DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.670  
J. Chasin e a determinação ontonegativa da  
politicidade1  
J. Chasin and the ontonegative determination of politicity  
Sabina Maura Silva*  
Resumo: O presente texto tem por objetivo expor  
a tematização de J. Chasin acerca da natureza da  
política em Karl Marx. Segundo Chasin, a crítica  
marxiana à política tem caráter ontológico,  
permitindo conhecer o significado maior do  
ideário marxiano: a distinção necessária entre  
revolução política e emancipação humana. Tema  
de fundo que permeia diretamente os propósitos  
marxianos de revolver e transformar a anatomia  
da sociedade civil na direção da emancipação  
humana. Em outras palavras, segundo Chasin, a  
problemática nodal do pensamento marxiano é a  
emancipação humana, tema, ele mesmo,  
decorrente imediato da própria determinação  
marxiana da individualidade humana: ser ativo e  
Abstract: This text aims to expose J. Chasin's  
thematization about the nature of politics in Karl  
Marx. According to Chasin, the Marxian critique  
of politics has an ontological character, allowing  
to know the greater meaning of Marxian ideas:  
the necessary distinction between political  
revolution and emancipation human. Theme that  
directly permeates the Marxian purposes of  
revolving and transforming the anatomy of civil  
society in the direction of human emancipation.  
In other words, according to Chasin, the core  
issue of Marxian thought is human  
emancipation, a theme, itself, an immediate  
result of the Marxian determination of human  
individuality: being active and social, self-  
builder of oneself and one's worldliness, even if  
in a way contradictory and odd. Chasin  
determines, in this way, that it is in the root  
condition that the ontological critique of politics  
is set and worked by Marx, so that the lack of  
understanding of the real meaning of the  
critique of the categorical complex of politicity  
power, politics and the state reduces , when  
not impeding, real access to the <arxian text.  
social, autoconstrutor de si  
e
de sua  
mundanidade, ainda que de modo contraditório  
e estranhado. Chasin determina, desse modo,  
que é na condição de raiz que a crítica ontológica  
à política se põe e é trabalhada por Marx, de  
sorte que a não compreensão do sentido real da  
crítica ao complexo categorial da politicidade o  
poder, a política e o estado reduz, quando não  
obstaculiza, o real acesso ao texto marxiano.  
Palavras-chave: Chasin; Marx; crítica da política;  
determinação ontonegativa da politicidade;  
emancipação humana.  
Keywords: Chasin; Marx; critique of politics;  
ontonegative determination of politicity; human  
emancipation.  
1
Versão revista e ampliada do texto intitulado J. Chasin: para a crítica da razão política, publicado em  
Revista Ensaios Ad Hominem, n. 1, t, III Política (Estudos e Edições Ad Hominem, São Paulo, 2000) e  
republicado sob o título A crítica da razão política revisitada em Verinotio - Revista on-line de Filosofia  
por Vânia Noeli Ferreira de Assunção.  
*
Doutora em educação. Docente do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet -  
MG). E-mail: sabinamaura@cefetmg.br.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, “30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
Introdução  
O presente texto tem por objetivo expor a tematização de J. Chasin acerca da  
natureza da política em Karl Marx. Segundo Chasin, a crítica marxiana à política tem  
caráter ontológico, permitindo conhecer o significado maior do ideário marxiano: a  
distinção necessária entre revolução política e emancipação humana. Tema de fundo  
que permeia diretamente os propósitos marxianos de revolver e transformar a  
anatomia da sociedade civil na direção da emancipação humana. É justamente a partir  
desse núcleo que se põem a crítica à política e a prospectiva da revolução social “como  
necessidade permanente e infinita” (CHASIN, 2000, p. 51), na medida em que  
permanente e infinito é o processo de individuação social. Em outras palavras, na  
consideração chasiniana, a problemática nodal do pensamento marxiano é a  
emancipação humana, tema central, ele mesmo decorrente imediato da própria  
determinação marxiana da individualidade humana: ser ativo e social, autoconstrutor  
de si e de sua mundanidade, ainda que de modo contraditório e estranhado.  
Chasin determina, desse modo, que é na condição de raiz que a crítica ontológica  
à política se põe e é trabalhada por Marx desde os antigos Anais Franco-Alemães, de  
1844, até os “Materiais preparatórios para A guerra civil na França”, de 1871. De  
sorte que a não compreensão do sentido real da crítica ao complexo categorial da  
politicidade o poder, a política e o estado em Marx reduz, quando não obstaculiza,  
o real acesso ao texto marxiano. Ademais, Chasin adverte para o caráter originalíssimo  
da determinação marxiana da natureza e da finalidade da política, isto é, como  
momento necessário do desenvolvimento de sociabilidades contraditórias, centradas  
na particularidade histórica da propriedade privada.  
Ao analisar textos marxianos importantíssimos como Sobre a questão judaica e  
as Glosas críticas ao artigo O rei da Prússia e a reforma social, redigidos  
respectivamente em 1843 e 1844, Chasin evidencia que Marx é levado a compreender  
a “força política como força social pervertida e usurpada, socialmente ativada como  
estranhamento por debilidades e carências intrínsecas às formações sociais  
contraditórias, pois ainda insuficientemente desenvolvidas e, por consequência,  
incapazes de autorregulação puramente social” (CHASIN, 2009, p. 65).  
No entanto, a análise de Chasin não para por aí. Tendo como base de sua  
argumentação os próprios textos de Marx, ele denuncia a natureza da própria  
politicidade e mostra como esta é incapaz de promover o caminho que conduza à  
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efetiva emancipação humana. Assim, em Ad Hominem: rota e prospectiva de um  
projeto marxista, Chasin afirma que “a sociabilidade imperfeita, substância ainda não  
realizada enquanto tal, ou seja, ainda incapaz de autonomia como complexo  
estruturado, conduz à política, ou seja, a política como autodeterminação na forma de  
alienação” (CHASIN, 2000, p. 34).  
