Verinotio NOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, Lukács: 50 anos depois, ainda - mar. 2022
Entrevista de István Mészáros a Giorgio Riolo*
Esta entrevista, a cuja transcrição reproduzimos com alguns cortes, foi realizada
em dezembro de 1997 em Milão, por ocasião de um congresso internacional
organizado pela Associazione Culturale Punto Rosso
1
para o qual havia sido convidado
István Mészáros. Nessa entrevista se faz referência a
Para além do capital
, livro que o
discípulo de Lukács havia publicado recentemente, um portentoso trabalho que pode
ser considerado a suma da sua atividade de pensador e de militante.
Giorgio Riolo
2
Lukács foi definido como “o homem bom”, mas eu pergunto: que relação você
entre sua concepção de mundo e sua concepção da função, responsabilidade e caráter
do intelectual e, sobretudo, o seu modo de se pôr em relação aos outros? Diz-se
frequentemente, de fato, que enquanto Bloch
3
, homem de grande cultura e
inteligência, possuía uma elevada consideração de si mesmo e era muito presunçoso,
Lukács impressionava a todos que dele se aproximassem por sua extraordinária
modéstia. Este é um aspecto importante, segundo penso, e faz parte de uma
concepção elevada da cultura. Não é uma posição aristocrática, mas é, ao contrário,
fundamentalmente democrática. Interessa-nos saber de você alguma coisa a mais
sobre a sua personalidade, sobre seu tipo humano, de preferência através de alguns
episódios significativos da sua vida.
* Tradução de Carlos Eduardo O. Berriel. Revisão técnica de Ronaldo Vielmi Fortes. Publicada
originalmente em: https://www.giorgioriolo.it/immagini/lettura/intervistaaMeszarossuLukacs.pdf
1
Congresso (VVAA.
Globalizzazione e transizione
, Edizioni Punto Rosso 1998).
2
Giorgio Riolo é presidente da Associazione Culturale Punto Rosso. Ensinou história e filosofia em
escolas públicas e privadas italianas e publicou artigos e ensaios em uma variedade de periódicos.
Atualmente, dirige a Universidade Popular Livre, onde também leciona vários cursos de filosofia, história
do marxismo e literatura. É diretor da Edizioni Punto Rosso, uma editora especializada em livros
políticos.
3
BLOCH, Ernst (1885-1977), filósofo alemão. [As notas biográficas foram preparadas por I. Eörsi, em
1982, para o livro
Pensamento vivido
e acrescentadas nesta entrevista pelos editores.]
DOI 10.36638/1981-061X.2022.27.2.649
István Mészáros & Giorgio Riolo
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Mészáros: Para este propósito, é necessário levar em consideração tanto a
literatura quanto a relação entre política e poesia e entre política e trabalho intelectual
na Hungria naquele período. O grande exemplo para Lukács era o poeta Endre Ady
4
,
uma pessoa que ele muito admirava e que era a personificação desse espírito
democrático, inclusive no campo revolucionário. Ady era um homem que, na sua luta
contra o poder constituído, contra aquilo que definia como o “pântano húngaro”, havia
sempre refutado os compromissos. Era necessário, pois, ainda que o criticando do
ponto de vista intelectual, valorizar a sua paixão política e o seu alto senso moral.
Lukács, que possuía uma imensa admiração por Ady, como consta desde seus
escritos juvenis, desejava encontrá-lo, e certa vez um pintor seu amigo, que havia
retratado Ady, tentou, para agradá-lo, promover um encontro entre os dois. Naquela
ocasião, porém, Ady estava provavelmente muito bêbado para se dar conta de quem
estava diante de si e Lukács, por sua vez, timidíssimo, havia se retirado em um canto.
Portanto, nada aconteceu.
Lukács fez, entretanto, amizade com os famosos sicos Bartók
5
e Kodály
6
, os
quais, como ele próprio, foram também grandes rebeldes, muito íntegros e de natureza
nobre, bem distantes de qualquer compromisso com o existente.
Quanto à tradição filosófica húngara, é necessário admitir que esta era bastante
insignificante, porque jamais chegou a se exprimir como escola, como corrente etc. Um
ou outro poeta iluminado, refletindo sobre os problemas da época e sobre as
contradições da sociedade, escreveu, além de obras poéticas, também alguns ensaios.
Na obra do próprio Ady, existem sete, oito volumes de ensaios voltados para temas
políticos e de crítica literária. Também Sándor Petöfi
7
, ilustre poeta do renascimento
húngaro, era um notável pensador, embora tenha morrido no campo de batalha antes
dos 30 anos de idade.
4
ADY, Endre (1877-1919), o mais importante poeta lírico húngaro do início deste século.
5
BARTÓK, Béla (1881-1945), compositor húngaro mundialmente conhecido. De 1907 a 1934 foi
professor de piano na Escola Superior de Música de Budapeste. Emigrou para os Estados Unidos em
1940.
6
KODÁLY, Zoltán (1882-1967), compositor, sendo, junto com Bartók, o representante mais importante
da moderna música húngara. Como pesquisador da música popular, coletou antigas canções populares
húngaras, que mais tarde foram publicadas em vários volumes pela Academia de Ciência. Kodály
também era professor de música e foi graças a ele que, na Hungria, as aulas de música nas escolas se
tornaram parte importante da educação. Foi professor na Escola Superior de Música da Hungria.
7
PETÖFI, Sándor (1823-1849), poeta húngaro, importante figura da Revolução de 1848. Em 1844
tornou-se redator e, a partir de 1845, viveu como escritor
free lance
. Morreu em combate na Transilvânia
como major do exército revolucionário húngaro.
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citei Ady, estimado como poeta e pensador. Recordarei também o fino
intelecto de Attila József
8
, um dos pensadores ngaros mais estimados desse
período, que se distinguia por um elevado senso moral. Falei dele no meu livro
Para
além do capital
. Ele conectava os problemas da sociedade com as questões pessoais.
Lukács foi o primeiro a compreender a poesia de József, um gigante da literatura
mundial do século XX. O poeta, muito jovem ainda, nos anos 20, foi se encontrar com
Lukács em Viena e este último o encorajou no caminho escolhido e lhe apontou o valor
dos seus ensaios críticos.
József era um socialista politicamente ativo, mas em um certo momento foi
injustamente expulso do partido. Este fato representou para ele uma tragédia
irreparável e foi uma das causas que determinaram o seu suicídio em 1937, aos 32
anos de idade. Talvez József pudesse estar vivo ainda hoje, se não tivesse escolhido
esse fim. József havia compreendido muito bem o perigo mortal que o nazifascismo
representava para o mundo e assistir a essa precipitação na direção de um desastre
total, sem que nenhuma força fosse capaz de se opor, contribuiu muito para o seu
gesto trágico.
