DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.672  
O futuro ausente no presente: o pastiche do  
politicismo e a unilateralidade no tratamento da  
política  
The lack of future: the pastiche of the politicism  
and the unilaterality on politics  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Resumo: analisaremos O futuro ausente, de J.  
Chasin. Intentamos demonstrar a atualidade  
desse texto em um momento em que, na melhor  
das hipóteses, aquilo criticado pelo autor é visto  
como solução pela autoproclamada esquerda.  
Para tanto, analisaremos a correlação colocada  
entre ontologia e política na atualidade.  
Posteriormente, mostraremos que Chasin analisa  
o melhor da concepção ontopositiva da política  
com o fim de explicar a gênese e a estrutura do  
pensamento político, bem como da própria  
política. Por fim, pretendemos deixar claro que O  
futuro ausente é um importante ponto de partida  
para a crítica ao presente, embora não seja  
suficiente para tanto. Caso se leve a sério os  
apontamentos do filósofo paulista, há ainda um  
longo caminho a ser percorrido.  
Abstract: we will analyze The lack of future, by  
J. Chasin. We intend to demonstrate the  
relevance of this text at a time when, at best,  
what is criticized by the author is seen as a  
solution by the self-proclaimed left. To do so,  
we will analyze the correlation between  
ontology and politics today. Later, we will show  
that Chasin analyzes the best of the  
ontopositive conception of politics to explain  
the genesis and structure of political thought, as  
well as politics itself. Finally, we intend to make  
it clear that The lack future is an important  
starting point for the critique of the present,  
although it is not sufficient. If the São Paulo  
philosopher are taken seriously, there is still a  
long way to go.  
Keywords: Chasin; Marx; critique of politics;  
ontonegative determination of politicity; The  
absent future.  
Palavras-chave: Chasin; Marx; crítica da política;  
determinação ontonegativa da politicidade; O  
futuro ausente.  
O futuro ausente como nosso contemporâneo  
O futuro ausente, certamente, é nosso contemporâneo. E, pode-se mesmo dizer:  
isso perfaz uma infelicidade, mesmo que já anunciada há tempos. Em primeiro lugar,  
isso diz respeito à atualidade com a qual aparece o diagnóstico de J. Chasin segundo  
o qual, sua época “não é o fim dos tempos, mas é o tempo das crises” (CHASIN, 2012,  
p. 60).  
Longe de se ter a realização de um cosmopolitismo pungente e marcado pela  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre  
em história social pela PUC-SP e doutor em teoria e filosofia do direito pela USP. E-  
mail:vitorbsartori@gmail.com.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
paz, como previram os apologetas liberais do início dos anos 1990, temos diante de  
nós algo muito distinto: as crises e as guerras que, em verdade, já davam a tônica  
do desenvolvimento societal do capital na época em que o texto foi escrito são  
corriqueiras e, talvez, possa-se até mesmo dizer, algo que vem se apresentando com  
certa tendência de permanência até então. Trata-se da “radicalidade alcançada pelo  
drama imanente aos tempos do capital” (CHASIN, 2012, p. 60). Hoje, em nível mundial,  
isso é visível.  
Deve-se ressaltar que tal diagnóstico, bem como o acerto dele, refuta claramente  
as modernidades reflexivas de autores como Ulrich Beck ou (de modo mais cínico)  
Anthony Giddens. A impotência prática da União Europeia, ou de qualquer aliança  
como a ONU ou a Otan diante das crises, e das guerras, também explicita a  
impossibilidade da alguma espécie constelação pós-nacional, como a prevista por  
Jürgen Habermas.  
O posicionamento chasiniano, porém, não traz consigo qualquer catastrofismo,  
como aquele que defende uma espécie de “colapso da modernização” à Kurz ou  
mesmo o que ocorre em certas leituras de Mészáros sobre a “crise estrutural do  
capital”. Para nosso autor, o futuro está ausente; ele não é uma configuração do  
apocalipse, “não é o fim dos tempos, mas é o tempo das crises” (CHASIN, 2012, p.  
60). De certo modo, tanto os diagnósticos mais cosmopolitas e, de certo modo,  
próximos do liberalismo (Beck e Giddens, em nossos exemplos), quanto aqueles do  
“pós-marxismo” de Kurz, ou que, como o autor de Para além do capital, enxergam uma  
espécie de crise terminal (mesmo que de longo ou longuíssimo prazo “se tivermos  
sorte”) acabam trazendo algo próximo de certezas que não necessariamente eram  
possíveis na época, ou mesmo hoje.  
Talvez, e esse é um ponto importante para a análise marxista, olhando  
retrospectivamente, seja preciso se questionar se a coruja de Minerva já levantou voo;  
colocando em outros termos: as contradições do sistema capitalista de produção, em  
sua figura atual, já foram suficientemente explicitadas? Os agentes sociais capazes de  
subverter a ordem do capital já estão presentes de modo claro? Tais aspectos são  
importantes pois meramente repetir o que foi dito por Marx não resolve as  
contradições de uma época. Se é verdade que o autor de O capital pode ajudar muito  
nessa tarefa, igualmente certo é que é preciso voltar-se à compreensão do capitalismo  
contemporâneo.  
Verinotio  
4 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Isso é algo que precisa ser respondido antes de qualquer posicionamento firme  
sobre os limites do desenvolvimento do capital. Deixar as portas abertas para esse  
questionamento foi um dos méritos de Chasin. Ele ressaltou a necessidade da  
“emergência de um agente social interessado em subverter muito mais do que as  
simples mazelas da falsa esquerda” (CHASIN, 2001, p. 26). E, assim, trouxe a aversão  
a qualquer dogmatismo, ao mesmo tempo em que sempre destacou a importância de  
se voltar a Marx.  
É preciso destacar isto: em um momento em que o marxismo vulgar ainda trazia  
o proletariado moderno como uma espécie de mito, Chasin questiona sobre o agente  
social interessado. E, se hoje são comuns reformulações sobre o tema, é preciso que  
se destaque os méritos do autor de Rota e prospectiva sobre o assunto. Ele não cai  
no otimismo de alguém como Gorz, também não procura respostas prontas em  
categorias demasiadamente amplas, plásticas e que têm uma configuração um tanto  
quanto esquiva, como “classe-que-vive-do-trabalho” ou “precariado”. E, com isso, O  
futuro ausente tem a coragem de questionar não só sobre o surgimento de um agente  
social interessado, mas também se, ao fim, a coruja de Minerva já levantou voo real e  
efetivamente.  
Algo que deveria ser óbvio para um marxista nem sempre é: o desenvolvimento  
das forças produtivas, bem como das relações de produção nem sempre tem uma  
conformação que explicita claramente as oposições de uma época. Engels mostrou  
como que, com os socialistas utópicos, isso aconteceu; Lukács acreditou que sua época  
trazia certa revolta contra a manipulação que seria análoga ao que acontecera  
anteriormente com os ludistas em um cenário em que a subsunção ao capital atingia  
os serviços, bem como o tempo livre das classes trabalhadoras. Ou seja, para o autor  
húngaro, as contradições de sua época não estavam claras aos marxistas, assim como  
não estiveram aos ludistas. E, em nosso ponto de vista, é preciso ter muita coragem  
para fazer uma afirmativa desse calibre. Chasin, dentre outros méritos, traz esse  
questionamento para seu tempo, explicitando, inclusive, que a configuração do  
proletariado moderno ao menos como trazida ao marxismo vulgar passava longe  
de ser hábil a trazer o revolucionamento das relações de produção. Assim, nosso autor  
trata da política tendo em conta aquilo que aparece como uma aporia de seu tempo.  
E isso é feito com a mente aberta à compreensão da real tessitura do presente, que  
não teria sido realmente desvendado destacamos nós , tal qual ocorreu na época  
de Lukács. O entendimento dessa situação, condição necessária para qualquer  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 5  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
transformação substantiva da realidade, é que reivindica o filósofo paulista. Isso  
deveria ser o mínimo para um marxista, aliás.  
Porém, de acordo com o autor que aqui tratamos, não é isso que ocorre.  
Outra questão importante: o autor de O futuro ausente sempre foi alguém que  
analisou a especificidade nacional e a conjuntura nacional e internacional. Com isso,  
suas análises foram realizadas com sólidas bases teóricas e com um profundo senso  
de realidade. Tal ímpeto, acreditamos, é mais que necessário hoje. Talvez, ele seja  
essencial para que possa haver um posicionamento firme contrário à imposição da  
reprodução ampliada do capital, e para a compreensão da real tessitura dessa, em  
seus meandros, especificidades e modo de reprodução nacional e internacional. Com  
isso, seu senso teórico sempre esteve relacionado à busca pela atividade capaz de  
revolucionar e subverter a sociedade capitalista, que precisa ser entendida em sua  
peculiaridade epocal.  
Ainda sobre esse ponto, é preciso destacar que ele está intimamente relacionado  
com o anterior. A compreensão do processo de autovalorização do valor é uma  
condição para a superação do modo de produção capitalista. E, se a coruja de Minerva  
não levantou voo realmente, há ainda um trabalho (preparatório) importante nesse  
campo. Não que não existam esforços importantes nesse sentido. Porém, é preciso se  
questionar se algum texto que busca o entendimento do capitalismo contemporâneo  
possui pretensões amplas e totalizantes como aqueles de Rosa Luxemburgo,  
Hilferding, Baran, Sweezy e, mais recentemente, Mandel. Trata-se de autores que  
trazem um diagnóstico cuidadoso de suas épocas. E, quanto a isso, é preciso delinear:  
o tratamento sobre aspectos de nossa época existe, claro. Existem certamente  
abordagens sobre a financeirização, sobre a precarização das garantias e dos direitos  
da classe trabalhadora, sobre certa mudança geográfica do desenvolvimento do  
capital, sobre a taxa de lucro, sobre a produção destrutiva etc. Porém, será que  
dispomos de uma análise cuidadosa e totalizante como aquelas dos autores  
mencionados acima sobre o capitalismo em sua fase atual? Se é verdade o que diz  
Chasin, talvez não dispuséssemos em sua época. E, salvo engano, ainda não temos  
ainda. E isso talvez possa ser explicado, inclusive, pelo não desenvolvimento e  
conformação de um agente social interessado na transformação substantiva e  
qualitativa das relações sociais de produção do capitalismo contemporâneo. Não  
podemos entrar aqui nessa querela, que renderia importantes debates. Porém,  
Verinotio  
6 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
precisamos destacar: um dos méritos do texto chasiniano é colocar tais questões  
incômodas, que precisam ser pensadas de modo rigoroso e coletivo, para que o  
exercício teórico mantenha seu ímpeto prático.  
Retomemos, assim, à atualidade do texto: ao se voltar os olhos para a política, é  
claro que algo como as supostas terceiras vias (seja no perfil dos Walessa, seja com  
Tony Blair e cia.), muito propagadas na época em que Chasin escreve seu texto,  
acabaram por se mostrar como retumbantes fracassos, como, aliás, não poderia deixar  
de ser. A tão festejada (à época) globalização, por sua vez, sequer é mais mencionada  
como algo que tenha qualquer potencialidade minimamente progressista. Ela quase  
que desaparece do repertório das ciências sociais, que não tardam a trazer novos  
termos, não raro, tão questionáveis quanto esse. Ao se ter em conta as soluções  
políticas para um futuro ausente, porém, deve-se lembrar: formas econômicas e  
políticas subsumidas ao capital e que se apresentem enquanto alternativas não faltam.  
Elas possuem até mesmo certa funcionalidade na reprodução ampliada do modo de  
produção capitalista, mas não deixam de ser vistos como alternativas reais. À esquerda,  
com base em uma pseudoesquerda (CHASIN, 2001), basta pensar na esperança que  
certa “esquerda” nutre pelo governo português, ou mesmo pelo “capitalismo andino”  
da Bolívia ou pelo “socialismo do século XXI” presente na Venezuela. Se nos voltarmos  
à direita, a posição defensiva diante do avanço da extrema-direita (como Macron na  
França) e a própria extrema-direita não deixam de reativar as esperanças de muitos.  
Tais situações não podem deixar de ser consideradas caso pretenda-se entender como  
que, mesmo com as crises de todos os gêneros, continua muito difícil convencer de  
que, em verdade, é necessária a transformação radical (a supressão) do próprio modo  
produção. E isso tem ligação com o que falamos anteriormente: precisamos pensar se  
a coruja de Minerva levantou voo e se está presente efetivamente um agente social  
interessado na compreensão e na supressão das determinações essenciais do modo  
de produção capitalista em sua face atual.  
E há certamente um elemento teórico que se coloca nestes meandros. A  
teorização sobre a atividade política diuturna, não raro, ainda parte das mesmas bases  
que eram moda intelectual na época de J. Chasin. O nível teórico, porém, ainda é pior  
do que na época do autor e é preciso lembrar que, de acordo com Ad Hominem: rota  
e prospectiva, “o império do baixo nível é o reino da contrarrevolução. Não se faz  
respeitar pelos adversários, não se impõe aos inimigos e simplesmente ilude a  
militância despreparada” (CHASIN, 2001, p. 49). A impotência das vertentes políticas  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 7  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
é tanto maior quanto mais voluntarista é e quanto mais adstringe a teoria para inflamar  
a militância. Essa última, aliás, é numericamente ínfima perto do que se tinha na época  
em que O futuro ausente foi escrito. No campo mais propriamente da teoria, mesmo  
que se trate de pastiches de seus similares do passado, no Brasil, por exemplo, o  
chamado neodesenvolvimentismo em verdade, a implementação de programas  
sociais aprovados, inclusive, pelo FMI e pelos agentes financeiros internacionais, bem  
como a aposta no agronegócio e na exportação de commodities, como bem mostrou  
Cláudio Katz (2016) , vigente no lulismo, parece nos trazer certa nostalgia daquilo  
que supostamente poderia supostamente ter sido e não foi. Trata-se de uma conjunção  
fraca entre as sombras de certo nacionalismo e certo estatismo do passado, que são  
temperados com uma pitada de social-liberalismo. Esse último, aliás, era característico  
dos adversários políticos de Lula à época, como FHC (cf. CHASIN, 2001). E, hoje, na  
melhor das hipóteses, Lula procura fazer um papel social-liberal.  
Aos olhos da “esquerda”, retrospectivamente, com artifícios fenomenológicos  
que fariam inveja ao mais obstinado fenomenólogo, parece ser possível colocar entre  
parênteses todos os elementos da miséria brasileira e as mazelas perpetuadas,  
reafirmadas e reforçadas durante os governos petistas. Assim, de certo modo, diante  
da afirmação da barbárie bolsonarista, tornamo-nos todos idealistas, quer se queira,  
quer não. O artifício tão criticado por Lukács em sua crítica à fenomenologia acaba por  
fazer parte da consciência de esquerda que nos ronda e se afirma para que haja  
esperança depois do que se passou nos últimos 4 anos e que veio se desenvolvendo  
em meio à autocracia burguesa institucionalizada. O nominalismo e o voluntarismo da  
pseudoesquerda, criticados por Chasin em Rota e prospectiva, são vistos quase que  
como uma obrigação militante.  
Na prática, aquilo que se vislumbra no futuro é tão carente de perspectivas que  
se acaba por fechar os olhos diante daquilo que, para um marxista, deveria constituir  
as maiores obviedades. Qualquer “esquerda” – mesmo que de esquerda não tenha  
mais nada e mesmo que se associe com todas as alas da direita não autocrática é  
melhor do que o desenvolvimento explícito do bonapartismo, da autocracia burguesa  
bolsonarista.  
Mas não há como deixar de perceber que tal programa que busca a qualquer  
custo a institucionalização jurídica da autocracia e não traz uma posição frontalmente  
contrária ao capitalismo traz consigo a fórmula para o fracasso e para o esvaziamento  
Verinotio  
8 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
da esquerda, que parece estar morta, e quer mostrar seu atestado de óbito ao  
mercado.  
Esses últimos anos foram tão brutais que o tom com que usual e cotidianamente  
se fala dos anos dos governos petistas uma vertente da autocracia burguesa  
institucionalizada não deixa de ser romântico. E mais: como verdadeiros  
proudhonistas, e levados pela situação extrema do Brasil hoje, por vezes, procuramos,  
como pseudoesquerda que nos tornamos, separar o “lado bom” do “lado mau” daquilo  
que vivenciamos no passado recente. Diante as regressões pungentes do  
bolsonarismo vertente que clara e explicitamente busca uma forma de autocracia  
burguesa bonapartista , a esperança de que se retome o caminho da política  
democrática e do estado democrático de direito (sic!) nos invade. Nesse sentido, as  
esperanças em Walessa, em Blair, na globalização etc. não parecem tão ingênuas assim  
se olharmos por esse ângulo. A miséria de nosso presente é ainda pior. E ela marca  
mesmo aqueles que pretendem ser seguidores dos ensinamentos de Marx, que, tal  
como na época de Chasin, tendem a trazer uma concepção absolutamente unilateral  
sobre a política, ou seja, justamente sobre o tema tratado em O futuro ausente. E, que  
fique claro: não basta entoar a crítica chasiniana à política para que escapemos dessa  
miséria. Isso pode até mesmo conformar um passo, mas as determinações que se  
impõem são objetivas e perfazem um futuro anunciado anteriormente no texto  
chasiniano e que, para ser compreendido, precisa tanto de mais estofo teórico do que  
dispomos no momento quanto da “emergência de um agente social interessado em  
subverter muito mais do que as simples mazelas da falsa esquerda” (CHASIN, 2001,  
p. 26). Como não poderia deixar de ser, trata-se de algo que diz respeito à  
conformação concreta da própria realidade e, assim, não prescinde de uma crítica a  
essa realidade social mesma, para que se use a dicção de Chasin, de uma crítica  
ontológica.  
Que derrotar o bolsonarismo, bem como qualquer tentativa de bonapartismo, é  
necessário, conforma uma obviedade. No entanto, as possibilidades disponíveis para  
isso até agora, e que envolvem a nostalgia pelo que supostamente poderia ter sido e  
não foi, não trazem grandes possibilidades, em verdade. Por enquanto, encaminham-  
nos, na melhor das hipóteses, para ilusões há muito refutadas pela realidade brasileira.  
Sobre a relação entre PT e FHC, disse Chasin anteriormente: “a diferença entre  
FHC e o PT: politicismo com alianças X politicismo sem alianças” (CHASIN, 2001, p.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 9  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
36). Não vamos aprofundar aqui a relação entre os partidos na época de O futuro  
ausente. Também não podemos explicitar a crítica chasiniana ao politicismo de ambos  
os partidos. Porém, a afirmativa acima não deixa de ser cômica hoje... os compromissos  
e as negociações são hoje, como foram nos anos recentes o ponto de partida da  
política petista, e, em especial, lulista. Nesse campo, também entra o clamor petista –  
na época em que o filósofo paulista escrevia por uma política ética (CHASIN, 2001).  
Aquilo que Chasin já havia visto como uma espécie de oxímoro hoje ainda permanece,  
mas somente como simulacro. Tanto à esquerda quanto à direita, critica-se a  
corrupção. E o tom moralista e vazio de tal crítica só espanta aqueles que não  
compreendem minimamente a estruturação de um capitalismo de via colonial, que  
oscila entre autocracia burguesa institucionalizada e bonapartismo. Ou seja, a situação  
hoje é ainda pior. E mais: se a ética na política era o clamor daqueles que defendiam  
a democracia (termo que mesmo na época já estava bastante esvaziado), hoje,  
democracia vira sinônimo de estado democrático de direito, ou seja, da defesa da  
institucionalização jurídica vigente, seja ela qual for. Assim, o clamor democrático e  
político de hoje é ainda mais manipulatório que à época.  
E, sobre a negociação, a política e a impossibilidade de uma política ética, diz  
nosso autor algo bastante importante para nosso tema:  
A negociação é a grandeza e a miséria da política. Grandeza por  
reconhecer contraditórios e postular a via racional de sua resolução.  
Miséria, porque a natureza de suas resoluções é sempre a prática da  
conciliação, não podendo nunca levar a contradição até o fim e nessa  
rota solucioná-la, mas apenas a contorna, de modo que ela retorna  
mais adiante. A negociação é algo como uma protelação, por  
impotência resolutiva, à espera de uma solução futura, que a  
ultrapassa e não depende dela. (CHASIN, 2001, p. 39)  
A protelação é o máximo que conseguimos esperar, ao que parece. O  
reconhecimento dos elementos contraditórios, que é o mérito da política (como, aliás,  
mostra Chasin ao tratar de Maquiavel e da relação entre contradição e contraposição),  
leva à tentativa à longo prazo impossível de conciliação. A via racional de resolução,  
assim, deságua na necessária irresolução da contradição na atividade adstringida e  
forçada a oscilar entre polos igualmente impotentes. A negociação, bem como os  
conchavos, assim, aparece como o dia-a-dia e vida da política. A solução futura é  
esperada, assim, não como um ato racional, mas como um ato irracional de fé. A  
postulação da via racional para a resolução das contradições sociais, no caso, leva  
justamente a uma razão atrofiada e, no limite, ao irracionalismo. A aposta política no  
Verinotio  
10 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
compromisso, tal qual a revolta moral quanto aos compromissos políticos e éticos são  
duas faces de Jano. Elas podem trazer diferenças entre si, certamente. Porém, suas  
bases são comuns e conformam uma aposta na política como campo resolutivo dos  
conflitos e contradições sociais inerentes ao sistema capitalista de produção, todos  
eles, tomados como pressuposto insuprimível.  
O desenrolar prático dessa trama, hoje, leva-nos a certas mudanças em relação  
à época em que O futuro ausente é escrito: as novidades, aliás, não são nada  
animadoras, como a conversão antigo tucano a “camarada Alckmin”. Se formos ser  
muito bondosos extremamente, em verdade tem-se a reafirmação das teorizações  
da velha analítica paulista e da nova esquerda, já criticadas por Chasin. E, assim, parece  
que a solução está em lutar contra a “dependência”, e contra os “populismos de  
direita”, com suas soluções “autoritárias”. O programa econômico para isso, aliás,  
precisaria ser incerto (as eleições sempre vêm em primeiro lugar!); sequer parece ser  
possível propor um pastiche do desenvolvimentismo (ou mesmo do  
“neodesenvolvimentismo” de outrora). No entanto, não há dúvidas que, na melhor das  
hipóteses, um programa econômico da autoproclamada esquerda estaria baseado em  
uma espécie de marginalismo econômico, mesmo que (com sorte!!), para que se use  
um eufemismo, “heterodoxo”. Sejamos claros: 2002 não foi 1989, assim como 2022  
não é; mas a esperança de hoje, por incrível que pareça, depois de tudo que já  
passamos, continua a mesma: queremos, como pseudoesquerda idealista que nos  
tornamos, o governo Lula que viria da eleição de 1989. A tentativa de se retomar uma  
espécie de fundação perdida da república é clara entre nós; se em Maquiavel isso ainda  
podia fazer sentido, como demonstrou Chasin em O futuro ausente, agora, isso não  
passa da miséria da “esquerda”, que se comporta como um cadáver insepulto e não  
traz consigo quaisquer tendências afirmativas, mesmo que diuturnamente diga o  
contrário.  
Trata-se de uma “esquerda” que parece ter se convertido à teoria dos atos de  
fala de Austin, por mais que possa eventualmente propagar o contrário. Tal elemento,  
de certo nominalismo, já havia sido criticado por Chasin em Rota e prospectiva. Hoje,  
porém, a questão se coloca de tal modo que, não raro, a pseudoesquerda efetivamente  
adota Austin, bem com outros autores da filosofia da linguagem, como referencial. A  
ironia chasiniana, bem como o caráter jocoso de sua crítica não são mais possíveis  
nesse caso.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 11  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Aliás, diante desse cenário em que se tem um pastiche de uma “esquerda” que  
já era, de certo modo, um pastiche da década de 1950 (CHASIN, 2001), nada mais  
lógico que uma boa dose de voluntarismo e de esperança para tapar a ausência de  
uma teorização sólida. Sem a apreensão dos limites da política, envolta em  
negociações das mais atrozes, e sem uma teorização e uma abordagem da economia  
que ultrapasse os modelos vigentes ainda na época em que O futuro ausente foi  
escrito, oscila-se entre o medo e a esperança; a vontade política parece ser o essencial.  
Caso ela não prospere, tanto pior para os fatos (fatos esses que parecem não ser  
compreendidos). Na próxima vez, basta afirmá-la com mais ênfase, vontade e torcer  
para que as coisas sigam seu curso supostamente natural. Certo sentimento de que  
basta retomar as coisas ao normal é vigente na medida mesma em que a normalidade  
de um país que nasce e se desenvolve com uma via colonial de entificação do  
capitalismo não pode ser a mesma do suposto Ocidente democrático. Em uma  
formação social marcada pela autocracia burguesa, dizer que a democracia é algo  
natural é um sintoma de despreparo para enfrentar as contradições sociais, no mínimo.  
Dizemos tudo isso para esclarecer que Chasin escreveu seu texto em um  
momento em que a chamada redemocratização trazia uma onda de otimismo (e  
esperança) quase que generalizadas. É verdade, porém, que isso acontecia enquanto  
nosso autor não deixou de destacar que “a institucionalização da autocracia burguesa  
é a expressão jurídica do politicismo, enquanto o bonapartismo é sua expressão  
explicitamente armada” (CHASIN, 2000, p. 27). Ou seja, havia otimismo mesmo que  
isso se desse sem uma base concreta digna de tanto. A institucionalização da  
autocracia burguesa trazia a manutenção da miséria brasileira. Hoje, no entanto, o  
fracasso da Nova República, ou seja, da autocracia burguesa institucionalizada que  
sucedeu o bonapartismo dos militares, é um fato: em verdade, as viúvas da ditadura –  
como jocosamente chamávamos aqueles nostálgicos pela barbárie posterior ao golpe  
de primeiro de abril não podem mais ser referidas simplesmente em tom de chacota.  
Elas ainda estão no poder, e a reafirmação da “revolução democrática de 1964” (sic!)  
é feita às claras. E o pior é que não se trata somente de posicionamentos de militares  
de pijama e dotados de comprimidos azuis à vontade.  
Em verdade, isso, de certo modo, é alimentado pela própria (autoproclamada)  
“esquerda”, que não cessa de repetir fórmulas da época, com certo saudosismo: a  
reafirmação diuturna, e em forma de pastiche, do quadrúpede teórico (CHASIN, 2001)  
nos programas políticos à esquerda procura resgatar justamente a leitura política que  
Verinotio  
12 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
foi desenvolvida às vésperas do fim do regime militar. E, é preciso que se diga: tal  
leitura não avançou um milímetro. Em verdade, se formos olhar com algum cuidado,  
notamos que ela recuou significativamente. E, assim, o futuro não só se mostrou como  
ausente, mas expressa-se como farsa, em grande parte, consciente de sua falsidade.  
Resta somente a ritualística e a crença no poder das palavras de ordem vazias de  
outrora.  
