DOI 10.36638/1981-061X.2020.v28.1.680  
Renovação do agnosticismo pela “epistemologia  
fronteiriça”: convergências entre a filosofia da vida  
da fase imperialista e a teoria decolonial do  
conhecimento de W. Mignolo  
The renewal of agnosticism by “border thinking”: some convergences between the  
vitalistic philosophy of the imperialist period and W. Mignolo's decolonial theory of  
knowledge  
Lara Nora Portugal Penna**  
Resumo: O artigo busca sustentar a tese de que  
W. Mignolo não consegue realizar seu principal  
objetivo: romper com padrões eurocêntricos na  
produção de conhecimento. Para atingir tal fim,  
o método empregado foi a análise imanente do  
livro “On Decoloniality” (2018). Foi proposto  
que o afastamento pretendido pelo autor não  
se efetiva, uma vez que sua teoria do  
conhecimento e solução epistemológica se  
configuram como uma renovação da filosofia da  
vida da fase imperialista. Com isso, Mignolo e  
sua “epistemologia de fronteiras” reproduzem  
os aspectos essenciais daquela tendência do  
pensamento burguês.  
Abstract: The article is aimed at supporting the  
thesis that W. Mignolo fails to achieve his main  
objective: breaking with Eurocentric standards  
in the production of knowledge. To achieve this  
end, the method employed was the immanent  
analysis of the book “On Decoloniality” (2018).  
It was proposed that the distance intended by  
the author does not materialize, since his theory  
of knowledge and epistemological solution are  
configured as a renewal of the philosophy of life  
of the imperialist phase. With this, Mignolo and  
his “epistemology of borders” reproduce the  
essential aspects of that tendency of bourgeois  
thought.  
Keywords: decolonial; border epistemology;  
philosophy of life; agnosticism; subjetivism.  
Palavras-chave: decolonial; epistemologia de  
fronteiras; filosofia da vida; agnosticismo;  
subjetivismo.  
Introdução  
O impacto recente do pensamento decolonial não pode ser subestimado em  
quase nenhum campo de produções acadêmicas. De fato, a recepção positiva dessa  
teoria é encontrada desde a filosofia (GARCIA, 2020), passando pela sociologia  
(CONNEL, 2012), pedagogia (PRADO, 2021), psicologia (ALVES, DELMONDEZ, 2015),  
até campos como a administração (LOUREDO, OLIVEIRA, 2022) e a economia  
(SANTOS, DARIDO, 2021). Para além da amplitude de áreas que receberam  
* Bacharel em Ciências Humanas e em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),  
Juiz de Fora - MG, Brasil. E-mail: laranpenna@gmail.com.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, “30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
Lara Nora Portugal Penna  
positivamente tal pensamento, é possível observar também que essa popularidade  
cresceu em anos recentes. Segundo o Google Acadêmico1, o termo “decolonial”  
apareceu em 3.200 artigos entre os anos de 2000 e 2010, e em 53.000 entre os  
anos de 2011 e 2023, sendo a maioria deles (45.900) publicados após 2017. A  
considerar alguns de seus principais autores, é observado um número de citações tão  
alto quanto 67.933 em Mignolo, 22.148 em Grosfoguel, 19.800 em Walsh e 47.015  
em Quijano.  
Os autores referidos acima são alguns dos membros do grupo  
“Modernidade/Colonialidade”, responsável pelo movimento que veio a ser conhecido  
como “giro decolonial”. Tal grupo, originando-se na América do Sul, expandiu-se para  
outros lugares com o objetivo de compreender a constituição e transformação da  
“retórica da modernidade” e, com isso, orientar trabalhos decoloniais, através de  
análises conceituais acadêmicas, que se esforçam em afastar-se da epistemologia  
ocidental, e se engajando em atividades não acadêmicas (MIGNOLO, 2018, p. 108)2.  
Para explicar a origem do movimento em questão, Ballestrin (2013) remonta a  
autores considerados como precursores essenciais das teorias pós-colonialistas, tais  
como Aimé Césaire, Albert Memmi, Franz Fanon, Edward Said, Partha Chatterjee,  
Dipesh Chakrabarty e Gayatri Spivak. Segundo o argumento da autora que parece  
ser aceito pela maioria daqueles que buscam remeter-se à origem do “giro decolonial”  
(QUINTERO et. al., 2019; DULCI; MALHEIROS, 2021) tais influências pós-coloniais  
foram decisivas para a formação do “giro decolonial” propriamente dito, através do  
grupo Modernidade/Colonialidade,  
Muito embora tenham ocorrido tais influências na origem do movimento,  
contudo, o grupo em tela rompeu, desde suas primeiras manifestações, com as teorias  
pós-colonialistas vigentes até então, valendo-se do argumento expresso,  
principalmente, por Walter Mignolo, “a voz mais crítica e radical do grupo”  
(BALLESTRIN, 2013), segundo o qual essas teorias não alcançaram o devido  
rompimento com padrões eurocêntricos (MIGNOLO, 1998).  
O giro decolonial emerge, então, da intenção de superar esse déficit e, assim,  
romper definitivamente com o que consideram padrões eurocêntricos na produção de  
1 Levantamento realizado em 15 de março de 2023.  
2 Todas as traduções referentes à obra On Decoloniality (2018) são da própria autora.  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
conhecimento. Mignolo oferece o argumento de que “o eurocentrismo não é um  
problema geográfico, mas epistemológico e estético (controle do conhecimento e das  
subjetividades)” (MIGNOLO, 2018, p. 125, tradução própria). Na mesma direção,  
Quijano afirma: “a repressão promovida pelo colonialismo europeu atingiu, sobretudo,  
os modos de saber, de produção do conhecimento” (QUIJANO, 2007, apud  
CHAMBERS, 2020, p. 4, tradução própria).  
Assim sendo, considerações epistemológicas estão no cerne da obra desses  
pensadores. Tomando como objeto de análise Walter Mignolo, o “principal expoente”  
(DOMINGUES, 2009) dessa teoria, nota-se que na obra do autor o debate  
epistemológico se constitui de um duplo movimento: recusa da epistemologia  
ocidental e proposta de uma epistemologia decolonial. Assim, por um lado, Mignolo  
critica a epistemologia enquanto constituinte da colonialidade do saber e do ser  
(MIGNOLO, 2018, p. 148) e parte fundamental da expansão do ocidente (MIGNOLO,  
2018, p. 137), vendo-a como um “fragmento da cosmologia ocidental” (MIGNOLO,  
2018, p. 136).  
Por outro, a proposição positiva do autor é, ainda, epistemológica: “a gnose  
liminar constrói-se em diálogo com a epistemologia a partir de saberes que foram  
subalternizados nos processos imperiais coloniais” (MIGNOLO, 2003, p. 34). O  
resultado disso seria uma epistemologia decolonial que partiria de uma “decolonização  
epistemológica enquanto decolonialidade” (MIGNOLO, 2018, p. 121). Dessa forma,  
praticar o “pensamento fronteiriço” (MIGNOLO, 2018, p. 125) ou “epistemologia  
fronteiriça” (MIGNOLO, 2017, p. 23) é a tarefa decolonial por excelência, que tem como  
foco “a epistemologia e o conhecimento, e não o Estado” (MIGNOLO, 2018, p. 121) –  
e nem as relações sociais de produção.  
Diante da importância das questões epistemológicas para esses autores, as  
críticas a eles endereçadas também tendem a reforçar esse destaque. É possível  
encontrar autores, como Freitas (2019) e Cusicanqui (2010), que buscam avaliar a  
coerência da proposição epistemológica de Mignolo, sobretudo por defender os  
espaços subalternizados como lócus do conhecimento enquanto ele próprio pertence  
e atua no universo acadêmico norte-americano.  
Há também autores a apontar que os pressupostos analíticos da crítica que levam  
à proposta de "epistemologia de fronteiras" são reducionistas e faltam em  
complexidade. Nessa linha de argumentação, Domingues (2009) problematiza as  
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concepções reducionistas acerca da modernidade em Mignolo, que tornariam absoluto  
o aspecto da dominação e desconsiderariam o da emancipação. Já Chambers (2020)  
evidencia a falta de rigor com a qual Mignolo e outros autores decoloniais envolvidos  
na tese da “colonialidade do saber” criticam a epistemologia ocidental.  
Outra linha crítica da teoria decolonial problematiza uma espécie de privilégio  
epistêmico fortemente associado a uma visão essencialista de grupos não-europeus,  
contida na ideia de epistemologia de fronteiras. Nesse sentido, argumentam que na  
base da crítica de Mignolo se encontra uma visão idílica de grupos subalternos, ao  
colocá-los em um lugar privilegiado na produção de conhecimento, a partir de um  
critério subjetivista segundo o qual esses povos produziriam “saberes emancipados”  
exatamente por terem vivenciado a exploração colonial. Tal argumento pode ser  
encontrado em Browitt (2014), Cheah (2006) e Orellana (2015).  
Apesar das críticas, indicadas sinteticamente acima, trazerem à tona elementos  
relevantes, elas não chegaram a avaliar em que medida Mignolo realiza seu objetivo  
mais essencial: romper com “padrões eurocêntricos” na produção do conhecimento.  
Isto é, salvo melhor juízo, não foi realizada, até o momento, uma tentativa de investigar  
se o autor consegue, de fato, se distanciar das teorias que pretende combater –  
especialmente no nível epistemológico, já que este é o ponto chave de sua propositura.  
A partir da constatação dessa lacuna, o presente artigo objetiva realizar uma  
crítica da epistemologia (no sentido amplo de teoria do conhecimento) de Walter  
Mignolo, buscando sustentar a tese de que esse afastamento pretendido entre a  
epistemologia do autor e a epistemologia ocidental/eurocêntrica” não se realiza, de  
fato. Esta tese se justifica por um exame prévio da obra do autor no qual foram  
identificados, em sua teoria do conhecimento, elementos muito característicos da  
filosofia hegemônica europeia3 na transição entre os séculos XIX e XX. É possível  
ressaltar na teoria do conhecimento do autor, sobretudo, fortes semelhanças com a da  
chamada “filosofia da vida” – uma tendência irracionalista no pensamento burguês que  
tem origem no período imperialista, sobretudo na Alemanha.  
3
Temos como pressuposto a recusa à ideia de Mignolo de que exista uma “epistemologia ocidental”  
no singular, o que elimina as disputas e conflitos existentes no pensamento ocidental ao longo de seu  
longo e complexo itinerário. Ao buscar demonstrar em que medida a teoria do conhecimento do autor  
decolonial e a de uma ideologia burguesa se assemelham, pretende-se, simplesmente, trazer à tona que  
o pensador argentino está longe de empreender um rompimento efetivo com o que ele próprio  
consideraria “padrões eurocêntricos”.  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
Neste ponto, uma observação é importante. O pensamento configurado na  
filosofia da vida irá influenciar inúmeros autores desde simultaneamente a sua  
elaboração inicial até os dias de hoje influência que frequentemente ocorre com  
muitas mediações, ou seja, não se trata de um processo linear, ao contrário. Assim,  
para que seja possível e efetiva uma comparação entre um autor tão contemporâneo  
quanto Mignolo e as tendências filosóficas a serem expostas aqui, é preciso sempre  
ter em mente o modo complexo com que se revestem as relações entre a proposta  
decolonial e tendências filosóficas que emergiram por mais paradoxal que possa  
parecer justamente no continente europeu em um determinado contexto de sua  
história. Com isso em mente, o presente artigo se propõe a ser uma primeira  
aproximação ao problema das influências atuantes no pensamento de Walter Mignolo.  