Lukács era um bom crítico literário e possuía também uma sensibilidade estética
tão refinada que lhe possibilitava um olhar mais amplo, de fazer conexões mais
profundas. Os seus trabalhos mais interessantes estão, de fato, nas relações entre arte,
filosofia e história. Essa capacidade lhe permitiu valorizar, desde muito jovem, além
das grandes obras de zsef, também as obras de outros poetas e escritores. Não
escapava a Lukács nem mesmo o aspecto problemático da obra de József, pois já na
juventude conhecia a sua visão do mundo e a sua rebelião. József, quando foi expulso
da Universidade de Szeged, lançou um desafio poético que terminava com a proposta:
“Eu ensinarei a todo o povo e não à classe média”. Como estudante universitário teria
se tornado, de fato, professor das classes médias. Também nele a rebelião era
inseparável da moralidade.
No que tange a Lukács, a sua inspiração principal, desde muito jovem, foi a de
escrever um tratado de ética. Este projeto esteve presente durante toda a sua vida,
acompanhando-o inclusive na tarda idade, mas sempre houve alguma coisa que
8
JÓZSEF, Attila (1905-1937), juntamente com Ady, foi o mais importante poeta lírico húngaro do
século XX. Foi membro do PC ilegal. Suicidou-se.
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impediu a sua realização. Estou convencido, porém, de que, mesmo que vivesse aos
150 anos, não teria conseguido escrevê-la como pretendia. A ontologia, efetivamente,
que deveria ser apenas uma introdução à ética, foi na realidade uma premissa
realmente longa, com cerca de 3.000 páginas. Os escritos de ética que nos chegaram,
como notas e apontamentos são, entretanto, de fato, de escassa substantividade.
Ele conseguiu fazer apenas extratos de obras referentes à ética, de Aristóteles a
Agostinho, a Pascal, a Montaigne etc.
Mészáros: Certamente Lukács conhecia a literatura filosófica sobre ética, mas isso
não era suficiente para compor a sua obra, a
Ética
, como deveria ter sido. Era
impossível escrever, de qualquer forma, nas circunstâncias de então, um tratado de
ética, como escreveu no ensaio
O filósofo do tertium datur
, logo após ter deixado a
Hungria em 1957, pois, para poder enfrentar os problemas mais abstratos da ética,
seria necessário antes se empenhar em uma análise sistemática dos problemas da
política. Você pode imaginar se isso era possível de ser feito na Hungria naquele
período. Isso era impensável não apenas pelas evidentes circunstâncias externas, mas
inclusive por questões “internas”, isto é, pela interiorização, por parte de Lukács, do
tipo de desenvolvimento soviético. Essas foram as duas questões que obstaculizaram
a realização de seu grande projeto.
Ele começou a trabalhar em um esboço de ética nos tempos de Heidelberg,
quando estava em relação com Max Weber, mas mesmo então acabou escrevendo um
ensaio sobre estética, dado que sobre o tema tinha já muito trabalho preparatório.
No primeiro decênio do século, Lukács já havia produzido muitos trabalhos
literários, tendo lido muitíssimo e adquirido um conhecimento enciclopédico da
literatura, seja húngara, seja mundial. Ainda no período de juventude, escreveu,
inclusive, diversos volumes de ensaios e uma importante história do drama moderno,
que foi publicada em 1910, muito antes de
A
teoria do romance
.
Lukács, entretanto, considerava esses trabalhos de menor importância, apenas
como um passo na direção dantese ética. Ele continuava a se ocupar dos problemas
de ética de várias maneiras. A um certo ponto, todavia, também Max Weber o
aconselhou a se dedicar a outra coisa, dado que não conseguia levar adiante aquele
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projeto.
Mais tarde publicou,
A teoria do romance
, que fazia parte de um complexo de
projetos e que obteve um grande sucesso, inclusive do ponto de vista das
Geisteswissenschaften
(ciências do espírito ou humanas). Muitos grandes estudiosos
da história da literatura e da arte consideram esse ensaio uma verdadeira obra-prima.
Entrementes explodiu a Guerra e em seguida a Revolução. Naquela ocasião, os
caminhos com Max Weber e Thomas Mann se separaram, dado que os dois grandes
intelectuais alemães eram então chauvinistas e ardorosos defensores da causa alemã.
Lukács, ao contrário, sendo húngaro, era fortemente cético e pensava que a Guerra só
poderia conduzir a novos desastres.
Para Lukács a questão da responsabilidade dos intelectuais era por demais
importante e ele sempre viveu de acordo com tal ideal. Durante a Guerra muitos
intelectuais, ao contrário, abdicaram disso, pelo menos temporariamente. Sabemos
bem, de fato, que Thomas Mann recuou de seu caminho, vindo a se tornar um dos
escritores de referência para Lukács. Completamente diferente se deu com relação a
Max Weber, o qual não apenas foi um apoiador da Guerra mas se revelou depois,
inclusive, um simpatizante do protofascismo.
Um historiador relatou, a este propósito, uma conversa ocorrida entre Ludendorff
e Weber, na qual este último descrevia o seu ideal de democracia como uma situação
na qual o povo vota e elege o seu representante, possivelmente um líder forte,
carismático, após o que o seu dever é o de se calar e de obedecer. Ludendorff
concordava amplamente com essa ideia de democracia.
Existe aqui uma bela diferença em relação à ideia democrática do Lukács de
então: uma democracia revolucionária baseada nas massas populares, a mesma
concepção de democracia que tinha na ocasião em que entrou no Partido Comunista
e quando, em seguida, identificou-se com a Revolução Russa. Ele via a possibilidade
de futuro com essa perspectiva. Na parte final de
A teoria do romance
aparece, de
fato, uma visão da Rússia dostoiévskiana, idealizada e purificante, e a Revolução Russa
era a realização desta visão.
A este respeito quero recordar como Bloch, em uma entrevista, afirmou que Lukács
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desposou a primeira mulher, a revolucionária Anna Grabenko
9
, porque estava
entusiasmado pela Rússia e pela alma russa.
Mészáros: Eu não levaria Bloch muito a sério, seja porque o matrimônio ocorreu
antes da Revolução, o que por si já exclui a hipótese, seja porque Gertrud Bortstieber
(segunda esposa de Lukács) me contou que Lukács era enamorado por ela desde muito
jovem e que lhe fazia a corte mesmo sendo ela três anos mais velha que ele, tanto que
ela se perguntava: mas o que eu faço com este fedelho?”.
Gertrud casou-se com um matemático maduro, que logo morreu de
tuberculose, deixando-a com dois filhos. Um deles teve uma história trágica
10
, quase
dostoiévskiana, porque foi preso na Rússia e deportado para a Sibéria, a que
sobreviveu por puro acaso. Não conseguindo mais, realmente, suportar aquela vida,
numa noite de inverno se deitou ao ar livre, na neve, para adormecer e não acordar
mais. Por sorte foi descoberto por um dos guardas do campo de concentração, levado
para um lugar quente e ajudado a voltar a si. Havia algum clarão de humanidade
mesmo em meio àquela extrema desumanidade. Mais tarde, nos anos 50, Verkov, que
havia estudado engenharia, tornou-se economista e exerceu alguma influência sobre
o movimento estudantil na Alemanha. Morreu bem velho, no ano passado. Com
trajetória distinta, seu irmão Lajos, que era um físico prestigiado e um dos
colaboradores de Schrödinger, escapou do fascismo refugiando-se na Irlanda e na
Inglaterra.