De modo que o longo e rigoroso trabalho de escavação da obra de Marx,  
culminou, entre outras descobertas teóricas efetuadas por Chasin, na explicitação da  
natureza da política sua determinação ontonegativa , bem como na indicação de  
seus limites e na prospectiva de sua superação.  
I - A determinação ontonegativa da politicidade  
Dois aspectos fundamentais que norteiam a obra de Chasin devem ser relevados,  
a fim de que se alcance a devida compreensão do que aqui se trata.  
O primeiro diz respeito ao seu núcleo movente: a busca do deciframento da  
realidade, cujo pressuposto é o reconhecimento do real como síntese objetiva de  
múltiplas determinações e, por condição de possibilidade, o desvendamento de cada  
uma de suas esferas constitutivas e da correlação entre elas para, a partir daí,  
identificar os indicadores e possibilidades objetivos de sua transformação.  
O segundo se refere ao “retorno a Marx”, ou seja, à leitura dos textos marxianos  
por eles mesmos. Isto significa que Chasin não cede ao procedimento que caracterizou  
o padrão seguido por boa parte dos intérpretes marxistas e não marxistas, que tratam  
a obra de Marx a partir de vetores extrínsecos, sejam de caráter epistêmico, sejam  
politicistas, e tampouco adere à moda das interpretações, das “hermenêuticas da  
imputação”, como ele mesmo refere. Assim, o que explicita o cunho singular de seu  
trabalho é o fato de Chasin penetrar na obra marxiana tendo como preocupação  
precípua desvendá-la, no exato sentido de estabelecer as categorias e articulações que  
a compõem. Partindo do princípio marxiano de que criticar é buscar a decifração de  
algo visando ao seu esclarecimento, a fim de capturá-lo em seu significado próprio  
(CHASIN, 2009, pp. 69-74) e exercitando o que considera ser o “autêntico  
procedimento de rigor”, que requer “a subsunção ativa aos escritos investigados”  
(CHASIN, 2009, p. 40), aplica-o em sua investigação nos textos de Marx, o que lhe  
possibilita trazer à luz o centro irradiador do pensamento deste autor: a delucidação  
dos processos constitutivos da mundanidade humana. É, pois, a partir da apreensão  
de que a pedra de toque da reflexão de Marx refere-se à problemática da  
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autoconstrução humana que Chasin identifica o lugar que as questões da  
individualidade e da efetivação do mundo histórico-social ocupam no interior do  
complexo teórico marxiano, extraindo e configurando, no que diz respeito à  
politicidade, o que denomina como sua determinação ontonegativa.  
Muito embora se possa apresentar esses dois aspectos de forma separada, é  
importante chamar a atenção para o fato de que ambos acabam por se constituir em  
momentos de uma unidade teórico-prática, em que a compreensão da realidade passa  
a exigir a leitura atenta da obra de Marx, a qual se põe como o instrumento teórico  
essencial para a devida crítica do real. Assim, penetração da realidade e escavação do  
texto marxiano se revelam como postas por nexos da própria necessidade interna ao  
processo de intelecção levado a efeito por Chasin. De modo que a compreensão do  
real não significou descrevê-lo fenomenologicamente, tampouco empírico-  
logicamente, e nem a escavação da obra marxiana significa um puro exercício de  
curiosidade acadêmica. Enfim, o que Chasin visa, e para o que encontra arrimo em  
Marx, é à delucidação da gênese e necessidade de cada uma das múltiplas  
determinações que compõem a realidade humano-societária.  
Em face disso, deve ficar claro que a identificação da determinação ontonegativa  
da politicidade não é um ponto de partida, mas uma conquista, passível de ser  
percebida a partir mesmo da observação cronológica dos textos redigidos sobre esse  
objeto. Assim, gradativas aquisições teóricas ascenderam da percepção do caráter  
negativo das tarefas e dos procedimentos políticos à compreensão da própria natureza  
ontonegativa da politicidade, ou seja, à compreensão de que a “política não é um  
atributo necessário do ser social, mas contingente no seu processo de autoentificação”  
(CHASIN, 2000, p. 54).  
A configuração mais acabada deste percurso encontra-se explicitada no texto  
Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica, publicado em 1995, pela Editora  
Ensaio. Nesse, analisando a consagrada tese de que o pensamento de Marx se originou  
de um “tríplice amálgama”, síntese dos aspectos positivos da economia política  
inglesa, da ciência política francesa e da filosofia especulativa alemã, Chasin observa  
que  
a lida constante e decisiva de Marx em torno dos ramos de ponta  
da produção teórica de sua época não implica a química da retenção  
e ligatura das melhores porções dos mesmos no amanho da própria  
obra. Desde logo, do amálgama não há qualquer vestígio textual, nem  
é minimamente passível de sustentação, uma vez que mera  
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inviabilidade teórica em face do novo padrão reflexivo, marcante e  
altamente consistente, do conjunto da reflexão marxiana instaurada a  
partir de meados de 1843 e estendida até os últimos escritos  
(CHASIN, 2009, p. 39).  
Refutando a tese do “amálgama originário”, a investigação de Chasin revela que  
a instauração do pensamento marxiano propriamente dito se dá a partir da crítica  
ontológica a estes três ramos da máxima produção espiritual de seu tempo. Aponta  
que a primeira crítica incide precisamente “sobre a matéria política”, proporcionando  
“a conquista precoce de uma dimensão fundamental ao pensamento marxiano”  
(CHASIN, 2009, p. 63) a já referida determinação ontonegativa da politicidade e  
que esta “é o marco exponencial que separa, totalmente, o Marx juvenil (...) do Marx  
marxiano que principia em [18]43” (CHASIN, 2009, p. 63).  
Segundo Chasin,  
tratando-se de uma configuração de natureza ontológica, o propósito  
essencial dessa teoria é identificar o caráter da política, esclarecer sua  
origem e configurar sua peculiaridade na constelação dos predicados  
do ser social. Donde é ontonegativa, precisamente, porque exclui o  
atributo da política da essência do ser social, só o admitindo como  
extrínseco e contingente ao mesmo, isto é, na condição de  
historicamente circunstancial; numa expressão mais enfática, enquanto  
predicado típico do ser social, apenas e justamente, na particularidade  
do longo curso de sua pré-história (CHASIN, 2009, p. 63).  
