kritik
, do que se conclui que ali seria veiculado um
“menosprezo do fator político-ideológico na criação literária” (BRENNER, 1991, p.
175): “o significado da visão de mundo como um todo, mas particularmente da visão
de mundo marxista progressista, seria negado e o papel de visões reacionárias
superestimado” (SZIKLAI, 1978, p. 101). Fica subentendido, portanto, que os críticos
da revista, ao falarem de obras de outros tempos e de outros contextos, estariam na
verdade desenvolvendo um modelo que também se aplicaria à situação soviética
contemporânea. A defesa do “triunfo do realismo” é assim transformada em uma
mácula de teor político, pois, se “a realidade sempre vence, logo o artista socialista
não precisaria de uma visão de mundo marxista” (SZIKLAI, 1978, p. 98) e, como
resultado, a problemática das classes poderia ser posta de lado. Nota-se aqui o
ressurgimento da crítica feita pelos “blagodaristas” por ocasião do debate sobre a
sociologia vulgar, rebatido por Lifschitz como uma “lenda”: quando nossos
oponentes literários levantam contra o escritor dessas linhas a acusação de que ele
rejeita a análise de classes, então eles tomam um desejo pela realidade” (LIFSCHITZ,
1988b, p. 506). Meier menciona outras questões que, interligadas a essa recusa do
esquema
da luta de classes, parecem igualmente suspeitas aos adversários de
Lukács e da revista:
Nesse contexto, a referência reiterada na
Literaturnyi kritik
à categoria de
“povo” e
narodnost’
[vínculo ao povo] é entendida como uma negação
equivocada da luta de classes. Corretamente, reconhece-se que a crítica ao
escritor moderno desenvolvida por Lukács nos artigos
Chudožnik i kritik
[
Escritor e crítico
] e
O dvuc htipachch udožnikov
[
Sobre dois tipos de
escritor
] diz fundamentalmente respeito também às circunstâncias na União
Soviética. Também o vínculo da crítica feita na
Literaturnyi kritik
à
illjustrativnost’
[caráter ilustrativo] da literatura soviética é reconhecida de
modo fundamentalmente correto. (MEIER, 2014, p. 189-190)
Então, conclui Illés, tanto Lukács quanto Lifschitz, “com suas visões sobre o
desenvolvimento desigual da arte e sobre o triunfo do realismo, tornaram-se vítimas
da luta contra as visões rappistas, que ressurgiram dos mortos na virada dos anos
trinta para os quarenta” (ILLÉS, 1993, p. 245). Contudo, é preciso levar também em
conta, como faz Lukács retrospectivamente, que a “antiga linha da RAPP” continuou
a dar o tom mesmo depois de sua dissolução: o “grupo da antiga direção da RAPP”
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ele cita nomeadamente Ermilov e Fadeiev “conquistou postos decisivos na nova
organização” (LUKÁCS, 2009, p. 29). Se, insolitamente, os pesquisadores em torno
da
Literaturnyi kritik
ainda puderam nessas condições veicular sem impedimentos
uma “tendência crítica” a essa orientação,
34
isso se deve fundamentalmente, às
“contradições internas”: “formalmente, exigia-se em geral a qualidade artística; mas,
desde que o autor fosse fiel ao partido, proclamava-se como arte de alto nível
mesmo o pior naturalismo” (LUKÁCS, 2007, p. 30).
No entanto, a querela pública sobre as questões literárias, ainda que sua
interpretação política já fosse evidente à época, parece menos determinante para a
decisão de terminar a publicação da
Literaturnyi kritik
do que as considerações de
ordem tática. De acordo com Meier, Ermilov e Fadeiev também atuaram “por trás dos
bastidores”, difamando o grupo da revista no Comitê Central do Partido assim como
entre os seus dirigentes incluindo Stalin, pessoalmente:
com esse fim, eles produziram um relatório com o título
Ob antipartijnoj
gruppiroke v sovetskoj kritike [Sobre o grupo antipartido na crítica
soviética]
, no qual denunciavam o fato de que a
Literaturnyi kritik
havia se
tornado a porta-voz não simplesmente de um grupo, mas até mesmo de
uma “corrente” (MEIER, 2014, p. 190).
Conforme esse relatório, Lukács seria o líder dessa “corrente” e seu vínculo
com o marxismo, questionável a dura crítica de Lênin a ele nos anos 1920 foi
usada como prova nesse sentido (cf. MEIER, 2014, p. 190). Mais do que outra coisa,
34
A relação dessa polêmica em torno da visão de mundo do escritor com as mudanças na política
cultural da União Soviética é marcada por ambivalências. Não consenso de que a posição dos
pesquisadores em torno da
Literaturnyi kritik
estivesse na
contramão
da linha oficial da política
cultural na URSS, pois, ao fim e ao cabo, mais do que este ou aquele posicionamento sobre questões
de ordem literária, interessava, como explicita Lukács, a possibilidade de instrumentalização da
literatura, seu aproveitamento para a propaganda das ações do partido seu aproveitamento tático,
portanto. Foi Stalin quem encaminhou a dissolução das associações literárias entre elas, a RAPP ,
alegando a necessidade de se superar o sectarismo embutido num projeto de implementação de uma
literatura exclusivamente proletária. Lukács saúda inicialmente essa iniciativa como a possibilidade de
“um apogeu, desatravancado de toda forma de burocratismo, da literatura socialista, da teoria e crítica
literária marxista” (LUKÁCS, 2005b, p. 41). Que essa aparente abertura apenas recobria um
aprofundamento burocrático do controle sobre as manifestações culturais explica a “tensão entre o
entusiasmo inicial e o crescente ceticismo” que atravessa, de acordo com Miguel Vedda (2015, p. 26),
os
Moskauer Schriften
. László Illés, por exemplo, afirma que até meados dos anos 30, os objetivos de
Lukács e Lifschitz “estavam em acordo com a linha geral da política cultural; suas dificuldades
surgiram sobretudo na segunda metade da década quando paradoxalmente as possibilidades
positivas da política da frente popular se depararam com desenvolvimentos sociais e políticos em
piora, desfavoráveis” (ILLÉS, 1993, p. 246). Para Sziklai, ao contrário, “a concepção do realismo de
Lifschitz, a exigência do reflexo da
realidade
era um protesto contra a literatura que estetizava e
cobria com verniz a sociedade soviética” (SZIKLAI, 1978, p. 99-100). Dietmar-Ingo Michels, que
escreveu o posfácio para a edição alemã dos
Moskauer Schriften
, aponta o mesmo em relação a
Lukács, que, em virtude de sua situação complicada, na contracorrente das opiniões dominantes, viu-
se na necessidade de camuflar sua crítica à maneira de um
partisan
(cf. MICHELS, 1981, p. 149-150).
A sombra do progresso
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foi essa dispersão evocada pela formação de grupos que despertou a atenção de
Stalin, para quem era de suma importância evitá-la, que estes teriam mais
facilidade para escapar das garras administrativas (cf. MEIER, 2014, p. 191). Desse
ponto de vista, o grupo em torno da
Literaturnyi kritik
seria uma pedra no meio do
caminho. E de fato, com o fim da política da frente popular em virtude do pacto de
não-agressão entre a Alemanha e a União Soviética (1939), a revista deixa de ser
“útil para a grande política” (MEIER, 2014, p. 192). Quando anuncia a sua suspensão
porque a revista teria perdido o contato com a literatura soviética, exercendo pouca
influência sobre sua formação (cf. MEIER, 2014, p. 192)
35
, a resolução oficial do
Comitê Central do Partido de certa forma deixa transparecer, ainda que com sinais
trocados, essa perda de função como possível instrumento de propaganda.
Lukács reagiu a esses ataques escrevendo uma série de artigos, dos quais dois
foram publicados nos primeiros meses de 1940 na
Literaturnaja gazeta
:
Londonskiy
tuman
[Névoa londrina
], em que Lukács corrige a apresentação de seus argumentos
sobre o “triunfo do realismo” feita por seus oponentes, e
Pobeda realizma v
osveshchenii progressistov
[
O
triunfo do realismo
à luz dos defensores do
progresso
] (cf. SZIKLAI, 1978, p. 121). Este último, que traz mais diretamente a
visão teórica de Lukács, foi publicado pela primeira vez em alemão postumamente
sob o título
Verwirrungen über den “Siegdes Realismus
[
Confusões sobre o triunfo
do realismo
] nos
Moskauer Schriften
, onde podemos encontrar alguns outros artigos
imbuídos do mesmo propósito.