Tem-se, em verdade, certa nostalgia quanto a uma derrota menos vergonhosa.  
Aliás, as derrotas enormes e significativas da classe trabalhadora brasileira nas  
últimas décadas fazem com que os espaços antes ocupados por organizações  
populares sejam tomados pela direita. Essa última posa cada vez mais raivosa.  
Enquanto isso, a “esquerda” finge que perdeu esses espaços por uma simples  
contingência, advinda de alguma conspiração nacional e internacional; com isso, com  
muito custo, parece ser possível manter certa dignidade. A “esquerda” mantém certa  
pose repetindo formulações que já foram criticadas por Chasin de modo duro e que  
não foram revisitadas de modo crítico em hipótese alguma. Fazer isso, batendo no  
peito, e bradando palavras de ordem que parecem ter uma força mágica, é o que  
parece restar diante da ausência de compreensão da própria realidade. A direita, por  
outro lado, avança dizendo exatamente ao que veio e proclamando com todas as letras  
que a solução está na autocracia bonapartista.  
Não se trata somente de pose. Não se pode ignorar que isso tem certa  
repercussão popular; tanto é assim que chegamos aonde chegamos. Diante de uma  
esquerda que procura parecer republicana em meio às orgias do capital, a radicalidade  
aparece somente à direita, mesmo que de um modo que há pouco tempo seria  
inimaginavelmente.  
A extrema-direita diz com todas as letras para que veio e entoa barbaridades  
que parecem ser novidades, ou ao menos tem certo tom de radicalidade, diante da  
mentira da redemocratização, ou seja, do caráter supostamente popular da autocracia  
burguesa institucionalizada. A capilaridade de posições, não só reacionárias, mas  
bárbaras, é a expressão da falência da autoproclamada Nova República, ou seja, da  
normalidade da autocracia burguesa institucionalizada. Fica claro que uma “esquerda”  
sem programa e sem uma teoria adequadas à compreensão da especificidade do  
capitalismo brasileiro não pode trazer qualquer práxis alinhada com um futuro que não  
seja, novamente, na melhor das hipóteses, a repetição mais ou menos farsesca e cínica  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 13  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
do passado. A direita assume sua posição reativa, reacionária e contrarrevolucionária.  
Ela vai em direção a seus traços mais característicos depois que o impulso civilizatório  
do capital se foi. E qual é a posição da “esquerda” diante desse mesmo cenário? A  
nostalgia pelo que supostamente poderia ter acontecido caso a suposta  
redemocratização seguisse o rumo desejado por ela mesma.  
O politicismo de tal posicionamento é assustador; a surpresa que certa  
“esquerda” teve diante da eleição de Collor de Mello derivou justamente da  
incompreensão do que se passava. A eleição de Jair Bolsonaro trouxe a surpresa e o  
mesmo moralismo vazios para aqueles que não avançaram um milímetro diante das  
antigas concepções e análises.  
Não podemos aprofundar aqui esse assunto. Mas é premente reafirmar que, no  
melhor dos casos, as teorizações vigentes na época em que J. Chasin escreve seu texto  
ainda são aquelas que aparecem hoje como solução. A grande esperança parece estar  
em que a realidade finalmente deixe de teimar em não se adequar a elas, ou ao  
simulacro putrefato delas. Nesse sentido, talvez sejamos a perfeita expressão do futuro  
ausente denunciado pelo autor. O cenário em que ele escreveu, no entanto, ainda  
trazia consigo certa reminiscência da oposição entre Oriente e Ocidente; a memória da  
recém extinta União Soviética ainda pairava no ar. O éthos coletivista do suposto  
socialismo soviético, de um lado, ainda era um objeto de crítica programática na nova  
esquerda e, doutro, ainda era defendido de modo mais ou menos aguerrido, seja em  
parcelas dos partidos comunistas, seja por meio das mais diversas variações de um  
marxismo vulgar, extremamente esquemático, mas popularizado entre parte  
suficientemente significativa da militância. Nas palavras de J. Chasin, tinha-se a  
seguinte situação diante do cenário pós-União Soviética:  
Bastam duas pinceladas para esboçar o colosso dos impasses atuais:  
o Ocidente universalizado e rebrilhante em sua pujança sem  
contraste reitera de forma ampliada sua miséria estrutural, física e  
de espírito, enquanto o extinto Oriente finda em convulsões  
sangrentas por consumar suas inviabilidades originárias. (CHASIN,  
2012, p. 60)  
O Ocidente aparecia sem adversários à altura, mas em meio à referida memória.  
O Oriente havia sido extinto, de modo a explicitar suas inviabilidades. Tal oposição,  
entre Ocidente e Oriente, depende da derrota de uma revolução mundial, consolidada  
no pós-II Guerra, na negociação de zonas de influência, e na consolidação da guerra  
fria.  
Verinotio  
14 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
O baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas, bem como do  
isolamento que sucedeu a Revolução Russa dentre outros fatores também não  
podem ser ignorados em hipótese alguma. De qualquer modo, o que se apresenta na  
época em que Chasin escreve O futuro ausente é a impossibilidade de qualquer  
nostalgia quanto ao modelo soviético, bem como a reiteração de todos os problemas  
inerentes à sociabilidade capitalista. Ou seja, a falsa alternativa colocada no Oriente  
cai por terra, e isso não leva a qualquer ganho civilizatório no desenvolvimento do  
capitalismo. Pelo contrário, esse acaba por se afirmar de modo mais brutal. Nesse  
contexto, qualquer afirmação no sentido do pacifismo parece, na melhor das hipóteses,  
como um posicionamento irônico.  
Aliás, talvez vivamos tempos em que a ironia é algo muito difícil, tamanho o  
absurdo do desastre conformado hoje na sociabilidade do capital. Àqueles que se  
deparam com o futuro sem a compreensão das condições reais que se impõem no  
capitalismo contemporâneo estão munidos da crença de que a defesa aguerrida da  
política (realizada com muita boa vontade e militância, claro) pode resolver os conflitos  
sociais inerentes à reprodução ampliada do capital resta, de um lado, a esperança,  
doutro, o medo. E ambos esses afetos, como já alertou Spinoza, e reiterou György  
Lukács, partem muito mais da ausência de compreensão das determinações objetivas  
do presente que da apreensão reta das potencialidades realmente presentes na  
sociedade atual. Com isso, fórmulas criticadas por Chasin na época ligadas,  
sobretudo, ao que o autor chamou de politicismo não tardam a ser repetidas, sempre,  
com muita vontade e, cada vez mais, com esperança.  
Somos o futuro que, não só já repetiu os erros do passado, como acredita que  
os jargões dos partidos políticos, bem como de certa militância, não se realizam por  
um mero desvio de rota. E, no que diz respeito ao Oriente e ao Ocidente, as coisas  
não são melhores.  
Se, na época de Chasin, o Oriente havia sido extinto, nada mais natural ao nosso  
tempo que tentar revivê-lo como pastiche. De um lado, o ganho de poderio econômico  
da China é visto pelo autoproclamado Ocidente como uma ameaça à democracia. A  
rivalização diante da União Europeia e dos Estados Unidos parecem trazer uma ameaça  
“autoritária” à autoproclamada civilização ocidental (e talvez estejamos na época em  
que o significado de algumas expressões seja tão distinto daquele que elas possuíam  
que seja somente isso que resta a alguns: autoproclamar-se). A oposição ao poderio  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 15  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
estadunidense parece reacender a chama daqueles que ainda mantiveram em suas  
memórias o suposto socialismo soviético. O procedimento, no entanto, não poderia  
ser mais pueril: a China, com seu socialista de mercado (sic!), e sua produção gritante  
de mais-valor, toma o lugar da União Soviética como algo a ser defendido acriticamente  
colocando muitas coisas entre parênteses, diga-se de passagem. De repente, o  
extinto Oriente ressurge das cinzas e traz uma visão anti-imperialista. Aliás, as coisas  
só melhoram: quando a Rússia reaparece no cenário, com a invasão à Ucrânia, tem-se  
mais um ingrediente a ser reaproveitado.  
As questionáveis ações do extinto Pacto de Varsóvia reaparecem na memória e,  
com isso, tem-se a Otan, representando a chamada civilização ocidental. E isso tudo  
se passa na medida em que a figura cômica de Zelensky é elevada àquela de um  
grande estadista. Suas credenciais democráticas passam longe de ser as melhores, seja  
lá qual for o critério adotado diante do Batalhão Azov e da conivência com grupos  
neonazistas. No entanto, a democracia ocidental o tem como represente ao passo que  
o Oriente parece resistir ao avanço das bases militares da Otan com uma guerra de  
libertação levada à cabo por Putin. Esse último aparece como uma espécie de Stálin  
pós-União Soviética. Que não se tenha nenhuma posição, mesmo que verbal, socialista  
parece ser somente um detalhe, que, como vem sendo recorrente, parece precisar ser  
colocado entre parênteses.  
O momento em que nos deparamos com o texto de Chasin, portanto, talvez seja  
justamente aquele que melhor ilustra o acerto de suas críticas às posições de sua  
época.  
No entanto, caso fiquemos somente com aquilo que apresentamos até o  
momento, permanecemos em um nível superficial. Isso ocorre porque mencionamos  
certo Zeitgeist de nossa época e explicitamos tanto uma versão liberal quanto o  
catastrofismo não são alternativas; porém, a fundamentação propriamente teórica dos  
posicionamentos políticos criticados pelo autor de Marx: estatuto ontológico e  
resolução metodológica não foram por nós abordados. A necessidade de se  
compreender não só a degeneração clara do pensamento político, mas aquilo que há  
de melhor nele também é visível no texto chasiniano. Ou seja, afirmamos que o  
contexto da época de Chasin, tal qual o nosso, precisa de uma crítica radical, que passe  
também pela política, pela vontade política e que leve à apreensão das reais  
determinações do presente. Porém, é necessário não só reafirmar aquilo que o autor  
Verinotio  
16 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
paulista chamou de determinação ontonegativa da politicidade. Trata-se também de  
mostrar que uma compreensão ontopositiva da política passou, em determinados  
momentos principalmente na Antiguidade e no Renascimento por momentos  
riquíssimos. Que esses momentos não possam ser dissociados das suas determinações  
materiais, deveria ser uma obviedade para qualquer um que conheça minimamente o  
pensamento de Marx, porém, diante do cenário que apresentamos acima, é sempre  
bom reafirmar esse ponto. Por isso, deve-se passar para análise chasiniana daquilo  
que talvez conforme o melhor do pensamento político ocidental. Em um momento em  
que, no marxismo, há certo pastiche do stalinismo sendo divulgado, isso pode ser  
essencial.  
Sobre a “esquerda”, a ontologia, a história e a política  
Não é segredo que as grandes preocupações do stalinismo, e do marxismo vulgar  
em geral, bem como de grande parte dos autoproclamados marxistas não esteja  
na compreensão e na crítica de categorias da filosofia. Claro que há exceções a isso,  
em solo nacional, a analítica paulista, por exemplo, sempre buscou ler Marx na esteira  
das preocupações da filosofia (cf. CHASIN, 2001). Olhando o panorama mundial,  
também temos exemplos importantes; pensadores como Althusser, por exemplo, em  
parte na esteira da problemática estruturalista não deixaram de traçar uma crítica ao  
Sujeito (o que fica claro, sobretudo, em seus posicionamentos sobre Lacan, bem como  
sobre a interpelação, em seus aparelhos ideológicos de estado). Ou seja, no marxismo,  
há certamente aqueles que enxergam no estudo da filosofia algo importante. E mais:  
em verdade, isso se dá, de modo mais ou menos mediado, ao se problematizar com  
abordagens que pretenderam desenvolver uma ontologia, como a de Martin  
Heidegger, como ocorre com os teóricos da chamada Escola de Frankfurt e dá-se em  
um tom distinto (talvez, surpreendente) no próprio Althusser, como veremos. Ao se  
olhar para a teorização chasiniana, porém, é preciso que se atente para o fato de que  
há toda uma atenção ao desenvolvimento das categorias filosóficas, bem como de suas  
relações com as teorizações sobre a política. Em O futuro ausente, isso é visível. E, ao  
tratar da ontologia, nada é mais estranho a J. Chasin que algum flerte com Heidegger  
ou com qualquer outra ontologia sistemática; o autor paulista não buscou desenvolver  
uma ontologia marxista. Ele tratou do estatuto ontológico do pensamento de Marx, do  
fato de o autor de O capital não formular um método a priori e de ele tratar do próprio  
ser da realidade.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 17  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Para que analisemos nosso tema com mais cuidado, porém, é bom ver, mesmo  
que rapidamente, como que esse tema aparece nos autores que mencionamos para  
que, depois, possamos explicitar como que há hoje uma relação muito próxima entre  
a influência de ontologias como a heideggeriana e a elaboração teórica sobre a política.  
Ou seja, é preciso que notemos que O futuro ausente estava rumando absolutamente  
contra a corrente.  
Ao olhar para os marxistas que procuram uma análise filosófica, primeiramente,  
é preciso destacar que teóricos como Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamin, não  
deixaram de transparecer a preocupação com as categorias filosóficas, e de modo  
enfático. Isso ocorre, inclusive, ao se ter em mente a tematização da ontologia. Adorno  
e Horkheimer têm verdadeiro repúdio a qualquer ontologia, que enxergam como uma  
abordagem essencialmente a-histórica (hoje, autores como Postone seguem o mesmo  
caminho). No caso da ontologia fundamental de Heidegger, inclusive, de acordo com  
os autores da Dialética do esclarecimento, haveria uma espécie de jargão, um jargão  
da autenticidade. Ou seja, a conformação da posição desses dois pensadores na  
filosofia do século XX passa por uma crítica ao que acreditam ser a ontologia em seu  
tempo. No caso de Marcuse, também se tem algo peculiar: deve-se ressaltar que o  
autor realiza seu doutoramento tratando da categoria do trabalho sob a supervisão  
do próprio Heidegger. Posteriormente, o autor da Ideologia da sociedade industrial  
tematiza na abordagem mais contrária à tecnologia entre os frankfurtianos a  
técnica, com claro ímpeto de debate (e embate) com o autor de Ser e tempo. Aliás, em  
vão, o autor busca que seu antigo mestre se desculpe publicamente sobre seu apoio  
ao nazismo. Ou seja, quer se queira, quer não, tais autores acabam por se colocar no  
debate sobre a ontologia, em especial, a heideggeriana, a qual tomam como modelo  
de ontologia do século XX.  
Benjamin, por sua vez, fugindo justamente da perseguição nacional-socialista,  
entrega suas Teses sobre o conceito de história a ninguém menos que a Hannah  
Arendt, cujo apreço por Heidegger, e aversão ao marxismo, são conhecidos. Também  
vale destacar que o autor que morreu em 1940 também polemiza com um autor que  
traz uma correlação explícita entre ontologia, teologia e política, Carl Schmitt. Ou seja,  
ao olharmos para os autores da “teoria crítica”, notamos que a conformação dos  
embates filosóficos no marxismo do século XX passou pela tematização das categorias  
heideggerianas, bem como pelo contato com aqueles que tinham o filósofo da  
ontologia fundamental em alta conta, como a já referida Arendt e o mencionado  
Verinotio  
18 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Schmitt.  
Assim, mesmo ao se considerar somente a tradição marxista conformada na  
Escola de Frankfurt, pode-se dizer que trazer explicitamente o debate e torno da  
ontologia, e de sua relação com a política, como faz J. Chasin, não é descabido. Ao  
contrário. E mais: é preciso ver que o autor de Marx: estatuto ontológico e resolução  
metodológica não busca uma ontologia alternativa a Heidegger, por exemplo, mas  
uma crítica às abordagens gnosiológicas que preponderam na filosofia, inclusive, ao  
se olhar para o marxismo.  
Tem-se tal aspecto desenvolvido em O futuro ausente em uma chave distinta  
daquela que é mais explícita nos autores recém mencionados, portanto: Benjamin  
critica a noção de progresso presente na II Internacional, por vezes, aproximando-o do  
iluminismo e da filosofia da história hegeliana; Adorno e Horkheimer trazem uma crítica  
à própria razão (embora destaquem a aporia segundo a qual somente a mais razão  
poderia superar tal situação); Horkheimer, em específico, ainda trata da tradição  
política burguesa nos termos de uma filosofia da história, ao tratar das Origens da  
filosofia burguesa da história. Marcuse, por sua vez, procura a relação entre Razão e  
revolução voltando-se a Hegel e ao modo pelo qual a relação entre estado e sociedade  
delineia-se em sua filosofia da história. Ou seja, ao passo que o autor do Estatuto  
ontológico com uma crítica a toda e qualquer filosofia da história tematiza  
ontologia, isso não ocorre em meio aos autores da chamada teoria crítica. Tais  
circunstâncias são importantes para nós. Elas explicitam que a conformação das  
filosofias, e dos posicionamentos políticos dos autores da teoria crítica, precisam ser  
compreendidos tendo em mente seus posicionamentos sobre a ontologia e sobre a  
filosofia da história, em especial, de Hegel.  
A abordagem de Adorno, Benjamin, Horkheimer e Marcuse e aquelas de seus  
seguidores , portanto, precisa passar por essas temáticas. Também ao se olhar a  
partir dessa posição, mostra-se que os posicionamentos dos marxistas sobre temas  
filosóficos complexos, como aquele da ontologia tão destacada na obra de Chasin –  
não são descabidos, ou algo que configure uma moda filosófica de determinado  
momento. Pode-se mesmo dizer que o tratamento do pensamento de Marx em Chasin  
e nos autores da Escola de Frankfurt é bastante distinto: se eles, em grande parte,  
assumem as categorias hegelianas como ponto de partida, o autor paulista vai buscar  
na formação do pensamento propriamente marxiano a diferença específica de Marx  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 19  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
frente Hegel e, em meio a essa pesquisa vem a descobrir que a crítica marxiana ao  
idealismo não é aquela de um duplo giro copernicano, como quer Adorno, por  
exemplo. Antes, há um questionamento da sistematicidade da filosofia, que envolve  
uma crítica profunda aos pontos de partida de quaisquer teorias do conhecimento.  
Daí, a necessidade de se tematizar a determinação ontoprática do pensamento e do  
conhecimento, como faz o autor em seu Estatuto.  
Ao se olhar para outros importantes expoentes do marxismo do século XX, tal  
aspecto que abordamos ao tratar dos pensadores da Escola de Frankfurt também é  
perceptível. Autores como, por exemplo, Henri Lefebvre, que, não raro, pretenderam  
dialogar com categorias de autores como Nietzsche e Heidegger. Eles tiveram grande  
destaque e influência. No caso de Lefebvre, inclusive, o autor remeteu à noção de  
morada do ser, bem como à compreensão heideggeriana da categoria Ding, que levaria  
a uma teorização sobre o habitar. E esta teorização tem uma importância considerável  
na abordagem do autor sobre a cidade, o valor de uso e o processo de urbanização.  
Pode-se mesmo dizer que parte do entendimento lefebvriano sobre a espacialidade  
decorre de seu debate com Heidegger. Há de se destacar que isso deixe claro que não  
há como não debater a filosofia marxista sem conhecer a discussão sobre a ontologia  
(aspecto destacado, sobretudo, por Lukács, que não deixou de criticar fortemente o  
autor de Ser e tempo sob diversos aspectos). Lefebvre também passa pela tematização  
do cotidiano, assunto muito importante tanto para as ontologias de Heidegger como  
de Lukács. Ele também não deixa de trazer Hegel como um ponto central na  
compreensão do marxismo em nossa opinião sem que se tenha o devido cuidado  
ao analisar o próprio processo formativo do pensamento marxiano (aspecto estudado  
com bastante afinco por Chasin).  
Assim, é preciso pontuar que foram raros os desenvolvimentos substanciais no  
sentido do embate sobre a ontologia até agora. Exceção feita a Lukács, geralmente, a  
problematização do tema foi feita de modo esparso, e que, em verdade, precisa de  
estudos posteriores para que seja devidamente explicitada. E mais: percebe-se que os  
autores mencionados acima, ao passarem por temáticas filosóficas, acabam se  
voltando a outros autores que não Marx (mesmo que, no caso de Hegel, trata-se de  
um gigante). Eles não têm como preocupação central a leitura rigorosa da obra de  
Marx na medida em que não analisam o próprio processo formativo do pensamento  
marxiano; não raro, supõem certa continuidade entre Marx e Hegel e acabam por deixar  
de lado elementos centrais da concepção do autor de O capital sobre o estatuto das  
Verinotio  
20 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
categorias. Nesse sentido, alguns, como Perry Anderson, chegaram a dizer que o  
chamado marxismo ocidental, no qual se situariam os autores que mencionamos acima  
não discutiremos o termo ou o acerto do autor inglês em seu diagnóstico se  
caracterizaria justamente pela tentativa de complementar Marx com outros autores da  
filosofia (cf. ANDERSON, 2002). Aqui, precisamos destacar: quando Chasin trata da  
relação entre ontologia e política, é o tratamento marxiano aquele de uma ontologia  
estatutária, segundo o Estatuto ontológico e resolução metodológica que o filósofo  
paulista retoma e procura explicitar.  
Ou seja, ele não desenvolve propriamente uma ontologia sistemática para se  
contrapor às ontologias do século XX, como aquela de Heidegger. Também não se  
busca completar ou complementar Marx com outros autores da filosofia. Antes, Chasin  
traz à tona a apreensão do próprio real, sem qualquer método ou esquema por mais  
sofisticado que possa ser estabelecido a priori. Quanto J. Chasin trata da política,  
portanto, não está em sua mente a filosofia hegeliana e sua grandeza, como, em  
grande parte, ocorre com famosos intérpretes de Marx, como Ruy Fausto e outros,  
hoje, influenciados pelas chamadas novas leituras de Marx. Antes, tem-se a apreensão  
do desenvolvimento real da política em meio ao processo social de conformação da  
história. Nesse sentido específico, percebe-se que a leitura cuidadosa, e imanente, da  
obra marxiana traz a Chasin o entendimento segundo o qual não há uma epstemologia  
anterior à apreensão da própria objetividade. O pensamento, dessa maneira, não pode  
ser sistematizado ou analisado separadamente de sua determinação ontoprática,  
mesmo que isso ocorra com referência a categorias interessantíssimas e importantes,  
por exemplo, da filosofia hegeliana ou das ontologias do século XX. A análise com a  
qual nos deparamos em O futuro ausente se coloca na esteira deste projeto, o de  
compreender as determinações reais da política e do pensamento político. Também  
por isso, acreditamos, trata-se de um texto essencial.  
Ainda para que fiquemos na tradição marxista, não se pode deixar de mencionar  
uma linhagem que vem sendo, até hoje, muito influente. É preciso, mesmo que  
rapidamente, voltar-se a um autor marxista Louis Althusser cuja teoria, e o debate  
no qual se colocou, trouxe consequências fortíssimas para o debate político  
contemporâneo.  
E, sobre esse autor, é importante ressaltar, antes de qualquer coisa, que seu  
procedimento diante do real é o exato oposto àquele de Chasin na medida em que a  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 21  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
teoria do conhecimento é um ponto de partida althusseriano. Não aprofundaremos tal  
aspecto. Porém, veremos alguns pontos sobre o posicionamento de Althusser, que  
acabam por redundar em certa relação sui generis entre a compreensão da política e  
da ontologia, mais precisamente, da ontologia heideggeriana e sobre o caráter  
proveitoso dessa última.  
Tal caminho precisa ser destacado e abre espaço para teorizações atuais, como  
as de Badiou, Bourdieu, Negri, Mouffe, entre outros. Ou seja, de certo modo, o caminho  
aberto pela abordagem de Althusser profundamente epistemologizante, mas, ao  
mesmo tempo, decorrente de certa afinidade com a obra heideggeriana é nosso  
contemporâneo.  
Baseado na epistemologia de Gaston Bachelard, o autor francês desenvolve uma  
vertente do marxismo, também, fortemente marcada pela problemática da filosofia da  
ciência, bastante cara ao seu orientador de doutorado. Nessa esteira, ele procura  
marcar sua posição no panorama filosófico. O autor critica o que acredita ser um  
“hegelianismo vergonhoso” (1979) supostamente presentes em autores como Lukács,  
Lefebvre, bem como nos mencionados autores da Escola de Frankfurt. Na esteira de  
Bachelard, busca criticar qualquer herança hegeliana ou feuerbachiana em Marx para  
afirmar um novo ponto de partida no debate filosófico e político (uma nova  
problemática, para que se use a dicção do autor). Diante das discussões sobre os  
Manuscritos econômicos filosóficos, e, em especial, sobre a categoria do  
estranhamento, o autor francês desenvolve aquilo que chama de anti-humanismo  
teórico (cf. ALTHUSSER, 1999, 2002). Ele tem por central a crítica à influência  
feuerbachiana em Marx, supostamente presente no tratamento do trabalho estranhado  
e do estranhamento. Assim, pretende extirpar do marxismo os elementos do que  
chama de humanismo. Para fazê-lo, seria preciso separar um Marx marcado pela  
“problemática humanista do estranhamento” de um “Marx maduro”. Prima facie,  
porém, é difícil saber exatamente a base daquilo que Althusser chama de “humanismo”.  
É preciso, pois, ver como o autor delineia tal aspecto.  
O autor francês afirma que “uma ‘censura epistemológica’ intervém, sem nenhum  
equívoco, na obra de Marx” (ALTHUSSER, 1979a, p. 23). Com isso, ele acredita estar  
se livrando daquilo que haveria de “ideológico” no “jovem Marx”; tratar-se-ia de nada  
menos do que abrir espaço para a ciência autêntica. Ou seja, tal qual ocorre em Chasin,  
Althusser pretende dar destaque à leitura atenta das obras do próprio Marx. Porém, o  
Verinotio  
22 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
ponto de partida do autor francês é a antítese direta daquela do brasileiro. Longe de  
procurar o processo pelo qual se tem a formação do pensamento propriamente  
marxiano, Althusser estabelece cisões a partir de distintas “problemáticas”, o que é  
realizado com profunda influência da filosofia da ciência de Gaston Bachelard. Em  
conjunto com Alain Badiou hoje em posição muito diversa que aquela do marxismo,  
como, aliás, é comum àqueles que foram próximos de Althusser o autor de Pour  
Marx chega a dizer que:  
A ‘filosofia’ de Marx apresenta a característica única na história da  
filosofia, de romper com o passado ideológico e de estabelecer a  
filosofia sobre bases novas, que lhe conferem uma forma de  
objetividade e rigor teórico somente compatíveis com uma ciência.  
(ALTHUSSER; BADIOU, 1986, p. 49)  
Ou seja, não se pode acusar Althusser de ser alheio ao debate filosófico, nem  
mesmo de não ter se voltado ao texto do próprio Marx. Por vezes, inclusive, o autor  
se coloca de modo bastante perspicaz sobre uma considerável gama de assuntos; sua  
influência continua forte, também, por causa disso. Porém, o direcionamento da  
teorização althusseriana (ou, como ele gostava de se referir, de sua “prática teórica”),  
de modo aparentemente paradoxal, vai de uma problemática epistemológica ao elogio  
do posicionamento heideggeriano presente na famosa Carta sobre o humanismo.  