De modo que a política é uma contingência histórica vigente na particularidade  
do longo período em que os indivíduos estão impedidos de reger, eles próprios, suas  
existências.  
Tal determinação, esclarece Chasin, contrapõe-se à determinação ontopositiva  
da politicidade, partilhada secularmente, inclusive pelo Marx não-marxiano época em  
que elabora sua tese doutoral e os artigos da Gazeta Renana , que  
identifica na política e no estado a própria realização do humano e de  
sua racionalidade. Vertente para a qual estado e liberdade ou  
universalidade, civilização ou hominização se manifestam em  
determinações recíprocas, de tal forma que a politicidade é tomada  
como predicado intrínseco ao ser social, e nessa condição enquanto  
atributo da sociabilidade reiterada, sob modos diversos, que de uma  
ou de outra maneira a conduziram à plenitude da estatização  
verdadeira na modernidade. Politicidade como qualidade perene,  
positivamente indissociável da autêntica entificação humana, portanto,  
constitutiva do gênero, de sorte que orgânica e essencial em todas as  
suas atualizações (CHASIN, 2009, p. 49).  
Nota-se que ambas as determinações giram em torno da questão dos atributos  
específicos do ser social. Nesse sentido, para que a distinção entre elas fique bem  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
demarcada, convém que se a apresente. E, em função de a determinação ontonegativa  
da politicidade constituir, aqui, o tema central, é pertinente iniciar pela determinação  
marxiana do ser social, da qual decorre.  
Para Marx, o humano é uma forma específica de ser. Dada sua especificidade  
ontológica, é necessariamente levado a forjar suas condições de existência, ou seja, a  
produzir e reproduzir seus meios de vida, instituindo, com isso, a mundanidade própria  
a si. Isso significa que o mundo humano, ou seja, o modo de existência dos indivíduos,  
é criação objetiva dos próprios indivíduos. Produto da atividade apropriadora de  
mundo, posto por via da interatividade social dos indivíduos, Chasin ressalta, citando  
um trecho de A ideologia alemã: “a prioridade nas formações sociais é, pois, ‘um  
sistema de laços materiais entre os homens, determinado pelas necessidades e o modo  
de produção (...) mesmo sem que exista ainda qualquer absurdo político ou religioso  
que contribua também para unir os homens’” (CHASIN, 2000, p. 54).  
De modo que a ontonegatividade se refere ao fato de que a instância da  
politicidade o poder, a política, o estado não é fundadora, ou garantidora, da  
sociabilidade, pressuposto basilar à determinação ontopositiva. Tal não se dá e não  
pode se dar porque a sociabilidade é uma das determinações específicas do ser  
humano, sua substância constitutiva, enfim, a especificidade decisiva para a efetivação  
das individualidades. Em outros termos, a politicidade, nessa acepção, aparece como  
resultante do modo de produção e reprodução dos meios de existência dos indivíduos,  
o qual é a instância determinante da sociabilidade. Em face do que, aponta Chasin, o  
“‘modo de cooperação’ compõe a base insuprimível das formas de sociabilidade –  
matriz da totalidade da existência social” (CHASIN, 2000, p. 54). Diversamente, na  
acepção positiva, a politicidade emerge como condição de possibilidade da  
sociabilidade, constituindo uma necessidade a partir do próprio modo de ser dos  
indivíduos.  
Dois aspectos importantes devem ser ressaltados, no que tange à concepção  
ontopositiva da politicidade. O primeiro é que, embora não seja tomada como a  
substância entificadora dos indivíduos, é a esfera da sociabilidade que constitui  
propriamente o ponto de partida dessa determinação.  
Como demonstram as análises de Chasin constantes nos textos O futuro ausente  
e Sobre o conceito de totalitarismo, a filosofia política moderna expressa idealmente,  
desde o seu nascimento, a ordem do capital, que efetivamente pulveriza e contrapõe  
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os indivíduos, de modo que o espaço político emerge, assim, com a instância  
controladora dos choques de interesses societários antagônicos.  
Analisando os pensamentos de Maquiavel e Hobbes, Chasin aponta que, sendo  
o primeiro a constatar o fenômeno social da contradição, Maquiavel teve como  
perspectiva sua jugulação, visando ao “equilíbrio dos seus elementos divergentes”  
(CHASIN, 2000, p. 230). E, apesar de ter “como inspiração de fundo a lógica  
comunitária” (CHASIN, 2000, p. 230), essa aparece  
alterada radicalmente nos efeitos, dada a corporificação específica que  
assume. Ocorre, de fato, uma inversão: deixa de haver o homem da  
interatividade que humaniza, que instaura o humano, para se  
manifestar a ‘comunidade’ do choque regulado, mantida pela tensão  
permanente, mesmo porque já não se trata da comunidade regida pela  
cooperação, mas pela competição ou livre concorrência em que o  
princípio comunitário não é mais do que remanescência nostálgica; e  
nela o conferente da humanidade não é mais o próprio homem ativo,  
mas a exterioridade da normatização do choque o império absurdo  
do conflito perene, em que a lei é a cadeia que imobiliza as  
contradições (CHASIN, 2000, p. 230).  
Assim, para Maquiavel,  
o Paraíso republicano (...) é a comunidade atrófica do conflito regulado  
que encerra (...) todo humanus possível. Paraíso para o qual a  
desunião é o suposto positivo e insuperável, ou seja, condição de  
possibilidade do umanare pela exterioridade da lei, e não já por  
mediação atualizadora da potência inerente à interatividade dos  
homens, como ocorria (não importa em que limites) na comunidade  
antiga. Por simples decorrência, dado que anterior à humanização, a  
desunião é, pois, a arena conflitada da desumanidade e o indivíduo –  
o átomo substancial desta, uma vez que, provindo de fora, o humano  
é extrínseco ao homem. Portanto, antes da coerção legal, o homem é  
pura naturalidade não-humana e o humanus, aquisição posterior,  
simplesmente uma regulação do desumano. Ou seja, entre os dois  
momentos não ocorre qualquer mudança qualitativa, a natureza  
humana não se altera e enquanto tal é tematizada por Maquiavel como  
egoísmo universal (CHASIN, 2000, p. 232).  