Para dissipar as brumas criadas em torno de seu trabalho sobre a história do
realismo, Lukács torna mais precisa nesses artigos “sua concepção literária em
domínios centrais de problemas” (BRENNER, 1991, p. 174), o que confere interesse
particular a essas intervenções. A crítica à sociologia vulgar da arte, com seu método
abstrato que esvazia a obra literária inclusive de sua dimensão histórica, é palpável e
atravessa, como assinala M. Vedda (2015, p. 26), os
Moskauer Schriften
. A origem
35
Fridlender apresenta essas circunstâncias de modo um pouco diferente, como se houvesse ocorrido
um processo de reorganização (um pouco como Lukács, aliás, em seus escritos autobiográficos): No
final de 1940, parou-se de publicar a revista
Literaturnyi kritik
. A resolução foi ditada pelo esforço do
Partido e do governo soviético, diante do fascismo e do perigo da guerra, de fortalecer as áreas de
responsabilidade da crítica e da publicística literária e artística. Por isso, os antigos colaboradores
bem como os membros da redação da
Literaturnyi kritik
foram delegados a elas. Da mesma forma,
decidiu-se interromper o debate entre os ‘voprekistas’ e os ‘blagodaristas’ na
Literaturnaja gazeta
.
Discussões sobre problemas específicos da estética e da teoria literária deveriam ser postergadas até
uma nova situação. A necessidade de sua solução passou para o segundo lugar diante da guerra
mundial desencadeada por Hitler” (FRIDLENDER, 1990, p. 537).
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do conjunto de mal-entendidos e afirmações falsas que têm livre curso na análise
literária dos sociólogos vulgares deriva, para Lukács, não tanto de uma premissa de
caráter estritamente literário, mas da concepção profundamente falsa que eles
advogam sobre a história e o sentido do progresso, deformado a ponto de se tornar
retilíneo: “para eles, o caminho do progresso burguês é tão linear que a avenida
Nevski, em comparação, é uma sinuosa trilha de brejo” (LUKÁCS, 1981, p. 74). A
sociologia vulgar reaproveita não por acaso e de maneira conveniente os restos
da ideologia liberal, que não tem uma “concepção própria da história literária”
(LUKÁCS, 1981, p. 95).
Também nesse ponto o argumento de Lukács coincide com o de Lifschitz; mais
ou menos na mesma época, ambos reconhecem no núcleo metodológico da
sociologia vulgar uma tendência para hipostasiar um esquema histórico, por si
duvidoso: o do enfrentamento da burguesia com a nobreza feudal. Para Lukács, essa
transposição se mostra tanto mais imprópria na medida em que pressupõe a
identificação do caráter progressista da economia capitalista, que tem a ver com a
“enorme ascensão econômica do capitalismo” (LUKÁCS, 1981, p. 109), com um
papel progressista da burguesia enquanto classe (cf. LUKÁCS, 1981, p. 104). Ora,
dirá ele, essa equiparação “não é adequada em termos puramente econômicos”
(LUKÁCS, 1981, p. 104): “a fome canina [
Heißhunger
] de exploração com base no
prolongamento da jornada de trabalho é a mesma entre os fabricantes capitalistas e
os boiardos feudais” (LUKÁCS, 1981, p. 104); ao passo que mantém e se sustenta
sobre a exploração de uma classe pela outra, o capitalismo conserva elementos
arcaicos do feudalismo, cujas formas ele revoluciona. Especificando então qual seria
o “momento propriamente progressista, que diferencia de maneira decisiva a
produção capitalista das formas anteriores de exploração” (LUKÁCS, 1981, p. 104),
Lukács indica a mais-valia relativa, a qual foi, por sua vez, uma novidade que se
instituiu malgrado à burguesia, que lhe foi
imposta
pela resistência das classes
trabalhadoras” (LUKÁCS, 1981, p. 104). De modo que, de um ponto de vista político
e cultural, o papel que a burguesia, enquanto classe, desempenhou “no
desenvolvimento de sua própria sociedade” é, na caracterização de Lukács, “covarde
e hipócrita” (LUKÁCS, 1981, p. 109) e isso se evidencia particularmente na sua
atuação durante as revoluções burguesas, isto é, quando a sociedade é transformada
em função das necessidades da produção capitalista. A essência de toda e qualquer
revolução burguesa que encontra seu termo é “essa contradição entre conteúdo e
A sombra do progresso
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objetivo burgueses da revolução e os métodos plebeus de sua realização” (LUKÁCS,
1981, p. 106). No Termidor, que marca o fim da ditadura plebeia na Revolução
Francesa, essa contradição geral “entre as massas populares postas em movimento e
o beneficiário da Revolução, a burguesia” (LUKÁCS, 1981, p. 107), manifesta-se de
modo mais nítido, embora ela seja igualmente uma característica das demais
revoluções burguesas. Apenas a correta compreensão desses aspectos permitiria, de
acordo com Lukács, explicar os fenômenos da vida cultural ao longo do século XIX.
A contradição do progresso nos
Escritos de Moscou
É dessa situação que Lukács parte, em
Marxismus oder Proudhonismus in der
Literaturgeschichte?
[
Marxismo ou proudhonismo na história literária?
], para tratar
de alguns “problemas conhecidos do marxismo”, mas que, no curso da discussão
literária atual”, isto é, do debate contra a sociologia vulgar, foram submetidos a um
procedimento sistemático de simplificação (cf. LUKÁCS, 1981, p. 103). Assim,
detendo-se primeiramente no papel que coube à burguesia nas revoluções
burguesas, Lukács passa em seguida a repertoriar algumas concepções significativas
sobre o progresso, para então examinar como essa dinâmica funciona
especificamente no campo da literatura.
O progresso, diz Lukács
en passant,
é o “conteúdo social da revolução
burguesa” (LUKÁCS, 1981, p. 113). Mas o marco que ele adota nessa breve e seleta
história sobre essa ideia é o golpe do Termidor, “a vitória do conteúdo burguês da
revolução sobre as ilusões historicamente necessárias dos heroicos plebeus”
(LUKÁCS, 1981, p. 106), a qual acarreta “uma crise do jacobinismo burguês”
(LUKÁCS, 1981, p. 81). Uma situação nova, portanto, com a qual se encerra “o
período heroico das revoluções na Europa Ocidental” (LUKÁCS, 1981, p. 107) e que
possui “um caráter enigmático na cabeça dos estreitos liberais” (LUKÁCS, 1981, p.
106) (aqui poderíamos, sem prejuízo, trocar liberais” por “sociólogos vulgares”). E,
não por acaso, o primeiro destaque coube a Hegel. É na sua filosofia da história que
emerge, para Lukács, um aspecto que havia sido negligenciado até então (e que a
sociologia vulgar continuou a negligenciar, ainda que por razões distintas e
fundamentalmente apologéticas): se é possível falar de progresso, de um ponto de
vista econômico, associado ao desenvolvimento das forças produtivas por meio do
capitalismo, como fez por exemplo Ricardo na sua “prosa da produção da mais-valia”
(LUKÁCS, 1981, p. 112), a contraparte social desse progresso do gênero” é a
Paula Alves
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tragédia do indivíduo. É esse “vínculo contraditório” entre indivíduo e gênero que
está na base da filosofia de Hegel e do
Fausto
de Goethe, dois autores da tradição
alemã que concebem o desenvolvimento da sociedade burguesa como um processo
unitário e assim levam ao limite e dissolvem “as velhas ilusões” do Iluminismo. Mas,
nesse curso, eles não abandonam (e a rigor não era possível outra coisa) o horizonte
de expectativas da sociedade burguesa: no lugar das ilusões desfeitas, surgem dessa
forma ilusões novas, nas quais o futuro acaba por se confundir com o estado de
coisas presente.