Por este motivo a análise se limita a abordar a relação do teórico em tela com a filosofia  
da vida clássica. Em outra oportunidade, será possível avançar em direção à apreensão  
de mediações mais contemporâneas.  
Com efeito, o restante do artigo estará dividido em cinco partes. Na primeira,  
serão indicadas as questões de método. Na segunda, será recuperada a análise de  
Lukács em A destruição da razão para apreender as características da filosofia da vida.  
Na terceira, será feita a exposição do pensamento de Mignolo, com foco na sua teoria  
do conhecimento. Na quarta, serão retomados os aspectos da filosofia da vida que  
permitirão elaborar as aproximações com o autor decolonial. Na quinta, serão  
apresentadas as conclusões.  
Sobre o procedimento de análise  
Para alcançar o objetivo pretendido o trabalho teve como base os ensinamentos  
de dois autores responsáveis por, entre outros méritos, evidenciar o caráter ontológico  
da obra marxiana Lukács (1979, 2010, 2012, 2013, 2020) e Chasin (1978, 2009).  
Estes autores nos legaram uma forma de analisar objetos ideológicos baseada em um  
tripé metodológico: análise imanente, análise da gênese e análise da função das  
formações ideais. O presente artigo se limita a empregar a primeira para servir ao  
propósito de investigar a natureza do pensamento de Mignolo. Este método constitui  
uma forma de abordagem que busca apreender o em-si do material analisado em suas  
fundamentais. Com isso, se buscou desvelar o problema por meio da submissão ativa  
da subjetividade à objetividade do texto, capturando suas conexões internas e  
estrutura própria. Segundo Chasin (2009),  
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tal análise (...) encara o texto a formação ideal em sua consistência  
autossignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o  
conformam, tanto positivos como negativos: o conjunto de suas  
afirmações, conexões e suficiências, como também as eventuais  
lacunas e incongruências que o perfaçam (CHASIN, 2009, p. 26).  
Dessa forma, a análise imanente também conduz a uma crítica imanente, uma  
crítica às dificuldades da “expressão objetivada do pensamento” (Lukács, 2020, p. 10)  
em questão. Para essa análise e crítica, o estudo teve como foco o livro mais recente  
de Mignolo: On decoloniality: concepts, analytics, práxis (2018) do qual é coautor,  
mas só os escritos da segunda parte, de sua autoria, serão considerados. O recorte  
temporal, isto é, seu livro mais recente se justifica pela suposição de que ele contenha  
suas concepções da maturidade, já que a pesquisa prévia revelou que a extensa obra  
do autor em questão passou por alguns reposicionamentos.  
A título de um exemplo relevante para o tema do trabalho, um desses casos é o  
abandono da concepção de “hermenêutica pluritópica”. Como mostra Alcoff (2017),  
conceito que foi empregado por Mignolo em obras mais antigas, para sugerir uma  
alternativa à epistemologia ocidental, a partir da ideia de que a hermenêutica “poderia  
ser curada de seu eurocentrismo e fornecer uma alternativa real aos padrões  
monográficos e imperiais de referência unificada” (ALCOFF, 2017, p. 46). A autora  
explica que essa concepção foi abandonada, pois Mignolo chegou, recentemente, à  
conclusão de que tanto a hermenêutica quanto a epistemologia precisam ser  
transcendidas, configurando para isso a noção de “pensamento de fronteira”. Contudo,  
de acordo com o objetivo do presente artigo, ao longo da exposição do pensamento  
de Mignolo, será possível problematizar em que medida esse afastamento se realizou.A  
teoria do conhecimento da filosofia da vida  
A filosofia da vida não se configura em uma escola de pensamento, mas, sim, em  
uma tendência filosófica considerada por Lukács a mais influente do período  
imperialista. Para compreender suas características, é necessário ter em mente o  
contexto filosófico do período em tela, especialmente no que diz respeito às questões  
relacionadas a teoria do conhecimento, que são o foco da presente análise.  
O argumento do autor húngaro é que a teoria do conhecimento da filosofia da  
vida não avança para além do idealismo subjetivo4, marcado pela “incognoscibilidade,  
4 O idealismo subjetivo tem como representantes importantes Kant, Fichte e Jacobi. Para esta corrente,  
“a concretude, que se apresenta como uma efetividade dada, é concebida em essência como produto  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
a não existência, a impensabilidade de uma realidade objetiva que independe da  
consciência” (LUKÁCS, 2020, p. 358). No entanto, este em sua forma clássica ainda  
realizava um debate com a realidade objetiva, mesmo que com o fim de afirmar sua  
incognoscibilidade. Vale lembrar, nesse sentido, as oscilações de Kant em relação ao  
materialismo sem jamais abandonar o idealismo. Já seus desdobramentos, como a  
própria filosofia da vida, são marcados pela intensificação do irracionalismo diante da  
coisa em-si. Isto é, há, para os pensadores reacionários, cada vez menos necessidade  
de considerar efetivamente a objetividade. Como será exposto, isso acarreta, por  
exemplo, no surgimento do problema das pseudo-objetividades míticas, explanado por  
Lukács.  
A despeito desse desdobramento contudo, as marcas essenciais da teoria do  
conhecimento da filosofia da vida permanecem: o agnosticismo e o subjetivismo,  
aspectos correlacionados dos quais se desdobram muitos outros, como o relativismo  
e o anticientificismo, a serem abordados.  
Considerando o contexto filosófico da época, é necessário lembrar que o  
idealismo subjetivo ocupa lugar central na teoria do conhecimento do período de  
decadência ideológica da burguesia. No período pré-imperialista, os debates em torno  
da teoria do conhecimento estavam na ordem do dia. Por meio da posição no debate,  
no plano desta teoria, entre a dialética idealista e o irracionalismo, por exemplo, se  
revelavam questões concretas de posicionamento filosófico sobre temas essenciais,  
como a concepção da história.  
No entanto, antes da decadência existiam muitas vertentes gnosiológicas  
disputando o lugar central, mas com a derrota do idealismo objetivo5, com o fim da  
universalidade do materialismo mecanicista etc., o idealismo subjetivo passa a uma  
hegemonia quase absoluta e, em consequência, a filosofia fica profundamente  
permeada por tendências relativistas e agnosticistas. Após a crise, principalmente, do  
sistema hegeliano, tais tendências passaram a predominar,  
como se a necessária renúncia à sistematização idealista significasse,  
da subjetividade cognoscente, enquanto o em-si deve permanecer para todo conhecimento um fantasma  
inalcançável ou um além sempre abstrato” (LUKÁCS, 2018, p. 54).  
5
O grande representante do idealismo objetivo é Hegel, mas pode-se mencionar também os esforços  
de sistematização inicial do jovem Schelling. Este idealismo, especialmente, o hegeliano “pretende  
reconhecer a realidade objetiva como independente da consciência humana e expressá-la  
filosoficamente numa forma dialeticamente racional” (LUKÁCS, 2011, p. 57), contudo, nesta concepção,  
a própria objetividade aparece como algo de “natureza espiritual, mental” (LUKÁCS, 2011, p. 58).  
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ao mesmo tempo, a renúncia à objetividade do conhecimento, às  
conexões reais dentro da realidade e à sua cognoscibilidade (LUKÁCS,  
2020, p. 281-2).  
Lukács esclarece que, antes do imperialismo, o idealismo subjetivo correspondia  
a uma razão social: permitia aos filósofos burgueses se utilizar do progresso das  
ciências em um sentido favorável aos capitalistas “ao mesmo tempo em que se furtam  
de tomar uma posição ideológica diante da nova imagem do mundo daí derivada”  
(LUKÁCS, 2020, p. 337). Contudo, no período imperialista essa necessidade ideológica  
da burguesia se altera já que passa a haver uma necessidade de se colocar contra o  
materialismo e, portanto, “a simples “abstenção” em questões ideológicas não é mais  
suficiente(LUKÁCS, 2020, p. 338).  
Surge, assim, no período imperialista, o que Lukács se refere como necessidade  
de visão de mundo, essencialmente distinta das ideologias do período ascensional da  
burguesia. Neste, as visões de mundo se configuravam como reflexos da realidade  
objetiva mesmo que tenham sofrido deformações causadas pelo idealismo. Naquele,  
as visões de mundo passam a se basear  
numa teoria do conhecimento agnóstica, na recusa de que a realidade  
objetiva seja cognoscível; por isso ela não pode ser outra coisa senão  
um mito: algo inventado subjetivamente, mas com pretensões de  
constituir uma objetividade insustentável do ponto de vista da teoria  
do conhecimento , uma objetividade que só pode se apoiar em  
fundamentos extremamente subjetivistas, na intuição etc., e que, por  
isso, só pode ser uma pseudo-objetividade (LUKÁCS, 2020, p. 339).  
A filosofia da vida entra em cena nesse contexto no qual a luta filosófica da  
burguesia deixa de se limitar a “expurgar da filosofia as questões relativas a uma visão  
de mundo” (LUKÁCS, 2020, p. 355). Essa nova ideologia satisfaz, justamente, a  
necessidade de construção de tal visão, desencadeada pela crise iminente no período  
imperialista, quando um período de estabilidade burguesa não estava mais no  
horizonte.  
Diante da iminência da crise, então, os intelectuais burgueses que virão a ser os  
precursores da filosofia da vida e que, dada a classe que pertenciam, “foram agraciados  
com uma cegueira “benéfica” para os sinais que anunciariam as mudanças e as crises  
sociais (...)” (LUKÁCS, 2020, p. 354) dão à mesma a forma de uma crise da cultura.  
Esse modo de pensar forneceu, assim, para a intelectualidade burguesa, “uma fuga do  
caráter socioeconômico da própria crise objetiva” e um “elemento da hostilidade ao  
progresso” (LUKÁCS, 2020, p. 354), o que veio a gerar as críticas ao capitalismo  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
denominadas por Lukács de românticas, no sentido de apontarem para alguns  
aspectos culturais que geram desde o “mal-estar” em relação às questões morais,  
sempre no plano individual, mas deixam intactos os fundamentos daquele modo de  
produção.  
Em termos de necessidade ideológica, a filosofia da vida parte da atualização do  
idealismo no agnosticismo moderno que é a marca do período:  
na medida em que a questão clássica fundamental da teoria do  
conhecimento a da relação entre ser e consciência vai sendo pouco  
a pouco desfigurada e submetida ao postulado estreito da oposição  
entre o entendimento (a razão equiparada ao entendimento e  
reduzida aos termos do entendimento) e a apreensão efetiva do ser,  
torna-se possível empreender uma crítica ao entendimento, à tentativa  
de ultrapassar os limites do entendimento, mantendo incólumes os  
fundamentos do idealismo subjetivo. A chave para todas as  
dificuldades pode ser encontrada no conceito de “vida”,  
especialmente quando, como é sempre o caso da filosofia da vida,  
esse é identificado com o de “vivência” (LUKÁCS, 2020, p. 358-9).  
A partir do conceito de “vida”, então, da perspectiva da teoria do conhecimento  
passa a ocorrer, na filosofia da vida, uma confusão entre objetividade e subjetividade.  
Isso porque a visão de mundo em questão exige uma  
imagem de mundo concreta e sistêmica da realidade, uma imagem da  
natureza, da história, do homem. Os objetos aqui postulados, do  
ponto de vista da teoria do conhecimento dominante, só podem ser  
criados pelo sujeito, mas, ao mesmo tempo, para que a necessidade  
de uma visão de mundo seja satisfeita, eles têm de surgir à nossa  
frente como objetos fundados na objetividade do ser. O lugar central  
que a “vida” assume no interior desse método filosófico – em especial  
naquelas formas específicas pelas quais a vida é sempre subjetivada  
como “vivência” e a “vivência” objetivada como vida – é o que  
possibilita essa confusão insustentável perante uma crítica  
gnosiológica efetiva entre subjetividade e objetividade (LUKÁCS,  
2020, p. 360).  