No que se refere a Hobbes:  
A progressão e o adensamento da sociedade mercantil, indutores do  
processo racionalizante, conduz à visão do estado enquanto isento de  
mistérios originários. À pletora das individualidades isoladas que só  
se encontram e vinculam pela mediação das trocas toda a  
sociabilidade e todo estatismo acabam por se equiparar a um resumo  
de conexões voluntariamente contratadas pelos agentes singulares.  
(CHASIN, 2000, p. 238)  
O segundo aspecto concerne ao fato de que a fé na política tem como  
contrapartida a descrença no humano e, como “a autonomização e o isolamento  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
modernos (...) compreendem (...), no centro do processo, a ruptura com o homem”  
(CHASIN, 2000, p. 235), a filosofia política moderna se ergue sobre uma determinação  
negativa do homem. Por isso é que, para Maquiavel, “a desumanidade do homem está  
no próprio homem, cuja identidade perene é a maldade natural” (CHASIN, 2000, p.  
233) e, para Hobbes,  
dado que os indivíduos humanos são concebidos como intrínseca e  
invariavelmente movidos pelo egoísmo, que avilta e desintegra as  
relações individuais, o estado e a força que respaldam o direito têm  
de ser reconhecidos como único poder capaz de manter a sociedade  
unida, derivando as obrigações morais da lei e do governo CHASIN,  
2000, p. 238).  
Chasin mostra, todavia, que esta visão negativa do humano nada mais é que o  
acatamento da manifestação estranhada da individualidade, no sistema do capital,  
como essencialidade humana. De sorte que  
a reflexão maquiaveliana flagra a individualidade isolada em seu  
nascedouro; deixada só, sem outros interesses e motivações do que  
as estimuladas pelo seu próprio egoísmo, apartada dos outros e posta  
contra estes em competição, só pode refluir à animalidade (CHASIN,  
2000, p. 234).  
Por seu turno:  
É cristalino que Hobbes simplesmente universaliza o que é próprio à  
conduta humana no quadro do estado de escassez perfilado no modo  
de produção capitalista, em que as individualidades estão  
radicalmente apartadas das condições objetivas do trabalho. (...) No  
entanto, como intérprete de sua era é simplesmente extraordinário:  
sob a lógica da produção capitalista, a cotidianidade é a guerra aberta  
de todos contra todos pela simples sobrevivência. E tudo que pode  
ser feito, aliás, que tem imperativamente de ser feito, é gerar e fazer  
intervir a força extrassocietária que garanta a estabilidade mínima do  
universo de convivência e cooperação, ainda que coagida (CHASIN,  
2000, pp. 240-1).  
Maquiavel e Hobbes exemplificam, contudo, de modo claro o que se revela como  
o ônus inerente à determinação ontopositiva da politicidade. Na medida em que essa  
rebaixa ou abstrai a esfera da interatividade, só se sustenta à custa da desnaturação  
do homem. Em outros termos, o humano só pode ser considerado “extrínseco ao  
homem” (CHASIN, 2000, p. 232).  
Outro exemplo dessa desnaturação, produzida no desenvolvimento da filosofia  
moderna, é referida por Chasin no texto Sobre o conceito de totalitarismo.  
Primeiramente, ressalte-se a importante refutação chasiniana à oposição liberalismo  
versus totalitarismo, em função do desvelamento da base comum que engendra tanto  
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o estado liberal quanto o chamado estado totalitário – “a economia de mercado,  
concebida como o lugar natural das relações entre os indivíduos igualmente  
considerados em geral, em outras palavras, o sistema capitalista de produção e sua  
ideologia” (CHASIN, 2000, p. 82). Mas o que aqui interessa imediatamente frisar é o  
tratamento que a questão do poder político recebe sob o prisma liberal.  
A doutrina liberal, cujo ponto de partida é, também, o isolamento e a competição  
entre os indivíduos, abstraindo toda e qualquer mediação social, concebe que “o  
indivíduo, na intangibilidade da sua personalidade humana é que funda a existência,  
os limites e a finalidade do estado legítimo” (CHASIN, 2000, p. 81), o qual deve zelar  
pela “defesa da liberdade, da igualdade e da segurança de todos os cidadãos”  
(NEUMANN apud CHASIN, 2000, p. 81) que, como iguais, têm os mesmos direitos  
perante a lei. De modo que a função do estado é evitar a hegemonia de determinados  
indivíduos sobre os outros. Assim, mostra Chasin, “para a análise liberal, a questão  
do estado se resume à problemática da legalidade” (CHASIN, 2000, p. 81), fundando-  
se na premissa de que  
no estado liberal todos têm, ou pelo ou menos tendem a ter, algum  
poder. Em outros termos, que o poder é, aí, difuso, disseminado em  
geral. Difusão, aliás, que é tomada como o único antídoto ao mal que  
o poder é intrinsecamente, seja ele qual for. O poder, assim, é um mal  
em geral, ao qual só se pode contrapor sua própria fragmentação  
(difusão) (CHASIN, 2000, p. 83).  
O que se evidencia, portanto, é que, embora não nutra ilusões quanto ao seu  
caráter exterior e coercitivo, na filosofia política produzida na sociabilidade do capital,  
expressão máxima da determinação ontopositiva da politicidade, “há a desvalorização  
do homem em benefício da afirmação ilimitada da política” (CHASIN, 2000, p. 243).  
Assim, o que se explicita pela exposição é que, dentro do padrão reflexivo  
tradicional, a política aparece como meio humanizador, diferentemente da  
determinação ontonegativa, na qual a própria interatividade é o princípio de  
humanização, apesar e por meio de suas contradições. Nesse sentido, ela própria  
engendra, por seus produtos, as condições de possibilidade de superação de suas  
próprias contradições. Ainda que não as elimine, uma vez que estranhamentos sempre  
existirão, pois “em cada época e em todos os momentos de uma época histórica dada,  
certo tipo de estranhamento em especial constitui o entrave fundamental a ser  
objetivamente aniquilado: hoje, a propriedade privada dos bens de produção e o  
estado” (CHASIN, 2000, p. 62).  