Para Lukács, o próximo passo nessa compreensão da realidade do presente em
seu movimento contraditório é dado pelo socialismo utópico, que traz uma
“perspectiva totalmente nova” para a ideia de progresso:
o reino redentor da razão dos iluministas, que surge aqui sob uma nova
figura, o é o reflexo idealizado da sociedade burguesa, mas, pelo
contrário, uma idealização de um estado do mundo sonhado, no qual as
contradições que ali são insolúveis podem ser superadas (LUKÁCS, 1981,
p. 115).
Os socialistas utópicos e nesse ponto Lukács destaca particularmente Fourier
souberam exprimir “a crítica mais profunda e fundamental” da sociedade
capitalista, expondo suas abominações como seu “produto necessário e orgânico”,
ao mesmo tempo em que formulam a partir dessa elaboração contundente de suas
contradições “a concepção genial da perspectiva do socialismo tornado realidade”
(LUKÁCS, 1981, p. 115). No entanto, com essa “virada ideológica decisiva” (SZIKLAI,
1990, p. 128), interpõe-se entre o estado de coisas vigente e o futuro imaginado um
“abismo”, o qual, para os socialistas utópicos, “não pode ser transposto com nenhum
meio da ciência” (LUKÁCS, 1981, p. 115). Trata-se, portanto, de uma crítica social
notável, à qual falta, contudo, um “elo mediador concreto” (LUKÁCS, 1981, p. 116).
Essa falta é, por sua vez, o índice da ilusão que assumirá então “diversas formas
fantásticas de superação” (LUKÁCS, 1981, p. 116), sem que o vigor crítico perdesse
o fio ao postular uma reconciliação no presente, reconhecidamente impossível: ele
ficou no ar, num “salto” (LUKÁCS, 1981, p. 117) projetado para o futuro.
O próximo nessa breve história das ideias sobre o progresso são as críticas
românticas ao capitalismo. Nestas, o que oferece um contrapeso aos efeitos
destrutivos do capitalismo não é a projeção de um futuro fora de seus liames, mas a
nostalgia de um passado pré-capitalista, não raro de coloração medieval, que ao
mesmo tempo contém em suas invectivas contra a moderna sociedade burguesa uma
A sombra do progresso
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“ameaça do futuro” (MARX; ENGELS
apud
LUKÁCS, 1981, p. 118); por isso, Lukács
emprega aqui e ali o termo “utopismo reacionário” (LUKÁCS, 1981, p. 124) para
descrever essa mistura. Citando o
Manifesto comunista
, ele destaca nesse sentido
duas correntes, o socialismo pequeno-burguês e o socialismo feudal, as quais são
caracterizadas com mais vagar por meio de comentários sobre algumas figuras
representativas, particularmente Sismondi e Carlyle. A respeito desse último Lukács
comenta:
Pois, quando Carlyle, por exemplo, contrapõe ao trabalhador livre
[
vogelfrei
] a existência segura no auge da Idade Média, quando ele
contrapõe ao escravo fragmentado da divisão capitalista do trabalho o
artesão trabalhando com sentido, que realiza sua personalidade no trabalho
etc., sem dúvidas esse contraste é, em termos imediatamente econômicos,
pequeno-burguês e reacionário. Mas ele revela, por um lado, aspectos
importantes e desumanos do capitalismo e contém, por outro, certamente
de uma forma confusa, reacionário-utópica, uma intuição do futuro, que, por
exemplo, não mais conhecerá a submissão escrava sob a divisão do
trabalho. (LUKÁCS, 1981, p. 127)
Não dúvidas, para Lukács, de que a glorificação da Idade Média tem um
caráter reacionário e este se mostra, do ponto de vista imediatamente econômico,
como uma pedra no sapato, impedindo que o modo de produção capitalista seja
apreendido em termos próprios. O ponto de vista de Carlyle, em sua limitação,
equivale ao dos representantes da pequena burguesia, em sua origem uma classe
pré-capitalista, a qual se constantemente sob a ameaça de desaparecer e
submergir no proletariado; assim ela incorpora por definição uma contradição,
oscilando entre o proletariado, do qual se compadece, e a burguesia, pela qual é
constantemente seduzida. No entanto, Lukács entende que essa visão de mundo
passadista embasa ao mesmo tempo um momento de revelação daquele “fator
subjetivo-pessoal” (LUKÁCS, 1981, p. 113) no qual se condensa a tragédia do
indivíduo no capitalismo (exposta aqui na degradação que acompanha a divisão
capitalista do trabalho) e que constitui, numa constelação de todo diversa, algo da
originalidade da apreensão de Hegel e Goethe sobre o progresso do gênero” (
LUKÁCS, 1981, p. 113-114). Lukács, que não adota um critério “formal-democrático”
(LUKÁCS, 1981, p. 120), mas
funcional
frente ao papel que as ideologias, incluso as
reacionárias, cumprem objetivamente num determinado contexto sócio-histórico,
reconhece que o ódio que o Carlyle p-1848 isto é, antes de ele passar
“abertamente para o campo da contrarrevolução” dirige contra a “anarquia do
capitalismo” (LUKÁCS, 1981, p. 126) atinge o ponto, ainda que de “forma confusa”.
Movido por uma nostalgia da velha ordem com seus valores, Carlyle contesta a
Paula Alves
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desagregação imposta pela ordem capitalista e, nesse sentido, sua crítica contém um
momento de ameaça à existência da sociedade burguesa e aponta para o futuro.
36
Tal gesto da “ameaça do futuro” é o que Lukács destaca como fundamental nesses
casos específicos, sem deixar de ressaltar seu caráter contraditório:
Essa tendência que aponta objetivamente para o futuro (para o futuro
socialista) é o fundamento último da crítica brilhante e acertada ao
capitalismo. Mas não estaria a modalidade peculiar dessa crítica com
frequência profunda e certeira em Carlyle ou Cobbett estreitamente
vinculada à Idade Média idealizada? (LUKÁCS, 1981, p. 127)
O que interessa a Lukács nessas ideias sobre o progresso que, ao mesmo
tempo, o problematizam, é uma tendência, um vislumbre de futuro; “é necessário”,
ele afirma, “colocar a ‘ameaça do futuro’ em primeiro plano” (LUKÁCS, 1981, p. 127),
esta se torna a base do pensamento crítico. E não se trata, como ele mesmo
explicita, de um futuro qualquer, mas do futuro socialista”, de modo que essa
tendência que aponta para o futuro exprime “um desmascaramento verdadeiro do
capitalismo” (LUKÁCS, 1981, p. 124) e, em última linha, pressagia a necessidade de
sua superação.
Guardadas as diferenças entre eles
37
, isso implica, no caso de todos esses
pensadores, a superação da ideologia do Iluminismo
38
, que pavimentou o caminho
para a Revolução Francesa; implica o reconhecimento (necessariamente limitado, daí
as ilusões) da face dupla do ideário modernizador e civilizatório no qual se envolve o
capital em seu movimento de ascensão, ao mesmo tempo em que deixa por onde
passa um rastro de estragos. Nesse sentido, esse reconhecimento do caráter
36
Como nota M. Vedda, nessas considerações Lukács infere uma valorização do legado romântico
mais matizada do que a que amiúde se atribui a ele; com efeito, sem deixar de questionar a nostalgia
por um mundo pré-capitalista presente em boa parte dos artistas e pensadores dessa tradição, o
autor dos
Escritos de Moscou
reconhece no Romantismo um aporte incontornável para a análise e o
julgamento da Modernidade capitalista” (VEDDA, 2015, p. 27).
37
Seria possível dividir, grosseiramente, esses pensadores em dois grupos: um que vislumbra a
possibilidade de resolução dessas contradições no interior da sociedade burguesa (Hegel e Goethe) e
outro que considera essas contradições irresolvíveis, donde as diversas saídas utópicas por meio de
um salto ou para o futuro, ou para o passado (correntes socialistas pré-marxistas: socialistas utópicos,
socialismo pequeno-burguês, socialismo feudal).
38
Não se trata aqui de uma simples contraposição. Como afirma L. Illés, com base em um material
mais amplo do que este que está sendo trabalhado aqui, mas que converge com ele: “foi no âmbito
deste programa que Lukács realizou o estudo do humanismo do classicismo alemão, as conquistas de
Hegel e de Goethe, e analisou as obras dos ‘grandes realistas’, as quais ele definiu como um padrão.