Ou seja, aquele que busca extirpar do marxismo, compreendido como uma  
ciência, os textos do “jovem Marx”, acaba por trazer ao campo do que chamou de  
“materialismo de encontro” (em que Marx supostamente se situaria) ninguém menos  
que Heidegger. O autor é claro quando diz que “de Heidegger, só li a Carta a Jean  
Baufret sobre o humanismo, que não deixou de influenciar minhas teses sobre o anti-  
humanismo teórico de Marx” (ALTHUSSER, 1993, p. 158). As críticas heideggerianas  
ao humanismo têm por alvo Jean-Paul Sartre, que afirmava que o existencialismo seria  
um humanismo. Posteriormente, o mesmo Sartre procura conciliar suas posições –  
marcadas pela noção de Geworfenheit (derrelição) heideggeriana com aquelas do  
marxismo; o autor da Carta sobre o humanismo, assim, vem a posicionar-se no debate  
francês, em que se tornava profundamente influente na época. Nota-se, assim: até  
mesmo um dos mais célebres marxistas franceses se vê influenciado pela ontologia  
heideggeriana.  
O caminho de Althusser, assim, é muito distinto do chasiniano. Se o autor  
brasileiro estuda as obras da década de 1840 de Marx, Althusser é influenciado por  
certas posições heideggerianas bem como pela filosofia da ciência e pela  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 23  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
epistemologia de sua época. E isso nos é central, ao olharmos à ontologia. Isso se dá  
pois, de certo modo, a descrição do impessoal [das Man], que leva à angústia e à  
abertura ao acontecimento [Ereignis] descrição de Heidegger, criticada por Lukács  
(2020) – encontra ecos no “materialismo de encontro” de Althusser, e na definição de  
comunismo do autor, mesmo que o autor, em O futuro dura muito tempo, afirme não  
ter lido Ser e tempo.  
Em seu livro autobiográfico, o autor de A favor de Marx, após ter passado por  
experiências traumáticas em razão da morte de sua mulher, diz o seguinte:  
Agora parece-me que sei, de fonte segura, que não há vida sem  
despesa, nem risco, nem portanto surpresa, e que a surpresa e a  
despesa (gratuita, e não mercantil: é a única definição possível de  
comunismo) não só fazem parte de toda a vida, mas são a própria vida  
em sua verdade última, em seu Ereignis, seu surgimento, seu  
acontecimento, como disse Heidegger tão bem. (ALTHUSSER, 1993,  
p. 99)  
O elogio a Heidegger é explícito. E, assim, tem-se não somente certa influência  
da posição “anti-humanista” do autor de Ser e tempo. Categorias centrais à  
tematização heideggeriana da época vêm a ser vistas como algo bastante proveitoso.  
Isso ocorre, inclusive, ao se ter em conta que a definição de comunismo de Althusser  
que não podemos tratar aqui acaba se relacionando diretamente à noção de  
acontecimento.  
Toda uma tematização althusseriana passa a ser influenciada por uma linhagem  
de “materialismo de encontro”, característica de autores como de Spinoza, Lucrécio,  
Epicuro e “autores ainda como Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Marx, Heidegger e  
Derrida” (ALTHUSSER, 2005, p. 9). A relação entre filosofia e política, assim, passa a  
ter em Heidegger autor também fundamental para Foucault e para o pós-  
estruturalismo uma referência importante. Tratar-se-ia de uma forma de materialismo  
sui generis de modo que diz o autor que “por comodidade, continuaremos a falar de  
materialismo do encontro”; no que ele continua: “porém, é necessário saber que  
Heidegger está nele incluído e que este materialismo do encontro escapa aos critérios  
clássicos de qualquer materialismo, e que precisamos, mesmo assim, de uma palavra  
para designar a coisa” (ALTHUSSER, 2005, p. 12). Althusser não só adere à descrição  
heideggeriana do “acontecimento”, ele toma autores que terão por central tal  
tematização como aqueles que se colocam na mesma linhagem que Marx. Assim, os  
temas do “materialismo de encontro”, em verdade, são aqueles que “aparecem de  
Nietzsche a Deleuze e Derrida, ao empirismo inglês (Deleuze) ou a Heidegger (com  
Verinotio  
24 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
ajuda de Derrida)”, e isso seria central pois eles “tornaram-se a partir de hoje familiares  
e fecundos para qualquer compreensão não só da filosofia, mas de todos seus  
pretendidos ‘objetos’” (ALTHUSSER, 2005, p. 25).  
Traçamos esse caminho para deixar claro que a influência heideggeriana e,  
portanto, os debates em torno da ontologia acabam por estar presentes naqueles  
autores que são essenciais para a compreensão da filosofia a partir do marxismo.  
Porém, não se trata só de enxergar isso. Em verdade, a porta aberta por Althusser será  
muito influente em abordagens sobre a política e a globalização como as de Hardt e  
Negri, que acabam explicitamente dialogando com Spinoza, Deleuze e com algumas  
categorias heideggerianas, como aquele do acontecimento. Ou seja, teorizações que  
antes não estavam presentes em posicionamentos à “esquerda” acabam por ser bem-  
vindas, inclusive, com certo diálogo com as posições marxistas, como as de Althusser.  
Foucault, explicitamente influenciado pela crítica heideggeriana ao Sujeito, é  
alguém que também dá base a grande parte dessas teorizações à esquerda. E mais:  
há uma importante relação do desenvolvimento de sua teoria com os posicionamentos  
de Althusser. Primeiramente, isso se dá porque o autor da Microfísica do poder  
questiona muito a distinção althusseriana entre “aparelhos repressivos” e “aparelhos  
ideológicos de estado”. Ou seja, em oposição aos debates da filosofia marxista, e com  
influência da ontologia heideggeriana (principalmente como recebida na França no  
momento posterior à II Guerra), desenvolve-se certa posição que se torna um ponto  
de partida importante para autores contemporâneos que abordam a política. Foucault,  
em seu A sociedade punitiva, também traz uma contraposição a Marx e a Althusser,  
tematizando a pena, a punição, o cárcere. Tal episódio francês do marxismo, portanto,  
acaba sendo decisivo para os rumos do tratamento contemporâneo da política. E, de  
nossa parte, não podemos deixar de apontar que isso se dá em antítese direta ao  
tratamento chasiniano do marxismo.  
Note-se que há meandros na passagem de uma abordagem marxista como a de  
Althusser até autores contemporâneos, como Negri e Hardt. Porém, percebe-se que  
esse caminho também é aberto por certa influência da ontologia heideggeriana. Os  
debates sobre a ontologia nos levam também a autores como Foucault, muito  
influentes em certa “esquerda”. Ou seja, longe de ser um disparate tematizar sobre a  
ontologia e a política em conjunto, tem-se uma necessidade, ao menos caso se adote  
a posição que procura colocar-se no sentido da defesa da emancipação humana e da  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 25  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
supressão da relação-capital.  
A tematização sobre a política está presente nesses autores que mencionamos,  
certamente. Porém, é preciso reconhecer que autores contemporâneos como Agamben  
e Mouffe (hoje, muito influentes) ainda bebem em pensadores que trazem a correlação  
entre ontologia e política de modo mais direto. Agamben, por exemplo, passa por  
Foucault, por Heidegger, chama Benjamin para o ajudar (com uma leitura, no mínimo,  
peculiar). Porém, quando se trata de trazer à tona uma teorização sobre a política, ele  
invoca Carl Schmitt. Mouffe, por sua vez, traz em seu favor certa problematização  
tipicamente gramsciana aquela da hegemonia e vem a se contrapor a Marx com  
base, não só em Schmitt e na distinção schimittiana entre a política e o político; ela  
remete diretamente a Heidegger e estabelece uma ligação entre política e ontologia  
da seguinte maneira:  
Se quisermos expressar essa distinção [entre político e política] de  
maneira filosófica, poderíamos dizer, recorrendo ao repertório  
heideggeriano, que a política refere-se ao nível “ôntico”, enquanto o  
político tem a ver com nível “ontológico”. (MOUFFE, 2015, p. 8)  
A distinção entre o político e a política sumamente negada por Chasin –  
aparece respaldada pela oposição heideggeriana entre o ontológico e o ôntico.  
Tal oposição trazida pelo autor de Ser e tempo, e que foi vista por Lukács como  
um verdadeiro monstro filosófico, não só atravessa a fundamentação filosófica de  
muitos daqueles que trazem posições políticas hoje. Em verdade, há uma derivação  
direta do político a partir da noção de ontologia. Tal dimensão do político vem a ser  
entendida como uma espécie de condição humana imutável, como em Mouffe:  
“entendo por ‘o político’ a dimensão de antagonismo que considero como constitutiva  
das sociedades humanas” (MOUFFE, 2015, p. 8). Política e ontologia, assim, trariam  
uma correlação similar àquela trazida na teologia entre criador e criatura; Lukács, por  
exemplo, destacou tal aspecto ao tratar da correlação entre ontológico e ôntico, da  
famosa “diferença ontológica” heideggeriana. Aqui, acreditamos que é possível falar o  
mesmo sobre a ligação entre o político e a política, até mesmo porque, diz Mouffe o  
seguinte: “entendo por ‘política’ o conjunto de práticas e instituições por meio das  
quais uma ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto conflituoso  
produzido pelo político” (MOUFFE, 2015, p. 8). A dependência da política frente ao  
político é clara, assim como ocorre, em Heidegger, na relação entre ôntico e ontológico.  
Ou seja, ao se tratar da política, não só se tem certa correlação com a ontologia; há  
Verinotio  
26 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
uma derivação direta das categorias fundamentais de algumas filosofias políticas a  
partir da ontologia.  
As referências ao autor de Ser e tempo, porém, são seletivas. O autor alemão  
tem uma posição segundo a qual o “esquecimento do ser” – que autores como Hannah  
Arendt relacionarão ao “esquecimento da política” – coloca-se já depois dos pré-  
socráticos e atinge um patamar elevado na modernidade. Heidegger, portanto, volta-  
se para trás, com aquilo que chamou de “passo-de-volta”; Mouffe, porém, louva os  
novos tempos colocados nos momentos posteriores à queda da União Soviética e  
procura novas possibilidades políticas com sua tematização do político. Ou seja, seu  
éthos é oposto àquele do filósofo alemão. Ela procura tratar da política (e do político)  
sem qualquer busca por algo “originário”. E, assim, ao contrário do que se dá com o  
tratamento heideggeriano da “ditadura da opinião pública” e do “impessoal” vem a  
louvar o elemento popular e democrático. Ao contrário de Heidegger, portanto, ela  
não tem qualquer nostalgia quanto à antiguidade. Defende as possibilidades da  
democracia moderna e pensa a política em meio às potencialidades que estariam mais  
claras justamente depois da derrota da União Soviética.  
Tal qual autores que procuram pensar a república a partir da ciência política,  
Mouffe e outros procura olhar para a democracia moderna. Que o aparato  
categorial que usa para isso traga consigo a posição oposta, parece não importar. O  
essencial se colocaria na defesa da oposição entre a política e o político. Para a autora  
que mencionamos acima, em analogia com o que ocorre com a ontologia fundamental  
de Heidegger, seria preciso pensar o político com todo o cuidado; em verdade, isso  
seria o decisivo. Tratar-se-ia de nada menos que algo fundamental à democracia:  
Sustento que é a falta de compreensão do “político” em sua dimensão  
ontológica que está na origem da atual incapacidade de pensar de  
forma política. (...) Estou convencida de que o que está em jogo na  
discussão acerca da natureza do “político” é o próprio futuro da  
democracia. (MOUFFE, 2015, p. 8)  
Heidegger passa de autor profundamente criticado por Lukács e pelos  
frankfurtianos a uma grande e explícita influência. E é preciso destacar: isso teve como  
elemento mediador o próprio marxismo althusseriano, como mencionamos.  
Porém, aqui não é o local para se tratar disso. Para nossos fins, deve-se deixar  
claro que a posição heideggeriana passa a ser decisiva no tratamento da política em  
diversos autores contemporâneos como Agamben, e a própria Mouffe. Isso ocorre  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 27  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
porque a “dimensão ontológica” seria aquela do conflito (segundo Mouffe, diferente  
do antagonismo e da contradição) sem o qual seria impossível pensar a democracia.  
Essa última, por sua vez, teria seu próprio futuro como algo dependente do político.  
E, assim, novamente, percebe-se que longe de ser um preciosismo filosófico tratar da  
ontologia, tem-se tal tema como algo que, quer se queira, quer não, paira no ar.  
A relação entre ontologia e política, nesse caso, aparece como algo explícito e o  
modo como autores como Mouffe marcam posição decorrem, por vezes diretamente,  
de seu posicionamento sobre a “ontologia fundamental”. A abordagem heideggeriana,  
de forte inspiração kierkegaardiana segundo Lukács, de início, coloca-se no próprio  
seio do marxismo althusseriano; hoje, porém, ela afirma-se diretamente em diversas  
concepções da filosofia política atual. E, com isso, a ligação entre ontologia e política  
precisa ser esclarecida com cuidado, como pretende fazer Chasin em sua obra.  
Sobre o tema, ainda é interessante notar que as tonalidades religiosas da  
ontologia heideggeriana não deixaram de ser destacadas pelo mesmo Lukács,  
sobretudo, em A destruição da razão. Dizemos isso porque um autor que vem a ser  
influente de modo bastante claro nas abordagens não marxistas que destacamos acima  
procurou justamente desenvolver uma teologia política, Carl Schmitt. Ele é mencionado  
inúmeras vezes como fundamento teórico por autores como Mouffe, Agamben, entre  
outros. Esse último, inclusive, não tarda a procurar ler pensadores como Benjamin por  
meio de Schmitt, tentando desenvolver também uma teologia política, que, por sua  
vez, voltar-se-ia ao tempo presente. E tal teorização vem fazendo muito sucesso em  
certa autoproclamada “esquerda”. Ou seja, a crítica à religião – segundo Marx,  
“pressuposto de toda a crítica” – acaba por dar lugar a uma teologia política. E, diante  
da não tematização explícita da ontologia, elementos essenciais da ontologia  
heideggeriana afirmam-se, mesmo que de modo meandrado, em meio aos  
posicionamentos políticos daqueles colocados à esquerda.  
Isso ocorre, mesmo que seja não seja um detalhe a posição de certa nostalgia  
presente em Heidegger em oposição à tematização contemporânea da política, que  
procura fincar o pé no presente para buscar avançar. Como mencionado, mesmo que  
de modo substancialmente distinto, isso ocorre também na ciência política que procura  
resgatar certa tradição republicana inclusive em Maquiavel para pensar o presente.  
Ou seja, paira no ar o posicionamento que vê a política como algo de atualidade  
gritante e que é fundamentalmente ligada às virtudes democráticas e republicanas. E  
Verinotio  
28 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
isso ocorre recorrendo-se, inclusive, a elementos importantes da teorização de um  
autor que não deixou de criticar a “ditadura da opinião pública” em Ser e tempo. Trata-  
se claramente de uma abordagem seletiva da teorização heideggeriana. Pode-se  
mesmo dizer que ela, em diversos sentidos, é pouco cuidadosa. Porém, o sentido geral  
é aquele oposto ao presente em Heidegger, o do elogio da república e da democracia  
contemporânea.  
A tematização do político, porém, nem sempre trouxe essa configuração. Em  
verdade, não deixou de se colocar com uma crítica fortíssima à política moderna e com  
o resgate de categorias supostamente presentes originariamente na tradição greco-  
romana.  
No que é preciso afirmar que um dos grandes teóricos do “político” é Carl  
Schmitt, que vem sendo retomado pelos autores mencionados acima, e por outros.  
Para ele, aliás, “o conceito de estado pressupõe o conceito de político” (SCHMITT,  
2009, p. 1). E, com isso, seria preciso tratar das dimensões fundamentais do político  
em oposição à política como conformada diuturnamente. Aliás, em oposição a esse  
elemento diuturno, Schmitt vem justamente a se voltar ao elemento extraordinário –  
em uma tonalidade que não deixa de lembrar a tematização heideggeriana do  
acontecimento, diga-se de passagem. Ao trazer à tona o político, diz o autor que “a  
contraposição política é a contraposição mais intensa e extrema, e toda dicotomia  
concreta é tão mais política quanto mais ela se aproxima do ponto extremo, o  
agrupamento do tipo amigo-inimigo” (SCHMITT, 2009, p. 31). Em oposição a tal ponto  
extremo, ter-se-ia a era das “neutralizações e despolitizações” em que o elemento  
técnico (também criticado por Heidegger, Spengler e outros pensadores da extrema-  
direita em solo alemão); ter-se-ia uma situação em que “a religião da crença nos  
milagres e no além logo se transforma, e sem membro intermediário, em uma religião  
do milagre técnico, das realizações humanas e do domínio da natureza.” Assim,  
segundo o autor, “uma religiosidade mágica transmuta-se em uma tecnicidade  
igualmente mágica” (SCHMITT, 2009, p. 31). O tratamento do político, no autor de O  
conceito de político, traz consigo esse diagnóstico, que não deixa de trazer uma  
conotação de certa tecnofobia, tal qual em Heidegger. E, assim, novamente, ontologia  
(ahistórica e sistemática) e política acabam por se ligar intimamente.  
E mais, a religião, como tal, não seria o problema para Schmitt. Isso ocorreria até  
mesmo porque ela teria sido secularizada e continuado ativa na política. O político,  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 29  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
assim, precisaria ser tratado em correlação com uma espécie de teologia política.  
Somente assim se remeteria para além de um pensamento superficial sobre a política.  
Schmitt posiciona-se em um momento em que o desenvolvimento das forças  
produtivas, aos seus olhos, parece não trazer qualquer avanço. Aliás, para que sejamos  
justos com ele, não se poderia falar sequer na aprovação de algo como o  
desenvolvimento progressivo de acordo com a malha categorial schmittiana. Não por  
acaso, as remissões do autor à Roma são muitas e são essenciais ao desenvolvimento  
de seu pensamento político, que tem como um grande tema as ditaduras (e não a  
república) romanas. A época moderna tudo mais mantido constante seria aquela  
de uma despolitização e de uma neutralização técnica. Falar em algo como  
desenvolvimento de forças produtivas de modo a trazer qualquer aprovação seria  
respaldar tal situação. Em O conceito de político, a despolitização, inclusive, aparece  
por meio da tentativa de colocar as determinações econômicas em primeiro plano. A  
afirmação do político vai contra isso:  
A ideia de um progresso, de melhorias, e aperfeiçoamento, em termos  
modernos: de uma racionalização, tornou-se dominante no século  
XVIII e, precisamente em uma época de crença moral-humanitária.  
Portanto, progresso significava, sobretudo, progresso no  
esclarecimento, progresso em formação, autodomínio e educação,  
aperfeiçoamento moral. Em um tempo de pensamento econômico ou  
técnico, o progresso é imaginado tácita e naturalmente como  
progresso econômico ou técnico, e o progresso mora-humanitário  
surge enquanto ainda interessa, como produto do progresso  
econômico. Quando uma área se converte na área central, os  
problemas das outras áreas passam a ser resolvidos a partir daí, sendo  
considerados tão-somente como problemas de segunda categoria,  
cuja solução se dá por si mesma quando apenas resolvidos os  
problemas da área central. (SCHMITT, 2009, p. 93)  
A crítica de Schmitt ao progresso traz consigo uma posição contrária ao  
esclarecimento e contra a “crença moral-humanitária”, na esteira da crítica de qualquer  
humanismo, diga-se de passagem. Há também uma forte resistência ao  
desenvolvimento econômico (que o autor não tarda a ver como sinônimo de técnico)  
de modo que o desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, das capacidades  
humanas em seu sentido mais amplo acaba por não confluir com a defesa do político.  
Isso não deixa de remeter às análises de Chasin sobre a base social da emergência e  
consolidação da politicidade; porém, destacaremos esse aspecto mais à frente. Esse  
desenvolvimento, de acordo com Schmitt, faria com que o político não aparecesse  
como tal, a partir da relação amigo-inimigo, sendo preciso reafirmá-lo de modo  
decidido. Para fazer isso, inclusive, seria preciso proceder remetendo a categorias  
Verinotio  
30 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
vigentes na Antiguidade e, em especial, na Antiguidade romana. Como é comum entre  
aqueles que se colocam no campo da filosofia política, e que distinguem entre a  
política e o político, o autor alemão traz para seu campo certa visão sobre a  
antiguidade, criticando as condições modernas e que taxa de liberais.  
Uma visada unilateral sobre a própria política aparece aqui, portanto. A remissão  
à Antiguidade traz consigo certo posicionamento, no limite, antimoderno. E, com isso,  
o modo como se configura a política desde o Renascimento (como mostra Chasin em  
sua leitura sobre Maquiavel), de um lado, voltando-se à Antiguidade, doutro, à  
centralização do estado, de início, em uma configuração absolutista, é eclipsado por  
uma unilateralidade pungente. E isso é visível ao se ter em conta outro elemento, a  
oposição entre legalidade e legitimidade. Schmitt vem a trazer a crítica à “mera”  
legalidade, que não necessariamente expressaria a legitimidade. Essa última, aliás, em  
determinado momento da carreira do autor de O conceito de político, e expressando  
a dimensão do político, e não só do estado, apareceu incorporada no Füher. Esse  
último, como todo o soberano, seria aquele que decidiria em meio ao estado de  
exceção. No que, novamente é preciso destacar: aqueles que se baseiam em Schmitt,  
como Agamben, Mouffe e muitos outros na filosofia política, na melhor das hipóteses,  
fazem uma leitura bastante seletiva.  
Uma posição reacionária e organicamente ligada à teoria do autor alemão é  
colocada entre parênteses e segue-se com a teoria do autor sobre a relação entre a  
política e o político como se nada tivesse acontecido. Com essas bases filosóficas,  
certamente, o futuro é ausente e a apologia do político se perpetua.  
Assim, se é verdade que as posições de Agamben e Mouffe, de um lado, e de  
Schmitt, doutro, são opostas até certo ponto, não se pode dizer o mesmo quanto a  
certa fundamentação ligada a uma concepção positiva sobre a política. Os autores  
contemporâneos não são críticos da modernidade ou possuem certa nostalgia quanto  
á antiguidade, tal qual ocorre no autor alemão. Mas, em todos esses casos, tem-se a  
política como o elemento social da filosofia. E, com isso, em verdade, não se trata só  
de uma concepção positiva, mas de um posicionamento em que só a política é que  
pode ter a dignidade daquilo a ser estudado e que tem a capacidade de ser resolutiva.  
Trata-se de um politicismo marcante e bastante evidente, portanto.  
Aliás, outra autora que é muito influente hoje Arendt não tarda a atribuir  
grande parte dos problemas modernos ao “esquecimento da política”. E, assim, vemos  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 31  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
que tendências muito fortes na filosofia política, bem como no campo das esquerdas,  
adotam uma visão positiva sobre política como ponto central de apoio. Em verdade,  
talvez seja em Arendt que os elementos que destacamos aparecem de modo mais  
claro.  
No caso da referida autora, a tematização sobre a política se dá em oposição  
àquilo que ela chamou de “elementos totalitários do marxismo” e que foi desenvolvido  
em diálogo com os cursos de Heidegger (sim, novamente) sobre Aristóteles a partir  
de uma teorização sobre A condição humana. Ao tentar resgatar do esquecimento a  
noção aristotélica de práxis, a autora traz sua teorização sobre a “ação”, que se  
colocaria essencialmente no campo político e em oposição à dimensão “social”, que  
teria se desenvolvido na modernidade quando o “trabalho” e o “labor” tivessem  
chegado à esfera pública. Aqui, a busca por uma condição humana fundamental (que  
pode ser pensada nos termos de uma ontologia a-histórica) redunda na defesa da  
política. Essa última, por sua vez, apareceria de modo originário na sociedade grega,  
em que as relações do homem com a natureza ficariam no âmbito da oikos. Ter-se-ia  
também a modificação da natureza como algo que não seria agressivo e se  
assemelharia muito mais ao trabalho artesanal. E, assim, também em diálogo com a  
tematização heideggeriana sobre a poiesis, Hannah Arendt acaba por trazer uma  
defesa da política em oposição ao “social”.  
Cabe destacar também que ela tem aversão à noção de revolução social.  
Sua teorização sobre a política não só parte da influência da ontologia de  
Heidegger. Com essa base, tem-se explicitamente uma oposição a Marx e ao marxismo,  
que apareciam com força. Isso ocorre em várias obras, como a mencionada A condição  
humana. Porém, ganha destaque nas teorizações da autora acerca da revolução, que,  
aliás, não deixaram de seduzir autores como Agamben, mas também alguns marxistas.  
Em Sobre a revolução, a autora equaciona sua teorização sobre a ação, que  
sempre teria um elemento de “milagre”, com o “novo começo”, supostamente presente  
em Agostinho. Tem-se, assim, os elementos principais da revolução. E aqui é preciso  
destacar a peculiaridade desse tratamento, que faz com que ele pareça aprazível para  
a esquerda: Hannah Arendt traz um elogio à revolução. Porém, é preciso destacar o  
modo como isso ocorre. De um lado, o novo começo que é destacado pela autora  
remete ao passado, mais precisamente ao conceito de fundação presente (também  
supostamente) em Maquiavel e, de modo mediado, em Roma. Ou seja, a autora volta-  
Verinotio  
32 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
se ao passado e traz tanto certa grecofilia ao falar da ação quanto uma apologia da  
república romana. A revolução, portanto, não é o resultado do ímpeto de transformar  
conscientemente as condições de vida (isso seria basear esse “acontecimento” no  
trabalho); ela também não traz a chegada do povo trabalhador à esfera pública (isso  
significaria ter por central o labor).  
Antes, a revolução digna de ser defendida seria o resultado de um ato político  
que, somente por uma infeliz circunstância, teria sido realizado junto com um ímpeto  
“social”.  
Mencionamos a teorização da autora somente para deixar claro que a correlação  
que ela estabelece entre a ontologia (no caso, heideggeriana) com a política traz  
consequências decisivas. É sintomático também que a autora tenha que colocar entre  
parênteses a determinação social dos acontecimentos políticos que trata: na  
antiguidade, a escravidão; na modernidade em que elogia a Revolução Americana e  
os “pais fundadores” em oposição à Revolução Francesa e o “povo raivoso” – as  
condições produtivas que trazem o capitalismo americano em confluência com a  
escravidão moderna. O fato de autores muito influentes na esquerda tomarem Arendt  
como referência diz muito sobre que tipo de futuro nos espera se não houver uma  
mudança de rumos. O futuro ausente, de J. Chasin, é um lembrete, e um alerta sobre  
isso. E, assim, caso se queira levar a sério a compreensão da política, não há como  
ficar restrito àquilo que vem sendo escrito sobre o assunto, ora mais ora menos, com  
base em uma ontologia ahistórica e tendo por elemento decisivo um elogio ora mais  
ora menos nostálgico da política.  