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II - Propriedade privada dos meios de produção e politicidade  
A análise de Chasin acerca da natureza da politicidade no pensamento de Marx  
põe em relevo o vínculo entre esfera material e esfera política, abordando, a relação  
intrínseca entre politicidade e forças produtivas. No já referido texto O futuro ausente,  
a partir do exame de duas configurações históricas distintas da sociabilidade, explicita  
de modo cabal, aspectos inelimináveis da própria natureza da política: sua função  
peculiar de meio de conservação do modo de produção da existência social, seu  
caráter restritivo em relação ao processo de autoconstituição da individualidade  
humano-societária e, não obstante isso, sua feição irresolutiva, ou seja, sua impotência  
em deter a dinâmica própria da base que a engendra.  
A distinção fundamental entre a politicidade antiga e a politicidade moderna  
situa-se na base produtiva de ambas as formas de sociabilidade. Embora se trate de  
momentos específicos, extensiva e intensivamente, do desenvolvimento contraditório  
da capacidade apropriadora de mundo dos indivíduos, deve-se evidenciar que este  
desenvolvimento se deu sob a égide da propriedade privada dos meios de produção.  
De modo que sociabilidades baseadas na propriedade privada dos meios de  
produção e na consequente cisão entre proprietários e não-proprietários dos meios  
de produção têm sua configuração histórica marcada por um envolver que se dá, pois,  
a partir de antagonismos entre dominantes e dominados. Donde a necessidade de  
engendramento de relações políticas e jurídicas formas de estado, direito que  
reflitam, legitimem e garantam a vigência destes modos de interatividade. Assim, as  
formas históricas da politicidade têm em comum, no quadro de suas especificidades  
próprias, o fato de reproduzirem as contradições do modo de produção da vida, sendo  
o estado político, dentro dos limites daquele, o instrumento através do qual os  
interesses privados se impõem como interesse geral. É nesse sentido que Chasin afirma  
que, em relação à autoconstrução humana, a política é “autodeterminação na forma da  
alienação” (CHASIN, 2000, p. 20), na medida em que, como diz Marx, “essa  
propriedade privada material (...) é a expressão material e sensível da vida humana  
alienada” (MARX, 1987, p. 174).  
Chasin mostra que a distinção entre a forma antiga e a forma moderna da  
politicidade é precisamente o grau de desenvolvimento das forças produtivas, que  
determina a relação entre os indivíduos e os meios de sua atividade, e a mediação que  
a política opera entre estes dois polos.  
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Na Antiguidade, bem como em todas as formações sociais pré-capitalistas, os  
indivíduos se encontram unidos às suas condições de atividade e a relação de pertença  
à comunidade se dá de modo efetivo, uma vez que a atividade produtiva tem como  
fim “a reprodução dos indivíduos” (CHASIN, 2000, p. 166), para o que a comunidade  
se põe  
como pressuposto efetivo, como condição da produção de cada um  
dos indivíduos que existem sob forma subjetiva determinada.  
Portanto, em semelhantes conglomerados humanos, indivíduo e  
gênero são imediata e transparentemente inseparáveis e suas relações  
traduzem essa unidade fundamental, tornando desconhecida e  
impensável qualquer tipo de cissura que contraponha ou, menos  
ainda, torne excludentes entre si as figuras de sua polaridade (CHASIN,  
2000, p. 167).  
Isso se dá, contudo, em função de forças produtivas limitadas, razão pela qual  
“é inconcebível o livre desenvolvimento do indivíduo ou da sociedade, porque tal  
evolução é contraditória com a matriz do relacionamento original”, cujo “fundamento  
do evolver é a reprodução inalterada das relações entre indivíduo e gênero,  
compreendidas e aceitas como dadas e fixas na tradição” (CHASIN, 2000, pp. 166-7).  
Nesse sentido, prossegue, “são exatamente esses limites da comunidade (...)  
que geram a necessidade e os espaços próprios para a emergência da figura do estado  
e de seu modo próprio de exercitação a política, atividade correlata ao poder, por  
sua conquista e conservação, ou pela contraposição dos que ainda não o detêm”  
(CHASIN, 2000, p. 169), pois,  
por seus limites, debilidades e incipiências intrínsecas, a comunidade  
antiga (o exemplo grego é a melhor iluminura) não é socialmente  
autoestável, é incapaz de se sustentar e regular exclusivamente a  
partir e em função de suas puras e específicas energias sociais. Esta  
incapacidade ou limite social engendra, a partir de si mesma, em  
proveito  
e
em vista da estabilidade comunitária, uma  
dessubstanciação social como força extrassocial uma desnaturação  
e metamorfose de potência social em força política (CHASIN, 2000, p.  
169).  
Emergindo da fraqueza societária, o que caracteriza a politicidade antiga é o  
fato de esse tipo específico de politicidade estar imediatamente colado à vida social.  
Em outros termos, a comunidade é propriamente a comunidade política, de modo que  
essa força extra ou extrassocial, enquanto poder político, é ainda, por  
princípio e factualmente, um poder político “irreal, ilusório ou fictício”,  
tão incipiente quanto o estado germinal que lhe corresponde, e que  
ainda não é um verdadeiro estado, que nesta qualidade se prolonga,  
ressalvadas especificidades de monta, até a era do capital, quando se  
manifesta na plena maturidade de estado político centralizado  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
(CHASIN, 2000, p. 169).  
Assim, “o engendramento da politicidade por declinação social é no caso grego  
(...) o início do longo itinerário histórico que culminou no ‘estado político, na  
constituição’ em oposição ao ‘estado material não-político’” (CHASIN, 2000, p. 170).  
Itinerário que se entifica como o próprio processo de expansão das forças produtivas  
e constituição de uma nova forma de sociabilidade, a sociabilidade do capital.  