Segue-se que, de forma mais precisa, a filosofia da vida lança mão do conceito  
da vida em sua forma subjetivada, a chamada “vivência”. Esta  
e seu órgão, a intuição, o irracional como seu objeto “natural”, podiam,  
mediante um passe de mágica, fazer aparecer todos os elementos  
necessários a uma “visão de mundo” sem, de fato, de modo não  
declarado, precisar renunciar ao agnosticismo da filosofia subjetivo-  
idealista, à negação de uma realidade independente da consciência,  
imprescindível na defesa contra o materialismo (LUKÁCS, 2020, p.  
359).  
A partir disso passa a haver um “apelo à plenitude a vida, da vivência perante a  
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pobreza do entendimento” (LUKÁCS, 2020, p. 359)6. Donde, no nível conceitual isso  
se expressa em uma contraposição entre vivência e entendimento, na qual há uma  
valoração que glorifica apenas o que tem origem no primeiro polo. Uma das  
consequências disso é que se forma um “pseudo-objetivismo, uma aparente superação  
da oposição entre idealismo e materialismo” (LUKÁCS, 2020, p. 359), o que não é  
uma característica específica da filosofia da vida, mas uma “aspiração filosófica geral  
do período imperialista” (LUKÁCS, 2020, p. 359). Assim, quando este período está  
prestes a se iniciar, surge essa terceira via filosófica que, no entanto, é apenas uma  
forma de renovar o idealismo, já que não sai do âmbito de estabelecer a “dependência  
gnosiológica do ser em relação à consciência, ou seja, o idealismo” (LUKÁCS, 2020, p.  
359-60).  
Os referidos problemas da pseudo-objetividade e da confusão entre objetividade  
e subjetividade são agravados, ainda, “no momento em que a ideia do mito é inserida  
na formação conceitual da filosofia”7 (LUKÁCS, 2020, p. 360). O mito desperta a ilusão  
acrítica de que  
pode representar um tipo particular de objetividade, a despeito de  
suas origens subjetivas, do caráter subjetivo de sua vigência (seu “ser”  
está ancorado na fé). O novo conceito central da filosofia, justamente  
em virtude da já mencionada confusão entre subjetividade e  
objetividade (vivência e vida), reforça essas ilusões, dando a elas certo  
acento contemporâneo: é como se justamente essa época estivesse  
sendo chamada a refundar o mundo privado de Deus, transformado  
num deserto pela razão, uma refundação que a partir da “vivência” e  
da “vida” e com as novas figuras de um novo mito, apontasse novas  
perspectivas e trouxesse um novo sentido. Em suma: a essência da  
filosofia da vida consiste em transformar o agnosticismo em  
misticismo, o idealismo subjetivo na pseudo-objetividade do mito.  
(LUKÁCS, 2020, P.360)  
Nessa filosofia, o lugar de destaque da “vivência” torna problemática ainda uma  
6 Acerca dessa característica, em outro momento Lukács esclarece que “s. A visão de mundo da filosofia  
da vida, com seu contraste entre o vivo, por um lado, e o morto, o petrificado, o mecânico, por outro,  
assume a tarefa de “aprofundar” todos os problemas reais na medida necessária para desviá-los dessas  
consequências sociais evidentes” (LUKÁCS, 2020, p. 261) – isto é, a necessidade de superação do  
modo de produção capitalista.  
7
Lukács explica, na sessão sobre Nietzsche, que este foi o responsável por tal inserção do mito na  
filosofia. Entre eles, o tema da corporalidade é essencial. Aquela “variante moderna do agnosticismo  
torna-se mística e criadora de mitos. É impossível subestimar aqui a influência decisiva de Nietzsche na  
evolução do conjunto do pensamento imperialista: poder-se-ia mesmo dizer que ele criou o arquétipo  
da mitificação. (...) insistiremos no papel que neles [nos mitos] desempenham o corpo e a carne.  
Nietzsche rompe efetivamente com a espiritualidade abstrata e a moral pequeno-burguesa da filosofia  
oficial. Sua teoria do conhecimento e sua moral afirmam e defendem os direitos do corpo, sem fazer  
nenhuma concessão ao materialismo filosófico. Ora, o aspecto filosófico de um corpo assim privado de  
toda matéria só pode ser mítico” (LUKÁCS, 1967, p. 48-9)  
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outra questão: “qualquer filosofia que repouse sobre a vivência terá de ser  
essencialmente intuitiva, e a intuição é uma faculdade que apenas os eleitos, os  
membros de uma nova aristocracia, supostamente possuem” (LUKÁCS, 2020, p. 362).  
Essa teoria do conhecimento então, é “por princípio aristocrática” (LUKÁCS, 2020, p.  
362).  
Por essa crítica ao viés intuitivista, o autor marxista não pretende defender um  
abandono completo da intuição, por um lado, e nem uma exaltação unilateral da razão,  
por outro. No entanto, na relação da intuição com o método científico, trata-se de  
reconhecer que ambas são importantes, cada uma a sua maneira, em que é sublinhado  
que a primeira não é legitimamente um órgão do conhecimento e nem parte  
constituinte deste método, uma vez que  
A uma consideração superficial pode parecer que a intuição seja mais  
concreta e produtiva do que o pensamento discursivo abstrato  
baseado em conceitos. No entanto, isso é apenas uma aparência, pois  
em termos psicológicos a intuição nada mais é do que a súbita  
passagem à consciência de um processo intelectual até então  
conduzido de modo parcialmente inconsciente. Objetivamente, ela  
nunca pode ser dissociada do processo do trabalho consciente, o qual,  
em sua maior parte, é consciente. E para o pensamento científico  
consciencioso é uma tarefa fundamental, em relação às conquistas da  
intuição, em primeiro lugar, averiguar tanto a sua consistência em  
termos de conteúdo teórico e, em segundo, enquadrá-las no sistema  
dos conceitos racionais, de modo que, depois, eles não possam mais  
ser diferenciados daqueles conceitos que foram obtidos por meio da  
faculdade dedutiva (consciente) e daquilo que fora obtido com a ajuda  
da intuição (no limiar da consciência, numa etapa anterior ao processo  
tornado consciente). Portanto, na realidade, a intuição, em seu devido  
lugar, como momento psicológico do processo de trabalho é, por um  
lado, o resultado complementar do pensamento conceitual e não seu  
oposto; por outro, os achados intuitivos de uma conexão não  
constituem nunca um critério de verdade (LUKÁCS, 2020, p. 371-2).  
Já no caso da filosofia da vida há uma teoria do conhecimento intuicionista que  
passa a refutar críticas “meramente conceituais”, às quais faltaria o elemento irracional.  
Com essa apreensão intuitiva da “realidade”, essa teoria do conhecimento justifica sua  
própria arbitrariedade, pois o que é apreendido dessa maneira necessariamente não é  
objetivo.  
A partir dessas visões, o conhecimento científico passa a ser equiparado a outros  
“saberes”, isto é, quaisquer conhecimentos que se baseiam em crenças e experiências  
subjetivas. Lukács nos lembra que tal tipo de visão consegue angariar influência  
apenas na medida em que há  
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um ambiente marcado pela corrosão da confiança na razão e no  
entendimento, pela destruição da fé no progresso, pela credulidade  
diante do irracionalismo, do mito e do misticismo. E é justamente na  
criação dessa atmosfera filosófica que reside a contribuição da  
filosofia da vida (LUKÁCS, 2020, p. 363)  
Uma importante consequência dessa postura diante da objetividade e do  
conhecimento objetivo é que predomina no imperialismo um forte relativismo,  
chamado por Lukács de ceticismo em sua versão moderna. Este não é como um  
ceticismo a exemplo do que, na Idade média, serviu para questionar a ordem social  
em um sentido progressivo, mas um ceticismo que ao depreciar o conhecimento  
objetivo, cria, mesmo que seus autores não tenham essa intenção consciente, um  
ambiente propício para “obscurantismo reacionário mais devastador, para a mística  
niilista da decadência imperialista” (LUKÁCS, 2020, p. 389). Ademais, ele é “a  
autodefesa da filosofia imperialista contra o materialismo dialético” (LUKÁCS, 2020, p.  
389-90).  
Esse relativismo se expressa, ainda, nas tipologias comuns ao período. Lukács  
explica que como esses autores adotam pressupostos teóricos e metodológicos com  
os quais é impossível apreender os nexos reais da história e, com isso, ao negar a sua  
legalidade e, acima de tudo, a possibilidade de demonstrar um progresso, eles tentam  
expressar tais nexos por meio de tipologias o que reflete perfeitamente o relativismo.  
Essa forma de expressão possui um duplo aspecto: possibilita uma “abstenção de  
juízo” que, na verdade, mascara uma tomada de posição contra o materialismo; e a  
construção de figuras, nessa tipologia, que “aparecem como o ator principal da  
história” (LUKÁCS, 2020, p. 381)  
Além disso, a teoria do conhecimento da filosofia da vida refletia a característica  
comum à época imperialista de cumprir a função de ser um meio, um instrumento para  
o combate à teoria marxista. Este combate, entretanto, se dá de forma vulgar, em um  
nível de debate extremamente precário, através do qual se procura combater um  
adversário, na realidade, incompreendido. A partir desta disputa, por um lado os  
autores se veem na posição de recusar a proposição prática contida no marxismo; por  
outro, não era mais sustentável ignorar as problemáticas geradas pelo capitalismo.  
Assim, nessa contraposição, a filosofia burguesa procura  
fazer regredir de modo irracionalista o progresso objetivo, cujo reflexo  
intelectual é a dialética e seus continuadores; e, de fato, se  
observarmos a essência e não a forma externa dessa contraposição,  
veremos que se trata agora de eliminar filosoficamente o materialismo  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
histórico e dialético (LUKÁCS, 2020, p. 358)  
Ao mesmo tempo, o resultado de não poder ignorar tais problemáticas é uma à  
apologética indireta do capitalismo, que se origina em Schopenhauer e Nietzsche: “a  
defesa do sistema capitalista por meio do reconhecimento e do realce de seus aspectos  
mais perversos, mas, ao mesmo tempo, porém transformando-os numa contradição  
cósmica” (LUKÁCS, 2020, p. 400). Por isso esses autores mesclam “um radicalismo  
puramente ideal com uma adaptação prática absoluta a circunstâncias injustificáveis”  
(LUKÁCS, 2020, p. 400-401).  
A teoria decolonial do conhecimento de Walter Mignolo  
Uma vez esclarecidos os aspectos centrais da teoria do conhecimento da filosofia  
da vida, cabe, agora, expor a teoria decolonial apresentada pelo autor argentino Walter  
Mignolo. Com essa exposição, os elementos mais marcantes da sua epistemologia  
começarão a ser ressaltados, o que servirá de base, na sessão seguinte, para uma  
elaboração mais precisa acerca da aproximação proposta entre as duas teorias do  
conhecimento trazidas à baila no presente artigo.  