Ele considerava o classicismo alemão como o reflexo específico da Revolução Francesa” . O caráter
específico desse “reflexo” tem que ver com uma postura crítica, partilhada pelo próprio Lukács: “ele
insistia teimosamente na defesa histórica da ideia do progresso humano contida no legado do
Iluminismo francês e inglês, mas, ao mesmo tempo, tinha plena consciência da natureza contraditória
do progresso” (ILLÉS, 1993, p. 243-244).
A sombra do progresso
VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 182-221 - mar. 2022| 207
contraditório do progresso contém um rmen de desilusão, que se expressa com
maior ou menor intensidade, quanto aos horizontes então concretizados da
Revolução Francesa: eles descartam, por assim dizer, as ilusões que tornaram
possível “o impulso revolucionário” de um Marat ou de um Robespierre (cf. LUKÁCS,
1981, p. 122), as quais, por sua vez, haviam sido àquela altura refutadas pela
própria história, pela Revolução Francesa, pela Revolução Industrial na Inglaterra”
(LUKÁCS, 1981, p. 111). A tarefa histórica que se colocava na ordem do dia consistia
em reconhecer essa nova realidade, com a qual esses pensadores estavam
confrontados, reconhecer sua “essência contraditória” (LUKÁCS, 1981, p. 82). A
“decepção” (LUKÁCS, 1981, p.115), nesse contexto histórico, pós-revolucionário,
cumpre, portanto, a função de aguçar os sentidos para o caráter contraditório do
desenvolvimento nas sociedades de classe, constituindo a base do
verdadeiro
desmascaramento
do capitalismo”, que é afinal o que importa, “mais do que as
intenções daquele que desmascara” (LUKÁCS, 1981, p. 124).
Justamente a contradição do progresso é o que permite, no entendimento de
Lukács, explicar fenômenos como a crítica romântica da sociedade capitalista, a
crítica desde a direita da mais diversa observância” (LUKÁCS, 1981, p. 124). Ele
retoma nesse ponto uma definição de Engels, para quem o progresso representa
sempre um recuo, na medida em que fixa o desenvolvimento numa única direção,
excluindo todas as outras possibilidades (cf. ENGELS
apud
LUKÁCS, 1981, p. 124). A
crítica dessa unilateralidade vem por vezes acompanhada de concepções falsas, de
ilusões; isso não significa, contudo, que ela esteja no caminho falso. Não havendo
nenhuma saída concreta à vista, aparece na obra de boa parte dos ideólogos
burgueses uma mistura entre progressismo e reação. Voltando-se ao exemplo de
Balzac, cujo ódio contra o capitalismo ele considera a “fonte de sua grandeza
literária” (LUKÁCS, 1981, p. 84), Lukács então se pergunta: esse ódio, afinal, é
progressista ou reacionário? Depende, ele conclui:
Todo ódio contém determinadas
possibilidades
progressistas, por exemplo,
a possibilidade para a crítica descrita acima [desmascaramento do
capitalismo, P.A.]. Mas, ao mesmo tempo, todo ódio também contém com
exceção do ódio do trabalhador com consciência de classe possibilidades
reacionárias dos mais diversos matizes de visão de mundo e políticos.
(LUKÁCS, 1981, p. 84)
Para especificar a natureza dessas possibilidades instauradas por uma postura
impregnada de uma recusa ao capitalismo, é preciso analisar caso a caso,
concretamente, isto é, situando a obra em questão em seu contexto histórico. A
Paula Alves
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breve história que Lukács nos apresenta das ideias sobre o progresso é, nesse
sentido, um exemplo desse método concreto de análise, que ele contrapõe ao
método dos sociólogos vulgares, do qual trataremos mais adiante. Ao mesmo tempo,
ela permite que Lukács mostre a extensão dessa intricada dialética que permeia toda
produção cultural, não a de autores reacionários. Na sociedade de classes, no
interior do pensamento pré-marxista, o desenvolvimento ideológico ocorre sempre
com uma falsa consciência: uma forma determinada de ‘triunfo do realismo’ e, com
isso, uma forma determinada de
apesar de
, está presente nos representantes de toda
ideologia do pensamento pré-marxista” (LUKÁCS, 1981, p. 89). Dessa maneira,
conclui Sziklai, Lukács situa o problema do realismo no interior do quadro geral da
filosofia marxista
”:
A relação entre obra e visão de mundo não pertence, portanto, apenas ao
território da estética, nem em primeiro lugar ao da teoria literária (ou
história literária), mas é uma parte natural do domínio mais amplo da
história da filosofia. É uma das leis fundamentais desse domínio, enunciadas
em diversos lugares pelos clássicos, que os homens, nas sociedades de
classes, fazem a sua própria história e batalham até o fim no mais das
vezes com uma falsa consciência, o que não significa que os objetivos de
“conteúdo limitado” (Marx) imbuídos de uma consciência subjetivamente
falsa, realizados com “ilusões heroicas”, não possam levar sob condições
determinadas a resultados objetivamente corretos. O princípio marxiano da
desigualdade
atinge nesse domínio plena validade: é definitivamente
necessário diferenciar os conflitos e as contradições socio-históricas que se
desdobram a si mesmas na realidade das formas ideológicas, através das
quais os homens vivenciam esses conflitos, tornam-nos conscientes e os
resolvem. (SZIKLAI, 1976, p. 130)
A ideologia liberal, na qual concorrem resquícios do Iluminismo e que está na
base das premissas falsas dos sociólogos vulgares, não pode ou não quer ver os
antagonismos que operam na vida social. Dessa forma, o progresso é definido como
“não contraditório” e “avança numa avenida reta desde o começo do mundo até o
seu fim e, especialmente, desde a burguesia liberal até o socialismo” (LUKÁCS, 1981,
p. 69). O momento de revolta que, para Lukács, é imprescindível e toma corpo numa
crítica mais ou menos confusa, mais ou menos matizada do capitalismo não
encolhe na sua importância dentro do paradigma dos sociólogos vulgares, mas se
torna o puro índice do pessimismo e da falta de perspectiva:
E como esse caminho
deve
ser
tão linear
, incondicionalmente, a qualquer
preço, apesar de todos os fatos da vida econômica, política e cultural; como
para eles o progressismo da burguesia deriva, sem contradições, do caráter
progressista do desenvolvimento das forças produtivas, então toda
insurreição contra o capitalismo, contra a cultura burguesa, que não seja
socialista ou ainda não seja puramente socialista, deve ser punida com um
grande anátema. (LUKÁCS, 1981, p. 74)
A sombra do progresso
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Nesse sentido, como afirma Vedda, Lukács se contrapõe ao “deslumbramento
de muitos marxistas daqueles anos com as ‘ilusões do progresso’” (VEDDA, 2015, p.
26), o qual estende sua sombra sobre os acontecimentos culturais do século
anterior, mas se expressa, correlatamente, numa imagem do socialismo como uma
etapa histórica em que a síntese fora alcançada e o aspecto contraditório do
desenvolvimento finalmente superado uma “imagem do socialismo trivialmente
otimista, não-dialética, autocomplacente e livre de conflitos” (SZIKLAI, 1978, p.