Ou seja, a força política  
é uma força social que se entifica pelo desgarramento do tecido  
societário, dilaceração naturalmente determinada pela impotência  
deste, e que, enquanto poder, se desenvolve tomando distância  
(variável de acordo com os modos de produção) da planta humano-  
societária que o engendra (mesmo na democracia direta) e a ela se  
sobrepõe, como condição mesmo para o exercício de sua função  
própria regular e sustentar a regulação. Força social usurpada e  
presentificada como figura político-jurídica que forma com a  
sociedade stricto sensu um indissolúvel cinturão de ferro, cujos  
segmentos ou elos não subsistem em separado (CHASIN, 2000, p.  
170).  
O distanciamento que a esfera do poder toma em relação à sua base originária,  
que especifica a politicidade moderna, dá-se em função do processo de distanciamento  
tanto dos indivíduos quanto dos meios objetivos de sua atividade em relação à própria  
comunidade.  
Resultado do desenvolvimento das forças produtivas, a sociabilidade moderna  
se apresenta como a realização máxima, até o momento, das potencialidades  
produtivas humanas. Esta nova forma societária é o “resultado de todo um itinerário  
histórico que destruiu os liames que uniam de maneira indissolúvel indivíduos e  
comunidade, indivíduos e condições de existência” (ALVES, 2001, p. 259). A libertação  
dos indivíduos e das condições de atividade da esfera da vida comunitária promove  
verdadeira reconversão ontológica, tanto dos indivíduos quanto das  
condições de produção humana, no decurso da qual ocorre uma  
radical transformação na forma de ser de ambos. Os indivíduos não  
se definem mais por sua pertença imediata e direta ao conjunto  
societário, por sua subsunção aos nexos comunais, mas serão  
tomados agora por entes por princípio livres de quaisquer liames ou  
coações outros além daqueles determinados pela sua existência de  
indivíduos livres. No caso do trabalhador, a coação não mais reside  
na atividade forçada, mas na sua pura situação de não-proprietário.  
No que tange às condições de produção, terreno, instrumentos,  
dinheiro, estas se tornam coisas independentes dos indivíduos,  
tomam uma forma autônoma dos mesmos. Dupla alteração que terá  
amplas e decisivas consequências tanto para o modo de ser dos  
indivíduos e de sua atividade quanto para as relações que aqueles  
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mantêm para com esta (ALVES, 2001, pp. 259-62).  
De modo que a atividade produtiva não visa mais, como outrora, à subsistência  
da comunidade; essa passa a ser o meio a partir do qual aquela se realiza. Por outro  
lado, a interrelação dos indivíduos se torna, doravante, determinada pela troca. Assim,  
dá-se a subordinação do valor de uso, móvel da produção pré-capitalista, ao valor de  
troca, que passa a viger como essência da sociabilidade. Os indivíduos, por seu turno,  
encontram-se “determinados, antes de tudo, como sujeitos da troca. Nesta  
determinidade fornecida e reproduzida pela forma de sua atividade e de seu  
intercâmbio, os indivíduos se afiguram reciprocamente como meros portadores,  
possuidores, detentores de valor” (ALVES, 2001, pp. 270-1).  
Qual a função da política neste processo? Da mesma maneira que na  
Antiguidade, em que, subordinada ao modo da atividade, aparecia como meio de  
domínio sobre a forma societária, no caso específico como contenção das forças  
produtivas, na aurora da modernidade a política aparece como o meio que torna  
possível a posição da nova forma de sociabilidade que se desenvolve a partir da  
expansão daquelas. Em outros termos, a política aparece como meio dissolutor de uma  
dada forma de sociabilidade e se põe como instrumento de afirmação das novas forças  
produtivas.  
No que concerne ao seu caráter, na sociabilidade do capital, caracterizada pela  
excludência e indiferença recíprocas entre os indivíduos, a esfera da politicidade  
aparece como sucedâneo da natureza genérica própria ao ser social, que se encontra  
cindida e estranhada, dado o modo estranhado como se dá a própria interatividade. É  
em face disso que Marx, em Sobre a questão judaica, conforme refere Chasin (2000,  
p. 147) no texto Marx: a determinação ontonegativa da politicidade, aponta a natureza  
abstrata da comunidade política e da figura que nela tomam os indivíduos o cidadão.  
Tal natureza se aclara quando se revela “a contradição entre o estado e os seus  
pressupostos gerais” (MARX, 1989, p. 42), como se lê em Sobre a questão judaica. A  
contradição se põe no fato de que o estado se apresenta como o fórum da  
universalidade, o lócus em que todos os membros da sociedade são iguais e  
copartícipes da comunidade política. Nesse sentido, faz abstração de todas as  
distinções e particularidades que separam os indivíduos na esfera não política, ou seja,  
na sociedade civil. No entanto, o estado abole as diferenças apenas no plano político,  
deixando que elas continuem a existir no plano civil. De modo que “unicamente por  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
cima dos elementos particulares é que o estado se constitui como universalidade”  
(MARX, 1989, p. 45). Em função do que “o estado político perfeito é por natureza a  
vida genérica do homem, em oposição à sua vida material” (MARX, 1989, p. 45).  
Eliminando de sua esfera todas as relações conflitantes oriundas da sociedade  
civil, esfera da sociabilidade em que os indivíduos se confrontam como produtores,  
como agentes privados, no estado político perfeito os indivíduos encontram-se  
cindidos entre cidadãos membros da comunidade política e homens membros  
da sociedade civil, indivíduos privados. Logo, os indivíduos levam uma dupla vida,  
como ser comunitário e como ser privado. O ser privado, que é o indivíduo real e ativo,  
inserido nos problemas e contradições postos pelo modo de produção, aparece, sob  
o entendimento político, como um “ser carente de verdade”, em contraposição ao  
cidadão, membro da comunidade política.  
O estado, no entanto, legitima o homem privado, do qual é meio e, na mesma  
medida em que o estado é servo da sociedade civil, o cidadão é servo do homem  
privado. Neste sentido, os direitos do homem e do cidadão consagram o direito de  
cada indivíduo a ser independente do outro, o direito a ver e ter no outro um limite.  