A emergência da política diante da dissolução das equações societárias  
comunais e da consolidação da comunidade antiga  
Diante do senso acrítico e eclético que permeia a visão de mundo posterior à  
derrocada da União Soviética, Chasin afirma a historicidade da política e, portanto, a  
impossibilidade de confundi-la com a sociabilidade. Assim, afasta-se tanto do senso  
comum da direita quanto daquele da autoproclamada esquerda.  
Ao contrário do que ocorre com os autores da filosofia e da teoria política, e na  
esteira do que é teorizado por Marx durante toda a sua obra, o autor de O futuro  
ausente diferencia a sociabilidade da politicidade. O homem pode ser compreendido  
como um ser social, mas o atributo político tem limites temporais e sociais que  
precisam ser enfatizados e entendidos. No entanto, nada mais alheio a Chasin que  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 33  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
tratar como simples erro subjetivo ou mera má-fé uma compreensão ontopositiva da  
politicidade. E, também por isso, seu texto tanto reafirma a necessidade da crítica da  
política quanto traz consigo uma compreensão sobre a importância que essa esfera  
típica das sociedades marcadas pela existência das classes sociais, da família patriarcal,  
do direito e do estado. Ou seja, não basta criticar aqueles que hoje trazem a política  
resolutiva das contradições e das oposições sociais. É preciso mostrar que tal tipo de  
formação ideal que, como ideologia, tem uma função ativa tem uma base material  
e histórica precisas, e que remetem à compreensão de algumas determinações da  
política, que precisam ser explanadas.  
O primeiro atributo da política que precisa ser destacado é sua historicidade, que  
remete à diferença específica da política diante de outras esferas, como a arte, por  
exemplo. A questão pode parecer se voltar contra certa concepção pós-estruturalista,  
que, na esteira da estetização da política (também comum no irracionalismo fascista),  
apagou as linhas que demarcam o estético e o político. Porém, não é disso somente  
que se trata.  
Basta pensar na tese, trazida por Coutinho para o Brasil, sobre a “democracia  
como valor universal”. Ali, o autor brasileiro pontua corretamente que Marx destaca o  
fascínio que a arte grega ainda nos causa e traz à tona a universalidade da arte grega.  
Porém, disso, o autor dá um salto: da universalidade da arte grega, vai-se à  
possiblidade de se trazer a democracia e ainda mais como valor como algo  
universal. Não podemos aprofundar esse embate; porém, é preciso apontar que é mais  
do que necessário apontar a especificidade da arte de um lado, e da política doutro.  
Isso ocorre até mesmo porque há certamente certo fascínio que os gregos exercem no  
homem moderno; porém, isso se dá, de acordo com J. Chasin, em correlação com as  
relações econômicas gregas e com a imaturidade da sociabilidade grega. Assim, há  
certa universalidade nas formações estéticas que decorrem das grandes obras gregas;  
porém, a sociabilidade grega, e as formas políticas que dela decorrem, são marcadas  
por determinações muito específicas.  
Veja-se Chasin sobre o encanto que os gregos ainda exercem sobre nós, bem  
como sobre o modo que interpretação da sociedade grega marcou o Renascimento:  
Para que o encanto não seja pueril, há que entender que aquilo que  
nos gregos nos fascina e que, antes, fascinou o espírito do  
Renascimento não está em contradição com a natureza primitiva da  
sociedade em que floresceu, mas indissoluvelmente interligado à  
imaturidade de sua tecelagem societária. (CHASIN, 2012, p. 61)  
Verinotio  
34 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
O encanto exercido pelos gregos é um fato, e não pode ser negado. Aliás, como  
vimos, não são raros aqueles que remetem aos gregos para tentar teorizar sobre as  
supostas virtudes da politicidade, ainda hoje. Porém, é preciso enxergar o modo pelo  
qual, ao mesmo tempo, a sociabilidade grega nos fascina e é socialmente determinada.  
Chasin destaca justamente que as condições para que a sociabilidade grega  
ainda nos marque, tal qual as razões de ela ter influenciado profundamente o  
Renascimento, estão em sua natureza primitiva, bem como em sua imaturidade.  
Remetendo à Introdução de 1857, de Marx, o autor paulista procura mostrar como  
nossa infância, de certo modo, também está nos gregos. E, ao trazer tal aspecto, já  
fica vedada uma hipótese que parece permear o pensamento político moderno de  
tempos em tempos: não há como simplesmente tomar a infância como critério da  
maturidade. Não há como se ter qualquer romantismo ou nostalgia quanto à  
sociabilidade grega ou a política e a arte gregas.  
Para que possamos nos expressar de modo mais próximo a Marx: uma chave  
para a anatomia do macaco está na anatomia do homem, que é mais madura e  
evoluída. Sejamos claros: Chasin escapa de dois erros correlatos. De um lado, ele sabe  
que não há como ignorar o encanto que os gregos exercem; doutro, fica claro que tal  
encanto depende justamente da imaturidade da tecelagem societária vigente à época.  
Não há como tomar o macaco como a chave da anatomia do homem; também é  
impossível tomar a anatomia do homem acriticamente como a única chave que explica  
a anatomia do macaco.  
E, ao tratar da política e daqueles que tomam como ponto de partida uma  
determinação ontopositiva da politicidade tal aspecto pode ser decisivo.  
Primeiramente, porque nota-se, em geral, a total ausência de questionamento sobre o  
caráter histórico e limitado da política. Em segundo lugar, tem-se que desatacar tal  
aspecto pois, de modo geral, a filosofia política, bem como a ciência política, acaba  
por cair em um dos erros correlatos que mencionamos. Chasin, dessa maneira, é  
forçado a voltar à própria gênese da política e do pensamento político. Para isso,  
precisa passar pela própria dissolução das comunidades primitivas, que é tema tanto  
da arte grega quanto de sofisticadas concepções políticas sobre a moderna sociedade  
civil-burguesa (basta pensar em Hegel, Höderlin e Schelling, por exemplo, como bem  
apontou György Lukács em seu estudo sobre Hegel).  
Para poder tratar com cuidado da política grega, portanto, Chasin está ciente  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 35  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
desses debates. Porém, não pode adotar seus pontos de partida acriticamente, sendo  
preciso tratar da própria dissolução das formações sociais de tipo comunal, que são  
objeto do pensamento grego e que marcam tanto a arte grega como autores como o  
jovem Hegel.  
Em O futuro ausente, há um destaque especial para a correlação existente entre  
a individualidade, a comunidade e a emergência da política. Como aponta o autor:  
Nas equações societárias de tipo comunal, a existência objetiva do  
indivíduo como proprietário das condições materiais de trabalho é um  
pressuposto real, antecede e não deriva do trabalho, do mesmo modo  
que ele é proprietário sob condições que o vinculam ao agregado  
social, que fazem dele um elo da cadeia comunitária, sendo que esta  
mesma, por sua vez, aparece igualmente como pressuposto efetivo,  
como condição da produção de cada um dos indivíduos que existem  
sob forma subjetiva determinada. (CHASIN, 2012, p. 62)  
Há de se notar que as equações societárias comunais trazem os indivíduos como  
proprietários de suas condições materiais de trabalho. Isso precisa ser destacado não  
só quanto a esse conteúdo específico, mas pelo modo pelo qual isso ocorre: o  
pressuposto real da sociabilidade que se desenvolve sob as condições mencionadas  
ampara-se na propriedade coletiva, que caracteriza essa sociedade. Essa propriedade,  
aliás, não deriva do trabalho. Para que sejamos claros, não se tem uma “centralidade  
do trabalho” em comunidades ainda não marcadas pela emergência da política. Os  
indivíduos são elos da cadeia comunitária e não se tem ainda a produção e a esfera  
pública autonomizadas.  
A própria cadeia comunitária aparece como um pressuposto ao lado da  
propriedade das condições materiais de produção. E, assim, as individualidades estão  
completamente ligadas em uma unidade com o gênero humano. Chasin é claro sobre  
isso:  
Portanto, em semelhantes conglomerados humanos, indivíduo e  
gênero são imediata e transparentemente inseparáveis e suas relações  
traduzem essa unidade fundamental, tornando desconhecida e  
impensável qualquer tipo de cissura que contraponha ou, menos  
ainda, torne excludentes entre si as figuras de sua polaridade.  
(CHASIN, 2012, p. 62)  
Ao mesmo tempo em que indivíduo e gênero não se opõem, não há como se ter  
qualquer nostalgia quanto aos conglomerados mencionados. Isso ocorre,  
primeiramente, devido à forma pela qual se dá a inseparabilidade mencionada: há uma  
unidade imediata.  
Verinotio  
36 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Depois, há de se destacar que o pressuposto para o desenvolvimento das  
capacidades humanas que começa a aparecer na arte grega, por exemplo, mesmo  
que de modo seminal está justamente no rompimento dessa unidade. As figuras do  
indivíduo e do gênero não são excludentes ou contrapostas, certamente. E esse é o  
ponto de partida para o desenvolvimento da política grega, que pretende manter tal  
aspecto. Porém, não há como deixar de destacar que isso trazia consigo cidadãos  
isonômicos somente na medida em que em que se tem, tanto um baixo grau de  
desenvolvimento de forças produtivas, quanto a escravidão, que dá a tônica das  
condições materiais de produção que vêm a se desenvolver na produção grega que  
supera as equações comunitárias do tipo comunal. A política grega, portanto, traz  
consigo tanto a imaturidade da produção comunal (embora mais desenvolvida  
comparativamente à última, certamente) quanto certa problematização, marcada por  
uma irresolução congênita, da contraposição entre indivíduo e gênero. O modo político  
de problematização assim supõe.  
Chasin, assim, trata tanto da existência objetiva de indivíduos que são  
proprietários de suas condições materiais de produção quanto da necessidade do  
rompimento da unidade que caracteriza tal forma produtiva. O trabalho, na figura da  
escravidão primeiramente, vem a autonomizar-se somente com dissolução da unidade  
imediata entre indivíduo e gênero humano. Isso, ao mesmo tempo, traz um avanço:  
rompe-se com o imediatismo de uma produção que não deriva do trabalho, mas da  
propriedade coletiva colocada como um pressuposto real. A ligação imediata do  
indivíduo com a comunidade, posteriormente, rompe-se e se tem uma separação  
importante para O futuro ausente: trata-se do desenvolvimento de uma forma opositiva  
de sociabilidade, que dá espaço à emergência da política. Há de se notar, portanto,  
que o surgimento da política depende de certas determinações colocadas no plano da  
produção. E, de modo mais geral, ela traz consigo a dissolução das equações  
societárias do tipo comunal.  
A política grega depende de tal elemento, como não poderia deixar de ser. E,  
assim, as equações comunais trazem consigo tanto elementos positivos quanto  
negativos, que como é evidente para aqueles educados no pensamento de Marx –  
não podem ser separados em qualquer crítica imanente. Ainda sobre essas equações,  
Chasin não deixa de destacar que a unidade entre indivíduo e gênero, bem como entre  
as condições materiais de produção e as individualidades, e com formação de suas  
subjetividades, precisam ser entendidas sem quaisquer romantismo ou nostalgia. Ao  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 37  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
se considerar os aspectos positivos, eliminados com a política como mediação social:  
Por outro lado eis a dimensão negativa, tão inerente a tais formações  
quanto seu aspecto mais positivo, da qual também é inseparável:  
todas as formas em que a comunidade pressupõe sujeitos em  
determinada unidade objetiva com as condições da atividade  
produtiva, ou, reciprocamente, na quais uma específica existência  
subjetiva faz com que a própria comunidade seja pressuposta como  
condição de produção, todas elas, diz Marx, “correspondem  
necessariamente e por princípio a um desenvolvimento limitado das  
forças produtivas”. (CHASIN, 2012, p. 62)  
Não deixa de ser surpreendente que tenha sido preciso assim como ainda é  
hoje em dia lembrar a marxistas que é necessário considerar o desenvolvimento das  
forças produtivas como algo essencial. Com esse desenvolvimento, vem mesmo que  
de modo profundamente contraditório o incremento das capacidades humanas; que  
esse incremento traga consigo a oposição entre indivíduo e gênero, sociedade e  
estado, condições materiais de produção e o trabalho é necessário se destacar sempre.  
Sempre há uma indissociabilidade entre a produção social e a as formas políticas que  
se desenvolvem. E Chasin, em O futuro ausente, está justamente explicitando tal  
aspecto.  
A unidade objetiva dos indivíduos com suas condições de produção, vigente na  
equação societária comunal, depende do desenvolvimento limitado das forças  
produtivas. A base objetiva da unidade entre indivíduo e gênero, bem como entre as  
subjetividades e a própria comunidade, está no escasso avanço das capacidades  
sociais dos homens. A própria comunidade é pressuposta como condição de produção,  
nessas equações societais, na medida em que a manutenção mesma da forma  
comunitária de produção é um retrocesso, e não um avanço. E, de acordo com J.  
Chasin, as condições objetivas que marcam a emergência da política como mediação  
social estão na dissolução dessa condição. A política, portanto, é desde o início, uma  
marca de sociedades presas a estágios produtivos em que há entraves seríssimos ao  
desenvolvimento das forças produtivas.  
O próprio fascínio da arte grega diante da dissolução das equações societárias  
comunais traz consigo tais elementos profundamente contraditórios. Ao mesmo tempo  
em que há certa nostalgia quanto a uma condição perdida, há uma tentativa de  
resolução dos grandes problemas sociais por meio daquilo que pressupõe tal  
dissolução e a mantém, a política. Essa última é lançada ao centro da sociedade grega  
somente ao passo que se tem a produção escravista, bem como a oposição –  
Verinotio  
38 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
objetivamente trazida pelo processo de dissolução das comunidades antigas entre  
o destino dos indivíduos e o gênero.  
Ao analisar a emergência da política como mediação socialmente necessária,  
portanto, não se tem o político contra a política. Antes, nota-se que o processo de  
desenvolvimento das forças produtivas relaciona-se intimamente, não só com  
mudanças nas relações de produção, mas também nas próprias formas políticas. Assim,  
há de se compreender a correlação existente, em cada momento histórico, entre  
determinadas formas de sociabilidade e a conformação objetiva das formas políticas.  
A política na Grécia e na Roma antigas: o baixo desenvolvimento das forças  
produtivas como ponto de partida e de chegada  
A dissolução das equações societais do tipo comunal são o pressuposto do  
desenvolvimento “normal” da infância mencionada por Marx; isso, porém, não significa  
que não existam outros tipos comunais de sociedade. Chasin trata do desenvolvimento  
grego tanto por ser aquele considerado clássico quanto porque dele derivam várias  
formas de se pensar a política, particularmente, na filosofia e na ética em especial. Ou  
seja, O futuro ausente não só é um texto inconcluso: ele também não pretende ser  
exaustivo de modo algum. Traz apontamentos sobre a política, sobre sua gênese e  
desenvolvimento, tanto no que toca a sua determinação social quando ao se passar  
pela sua teorização. Mas não se pode trazer qualquer resposta global e singular a  
partir do texto, que pode ser um excelente ponto de partida, mas, hoje, não pode ser  
o ponto de chegada para nós.  
J. Chasin não tematiza no texto só para que fiquemos em equações sociais  
tratadas por Marx da comuna germana, da comuna agrária russa ou da comuna  
existente na Irlanda. O autor brasileiro, assim, não está trazendo uma história ou uma  
teoria completa da política no texto que aqui tratamos. Permanecendo em um grau  
elevado de abstração, assim, vem a explicitar a forma típica pela qual a política se  
entifica na moderna sociedade civil-burguesa, tanto em termos práticos quanto no que  
diz respeito à teoria. Com isso, após passar pela dissolução da das formas comunais  
gregas, ele destaca como que Grécia e Roma trazem formas políticas que trazem certo  
encanto, mas decorrem de um baixíssimo grau de desenvolvimento de forças  
produtivas. A partir disso, procura demonstrar que a teorização grega e todo o  
entusiasmo que dela decorre tem como base real tal imaturidade da forma societal,  
bem como uma produção minguada e limitada.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 39  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Isso certamente não é pouco. E é preciso deixar claro: vai além de quase todas  
as teorizações autoproclamadas marxistas, que, na maioria das vezes, sequer buscam  
abordar, por exemplo, a especificidade da política diante de outras esferas do ser  
social.  
Ao tratar da diferença específica da política, o autor passa por sua gênese, como  
mencionamos. Porém, ele ainda precisa explicitar as determinações sociais que fazem  
com que a política possa adquirir importância decisiva, por exemplo, na sociedade  
antiga.  
Um aspecto insistentemente trazido à tona no que toca o assunto diz respeito  
às limitações de uma sociabilidade que pretenda apoiar-se (sem nunca poder real e  
efetivamente fazê-lo) na política. Ao se olhar para a sociedade antiga, percebe-se que  
se trata de formações sociais baseadas na escassez e que trazem consigo a escravidão  
como condição. A fragilidade, bem como as limitações gregas, é que engendram a  
política.  
Foi a fragilidade da comunidade antiga que fez brotar pela primeira  
vez a política em seu perfil mais atraente, não como produto de suas  
melhores qualidades, mas precisamente da pequenez de suas  
energias societárias ou da extensão restrita de suas grandezas  
intrínsecas. Encarar, em suma, que a política como fato e idealização  
é a filha bastarda da infância grega, ou seja, que comunidade real,  
porém incipiente ou atrófica, e bastardia política formam o  
indissolúvel cinturão de ferro da civilização antiga. (CHASIN, 2012, p.  
64)  
A forma mais atraente da política grega ainda necessita da reminiscência da  
comunidade real existente nas equações sociais de tipo comunal. E, assim, pode-se  
dizer que política, desde seu nascimento, traz certa idealização de uma época  
precedente.  
Mesmo que não se possa acriticamente generalizar esse apontamento chasiniano,  
não deixa de ser interessante lembrar que, de acordo com Marx, a Revolução Francesa  
de 1789 procurou usar as vestes da república romana, tal qual em 1848, mesmo que  
de modo cômico, por vezes, tentou-se usar as vestes da própria Revolução Francesa.  
O que vale destacar aqui é que o perfil mais atraente da política, em sua gênese, trouxe  
certa idealização das equações sociais do tipo comunal; a comunidade antiga traz isso  
em seu bojo. Ou seja, a política traz certo desenvolvimento desigual em relação às  
formas ideológicas pelas quais os indivíduos tomam consciência das contradições  
sociais da sociedade. Tal caráter faz com que, mesmo na situação mais atraente, aquela  
Verinotio  
40 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
da comunidade antiga, a política, ao fim, esteja baseada no melhor dos casos em  
certa ausência de consciência sobre o ser-propriamente-assim da sociedade. A política,  
em seu perfil mais atraente, é um fruto da infância normal da humanidade, e falar em  
infância significa falar em imaturidade; Chasin, assim, diz que a política é uma filha  
bastarda da infância grega. Como fato, ela deriva da dissolução das equações sociais  
do tipo comunitário; como idealização, ela parte das ilusões acerca da possibilidade  
da retomada daquilo cuja dissolução é uma necessidade e que conforma a comunidade  
antiga.  
A formulação de O futuro ausente é aquela segundo a qual a comunidade real e  
a bastardia política são uma espécie de cinturão de ferro da civilização antiga. Ou seja,  
as idealizações políticas e as limitações da comunidade antiga não podem ser  
dissociadas.  
Querer separar esses dois elementos seria profundamente equivocado. E, assim,  
se é comum certa idealização da política grega, isso só se dá com certa separação  
entre esses aspectos indissolvíveis do “cinturão”. E mais, toma-se a limitação, ligada à  
pequenez das energias societárias, bem como a restrita extensão das grandezas  
intrínsecas a tal forma social, como um mero detalhe e contingência. Não por acaso,  
aquilo que podemos chamar de certo proudhonismo teórico é comum ao tratar da  
política grega, buscando-se separar o “lado bom” do “lado mau”. A unilateralidade de  
tal procedimento pode ser muito bem analisada a partir do texto de J. Chasin, que  
figura como ponto de partida importante na crítica imanente às formações ideais  
eivadas pelo politicismo e, portanto, unilaterais. Parte substancial das posições  
politicistas acabam trazendo certa posição grecofílica (basta pensar na mencionada  
Arendt, ou em Strauss) e isso só pode ser elaborado teoricamente ao se retomar o  
pensamento e a prática gregas colocando entre parênteses aquilo que acompanha a  
política antiga, em especial, na democracia grega.  
Há, desse modo, segundo o filósofo paulista, uma ligação intrínseca entre a  
emergência de algo “externo” à própria comunidade, certo estranhamento diante dela,  
e uma sociabilidade restrita, limitada e atrófica. O elogio à política antiga acaba por  
ser uma espécie de apologia a uma potência estranhada do ser social. De acordo com  
o autor de O futuro ausente, a política, mesmo em sua forma baseada na infância  
normal e em seu perfil mais atraente, expressa tanto as virtudes intrínsecas quanto os  
vícios da sociabilidade grega e romana. O fato de o grau de idealização da política ser  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 41  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
maior no caso grego que no romano não pode ser tratado agora com cuidado; no  
entanto, ao analisar a posição chasiniana sobre Maquiavel, veremos como isso tem  
profundas influências na conformação da política moderna. Aqui, porém, é preciso  
destacar somente: a política aparece como resultado de sérias limitações das formas  
comunitárias que são engendradas posteriormente à dissolução das equações  
societais de tipo comunal.  
Deve-se dizer também que essas formas são, ao mesmo tempo, algo impossível  
de ser retomado objetivamente e algo que anima a idealização presente na política. A  
oposição entre sociabilidade e politicidade traz essa duplicidade consigo. E, com isso,  
a idealização passa a conviver com o caráter prático da política. Assim, ela, ao mesmo  
tempo, é efetiva e não pode apreender o ser-propriamente-assim da sociedade.  
A política traz consigo limites e limitações, certamente. Porém, não basta  
constatar isso. É preciso explicar essa determinação da política a partir da conformação  
objetiva da própria sociabilidade que lhe dá base. Algo importante nesse sentido pode  
ser olhar como Chasin equaciona as limitações comunitárias antigas com os horizontes  
estreitos da sociabilidade antiga, bem como, portanto, da política antiga:  
Uma comunidade, enquanto condição de possibilidade da exercitação  
vital dos indivíduos, que seja restrita, parca e estreita no potencial que  
subscreve a todos que a integram, por isso mesmo rigorosamente  
referenciada ao metro como idealidade máxima, o que redunda em  
horizontes conformistas, estanques e estrangulados de convivência e  
interatividade, não contém, nem poderia conter, puras e exclusivas  
forças ou energias inerentes à sociabilidade propriamente dita para  
ordenar e manter, sem mais, a organização comunitária. Pelos seus  
próprios limites ou insuficiências necessita de algo “externo”, para  
além dela, ou melhor uma força extra que a confirme e complete  
e com isso a viabilize enquanto aparato dinâmico de sustentação do  
ordenamento social. Força extra que, obviamente, não tem de onde  
provir a não ser do próprio tecido comunitário. (CHASIN, 2012, p. 63)  
São as limitações do tecido comunitário antigo que dão ensejo e exigem a  
política. O fato de que as comunidades grega e romana trazem consigo um parco  
desenvolvimento de suas próprias energias, bem como das forças produtivas, exige  
algo que se coloque como externo à própria comunidade. O estado e a política são  
um fruto dessa situação.  
Chasin, portanto, está explicitando o solo social da política; ele mostra como que  
não há, de modo algum, como fazer uma história autônoma dela. Sua história remete  
ao processo unitário de conformação do ser social da sociedade antiga. E o autor de  
O futuro ausente constata que o surgimento de uma potência “externa” depende da  
Verinotio  
42 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
fragilidade das interações comunitárias, calcadas na produção escravista e no baixo  
grau de produtividade do trabalho; nessa situação, “toda a potência humano-societária  
aí se resume à força coagulante das relações comunitárias” (CHASIN, 2012, p. 63);  
assim, não há qualquer abundância, ou energias extras para que se possa incrementar  
as capacidades humanas. De acordo com Chasin, isso leva a uma situação em que uma  
comunidade restrita e estreita, como a antiga, exige algo que se coloque acima dela.  
A política emerge das fraquezas da comunidade antiga, e não daquilo que é  
intrinsicamente rico nela.  
Por mais que no seio da comunidade antiga floresçam teorizações  
sofisticadíssimas, como aquelas da ética aristotélica que tem na noção de medida  
um elemento importante isto não poderia levar ao avanço das capacidades humanas.  
Ao contrário. O próprio ideal de medida, de acordo com Chasin, não deixa de  
pressupor horizontes conformistas, bem como uma imaturidade da forma de  
sociabilidade desenvolvida. A infância da humanidade, mesmo que possa fornecer  
muito entusiasmo, não pode oferecer quaisquer parâmetros (ironicamente, podemos  
dizer que não pode oferecer “a medida”) para a atividade comunitária. A política antiga  
e a idealização inerente a essa trazem consigo uma organização comunitária que não  
consegue, por suas próprias forças sociais, manter-se. Dessa incapacidade que surge  
a força do poder político.  
Trata-se da fragilidade do tipo de sociabilidade que se desenvolve na  
Antiguidade. De seus deméritos, e não de seus méritos, emerge a política como  
mediação social.  
Pode-se dizer que a força extra que dá apoio político para o ordenamento social  
decorre, ao mesmo tempo, das limitações mencionadas e da ainda maior restrição às  
potencialidades colocadas no seio da própria sociabilidade. Aliás, de acordo com O  
futuro ausente, não é doutro local senão da própria sociabilidade agora marcada por  
uma potência estranhada que a política surge e se mantém. Tem-se a usurpação de  
potências sociais e a formação de algo “externo” e que conforma uma força extra. E,  
nesse sentido, Chasin não deixa de apontar que o elogio da política antiga não poderia  
significar senão a aceitação de uma exercitação vital dos indivíduos que fosse parca e  
estreita.  
Trata-se do elogio de uma “satisfação limitada”, como disse o autor de O capital.  
A partir de Marx, diz Chasin que a medida da ética grega, a política antiga, o  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 43  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
mencionado estranhamento, bem como as lições destacadas são inseparáveis:  
Em suma, o que agora se destaca, e ainda com palavras de Marx, é  
que “o mundo antigo representa uma satisfação limitada” do homem.  
Um universo reduzido de formas acabadas e contornos definidos, de  
sendas estreitas e curtos horizontes, que nunca saem do campo visual  
dos agentes e delimitam suas equações teleológicas. Toda a potência  
humano-societária aí se resume à força coagulante das relações  
comunitárias, toda ela transpassada por uma lógica adstringente que  
enerva densa malha de resguardos estabilizadores, reiterando e  
multiplicando fronteiras. Donde provém a decisiva inclinação grega  
pela medida, ou mais precisamente pela idealizada justa medida.  