113)
39
. Frente a esse colosso da harmonia, toda crítica inclusive a crítica à
burguesia é “denunciada como uma crítica ao progresso em geral, como
pessimismo, como pura reação” (LUKÁCS, 1981, p. 69)
40
. O esforço de Lukács
consiste então em mostrar as consequências metodológicas dessa forma de
pensamento por antinomias: “ou a afirmação incondicional ou a negação do
progresso” (BRENNER, 1991, p. 179), a qual ele designa como “proudhonismo”:
39
Esse é um outro capítulo dessa história, do qual não irei tratar. Fique, contudo, sugerido que existe
uma ligação entre essa discussão sobre o “triunfo do realismo”, que, no que toca a Lukács, trata
sobretudo de autores europeus clássicos, e a situação contemporânea da União Soviética. De fato,
esse paralelo é explicitado por ele em suas anotações autobiográficas e pode também ser recuperado
a partir de suas concepções sobre a contradição como sendo um fenômeno que também existe no
interior do socialismo (cf. LUKÁCS, 1965a, p. 118), o que seria inconcebível num registro stalinista:
“Expansão do campo de atividade, prolongamento dos conflitos ocorre quase imperceptivelmente,
ainda de forma alguma como virada direta e consciente contra o sistema stalinista, embora sua
estreiteza e rigidez burocráticas emerjam cada vez mais claramente nos debates (texto:
Tribuno do
povo ou burocrata
) Começo: diferenciação de Lênin contra unidade mecânica de Stalin. Do mesmo
modo: vem para o primeiro plano sempre com maior força o ‘triunfo do realismo’ de Engels contra
regulamentação da ideologia a partir de ‘cima’” (LUKÁCS, 2005a, p. 218). Essa forma de crítica
oblíqua do stalinismo no período moscovita por meio do tratamento de questões literárias e
filosóficas é comentada por Brenner (1991, p. 187-188), por Illés (1993, p. 251-252), bem como por
Sziklai (1978, p. 136).
40
Otimismo ou pessimismo eram termos correntes no debate soviético sobre o realismo. Como
esclarece Homero Freitas, o otimismo era considerado como uma expressão dessa etapa histórica
inaugurada pela Revolução socialista: “alguns críticos opunham o realismo socialista ao realismo
crítico ou burguês. Afirmavam que o realismo burguês tinha raízes em uma postura crítica, que
apresentava uma visão negativa da realidade. Já o realismo socialista, que devia refletir a realidade e a
mentalidade socialista, parte ‘de uma postura positiva em relação à nova realidade de uma sociedade
coletivizada. Por isso ele é fundamentalmente otimista, diz sim à vida, ao passo que o velho realismo
burguês era fundamentalmente pessimista e implicava frequentemente uma concepção doentia do
mundo’” (FREITAS, 2010, p. 160). São elementos do realismo socialista concebido nesses termos
tanto o herói positivo quanto o romantismo revolucionário. Sobre as concepções de romantismo
revolucionário em disputa no contexto soviético, ver: (MEIER, 2014, p. 140). Lukács, quanto a sua
posição nesse ponto, afirma o seguinte: Márton Horváth destacou e nisto estava apoiado nos
fatos que nunca empreguei, nos meus trabalhos, a expressão ‘romantismo revolucionário’; segundo
ele, quando me ocupava de escritores socialistas (na época, tratava-se em especial de
O Don
silencioso
), escolhia apenas autores cuja orientação não era efetivamente típica da literatura soviética
e, portanto, careciam daquela função decisiva” (LUKÁCS, 2009, p. 31). Já em relação ao que afirma no
artigo
O romance como epopeia burguesa
, incluído nos
Moskauer Schriften
, sobre o herói positivo é
necessário reconhecer algo das suas ilusões quanto ao desenvolvimento do socialismo na União
Soviética, embora, como afirma A. Cotrim, ao aventar essa possibilidade para o romance soviético, o
sentido dessa previsão de Lukács não é o da “glorificação do proletariado [...] ou aquilo que se tornou
ampla e vulgarmente conhecido como ‘realismo socialista’” (COTRIM, 2009, p. 319).
Paula Alves
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Proudhon queria eliminar os “aspectos ruins” do capitalismo e conservar
apenas seus “aspectos bons”. Kirpotin quer realizar essa obra na história da
literatura. De acordo com ele, do progressista pode surgir o
progressista; do reacionário, o reacionário. Então, faz-se necessário
extirpar a metade dos clássicos cuja visão de mundo contém elementos
reacionários e uma obra pode ser considerada um fenômeno literário
autêntico ali onde expressa diretamente o que Kirpotin considera
progressista. Assim, como em Proudhon, os aspectos “bons” e “ruins” são
absolutizados, extraídos do espaço, do tempo e do contexto social.
(LUKÁCS, 1981, p. 119)
Com essa referência a Proudhon, na qual ecoam os escritos de Marx, Engels e
Lênin que polemizam contra esse autor, Lukács aponta para a perda de senso da
processualidade histórica, para uma “cegueira” frente à contradição do
desenvolvimento social, a qual, aliás, não cessaria com o fim do antagonismo de
classe. Nessa toada da mera repetição de palavras caras à tradição esclarecida como
“progresso”, “reação”, “caráter popular” num contexto em que estas haviam
ganhado um outro peso histórico, elas se convertem em uma apologia trivial do
capitalismo
41
; “passa a absurdo a razão, o benefício a praga”
42
, palavras do
Fausto
de Goethe que, para Lukács (1981, p. 112), “demonstram sua validade perante cada
grande virada histórica”:
Essa cegueira frente à desigualdade, frente o caráter contraditório do
desenvolvimento capitalista é um resíduo menchevista: a valoração
menchevista errônea e unilateral do papel da burguesia na revolução
burguesa persiste na forma da sobrevalorização de seu papel na cultura e
no desenvolvimento literário na era capitalista. (LUKÁCS, 1981, p. 129)
Pois, se o desenvolvimento desigual da sociedade burguesa é complexo, ele
vem à tona de maneira ainda mais complicada nas questões ideológicas (cf. LUKÁCS,
1981, p. 122). Tanto mais nítidas são, portanto, as insuficiências da sociologia
vulgar, um “proudhonismo literário” (LUKÁCS, 1981, p. 122), na sua abordagem
dessa ordem de problemas:
a desorientação da sociologia vulgar diante das contribuições intelectuais
mais significativas da primeira metade do século XIX especialmente Hegel
intensifica-se ainda mais perante a relação mais complexa entre visão de
mundo subjetiva e o teor objetivado na obra (BRENNER, 1991, p. 183).
41
Há, aqui, um outro entrecruzamento de perspectivas históricas, como bem nota Sziklai, e que tem a
ver com a
debacle
corporificada pelo fascismo: “Nos trabalhos de Lifschitz vinha para o primeiro
plano o problema do desenvolvimento da sociedade capitalista. ‘Qual é a essência dessa discussão?’ É
que Knipovitch, Kirpotin, Ermilov, Serebryanskiy glorificavam a democracia burguesa progressista, o
humanismo numa era em que a burguesia havia ajudado
o fascismo
a chegar ao poder. A rejeição
categórica dos ideais burgueses é, em Lifschitz e em Lukács, penetrada pela profunda convicção de
que na era do imperialismo a burguesia não é capaz, como resultado do pleno desenvolvimento do
declínio social-ideológico, de produzir novos valores espirituais, que pudessem estar a serviço da
grande arte realista” (SZIKLAI, 1978, p. 102).
42
Tradução de Jenny Klabin Segall (cf. GOETHE, 2004, p. 191).
A sombra do progresso
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Seguindo então o argumento de Lukács, que considera a literatura, bem como
as outras formas ideológicas, um fenômeno marcado pelo “espaço”, pelo “tempo” e
pelo “contexto social” específico em que ela surge, não é possível, ao analisá-la,
utilizar um método que joga de maneira desajeitada com dualismos, num
malabarismo relativista que solapa as diferenças entre os autores na tentativa de
tampar as lacunas causadas pelo apagamento do caráter contraditório do
desenvolvimento social:
Essa concepção aparece geralmente com relação a escritores que possuem
uma concepção de mundo reacionária. Essa visão de mundo é criticada de
forma demolidora e então se explica sem qualquer coerência que uma
“maestria” enigmática do escritor produziu uma grande obra de arte. Esse
dualismo eclético
se mostra entre nós de uma forma o nítida que certos
“teóricos” inclusive acreditam que o escritor precisaria apenas adotar sua
visão de mundo como algo pronto e acabado, e o leitor experimentaria o
contentamento de reconhecer em uma expressão artística algo já sabido.