Enfim, elevam ao status de direito a pulverização efetiva dos indivíduos, existente na  
sociedade civil. De maneira que, enquanto cidadão, cada indivíduo privado é  
considerado igual para exercer seu egoísmo, para fazer valer seus interesses  
particulares.  
Daí Marx apontar que o “patamar político” é inferior ao “patamar da altura  
humana” e pôr a política como fase transitória para a emancipação humana, dado que  
é uma emancipação parcial, meio para a “emancipação humana geral”, enfim, para a  
emancipação radical (CHASIN, 2000, p. 141). É em face disto, também, que Chasin  
enfatiza a urgente necessidade de superação da política e do estado, no roteiro da  
efetiva autoconstituição do homem livre, facultada pela legítima interatividade  
humano-societária.  
III - Determinação ontonegativa da politicidade e a crítica à democracia  
A crítica chasiniana à democracia se desenvolveu com o paulatino desvelamento  
da ontonegatividade da política na obra de Marx, sendo um corolário dessa  
determinação. De fato, a crítica teve início na época da ditadura militar no Brasil,  
evidente no texto Sobre o conceito de totalitarismo, em que Chasin revela a  
irrazoabilidade do conceito, útil apenas para afirmação e defesa da democracia liberal,  
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o que, em outros termos, equivale à legitimação do capitalismo. Durante o processo  
de redemocratização do país, que coincidiu com o aprofundamento de seus estudos  
sobre a obra de Marx, Chasin intensificou sua crítica. Quando a cantilena em torno da  
democracia passou a ser entoada por toda a esquerda brasileira, Chasin ousou destoar  
do coro dos contentes, por recusar na reflexão política “pontos de partida que são  
impulsionados pela ideia de aprimoramento da dominação” (CHASIN, 2000, p. 101).  
Toda sua reflexão se pautou precisamente pela busca da superação da dominação e  
da política, o que é reiterado, quando afirma, categórico, que “nenhum poder político  
é ou pode ser inerentemente legítimo, pois é sempre uma forma de dominação, ou  
seja, de negação da liberdade, da autonomia de uma parte dos homens” (CHASIN,  
2000, p. 38).  
Esta crítica se fez necessária, principalmente a partir dos anos 1980, em razão  
da fé cega depositada pela esquerda brasileira na democracia, vista como panaceia  
para todos os males sociais do Brasil e do mundo. Chasin, durante os anos 1980 e  
1990, constatou, decepcionado, que a democracia e a cidadania se tornaram o único  
horizonte projetado pela esquerda, o que está sumulado quando verifica que a  
esquerda, na atualidade, é dotada de “crescente incapacidade de compreensão de  
processos reais, e a fortiori, de iluminar o futuro, imediato e remoto” (CHASIN, 2000,  
p. 45). Em verdade, para Chasin, a ênfase na democracia, em nosso tempo, representa  
justamente o momento histórico em que o capital estende sua utilidade histórica e, ao  
mesmo tempo, a perspectiva do trabalho se revela incapaz de superá-lo. Já em 1984,  
no texto Democracia política e emancipação humana, afirma que a fé incondicional na  
democracia constitui o abandono da emancipação humana tal qual propugnada por  
Marx, o que equivale a reforçar o “círculo vicioso dos pressupostos recíprocos do  
capital e do estado” (CHASIN, 2000, p. 93). Círculo vicioso que, para Marx, deveria  
justamente ser rompido, superando-se a própria política, conforme ficou caracterizado.  
Do mesmo modo, em 1989, no texto A morte da esquerda e o neoliberalismo, Chasin  
constata que, enquanto nas derrotas antigas, “mesmo episodicamente vencida, a lógica  
onímoda do trabalho se afirmou e rasgou perspectivas, nas mais recentes é o  
esgotamento de todo um itinerário que se manifesta, envolvendo caminhos e  
instrumentos” (CHASIN, 2000, p. 117). Houve, em suma, a adoção de um discurso  
político pela esquerda equivalente ao seu atestado de óbito, confirmado e reiterado  
pela sua postura não-marxista.  
Interessante notar que, no momento em que se discutia a redemocratização,  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
Chasin vê na democracia da perspectiva do trabalho a única capaz de efetivar no Brasil,  
de forma estável, as instituições democráticas, argumentando que, em países de  
objetivação do sistema do capital como o nosso, ou seja, de via colonial, é impossível  
a vigência “de uma democracia de feitio tradicional, a democracia liberal dos  
proprietários” (CHASIN, 2000, p. 99). Naquela época, para Chasin, a democracia da  
perspectiva do trabalho teria por função romper e mesmo desorganizar “certos  
aspectos da organização do capitalismo, sem que implique de imediato a superação  
do modo de produção capital” (CHASIN, 2000, p. 100). Tal propositura tem fortes  
vínculos com o pensamento de Marx, quando busca determinar o caráter da Comuna  
de Paris. Marx afirma, então, que a única função do estado é tornar as contradições  
sociais abertas, para que sejam resolvidas (CHASIN, 2000, pp. 103; 110). Essa seria,  
para Chasin, a função de uma democracia do trabalho, ou seja, um meio que tornaria  
os conflitos mais transparentes, levando-os à resolução (CHASIN, 2000, p. 111).  
A proposta da democracia da perspectiva do trabalho, ao longo dos debates em  
torno da constituinte e da democracia, nos anos 1980, foi sendo enriquecida e  
detalhada. No texto Poder, política e representação (três supostos e uma hipótese  
constituinte), Chasin baseia-se na divisão entre capital fixo e variável para fundamentá-  
la. Diz ele que o capital variável, ou seja, a propriedade da força de trabalho, e não a  
propriedade dos meios de produção, deve ser o critério para a representação política.  
Tal proposta se contrapõe a todas as tematizações dos democratas, de esquerda ou  
de direita, que acabam por sustentar a democracia dos proprietários, tendo como base  
a propriedade privada. De fato, diz Chasin, “tomando a instituição parlamentar como  
o lócus privilegiado da representação e, portanto, do poder político, não há como não  
admitir que o parlamento num estado liberal-democrático não seja senão um  
parlamento do capital, e que nenhum aprofundamento da democracia liberal possa  
alterar essa matriz” (CHASIN, 2000, p. 107).  