Após a Guerra, os dois rapazes retornaram à Hungria. Lukács, entretanto,
retornou apenas um ano mais tarde, empenhando-se para localizar e facilitar o retorno
do filho Verkov. Desposou, portanto, Gertrud, que era viúva de seu primeiro marido.
Foi um matrimônio maravilhoso, pois com ela compartilhou 40 anos de vida e de
pensamento. A ela dedicou
História e consciência de classe
. Viveram em grande
pobreza, comendo apenas polenta e feijão. Lukács, naquele tempo, se refugiara em
9
O nome da primeira esposa de Lukács é, na verdade, Elena Andreyva Grabenko. Trata-se, aqui,
provavelmente, bem como na menção seguinte à mesma pessoa, de um erro de transcrição. [Nota dos
editores]
10
Trata-se de Ferenc Jánossy (1914), economista, filho da segunda mulher de Lukács, Gertrud
Borstieber. Viveu com Lukács na União Soviética, foi preso, ficou num campo de prisioneiros na Sibéria.
O nome citado logo adiante, Verkov, provavelmente é outro erro de transcrição.
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Viena porque estava condenado à morte pelo tribunal de Horthy
11
. Sabia-se que
existiam planos para raptá-lo. Diversas pessoas naquele período foram, de fato,
raptadas, levadas para a Hungria e enforcadas.
Sobre isso Lukács nos contou que, certo dia, o chefe da polícia de Viena, tendo
sabido de alguma maneira que ele possuía uma pistola, mandou chamá-lo e o avisou
que era proibida a posse de armas. Lukács explicou que carregava a pistola para não
ser raptado pela polícia de Horthy, ao que o policial exclamou: professor Lukács, o
senhor eu deixaria que possuísse até mesmo um canhão, mas lei é lei”. Lukács
respondeu que até lhe entregaria a arma, mas honestamente devia confessar que a
primeira coisa que faria saindo do edifício seria comprar outra. Esse era o homem. Essa
mesma pistola foi depois jogada no rio Spree, em Berlim, quando os nazistas
estavam no poder e matavam as pessoas. A decisão foi tomada depois de ser
submetido a uma inspeção por parte da polícia, que lhe revirou a biblioteca.
Em Viena ocorreu um encontro muito interessante com Karl Mannheim
12
, que era
um jovem que frequentava o grupo deles e tinha cerca de dez anos a menos que
Lukács. Contemporaneamente, chegaram outros dois ou três jovens e Lukács garantiu
um posto importante para eles quando, em 1919, tornou-se ministro da Cultura.
Mannheim recebeu assim a sua primeira cátedra universitária durante a República dos
Conselhos na Hungria.
Em 1925, quando Lukács estava em Viena, apareceu o trabalho mais famoso de
Mannheim, intitulado
Ideologia e utopia
. Lukács lhe disse: “Mannheim, vo deveria se
envergonhar, tudo bem que tenha roubado os meus pensamentos, mas pelo menos
deveria ter encontrado as citações de Marx por conta própria”. E Mannheim respondeu:
sim, é verdade, mas eu preciso ler tantas porcarias dos meus colegas da universidade
que não tenho tempo para ler os clássicos”. Muito honesto. Lukács se lamentava de
não ter um gravador naquele momento.
Mannheim obteve com aquele livro a sua segunda cátedra universitária na
11
HORTHY, Miklós (1868-1957), político, contra-almirante. Em 1919, apoiado pela Entente, pôs em
combate tropas contrarrevolucionárias contra a República Húngara dos Conselhos, que subjugou
sangrentamente. Em 1920 foi regente. Em 1944, após o golpe de Pfeilkruezler, foi substituído. As
potências ocidentais o prenderam na Baviera como criminoso de guerra, mas não o entregaram ao
governo húngaro.
12
MANNHEIM, Karl (1893-1947), estudou em Budapeste, Freiburg, Berlim, Paris e Heidelberg. Foi aluno
de Max Weber, em 1926 foi livre docente em Heidelberg, e em 1930, professor em Frankfurt. Em 1933
emigrou para a Inglaterra, onde foi professor; em 1942 passou a lecionar no Institute of Education.
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Alemanha, e Adorno, que foi ultrapassado no concurso por apenas um ponto, jamais
o perdoou. Foi uma espinha no seu coração pelo resto de sua vida. Mannheim obteve
ainda uma terceira cátedra na Inglaterra, e então foi parado após a ascensão dos
fascistas. Em suma, ele foi o único a obter uma primeira cátedra durante a ditatura do
proletariado, uma segunda na Alemanha ultraconservadora e uma terceira na Inglaterra
liberal.
Mannheim teve um percurso totalmente diverso do de Lukács, que possuía um
elevado senso moral, enquanto o primeiro era afeito aos compromissos; procurava
sempre manter boas relações com o poder, criava teorias falsas e era muito
anticomunista. Ele elaborou a teoria segundo a qual, quando o comunismo se
estabelece em um país, pelos 500 anos seguintes não se pode mais fazer nada, não
se pode mudar nada.
Karl Popper teve o mesmo tipo de atitude. Penso no seu trabalho
A sociedade
aberta e seus inimigos
. Lukács permaneceu, ao contrário, sempre fiel ao pensamento
comunista.
Quando Lukács aderiu ao Partido Comunista húngaro, para am das simpatias
anarcossindicalistas as quais ele mesmo admitiu, que tipo de relações mantinha com
os outros militantes do Partido?
Mészáros: No Partido Comunista ngaro havia duas facções, uma mais poderosa
e stalinista, sustentada por Béla Kun
13
, e a outra liderada por Landler
14
, que era
proveniente do movimento sindical. Lukács pertencia a esta ala, era o seu teórico.
Entre eles havia muitos conflitos. Foi uma história horrível quando a parte majoritária
do Partido, de Béla Kun e companhia, ordenou-lhe que fosse trabalhar como
clandestino na Hungria. Pode-se imaginar o medo que Lukács teve de ser preso e,
13
KUN, Béla (1886-1939), político comunista. Em 1919 foi líder da República Húngara dos Conselhos.
Ficou exilado em Viena, e a seguir, na União Soviética, onde desempenhou diferentes funções dentro
do Partido. Foi executado durante os grandes expurgos stalinistas.
14
LANDLER, Jenő (1875-1928), revolucionário húngaro. Primeiro, foi social-democrata de esquerda e
líder da União Húngara dos Ferroviários; em novembro de 1918 tornou-se membro do conselho
nacional; durante a República Húngara dos Conselhos foi comissário do povo do Interior, e, mais tarde,
chefe do exército vermelho húngaro. Após a queda da República dos Conselhos, emigrou, tornou-se
membro do PC húngaro. A partir de 1919 foi membro do Comitê Central e dirigiu o PC húngaro ilegal
na emigração, onde dirigiu a chamada fração Landler contra Kun.