Mignolo, na introdução a seus escritos em “On Decoloniality: concepts, analytics,  
práxis” (2018), elabora um esclarecimento que se tornará basilar ao longo de todo o  
texto, e particularmente útil para compreender sua teoria do conhecimento: o objetivo  
do livro é elucidar a “opção decolonial” no âmbito do pensamento e da prática, na  
versão específica dos autores que se guiam pelo aparato conceitual  
“modernidade/colonialidade/decolonialidade”; trata-se, então, da apresentação de  
uma vertente, e não da tentativa de representar toda a teoria. Isso porque, no  
pensamento de Mignolo,  
“representação” é uma palavra tóxica no vocabulário da modernidade  
e epistemologia moderna. Por quê? Porque representação pressupõe  
um mundo ou realidade constituídos que de alguma forma são  
representados e, então, diferentes escolas ou pessoas na vida  
cotidiana fornecem diferentes interpretações de algo que é objetivo e  
real. Se o decolonial é argumentado como uma opção, é porque a vida  
é vivida entre opções, e opções são construídas por pessoas e  
instituições de acordo com suas próprias suposições e interesses  
(MIGNOLO, 2018, p. 108-9)  
Nota-se que desde o início já se busca esclarecer o que põe essa teoria em  
movimento: um aparato conceitual com o qual se espera atingir um afastamento da  
epistemologia ocidental, e uma teoria do conhecimento guiada pela crítica à ideia de  
que o processo de conhecimento envolve uma representação de algo objetivamente  
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existente. A elucidação desses dois pontos será o cerne desta sessão. A seguir, será  
explicada a argumentação do autor argentino acerca da necessidade de afastamento  
da epistemologia ocidental que, segundo ele, é possibilitado pela tríade conceitual  
“modernidade/colonialidade/decolonialidade”. Paralelamente, essa explicação  
permitirá evidenciar os aspectos mais importantes da teoria do conhecimento do autor.  
Ao possível questionamento sobre as razões que levaram-no a expressar o  
conceito dessa maneira, ou seja, entre duas barras, Mignolo responde que a barra que  
une e separa os conceitos procura fazer menção à inseparabilidade dos processos em  
evidência, que, uma vez atravessados pelos mesmos “fluxos e energias” (MIGNOLO,  
2018, p. 139), não podem ser tratados de forma independente. Além disso, para ele,  
usar uma tríade conceitual já é um reflexo de pensar de forma decolonial, pois na  
epistemologia ocidental é comum que os conceitos constituam uma díade (MIGNOLO,  
2018, p. 109). Esse aparato significaria, assim, um exercício decolonial que permitiria  
o afastamento de uma epistemologia eurocêntrica construída, dentre outras coisas,  
através de díades e binarismos. Feita a ressalva sobre a conexão entre esses processos,  
cabe explicar como o autor compreende cada momento da tríade conceitual.  
O primeiro desses conceitos, a modernidade, é, para ele, essencialmente, uma  
ficção, uma invenção do Ocidente. Este argumento se relaciona a uma discussão sobre  
o papel que a ideia de modernidade já desempenhou no Ocidente, desde ser utilizada  
para justificar que certas formas de colonização ocorrem com o objetivo de tornar  
modernos povos que não o são, até para, relacionado a isso, tratar o período moderno  
como um ponto de chegada universal. Mignolo argumenta que, para o pensamento  
decolonial, entretanto,  
a moldagem da modernidade enquanto o desdobramento da história  
universal é encenada como se houvesse uma entidade ou período  
histórico separado do lado de fora e independente da narrativa que  
legitima ações e tomada de decisões para manter a marcha histórica,  
quando, em termos decoloniais, isso é uma ilusão criada pelo próprio  
conceito de modernidade (redundância necessária: modernidade é um  
conceito moderno). Os Astecas, é com frequência mencionado e  
condenado, sacrificavam corpos humanos para manter o Sol em  
andamento. A modernidade ocidental sacrifica (e é aceito) o que quer  
que seja necessário para manter a Civilização em andamento. As  
consequências da palavra (e das narrativas tecidas em torno dela)  
resultam na invenção de uma ontologia da história que se estende  
desde a origem da humanidade até os seus tempos e formas  
modernos (e pós-modernos) (MIGNOLO, 2018, p. 117).  
Com isso, o autor estende as considerações iniciadas ao abordar a representação  
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para o tratamento da modernidade: continua a argumentar a favor da inexistência de  
uma realidade independente da consciência. Nesse sentido, é importante para o  
pensamento do autor a ideia de uma ontologia da história inventada:  
Como a modernidade foi construída através de narrativas ficcionais  
nas quais a própria modernidade é o ator principal, a palavra nomeia  
um período histórico e um conjunto de normas que definem a  
organização socioeconômica assim como sujeitos e subjetividades  
particulares. Ficção se torna realidade (MIGNOLO, 2018, p. 118)  
Logo, argumenta-se que o que costuma ser utilizado como um referencial em  
termos de tempo histórico é uma narrativa ficcional que, apesar de sua irrealidade,  
exerce influência na organização socioeconômica e na conformação de subjetividades  
específicas através do “poder” próprio às narrativas. Além disto, outro elemento da  
modernidade seria uma retórica cujo objetivo é nos persuadir “através de promessas  
de progresso, crescimento, desenvolvimento e inovação dos objetos” (MIGNOLO,  
2018, p. 139). Então, para que a manipulação envolvida na construção da  
modernidade possa obter sucesso, entram em cena promessas enganadoras que  
ocultam tal manipulação nisto reside o entendimento do autor acerca do progresso  
em sua concepção burguesa. Este é, também, ao lado do desenvolvimento, da razão e  
da “conversão” (no sentido da colonização), uma narrativa (MIGNOLO, 2018, p. 171),  
uma espécie de “tática de discurso” da modernidade assim compreendida.  
Essa retórica cujo objetivo é nos persuadir é composta de três domínios  
conectados entre si. No primeiro, a ideia de representação “fundamenta seu poder na  
própria ideia de que signos representam algo existente” (MIGNOLO, 2018, p. 139). O  
autor relaciona essa crença [de que a representação se refira a algo objetivamente  
existente] ao argumento de que “aquele que tem o privilégio de nomear e implementar  
Sua nomenclatura é capaz de administrar o conhecimento, a compreensão e a  
subjetividade” (MIGNOLO, 2018, p. 139). No segundo, “um conjunto de discursos  
retóricos destinados a te persuadir de que o mundo é como o campo de representação  
te diz ser” (MIGNOLO, 2018, p. 139). Enfim, em terceiro, “o sistema de representação  
e a retórica transmitindo as promessas da modernidade apoiam um conjunto de  
designs globais cuja implementação garantiria bem-estar e felicidade para todos na  
Terra” (MIGNOLO, 2018, p. 139).  
Note-se que o ponto central do autor sempre se faz evidente: a crítica à  
representação é baseada na ideia de que o objeto a ser representado não existe de  
fato, mas é construído através de discursos. Neste ponto, poderia surgir o  
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questionamento sobre qual a justificação dada pelo teórico decolonial para tratar tais  
narrativas de forma coesa como “narrativas ocidentais”. Desconsiderando da existência  
de disputas no interior do que se poderia chamar de pensamento ocidental, a resposta  
do autor é que, em essência, as narrativas são coerentes entre si “uma vez que  
pertencem a mesma cosmologia” (MIGNOLO, 2018, p.139). O que permite, então,  
realizar a homogeneização entre diferentes correntes no assim chamado pensamento  
ocidental se constitui na a ideia de “cosmologia”, central para o pensamento de  
Mignolo. De acordo com ele, no interior da ideia de cosmologia ocidental estão  
inclusas desde a visão de mundo cristã até “narrativas seculares de ciência, progresso  
econômico, democracia política e, ultimamente, globalização” (MIGNOLO, 2018, p.  
139) a partir da fusão desses elementos se constrói a cosmologia em questão.  
Ademais, para o pensador argentino a cosmologia ocidental inventou não só  
períodos históricos como a modernidade, mas também categorias como “humano” e  
“natureza”, que, nesta lógica, só fariam sentido na cosmologia ocidental. A estrutura  
do argumento é a mesma já indicada: humano não representa uma entidade dada; foi  
uma invenção” (MIGNOLO, 2018, p. 157). Da mesma forma,  
Natureza não existe, ou existe como uma ficção ontológica. O que há  
é a implacável geração e regeneração de vida no sistema solar,  
processos dos quais emergiram uma espécie de organismos de vida  
e linguagem. (MIGNOLO, 2018, p. 158-9).  
Com isso o autor começa a explicitar de forma mais direta e conclusiva sua visão  
sobre o que admite existir em última instância, argumento que se completa algumas  
páginas adiante quando, ainda tendo em mente as narrativas, Mignolo desenvolve seu  
entendimento a respeito do caráter relativo daquilo que é considerado por ele como  
efetivamente existente:  
As narrativas sustentando o imaginário da modernidade nos fazem  
crer que a ontologia é representada pela epistemologia: nós sabemos  
simplesmente o que é e existe. Em termos decoloniais, o caminho é  
inverso: é a epistemologia que institui ontologias, que prescreve a  
ontologia do mundo. (...) A maior parte das culturas e civilizações no  
planeta vê relações enquanto no Oeste somos ensinados a ver  
entidades, coisas. Relações não poderiam ser chamadas ontológicas.  
Caso se queira preservar o vocabulário, então precisaria ser falado  
"relacionalogia" (discursos sobre a relacionalogia do universo vivo). O  
que há depende de como nós fomos programados para nomear o que  
conhecemos (MIGNOLO, 2018, p. 147-8).  
Portanto, ao mesmo tempo que desenvolve seu argumento relativista, reforça o  
caráter central que desempenha epistemologia para a sua teoria , Mignolo estende  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
suas considerações à nossa capacidade de apreender o real, seguindo a lógica do  
perspectivismo, referindo-se ao neurobiólogo chileno:  
A máxima de Humberto Maturana aqui adquire seu significado total:  
nós não vemos o que existe, nós vemos o que vemos. Por esta razão,  
a materialidade do mundo (sua ontologia) é moldada pela  
epistemologia (sentido do mundo projetado em narrativas e  
argumentos [logos] codificados, em cada cultura e/ou civilização,  
como conhecimento (epistemologia) (MIGNOLO, 2018, p. 196).  
Assim, as cosmologias e suas narrativas imprimem sentido a coisas, processos,  
objetos, que não possuem sentido intrínseco. Por essa atuação particular de cada  
cosmologia, entre elas não há relações; não se pode traduzir o sentido de uma ideia  
ou narrativa própria a uma cosmologia para encontrar correspondências exatas em  
outra. Inclusive, quando se tenta fazer isso, de forma que um “universo de sentido”  
(MIGNOLO, 2018, p. 196) busca interferir em outro, o autor argumenta que ocorre  
uma espécie de totalitarismo, o que lhe permite criticar teorias que almejam à  
totalidade e se baseiam em categorias universais. Elas seriam intrinsecamente  
“totalitárias”, já que algo como totalidade não pode existir em um “mundo” composto  
por uma multiplicidade de “histórias locais”:  
O problema com universais é que, visando a totalidade, eles se tornam  
totalitários. O que isso significa é que totalidades são totalitárias se  
elas obtêm sucesso em avassalar ou rejeitar reivindicações similares  
em outras cosmologias. Quando isso ocorreu no período histórico que  
aqui descrevemos como moderno/colonial, uma totalidade totalitária  
fornece uma moldura para a colonialidade do conhecimento  
(MIGNOLO, 2018, p. 164).  
Ele explora ainda mais essa crítica aos “universais”, mencionando um problema  
clássico da filosofia ocidental: “A questão é – em termos decoloniais se universais  
existem de fato ou se são apenas conceitos tomados como representações do que  
existe” (MIGNOLO, 2018, p. 172) – sua posição diante disso já foi explicitamente  
esclarecida com as críticas à representação. Adiante no argumento, ao continuar  
explicando como se dão essas “totalidades totalitárias” acima referidas, ele expõe a  
sua concepção de verdade propriamente dita:  
Para estabelecer uma totalidade - um conjunto de discursos que criam  
uma ontologia - você precisa desmascarar todas as outras  
cosmologias que têm uma reivindicação de totalidade. E para fazer  
isso, você precisa impor sua própria totalidade sobre todas as outras.  