Marca da sabedoria helênica, a ideia de medida traduz antes de tudo  
a presença e a consideração permanente dos limites da comunidade  
e dos indivíduos. E é só pela autolimitação, singular e universal, que  
a autonomia e a autarquia gregas, tanto dos indivíduos como das  
comunidades, podem vir a ser prática e pensamento. Sob essa matriz,  
a civilização helênica é o justo império racional dos limites e das  
limitações, tal como não pode deixar de ser a feliz normalidade da  
infância. (CHASIN, 2012, p. 63)  
A limitação da comunidade antiga é tal que as equações teleológicas dos  
indivíduos se colocam como algo intrinsicamente estreito. Os horizontes curtos, assim,  
podem até mesmo nos causar fascínio; mas o fazem justamente devido ao fato de que  
tomam o universo como algo definido e acabado (ao contrário do que a própria prática  
comprova com a emergência do capitalismo em que aquilo que é sólido desmancha-  
se no ar, para que se fale com o Manifesto). A historicidade das relações sociais, bem  
como a processualidade do ser aparecem eclipsados; as fronteiras insuprimíveis  
acabam por caracterizar a antiguidade, bem como as visões de mundo que decorrem  
da sociabilidade antiga. A idealização política da comunidade antiga, portanto, não é  
só um disparate hoje. Ela acaba trazendo consigo, na melhor das hipóteses, um elogio  
ao atraso.  
Ao se tratar da política vigente na sociedade antiga, é preciso destacar: aquilo  
que Chasin chama de força coagulante das relações comunitárias dá a tônica da  
potência social, que se vê adstringida. A política, mesmo em sua forma mais atraente,  
é marcada pelas limitações na sociabilidade que mencionamos; e mais, de acordo com  
O futuro ausente, ela se mostra como tanto mais pronunciada quanto menos  
sustentáveis são as formas sociais nas quais se baseiam. A autolimitação, a medida, a  
temperança etc. fazem parte da ética de uma sociabilidade marcada pelo caráter  
limitado das potências humano-societárias. A autarquia antiga principalmente a  
grega, de acordo com Chasin também decorre desse cenário, de modo que, por mais  
normal que seja a idealização da antiguidade nas teorizações sobre a política, tem-se  
Verinotio  
44 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
uma verdadeira impossibilidade de trazer quaisquer ideais gregos (ou romanos) à  
moderna sociedade capitalista.  
Na moderna sociedade civil-burguesa, impera o elevadíssimo grau de  
desenvolvimento das forças produtivas, o rompimento de barreiras sociais e de  
fronteiras, a impossibilidade de se traçar limites precisos e muito mais. Ou seja, sob  
esse aspecto, pode-se dizer: a sociabilidade burguesa é a antítese direta da grega.  
Aquilo que começa a se tornar claro no Renascimento a importância da atividade  
humana na conformação das condições objetivas que dão ensejo às potencialidades  
humanas está longe de ser uma realidade na sociabilidade antiga. A política antiga,  
assim, é tanto marcada pela imaturidade da produção quanto pelo caráter tacanho dos  
pores teleológicos individuais.  
A satisfação do homem, nessas condições, só pode ser limitada. Aliás, os  
horizontes políticos e comunitários são tão estreitos que se busca estabilização e uma  
tentativa de equilíbrio, representados filosoficamente no ideal de justa medida. Ela,  
bem como a temperança caracteriza a ética grega, reafirmam a necessidade de limites,  
limitações. A normalidade da infância, de acordo com J. Chasin, assim supõe.  
O equilíbrio precário da sociabilidade antiga é a base da política que aí emerge.  
E, pelo que dissemos, só é possível que essa situação seja perpetuada, de um lado,  
mantendo-se as restrições e o caráter tacanho da produção escravista e, doutro, com  
uma força extra que seja usurpada do próprio seio da comunidade, transmutando  
potências sociais e poder político. O baixo grau de desenvolvimento social, as limitadas  
capacidades humanas, bem como “um universo reduzido de formas acabadas e  
contornos definidos, de sendas estreitas e curtos horizontes” são o ponto de partida  
e o ponto de chegada da comunidade e da política antigas. E, também por isso, há  
certa insustentabilidade na sociabilidade antiga, que é acompanhada do caráter  
pronunciado das formas políticas.  
Por seus limites, debilidades e incipiências intrínsecas, a comunidade  
antiga (o exemplo grego é a melhor iluminura) não é socialmente  
autoestável, é incapaz de se sustentar e regular exclusivamente a  
partir e em função de suas puras e específicas energias sociais. Esta  
incapacidade ou limite social engendra a partir de si mesma, em  
proveito  
e
em vista da estabilidade comunitária, uma  
dessubstanciação social como força extrassocial uma desnaturação  
e metamorfose de potência social em força política. (CHASIN, 2012,  
p. 63)  
A insustentabilidade da comunidade antiga fica explícita ao passo que ela é  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 45  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
incapaz de se manter a partir das suas próprias energias sociais. Tem-se, desse modo,  
o que Chasin chama de dessubstanciação social, que engendra uma força extrassocial  
colocada na política. Assim, conforma-se a transformação de parte considerável das  
potências sociais em forças políticas, de modo que o caráter político da comunidade  
antiga decorre de sua imaturidade, bem como de seus limites tacanhos. Tem-se, nas  
palavras de Chasin, a situação em que “inversamente proporcional às forças  
socioprodutivas, tanto mais destacado é o papel do poder político quanto mais débil  
for a capacidade de autorresolução social de uma formação humano-societária.”  
(CHASIN, 2012, p. 64) Seguindo os apontamentos do livro I de O capital, o autor  
brasileiro explicita que o papel principal na comunidade antiga acaba por ser cumprido  
pela política. Chasin explica as razões sociais que levam ao caráter pronunciado da  
esfera política antiga. Ou seja, ele explicita como que aquela sociedade que até hoje é  
tomada como medida por parte considerável daqueles que teorizam a política traz  
consigo problemas insuperáveis.  
Em verdade, as limitações da sociedade antiga acabam por ser colocadas entre  
parênteses pelos filósofos políticos contemporâneos, os quais, ao contrário do que se  
dá em Chasin, são incapazes de apreender a historicidade da política. O modo pelo  
qual o filósofo paulista trata do tema deixa claro, não só que sociabilidade e  
politicidade são distintas. Tem-se também que há uma gênese, bem como uma base  
material para que a política possa aparecer como algo de grande relevo social. As  
limitações da produção antiga, bem como a insustentabilidade da sociabilidade  
calcada na escravidão e com um baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas,  
levam ao elogio a uma força externa. O poder político antigo é a expressão da  
debilidade e do caráter tacanho das potências sociais engendradas a partir da  
produção escravista. A infância normal da humanidade traz consigo limitações  
impostas ética, espacial, classista e politicamente. A limitação de gênero (masculino-  
feminino) também é evidente. E, como J. Chasin demonstra, não se trata de uma  
simples contingência. Tem-se algo que diz respeito ao ser-propriamente-assim da  
comunidade antiga, de modo que, a rigor, é impossível resgatar ou fazes renascer a  
política antiga. Caso se tente realizar isso de modo ingênuo, tem-se, na melhor das  
hipóteses, um proudhonismo mais ou menos tosco e de mau gosto.  
Maquiavel, o Renascimento, a liberdade autolimitada e o centauro  
Pelo que vemos, as determinações objetivas que dão base à sociedade, bem  
Verinotio  
46 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
como à política grega, nem sempre são apreendidas de modo reto pelos autores de  
uma época. Hoje, depois de muito tempo, e após se ter passado por diversos percalços  
da história do capitalismo, no entanto, só pode ser ingenuidade (ou má-fé) procurar  
voltar-se à política antiga sem considerar as limitações da comunidade antiga. Mas  
isso nem sempre ocorreu dessa maneira, ou mesmo de modo cristalino. O  
Renascimento expressa tal fato de modo bastante claro, trazendo, ao mesmo tempo,  
tendências afirmativas práticas e certa tendência a se voltar à antiguidade como  
modelo e norte. Ou seja, o momento mercantilista do capitalismo aparece como algo  
de transicional o qual tenta pôr em prática o mito político da nova Athenas ao passo  
abre espaço para o absolutismo. A maneira pela qual a política aparece nos  
Renascimento, tanto prática quanto teoricamente, expressa essa situação, em que certo  
elemento transicional (ligado à emergência da sociedade capitalista) é visível e precisa  
ser destacado em O futuro ausente, de J. Chasin.  
Chasin trata da política renascentista ao passar por essas determinações, bem  
como ao enfatizar aquilo que há de mais elevado no pensamento político renascentista,  
a obra de Nicolau Maquiavel. Ao tratar das concepções ontopositivas da política,  
portanto, o autor brasileiro volta-se àquilo de mais rico e marcante, como o autor de  
O príncipe.  
Isso ocorre de modo que não se trata de criticar somente as leituras seletivas e  
imputativas dos epígonos contemporâneos; antes, com o autor de O futuro ausente,  
há de mostrar como que aquilo de melhor no pensamento político traz consigo marcas  
de épocas das mais interessantes, como a Antiguidade e o Renascimento, e o caráter  
tacanho da politicidade. Tal caráter, por sua vez, faz-se visível, sobretudo, quando as  
potencialidades civilizatórias do capitalismo e da politicidade se esgotam. E, assim, um  
primeiro aspecto a se destacar é que o filósofo paulista trata de Maquiavel ao passo  
que muitos recorrem a ele em nossa época, e o fazem de modo profundamente seletivo  
e unilateral. Porém, o texto chasiniano não dá simplesmente respostas e marca  
posições diante de leituras equivocadas; ao analisar os próprios textos de Maquiavel,  
ele busca explicitar a sua gênese, estrutura e função, realizando aquilo que chamou de  
análise imanente.  
Acreditamos que, com isso, o autor de Estatuto ontológico foge de modismos e  
procura explicitar as determinações do próprio pensamento maquiaveliano. Não há  
qualquer proudhonismo, que separa do “lado bom” do “lado mau”, bastante comum  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 47  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
em certas hermenêuticas da imputação.  
Em O futuro ausente, ao se referir às determinações sociais do Renascimento,  
Chasin fala do “centro de enervações constituído pela malha afirmativa do ético-  
político-jurídico.” (CHASIN, 2012, p. 67) O autor de O príncipe, também um estudioso  
da república romana, de acordo com o filósofo brasileiro, expressa tais tendências  
afirmativas que mencionamos de modo claro. E, com isso, é preciso destacar que o  
solo social no qual se situa o pensamento renascentista é substancialmente distinto  
do antigo, portanto. Isso ocorre, não só ao passo que campos como a ética, a política  
e o direito passam longe de se confundir e explicitam suas diferenças específicas; tem-  
se também uma situação de domínio da natureza muito mais proeminente e a abertura  
para a atividade e a transformação humano-societárias antes inimagináveis. A  
afirmação das potencialidades humanas coloca-se em um patamar muito mais  
avançado, de modo que a imanência do pensamento renascentista transparece,  
também, no campo político.  
Maquiavel trata da malha afirmativa ética, política e jurídica passando pelo  
“processo político de entificação das senhorias e principados” (CHASIN, 2012, p. 67),  
algo que é feito buscando exemplos na Antiguidade romana (em que a tematização da  
fundação dos estados é mais recorrente que na Grécia) ao mesmo tempo que ele sabe  
que não há simplesmente como retomar o passado antigo na aurora da modernidade.  
Ao tratar dos senhorios e dos principados, a tematização de Maquiavel passa  
pela necessidade de unificação e centralização do poder, algo inimaginável no mundo  
antigo. Nesse sentido, a tematização da política passa por ilusões, certamente. Porém,  
de acordo com Chasin, também é marcada por um profundo realismo e imanência. A  
história de Florença, principalmente, vem a ganhar uma importância de destaque para  
o autor. Desse modo, o dinamismo dela, bem como das novas relações sociais que  
emergem, marcam o pensamento político de Maquiavel e precisam ser apreendidas  
como a base real sobre a qual se desenvolve a política renascentista (em especial  
aquela dos Médici) e a teorização maquiaveliana sobre a política e sua natureza, como  
veremos, humana e bestial.  
Desse modo, o autor trata da política ao analisar o “itinerário de estatização que  
desembocará no figurino do poder absoluto, antítese da idealidade referencial da pólis,  
da commune romana ou da quimera comunitária dos primórdios do Renascimento”  
(CHASIN, 2012, p. 67). A atividade política abordada pelo autor de O príncipe, desta  
Verinotio  
48 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
maneira, coloca-se em meio a esse elemento transicional que traz o Renascimento  
como um elo mediador para a consolidação da sociedade capitalista e do estado  
absoluto. E é necessário destacar tal determinação porque tal aspecto transicional faz  
com que as limitações do presente que é tratado por Maquiavel sejam tanto aquelas  
do passado quanto as do futuro. A potência da política maquiaveliana depende disso.  
Por mais que o tratamento do autor de O príncipe sobre a política não deixe de  
remeter à Antiguidade, o cenário claramente é o nascente mundo moderno, marcado  
pelo comércio e o pelo poder político que se afirma, tendencialmente, no âmbito do  
que viria a se configurar no estado-nação. Com isso, o pensamento político  
maquiaveliano já é nosso contemporâneo. Ele traz elementos essenciais da política, e  
das ilusões que marcam o poder político e o modo pelo qual se relacionam politicidade  
e sociabilidade.  
Segundo J. Chasin, isso faz do pensamento político de Maquiavel algo que  
inaugura o pensamento político moderno, ao mesmo tempo em que volta os olhos ao  
passado antigo. Nas palavras do filósofo, “Maquiavel é, simultaneamente, um pensador  
da república e do absolutismo, ou, em termos mais precisos, o último grande pensador  
da república antiga e o primeiro do absolutismo moderno” (CHASIN, 2012, p. 80). E  
quando se analisa o pensador fiorentino seria essencial ter isso em mente, já que seus  
posicionamentos exercem uma função concreta justamente em tal momento  
transicional, sendo fruto, também, da incompletude do capitalismo da época do  
mercantilismo.  
E, sobre esse ponto, há algo importante a destacar: tal qual ocorreu com a  
política antiga, parte das forças coaguladas na atividade ligada ao poder político é  
retirada do passado. Porém, uma peculiaridade importante é trazida aqui por J. Chasin:  
não há em Maquiavel qualquer ilusão sobre a possibilidade de se retomar uma  
conformação similar à antiga. Isso ocorre, inclusive, à medida que a malha afirmativa  
renascentista tem como suporte o mercantilismo e certa unidade prática entre a política  
e os negócios, que gera um equilíbrio tênue. Esse último, aliás, segundo o filósofo  
paulista, vem a marcar a política renascentista e aquilo que figura como sua expressão  
mais sofistica, o pensamento de Maquiavel. Segundo O futuro ausente, essa situação  
expressa-se no domínio dos Médicis e, no nível teórico, na tematização do autor de O  
príncipe sobre o poder político dessa família. Pode-se dizer, portanto, que  
modernidade econômica e política renascentista são faces do mesmo fenômeno  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 49  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
histórico, marcado por um equilíbrio de difícil sustentabilidade e que demanda uma  
atividade política singular, a qual, por sua vez, é abordada justamente no pensamento  
de Nicolau Maquiavel. Assim, Diz Chasin:  
Toda essa moderna feição econômica foi exercitada simultaneamente  
à prática e dominação políticas, que também celebrizaram os Médicis.  
E ambas eram desenvolvidas com traços propósitos e meios que  
põem em evidência uma inspiração comum e formas similares de  
efetivação. Diante do espírito e da prática que caracterizavam esses  
dois planos de atuação pela riqueza e pelo poder aos quais  
meticulosamente os Médicis se dedicaram, é imediato e tranquilo  
reconhecer a manifestação de uma mesma ordem de pensar e fazer,  
de um esforço pela entificação da mundanidade que, em seus  
momentos ideais e reais, operando sobre âmbitos específicos, tece e  
revela a integração de uma unidade peculiar. (CHASIN, 2012, p. 74)  
Se na Antiguidade a produção escravista ficava fora do espaço público, isso não  
ocorre mais. Maquiavel, ao contrário de autores contemporâneos e que têm por central  
o político, como Hannah Arendt e outros, não traz qualquer nostalgia diante dessa  
esfera pública antiga. A unidade necessária entre a política e a economia aparece no  
domínio dos Médici, de modo que haveria, inclusive, formas similares de efetivação de  
uma e doutra. Ou seja, Maquiavel é grandioso porque apreende certas determinações  
de seu tempo com precisão. Isso ocorre mesmo que tal leitura seja feita, como veremos,  
com grande grau de ilusão quanto à política e suas capacidades; a necessidade de se  
manter uma sociabilidade tacanha e limitada como base do governo misto também é  
algo visível no autor. Assim, como grande autor, tem-se um posicionamento que não  
esconde as adversidades e o caráter dificilmente conciliável das contraposições do  
presente.  
Ao contrário dos epígonos da defesa da política, Maquiavel assume as condições  
sociais de seu tempo como um ponto de partida de modo consciente e sem qualquer  
tom apologético. De acordo com O futuro ausente, riqueza e poder aparecem lado a  
lado em meio à imanência da atividade humana que se explicita no Renascimento. Isso  
se dá de tal maneira que a unidade entre os negócios dos Médici e poder político vêm  
à tona de modo a trazer à tona o caráter afirmativo da atividade humana, rompendo-  
se com as limitações claras que se colocavam tanto na produção antiga quanto no  
mundo medieval. A produção já marcada por certa subsunção formal ao capital, mas  
não pela subsunção real, para que se use a distinção de Marx traz consigo o ímpeto  
expansivo que caracteriza a compra e venda de mercadorias, e a necessidade de  
unidade política. No entanto, isso se passa sem que estejam claros os aviltamentos  
Verinotio  
50 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
que marcam a divisão do trabalho capitalista de modo inelutável e que não tardariam  
a começar a se impor.  
A visão de Maquiavel sobre a política, bem como a própria política dos Médici,  
como mostra Chasin, depende desse cenário. Inclusive, certo caráter artesanal da  
produção ainda se mantém até certo ponto; mas o mercador se impunha frente ao  
artesão, de modo que há uma situação bastante singular nas relações econômicas da  
época: justamente o caráter não completo da implementação do modo capitalista de  
produção dá base ao que se desenvolve de modo mais elevado no Renascimento.  
Trata-se de uma época já marcada pelo caráter afirmativo da atividade humana, mas  
que não pode ter consciência sobre as consequências reais do modo pelo qual tal  
caráter conforma-se.  
O próprio sistema produtivo mais utilizado, o trabalho domiciliar,  
colocava o mercador em posição dominante em face do artesão (o  
executor), de maneira que o estímulo econômico e os capitais  
provinham da esfera da troca, que dominava a produção. (CHASIN,  
2012, p. 81)  
O mercantilismo trazia uma situação muito distinta daquela da produção antiga,  
baseada na escravidão; e, desse modo, o desenvolvimento de capacidades humanas  
advindo do incremento das forças produtivas começa a se tornar, cada vez mais, uma  
realidade. O equilíbrio das relações econômicas marcadas por uma esfera da  
circulação robusta, e por uma produção ainda limitada é muito tênue, porém.  
Os imperativos reprodutivos que marcam o sistema capitalista de produção já  
impulsionam a atividade à imanência da vida e do mundo; porém, o domínio da troca  
sobre a produção, mencionado por Chasin, viria a se esfacelar tão logo o capitalismo  
se colocasse sob os próprios pés com a superação do artesanato, e mesmo da  
manufatura pela grande indústria. Ou seja, por mais espetaculares que fosse o ímpeto  
ativo que surge com o Renascimento, por mais que ele esteja presente na tematização  
robusta de Maquiavel sobre a política, o resultado econômico de tal ímpeto só poderia  
se afirmar real e efetivamente em um momento posterior, aquele do capitalismo  
industrial. Em verdade, isso leva: de um lado, à consolidação da burguesia e do sistema  
capitalista, com todo aviltamento que ele gera nas personalidades dos homens; doutro,  
ao poder absolutista e na afirmação do estado nacional. O equilíbrio político instável  
que o autor de O príncipe tematiza, bem como o modo pelo qual isso se dá nas  
relações econômicas, são algo que se mostrou como passageiro e como socialmente  
inviável.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 51  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Podemos mesmo dizer que tal inviabilidade é a base da política renascentista. E  
o processo que Maquiavel analisa, ao fim, redunda na consolidação necessária do  
absolutismo, que abre as portas para formas econômicas que tornam impossível a  
configuração sociopolítica vigente no Renascimento. Nas palavras de Chasin:  
Numa palavra, a expansão mercantil demandava governos capazes de  
ampliar seu campo de ação para muito além dos perímetros  
municipais e do teor e âmbito que tipificavam a administração  
anterior. Necessitavam, em suma, de um governo forte, tanto para  
efeito interno quanto externo, donde a inclinação para o absolutismo  
rei, príncipe ou senhor , à custa de todos os freios e limitações que  
haviam cercado a monarquia medieval. Para essa nova categoria  
social, era factível fortalecer e articular com o monarca, e não procurar  
o então impossível domínio dos dispositivos parlamentares,  
controlados pela nobreza, de modo que não lhe custava nada  
sacrificar as formas de representação à monarquia. (CHASIN, 2012, p.  
81)  
Os freios e as limitações que marcavam a monarquia medieval ainda são parte  
da teorização de Maquiavel sobre a política renascentista, que depende de um  
equilíbrio muito tênue, que o autor não deixará de tomar como necessário. A  
consolidação do poder central, bem como a expansão econômica baseada na  
economia mercantil são parte importante do que teoriza o autor de O príncipe sobre  
a política; ao mesmo tempo, as limitações da época, que são reconhecidas pelo autor,  
aparecem como contraposições constitutivas da política mesma. Como diz Chasin,  
sobre a composição social tratada por Maquiavel, “os segmentos sociais convivem em  
contraposição vigiada, que os limita e restringe.” No que continua o filósofo paulista:  
“as paixões devem vir à tona, mas para se dissiparem pela via segura e defensiva da  
normatividade institucionalizada” (CHASIN, 2012, p. 94). Para que tal situação pudesse  
ser mantida, seria necessária a emergência de algo que se contrapusesse aos  
dispositivos parlamentares (aqui entendidos no seu sentido mais amplo, e não no  
sentido contemporâneo ligado a uma concepção representativa de democracia), que  
seriam controlados pela nobreza. A violência seria inevitável; uma questão importante  
seria saber que tipo de violência levaria a algum lugar.  
Sobre o assunto, diz-se e O futuro ausente: “que o absolutismo de reis ou  
príncipes pudesse ser arbitrário e opressor não resta dúvida, mas era melhor do que  
qualquer coisa que a violência da nobreza feudal ou a fragilidade e os limites da  
cidade-república, aliás, pequena exceção, podiam oferecer” (CHASIN, 2012, p. 81).  
Maquiavel, dessa maneira, estaria colocado entre alternativas concretas típicas de um  
momento transacional na história. As determinações reais de sua época, porém, não  
Verinotio  
52 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
permitiam que sua concepção de história (e de política) trouxesse à tona qualquer  
capacidade de suprimir as contradições engendradas socialmente. Ou seja, a potência  
da política e, no limite, sua capacidade de moldar as relações sociais , tal qual  
ocorreu no caso da política antiga, advém das limitações da época do Renascimento.  
E, desse modo, de acordo com J. Chasin, as contradições sociais da época aparecem a  
Maquiavel de modo ainda obscuro.  
Em verdade, o autor de O príncipe vem a reconhecer o elemento antagônico da  
política, bem como as contraposições que se colocam nela. Ele traz um elemento  
realista e grandioso ao explicitar que a contraposição e o choque são inerentes à  
política. Isso expressa uma determinação importante da politicidade: sua base, bem  
como seu desenvolvimento, está na contraposição dos interesses dos indivíduos e dos  
segmentos sociais. E, em uma época marcada pela transição de um momento a outro  
da história, parece que é possível partir do caráter ativo daquele “centro de enervações  
constituído pela malha afirmativa do ético-político-jurídico” (CHASIN, 2012, p. 67).  
Porém, tal aparência traz consigo também a busca por um equilíbrio que é, ao fim,  
dissolvido por esse mesmo ímpeto ativo, o qual é um princípio do pensamento de  
Maquiavel. Ou seja, a política renascentista é tanto o resultado do ímpeto ativo do  
Renascimento quanto o sintoma da incapacidade, a ela inerente, de pensar-se como  
algo determinado socialmente. Veja-se: como se nota em O futuro ausente, o autor de  
O príncipe traz consigo uma apreensão reta da cotidianidade da política da sua época;  
porém, aquilo subjacente à forma aparencial da política não pode ser compreendido  
por Maquiavel. Ele reconhece o elemento antagônico da política; mas não compreende  
esse elemento na forma de uma contradição e, portanto, de algo que possa ser  
suprimido a partir das próprias potências gestadas nessa contradição mesma. O  
caráter ativo da política acaba se afirmando ao trazer a subordinação à sociabilidade  
vigente; porém, pretende-se determiná-la.  
Sua posição sobre a política, assim, expressa tais limitações. Seu realismo, ao  
mesmo tempo, vem com grandes ilusões. De certo modo, as contraposições são  
reconhecidas pelo autor de O príncipe, mas são tomadas como insuprimíveis. Como  
diz J. Chasin sobre o assunto: “interessa salientar é que, seja qual for o choque ou  
contraposição social que analise, sua rota tem por objetivo conservar o choque ou  
contraposição”, no que continua, “pois, é destes que emana a possibilidade de regular  
positivamente a convivência dos homens” (CHASIN, 2012, p. 95). A convivência do  
homem é tomada, ao fim, como inerentemente política e, com isso, no limite, toma-se  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 53  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
a própria natureza humana como algo com enorme grau de imutabilidade. Isso, que  
caracteriza a concepção ontopositiva da política, aparece em Maquiavel ao passo que  
“de fato, para Maquiavel, a desumanidade do homem está no próprio homem, cuja  
identidade perene é a maldade natural” (CHASIN, 2012, p. 97). De acordo com O  
futuro ausente, algo que vem a acompanhar o pensamento político renascentista –  
representado aqui em seu maior expoente é certa naturalização das relações sociais  
de uma época; uma concepção de natureza que emerge dessa situação acaba sendo  
estática, de maneira que é traçada uma relação entre o caráter insuperável das  
contradições sociais, a necessidade da política e certa natureza humana desumana. No  
limite, deriva disso certa “maldade natural”, tomada por base pela concepção positiva  
de política de Maquiavel.  
A grandeza, o realismo e as enormes limitações de Maquiavel são indissociáveis.  
O caráter prático de seu pensamento expressa tal elemento, inclusive. Isso ocorre,  
não tanto por uma posição imoral ou amoral, que não está presente no autor, de  
acordo com Chasin – “é superficial atribuir a Maquiavel o puro diapasão da indiferença  
moral” (CHASIN, 2012, p. 83). Antes, o autor apreendia algo que caracteriza a política  
em seu ser-propriamente-assim. A partir do estudo da política de sua época, o autor  
deixa de lado as ilusões que marcam o pensamento anterior; e, assim, certamente a  
moral joga um papel importante no seu pensamento até mesmo na medida em que o  
equilíbrio entre os agentes contrapostos aparece como uma necessidade ao autor.  