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naturalmente, também morto, dado que a sua fisionomia era facilmente reconhecível e
dificilmente alterável. Tratando-se, porém, de uma ordem do Partido, ele foi. Pouco
depois Landler, então em idade madura, morreu. O próprio Lukács me contava como
Landler arruinou a própria saúde, excedendo-se na comida e na bebida, frequentando
banhos turcos, onde perdia muito peso e depois bebia de uma vez quatro a cinco
canecas de cerveja. Lukács tornou-se, então, o chefe da facção Landler. Não foi preso
na Hungria, contrariamente ao que auspiciavam os bélakunianos.
Continuou o seu trabalho político até 1929, quando publicou as
Teses de Blum
.
Este texto que, por muitos pontos, antecipava a estratégia da frente popular, foi
criticado e trucidado pelo Partido, sendo determinante para o fim da sua carreira
política. Daquele momento em diante, realmente, não teve mais nenhum papel político,
tendo sido empurrado para a margem de tal forma que precisou mediar, através da
literatura e da filosofia, tudo aquilo que desejava comunicar. Foi até mesmo expulso
do Comitê Central do Partido Comunista por ser declarado suspeito e, apesar de
muitos dos 120 membros do Comitê serem absolutas nulidades, não havia lugar para
um homem da inteligência, do empenho e da experiência de Lukács.
De 1949 em diante, continuaram os ataques à sua pessoa. Mais tarde, em 1956,
houve outra fase. Mas, antes disso, chegou até mesmo a ser preso em 1941 e passou
alguns meses no cárcere na União Soviética. A sua libertação ocorreu não pela
mediação dos compatriotas, mas graças à intervenção dos mais ilustres intelectuais
alemães, os quais se dirigiram a Dimitrov o reprovando pelo escândalo de ter
aprisionado um intelectual de tal nível internacional. Dimitroff
15
o tirou da prisão,
inclusive porque havia uma afinidade de conteúdos entre o texto de Lukács
Teses de
Blum
e o discurso que ele Dimitroff havia pronunciado no decorrer do VIII
Congresso da Internacional Comunista, que aprovou a reviravolta tática da frente
popular contra o nazifascismo.
Gostaríamos de saber alguma coisa sobre os anos passados em Moscou e sobre o
estudo que Lukács fez sobre Marx naquela cidade.
15
DIMITROFF, Georgi (1882-1949), líder do movimento operário revolucionário búlgaro e internacional.
Foi preso em 1933 e acusado no processo do incêndio do parlamento alemão.
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Mészáros: Lukács viveu em Moscou em dois períodos, sendo a primeira vez no
início dos anos 30, quando trabalhou no Instituto Marx-Engels-Lênin e conheceu o
pensamento juvenil de Marx. Depois, esteve em Berlim de 1931 a 1933. Retornou
uma segunda vez a Moscou para buscar refúgio, após a tomada do poder por Hitler.
Voltemos agora à sua relação com Bloch. Ele foi para a Hungria após a Guerra.
Parece que estava desnutrido e esfomeado e que buscava conhecer alguma moça
húngara rica para desposá-la. Isso me foi relatado por Mary, a irmã de Lukács. Não
posso, porém, garantir esses detalhes porque não os ouvi do próprio Lukács. Naquele
período, Lukács entrou no Partido Comunista, mas não por causa da sua relação com
Anna Grabenko, porque na realidade essa relação se rompeu logo, e muito
bruscamente, dado que ela não lhe era muito fiel, mas ao contrário, possuía uma ideia
muito pessoal da liberação sexual.
Voltando à Hungria, durante a Guerra, Lukács obteve um emprego como censor
postal, graças a seu pai, homem de grande influência fiscal e monetária. Posso imaginar
com que atenção Lukács, sentado em um escritório, lia a correspondência. Penso que,
ao invés disso, lia Hegel por baixo da mesa. De todo modo, o emprego o salvou da
necessidade de pegar em armas; seguramente não saberia atirar.
Exatamente nos últimos anos da Guerra, quando era censor postal e morava em
Budapeste na luxuosa vila paterna, Bloch veio morar com eles. Bartók, pelo qual Lukács
também tinha uma enorme admiração, morou durante um certo período naquela vila.
Durante a convivência com Bloch ocorreram conflitos, porque Bloch jamais
aceitou a possibilidade de se identificar com o marxismo. Lukács, ao contrário, aderiu
ao marxismo sem reservas, modificando e criticando honestamente e com convicção a
sua posição precedente. Bloch tinha muito ressentimento para com Lukács por esta
atitude e inclusive o reprovava.
Quando Lukács, em 1918, entrou no Partido Comunista, era quase jejuno da
doutrina marxista, tendo lido pouquíssimo sobre o assunto. Na realidade, naquele
período, o seu percurso na direção do marxismo não era mediado pela leitura, pela
teoria, mas pela rebelião e pela expectativa da transformação graças à Revolução.
O próprio Lukács conta assim a sua entrada no Partido Comunista: uma noite,
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bem tarde, chegou à sua casa um seu amigo filósofo, Béla Fogarasi
16
, todo comovido
e animado. Contava que o Partido Comunista tinha acabado de ser fundado por 15
pessoas. Estava em plena crise de consciência sobre o que deveria fazer. E Lukács lhe
respondeu: onde está a crise de consciência? Entremos imediatamente!”. Era preciso
fazê-lo. No dia seguinte se inscreveram, e ele foi um dos primeiros.
É compreensível que mais tarde, durante a revolta de 1956 e naquele período
eu vivia na sua casa , quando estava muito claro que era iminente uma intervenção
do exército russo, pela primeira e única vez na minha vida, o vi chorar. As lágrimas lhe
caíam dos olhos enquanto dizia: dediquei toda a minha vida ao Partido e agora
acontece esse desastre total, irrecuperável”. Mais tarde, após a meia-noite, recebeu o
telefonema do seu amigo Zoldan Sándor que lhe propunha se refugiar na embaixada
iugoslava e ele, com tristeza, aceitou. Zoldan Sándor era seu amigo íntimo de
muitíssimos anos e no qual ele confiava muito.
Mesmo sendo embaixador húngaro na Iugoslávia, ele tinha dificuldades porque
naqueles tempos, mesmo na ausência de prévias suspeitas, bastava que alguém
morasse em Belgrado para ser preso e enforcado (como aconteceu com Rajk
17
). Coisas
similares aconteciam em 1930 na União Soviética e depois, em 1949, também na
Hungria. Zoldan Sándor sobreviveu graças ao fato de que sua mulher era cunhada de
Revai
18
. Essa parentela, porém, não influiu sobre a sua relação com Lukács, dado que
não era apenas uma ligação intelectual, mas também afetiva.