É assim que a verdade sem parênteses anula a possibilidade de  
verdade em parênteses, isto é, viver em um modo pluriversal de  
existência, em vez de em um universal. Você precisa não apenas  
afirmar sua própria totalidade, mas também desvalorizar, demonizar  
e silenciar as coexistentes (MIGNOLO, 2018, p. 172).  
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A fim de relativizar a verdade, Mignolo adota então uma terminologia segundo a  
qual o máximo admitido é uma verdade entre parênteses, isto é, no caso do  
pensamento decolonial, o que cada cosmologia considera verdade.  
Com isso em mente, é possível passar para a explicação do segundo momento  
do aparato conceitual. Como indicado acima, a compreensão sobre modernidade não  
está completa sem o entendimento da sua ligação intrínseca com a colonialidade. Este  
é um conceito decolonial que visa evidenciar que a colonialidade não é uma  
consequência negativa da modernidade, mas, sim, uma dimensão constitutiva dela. Os  
conceitos de colonialidade e suas variações (do saber, do ser etc.)  
foram conceitos que vieram à existência no Terceiro Mundo. Melhor  
ainda, estes conceitos surgiram no momento cronológico do colapso  
da União Soviética e, com isso, a ideologia que dividia o mundo em  
Primeiro,  
Segundo  
e
Terceiro.  
Colonialidade  
e
modernidade/colonialidade são, portanto, placas de sinalização na  
mutação imaginária do Terceiro Mundo em Sul Global. Por isso, nossa  
perspectiva aqui é baseada nas memórias e experiências da Guerra  
Fria e do Terceiro Mundo, nos quais os conceitos decoloniais de  
modernidade  
e
modernidade/colonialidade estão embutidos  
(MIGNOLO, 2018, p. 111).  
Diante disso, para Mignolo um mérito do conceito “colonialidade” é não ter  
“surgido através de debates disciplinares ou interdisciplinares, mas das experiências  
vividas na América do Sul” (MIGNOLO, 2018, p. 112). O conceito é, ainda,  
intercambiável com outros, como o de “matriz colonial do poder”, abreviada por MCP,  
empregados de acordo com “o nível de detalhe” que se queira dar no momento  
(MIGNOLO, 2018, p. 141). A MCP se diferenciaria de conceitos como a “mais valia”,  
de Marx, ou “inconsciente”, de Freud, segundo Mignolo, por ter sido criado no  
“Terceiro Mundo”, e não nas “universidades do Norte” (MIGNOLO, 2018, p. 142).  
De forma sintética, estamos todos vivendo nessa “matriz colonial de poder”,  
conceito cujo autor recorre a uma analogia com o filme Matrix para elucidar, no sentido  
de que ambos apresentam uma “ilusão fabricada” como se fosse realidade. Há a  
ressalva, entretanto, de que no filme essa ilusão é fabricada por máquinas, e no caso  
vivido pelos seres humanos,  
os criadores das ilusões (modernidade), usando energia de corpos  
humanos (trabalho) bem como energia da biosfera (água, terra e  
oxigênio) e do cosmos (luz do sol e da lua), são seres-humanos dentro  
da matriz colonial de poder, crendo, ou fazendo crer, que existe uma  
instância exterior da matriz colonial da qual esta pode ser observada.  
Essa instância foi o Deus Cristão ou o Homem Secular, Observador  
Científico/Filosófico. Em termos decoloniais, não há exterior e,  
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portanto, o pensamento decolonial não pretende ser uma versão  
moderna (ou pós-moderna) do Deus ou do observador  
Científico/Filosófico (MIGNOLO, 2018, p. 114)  
Essa matriz é composta por domínios surgidos uma vez que não apenas a ficção  
“modernidade” foi inventada, mas também todos os âmbitos da vida humana são  
tratados como esferas constituídas através de discursos e narrativas assim o autor  
entende a economia, a política e a história, por exemplo.  
Pois o que são economia, política e história se não os decretos de  
certos tipos e esferas do conhecimento que molduram a práxis de  
viver (...)? É através de conversas (discursos e narrativas, orais ou  
escritas) que as atividades amorfas de um povo são distinguidas,  
narradas, teorizadas, criticadas, e transformadas em economia,  
política, história e assim por diante (MIGNOLO, 2018, p. 137).  
Tais domínios, ademais  
não existem independentemente, com etiquetas dizendo "Eu sou  
conhecimento", "Eu sou natureza", "Eu sou negro", "Eu sou  
heterossexual", "Eu sou gay", "Eu sou política", "Eu sou finanças", e  
assim por diante. Todos esses domínios foram inventados pela  
retórica (as narrativas) da modernidade. Eles passaram a existir  
através dos vários fluxos de enunciação (...). Todos os domínios são,  
portanto, interconectados pela lógica da colonialidade (...) enquanto  
permanecem escondidos ou disfarçados pela retórica da modernidade  
(...) (MIGNOLO, 2018, p. 150).  
Além de domínios, fazem parte da composição da MCP dois níveis, chamados de  
“nível do enunciado” e “nível da enunciação”, já que a explicação de Mignolo se dá em  
uma analogia com uma conversa. Sobre estes, é dito que  
O enunciado é o nível composto pelos domínios a serem  
administrados e controlados. Os domínios formam o nível  
ontologicamente constituídos pelo nível da enunciação. Eles não  
existem por eles mesmos, apesar de termos a impressão de que sim.  
Isto é, epistemologia configura (e nesse sentido, cria) a ontologia dos  
domínios. (...) Economia e política e, claro, natureza, são constituídas  
e configuradas pelo conhecimento e princípios e suposições sobre os  
quais o conhecimento é uma máquina de criação de mundos. Isto é, a  
epistemologia cria domínios ontológicos (MIGNOLO, 2018, p. 169).  
Com esse argumento, então, é abordado o papel do conhecimento, que será  
desenvolvido a partir deste ponto. Quanto à conexão entre esses domínios,  
argumentados enquanto esferas em relação, o autor diz que ela se dá justamente  
através de “fluxos de energia nas esferas conhecimento, subjetividades e interesses”  
(MIGNOLO, 2018, p. 169). Os mesmos fluxos que entrelaçam os níveis “permeiam os  
fluxos entre os domínios” (MIGNOLO, 2018, p. 169). Por isso,  
os domínios separados - economia, política, conhecimento e  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 369-404 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023 | 387  
nova fase  
Lara Nora Portugal Penna  
subjetividade, racismo e sexismo, o domínio dos vivos (ou "natureza")  
- não podem ser compreendidos isoladamente, pois eles são todos  
interconectados. Os fluxos da enunciação para o enunciado garantem  
administração, transformação, e controle da MCP - os fluxos do  
enunciado para a enunciação, em troca, garantem benefícios e  
interesses próprios para todas as pessoas, instituições e línguas  
embutidas na enunciação (MIGNOLO, 2018, p. 169-70).  
Para além de tais fluxos e energias, portanto, o conhecimento é, mais  
diretamente, o responsável por tanto transformar esses mundos inventados em  
“realidades”, seguindo o entendimento do autor, quanto por conectar uma “esfera”  
com a outra. Nesse processo, é escondido  
o fato de que os mundos que a enunciação renderiza não são  
representações de mundos existentes, mas instituídos pelo "fazer" da  
enunciação. A enunciação é uma práxis que institui os domínios, sem  
distinguir os níveis e escondendo os fluxos. O aparato de enunciação  
moderno/colonial confunde descrição e explicação de mundos com os  
mundos descritos e explicados. Por essa razão, representação é um  
conceito crucial na retórica da modernidade: nos faz crer que exista  
um mundo exterior que possa ser descrito independente da  
enunciação que o descreve (MIGNOLO, 2018, p.150-1)  
Anteriormente foi explicado que o autor compreende o conhecimento como algo  
equivalente a discursos e narrativas inventados em cada cosmologia com o objetivo  
de “moldurar” a vida em esferas e, com isso, atribuir sentido e organizar “atividades  
amorfas” (MIGNOLO, 2018, p. 137). Neste processo,  
entidades e relações são concebidas, percebidas, sentidas e descritas.  
Neste sentido específico, existem tantas "ontologias"  
e
"relacionalogias" quantas "cosmologias" existirem. Epistemologias são  
sempre derivadas de cosmologias (MIGNOLO, 2018, p. 135).  
Assim, o conhecimento, com seus princípios e suposições (epistêmicos), é, para  
ele, literalmente, uma “máquina de criar mundo” (MIGNOLO, 2018, p.169). Por essa  
visão, o autor constantemente volta ao ponto de “ontologias serem invenções  
epistêmicas” e completa: “classificações são invenções, não representações”  
(MIGNOLO, 2018, p. 178). Essas classificações as que estão envolvidas em todo  
processo de conhecimento ocupam lugar importante na discussão porque com esse  
tema o autor não apenas continua as suas críticas à representação, mas também  
elabora como se dá a dominação epistêmica da matriz colonial do poder. O argumento  
é direcionado a isso pois romper com essa dominação, principalmente no  
conhecimento, – através de um “desligamento” – é o objetivo decolonial por  
excelência, como será abordado abaixo. Em suas palavras,  
o conhecimento é o domínio primordial da MCP. Economia é  
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conhecimento organizando e legitimando práxis. Capitalismo nomeia  
um tipo de conhecimento que justificou e justifica a subjugação de  
economias não capitalistas. Por isso, a tarefa decolonial mais básica e  
fundamental é no domínio do conhecimento, uma vez que é o  
conhecimento que assegura a unidade da MCP e que conforma  
subjetividades (MIGNOLO, 2018, p. 177)  
Para o autor, “a operação básica implementada para garantir domínio epistêmico  
foi a classificação social. Classificação social, em vez de classe social, é o momento  
epistêmico fundante da MCP” (MIGNOLO, 2018, p. 174). E, ainda: “quando se trata de  
organização cultural entre humanos, os meios mais eficazes de classificação são os  
discursos” (MIGNOLO, 2018, p. 180). Para atingir a dominação epistêmica, então, a  
lógica da colonialidade contou com a forma mais eficiente de classificação: os  
discursos.  
Tais discursos, empregados pela “lógica da colonialidade”, geram as diferenças  
coloniais, que se manifestam epistêmica e ontologicamente. Estas se referem,  
essencialmente, a classificações que, da perspectiva do opressor, justificam a  
subjugação de certos povos e/ou territórios, como “negros” e “índios” nos processos  
de colonização a partir do século XVI. Neste tipo de discurso reside o poder da  
“dominação epistêmica” realizada pelo pensamento europeu, que, em sua pretensão  
de universalidade, silenciou outros saberes. Nesse assunto, ele volta ao seu ponto  
central ao dizer que as diferenças coloniais “nos fazem crer que as diferenças  
configuradas entre o narrador, a narração e os eventos e entidades descritos e  
narrados existem fora da narrativa que descreve e conta as histórias” (MIGNOLO, 2018,  
p. 186).  
Em outras palavras, ele busca eliminar a distinção sujeito-objeto, bem como a  
realidade à que eles se referem, através de uma crítica complementar à referida  
anteriormente acerca da “totalidade totalitária” configurada pelo pensamento  
ocidental. Sobre esta, é dito que ela “possui duas trajetórias, e ambas têm a mesma  
origem: a distinção epistêmica entre sujeito cognoscente e objeto conhecido”  
(MIGNOLO, 2018, p. 200). Porém, ao mesmo tempo em que o autor argumenta a favor  
de uma superação dessa dicotomia, ele declara explicitamente que, em contrapartida,  
“a fim de pôr em dúvida a fundação moderna/colonial do controle do conhecimento,  
é necessário focar no conhecedor em vez de no conhecido” (MIGNOLO, 2018, p. 149).  