Porém, do ponto de vista prático, tem-se clareza sobre aquilo que é preciso se fazer  
para que a situação de equilíbrio instável que é tomada como algo natural seja  
mantida. O realismo do autor explicita-se ao admitir não só a violência como parte  
inerente à política, mas certo caráter animalesco, que redunda na impossibilidade de  
se distinguir vícios e virtudes na atividade política.  
Como diz Chasin, “desaparecia no terreno da atividade política a demarcação  
entre vício e virtude, suas figuras se embaralhavam, mudando constantemente de  
posição, numa metamorfose em que a limpidez se converte em sujidade, e a sujidade  
em limpidez” (CHASIN, 2012, p. 89). Isso traz consigo um pensamento sutil sobre a  
política, e o reconhecimento da natureza da atividade que é analisada de modo  
rigoroso. Diante de consequências desagradáveis de seu pensamento, o autor de O  
príncipe mantém suas posições e reafirma explicitando as mencionadas  
consequências justamente aquilo que pode parecer extremamente desagradável. No  
Verinotio  
54 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
que continua o filósofo paulista em O futuro ausente: “jamais antes ocorrera esta  
equivalência, isto é, a reflexão anterior nunca fora compelida a tal reconhecimento,  
mesmo porque não o poderia ter sido, uma vez que faceava ainda a pseudopolítica,  
movimentada em torno do estado-ilusório” (CHASIN, 2012, p. 89). O significado do  
pensamento maquiaveliano, pois, é enorme. Ele expressa a emergência do pensamento  
político moderno ao passo que assume como constitutivos da política atributos como  
uma maldade inerente, o caráter insuperável das contraposições sociais, bem como a  
desumanidade de parte da atividade política. Trata-se, nesse sentido, de uma  
verdadeira perda de ilusões. E, assim, como diz Chasin, “a mutação que se expressa  
nos escritos de Maquiavel é precisamente a passagem ao estado-verdadeiro, efetivado  
pela política-real” (CHASIN, 2012, p. 89). Trata-se, é verdade, da eternização da  
política, de uma posição segundo a qual não resta à humanidade outra alternativa que  
aceitar a monstruosidade como parte necessária da história social e política.  
Em O futuro ausente, Chasin explicita tal aspecto trazendo a imagem do centauro:  
Jamais alguém, antes de Maquiavel, ousara dizer coisas semelhantes.  
Ninguém anteriormente duvidara de que a prática política, tal como  
de fato se processa, estivesse replena de crimes, traições e  
perversidades. Porém, que o mestre de príncipes e o próprio príncipe,  
como expressão e manifestação de máxima sabedoria política,  
devessem ser mezzo bestia e mezzo uomo não só era inaudito,  
como traduzia, o que é muito mais importante, uma mutação  
fundamental. Antes, crimes, traições e perversidades eram vícios a  
serem vituperados e expungidos; agora, passavam a integrar o  
necessário modus faciendi da exercitação do poder. Ou seja, a crudeltà  
bene usate era elevada à dignidade de meio legítimo da atuação  
governamental. (CHASIN, 2012, p. 89)  
Meio besta, meio homem. Tal imagem, do centauro, é usada por Maquiavel  
explicitamente. Com isso, deixa-se de distinguir o vício e a virtude em determinados  
momentos; mas isso não significa que o equilíbrio a ser mantido politicamente não  
envolva uma dose considerável de moralidade, até mesmo porque há humanidade e  
desumanidade por lá. Que Maquiavel tenha sido o primeiro a explicitar essa marca da  
política, de acordo com Chasin, traz uma mutação fundamental. A perda das ilusões  
quanto a uma nova Athenas significa, ao mesmo tempo, assumir a crueldade, e a  
bestialidade, como atributos, por vezes, necessários à sabedoria política. E, nesse  
sentido, a posição maquiaveliana é muito distinta daquela vigente sobre a comunidade  
antiga.  
Ali, as ilusões ainda eram parte dos lugares comuns da teorização política. As  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 55  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
limitações da sociabilidade antiga tinham por trás de si a escravidão e a isonomia entre  
os cidadãos da pólis enquanto na aurora da sociedade capitalista, tratada por  
Maquiavel, há uma unidade entre poder política e negócios mercantis. O realismo do  
autor tanto faz com que ele apreenda elementos essenciais do ser-propriamente-assim  
da política quanto busque, na prática, justificá-los. Parte essencial de sua teorização,  
assim, passa pela moral. Há a necessidade de justificar a política como necessária e  
como algo essencial à manutenção de um equilíbrio instável e, em verdade,  
insustentável. Sendo coerente com seu ímpeto ativo e prático, o autor de O príncipe  
não se esquiva das consequências de seu pensamento; e mais: ele pensa sua  
teorização com algo que deva ser colocado em prática.  
A teorização de Maquiavel traz um círculo entre natureza humana, aceitação das  
contraposições como algo insuperável, a justificação da política e a moral. Em verdade,  
explicita-se claramente a dissociação entre a problematização do mundo ético, da  
eticidade. Com isso, as relações relativas à conformação concreta das famílias, das  
classes e segmentos de classes, bem como do estado são tomadas tanto como ponto  
de partida como ponto de chegada. As contradições que marcam a época do  
Renascimento são tomadas como meras contraposições, constitutivas não só da  
política, mas da sociabilidade como tais. Tem-se, assim, uma fundamentação  
sofisticada para a determinação ontopositiva da politicidade e, com isso, como se diz  
em O futuro ausente, “redunda, pois, que Maquiavel é capaz de reconhecer contrários,  
mas não contraditórios. Opostos supostamente beneficiados no choque que os trava,  
sem que qualquer um deles possa ou deva sobrepujar o outro” (CHASIN, 2012, p. 95).  
A incompreensão sobre o caráter contraditório das relações sociais leva à eternização  
delas e, com isso, da própria política que atua no sentido de que um grupo, segmento  
ou classe possa realmente sobrepujar outro. Aquilo que aparece, em verdade, como  
inevitável no desenvolvimento histórico ao se olhar para a política, é tomado como  
algo a se evitar politicamente.  
E a maneira como isso poderia se dar traz as determinações que mencionamos  
antes, as quais levam à necessidade de Maquiavel de justificar moralmente a política:  
O que cabe e convém apontar, na esfera da problemática moral, que  
sempre envolve a leitura dos escritos de Maquiavel, é que este,  
exatamente por seu vigoroso realismo, esbarra praticamente, sem a  
tematizar, na verdadeira questão ética: como justificar atos  
necessários, eticamente impossíveis de serem justificados? Esta  
pergunta, cuja visibilidade antes de tudo se manifesta na esfera da  
politicidade, não apenas situa rigorosamente o problema da eticidade,  
Verinotio  
56 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
mas aponta, em seus devidos termos, para a natureza e os limites da  
política e a sua excludência em relação ao mundo ético. (CHASIN,  
2012, p. 84)  
O realismo possível na época do autor é aquele que supõe relações  
historicamente situadas como algo cuja essência não pode ser transformada. A  
justificação moral da política leva à desconsideração da historicidade da tessitura da  
sociedade e, portanto, do problema da eticidade. A moral, portanto, faz parte da  
política mesmo em Maquiavel.  
Em verdade, ela é um elemento decisivo de seu pensamento. Sem a justificativa  
moral da política, os limites da prática política não podem ser entendidos na teorização  
do autor. A natureza e os limites da política não levam somente à bestialidade, mas  
também à humanidade. E, assim, também a prática e a compreensão maquiaveliana  
dessa prática trazem consigo como essenciais as limitações, bem como a necessidade  
de se manter um equilíbrio instável e, em verdade, insustentável. O vigoroso realismo  
do autor o leva, como não poderia deixar de ser, a se conformar nos limites de seu  
tempo. Suas posições, no entanto, dão início à tematização propriamente moderna da  
política.  
A peculiaridade de seu pensamento está em que há nele um profundo realismo,  
um vigor sem igual, ao mesmo tempo em que ele depende da imaturidade do  
capitalismo de sua época, que se coloca em meio ao mercantilismo em que não deixa  
explícito o caráter essencialmente contraditório da própria realidade social, bem como  
da eticidade e do mundo ético mesmos. Com isso, mesmo em um autor vigoroso, a  
política passa longe de resolver as contradições sociais. Ela as supõe. Há certa  
eternização delas, bem como da própria natureza humana, da maldade, e do caráter  
contraposto dos segmentos sociais.  
Maquiavel transita da admissão realista dos confrontos sociais à pura  
integração almejada das partes em litígio, desintegrando algo deste,  
numa sutil metamorfose discursiva. Em outros termos, indo  
diretamente ao ponto: um dos grandes méritos de Maquiavel foi ter  
constatado e admitido a existência do fenômeno social que, bem mais  
adiante, recebeu o nome técnico de contradição, porém, sob a forma  
reduzida e dessubstanciada do que também posteriormente foi  
chamado de conflito. (CHASIN, 2012, p. 93)  
As limitações da própria política aparecem na teoria do autor. Sua teorização  
sobre os confrontos sociais é, em verdade, fundamental para sua posição política.  
Também aqui, há uma determinação da sociabilidade, no caso, de uma  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 57  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
compreensão específica sobre a sociabilidade, sobre a politicidade. A incompreensão  
da natureza contraditória dos confrontos, bem como do caráter conflituoso deles –  
incompreensão essa socialmente determinada pela imaturidade das relações sociais  
renascentistas delimita a política maquiaveliana. Ela visa preservar o confronto sem  
que, para isso, leve-se a qualquer termo as contradições entre os segmentos sociais.  
Aliás, é necessário perceber que a dessubstanciação que Maquiavel impõe à  
política (trazendo as contraposições sem perceber de seu caráter contraditório e  
conflituoso), não o leva a pensar a política na oposição entre indivíduos isolados e  
atomizados. Sob a sociabilidade renascentista, o autor não tem uma concepção  
atomista que, posteriormente, a partir de Hobbes (e nos teóricos do direito natural  
como um todo) se tornará lugar comum e ponto de chegada. E, também aqui, a  
concepção de mundo de Maquiavel, como aponta Chasin, é resultante tanto dos  
avanços do Renascimento (e do mercantilismo) quanto da imaturidade do capitalismo  
que emerge nesse momento.  
Trata-se da admissão da contraposição, e do reconhecimento do caráter  
antagônico dos interesses dos grupos sociais. A liberdade, assim, é concebida como  
algo que se exerce contra um outro. Esse outro, porém, são os congregados sociais:  
Em suma, a liberdade maquiaveliana coabita o gênero da liberdade  
pobremente vivida e determinada contra, e não com o outro; todavia,  
dela se distingue pelo número dos opostos: enquanto na plenitude  
societária do capital essa forma de liberdade contrapõe, ideal e  
aparencialmente, indivíduos isolados, Maquiavel considera e raciocina  
com congregados sociais em oposição. (CHASIN, 2012, p. 96)  
A situação já moderna, mas ainda não marcada pela divisão do trabalho e pela  
atomização dos indivíduos que caracterizará a subsunção real ao capital, é o  
fundamento da concepção de política do autor. Se ele pensa em termos distintos do  
individualismo possessivo, isso não se dá por se colocar para além da sociedade  
marcada pelo domínio do capital. Em verdade, a imaturidade da sociabilidade  
renascentista é que aparece com toda a força aqui. O número de opostos que se  
colocam na política maquiaveliana decorre de sua incapacidade socialmente  
determinada de apreender tanto a real natureza das classes sociais quanto o  
processo de subsunção dos indivíduos aos imperativos produtivos, que ficam claro  
somente mais tarde, quando a oposição entre o moderno proletariado e a burguesia  
vêm à tona com toda a força. Também aqui, as marcas da concepção de política  
decorrem de uma situação de imaturidade, de um ainda não.  
Verinotio  
58 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Tomar a concepção de Maquiavel por objeto sem estar ciente dessas  
determinações significa realizar uma análise, no mínimo, parcial e seletiva. No que é  
preciso que continuemos com a análise de O futuro ausente sobre o tema.  
A individualidade moderna é apreendida pelo autor florentino, mas as  
determinações dessa não podem ser-lhe claras. Como diz Chasin, “a reflexão  
maquiaveliana flagra a individualidade isolada em seu nascedouro; deixada só”, de  
modo que as contradições econômicas ainda não são plenamente visíveis como tais.  
No que se continua em O futuro ausente dizendo que tal individualidade, quando  
conforma-se diante de outros indivíduos, é “posta contra estes em competição, só  
pode refluir à animalidade. Este foi o panorama inaugural da modernidade em todas  
as sociedades” (CHASIN, 2012, p. 97). Maquiavel, portanto, busca evitar o confronto  
direto da animalidade dos indivíduos a partir do equilíbrio entre os grupos. Ele pensa  
certa maldade inata como algo inerente à sociabilidade humana, e aos próprios  
indivíduos. Na política, porém, como um centauro, a humanidade e a animalidade  
precisariam trazer o equilíbrio entre os congregados sociais em oposição. E, assim, a  
posição (moral) de Maquiavel é ligada à defesa do governo misto, que expressa  
justamente a lógica da contradição não resolvida:  
Depreende-se da forma do governo misto e do conteúdo que lhe  
corresponde a lógica da contradição não resolvida que, na acepção  
maquiaveliana, a liberdade é confinada a ser não mais do que o  
equilíbrio resultante da contraposição entre agentes societários  
mutuamente restringidos. (CHASIN, 2012, p. 95)  
Diante da incapacidade de a sociabilidade lidar com suas questões a partir de  
suas forças próprias, tem-se a necessidade da política. No caso de Maquiavel, de  
acordo com Chasin, isso traz consigo um realismo pungente, que reconhece as  
contraposições sociais que são essenciais à política. Ao mesmo tempo, porém, e em  
ligação com as determinações de seu tempo, a apreensão do conflito e da contradição  
como inerentes à politicidade e ao momento em que ela se impõe não pode se dar no  
autor de O príncipe.  
Podemos, assim, dizer sobre Maquiavel que ele pensa em termos essencialmente  
políticos por precisar aceitar as limitações da sociabilidade de sua época. A defesa do  
governo misto por sua parte, assim, é uma consequência de sua concepção sobre a  
sociedade e sobre a sociabilidade como tal. A liberdade, dessa maneira, é pensada  
como limitada e limitadora, como fadada a movimentar-se em meio a um equilíbrio  
tênue. Ele precisa da política, mesmo que essa possa manifestar-se, por vezes, de  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 59  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
modo bestial.  
No que diz Chasin sobre a convivência política em Maquiavel:  
O governo misto é, naturalmente, a formação ideal que encerra e  
revela esse aspecto crucial do pensamento de Maquiavel. (...) Isto nada  
mais significa, fundamentalmente, do que sustentar que, na condição  
de detentor exclusivo do poder, um vetor societário qualquer é  
incapaz de autorregulagem, donde a transgressão perversora que o  
leva à perdição. Em outros termos, que põem em evidência uma  
denotação essencial: o particular não pode ser jamais o molde ou a  
medida da universalidade do estado. O que torna imperativa a  
coparticipação dos demais vetores, cuja presença simultânea  
engendra e universaliza, pela pressão de uns sobre os outros, as  
medidas da convivência. (CHASIN, 2012, p. 92)  
O resultado prático da concepção maquiaveliana de política está em sua defesa  
do governo misto. Segundo Chasin, a lógica da contradição não resolvida decorre, em  
verdade, da incapacidade de autorregulação da sociabilidade renascentista.  
A defesa da política tem essas bases no autor e o levam a considerar o poder  
exclusivo como algo que não pode ser defendido. A perversão, bem como a perdição,  
seria inerente à própria limitação, tomada como fundamento por Maquiavel. A medida,  
também importante ao se passar pela política e pelo pensamento políticos gregos,  
aparece aqui novamente. Porém, ela não pode se explicitar por meio da mediania ou  
da defesa de uma individualidade não suficientemente autonomizada. A única solução  
estraria na coparticipação de diversos vetores, já que a universalização de um deles  
significaria essencialmente a imposição unilateral de determinada posição. A política,  
dessa maneira, expressaria justamente as limitações da sociabilidade daquele  
momento, que seria marcada por um momento transicional ao capitalismo colocado  
sobre os próprios pés.  
De acordo com Chasin, há, em Maquiavel, a admissão realista dos confrontos  
sociais, mas esses não são tomados como contradições sociais passíveis de supressão.  
O litígio passa a ser pensado como algo que deveria deixar de lado o conflito  
direto, tendo-se a necessidade de uma liberdade que só poderia ser autolimitação. As  
capacidades afirmativas, pungentes na sociedade renascentista, assim, aparecem de  
forma adstringida na política e essa última, por sua vez, passa a ser a medida da  
sociabilidade. E mais do que isso: parte da limitação autoimposta traz consigo a  
admissão da necessidade da bestialidade. Maquiavel acaba reconhecendo a  
contradição social e as oposições a ela inerentes como base da política; o  
tratamento do autor de O príncipe, no entanto, não pode reconhecer a contradição  
Verinotio  
60 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
como tal, mas somente sua forma dessubstanciada, que redunda na defesa do governo  
misto e da liberdade autolimitada.  
Chasin, assim, certamente traz que Maquiavel tem certa concepção de república  
(que não deixa de remeter a Roma antiga); porém, as limitações da república  
maquiaveliana são claras e ela convive tanto com certo elemento oportunista –  
incorporado pelo próprio autor de O príncipe quanto com uma liberdade marcada  
pela limitação e pela defesa do caráter autolimitado das individualidades. Assim, tem-  
se tanto um indivíduo que não é aquele átomo da economia política quanto alguém  
que traz consigo, não só um senso de oportunidade (a famigerada Virtú), mas um  
oportunismo dos mais crassos. Trata-se de determinações de reflexão presentes no  
pensamento político maquiaveliano; tentar separá-las é, no mínimo, unilateral e  
profundamente seletivo.  
Trata-se de algo marcado, de acordo com Chasin, “pela incapacidade radical de  
auto-ordenamento (ao nível mesmo de sobrevivência elementar) da forma de  
sociabilidade então emergente” (CHASIN, 2012, p. 89). É preciso destacar: também  
aqui, a política é pensada como resolutiva ao passo que se admite como ponto de  
partida limitações na sociabilidade. Há um elogio às limitações da sociabilidade  
emergente, a qual, como já mencionado, coloca-se, em verdade, em um momento  
transicional.  
E, desse modo, de acordo com O futuro ausente, a concepção de república de  
Maquiavel somente poderia se conformar da seguinte maneira:  
Em suma, dos contrapostos nasce a virtude, mas simultaneamente a  
adstringência e os limites, nada se perde, mas tudo é constrangido.  
Em realidade, a virtude tem a face do constrangimento, e o virtuoso  
(no singular e no plural), o ar pesado da coabitação forçada. Numa  
hipérbole pode ser dito que este é o perfil do paraíso republicano de  
Maquiavel. A todos é reservado um espaço, mas ele é estreito demais  
para o corpo inteiro: algo sempre tem de ser encolhido ou ficar  
perigosamente exposto. (CHASIN, 2012, p. 95)  
A virtude, analisada por Maquiavel sobretudo em O príncipe, é, em verdade, o  
fruto das limitações e da adstringência da sociabilidade nascente. Ela passa por um  
senso de oportunidade que é, ao mesmo tempo, realista ao admitir as contraposições  
como sua base, e oportunista ao mover-se em meio às contradições sociais as  
naturalizando como simples contraposições. Essas últimas, em verdade, são tomadas  
como inerentes à própria sociabilidade humana. Trata-se de uma circunstância que  
Chasin descreve como aquela do “ar pesado da coabitação forçada” (CHASIN, 2012,  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 61  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
p. 95). Esta seria, em verdade, uma fundamentação ineliminável da concepção de  
república de Maquiavel.  
Consciente da impossibilidade da república aos moldes romanos nos tempos  
modernos do capitalismo emergente, só resta ao autor de modo bastante realista –  
tomar como ponto de partida a liberdade autolimitada. O governo misto seria, assim,  
aquele em que todos têm lugar de certo modo, mas o espaço é demasiadamente  
estreito, e assim precisaria continuar. Nas palavras de Chasin, tem-se uma situação de  
difícil equilíbrio, em que “algo sempre tem de ser encolhido ou ficar perigosamente  
exposto” (CHASIN, 2012, p. 95). Virtude e fortuna, portanto, são necessários à teoria  
maquiaveliana ao passo que a política é o reino da contradição não resolvida e  
necessita da autoconstrição.  
O impulso ativo da república de Maquiavel, portanto, não haveria como ser  
aquele do povo livre, até mesmo porque a liberdade é tomada como autolimitação.  
Mas há algo mais, que é destacado por Chasin: a conformação da política diuturna não  
poderia vir propriamente de baixo; antes, ela precisaria partir de legisladores: “o  
legislador, portanto, é o arquiteto do estado e da sociedade, aí contidas todas as  
instituições políticas, econômicas, morais e religiosas” (CHASIN, 2012, p. 87). A  
sociedade, como tal, não poderia ser modificada significativamente, sendo suas  
contradições algo a que a política precisa se adequar. E, assim, não se trataria tanto  
de modificar a sociabilidade vigente para que se tivesse uma esfera pública distinta.  
Antes, a conformação política com tudo que isso implica da esfera pública precisaria  
ser o ponto de partida, com todos os vícios que fariam com que a moralidade e a  
bestialidade fossem faces do mesmo fenômeno.  
Como diz o filósofo paulista, “ainda mais: uma vez corrompida, a sociedade não  
é capaz de se reformar por si mesma; a empreitada demanda um legislador capaz de  
restaurar os bons princípios estabelecidos por seu fundador” (CHASIN, 2012, p. 88).  
A política, por meio do legislador, precisaria trazer, no limite, uma espécie de  
restauração. E, com isso, o éthos ativo do renascimento acaba por redundar em algo  
dúplice.  
Ao mesmo tempo em que os homens se colocam como artífices do estado, o  
modo pelo qual isso se dá leva-os a se submeter a uma sociabilidade tacanha e  
adstringida. O ímpeto ativo leva à submissão diante da potência estranhada colocada  
na política. É o legislador do governo misto que detém a capacidade de recriar aquilo  
Verinotio  
62 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
perdido.  
Ao fim, ao legislar aparece algo que “é em essência fundar o estado, ou seja,  
plasmar os ordenamentos da convivência civilizada”. No que complementa Chasin:  
“trata-se de um ato inaugural de poder que cria a sociabilidade, ou de uma ‘reforma  
fundamental’ que equivale a sua recriação” (CHASIN, 2012, p. 87).  
Já em Maquiavel, portanto, a submissão a formas adstringidas e limitadas de  
sociabilidade convive com a ilusão sobre a política. Ao mesmo tempo em que ela  
decorre dos limites mencionados, ela pensa a si como uma espécie de demiurgo, que  
cria a sociabilidade. A inversão entre sociabilidade e politicidade, desse modo, é  
explícita.  
A posição politicista está mesmo naqueles mais capazes de analisar a política a  
partir da perspectiva do próprio poder político, como Maquiavel. Nele, porém, as  
limitações da sociedade renascentista são pungentes, assim como haviam sido no caso  
da política grega. Hoje, quando se rende homenagens à política, a situação é muito  
distinta.  
Isso ocorre tanto porque as contradições que o autor de O príncipe não  
conseguia apreender em sua essência já se mostraram de modo cristalino quanto  
porque as limitações da sociabilidade do capitalismo em sua faceta mercantilista já  
foram, há muito, ultrapassadas. Ou seja, não há como comparar o grau de sofisticação  
e de honestidade de Maquiavel diante daqueles que, modernamente, pretendem segui-  
lo de modo mais ou menos seletivo. De acordo com Chasin, a obra maquiaveliana “é  
o próprio ponto de partida dos referenciais que ainda hoje atuam e dominam” (CHASIN,  
2012, p. 81). Porém, como não poderia deixar de ser, isso se dá de modo  
extremamente unilateral.  
Aceitar o cinismo do autor florentino, bem como a determinação social de seu  
pensamento, é algo difícil, tanto no século XXI quanto “ao final do século XX, quando  
a panaceia politicista invade e imobiliza a consciência e a prática de toda gente”  
(CHASIN, 2012, p. 81). Resta não analisada também “a determinação da natureza da  
politicidade, questão sempre tão estreita e dogmaticamente enfrentada” (CHASIN,  
2012, p. 81). E, desse modo, há de se reconhecer Maquiavel, e a natureza da  
politicidade, percebendo-se como a política, mesmo em suas formulações mais ricas,  
parte do elogio às limitações da sociabilidade vigente em determinado momento. As  
forças sociais que foram separadas na política só podem se manter como tais, com  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 63  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
algo externo, ao passo que há pobreza, limitação a adstringência na sociabilidade. A  
política só pode pretender dominar e determinar a sociabilidade na medida em que é  
dominada por essa, de modo claro.  
Do impulso civilizatório da política absolutista ao politicismo: a ruptura com as  
tendências afirmativas do homem e a maldade natural com ponto de partida  
De acordo com a teorização chasiniana sobre Maquiavel, tem-se o último teórico  
da república romana e o primeiro do estado absolutista. Assim, ao fim, o que vem a  
ser afirmado pelo autor de O príncipe é a concepção moderna de política, a qual traz  
consigo o absolutismo e o mercantilismo que se afirmam. Ou seja, trata-se de uma  
prática e de uma teorização que se colocam em um momento transicional, e que trazem  
consigo tanto a bestialidade que caracteriza o estado quanto o elemento moral e  
voltado a certa memória daquilo que se perde. Ambos esses elementos são  
constitutivos da política renascentista, analisada por Maquiavel a partir do domínio do  
poder político dos Médici. Os aspectos mais brutais e bestiais da política  
explicitados pelo autor são indissociáveis de seu profundo realismo; o apelo moral,  
presente, por exemplo, no modo pelo qual trata do governo misto e das  
individualidades que se desenvolvem não se separa do oportunismo do autor. A  
síntese marcada pela lógica da contradição não resolvida da política renascentista  
aparece, desse modo, de maneira bastante pungente no autor.  
Com isso, determinações importantes da política vêm à tona de modo claro. A  
sua base em uma sociabilidade limitada e limitante, a caracterização de uma liberdade  
autolimitadora, o estranhamento das potências societárias, certo olhar ilusório que se  
volta ao passado, a pretensão de se colocar como uma potência demiúrgica, a  
inevitável dependência diante das contradições presentes no tecido societário, a  
conjugação da bestialidade com a moralidade, a afirmação da maldade dos indivíduos  
e do homem, tudo isso marca a obra maquiaveliana em uma unidade orgânica presente  
em seu opus.  
A maneira pela qual o autor florentino coloca-se diante da realidade traz todas  
essas características de modo vivo e em ato. Com isso, a verdade da política  
renascentista, em toda a sua grandiosidade, está colocada na afirmação da  
modernidade do absolutismo que prepara o terreno para que o capitalismo se coloque  
sobre os próprios pés.  