Em ambos os casos, surgem esquemas mortos. Somente são de fato
reconhecidos aqueles escritores cuja visão de mundo é progressista,
isto é,
no mundo capitalista, democrática ou liberal
. Se um escritor reconhecido
que pertence a essa orientação é demasiado importante ou demasiado
complexo para ser encaixado nesse esquema, então ele é retocado de
maneira correspondente. Assim, em tais considerações literárias,
desaparecem as contradições
na personalidade de Heine, sempre
destacadas por Marx e Engels, e nos deparamos com uma imagem de Heine
que se distingue daquela de Victor Hugo apenas pela língua alemã. As
expressões que se tornaram
slogans
“caráter popular”
[
Volkstümlichkeit
], “humanismo” etc. tem por consequência que é
possível distinguir uma caracterização de Homero daquela de Saltykóv-
Schedrin atentando-se ao nome dos autores. (LUKÁCS, 1981, p. 128-129;
grifos meus)
A contradição do desenvolvimento social nos romances de Balzac
Esses desenvolvimentos na filosofia, que deram de frente com o problema da
contradição nessa nova etapa de construção da sociedade burguesa após a
démarche
da Revolução Francesa, encontram também um paralelo na história da
literatura. Se a
Fenomenologia do espírito
de Hegel tem em comum com o
Fausto
de
Goethe a representação do progresso “que se realiza em um grande processo
unitário, mas que é, ao mesmo tempo, o calvário das aspirações mais nobres, dos
ideais mais sublimes, dos indivíduos mais grandiosos, que foram arruinados”
(LUKÁCS, 1981, p. 82), Balzac é, por sua vez, “o grande fenômeno literário paralelo
a Fourier”:
Reconhecidamente, Balzac não era socialista, mas, ao contrário, um realista
legitimista. Contudo, quando observamos a obra artística de Balzac, -se
ali uma forma de crítica social extraordinariamente aparentada a de Fourier.
Também em Balzac, as contradições da vida capitalista são investigadas até
suas últimas profundezas; são descobertas contradições, cujo caráter
irresolúvel nos marcos do capitalismo emergem de maneira profundamente
convincente da representação balzaquiana. Em termos pessoais, resulta daí,
Paula Alves
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para Balzac, um pessimismo e, como ele o expressa com frequência,
observadores superficiais como E. Knipovitch o consideram “sem
perspectiva”.
Não se trata, contudo, daquilo que Balzac pensava, mas daquilo que sua
obra representa objetivamente. Ele não pôde jamais dar aquele salto, com o
qual Fourier desatende o abismo entre a sociedade de classes em
dissolução e a utopia socialista. Mas sua obra inteira não é senão que um
enorme impulso para esse salto. Essa obra mostra, como resultado da
representação múltipla e profunda, o quanto a marcha da própria história
se encontrava prestes a dar esse salto.
Esse impulso para frente, para além da sociedade capitalista (e, ao mesmo
tempo, para além dos preconceitos do autor) que caracteriza a obra de
Balzac é o fundamento para o paralelo com os socialistas utópicos.
(LUKÁCS, 1981, p. 117)
Essa é uma comparação insólita e, ao mesmo tempo, bastante reveladora. Por
um lado, dela se desprende o problema da falsa consciência, que, como vimos, é um
momento de toda produção intelectual pré-marxista; daí que, para Lukács, seja
“impensável no quadro das possibilidades do romance burguês uma representação
sem ilusões e sem utopia” (BRENNER, 1991, p. 154). Assim como na análise das
ideias sobre o progresso, também no caso de Balzac, ele se detém no “impulso para
a frente”, isto é, no salto” para o futuro que, implodindo os horizontes do próprio
escritor, ganha forma na crítica social de seus romances. Nesse sentido, uma
convergência entre dois autores que, partindo de posições diferentes, reagem a uma
mesma realidade, alinhavada pelo clima s-revolucionário. Por outro, chama a
atenção, se nos atermos justamente às posições diante do futuro que acabamos de
glosar, que Balzac seja um
pendant
literário de Fourier e não de um Carlyle; afinal, a
crítica do presente que ambos patenteiam e que porta uma “ameaça do futuro” toma
não em uma projeção fantasiosa de um outro mundo, desconhecido, mas em um
sentimento nostálgico em relação ao passado. Trocando em miúdos, por que Balzac
não foi um crítico romântico do capitalismo?
De fato, aqui e ali, e sobretudo em
A polêmica entre Balzac e Stendhal
, Lukács
explora as afinidades mais ou menos eletivas entre o escritor francês e os
românticos. Entretanto, curiosamente, a mola dessa comparação não é a base
reacionária comum, mas uma dificuldade formal que se coloca para o romance
moderno: não sendo possível lidar com a crescente contradição da vida burguesa
por meio da “velha pureza e simplicidade da forma clássica” (LUKÁCS, 1964a, p.
104), é indispensável empregar novas técnicas que permitam a representação
adequada da espessura histórica. Daí que o romance moderno possua uma certa
A sombra do progresso
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vocação analítica, que se realiza por meio da elaboração polifônica dos detalhes
(LUKÁCS, 1964c, p. 36)
43
. Por isso, Balzac sabe ser impossível pintar a vida
contemporânea tal como ele se propõe a fazer no prefácio de
A comédia humana
por meio de traços ligeiros, indicando simplesmente a classe social a que pertencem
seus personagens, ou mencionando um determinado traço característico, recorrente,
como se isso fosse iluminar todo o espectro de suas motivações e tornar
compreensíveis as suas ações
44
. Ele tem que se haver, assim, com as nuances do
indivíduo, com sua fisionomia particular, que não pode mais ser deduzida a partir
de seu estrato social.
Lukács nota, contudo, que essa tendência para a análise, cuja supressão
artificial traria consigo o “empobrecimento do conteúdo” (LUKÁCS, 1964c, p. 36),
provoca no limite a uniformização de toda a estrutura composicional da obra (cf.
LUKÁCS, 1964c, p. 37). Desse impasse ou empobrecer o conteúdo pela falta de
análise, ou homogeneizar por meio da (incontornável) análise a estrutura da obra
resultam assim “as grandes lutas estilísticas do século XIX” (LUKÁCS, 1964c, p. 37).
Ora, essa luta estilística é a outra face da tensão que Lukács identifica entre o
romantismo e o realismo (ou realismo crítico, tal como ele se refere ao realismo
dessa época) no desenvolvimento literário a partir do século XIX. Sendo o
romantismo um “produto orgânico, necessário da nova vida que emerge” (LUKÁCS,
1964b, p. 104), o embate com ele se dá na teoria e na práxis de todos os escritores
relevantes do período (cf. LUKÁCS, 1964b, p. 104). Este é um problema estilístico
que se entrecruza de uma maneira direta com a visão de mundo, nos termos da
crítica romântica do capitalismo:
Trata-se aqui de uma questão central de visão de mundo e de estilo de
todo o século XIX: a do arrazoamento com o romantismo. Nenhum grande
escritor que atuou depois da Revolução Francesa poderia escapar desse
43
A elaboração polifônica dos detalhes aparece como algo incontornável. O escritor é
compelido
pelas circunstâncias históricas e sociais a “fundir em cada detalhe todos os pontos de vista , a
trabalhá-los, portanto, de modo polifônico, para que o “todo do mundo representado seja tornado
verdadeiro e inteligível” (LUKÁCS, 1964c, p. 36). Desse modo, cada “fenômeno singular” é complexo
tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da forma, porque ele se “desdobra diante de nós
explicitamente, na totalidade de suas determinações”. É assim que se expressa, nesse tipo de
representação, a “realidade multifacetada” (LUKÁCS, 1964c, p. 38).
44
É o que ele expõe em seu ensaio sobre
A cartuxa de Parma
, de Stendhal, contrapondo-se ao
método literário dos séculos XVII e XVIII: “não creio que a pintura da sociedade moderna seja possível
através do procedimento severo da literatura dos séculos XVII e XVIII. A introdução do elemento
dramático, da imagem, do
tableau
, da descrição, do diálogo me parece indispensável na literatura
moderna” (BALZAC, 2000, p. 201). Lukács cita esse mesmo trecho em
A polêmica entre Balzac e
Stendhal
(LUKÁCS, 1965a, p. 492).
Paula Alves
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debate, que começa já no período weimariano de Goethe e Schiller e atinge
seu ápice literário na crítica de Heine ao romantismo. O problema
fundamental desse debate consiste em que o romantismo enquanto
corrente não foi somente uma orientação literária. Na ideologia
[
Weltanschauung
] romântica ganhou expressão uma revolta espontânea e
profunda contra o capitalismo em desenvolvimento acelerado, por certo em
uma forma extraordinariamente contraditória. Justamente os românticos
extremos se tornaram reacionários feudalistas ou obscurantistas cristãos.