Nesse sentido, a perspectiva apresentada por ele defende que “decolonialmente, o  
Homem/Humano deve ser localizado no ato da enunciação em vez de na entidade que  
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é enunciada” (MIGNOLO, 2018, p. 159). O que está em jogo, então, evidentemente é  
uma concepção subjetivista.  
Com isso, passamos para o terceiro e último momento do aparato conceitual, e  
se torna necessário compreender a proposta decolonial, já que frente a tal processo  
de dominação teorizado por Mignolo, este aponta que a perspectiva decolonial precisa  
abordar “o saber e o conhecimento corporal e geopoliticamente (quem, onde, por quê,  
quando)”, o que gera uma realocação dos “universais ocidentais para sua emergência  
local e os restaura para seu escopo local” (MIGNOLO, 2018, p. 205). A proposta  
decolonial, então, está indissociavelmente ligada à ideia de romper o que é  
considerado a principal forma de dominação (a epistêmica, que tornou hegemônico o  
“modo ocidental” de conhecimento e subjugou outros). Por isso, para o autor,  
habitar a fronteira e sentir a diferença colonial epistêmica e ontológica  
acarretam as condições necessárias do habitar, pensar e fazer  
fronteiriços. Pensamento fronteiriço e epistemologia de fronteiras  
emergem entre sujeitos coloniais (como Mankanyezi) que percebem  
que seu conhecimento foi rejeitado e negado. Essa realização é o  
ponto de partida para se tornar sujeitos decoloniais (…) (MIGNOLO,  
2018, p. 207)  
Com o pensamento fronteiriço/epistemologia de fronteiras, o pensador  
decolonial se guia pela ideia de fronteira enquanto uma metáfora, no sentido de que  
existem sujeitos a viver na borda, no liminar entre a modernidade e a colonialidade.  
Enquanto método da teoria decolonial, busca “operar uma crítica decolonial às teorias  
do conhecimento, forjadas nos centros geopolíticos de poder (...)” (OLIVEIRA; GOMES,  
2021, p. 652). Além disso,  
Esta epistemologia, que emerge no espaço intersticial entre a  
tradição e a modernidade, busca ancoragens contextuais em histórias  
locais, em cosmovisões subalternizadas, concretizadas em uma corpo-  
política, geopoliticamente situada (OLIVEIRA; GOMES, 2021, p. 656).  
Os sujeitos que habitam essa fronteira carregam os traços de uma ambiguidade  
de  
separação/contato,  
isto  
é,  
por  
meio  
dessa  
característica  
da  
modernidade/colonialidade, “o sujeito olha para si com os olhos do “outro”, os olhos  
da metrópole colonial, mesmo fazendo parte da “exterioridade da fronteira. A fronteira,  
portanto, é o lócus da subalternidade (...)” (OLIVEIRA; GOMES, 2021, p. 653).  
Com este método, que busca ser uma epistemologia própria ao mesmo tempo  
em que critica a epistemologia por ser algo característico da cosmologia ocidental,  
Mignolo busca se afastar da epistemologia ocidental em um aspecto mais abrangente  
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do que o conceitual, apresentando uma forma de abordagem que, para ele, permite  
justamente esse duplo movimento: criticar as teorias do conhecimento dominantes ao  
mesmo tempo em que fornece um novo modo de análise o modo que parte dos  
sujeitos decoloniais, A partir dessa concepção de conhecimento, em outro trecho do  
livro analisado, o autor argentino completa:  
Após a Revolução Industrial, extrativismo concentrou-se nos recursos  
naturais necessários para alimentar as máquinas. E a partir da segunda  
metade do século XX até o presente, o extrativismo tem abastecido a  
assim chamada Quarta Revolução Industrial (Tecnológica). O que o  
extrativismo não pôde fazer foi "extrair" o conhecimento e a alma das  
pessoas. É por isso que, hoje, estamos testemunhando o poderoso  
ressurgimento de conhecimentos indígenas, filosofias da vida, e  
modos de ajudar o mundo a perceber o quão vicioso e diabólico é o  
conceito de natureza e seus representantes, recursos naturais, foi e  
continua a ser (MIGNOLO, 2018, p. 159).  
Por tudo isso, é possível compreender a forma de abordagem decolonial aos  
problemas do conhecimento. Ao trazer a questão geopolítica à tona, o autor procura  
focar no local de produção de um conhecimento (se é na Europa ou nos “países do  
Sul”, essencialmente) – já que o fato de um conhecimento ter surgido em um país  
latino-americano, por exemplo, já seria um mérito em direção a seu potencial  
emancipatório; por outro lado, se produzido na Europa, suas pretensões críticas seriam  
tratadas como meras “críticas internas”.  
No que diz respeito à questão corpórea, para defender esses “saberes  
silenciados”, Mignolo faz uma associação entre o conhecimento, a experiência subjetiva  
(vivência) e os “corpos” que “carregam” esse conhecimento. Como referido acima, a  
emergência do pensamento decolonial está restrita a esses sujeitos enquanto  
“condições necessárias do habitar, pensar e fazer fronteiriços” (MIGNOLO, 2018, p.  
207). Assim, a proposta decolonial “depende de conhecimentos que estão embutidos  
na práxis de viver8 que gerou tais conhecimentos” (MIGNOLO, 2018, p. 173). Tais  
conhecimentos são “incorporados” através da vivência, por pessoas que “carregam em  
seus próprios corpos” a experiência colonial (MIGNOLO, 2018, p. 168). Isso é posto  
8
Enquanto em obras mais antigas o autor se referia a vivência de forma mais explícita, como em “eu  
me interesso muito mais em refletir criticamente sobre a colonialidade e em pensar a partir da vivência  
dela (...)” (MIGNOLO, 2003, p. 38)”, no livro agora analisado o termo que dá o mesmo sentido é “práxis  
of living”. Sobre este, vale notar que o conceito “práxis” é empregado de forma a reduzi-lo de seu  
caráter objetivo. Isto é, ao afirmar que a práxis de viver gerou certos conhecimentos, não está em  
questão o mero reconhecimento do fato de que o conhecimento está intrinsecamente ligado a práxis  
dos homens, mas, sim, tendo em mente o conjunto da obra, trata-se de uma tentativa de encaixar essa  
ideia verdadeira em um contexto subjetivista.  
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em evidência na citação acima, pela qual nota-se explicitamente que as filosofias  
guiadas pelos ideais de vivência são exaltadas.  
A partir disso, o exercício decolonial é feito de forma interna à matriz colonial do  
poder, já que para Mignolo não existe um lugar “exterior” a ela (MIGNOLO, 2018, p.  
114). Tal exercício busca  
minar o mecanismo que a mantem em lugar [a matriz colonial de  
poder], requerendo obediência. Tal mecanismo é epistêmico e, então,  
liberação decolonial implica em desobediência epistêmica” (MIGNOLO,  
2018, p. 114)  
Isto é, como foi explicitado acima, o que articula esse poder, em última instância,  
são os mecanismos epistêmicos (eurocêntricos), que devem ser desobedecidos. A  
teorização mais específica dessa desobediência se dá da seguinte maneira:  
A decolonialidade emerge da necessidade de se desligar das  
narrativas e promessas da modernidade (...). Nesse sentido, a  
decolonialidade é tanto uma analítica da modernidade/colonialidade  
(sua constituição, transformação) quanto um conjunto de processos  
criativos levando a narrativas decoloniais legitimando modos  
decoloniais de fazer e viver (MIGNOLO, 2018, p. 145-6).  
Ou seja, em última instância trata-se de trocar uma narrativa por outra se  
desligar das narrativas modernas e se engajar nas narrativas decoloniais, conformando  
novos tipos de subjetividades. O termo “desligamento” é sempre utilizado pelo autor  
para se referir à tarefa decolonial, seguindo a seguinte lógica, que já começou a ser  
indicada: vivemos na matriz colonial de poder; não existe a possibilidade de se colocar  
para além dela; o que a articula, acima de tudo, é a “esfera do conhecimento”,  
dominada pelo “eurocentrismo epistêmico”; portanto, de forma interna a essa matriz,  
o exercício decolonial propõe um “desligamento” dos seus mecanismos (narrativas,  
discursos) que conformam “subjetividades colonizadas”9; e “subjetividades  
decoloniais” entram em cena a partir do momento em que se constroem narrativas  
decoloniais que enxergam as falsas promessas envolvidas na modernidade; com essas  
narrativas por base, na prática se organizam em suas “histórias locais”. Assim, o autor  
empreende um convite para as organizações em pequenos núcleos entre quem  
compartilha das mesmas narrativas locais; se “desligando” das “ideias” de  
universalidade, progresso, desenvolvimento etc.  
9
Sobre estas, ele faz associações bastante mecânicas como em: “o conhecimento da teoria política e  
economia política, e as correspondentes formações de subjetividade que esses conhecimentos  
acarretam” (MIGNOLO, 2018, p. 222)  
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Em síntese, a tarefa decolonial se dá em dois âmbitos: no teórico, o que a põe  
em movimento é a intenção de “se desligar” do que está dado no pensamento  
europeu. Para isso, o autor sugere mudanças conceituais, como empregar um aparato  
conceitual em tríade, em oposição aos binarismos conceituais identificados por ele no  
pensamento ocidental; mudanças no âmbito metodológico, com o desenvolvimento da  
ideia de epistemologia de fronteiras enquanto a proposição mais madura do autor –  
que sugere focar no sujeito cognoscente, ser empregada pelos sujeitos que expressam  
a diferença colonial etc.; e também mudanças no foco da análise: abordar o  
conhecimento nas frentes da localização, temporalidade, corporalidade etc., buscando  
desvelar as narrativas enganosas a que estamos submetidos.  
No nível prático, a sugestão é “se desligar” de projetos que propõem alternativas  
universalistas, pois nestes haveria um quê de “totalitarismo”; bem como “se desligar”  
de “falsas promessas” como progresso e desenvolvimento. Feito isso, e uma vez  
transformados em sujeitos decoloniais a partir dos exercícios de pensamento acima  
mencionados, sugere-se a organização em histórias locais, em núcleos de mesma  
cosmovisão, encontrando maneiras próprias de auto-organização guiadas pelo  
engajamento em narrativas decoloniais, internamente à “matriz colonial de poder”, isto  
é, sem ter a intenção de dar fim à tal estrutura.  
Com isso conclui-se a exposição acerca dos principais argumentos de Walter  
Mignolo no livro analisado, evidenciando os aspectos mais estruturantes de sua teoria  
do conhecimento. Feito isso, cabe, então, proceder a elaboração da aproximação  
sugerida na tese do presente artigo, considerando os posicionamentos do autor  
argentino em conexão com a filosofia da vida.  
Convergências entre a epistemologia de Walter Mignolo e a da filosofia da  
vida  
A exposição precedente procurou evidenciar, em primeiro lugar, que os escritos  
de Mignolo em “On Decoloniality” (2018) giram em torno de um ponto central: a  
recusa da existência de uma realidade objetiva e, consequentemente, a negação da  
possibilidade de um conhecimento objetivo e verdadeiro. Vimos, baseados em Lukács,  
que tal posicionamento é justamente a característica central do agnosticismo,  
tendência predominante na teoria do conhecimento da filosofia da vida, que reproduz  
as características de um tipo específico de idealismo subjetivo. Nesse sentido, a visão  
de mundo fornecida por Mignolo, além de ser essencialmente marcada pelo  
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agnosticismo, também o é pelo subjetivismo, aspecto intimamente correlacionado e,  
novamente, característico da filosofia da vida.  