De acordo com Chasin, portanto, o absolutismo não é algo alheio à política  
Verinotio  
64 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
moderna, mas uma parte essencial do caráter afirmativo da sociabilidade que é  
transmutada em politicidade no Renascimento. A unidade formada entre, de um lado,  
o incremento das forças produtivas e, portanto, das capacidades humanas, e doutro a  
violência estatal, não pode ser cindida neste contexto. Aquilo que se afirma no  
processo de soerguimento e consolidação do capitalismo são tanto as brutalidades  
quanto aquilo que é trazido com elas, inclusive, certa função civilizatória do  
absolutismo. As tendências afirmativas do Renascimento assim supõem, e o tratamento  
maquiaveliano da política expressa essa dualidade de modo bastante orgânico e  
pungente.  
Por outro lado, se formos nos voltar ao presente, de acordo com o filósofo  
paulista, a temática aparece de outra maneira. Em O futuro ausente, diz-se justamente  
que os defensores contemporâneos da política tendem a dissociar o indissociável  
quando se trata de olhar para Maquiavel. Tal qual ocorre ao se olhar a Antiguidade,  
as leituras são, no mínimo, seletivas. E, assim, a afirmação da política é parte essencial  
do modo dúplice pelo qual a emergência da sociedade capitalista com todos os seus  
elementos vêm a se dar. E, por mais que se tente dissociar essas determinações, isso  
não é possível.  
Por mais desconfortável que seja, especialmente para as vertentes do  
politicismo, reconhecer a modernidade do absolutismo, em seu tempo,  
e sua derivada função civilizatória, não pode haver transigência com  
qualquer forma de obscurecimento destes significados reais e  
delineadores da época. (CHASIN, 2012, p. 82)  
Uma tendência essencial do pensamento politicista contemporâneo é procurar  
dissociar o indissociável, oscilando entre certa nostalgia de tempos perdidos e a  
afirmação acrítica do presente. As determinações concretas da política, assim, são  
apreendidas de modo unilateral. Em geral, aquilo que se mostra como desconfortável  
é deixado de lado por aqueles que afirmam acriticamente o presente; já os que adotam  
a posição mais passadista podem até perceberem-se de aspectos desconfortáveis, mas  
acabam atribuindo-os a certa perda inerente à modernidade. Se Maquiavel havia  
trazido à tona elementos da política aceitando-os com todas as suas consequências,  
isso não ocorre nos pensadores contemporâneos. Eles acabam sequer trazendo o  
absolutismo como um momento importante da afirmação moderna da política; aquilo  
que acaba por moldar a própria politicidade moderna é deixada de lado. De acordo  
com Chasin, por outro lado:  
O tratamento do absolutismo culminou em talhe filosófico, [....], com  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 65  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Thomas Hobbes, de sorte que Maquiavel (1469-1527), Bodin (1529-  
1596) e Hobbes (1588-1679) constituem a grande tríade dos  
fundadores do pensamento político moderno. (CHASIN, 2012, p. 82)  
O pensamento político moderno traz o absolutismo tanto em seus elementos  
brutais quanto nos civilizatórios como ponto de partida. A modernidade do  
absolutismo é bastante clara a Chasin. E, assim, há uma importante tendência  
afirmativa no renascimento; no entanto, a base social dessa tendência é justamente o  
insuficiente desenvolvimento da sociabilidade, as limitações e a insustentabilidade da  
condição social que dá fundamento ao equilíbrio instável e salvaguardado pela política.  
A afirmação resoluta do absolutismo rompe com tal situação e abre espaço para o  
desenvolvimento das forças produtivas que coloca o capitalismo para além de sua  
figura mercantilista.  
Que a política tenha que ser brutal e que o político deva ser oportunista para  
que isso possa ocorrer, é algo que já está presente no pensamento de Maquiavel; de  
acordo com O futuro ausente, não é possível retirar certo oportunismo do próprio  
autor de O príncipe. Nesse sentido, o autor florentino admite aquilo que ninguém antes  
dele teve coragem. E, assim, para que as tendências afirmativas do Renascimento sejam  
preservadas em seu pensamento, o talhe da política de sua época é afirmado. O autor,  
ao contrário daqueles que pretendem segui-lo hoje, traz consigo essa síntese do  
caráter afirmativo da atividade tipicamente renascentista com as determinações da  
política, o que significa incorporar tanto a brutalidade quanto o talhe afirmativo do  
pensamento renascentista.  
O preço para que isso possa se dar é a ausência de consciência do próprio  
Maquiavel acerca daquilo para o qual ele prepara terreno. Longe de o autor ser um  
entusiasta do desenvolvimento histórico à diante e do incremento das forças  
produtivas, ele traz uma concepção de história cíclica. Ou seja, a afirmação da política  
se coloca de modo inversamente proporcional à confiança nas potências da  
sociabilidade. E, assim, ao mesmo tempo, o centauro trazido pelo autor de O príncipe  
tem um papel fundante e só pode restaurar aquilo que teria sido perdido. A política –  
que à primeira vista aparece como grandiosa , ao fim, tem uma função, real e  
efetivamente, tacanha. O máximo que ele pode é trazer certo equilíbrio entre grupos  
se colocar entre a bestialidade e a humanidade do homem. A concepção maquiaveliana  
traz consigo certa natureza má dos homens e certa mesquinhez dos indivíduos e dos  
grupos e, com isso, a política só poderia equilibrar tais elementos, nunca se sobrepor  
Verinotio  
66 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
a eles. Dessa maneira, a grande tarefa política acaba sendo a de restaurar equilíbrios  
instáveis e, em verdade, insustentáveis.  
As tendências afirmativas presentes na política, com isso, acabam sendo aquelas  
de uma sociabilidade adstringida e que vêm trazer um elogio da liberdade  
autolimitada.  
Ao falar de Maquiavel, mas já remetendo a Hobbes, diz Chasin que:  
Portanto, há que repetir um grifo anterior, a atividade da sociedade  
política, mesmo em sua integridade jurídica, não pode nunca ser mais  
do que rude ferramenta que, em seus melhores momentos, interpõe-  
se entre a bestialidade e a humanidade, dando sempre por resultado  
a versão superficial ou ilusória desta, e a preservação irremediável da  
natureza daquela, seja reproduzindo a “comunidade” do choque  
(sociedade civil), seja reiterando o indivíduo isolado e perverso.  
(CHASIN, 2012, p. 97)  
Mesmo os melhores momentos da política que trata Chasin ao analisar as  
concepções ontopositivas sobre a política são aqueles que se interpõem sem qualquer  
resolução. Na verdade, como vimos, trata-se de um elemento mediador e reconciliador  
de fatores opostos e que são tomados como inerentes à sociabilidade como tal.  
A política, em Maquiavel, assim, por mais grandiosa que aparente ser, acaba por  
pressupor as autolimitações e a insustentabilidade da sociabilidade que lhe dá base.  
Colocar-se entre a humanidade a bestialidade significa aceitar ambas como  
contrapostos necessários. Já no caso de Hobbes, aqueles elementos organicamente  
ligados na concepção maquiaveliana começam a se dissociar. Tem-se, de um lado, a  
oposição entre sociedade política e sociedade civil e doutro, a pressuposição de uma  
espécie de estado de natureza. Os elementos trazidos por Maquiavel em uma unidade  
acabam por ser dissociados artificialmente a partir de uma concepção mecanicista e  
atomista que se vê obrigada a recorrer às teorizações do direito natural. Traz-se, assim,  
de um lado, uma versão superficial ou ilusória da humanidade e, doutro, uma  
concepção de natureza a ela contraposta. A oposição entre indivíduo isolado e a  
comunidade ilusória tratada por Marx em Sobre a questão judaica aparece pela  
primeira vez no pensamento hobbesiano.  
A unidade presente no cinismo e no oportunismo de Maquiavel começa a se  
romper e o pensamento político moderno começa a tomar uma face que ultrapassa o  
Renascimento, o mercantilismo e o equilíbrio tênue dos principados fiorentinos.  
Hobbes já expressa de modo mais evidente o processo da assim chamada acumulação  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 67  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
originária do capital. E, com isso, o indivíduo que aparece na teoria hobbesiana já é  
aquele que marcará a política moderna de modo claro, o indivíduo isolado e  
atomizado. Nas palavras de Chasin, trata-se da “compatibilização do homem aviltado  
com a desmoralização da política” (CHASIN, 2012, p. 102). A individuação já não  
aparece, como em Maquiavel, com um olhar voltado ao passado, mas em sua expressão  
mais claramente capitalista.  
O racionalismo de Hobbes, assim, evidencia uma das facetas do pensamento de  
Maquiavel e da política moderna. O autor florentino não tinha conseguido apreender  
tal aspecto de modo claro; se ele trata do egoísmo e do oportunismo, mas não pode  
entender o indivíduo ao modo tipicamente moderno, isso se deve ao caráter  
transicional da sociedade que trata. Há certamente elementos comuns a Hobbes e  
Maquiavel, porém, também é preciso passar pelas diferenças específicas entre seus  
pensamentos.  
Nesse sentido, diz-se em O futuro ausente sobre o autor de O Leviatã:  
Em suma, o esquema racionalista de Hobbes é a compatibilização e  
assimilação do homem aviltado com a desmoralização da política;  
enquanto tal é momento de grande importância na emergência real e  
temática da individuação, sob o processo altamente contraditório que  
o preside. Como no pensamento maquiaveliano, em contraste com o  
passado, há a desvalorização do homem em benefício da afirmação  
ilimitada da política. (CHASIN, 2012, p. 102)  
O pensamento hobbesiano expressa tanto o avanço do desenvolvimento das  
forças produtivas quanto a emergência do processo de individuação em sua expressão  
que avança com a emergência do capitalismo. Assim, o processo contraditório em que  
se afirma o indivíduo aviltado é o mesmo em que a individuação se conforma real e  
efetivamente. O avanço trazido pelo absolutismo, portanto, é inegável, segundo  
Chasin.  
A função civilizatória que ele traz, com isso, é evidente. Porém, perde-se também  
as tendências afirmativas que pretendiam se conciliar com uma posição moral frente à  
política. A partir de então, o homem moral e a sua natureza aparecem de modo  
absolutamente contraposto; do centauro de Maquiavel, passa-se ao Leviatã, de  
Hobbes.  
As diferenças entre os dois pensamentos, assim, são acentuadas. Porém, como  
mostra-se em O futuro ausente, tem-se o elogio da politicidade em oposição à  
sociabilidade em ambos os autores. E mais: isso só pode ocorrer ao passo que o  
Verinotio  
68 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
próprio homem é desvalorizado. Aquilo que aparece de modo bastante meandrado no  
autor de O príncipe, vem de modo evidente em Hobbes. O processo contraditório de  
afirmação da individuação vem a ser o mesmo pelo qual o aviltamento do indivíduo  
redunda na desvalorização do homem. Daí se ter a afirmação da política como a outra  
face da desvalorização do homem. Mesmo que os ganhos da afirmação do absolutismo  
que trazem também aquilo de mais bestial sejam objetivos, a subjetividade de  
homens como Hobbes e Maquiavel, que apostam na política contra a sociabilidade  
limitada, traz uma concepção de homem que, não só é tacanha: remete a uma espécie  
de maldade natural.  
No autor de O príncipe, isso aparece na medida mesma do elogio da politicidade:  
Embora o tema da maldade natural do homem não seja uma  
originalidade maquiaveliana, a radicalidade com que é versado e a  
necessidade de sua conexão com o primado da política não tem  
precedentes. De outra parte, sobre a determinação ontopositiva da  
politicidade, à qual o pensamento de Maquiavel está naturalmente  
afiliado, constituindo mesmo seu expoente máximo à época do  
advento do estado verdadeiro, quase nada é preciso dizer, tal a  
evidência de que se reveste no caso, não só maximizando a  
importância universal do poder político, como o estatuindo na única  
e efetiva condição de possibilidade da existência civilizada. (CHASIN,  
2012, p. 98)  
A radicalidade da tematização da maldade natural dos homens aparece  
justamente com a necessidade do primado da política. Dessa maneira, não se tem só  
as limitações e autolimitações societárias como ponto de partida e de chegada no  
pensamento maquiaveliano; a naturalização da maldade é algo que precisa  
acompanhar sua teorização.  
Maquiavel, de acordo com Chasin, coloca-se como o expoente máximo da  
determinação ontopositiva da politicidade. Talvez, possamos dizer que isso se dá  
porque a clareza e o modo explícito pelo qual as determinações da política aparecem  
no autor de O príncipe são únicos. Ele assume cada uma das determinações essenciais  
da política sem que se esquive de quaisquer aspectos desagradáveis ou  
inconfessáveis. Tem-se uma visão sobre o que Chasin chamou de estado verdadeiro,  
que emerge no Renascimento e consolida-se em sua primeira forma no estado  
absolutista. Aqui, “há a desvalorização do homem em benefício da afirmação ilimitada  
da política” (CHASIN, 2012, p. 102). Com isso, uma concepção de maldade inata  
emerge ligada à própria afirmação da politicidade.  
Isso ocorre, de acordo com O futuro ausente, “não só maximizando a importância  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 69  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
universal do poder político, como o estatuindo na única e efetiva condição de  
possibilidade da existência civilizada” (CHASIN, 2012, p. 98). E, com isso, passa a  
haver uma ligação inquebrantável na concepção moderna de política entre a maldade  
humana e a necessidade da política. Sobre o assunto, diz Chasin que, “com efeito, a  
visão desencantada do homem, a malvadez como identidade da alma humana é uma  
instauração da modernidade”, no que ele continua dizendo: “e em seus albores  
Maquiavel foi seu grande arauto, para cujas mazelas sua voz consequente, através da  
consistência de uma fórmula matrizante, anunciou também a terapêutica sem cura do  
poder político” (CHASIN, 2012, p. 99). A política, assim, não é só um fruto da  
contradição social não resolvida, ela também traz consigo justamente uma espécie de  
“terapêutica sem cura”. E, assim, mesmo em Maquiavel, a política passa longe de ser  
resolutiva. Em verdade, ela supõe todos os males a começar, certa visão da natureza  
humana sobre os quais atua.  
A formulação presente em O futuro ausente sobre tal condição é a seguinte:  
Em conclusão, o que importa deixar patente é que os dois complexos  
ontológicos política e natureza humana polarizados  
qualitativamente e impermeáveis um ao outro, aparecem, no entanto,  
funcionalmente indissociáveis, e numa relação inversamente  
proporcional que desfavorece radicalmente o homem, o qual,  
negativamente determinado, converte-se na pedra angular que  
suporta ou torna possível, no extremo oposto, a alta qualificação da  
política. (CHASIN, 2012, p. 98)  
Para Chasin, política e natureza humana aparecem em correlação íntima, de modo  
que, em verdade, há uma relação inversamente proporcional entre uma e outra: tanto  
menos é valorizado o homem, mais a política aparece em alta conta. A determinação  
da maldade inata, assim, torna-se uma espécie de suporte para a política, o que tem  
início já em Maquiavel, mas se amplifica em autores como Hobbes. E, deste modo, a  
terapêutica sem cura da política é afirmada de modo pungente ao mesmo tempo em  
que a sociabilidade e a natureza humanas são empobrecidas de modo aviltante. A  
visão sobre uma sociabilidade inerentemente estranhada e sem possibilidade de  
manter-se por suas próprias forças impõe-se. A fundamentação teórica da política,  
desse modo, passa a ser um posicionamento que supõe as limitações e autolimitações  
de certa forma de sociedade.  
Pelo que dissemos, principalmente em Maquiavel, mas também em Hobbes, tais  
elementos aparecem de modo indissociável. Trata-se de grandes autores, que trazem  
em suas concepções de mundo uma visão ontopositiva da política. Chasin, aliás, trata  
Verinotio  
70 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
dos momentos em que a politicidade se mostra em seus talhes mais ricos, como já  
dissemos. E, desse modo, ele não está a analisar a teorização de autores que não  
tenham mesmo que de modo meandrado tendências afirmativas se explicitando  
em seus pensamentos. Ele analisa os gigantes doutras épocas e mostra como que o  
elogio que eles tecem à política é socialmente determinado. Também se nota o modo  
pelo qual o filósofo paulista faz uma análise detida, mostrando como que tais autores  
expressam elementos dúplices que não podem ser dissociados. No entanto, segundo  
O futuro ausente, não é sempre que, na atualidade, tem-se tal tipo de análise. Em  
verdade, tem-se posicionamentos unilaterais.  
Ao tratar das leituras que são feitas sobre Maquiavel, nosso autor explica que é  
gritante como há interpretações profundamente seletivas. Com isso, perde-se,  
inclusive, o modo pelo qual as tendências afirmativas do Renascimento manifestam-se  
no autor florentino. Aliás, de acordo com Chasin, isso é sintomático de uma época em  
que essas próprias tendências afirmativas são, na melhor das hipóteses, deixadas de  
lado.  
De acordo com J. Chasin, sua época (que é a nossa) está marcada por uma:  
Ruptura sintomática que opera, com unilateralidade extrema, em  
relação ao núcleo das tendências afirmativas do homem, práticas e  
reflexivas, que se estruturou a partir do Renascimento e foi  
reenfatizado pelo Iluminismo, vindo a constituir o eixo dinâmico em  
torno do qual girou em todos os planos, desde então, inclusive como  
plataforma de impulsão superadora, o melhor dos esforços pela  
hominização. (CHASIN, 2012, p. 60)  
O pensamento do próprio Maquiavel e de Hobbes trariam, ao mesmo tempo,  
limitações profundas e uma tendência afirmativa. O Renascimento e, posteriormente,  
o Iluminismo estariam marcados por essa duplicidade. De um lado, tem-se por base a  
sociedade burguesa em consolidação e os impulsos progressistas dessa, doutro, o  
modo pelo qual tal sociabilidade é profundamente limitada. Há, desse modo, uma  
unidade complexa em grandes pesadores da política como Maquiavel e Hobbes, por  
exemplo.  
O cenário que Chasin escreve, porém, é completamente outro. Mesmo que  
autores como os mencionados sejam supostamente tomados por base, o que se dá,  
em verdade, são leituras unilaterais. E isso, como não poderia deixar de ser, não se  
deve somente a leituras equivocadas. Tem-se uma base social distinta: os elementos  
mais avançados da sociabilidade burguesa são abandonados e, em seu lugar, resta um  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 71  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
pastiche das teorias desses autores, e de outros. O impulso pela hominização, bem  
como a plataforma de impulsão superadora que marcaram tanto o Iluminismo quanto  
o Renascimento acabam por ser uma parte do passado. A tematização da natureza  
humana mantém-se forte, mas de modo a se reafirmar a todo momento o aviltamento  
da personalidade dos indivíduos.  
Com isso, tal qual anteriormente, “há a desvalorização do homem em benefício  
da afirmação ilimitada da política” (CHASIN, 2012, p. 102). Porém, isso se passa sem  
qualquer afirmação das “tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas”  
(CHASIN, 2012, p. 60). Ou seja, trata-se do pior dos mundos. Aquilo que não podia  
ser dissociado nos grandes autores da política moderna, como Maquiavel e Hobbes,  
aparece dessa maneira agora. E com um agravante: antes havia uma unidade  
contraditória que trazia mesmo que de modo profundamente contraditório –  
avanços. Agora, por outro lado, oscila-se entre, de um lado, aceitar a sociabilidade  
presente acriticamente tomando a política em sua forma mais mesquinha e, doutro,  
idealizar a política doutro momento geralmente aquela da Antiguidade em  
detrimento da política moderna do dia a dia. Os autores que tratam da política com  
uma concepção ontopositiva, portanto, procuram separar aquilo que é inseparável no  
pensamento dos autores clássicos. Fazem isso, porém, porque as tendências  
afirmativas que marcavam o pensamento e a atividade desses pensadores não  
estão mais presentes. Ou seja, de acordo com Chasin, aquilo que acompanhou a defesa  
honesta da política por autores renascentistas e iluministas as tendências afirmativas  
sai de cena. E chega-se a um momento em que o pensamento político não pode ser  
mais que a sombra daquilo que já foi, por mais que ainda se afirme.  
O politicismo contemporâneo, com isso, é extremamente unilateral. Em verdade,  
é, no limite, apologético. Ele procura primeiramente reafirmar aquilo de mais aviltante  
e vil na sociabilidade humana. Os esforços vão no sentido de uma ruptura com as  
melhores tendências do passado; opera-se um elogio aos aspectos mais limitados e  
limitantes da sociabilidade capitalista para que, então, seja possível defender e  
justificar a política.  
Nota-se que não se trata, como em Hobbes ou Maquiavel, de autores que  
defendem uma concepção ontopositiva da politicidade em um momento  
essencialmente transicional. Com os autores de O príncipe e de O Leviatã, a afirmação  
da política redunda no estado absolutista, e na defesa da superação de elementos da  
Verinotio  
72 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
sociabilidade feudal. Ou seja, trata-se de enxergar na práxis e na teoria de tais autores  
tanto a modernidade do absolutismo quanto seu caráter progressista à época. Em  
outras palavras: a defesa do absolutista trouxe consigo um impulso civilizatório ao  
passo que o politicismo atual defende a manutenção da sociabilidade vigente, por mais  
aviltante que ela se mostre.  
Maquiavel eterniza a sociabilidade de sua época e isso também pode ser dito  
sobre Hobbes. Porém, é preciso perceber que os autores fazem isso devido às  
limitações de suas épocas, sobre as quais não são e nem podem ser plenamente  
conscientes. Aqueles que partem dos dois autores mencionados hoje, por outro lado,  
estão plenamente conscientes da configuração já consolidada (e decadente) do  
capitalismo. Não se tem, portanto, uma defesa de uma nova e superior sociabilidade  
emergente. Antes, ocorre o contrário. E, assim, não se trata mais de uma concepção  
adstringida devido ao caráter limitado e limitante da sociabilidade da época; o  
incremento das forças produtivas é pungente hoje. O desenvolvimento das  
capacidades humanas também. Porém, igualmente forte vem sendo a tendência à  
defesa da impossibilidade de liberar tais potencialidades.  
No politicismo, tais potências sociais são caladas e a base social de uma  
sociabilidade aviltante é mantida. Segundo Chasin, as bases do próprio entendimento  
político, estão na impossibilidade de autorregulação. E, assim, hoje, a situação parece  
ser bastante dúbia: o incremento das forças produtivas é gigantesco e, desse modo,  
as limitações que deram base à politicidade grega e renascentista já estão há muito  
superadas. Porém, tal qual ocorre na época do Renascimento, parece não haver  
qualquer vetor societário que seja efetivamente capaz de autorregulação econômica e  
social. A esfera pública parece somente ser pensável em termos políticos, de modo  
que uma mudança substancial na sociabilidade vigente acaba por ser vista como uma  
impossibilidade; ao menos nas condições presentes, o proletariado moderno (em seu  
sentido mais amplo) bem como as diversas classes trabalhadoras sequer conseguem  
organizar suas próprias agremiações políticas tamanha a miséria intelectual da  
esquerda e de tal monta é a derrota (ainda não compreendida plenamente) que marcou  
em nível mundial desde que O futuro ausente foi escrito. É preciso, por isso, colocar a  
questão incômoda que J. Chasin colocou, sobre o agente social interessado. O texto é,  
dentre outras coisas, o aviso de que, tudo mais constante, a derrota seria acachapante.  
E ela vem sendo. Em verdade, não parece que estamos avançando prática e  
teoricamente no debate sobre as determinações da politicidade. O silêncio que vem  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 73  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
sendo imposto ao pensamento de Chasin, aliás, é sintomático sobre isso e vem se  
impondo diuturnamente a nós.  
Na melhor das hipóteses, debate-se sua tese sobre a determinação ontonegativa  
da politicidade de modo profundamente unilateral. Tudo se passa como se o apelo do  
filósofo paulista fosse no sentido do abandono da luta política e da aceitação tácita  
das determinações do presente. E obviamente não é o que acontece em suas  
teorizações, as quais falam sempre da necessidade de uma prática que tenha em conta  
as limitações da política para que, assim, possa remeter, por meio de uma espécie de  
metapolítica, para além dela. O futuro ausente é uma magistral tentativa inacabada  
de compreensão das determinações da própria política. Essas determinações trazem  
limitações inerentes à própria politicidade, limitações essas que advém do próprio  
processo histórico de constituição e desenvolvimento da política. Não se trata,  
portanto, somente de uma “interpretação” de J. Chasin sobre a obra de Marx. E, caso  
se queira debater o tema de modo minimente sério, é preciso buscar realizar um  
trabalho à altura daquilo que se fez buscando, ao mesmo tempo, uma crítica à política  
e o resgate da emancipação humana. Tais determinações, cada vez mais, parecem ser  
indissociáveis.  
O futuro ainda ausente: a defesa acrítica da politicidade e a necessidade de  
continuidade no trabalho de J. Chasin  
Chasin não está tematizando a ontologia e a política para mostrar erudição.  
Embora seu texto seja erudito, ele pretende passar com cuidado pela gênese e pelo  
desenvolvimento da própria esfera da política em seu ser-propriamente-assim. Ou seja,  
trata-se de buscar compreender os limites e as possibilidades que se colocam em cada  
esfera do ser social, ao enxergar a política, inclusive, em seus melhores momentos,  
como aqueles que marcam a Antiguidade e o Renascimento. Há um esforço no sentido  
de se mostrar que o ser da política precisa ser compreendido historicamente e que o  
pensamento político traz consigo uma determinação social que não pode ser deixada  
de lado. O futuro ausente realiza uma análise imanente de grandes momentos do  
pensamento político. Tal análise, no entanto, volta-se ao presente e tem em mente a  
maneira como tal tema, de tamanha importância, é negligenciado. Isso é importante  
para o autor paulista até mesmo porque, em um cenário de profunda miséria  
intelectual, “o lema, ontem e hoje, tem de ser a recriação da esquerda pautada em  
sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28).  
Verinotio  
74 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
O futuro ausente é um exercício magistral para que possamos ter acesso a bases  
teóricas sólidas. Na época que foi escrito, no entanto, seja no baixo clero acadêmico,  
por meio da apropriação de cacoetes e de “indivíduos moralmente falidos” (CHASIN,  
2001, p. 26) ou em meio “politicismo da correlação de forças” (CHASIN, 2001, p. 35),  
que se colocou na prática via Fernando Henrique Cardoso, o apreço por uma teoria  
que tentasse escavar as determinações da política estava fora de cena. Com isso, a  
esfera econômica é limitada a um dos fatores a serem considerados e não é  
compreendida real e efetivamente. Ela acaba por ser tomada como um dado natural,  
que tem como contraparte, o apelo à vontade política. Trata-se de algo que tem uma  
das suas raízes na “sabida e reiterada falta de produção teórica de qualidade nos  
círculos da esquerda organizada”, que, segundo Chasin, constitui-se como “defeito  
capital cujas raízes tinham assento, sem falar nos constrangimentos extrateóricos, no  
desconhecimento do pensamento marxiano e nas suas versões aleatórias e disformes”  
(CHASIN, 2001, p. 6). O futuro ausente, portanto, coloca-se também no sentido do  
desenvolvimento de um projeto marxista que contra o marxismo vulgar e no sentido  
oposto do marxismo da analítica paulista pudesse colocar-se no sentido da “recriação  
da esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28) e que tivesse  
como horizonte a emancipação humana.  