A propósito da amizade com Sandor, vem-me à mente um outro episódio que
joga luz sobre o caráter e a moralidade de Lukács. Foi quando ele e Zoldan Sándor
estavam em um tipo particular de prisão na Romênia. Nesse lugar se faziam,
constantemente, pressões sobre as pessoas para que relatassem fatos que levassem à
16
FOGARASI, Béla (1891-1959), filósofo marxista húngaro. Importante comissário da cultura na
República dos Conselhos. De 1930 a 1945 foi professor na União Soviética; a partir de 1945, professor
de filosofia na Universidade de Budapeste; e, em 1953, reitor do Instituto Econômico de Budapeste.
17
RAJK, szló (1909-1949) Em 1930 entrou para o PC ngaro, na guerra civil da Espanha foi
comissário político do batalhão húngaro das Brigadas Internacionais. Após fuga da prisão francesa foi,
a partir de 1941, líder do PC ilegal na Hungria. Em 1945 foi membro do Comitê Central e do Politburo;
de 1946 a 1949, ministro do Interior; e de 1948 a 1949, ministro do Exterior. Foi condenado à morte,
por "titoísmo", sendo reabilitado em 1956 e executado após um processo público.
18
RÉVAI, József (1898-1959), político, publicista, crítico literário e ideólogo comunista. Permaneceu no
exílio entre as duas guerras mundiais, vivendo por fim na União Soviética. Em 1945, voltou para a
Hungria e fez parte da pula dirigente do PC. Foi redator-chefe do órgão do partido
Szabad Nép
, de
1949 a 1953 ministro da Cultura.
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condenação de Imre Nagy
19
. Ele próprio, entre outros, encontrava-se na mesma prisão.
Quando tentaram exercer pressão sobre Lukács, ele respondeu de modo muito
honrado: soltem-me desta prisão e, uma vez livre, quando voltarmos a Budapeste,
relatarei todas as minhas diferenças com Imre Nagy. Mas contra o meu companheiro
de prisão não direi uma só palavra”. Esta foi a sua posição.
O seu amigo Sándor, porém, não se comportou da mesma maneira, pois falou
sob ameaças, tanto que Nagy foi condenado. O episódio me foi relatado por um dos
colaboradores mais próximos de Nagy, que vive ainda na Hungria, e que não tinha
nenhum interesse em contar mentiras ou enfeitar a posição de Lukács.
Depois que seu amigo fez esta confissão contra Nagy, a atitude de Lukács com
relação a ele mudou radicalmente. Sabida a notícia e sendo a hora do almoço, Lukács
e Gertrud entraram na sala de refeições, dirigiram-se à mesa que antes dividiam com
Sándor e sua mulher, pegaram os pratos e os talheres e foram se sentar em outra
mesa, onde comia uma pessoa sozinha. Era o colaborador de Nagy que mais tarde me
contou o episódio. Daquele momento em diante a amizade com Sándor acabou. O
episódio demostra como a moralidade não se compromete nem mesmo com as
amizades mais íntimas.
Havia uma profunda amizade inclusive com Bloch, mas por causa dos conflitos
políticos, filosóficos e intelectuais inevitavelmente se distanciaram, sem, porém, jamais
romperem definitivamente a amizade. Permaneceram numa relação cordial. Não
puderam manter a intimidade precedente porque para Lukács um tipo de amizade
assim, estreita, requeria igualmente uma afinidade de pensamento e de compromisso
político. Afinidade que não havia com Bloch, nem mesmo depois da Guerra.
Essa visão da missão e da função do intelectual em uma sociedade como esta,
burguesa e capitalista,
parece-lhe plausível hoje?
19
NAGY, Imre (1896-1958), político, expert em questões agrárias, uniu-se na Rússia, como prisioneiro
de guerra, ao Partido Comunista. De 1921 a 1928 trabalhou no Partido Comunista ilegal. De 1929 a
1944 esteve no exílio na União Soviética. De 1944 a 1953 foi ministro de diversos governos, e, por
pouco tempo, presidente da assembleia nacional e professor universitário. Em 1955, devido a "desvios
de direita", foi duramente criticado e expulso do Partido e reabilitado um ano depois. Em outubro de
1956, durante o levante popular húngaro, foi novamente primeiro-ministro e líder da revolução. Após
a derrota do levante pelos órgãos de segurança soviéticos, foi levado para a Romênia e executado em
junho de 1958.
Entrevista de István Mészáros a Giorgio Riolo
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Mészáros: Eu sou muito cético sobre essa questão, porque uma notável
diferença entre os dois períodos. Existia então uma burguesia em crise, que havia
perdido a confiança em si mesma e na sua própria força. O próprio Lukács, Bloch e
muitos outros intelectuais eram a evidente manifestação, não apenas dessa ausência
de estima, mas também de uma crise de consciência. Os melhores entre os intelectuais
burgueses que se orientaram na direção do socialismo, de fato, não demostraram
apenas uma simpatia, mas se identificaram completamente com a ideia. Hoje o discurso
é muito diferente porque a nossa burguesia é agressiva e arrogante. Falta a base social
dessa crise de consciência. Não existe a crise de consciência porque não a
consciência, e uma consciência que não existe não pode sofrer uma crise.
Hoje está disseminada a agressividade intrínseca do neoliberalismo. Pense onde
foram parar todos os intelectuais da burguesia após o 68 e você se dará conta de que
todos estão identificados com o sistema de modo acrítico. Esse é, na minha opinião, o
discurso sobre a responsabilidade dos intelectuais burgueses, porque no fundo Lukács
estava se referindo sobretudo aos intelectuais burgueses, não ao intelectual advindo
da classe proletária. Os intelectuais são raros. Em húngaro temos uma expressão para
exprimir alguma coisa extremamente rara. Dizemos: “raro como o corvo branco”, e
agora estamos realmente em uma fase histórica do corvo branco.
Você disse que não existe mais a “consciência infeliz”, como a chamava Hegel.
Mészáros: Realmente, não mais a “consciência infeliz”. Ela poderia talvez
retornar em um momento de crise extrema, mas isso não se pode esperar, e se hoje
você fizesse esse discurso ririam na sua cara. Pense apenas em Lukács e Sartre, duas
figuras que faziam apelo à responsabilidade dos intelectuais, e verá que foram
colocados de lado porque o discurso não funciona mais.
Existe ainda uma última questão muito séria a ser considerada, aquela que trata
do conceito de importar a partir do externo, de fora para dentro, a consciência de
classe no movimento socialista. Isso constitui um grande problema. Vimos,
concretamente, o que significou nos últimos decênios importar a consciência de classe
do externo. Aconteceu alguma coisa extremamente problemática porque, uma vez o
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Partido tendo chegado ao poder, o externo não existiu mais, o partido de estado é
estado sem partido para os de cima.
No futuro será, então, necessário rearticular o movimento socialista de maneira
completamente diferente no que tange à dimensão intelectual do movimento. Se os
intelectuais no passado tiveram, de fato, um papel importante na transformação da
consciência da massa, da consciência do povo, a mesma coisa, penso, o ocorrerá no
futuro. Os intelectuais não obtiveram um grande sucesso “na ação prática” em nenhum
lugar do mundo e, portanto, não se deverá repetir o caminho, mas é preciso recomeçar
do início.