A teoria do pensador decolonial enfatiza, acima de tudo, as críticas à  
representação, sempre no sentido de reforçar o argumento de que não existe uma  
realidade objetiva a ser representada; para ele os discursos e narrativas criam o sentido  
de “objetos”10 que, fora desses mesmos discursos e narrativas, não significam nada,  
não passam de “atividades amorfas”. Assim, os “domínios” referidos por Mignolo,  
como o conhecimento, a política etc., não passam de uma criação discursiva, de  
elementos de uma retórica cujo objetivo é fazer passar por realidade uma ficção.  
Tal posicionamento afastado da objetividade se liga indissociavelmente ao  
relativismo do autor, expresso nas tipologias subjetivistas. Mignolo procura decompor  
o que se entende por realidade em cosmologias, no interior das quais há domínios,  
que por sua vez contém níveis, baseando sua visão crítica e, consequentemente, sua  
proposta nessa abstração tipológica completamente descolada da materialidade. Além  
do mais, tais esferas não existem de fato, mas a retórica da modernidade nos quer  
fazer crer na sua existência.  
Na obra do autor, essa tipologia cumpre as duas funções abordadas por Lukács  
no livro já mencionado: a de combater o materialismo e a de colocar as “figuras” dessa  
tipologia no caso de Mignolo, as narrativas – como responsáveis por “manter a  
marcha histórica”. Na exposição da teoria decolonial em questão, trouxemos uma  
citação na qual é argumentado explicitamente esse papel em “(...) a narrativa que  
legitima ações e a tomada de decisão para manter a marcha da história” (MIGNOLO,  
2018, p. 117).  
Partindo dessa visão dos domínios, o pensador argentino busca argumentar que  
eles são fortemente conectados, mas o que o seu tratamento evidencia é que, na  
verdade, ele não apreende as conexões efetivas das “esferas” entre si. Lukács mostra  
que isso é o que faz, por exemplo, Simmel, com uma tipologia de decomposição “em  
mundos independentes e equivalentes” (LUKÁCS, 2020, p. 392). Nesse esforço  
infrutífero para argumentar que os domínios são interligados, ele se revela incapaz de  
apreender as conexões de forma real, já que apenas se refere a tais conexões enquanto  
“fluxos de energia” ou enquanto discursos configurados pelo conhecimento que  
10 Entre aspas porque Mignolo nega a ideia de que sejam objetos.  
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fornecem uma sustentação à MCP. Contudo o autor jamais consegue mostrar de forma  
efetiva através de que mediações o conhecimento hegemônico é capaz de sustentar  
formas de dominação a não ser em exemplos superficiais sobre a conformação de  
subjetividades.  
Com esse tratamento das “esferas” da vida, Mignolo as torna equivalentes entre  
si e criadas subjetivamente. A equivalência toma, principalmente, a forma de uma  
equiparação do saber científico a qualquer outra forma de “saber”. Tal procedimento  
somado ao ataque às noções de verdade e universalidade geram uma espécie de  
relativismo das equivalências, servindo de base para o anticientificismo no interior da  
“guerra contra a filosofia racionalista, orientada para as ciências da natureza e  
originada em Descartes” (LUKÁCS, 2020, p. 379) e que Lukács mostra ter sido  
inaugurada por Nietzsche e Dilthey. Isso a tal ponto que o artigo de Chambers (2020)  
é dedicado a mostrar como Mignolo se apropria de forma completamente distorcida  
de filósofos iluministas, especialmente do próprio Descartes.  
Uma vez caracterizado por tais atitudes perante a objetividade e o conhecimento  
objetivo, Mignolo recai no intuicionismo típico da filosofia da vida. Seu pensamento  
valoriza a intuição em detrimento à razão, entendida de forma estreita e deformada.  
Isso repercute, por exemplo, na tendência de refutar críticas que cheguem por vias  
“meramente conceituais”, como ocorre, também, na filosofia da vida. Ou então na  
glorificação de conceitos e concepções teóricas que não surgem de “meros debates”,  
ou no contexto das universidades (onde, aliás, ele próprio se situa).  
Como iniciamos a indicar, as experiências subjetivas ocupam o lugar central no  
conhecimento considerado legítimo pelo autor argentino, em que ele realiza um  
recorte na ideia de vivência: não é a experiência subjetiva de qualquer um que se  
baseia o conhecimento legítimo, mas a de apenas algumas pessoas, de alguns lugares  
muito específicos. Do que resulta uma teoria do conhecimento de caráter aristocrático,  
mas em um sentido diferente do que seria definido como aristocracia para a filosofia  
da vida clássica. Para esta última, “a intuição é uma faculdade que apenas os eleitos,  
os membros de uma nova aristocracia, supostamente possuem” (LUKÁCS, 2020, p.  
362), ou seja, reservavam o conhecimento legítimo a algum grupo, a partir da lógica  
que opera com base na intuição para desenvolver conhecimento não era algo dentro  
das possibilidades de qualquer um. Mignolo reproduz essa ideia, já que defende que  
o conhecimento está restrito a um grupo específico, como foi demonstrado. Ele cria,  
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assim, uma nova elite, mesmo que situe esse grupo nos povos subalternos, de  
determinadas localizações geográficas que passaram pela experiência colonial.  
O autor decolonial, portanto, traz à tona a questão da vivência somando a  
experiência subjetiva às três dimensões acima mencionadas: a geolocalização, a  
questão corpórea e as críticas a quem se propõe a abordar um assunto por uma “mera”  
apreensão conceitual, a partir do universo disciplinar acadêmico, de debates  
caracterizados por conflitos de interpretações etc. Sobre esses debates acadêmicos e  
os conceitos que assim surgem, Mignolo é categórico ao glorificar os conceitos  
decoloniais por terem origem lugares específicos, marcados por tipos específicos de  
experiências, que conformam subjetividades específicas a partir das quais o  
conhecimento “bom” emerge. Lembremos que ele usa também este argumento para  
diminuir alguns conceitos pelo local de origem, especialmente pela origem subjetiva  
do criador do conceito.  
Por isso começamos a indicar na sessão precedente que o que está em jogo para  
Mignolo não é a vida objetiva em si, mas concepções de vida, memórias de vida,  
experiências específicas etc., isto é, a vivência. Ao conferir esse grau de importância à  
vivência, o autor reproduz aquele problema muito característico da filosofia da vida,  
esclarecido por Lukács. Qual seja: na filosofia burguesa imperialista, é comum  
apresentar uma pseudo-objetividade, surgida a partir do momento em que, tendo por  
base uma confusão entre objetividade e subjetividade, é apresentada uma teoria que  
aparentemente supera o dilema entre idealismo e materialismo, mas, na verdade,  
renova o idealismo subjetivo de alguma maneira. Essa confusão, no caso da filosofia  
da vida, parte da centralidade do conceito de "vida" lado objetivo na sua forma  
subjetivada de "vivência", sendo ela a forma de resolver o dilema entre a necessidade  
de elaborar uma visão de mundo e não tocar nas bases do idealismo subjetivo.  
Isso porque, como mencionado, no período imperialista surge a necessidade de  
uma visão de mundo para, com base nela, tentar combater o marxismo, e, com isso,  
passou a ser necessário apresentar concepções teóricas sobre elementos objetivos,  
como a história e o homem; mas como não podiam abandonar as bases do idealismo  
subjetivo para lutar contra o materialismo, os filósofos lançaram mão desse uso do  
conceito de vida na forma subjetivada. Através disso, tentavam apresentar tais  
elementos objetivos em uma relação com a vida para dar um ar de objetividade, mas  
como faziam isso equiparando vida e vivência, bem como continuavam negando a  
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realidade independente da consciência e sua cognoscibilidade, o resultado era a  
“pseudo-objetividade”.  
É necessário também ressaltar que, por a filosofia da vida ser a tendência  
dominante na filosofia europeia do período imperialista, expressar semelhanças com a  
mesma implica, também, em convergências com características gerais do período.  
Nesse sentido, o combate vulgar isto é, sem compreender corretamente o  
“adversário” – à teoria, método e prática marxistas é outro fator de aproximação entre  
a filosofia hegemônica do período em questão e a teoria apresentada pelo pensador  
decolonial.  
No caso contemporâneo, o combate a nível teórico e metodológico se dá na  
tentativa de romper com a concepção de conhecimento que é legada da obra marxiana,  
de fundamentação ontoprática. Isso, no entanto, fica bem mais implícito no texto do  
que as chamativas tentativas de apagar a diferença entre Marx e filósofos burgueses  
europeus, por exemplo igualando conceitos marxianos a freudianos sob a falsificação  
de terem sido, ambos, produzidos em “universidades do Norte”.  
Relacionado a isso e, enfim, considerando o nível prático, frente à proposição  
contida no marxismo conceito de progresso que impulsiona para além do capitalismo  
Mignolo procura apresentar a proposta decolonial como superior. No encerramento  
do texto, o autor completou:  
A derrota do capitalismo foi planejada diversas vezes em nome do  
marxismo. E diversas vezes falhou porque o marxismo permaneceu  
dentro do quadro da MCP: se opôs ao conteúdo, mas não questionou  
os termos (suposições, princípios, regulações) do tipo de  
conhecimento sem o qual o capitalismo não existiria (MIGNOLO, 2018,  
p. 222)  
Assim, a proposta decolonial apresentada tem como pressuposto uma das  
oposições mais marcantes da teoria do autor a defesa das histórias locais e a crítica  
aos projetos globais , que implica na tentativa de igualar o comunismo a qualquer  
outro projeto ocidental, inclusive ao próprio capitalismo, na medida em que ambos  
seriam regidos por uma lógica universal “totalitária”.  
Nesta recusa do progresso tanto em sua concepção burguesa pois seria uma  
narrativa enganosa quanto em sua concepção marxista, Mignolo recorre a uma ideia  
de terceira via, com o que se ressalta outra semelhança com a filosofia reacionária  
imperialista. Podemos recorrer a outro texto de Lukács para lembrar que  
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À medida que a crise se prolonga, a concepção de um ‘terceiro  
caminho’ progride cada vez mais no plano social: é uma ideologia  
segundo a qual nem o capitalismo nem o socialismo correspondem às  
verdadeiras aspirações da humanidade. Essa concepção parece aceitar  
tacitamente o fato de que o sistema capitalista é teoricamente  
indefensável tal como existe, [mas indiretamente] não deixa de ser  
uma apologia do capitalismo. (...) Finalidade verdadeira dessa  
tendência é impedir o descontentamento engendrado pela crise, de  
se voltar contra as bases da sociedade capitalista (LUKÁCS, 1979, p.  
44-45)  
Mignolo, ao elaborar sua proposta, se guia abertamente pela ideia de “nem  
capitalismo, nem comunismo”, o que fica claro em um artigo no qual ele busca, entre  
outras coisas, explorar de que maneira a opção decolonial é, ao mesmo tempo, uma  
continuidade e uma ruptura com a descolonização na época da Guerra Fria:  
Este é o legado da Conferência de Bandung. Quem participou da  
conferência optou por desprender-se: nem capitalismo nem  
comunismo. Optaram por descolonizar. O processo é longo, mas  
continua. Fanon introduziu a versão teórica, Bandung, a política. A  
grandeza da Conferência de Bandung consistiu precisamente em ter  
mostrado que a descolonialidade é uma “terceira opção” que não  
resulta da combinação das existentes, mas consiste em desprender-se  
delas. Seu limite estriba em ter-se mantido no domínio do  
desprendimento político e econômico. Não se colocou a questão  
epistêmica. No entanto, as condições para colocá-las estavam aí dadas  
(MIGNOLO, 2017, p. 19).  