No cenário desolador mas não apocalíptico que se mostra a J. Chasin, isso  
seria essencial. Hoje, a questão é ainda pior. Na época em que é escrito o texto  
chasiniano, “o instante exibia também a derradeira falência da esquerda tradicional e  
a inconsistência dos credos e propósitos da então chamada nova esquerda” (CHASIN,  
2001, p. 6). Agora, porém, aqueles que buscam contestar o presente, muitas vezes,  
como ocorre nos já mencionados Mouffe e Agambem, sequer defendem qualquer  
esquerda. Acreditam que a oposição entre esquerda e direita é ultrapassada; com isso,  
nem mesmo verbalmente, colocam-se a favor de qualquer projeto emancipatório.  
Antes, tem-se o contrário: suas teorias, como aquelas de pensadoras como Hannah  
Arendt, nascem da repulsa a qualquer forma de revolução social. Não conhecem nada  
do marxismo e nem pretendem fazê-lo, mas sempre vão criticar um espantalho teórico  
que, na melhor das hipóteses, beira o marxismo vulgar. O projeto de “recriação da  
esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28), assim, seria, no  
limite, inadmissível à própria esquerda. Primeiramente, porque não se colocam como  
“esquerda”, depois, porque há uma, cada vez mais evidente, aversão a qualquer  
teorização de mais fôlego.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 75  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
O futuro ausente pretende se voltar contra o automatismo imposto no cotidiano  
da reprodução ampliada do capital. Sua crítica à política (já presente em Marx, mas  
fortalecida pelo estudo chasiniano da gênese e do desenvolvimento da politicidade) é  
um requisito necessário para a crítica às relações de produção capitalistas. Para que  
digamos de modo mais claro: não há como se fazer a crítica à economia política sem  
se voltar contra os procedimentos especulativos do idealismo e sem a crítica à política.  
Nas sociedades em que vige o modo de produção capitalista, o politicismo aparece de  
modo quase que natural. E, assim, a crítica da política é essencial porque, de acordo  
com Chasin:  
O politicismo é intrínseco à ordem do capital: a ordem econômica é  
natural, a ordem política é o que resta para o homem configurar, e  
esta é decisiva, molda a convivência e realiza a justiça. A economia é  
[vista como] uma espécie de pano de fundo por si amorfo, ou melhor,  
uma plataforma virtual com várias possibilidades, que será decidida  
pela política - correlação de forças constitutiva de alianças. (CHASIN,  
2001, pp. 34-35)  
A tematização presente em O futuro ausente, portanto, é aquela de alguém se  
volta às melhores concepções sobre a política do passado. Isso se dá para que se veja  
a grandeza de homens como Maquiavel e Hobbes, certamente. Também se tem as  
determinações da política emergindo de modo orgânico nesses autores. Porém, a  
comparação dos autores do Renascimento e do Iluminismo, por exemplo, com aqueles  
que acreditam no tempo de Chasin, mas também hoje terem ultrapassado tais  
tradições mostra elementos muito importantes do presente. Não se trata somente da  
já mencionada “ruptura sintomática que opera, com unilateralidade extrema, em  
relação ao núcleo das tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas” (CHASIN,  
2012, p. 60) vigentes anteriormente. Tem-se um verdadeiro elogio à irracionalidade  
do capital, que é tomada como uma espécie de segunda natureza. E é preciso  
mencionar: mesmo no plano dos diversos marxismos, isso se dá ao passo que a política  
passa a ser pensada como algo decidido a partir da simples correlação de forças. Tudo  
se passa como se as formas e as figuras econômicas tratadas por Marx em O capital,  
mas que precisam ser estudadas hoje de modo cuidadoso fornecessem uma espécie  
de cardápio no meio do qual a política pudesse se conduzir.  
Mesmo em meio ao marxismo, trata-se de um politicismo atroz. Na figura do  
marxismo vulgar, isso era marcante: “o marxismo vulgar, politicista e praticista, situa-  
se nas franjas putrefatas da lógica do passado: o mito nacional-estatista, proletário e  
sindical” (CHASIN, 2001, p. 30). A poesia do marxismo vulgar se é que tal falatório  
Verinotio  
76 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
pode ser chamado de poesia só pode ser tirada do passado e denota uma total  
incompreensão da realidade. Sobre esse aspecto, e o desenvolvimento da “esquerda”  
de seu tempo, diz Chasin que “a falta de cultura marxista é massacrante” (CHASIN,  
2001, p. 45). O “diálogo” com essas tendências, assim, era inviável, assim como hoje  
ainda é. Na época de O futuro ausente, as coisas se apresentavam da seguinte maneira:  
O marxismo vulgar no Brasil, hoje, é misticamente nominalista, pratica  
a crença primitiva nos atos de fala, age como se o uso de certas  
palavras tivesse a magia de promover adventos reais. Hoje, reduzido  
ao ritualismo verbal, o uso das palavras é feito ao modo das  
invocações, uma vez que tudo pode ser realizado, na medida em que  
Deus queira e haja vontade humana. O marxismo vulgar, por seu  
politicismo e nominalismo, é obrigatoriamente antiontológico, ou seja,  
subjetivista e voluntarista, [donde considera que a] política é remédio  
para o egoísmo natural do homem. (CHASIN, 2001, p. 26)  
Curiosamente, nada mais longe do marxismo vulgar da época de Chasin que o  
materialismo. Em verdade, o nominalismo que domina tal vertente acaba por ser, não  
só idealista, mas marcado por certo elemento mágico. Também aqui se nota que a  
força das palavras, ou dos “atos de fala” (para que se siga a dicção de Austin) acaba  
por aproximar na prática tal marxismo de vertentes das mais caricatas do pós-  
estruturalismo.  
A posição antiontológica, subjetivista e voluntarista que domina o marxismo  
vulgar da época que é escrito O futuro ausente, porém, ainda vai mais longe, trazendo  
o politicismo em sua forma mais atroz. Ou seja, tem-se um marxismo que oscila entre  
o determinismo econômico e o politicismo e que, não consegue fazer mais do que um  
ritualismo verbal. A mágica, e o caráter invocador, de tal posição representa claramente  
uma ruptura com as tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas. E, desse  
modo, tem-se um revolucionarismo verbal; como diz Chasin, “é a contrarrevolução em  
nome e na simulação (consciente ou inconsciente, não importa) da revolução” (CHASIN,  
2001, p. 27). Trata-se de uma espécie de marxismo de simulacro, em que a lógica do  
passado domina o presente com uma postura antiontológica que supostamente  
compreende as contradições da própria realidade. Conjugado com o baixo clero  
acadêmico, tal marxismo não capta as coisas em sua lógica específica; ele “não é a  
gravitação em torno da reprodução conceitual das coisas em sua complexidade e  
mutabilidade, mas a gravitação sobre o oco de suas ambições mesquinhas” (CHASIN,  
2001, p. 27). Tal é a munição da “esquerda” – que Chasin não deixa de chamar de  
pseudoesquerda da época em que o texto que aqui tratamos foi escrito.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 77  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Assim, segundo o autor, “a ‘esquerda’ faz um pastiche de si mesma ao ser incapaz  
de encarar e encarnar a tragédia, apesar da realidade desta” (CHASIN, 2001, p. 44).  
Hoje, porém, tal qual em outros pontos, a questão é ainda pior. O caráter mágico  
e irracionalista dos atos de fala explicitamente é base de diversos autores  
supostamente críticos. Do giro linguístico que marca a teoria de Habermas depois da  
Teoria do agir comunicativo até hoje, passando pela abordagem dos mais diversos  
temas importantes, como raça, gênero, patriarcado, colonialismo, tem-se não só a  
economia como mero fator, ou uma oscilação entre o economicismo e o politicismo.  
Tem-se muitas vezes a aversão a qualquer análise econômica séria. O marxismo vulgar  
e a nova esquerda ainda acreditavam erroneamente que compreendiam as relações  
econômicas de sua época. A esquerda representada em autores como Agamben,  
Mouffe e outros sequer passa por qualquer análise econômica. Se o marxismo vulgar  
acabava em uma espécie de reboquismo quanto ao sindicalismo e ao  
desenvolvimentismo, hoje, em grande parte das vezes, nem sequer se pretende  
elaborar um programa econômico. O subjetivismo e o voluntarismo acabam sendo  
ainda mais pronunciados e o elogio à política ainda mais unilateral. O caráter  
performático e performativo para que continuemos a usar as expressões de Austin –  
ainda são mais salientes e hipertrofiados que antes.  
Com Chasin, pode-se trazer, ao fim, uma ligação entre politicismo e irracionalismo  
ou uma concepção atrófica a adstringida de razão: “o ato político não é um ato  
racional, mas um ato de razão de baixa qualidade, de razão atrófica. O ato político  
enquanto racionalização é uma corruptela da racionalidade” (CHASIN, 2001, p. 37). A  
política, assim, acaba por acatar à racionalidade do próprio capital.  
Tanto antes, como hoje, ao invés de se ter uma crítica à ordem do capital, tem-  
se a aceitação dessa, no melhor dos casos, como campo de possibilidades. E, com isso,  
um irmão gêmeo do politicismo é a incompreensão sobre as determinações  
econômicas do sistema capitalista de produção. Chasin mostra em O futuro ausente  
como que é impossível pensar a política dessa maneira; primeiramente, o filósofo  
paulista explicita a determinação social da política em seus momentos mais icônicos.  
Como demonstramos acima, isso traça as limitações da sociabilidade que dá base à  
politicidade. E, com isso, acaba por haver uma valorização tanto maior da política  
quanto mais aviltante é a concepção de sociabilidade e de natureza humana tomada  
por base. Uma esquerda que é incapaz de criticar a política, portanto, vê-se como  
Verinotio  
78 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
caudatária do movimento do capital.  
O tom como isso se dá muda da época em que Chasin escreve seu texto para  
hoje, certamente. Mas, no essencial, há continuidades, que dificultam a “recriação da  
esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28). Em verdade, se  
a esquerda de ontem acabava por adotar certo pluralismo avesso à noção de verdade  
objetiva e de ciência, hoje, ao fim, acaba por haver, no limite, certa aversão à própria  
teoria.  
Com isso, a crítica acaba sendo vazia e, ao fim, a ordem econômica é tomada  
como algo natural. O que é preciso deixar claro é que tal aspecto, que torna a política  
como algo resolutivo, é tomado de modo muito mais unilateral na sociedade capitalista  
plenamente desenvolvida: as possibilidades que emergem com o desenvolvimento das  
forças produtivas parecem poder ser efetivadas em meio à própria ordem do capital.  
O politicismo, assim, aparece como a contraface da incompreensão das contradições  
econômicas da sociedade capitalista. Essas últimas não só são tomadas como algo  
amorfo; acabam sendo naturalizadas. Sobre elas, poderia, inclusive, por meio da  
vontade política, edificar-se a justiça! O vazio da “justiça social” toma o lugar da crítica  
da política e da economia política. Ao invés do entendimento profundo sobre a lógica  
da coisa, da reprodução das coisas em sua mutabilidade e complexidade, o  
nominalismo. Assim, não se tem mais a discussão teórica, que pode redundar na  
elaboração de táticas para se modificar substancialmente à realidade. Hoje parece, no  
limite, que falar de “realidade objetiva” é algo obtuso ao campo da filosofia. E é preciso  
dizer que a esquerda atual dos atos de fala, sob esse aspecto específico, está em muito  
mais continuidade com o marxismo vulgar do que acredita, sendo o politicismo comum  
a ambos.  
O combate a essa posição fez Chasin se voltar, não só à reafirmação da  
determinação ontonegativa da politicidade, que havia sido trazida à tona por Marx  
(autor incompreendido tanto pela pseudoesquerda da época em que é escrito O futuro  
ausente quanto pela enorme maioria da autoproclamada esquerda do presente). O  
autor paulista, no entanto, não realiza somente um estudo de fôlego sobre a formação  
do pensamento marxiano. Ele voltou-se ao estudo da gênese, do desenvolvimento e  
da estrutura do melhor do pensamento político. Assim, retoma a política antiga e  
renascentista e explicita aquilo que se apresenta como base social da política e do  
pensamento político nessas épocas. Ou seja, o texto que aqui tratamos não é uma  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 79  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
defesa da crítica marxiana à política; ele mostra quais são as determinações da própria  
politicidade e o modo pelo qual ela se autonomiza da sociabilidade e, posteriormente,  
passa a se contrapor objetivamente a ela.  
Há de se notar, inclusive, que Chasin não traz um diálogo explícito com o  
marxismo de sua época no texto que analisamos. Isso se dá, primeiramente, pelo seu  
objeto: a gênese e o desenvolvimento da política e do pensamento políticos. Porém, é  
preciso se perceber que o cenário nacional da época do texto é marcado, não só pelo  
marxismo vulgar, que mencionamos acima. Tem-se uma versão muito mais sofisticada  
do marxismo, que é crítica à esquerda tradicional dos PC, e que se configura naquilo  
que o autor paulista chama de analítica paulista, como se mostra em Rota e  
prospectiva.  
Ou seja, somente o embate necessário com aqueles que estudaram Marx no  
Brasil já levariam o autor a um outro texto. E, se considerarmos o desenvolvimento de  
expoentes desse movimento, como Giannotti, por exemplo, seria preciso passar pela  
sua apreensão posterior dos textos de Wittgenstein e Heidegger, por exemplo. Ou  
seja, os rumos da tradição marxista mais forte no Brasil na época e, talvez, até hoje,  
por si sós, já justificam a pertinência dos estudos que procuram a compreensão  
explícita da relação entre a política e a ontologia, como aqueles presentes no  
inacabado O futuro ausente.  
Se formos ser rigorosos, a tematização sobre a política presente no marxismo da  
época de Chasin não consegue chegar à riqueza de determinações que é trazida na  
análise do pensamento maquiaveliano. O autor de O príncipe, mesmo tentando  
justificar o injustificável, acaba por realizar uma análise que passa longe de ser  
unilateral ao tratar da política. Por outro lado, ao se reduzir a economia a mero fator,  
a política ganha uma carga variável, mas, por isso mesmo, determinante. Para que  
digamos com Rota e prospectiva, “na medida em que deixa de ser a economia a esfera  
matrizadora da sociabilidade, e é convertida em fator, não se sabe mais com precisão  
qual é o peso determinativo desse fator, e a política passa a ser a última instância”  
(CHASIN, 2001, p. 35). O caráter demiúrgico atribuído por toda forma de politicismo  
à política está presente; porém, a consciência sobre aquilo que acompanha a  
politicidade presente em Maquiavel de modo oportunista e cínico deixa o campo  
da argumentação e se coloca, de modo hipócrita, na prática. Pode-se acusar Maquiavel  
de muitas coisas; não de hipócrita. E a aceitação do capital como campo de  
Verinotio  
80 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
possibilidades leva a uma esquerda marcada pela hipocrisia.  
E, com isso, os próprios marxistas, mesmo em suas figuras mais elaboradas na  
época de Chasin, como no caso da analítica paulista, acabam sendo prisioneiros do  
politicismo engendrado pelo capital. Para que sejamos claros: mesmo que o marxismo  
brasileiro conseguisse se colocar para além dos muros da universidade, suas  
potencialidades não seriam compatíveis com qualquer resgate da emancipação  
humana; antes, ter-se-ia certo eclipse. A ordem do capital seria o pressuposto da  
atividade sensível.  
Aliás, curiosamente, pode-se dizer que isso aconteceu de modo bastante  
proeminente, com as influências de certa intelectualidade tanto no desenvolvimento  
do PT quanto do PSDB durante as décadas de 1990 e de 2000. A tradição marxista  
mencionada certamente representa “a ruptura com o marxismo de baixa elaboração”  
(CHASIN, 2001, p. 6). Porém, suas posições diante da política relacionadas a certo  
politicismo, de acordo com Chasin, como dito –, no plano da teoria, representam “uma  
modalidade epistêmica de aproximação e apropriação seletiva da obra marxiana de  
maturidade” (CHASIN, 2001, p. 7). E, assim, há uma ligação íntima entre o modo pelo  
qual se lê a obra de Marx e a ausência da tematização da crítica da política. As  
abordagens epistêmicas, aliás, com certa influência posterior dos teóricos da Escola  
de Frankfurt e, em especial, de certa leitura da Dialética do esclarecimento, não raro,  
acabaram por entoar certo canto contrário à ciência. E, desse modo, a própria defesa  
das tendências afirmativas mencionadas por J. Chasin, acaba por perder representantes  
dentro do marxismo mesmo. Ou seja, na época em que O futuro ausente é escrito, em  
grande parte, encontrar aliados era um programa difícil, embora, sempre, necessário.  
Aquilo que Chasin chamou de marxismo adstringido da analítica paulista acabava  
não trazendo qualquer posicionamento proveitoso sobre a política e, com isso, acaba-  
se por aceitar o movimento do capital de modo acrítico. Isso se daria, de acordo com  
o filósofo paulista, mesmo em “dissidentes” – certamente mais conscientes dos  
problemas da vigência do modo de produção capitalista como Paulo Arantes e  
Roberto Schwarz. Aliás, vale dizer que hoje, na melhor das hipóteses, tais autores  
acabam sendo as melhores referências nacionais quando se trata de uma análise séria  
do Brasil contemporâneo. Ou seja, é preciso dizer: a crítica de Chasin é certeira em  
sua época. Porém, aqueles que buscaram se influenciar pelo seu pensamento (dentre  
eles quem escreve essas palavras) não foram capazes de dar continuidade à unidade  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 81  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
existente na obra do autor do Estatuto ontológico entre compreensão da obra de Marx,  
análise da especificidade do capitalismo brasileiro, crítica às ideologias e apreensão  
das determinações da política. Ou seja, talvez aquilo que exista de melhor na crítica  
marxista atual parta justamente de bases que foram profundamente criticadas por J.  
Chasin.  
E, assim, é mais do que necessário retomar a obra do autor, buscando  
compreendê-la e, posteriormente, continuá-la, também, para a “recriação da esquerda  
pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28). Há muito a ser feito,  
muitíssimo.  
Sem isso, acaba-se por oscilar entre uma aceitação acrítica da ordem do capital  
e uma crítica moralista. Tais determinações, aliás, como vimos acima, marcam o próprio  
desenvolvimento da política, embora sejam exacerbadas no modo de produção  
capitalista que se coloca sobre os próprios pés. Chasin trata da política em O futuro  
ausente justamente tendo em conta tal cenário. A posição elaborada junto com a  
Ensaio, com muito esforço, acabara por posicionar-se da seguinte maneira diante da  
analítica paulista e do marxismo vulgar, respectivamente: “sofrer o silêncio aristocrático  
do extremo superior e a desqualificação desabrida na extremidade oposta” (CHASIN,  
2001, p. 6). E, assim, a contraparte necessária ao projeto presente do texto que aqui  
tratamos é aquele da retomada da obra de Marx por meio de “um Movimento de Ideias,  
voltado à produção e difusão teóricas e direcionado à redescoberta da obra de Marx,  
bem como à tematização da problemática brasileira” (CHASIN, 2001, p. 6). Isso se dá  
em um cenário em que se desenvolve uma aversão à ciência e em que, como já  
dissemos, os próprios expoentes do marxismo mais renomado (como Althusser) abrem  
espaço para teorias como as de Heidegger. Há de se dizer, inclusive, que a crítica à  
ciência, a retomada de Heidegger, bem como pelos frankfurtianos, e por certa  
apropriação seletiva de Marx, não deixam de marcar o pós-estruturalismo e as  
pseudoesquerdas de hoje. Ou seja, a ausência da tematização explícita sobre a  
ontologia, bem como leituras seletivas da obra marxiana, redunda em certo tratamento  
da política que é, de um modo ou doutro, unilateral.  
Contra essas unilateralidades que se põe O futuro ausente. No que é preciso  
dizer que o estudo chasiniano é seminal e cuidadoso. Porém, é visivelmente  
incompleto.  
Ou seja, é necessário servir-se dele para novas incursões na compreensão da  
Verinotio  
82 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
política e de seu desenvolvimento. E é preciso dizer: a grandeza de tal tarefa é absurda  
e ainda não foi sequer analisada com cuidado por muitos que conhecem a obra do  
autor. Hoje, não é exagero dizer que é necessário um trabalho coletivo para que os  
projetos de J. Chasin, como aquele do texto que tratamos, bem como o de Rota e  
prospectiva de um projeto marxista, sejam possíveis. Ou seja, ainda há muito a fazer.  
Um primeiro passo, porém, pode ser dado ao se ler as obras do próprio autor paulista.  
Infelizmente, elas ainda são ignoradas em grande parte ou são tratadas de modo  
claramente vulgar. Trata-se da “guerra do silêncio” que procura “reduzir à  
insignificância pelo silêncio” (CHASIN, 2001, p. 30), que vem sendo praticada  
diuturnamente. Um estudo detido do texto do autor, bem como uma retomada de  
Marx, nesse sentido, é mais urgente que nunca. O cenário que vivemos é ainda mais  
desolador que aquele de J. Chasin, de modo que a tentativa de se engendrar um  
movimento de ideias, bem como a prática a ele correspondente pode ser essencial.  
Para se reverter o cenário em que as tendências afirmativas do homem, práticas e  
reflexivas foram perdidas, a necessária crítica ao capital não prescinde da compreensão  
das determinações cuidadosa da política, bem como de sua crítica.  
Referências bibliográficas  
ADORNO, Theodor. Minima moralia: reflexões a partir da vida danificada. Trad. Luiz  
Educardo Bica. São Paulo: Ática, 1993.  
_____. Dialética negativa. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.  
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. Sergio Paulo  
Rouanet. São Paulo: Jorge Zahar, 2002.  
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007.  
_____. O que resta de Auschwitz. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo,  
2008.  
ALTHUSSER, Louis. A favor de Marx. Trad. Dirceu Lindoso. São Paulo: Zahar, 1979.  
_____. O futuro dura muito tempo. Trad. Rosa Freire de Aguiar. Ed. Schwartz, 1993.  
_____. A querela sobre o humanismo (I). Trad. Laurent de Saes. Crítica Marxista, n. 9.  
São Paulo: Xamã, 1999.  
_____. A querela sobre o humanismo (II). Trad. Laurent de Saes. Crítica Marxista, n. 12.  
São Paulo: Xamã, 2002.  
_____. A corrente subterrânea do materialismo de encontro. Trad. M. G. Zoppi  
Fontana. Crítica marxista, n. 20. Rio de Janeiro: Revan, 2005.  
ALTHUSSER, Louis; BADIOU, Alain. Materialismo histórico e materialismo dialético.  
Trad. Elisabete A. Pereira dos Santos. São Paulo: Global, 1986.  
ARENDT, Hannah. Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1999  
_____. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2000.  
_____. Sobre a revolução. Lisboa: Relógio d’Água, 2001.  
_____. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.  
_____. A condição humana. São Paulo: Forense Universitária, 2009a.  
_____. A promessa da política. São Paulo: Difel, 2009b.  
_____. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009c.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 83  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Trad. Fábio Fernandes.  
São Paulo: Boitempo, 2002.  
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo  
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.  
CHASIN, J. A miséria brasileira. São Paulo: Ad Hominem, 2000.  
_____. Ad Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista Ensaios Ad  
Hominem, n. 1, t. IV. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2001.  
_____. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
_____. O futuro ausente: para a crítica da política e o resgate da emancipação humana.  
Verinotio Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, n. 15, ano VIII. Rio das  
Ostras, 2012.  
COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. Rio de Janeiro: Paz e  
terra, 1979.  
HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: MAX NIEMEYER VERLAG TÜBINGEN,  
1967.  
_____. Über den Humanismus. In: Gesamtausgabe, Band 9. Frankfurt: Vittorio  
Klostermann, 1976.  
_____. Ereignis. In: Gesamtausgabe, Band 65: Beiträge zur Philosophie (Vom Ereignis),  
Vittorio Klostermann, Frankfurt a. M.,1989  
_____. Correspondência a Herbert Marcuse de 13 de maio de 1948. In: MARCUSE,  
Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Trad. Maria Cristina Vidal Borba. São Paulo:  
Unesp, 1998.  
_____. Carta sobre o humanismo. Trad. Rubens E. Frias. São Paulo: Centauro, 2005.  
_____. Ser e tempo (v. I). Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 2005a.  
_____. Ser e tempo (v. II). Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 2005b.  
_____. A origem da obra de arte. Trad. Manuel Antonio Castro e Idalina Azevedo da  
Silva. Lisboa: Edições 70, 2010.  
_____. Ser e tempo (edição bilíngue). Trad. Fausto Catilho. São Paulo: Vozes/Unicamp,  
2012.  
HORKHEIMER, Max. Origens da filosofia burguesa da história. Trad. Maria Margarida  
Morgado. Lisboa: Presença, 1984.  
_____. Teoria crítica v. I. Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2003.  
KATZ, Cláudio. Neoliberalismo, neodesarrolismo, socialismo. Buenos Aires: Editorial  
Alba, 2016.  
LUKÁCS, György. Marxismo ou existencialismo. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo:  
Senzala, 1967.  
_____. Pensamento vivido: autobiografia em diálogo. Trad. Cristina Alberta Franco.  
Viçosa: UFV, 1999.  
_____. Socialismo e democratização. Trad. José Paulo Netto. Rio de Janeiro: UFRJ,  
2009.  
_____. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. Trad. Lya Luft e Rodnei  
Nascimento. São Paulo: Boitempo, 2010.  
_____. Ontologia do ser social v. I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012  
_____. Ontologia do ser social v. II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013  
_____. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. Trad. Nélio Schneider.  
São Paulo: Boitempo, 2018.  
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução: Hegel e advento da teoria social. Trad. Marília  
Barroso. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.  
_____. A ideologia da sociedade industrial O homem unidimensional. Trad. Giasone  
Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.  
Verinotio  
84 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
_____. Cultura e sociedade v. 2. Trad. Wolfgang Leo Maar, Isabel Loureiro e Robespierre  
de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1998.  
_____. Tecnologia, guerra e fascismo. Trad. Maria Cristina Vidal Borba. São Paulo:  
Unesp, 1998.  
_____. Cultura e sociedade v. 1. Trad. Wolfgang Leo Maar, Isabel Loureiro e Robespierre  
de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.  
MOUFFE, Chantal. Sobre o político. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Martins Fontes,  
2015.  
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del  
Rey, 2009.  
Como citar:  
SARTORI, Vitor Bartoletti. O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a  
unilateralidade no tratamento da política. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 3-  
85, Edição Especial, 2022/2023.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 85  
nova fase