Lukács costumava usar essa expressão: quando o colete está mal abotoado,
para endireitá-lo é preciso desabotoar tudo e se não usamos o colete, isso vale
igualmente para a camisa ou para o paletó”. E agora estamos exatamente no estágio
no qual é preciso desabotoá-lo para poder abotoá-lo de modo adequado.
Ocorre-me pensar naquela outra famosa expressão de Lukács que diz mais ou menos
o seguinte: “pode acontecer de fazermos pequenas asneiras ao realizarmos grandes
coisas, como a construção do socialismo, mas não obteremos grandes resultados se
fizermos sempre, de qualquer forma, pequenas asneiras”. Há também aquela sua
famosa afirmação: o pior socialismo é sempre melhor que o melhor capitalismo”.
Bloch, por sua vez, capturou da história da Igreja a advertência
Corruptio optimi
pessima
20
. Parte daqui inclusive a ruptura radical da parte de Bloch quando foi
construído o muro de Berlim em 1961. Para Lukács, entretanto, vale sempre e de
qualquer maneira
Right or wrong, my party
. Então, aqui temos várias posições para
esclarecer.
A afirmação
Right or wrong, my party
é, entretanto, defensável e não rebaixa a
responsabilidade pessoal. A partir do momento em que aceito a responsabilidade
pessoal e luto para mudar as coisas, aceito inclusive sofrer, chegando mesmo ao
extremo. É, porém, terrível dizer que “o pior socialismo é melhor que o melhor
capitalismo”, porque o pior socialismo não é socialismo. É incompatível com o conceito
20
A corrupção do melhor é o pior.
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de socialismo.
Você, no entanto, ouviu certa vez Lukács falar de “socialismo asiático”, mas o
socialismo asiático significa barbárie asiática.
Mészáros: De fato, o socialismo asiático não é socialismo. O grande problema de
Lukács é exatamente este: interiorizar certas condições externas e torná-las próprias,
tal como aceitar a perspectiva do socialismo em um país. Lukács sempre foi fiel a
esse conceito.
É verdade que esse constituía também um modo de sobrevivência, e nós não
temos nenhum direito de dizer: “vá se matar”. Mas, falando em um contexto diferente,
tal como é o nosso, devemos ter uma outra posição e afirmar que o socialismo em um
só país era um desastre, era simplesmente a justificação da barbárie mais brutal.
Infelizmente, aquela realidade era aceita de modo não inteiramente inconsciente,
porque não se sabe o quanto as pessoas estavam informadas. Por exemplo, Lukács
sabia do desaparecimento de seu filho, que é um fato que o tocava muito de perto,
mas provavelmente não tinha nenhuma ideia da proporção gigantesca deste
acontecimento. Por outro lado, como intelectual e como estudioso de Marx, podia
muito bem compreender que aquele tipo de socialismo era uma contradição nos
termos. E se naquela fase histórica perseguições e medo condicionavam as pessoas
na mesma direção assumida por Lukács, quando ele escreveu o ensaio sobre a
democracia, esse contexto não mais existia. Isso demostra que Lukács havia
interiorizado aquela visão, aquela perspectiva.
Lukács sobreviveu a experiências tremendas, em pleno stalinismo, e coloquemos
que a aceitação da estratégia do socialismo em um país estava condicionada àquela
fase histórica. Um único exemplo: a situação era muito séria e, quando um dirigente
húngaro atacou Lukács nas páginas do
Pravda
, em 1951, ele confessou ter tido medo
de ser preso. Deu-se depois que haviam executado László Rajk e prendido muitas
pessoas. É compreensível que em tais circunstâncias fosse necessário ter cuidado com
o que se falava. Mais tarde, em 1968, Lukács não precisaria temer ser preso, porque
ninguém ousaria tocar naquele ancião de 83 anos, no ponto máximo da sua reputação
internacional. No entanto, ele manteve as suas posições de modo coerente e não
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criticou a fundo o sistema stalinista, isso é, não o criticou do ponto de vista ideológico,
mas apenas de modo genérico e sobre algumas questões metodológicas. Citei a esse
propósito, em
Para além do capital
, o seu discurso ao Partido no qual afirmava falar
do ponto de vista da ideologia, não se considerando nem no direito nem com a
competência para tratar das questões práticas e operativas da gestão do Partido. Eu
não considero justo aceitar essa separação, isso é, negar a responsabilidade do
intelectual e deixar o Partido fazer qualquer coisa, inclusive atos de grande sordidez,
limitando-se apenas à crítica das ideias.
Repito, porém, que foram 50 anos extremamente difíceis, vividos sob pressões
de vários gêneros, e aquela que no início era uma posição defensiva foi mais tarde
introjetada por Lukács e por outros intelectuais, tornando-se neles quase que uma
segunda natureza.
A confiança lukácsiana, para além de qualquer evidência e ultrapassando um
otimismo histórico e pessoal era fundada também sobre a visão hegeliana, no sentido
de que essa cadeia de “mediações”
na trajetória do socialismo (e inclusive de
falsificações), de todo modo, não comprometia totalmente o resultado.
Mészáros: Eu também acho que de algum modo os problemas acabarão por se
resolver. Mas não é apenas isso, é que Lukács jamais reexaminou a sua concepção
quase mítica do Partido. Essa concepção pode ser aceita, e tudo bem, desde que se
aceite o Partido como a incorporação da consciência socialista e da ética do
proletariado (como Lukács sublinha em
História e consciência de classe
).
En passant
,
eu não aceito nem sequer essa posição, porque não creio que tais esquemas devam
ser adotados.
O que acontece, porém, se o Partido se comportar de modo muito diferente?
Onde está o ponto para além do qual o Partido pode ser criticado? Não existe. Se o
Partido esacima de tudo, seja do ponto de vista da consciência ou da ética, então
não existe a possibilidade de crítica. Essa, porém, não era a posição de Marx. Sublinhei
muitas vezes que Karl Marx falava do desenvolvimento da consciência comunista das
massas, pelas massas e nas massas. Não que um sujeito qualquer se apresente e lhe
diga o que você deve fazer. Este é o problema do futuro. Nesse sentido, afirmo que o
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discurso sobre os intelectuais deve ser revisto.
A situação desastrosa em que vivemos não pode ser resolvida nem por pequenos
grupos, nem por partidos integrados no quadro da área parlamentar, mas deve ser um
movimento de massa no sentido em que falava Marx. Ou seja, a consciência comunista
deve ser desenvolvida pelas massas e nas massas, e não apresentada por um grupo
qualquer, pequeno ou grande, como se deu. Esse é o limite da geração de Lukács (e
não apenas da sua). Por isso ele chorou quando viu que tudo havia entrado em
colapso.
Parece que mesmo depois de 1968, após a invasão da
Tchecoslováquia, Lukács
sustentou a confiança nas reformas, na autorreforma do socialismo real.