A representação baseada na força de trabalho teria, para Chasin, implicações na  
própria constituinte, que então se instalava: como a propriedade da força de trabalho  
é “mais geral e mais essencial para a individualidade, decorre que o princípio de  
legitimidade do trabalho é superior a qualquer outro para instaurar o ato constitutivo”  
(CHASIN, 2000, p. 113). Afinal, para ele, constituição democrática é contradição  
desmascarada(CHASIN, 2000, p. 112). Ao contrário dos sonhos românticos de uma  
constituição eterna, Chasin determina com precisão a fase social em que ela seria  
necessária:  
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uma constituição, em sua durabilidade relativa, tem antes de explicitar  
problemas do que, através do consenso, velar dificuldades essenciais;  
quer [a sua tematização] consignar que a constituição não escapa de  
duas possibilidades: ou é mediação, por menor que seja, da  
emancipação, ou é negação da soberania do povo e a pílula dourada  
do conformismo (CHASIN, 2000, p. 114).  
Radicalmente alterada com a efetivação da globalização (CHASIN, 2000, p. 74),  
a propositura da democracia da perspectiva do trabalho constituiu, em verdade, uma  
profunda crítica da esquerda que, nos últimos anos da ditadura e durante a  
redemocratização, partia da “suposição de que primeiro se conquista a democracia, e  
depois se cuida da vida” (CHASIN, 2000, p. 100). Para Chasin, ao contrário, era  
imprescindível fundir “luta econômica com luta política” (CHASIN, 2000, p. 100). A  
metapolítica consignada na sua proposta de democracia dos trabalhadores  
representava precisamente a forma de transformar a própria organização do capital.  
Hoje, por ironia, a esquerda brada o discurso, tornado vazio pelas circunstâncias  
históricas, do programa econômico alternativo como necessário para a conquista da  
cidadania. Tese que, há muito, o próprio Chasin tratou de reconfigurar.  
Ao contrário dos limites estreitos da democracia a emancipação humana, “em  
seu processo de efetivação, restitui à ‘sociedade civil’ o poder que lhe fora ‘usurpado’  
pela sociedade política (CHASIN, 2000, p. 92).  
Emancipação é, pois, reunificação e reintegração de posse, social e  
individual, de uma força que estivera alienada. A força de se produzir  
e reproduzir, na individuação e na livre associação comunitária, pela  
única forma que o homem conhece e da qual é capaz a sua própria  
atividade.  
Emancipação, portanto, não é algum ideal prefixado a realizar, mas  
simplesmente auto-organização e desenvolvimento universal do  
trabalho, enquanto atividade livre e essencial da própria individuação.  
(CHASIN, 2000, p. 92).  
É importante salientar que Chasin aponta a possibilidade de reconfiguração da  
sociabilidade para além da sociedade política em função do que constitui propriamente  
o “roteiro da autoconstituição do homem”, isto é, sua potência apropriadora de mundo.  
De sorte que a possibilidade de ultrapassagem da política não se põe como um voto  
piedoso, mas a partir da apreensão de que, “diante da revolução tecnológica, ou seja,  
do desenvolvimento da potência do trabalho humano, a propriedade privada dos  
meios de produção, o estado e a política aparecem como anacronismos insuportáveis,  
mastodontes historicamente vencidos que entulham as vias do desenvolvimento  
histórico-societário” (CHASIN, 2000, p. 72).  
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J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade  
Ademais, Chasin reconhece com coragem e sem nenhum preconceito teórico a  
nova constituição societária de nossos dias, ao afirmar que:  
O mundo e as formas de existência que se desenham à nossa frente  
estão para além dos paradigmas do burguês e do proletário, aquele  
inteiramente superado enquanto utilidade histórica hoje é evidente,  
irreversivelmente, que o conhecimento impulsiona mais a produção  
do que o lucro, que o saber tomou o lugar da propriedade como fator  
decisivo e dinâmico da produção e reprodução da base material da  
vida, (CHASIN, 2000, p. 72)  
Em outros termos, ainda mais incisivos,  
a força motriz do espírito empreendedor, gestada pelo interesse ou  
egoísmo pessoal, que foi o ardil responsável pela mais fantástica  
produção de riqueza (e pobreza) dos últimos 600 anos da história  
humana, mostra, por fim, sua estreiteza e mesquinhez, a finitude de  
seu alcance, diante da amplitude sem fronteiras das possibilidades de  
realização do saber, um empreendimento por natureza  
supraindividual e cooperativo, ou seja, intrinsecamente social, cujo  
lucro inerente é a irradiação universal de benefícios (CHASIN, 2000,  
p. 72).  
Enfim, que fique claro que a política é forma de dominação e que a fé na política  
implica a renúncia à livre individuação humana; algo plenamente configurado no exame  
das diversas formas de sociabilidade. Se a politicidade apareceu como “ilusão” na  
Grécia, infância da propriedade privada, e se afirmou como “ilusão necessária” na  
modernidade, amadurecimento e consolidação da propriedade privada na emergência  
do capital, no presente ela se impõe como “fantasia conformista” quando o capital já  
perdeu sua validade histórica. Logo, atualmente, “o dilema é (...) a afirmação do homem  
social ou a afirmação do capital” (CHASIN, 2000, p. 63).  
Referências bibliográficas  
ALVES, Antônio J. L. A individualidade nos Grundrisse. Revista Ensaios Ad Hominem,  
n. 1, t. IV Dossiê Marx. Santo André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2001.  
CHASIN, J. Ad Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista Ensaios  
Ad Hominem, n. 1, t. III Política. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000.  
______. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1987.  
_____. Sobre a questão judaica. In: Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa:  
Edições 70, 1989.  
Como citar:  
SILVA, Sabina Maura. J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade.  
Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 282-299, Edição Especial, 2022/2023.  
Verinotio  
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