Ester Vaisman
32 | VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 1-38 - mar. 2022
uma “enérgica e fervorosa rebelião contra as regras da ética” (LUKÁCS, 2021, p.
50).
É fundamental se atentar que não se trata mais ou apenas, em contraposição à
estreiteza das regras do privilégio estamental, da demanda por “leis unificadas de
validade universal para a ação humana” (que ganham com Kant e Fichte sua
expressão filosófica mais refinada), mas já da reação em face das resultantes
promovidas pela contraditoriedade da própria solução histórica superior, pois, por
mais necessária que esta seja, “o que ela produz é ao mesmo tempo um obstáculo
para o desenvolvimento da personalidade”. Ou ainda de modo mais explícito:
A ética no sentido de Kant-Fichte quer encontrar um sistema unificado de
regras, um sistema de prescrições isento de contradições para uma
sociedade movida pelo princípio básico da contradição mesma. O indivíduo
que age nessa sociedade, que forçosamente reconhece, em termos gerais,
em princípio, o sistema de regras, tem de entrar ininterruptamente em
contradição com esses princípios no caso concreto. E isso não do modo
como Kant imagina, ou seja, que só os impulsos do homem, baixos,
egoístas, contradizem as elevadas máximas éticas. Pelo contrário, a
contradição se origina, com bastante frequência e nos casos exclusivamente
determinantes aqui, das melhores e mais nobres paixões dos homens.
(LUKÁCS, 2021, p. 50-51)
Isso é bem configurado concretamente no caso do
Werther
, em que
sem exceção, paixões que, em si e por si sós, não contêm nada de vil, nada
de associal ou antissocial, e leis que, em si e por si mesmas, não são
rejeitadas como absurdas e inibidoras do desenvolvimento (como é o caso
das divisões estamentais da sociedade feudal), mas que carregam em si
apenas as limitações gerais de todas as leis da sociedade burguesa
(LUKÁCS, 2021, p. 52).
Em suma, Goethe e o
Sturm und Drang
estão diante da grande e grave questão
da “interação contraditória entre paixão humana e desenvolvimento social”, ou seja,
no tempo específico de que se trata:
a geração do jovem Goethe, que experimentou profundamente essa
contradição viva, mesmo que sua dialética não a tenha compreendido
intelectualmente, arremete com furiosa paixão contra esse obstáculo ao
livre desenvolvimento da personalidade (LUKÁCS, 2021, p. 51).
Rebelião ética
que foi chamada por Friedrich Heinrich Jacobi, amigo de
juventude de Goethe, de “a
lei de majestade do homem
, o selo de sua dignidade”, e
cuja formulação mais explícita, na época, pensa Lukács, é também oferecida por ele,
numa carta aberta que dirigiu a Fichte, quando diz:
Sim, eu sou o ateísta e o ateu que [...] quer mentir como a Desdêmona
moribunda mentiu, que quer mentir e enganar como Pílades ao se oferecer
por Orestes, que quer assassinar como Timoleão, violar a lei e o juramento
como Epaminondas, como Johann de Witt, decidir-se pelo suicídio como
Otão, cometer o saque do templo como Davi – sim, colher espigas no