Mészáros: É verdade, e eu citei do seu chamado “testamento político” a atitude
respeitosa com que solicita que o Partido permita aos cidadãos decidir onde colocar
uma farmácia local. Mas que socialismo é aquele?! É terrível o fato de que o Partido
deva decidir sobre cada coisa, até mesmo sobre onde colocar uma farmácia local. Eu
penso que em um país socialista será necessário retomar esses poderes de decisão.
No escrito sobre democratização, porém, Lukács nos falava de um movimento de
massa que deveria democratizar a sociedade, e que as instâncias desse movimento
deveriam ser acolhidas pelo Partido
Mészáros: É verdade, mas quando Lukács precisava dar um exemplo a esse
respeito, falava de práticas do movimento sindical do Ocidente. Mas nada se resolve
partindo do movimento sindical no Ocidente e nem mesmo partindo da greve. Por
outro lado, Lukács não teria ousado falar de greve na Hungria, dado que a greve era
ilegal nos estados socialistas.
É necessário reapropriar-se do poder decisório porque, se não o reavermos, esse
sistema seguramente nos destruirá. Isso também será um problema do futuro. A
geração precedente não poderia jamais chegar a tal objetivo porque via um significado
naquele tipo de sistema. Por isso, na
Ontologia
, as referências ao poder decisório são
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adiadas para um futuro muito remoto, no qual as coisas são resolvidas em termos do
“espírito” (equivalente ao espírito hegeliano); nobre como aspiração, se você quiser,
mas nada foi dito sobre as mediações hodiernas, isto é, de qual alavanca é preciso
tomar o controle para avançar naquela direção.
A
Ontologia
contém, inclusive, referências contínuas e otimistas ao movimento
estudantil. Mas onde foi parar o movimento estudantil? É, na realidade, um movimento
muito limitado. Por outro lado, você mesmo disse outro dia que constitui uma bela
satisfação ter 50 estudantes interessados em participar de um congresso, de uma
conferência.
Naquele momento, pareceu no Ocidente que se liberavam forças vitais capazes de
arrastar o restante da sociedade, inclusive a classe operária. Essas esperanças eram
alimentadas pelo fato de que estavam envolvidas vastas massas da população. Os
limites do movimento e a sua carência de estratégia emergiram apenas em um
momento posterior.
Mészáros: Tudo, efetivamente, era organizado nas nuvens. Compreendo, de
qualquer forma, como Lukács na Hungria tenha recebido com grande entusiasmo a
crescente mobilização estudantil, apostando na possibilidade de organizar esse
movimento contra a manipulação, aspecto sistêmico do capitalismo do século XX. Para
mim, ao contrário, a manipulação é um problema menor. O problema maior me parece
estar na destrutividade complexiva do capital como sistema. Este aspecto,
naturalmente, era completamente ausente na visão de Lukács.
Essas considerações não constituem uma censura a uma pessoa, porque as
mesmas ideias eram compartilhadas por toda uma geração. Aquela impostação crítica,
por outro lado, visava a atingir também o desenvolvimento soviético, que de todo
modo representava para Lukács o horizonte. Mas, se o horizonte não é interpretado
de modo adequado, permanece uma fé cega em um futuro muito distante.
Esta era a posição que Bloch reprovava nele. Para chegar rapidamente à questão da
herança, pergunto se permanece válida a sua definição de Lukács como “filósofo do
tertium datur
”.
Entrevista de István Mészáros a Giorgio Riolo
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Mészáros: Essa definição permanece válida porque define muito bem o ponto de
vista dele. Hoje, ao contrário, a situação é tal que muitas vezes precisamos refutar as
posições extremas e redefinir muitas coisas de um modo diferente. Os dois polos
opostos, realmente, incharam-se, e se encastelar em posições extremas poderia levar,
especialmente numa situação de crise, a um beco sem saída. Neste sentido, as
mediações (no sentido do
tertium
) são absolutamente vitais.
Em um certo ponto de
Para além do capital
citei uma passagem de Goethe na
qual ele descreve a casa paterna e conta como existia então uma lei que proibia
derrubar os edifícios, que deviam ser reconstruídos, estando preservado o teto.
Partindo, portanto, de cima para baixo, ao invés de baixo para cima.
Mesmo os extremismos muitas vezes gostariam de fazer tábula rasa, mas tábula
rasa quer dizer o fim da humanidade. É necessário recorrer, portanto, às mediações,
interligando, de um modo estratégico e exequível, o presente a um futuro realizável.
Para fazer isso é necessário, porém, o máximo senso da realidade e da concretude. É
um caminho realmente difícil. Nesse sentido, é válida a aspiração de Lukács de refutar
os extremos. Além do mais, ninguém podia nem mesmo falar sobre isso, dado que
esse caminho era claramente representado pelo stalinismo.
Devemos ainda falar da herança cultural de Lukács, pois nos parece importante
esclarecer os aspectos de seu pensamento que hoje nós podemos captar em sua
plenitude, pois existe a interessante metáfora do esquilo do Himalaia e do elefante das
planícies, referência que afeta de modo particular os escritores socialistas. [Entre
estes,] Acredita-se ser o maior entre os maiores da literatura universal porque se
possui uma ideologia presumida como mais avançada. O esquilo do Himalaia o pode
se considerar maior que o elefante das planícies apenas porque está em um lugar mais
alto.
Lukács possuía, de fato, uma intensa aspiração pela realização humana e pelo devir-
homem do homem, prefigurado pelos grandes momentos históricos de alguns setores
da sociedade e de algumas áreas do planeta. Refiro-me ao período do Renascimento,
mas, sobretudo, ao homem inteiro da filosofia clássica grega. Tal aspecto aparece
muito claramente na sua
Estética
. Então, hoje, com frequência se lê Goethe, Balzac ou
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Tolstói. O problema hoje é muito evidente, nessa época de completa fragmentação
dos indivíduos, de completa fragmentação da sua consciência.
Mészáros: Era realmente impossível para Lukács abster-se de se referir a Goethe
e a outros grandes. Tomemos Thomas Mann. De Thomas Mann, que era mais
próximo da cultura atual, pode-se dizer que possuía uma visão crítica deste mundo,
da vida no capitalismo. É um discurso, portanto, um pouco diferente daquele de
Goethe, que estava mais distante da cultura contemporânea.
O socialismo hoje pressupõe uma nova atitude com relação à humanidade, no
sentido da realização das potencialidades humanas, posição completamente negada
nos nossos tempos. Ora, é preciso insistir por essa mudança. Por exemplo, se em
fevereiro [de 1998] ocorrerá a redução do tempo, pela lei das 35 horas de trabalho
semanal, é preciso compreender que não queremos apenas um tempo reduzido.
Queremos também um tempo completamente transformado, que seja um tempo
colocado à disposição, não um tempo ainda submetido à lucratividade do capital,
porque hoje, nas nossas condições, muito ao contrário, o tempo reduzido corre o risco
de ser submetido à lucratividade do capital. Não podemos escapar desse
estrangulamento sem tomar o controle do sistema no seu conjunto, isto é, sem sair da
relação com o capital.