Mas no fundo do movimento havia essa rebelião espontânea contra o
capitalismo. E para os grandes escritores dessa época, que, por um lado,
não podiam ultrapassar o horizonte burguês, e por outro, aspiravam a uma
imagem do mundo compreensiva e verdadeira, resultou daí um dilema
peculiar. (LUKÁCS, 1965a, p. 492)
Mais adiante Lukács especifica que o romantismo “no sentido amplo da palavra,
[...] é antes uma tomada de posição quanto ao desenvolvimento pós-revolucionário
da sociedade burguesa” (LUKÁCS, 1965a, p. 502). Sendo assim, como explica
Vedda, o romantismo é nesse contexto pós-revolucionário uma parada obrigatória
para se compreender as “condições da modernidade” (VEDDA, 2015, p. 28). Nessa
encruzilhada se encontrava também Balzac, um “daqueles escritores nos quais essa
recepção do romantismo e, ao mesmo tempo, a tentativa de uma superação ocorreu
da forma mais ampla e consciente” (LUKÁCS, 1965a, p. 493). Lukács fala aqui em
“tentativa”, pois nenhum dos grandes escritores dessa época alcançou realizar essa
“síntese” de maneira plena, isto é, “sem restos e sem contradições” (LUKÁCS, 1965a,
p. 492); a questão do romantismo tem assim certo parentesco estrutural com a da
falsa consciência no pensamento pré-marxista
45
(do que poderíamos concluir que ela
também alude, no limite, ao “triunfo do realismo”). Assim, é possível identificar
pegadas românticas tanto na construção das obras de Balzac, no seu todo
artístico, afeito à análise, bem como no ódio que ele devota ao capitalismo. Talvez
por isso, em alguns manuais literários, ele encontre um lugar singelo entre os
representantes dessa escola; talvez por isso, “a despeito de toda a crítica”, ele tenha
sido admirado pelos românticos de peso, “a partir de Chénier e Chateaubriand”
(LUKÁCS, 1965a, p. 493).
Mas se tivesse sido de fato um romântico, acresce Lukács, Balzac jamais
poderia ter compreendido o seu próprio tempo, seu “movimento para frente”
(LUKÁCS, 1965a, p. 492), de modo que é possível notar diferenças decisivas em
seus pontos de contato, isto é, tanto na questão do estilo quanto na sua concepção
45
Há, nesse entremeio, uma impossibilidade objetiva, a qual essa falta simboliza: todos esses
escritores, afirma Lukács, “criaram suas maiores qualidades literárias a partir das contradições da
situação social e espiritual que para eles eram
objetivamente irresolúveis
, e ainda assim eles as
levaram até o final corajosamente” (LUKÁCS, 1965a, p. 492; grifos meus).
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de mundo. Isso significa, quanto à sua composição, que em seus romances a vocação
analítica convive, ou melhor, complementa, uma “tendência apaixonada ao essencial,
o desprezo apaixonado por todo realismo apequenado” (LUKÁCS, 1965a, p. 494). O
imbricamento entre essas duas vertentes aparentemente contraditórias confere, por
sua vez, certa peculiaridade ao que Balzac entende por “essencial”: ele o considera
“de modo muito mais complexo, intrincado, muito menos condensado em alguns
grandes momentos do que Stendhal” (LUKÁCS, 1965a, p. 494). Essa diferença se
ramifica e opõe o princípio composicional de ambos, ecoando sobre todo o conjunto
dos “problemas específicos”:
O mundo de Balzac é, realmente, como o de Hegel: um círculo que é feito
de uma porção de círculos.
O princípio de composição de Stendhal é completamente oposto. Também
ele faz, como Balzac, o esforço de figurar a cada instante um todo, mas a
cada instante ele quer forçar os momentos essenciais de uma época (da
Restauração em
O vermelho e o negro
, do Absolutismo provincial
[
Kleinstaat-Absolutismus
] italiano em
A cartuxa de Parma
, da Monarquia de
Julho em
Lucien Leuwen
) na biografia de um certo tipo de pessoas.
(LUKÁCS, 1965a, p. 497)
Assim Lukács descreve duas posições opostas em relação aos aportes dos
românticos; se Balzac se coloca de modo consciente em relação a essa tradição de
pensamento, Stendhal passa ao largo dela, como um amargo inimigo” (LUKÁCS,
1965a, p. 506), e busca dar continuidade “de maneira consequente e interessante à
ideologia pré-revolucionária do Iluminismo” (LUKÁCS, 1965a, p. 503).
No que concerne à sua visão de mundo, essa tentativa de superação do
romantismo da parte de Balzac se manifesta na especificidade da sua tomada de
posição, que também tem consequências para a fatura de seus romances, frente ao
caráter do desenvolvimento capitalista:
[...] Balzac o se contenta em reconhecer e figurar as situações sociais
trágicas ou tragicômicas aqui esboçadas. Ele vê e alcança mais longe. Ele vê
que o fim do período heroico do desenvolvimento burguês francês significa
ao mesmo tempo o começo da grande ascensão do capitalismo francês
(LUKÁCS, 1965a, p. 474).
Enquanto um momento de sua concepção de mundo, a atitude romântica
permite que Balzac expresse um desacordo com o estado das coisas, expondo seu
caráter hediondo, indicando a profundidade da perda que o estiolamento da ilusão
na sua melhor forma representa para toda a humanidade. Na medida, contudo, em
que figura o caráter necessário desse desenvolvimento, Balzac abandona a
fantasmagoria qualitativa que se desprende da idealização do passado e seus
valores, sendo capaz de mostrar os nexos entre este e a nova realidade ele figura,
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desse modo, o presente como história, configurada socialmente pela ação humana:
A experiência mais profunda de Balzac foi a da necessidade histórica do
processo histórico, a necessidade histórica do ser-precisamente-assim do
presente, embora justo ele tenha visto com mais clareza do que qualquer
outro antes dele a rede infinita de acasos que forma o pressuposto dessa
necessidade. (LUKÁCS, 1965b, p. 99)
Com isso, não desaparece o sentimento do fim do mundo: em
Os camponeses
(cf. LUKÁCS, 1965a, p. 453), um dos romances utópicos de Balzac, a apreensão de
que a marcha civilizatória, o aburguesamento da sociedade, significa o fim da cultura
ganha até mesmo um tom elegíaco. Daí provém o pessimismo que tanto incomodava
aos sociólogos vulgares, mas que, para Lukács, tem uma parcela de culpa no que diz
respeito à força artística desse escritor:
Por isso, o ódio desesperado de Balzac contra o capitalismo não é “sem
perspectiva”, como acredita Knipovitch, mas autenticamente progressista:
ele eleva a um alto nível do conhecimento figurado, do desmascaramento
artisticamente rematado, a profunda decepção das mais amplas camadas do
povo trabalhador com os resultados sociais da Revolução Francesa, da
revolução burguesa, que “sem dúvidas libertou o povo dos grilhões do
feudalismo e do absolutismo, mas forjou para ele os novos grilhões do
capitalismo e da democracia burguesa”. Esse movimento popular grande e
em última instância progressista ganhou em Balzac sua expressão
artística mais elevada, assim como em Fourier a sua expressão intelectual
mais elevada. Na medida em que Balzac, nessa crítica, nesse ódio
clarividente, nesse desvelamento multifacetado e abrangente do
capitalismo, figura as dores e os desejos mais profundos de um movimento
popular poderoso e em última instância progressista, ele se tornou um
artista progressista “graças” ao seu anticapitalismo “pessimista”, romântico.
(LUKÁCS, 1981, p. 91-92)
Na verdade, a “tragédia da cultura”, que aparece com força particular nos
romances utópicos de Balzac, não representa senão a outra face da experiência da
necessidade histórica; a queda da nobreza, sua “degradação interna nesse processo”
(LUKÁCS, 1965a, p. 466) com o que se coloca, para ele, o problema da
subsistência da cultura e da civilização é um momento necessário desse
desenvolvimento maior e que lhe infunde certa desconfiança:
A grandeza da concepção de
A comédia humana
tem por base a visão
profunda da unidade desse desenvolvimento. Revolução, Napoleão,
Restauração, Monarquia de Julho Balzac isso como meras
etapas
de
um grande processo unitário e contraditório, do processo de capitalização
da França em sua mistura indissociável de irresistibilidade e hediondez.