Esse é o discurso sobre a realização das potencialidades humanas, ou sobre
aquilo que Marx chamava de a individualidade rica. Rica não porque tem os bolsos
cheios, mas porque pode realizar as suas potencialidades, usufruindo de uma relação
radicalmente mudada com o tempo de trabalho.
Tudo isso é explicado na
Ontologia
, que, portanto, deveria ser lida por um
número muito maior de pessoas. Compreender-se-ia, assim, a impostação geral e o
vasto horizonte de Lukács, mesmo se forem enfrentados os problemas da “mediação”,
que devemos resolver nós mesmos. Por outro lado, a “mediação” deve ter uma direção
a ser tomada, porque de outro modo não teria qualquer significado. Sem a mediação
estaremos na selva e não conseguiremos chegar a lugar nenhum.
O absurdo do pensamento popperiano consistia exatamente em condenar o
conjunto, como a
lis
. Torna-se uma blasfêmia o
little by little
. Mas que sentido tem
o
little by little
se não se dispõe de uma visão geral, se não se tem a direção, se não
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se conhecem os pontos de referência?
Nesse sentido, vem à nossa mente a distinção que Lukács faz na
Ontologia
entre o
momento ideal e a ideologia, ou toda a elaboração sobre o estranhamento. Por
exemplo, ele não enfrenta a mediação imediata, mas um quadro geral das
capacidades técnicas humanas, ou seja, do desenvolvimento científico ou das forças
produtivas e o desenvolvimento em sentido humano.
Pode-se dizer, portanto, para concluir, que a herança que Lukács nos deixa reside
essencialmente naqueles quatro ou cinco conceitos filosóficos gerais presentes na
Ontologia
. Não podemos herdar realmente, e estamos quase todos de acordo, o
dispositivo progressista geral da filosofia da história.
Mészáros: É necessário acrescentar que devemos aprender muito, inclusive com
o seu percurso pessoal, situando-o historicamente. Ou seja, é necessário ter
consciência das condições históricas particulares nas quais ele viveu. Teremos assim o
modo tanto de compreender as coisas de que falamos, quanto de assumir uma posição
mais crítica, inclusive com relação a nós mesmos. O conhecimento de seu percurso
pessoal nos ajuda, de fato, a reconhecer quais são as limitações às quais nós também
estamos submetidos, para poder superá-las o que nos ajudará a abandonar certas
posições acríticas que emergem da imediaticidade da situação e ultrapassá-la. Para
mim existe, portanto, um enorme significado para além da larga perspectiva e do
vasto horizonte dos quais se falava antes inclusive na sua experiência histórica, na
sua formação e transformação política, ideológica e filosófica.
A escola de Lukács, a chamada Escola de Budapeste, porém, está fechada.
Mészáros: Infelizmente, as escolas são sempre problemáticas, pois servem
exclusivamente para a autopromoção. Brecht, que detestava a Escola de Frankfurt,
contava essa história, muito reveladora, a esse respeito. Um grande especulador
mundial de cereais, sentindo-se próximo da morte, tem uma crise de consciência e
decide oferecer todo o seu dinheiro à Escola de Frankfurt, com a obrigação desta de
procurar as causas da miséria do mundo. O que significava fazer uma investigação
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sobre si mesmo! A Escola de Frankfurt, na verdade, possuía aspectos muito
problemáticos. Funcionava bem, por exemplo, para promover Horkheimer e Adorno,
mas Marcuse e Fromm foram marginalizados. Também, ao que parece, os escritos
produzidos nos anos 30 ficaram trancados à chave e ninguém podia ter acesso a eles.
Fale-nos de Lukács como professor.
Mészáros: Era muito brilhante e fazia com frequência piadas espirituosas e
elegantes. Procurava sempre aliviar uma situação pesada ou facilitar a compreensão
de um discurso árduo. Muitas vezes, durante os seminários, mostrava-se entusiasta da
intervenção de alguém e prosseguia aquele discurso demonstrando sua relevância e
desenvolvendo uma questão de grande interesse. Nós dizíamos que fazia o bezerro
nascer antes que tivesse sido concebido pela mãe.
Seguramente, Lukács estava atento às potencialidades intelectivas dos seus
alunos, não como forma de adulação, mas porque assim era o seu método de
ensinamento. Estava convencido, realmente, de que o pensamento se desenvolve e se
enriquece por interação entre estudante e professor. Ele conseguia ler em você as
respostas que você nem mesmo sabia ter, mas, pensando depois, poderia dizer que
no fundo era o seu próprio pensamento.
Como se deu seu encontro com Lukács?
Mészáros: Eu tinha 15 anos quando encontrei em uma livraria o livro de Lukács
dedicado à literatura húngara. Para mim aquele livro foi uma revelação, tanto que
decidi ler todas as outras obras do autor. Para comprar os seus livros, dado que eram
publicados por uma casa editora burguesa, sendo, portanto, muito caros, precisei
vender as minhas coisas mais preciosas, ainda que fossem muito modestas. Lido o
livro, decidi que esse era o homem com o qual queria trabalhar e estudar.
Fui, portanto, para a universidade e entrei no seu instituto exatamente no
momento em que ele se encontrava sob um ataque feroz e tinha todos contra si. Eu
era o único que publicamente o defendia e, por este motivo, tentaram me colocar para
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fora da faculdade. Antes me ordenaram deixar o instituto, mas eu me recusei. Então
organizaram uma reunião de estudantes, mas eles, por sorte, ficaram do meu lado.
Aconteceu então uma pequena luta de classes, e no final eu permaneci. Daquele
momento em diante a nossa relação foi muito estreita; eu podia visitá-lo a qualquer
momento, mesmo sem me anunciar ou tocar a campainha.
Lukács me fazia as mesmas recomendações que recebera de Simmel
21
: é preciso
levar adiante o próprio pensamento ao fim, até as últimas consequências, sem se
preocupar com nada. Quando se chega no muro se bate a cabeça e se veem estrelas,
e então compreendemos que chegamos ao limite. Foi um conselho muito importante
e se uma pessoa não o segue, mas começa a colocar uma estaca aqui e outra acolá
não chegará nunca a conclusões. Por isso, não importa quantas vezes se bate a cabeça
no muro, porque a cabeça é bastante dura e superará essas pancadas. Lukács o
considerava um conselho metodológico muito importante.
Poderíamos continuar longamente, mas, por ora, agradecemos e estamos muito felizes
não apenas pelo encontro
intelectual, mas também pela relação humana que pudemos
estabelecer.
Como citar:
MÉSZÁROS, István; RIOLO, Giorgio. Entrevista de István Mészáros a Giorgio Riolo. Trad.
Carlos Eduardo O. Berriel.
Verinotio
, Rio das Ostras, v. 27, n. 2, pp. 431-453, mar.
2022.
21
SIMMEL, Georg (1859-1918), filósofo e sociólogo alemão.