(LUKÁCS, 1965a, p. 466)
Compare-se isso então com o que Lukács constata a respeito do romantismo
alemão no prefácio para esse volume de suas obras completas: “Ele amputa da
história a categoria do progresso: histórico é apenas o que cresce ‘organicamente’,
toda reviravolta, até mesmo toda ação consciente com o fim de mudar a realidade
A sombra do progresso
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seria anti-histórica” (LUKÁCS, 1965c, p. 10)
46
. É porque Balzac figura essa “mistura
indissociável” entre necessidade e horror no mecanismo do capitalismo,
perscrutando seu caráter profundamente social, que seu pessimismo romântico não o
converte em um romântico propriamente dito e a crítica do presente contida em suas
obras se aproxima daquela dos socialistas utópicos, embora Balzac não fosse, longe
disso, socialista. Para Lukács isso não era, como ficou exposto, necessário.
Por fim, cabe mostrar um dos limites nessa aproximação entre o artista e o
ideólogo, que tem que ver, por um lado, com a especificidade da literatura enquanto
forma de representação da realidade e por outro, com o tempo do mundo, com o
seu curso. Tanto Balzac quanto Fourier viveram no “período do socialismo utópico”,
de modo que “pode-se conceder a Balzac um milionário pleno de entendimento,
assim como a seu contemporâneo mais velho, Fourier” (LUKÁCS, 1965a, p. 451).
Mas, enquanto este viveu em uma época em que o movimento dos trabalhadores mal
tinha despontado, Balzac fantasia as saídas utópicas para salvar o capitalismo no
tempo de seu avanço tempestuoso” (LUKÁCS, 1965a, p. 451). Isso confere uma
outra torção para as utopias do escritor francês, cujo caráter de autossabotagem é
em certo sentido mais pronunciado:
E por mais que nesses romances Balzac, contra seu hábito, queira dobrar a
realidade de modo pedagógico-propagandista em um sentido não pico, o
grande realista, o observador incorruptível aparece não obstante por toda
parte e acentua desse modo as contradições presentes de qualquer forma.
(LUKÁCS, 1965a, p. 450)
Mais do que essa matéria histórica que se apresenta com uma diferença de
grau, o que vale dizer que na realidade havia se acirrado o desenvolvimento
contraditório característico da modernidade burguesa, e isso certamente não deixa
de ecoar na obra de Balzac, a perspectiva deste é qualitativamente diferente da de
Fourier porque, além do mais, em virtude de seu
tier
, “ele se viu obrigado a
figurar
os milionários” (LUKÁCS, 1965a, p. 451; grifos meus). A figuração, dirá
46
Nesse prefácio, escrito em 1964, Lukács é bem mais contundente em sua crítica ao romantismo e
os matizes que podemos notar a esse respeito nos
Moskauer Schriften
desaparecem; compare-se
nesse sentido a análise de Carlyle nessa obra, glosada na seção anterior, com o seguinte trecho:
“contudo, a ponta de uma tal crítica sempre quebra, porque a dinâmica das contradições nos
românticos não aponta para o futuro (como é o caso, por exemplo, dos grandes utopistas do calibre
de Fourier ou Owen), mas quer sempre girar para trás a roda da história e joga contra o presente a
Idade dia, o Antigo Regime, joga contra o capitalismo a simples circulação de mercadorias. Assim
surge literariamente o verdadeiro romantismo, de Chateaubriand passando pela escola alemã
romântica até Vigny ou Coleridge; da mesma forma, social-economicamente, em Sismondi, em Cobbett
ou no jovem Carlyle” (LUKÁCS, 1965c, p. 12).
Paula Alves
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Lukács, “é extraordinariamente característica para a contradição da utopia
balzaquiana”:
Os heróis de ambos os romances, doutor Benassis e ronique Graslin (
O
cura da aldeia
) são penitentes. Ambos cometeram um grande pecado em
suas vidas, ambos arruinaram assim sua felicidade pessoal; ambos veem
como encerrada a própria vida, veem sua atividade como penitência
religiosa apenas sobre esse fundamento o grande realista Balzac
conseguiu imaginar pessoas que são inclinadas e apropriadas para tornar
real sua utopia. (LUKÁCS, 1965a, p. 451)
Um fundamento que, como se vê, põe em xeque a viabilidade de seu plano
utópico (uma autocrítica inconsciente, dirá Lukács).
Dada a especificidade da forma literária, Balzac não se viu forçado a elevar ao
nível da abstração essas figuras nas quais se condensam sua idealização de uma
outra sociedade. Essa necessidade não diminuiu em nada a grandiosidade da crítica
social elaborada por Fourier, cuja genialidade Lukács não cansa de ressaltar nos mais
diversos contextos. Nisso reside, como vimos, seu parentesco com Balzac, “que não
se resume de modo algum a generalidades” e se estende da sátira e da ironia até
importantes correspondências no conteúdo” (LUKÁCS, 1981, p. 117). No entanto,
parece acertado dizer que o pendor para a abstração cobrou seu preço no que diz
respeito ao visionamento da sociedade ideal, isto é, à dicção da utopia. Balzac
captura e representa as contradições mesmo aquelas relacionadas à ruína da
cultura na sociedade burguesa na forma de tipos humanos concretos, com suas
paixões individuais que, ao serem postas no movimento das relações que articulam a
trama do romance, transbordam os limites do meramente individual. Assim, as
tentativas de uma resolução pela verve utópica se chocam com frequência com uma
impossibilidade imanente, a qual é um resultado do processo consequente de
figuração artística e que problematiza, desse modo, as aspirações do escritor
igualmente encarnadas em suas obras. Essa relação tensa de forças que se
contrapõem, se complementam e por vezes se sobrepõem
47
é uma possibilidade de
realização do “triunfo do realismo” que se coloca de modo especial para a literatura,
a qual possui uma margem de manobra maior do que outras formas ideológicas:
47
Esse é o caso de Balzac: “O triunfo do realismo significa, então, em escritores do tipo Balzac-Tolstói
que na sua visão de mundo (em si largamente mesclada com elementos reacionários),
o momento de
crítica do capitalismo
se torna preponderante em relação à utopia reacionária. A despeito das
tendências que apontam para o passado, que pertencem ao declínio, -se até mesmo de maneira
nítida onde o velho (os restos feudais) são mantidos, desenvolvidos, tornados ainda mais sujos pela
capitalização” (LUKÁCS, 1981, p. 136).
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Mas, em si mesmo, o espaço livre, dentro do qual mesmo a mais destemida
honestidade [
Aufrichtigkeit
] artística não conduz a uma ruptura integral e
aberta com a própria classe, à necessidade de transição para o
proletariado, é incomparavelmente maior do que nas ciências sociais. A
literatura é, de um ponto de vista imediato, a representação de homens e
destinos singulares que apenas em última instância tocam as relações
sociais da época e, sobretudo, não precisam necessariamente mostrar uma
conexão direta com a oposição burguesia-proletariado. (LUKÁCS, 1971, p.
266-267)
Por causa da dialética imanente à obra, na qual são figurados de modo sensível
personagens e situações típicos, os preconceitos, as ilusões, as utopias (reacionárias
ou não) tendem a se expressar de uma maneira diferente daquela na qual o autor
empírico as expõe quando as defende em escritos de cunho mais teórico. Assim,
quando K. Brenner parafraseia o “triunfo do realismo” em sentido lato como um
“triunfo da figuração” (BRENNER, 1991, p. 134), ela ressalta justamente esse
desdobramento da teoria de Lukács, que tem relação com a concretização, ao longo
dos anos 1930, da especificidade do objeto estético, e que leva também a um
apuramento de certas categorias fundamentais do realismo
48
. Mas essa é uma
outra história.
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48
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Como citar:
ALVES, Paula. A sombra do progresso: Lukács, Balzac e as contradições do
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, Rio das Ostras, v. 27, n. 2, pp. 182-221, mar. 2022.