Contudo, sua proposta não admite a possibilidade de superação efetiva do  
capitalismo, apenas a construção de novas subjetividades enquanto o capitalismo  
segue seu curso. Portanto, está mais para uma “decolonização do capitalismo”. Isso se  
evidencia em declarações como “o pensamento e o fazer decolonial têm uma árdua  
tarefa de germinar coexistindo com forças avassaladoras” (MIGNOLO, 2018, p. 223)  
ou “a decolonialidade é uma opção entre opções modernas/coloniais coexistentes”  
(MIGNOLO, 2018, p. 224).  
Essa é uma das formas nas quais a apologia indireta do capitalismo aparece na  
obra do autor, ligada ao fato de que suas críticas ao capitalismo são críticas românticas,  
que tratam as problemáticas desse modo de produção como uma crise da cultura,  
ignorando o aspecto econômico. Em certa parte do texto, o autor decolonial aponta  
que algumas narrativas envolvidas na MCP estão em uma tentativa “de manter controle  
do significado epistêmico na esfera da cultura, paralelamente ao controle do  
significado e do poder na esfera da economia e na da política” (MIGNOLO, 2018, p.  
172). Ao mesmo tempo, ele passa todo o texto reforçando que o foco de suas críticas  
e objetivos de mudança é, justamente, esse âmbito dos significados epistêmicos.  
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Então, embora ele critique a ideia de “cultura”, especialmente na sua dicotomia com a  
natureza, enquanto uma criação do pensamento ocidental, de certa forma ele mesmo  
é consciente de que o que está em relevo, o tempo todo, é o aspecto cultural.  
Dessa maneira, sua apreensão da economia é muito problemática, já que o autor  
faz uso do relativismo de sua teoria do conhecimento para construir uma visão de  
mundo marcada pelo que Lukács denominou “clima anticapitalista”. Além disso, em  
Mignolo o realce de certos aspectos negativos do capitalismo aparece de forma  
mascarada, pois ele tenta restringir o escopo desse modo de produção à “esfera  
econômica” e, além disso, reduzi-lo a uma mera “forma de conhecimento” também  
inventada. Assim, as suas críticas nunca são direcionadas ao capitalismo. Ele distorce  
e oculta completamente o fato de que é o modo de produção capitalista o responsável  
por todos os problemas que ele levanta, e não uma “matriz colonial de poder”: que  
ele surge sob as bases da colonização; que, em última instância, em nome dele, e não  
das “ficções da modernidade”, horrores são cometidos; que o conhecimento  
hegemônico é capaz de sustentar opressões porque o faz seguindo as necessidades  
de reprodução do capital; que existem, sim, efeitos subjetivos muito negativos de se  
viver sob tal organização socioeconômica, mas que eles possuem uma base concreta.  
Em conclusão, a frase de Lukács que identifica nos pensadores abordados por  
ele uma mistura de “um radicalismo puramente ideal com uma adaptação prática  
absoluta a circunstâncias injustificáveis” (LUKÁCS, 2020, p. 400) se aplica totalmente  
ao autor decolonial. Como se espera ter ficado claro, a proposta decolonial de Mignolo  
é a expressão última do relativismo e subjetivismo que caracterizam seu pensamento  
o que está longe de ser uma interpretação injustamente imputada ao autor, mas algo  
que pode ser colhido da estrutura de seu argumento:  
Meu argumento é que dentro da MCP não há nada além de opções,  
opções no interior do imaginário da modernidade e opções no interior  
dos imaginários decoloniais. Portanto você escolhe uma opção em  
plena consciência do quadro, ou você é escolhido por uma das opções  
existentes que você toma, voluntariamente ou não, como a verdade,  
como a correta ou certa. A decolonialidade é uma opção articulada  
com a analítica decolonial da modernidade/colonialidade. (...) a partir  
do momento que você realiza que o que parece ser realidade,  
objetividade, e verdade não é nada além de uma opção dominante ou  
hegemônica, você já está pisando fora e habitando a opção decolonial  
ou outras opções libertadoras (MIGNOLO, 2018, p. 224)  
Ademais, mencionar a insuficiência da proposta decolonial não deve ser tarefa  
restrita à uma perspectiva marxista, mas a qualquer um que busque apreender a fundo  
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quais caminhos se abrem com a decolonialidade. Essa insuficiência é, antes de tudo,  
uma incoerência no argumento do próprio autor, que dedica seus escritos a mostrar  
quão absoluta é a força da “matriz colonial do poder”, para, no fim, não admitir sua  
superação efetiva e propor uma saída através de um simples “desligamento”. Expurga,  
pela porta, as contradições identificadas, ainda que na superfície, para contrabandeá-  
las pela janela.  
Considerações Finais  
A teoria do conhecimento de Walter Mignolo é, então, semelhante à da filosofia  
da vida em todos aqueles aspectos essenciais que constituem o seu núcleo: o  
agnosticismo, isto é, a recusa de que exista uma realidade objetiva e que ela seja  
cognoscível; a recusa, portanto, de um conhecimento objetivo; o relativismo; a  
confusão entre objetividade e subjetividade e o subjetivismo, sobretudo na forma da  
centralidade à vivência. Como se espera ter sido demonstrado, desses aspectos se  
desdobram outros e todos estão em íntima relação. Sobre tal teoria do conhecimento,  
o autor constrói sua visão de mundo e traça críticas. Com isso, o pensamento do autor  
decolonial constitui uma espécie de renovação do agnosticismo, com algumas  
características próprias.  
A principal particularidade de Mignolo reside na centralidade dada, em sua teoria,  
à determinados povos subalternos determinação guiada pelas experiências  
subjetivas conectadas à certas localizações. Com isso, o autor se distingue também, é  
claro, nos temas: à sua maneira problemática e limitada, abordou formas de opressão  
e tentou denunciar questões das quais precisamos nos libertar. Contudo, como  
demonstrou Lukács, para uma teoria subjetivista e idealista, até o ponto de partida em  
questões concretas não é o suficiente para evitar distorções.  
Para fins de investigação futura, pode-se sugerir algumas indicações no sentido  
da aproximação mais específica entre Mignolo e os autores que ditam a forma e o  
conteúdo iniciais da filosofia da vida Nietzsche11, Dilthey e Simmel. Por um lado, o  
autor decolonial é um desdobramento da filosofia da vida desses autores,  
11  
Mencionado, aqui, não enquanto um partidário da filosofia da vida até porque finaliza suas  
atividades intelectuais nas vésperas do período imperialista mas, sim, enquanto o principal  
responsável pelo que Lukács denomina “antecipações intelectuais” do que viria a se cristalizar na  
filosofia da vida, e, com a sua influência, responsável também pela criação de um ambiente filosófico  
propício para essa nova ideologia se disseminar.  
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desenvolvendo, por exemplo, o relativismo de Simmel em relação aos “saberes” e  
intensificando o irracionalismo e o anticientificismo de Dilthey. Em alguns pontos,  
Mignolo vai além até mesmo de Nietzsche12, já que este argumenta que tudo é  
representação, no sentido de que nada “é”, mas “se torna”. Para este, portanto, o  
mundo aparente é o verdadeiro, e o “absolutamente verdadeiro” não existe. Já Mignolo  
nega a própria ideia de representação, não admitindo que exista algo a ser  
representado. Para este, por sua vez, o mundo aparente seria a referida “ilusão  
fabricada”, e o verdadeiro também não existe13.  
Por outro, ao destacar o papel de povos subalternos, Mignolo se distancia dos  
referidos autores da filosofia burguesa. Contudo, em sua concepção subjetivista do  
conhecimento o pensador argentino toma como elemento central o tema da  
corporalidade, tratado de forma mística e abstrata. Como vimos, cabe a Nietzsche ter  
sido o primeiro a fazê-lo, isto é, expressar o subjetivismo do conhecimento na forma  
de mitos, dentre os quais o tema da corporalidade é essencial. O que o autor decolonial  
faz, então, é apenas deslocar a questão corpórea para tais grupos subalternos: os  
grupos subalternos a que ele se dirige carregam o saber em seus próprios corpos,  
sentem a opressão colonial em seus próprios corpos.  
Por tudo isso, a contradição que o presente trabalho buscou trazer à tona partiu  
da constatação de que a teoria decolonial de Walter Mignolo tem seu mote na intenção  
de transcender o que está dado na filosofia europeia. Romper com “padrões  
eurocêntricos” na produção de conhecimento é o objetivo do autor decolonial por  
excelência. Foi o motivo de seu rompimento com as teorias pós-colonialistas, é o que  
guia suas críticas a outros movimentos teóricos e é o que norteia a elaboração do seu  
método (“epistemologia de fronteiras”). Para esse afastamento, o autor propõe apenas  
algumas mudanças superficiais, visto no exemplo do uso de um aparato conceitual em  
tríade, ou na consideração positiva de um conhecimento produzido por um “sujeito  
decolonial”.  
Contudo, em muitos aspectos centrais, e, sobretudo, no nível epistemológico, o  
12  
Uma importante menção em relação a aproximações entre Mignolo e Nietzsche é que Nietzsche é  
diretamente reacionário, enquanto Mignolo procura apresentar o direcionamento da história como uma  
coisa “neutra”, e, com isso, sua proposta aparentemente não leva nem ao progresso, nem ao retrocesso,  
já que ele quer combater ambas as ideias. No entanto, como faz um grande esforço para associar a  
ideia de progresso a distintas formas de dominação, em essência ele também recai no reacionarismo.  
13  
Com tais apontamentos, não pretendemos esboçar nenhuma conclusão apressada, apenas sugerir  
pontos de identificação que merecem investigação futura.  
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autor se identifica não somente com a própria filosofia europeia, mas, especialmente,  
com um tipo de filosofia europeia nascida no período imperialista que, além de fundir  
hermenêutica e epistemologia, cumpriu a função de inibir a ação efetiva contra as  
contradições estruturantes do capitalismo. Vale lembrar que, nesse sentido, o autor  
expressa identificação com, para além de características específicas da epistemologia  
da filosofia da vida, marcas gerais da filosofia burguesa do imperialismo: apologia  
indireta do capitalismo através de críticas românticas e ideias de “terceira via”, o  
combate à teoria, método e prática marxistas a partir de críticas vulgares etc.  
Com isso, ele está longe de apresentar uma teoria que forneça um guia de ação,  
um meio de libertação efetiva das diversas opressões e que se coloque, de fato, ao  
lado dos povos subalternos. As limitações do autor, ademais, impedem que sua teoria  
forneça, ao menos, uma forma de explicação concreta acerca das problemáticas  
históricas e sociais às quais estamos submetidos, já que ele distorce e oculta a  
materialidade dos problemas. Então, apesar de suas intenções e das mencionadas  
distinções, o conteúdo filosófico do pensamento de Mignolo o coloca ao lado dos  
filósofos burgueses irracionalistas.  
Interessante é, também, notar que Mignolo busca se colocar como um dos  
responsáveis por levantar questões até então completamente ignoradas na história do  
pensamento, por razões que ele atribui ao próprio domínio da filosofia ocidental.  
Contudo, na realidade, pelos teóricos que ele enquadraria em tal filosofia, muitas de  
suas questões já são, há muito, colocadas. Para nos restringir ao quadro da filosofia  
da vida, Dilthey, por exemplo, inaugura a crítica à separação entre sujeito e objeto  
enquanto algo que não deve ser tratado como “transcendental”.  
Sugere-se que investigações futuras abordem, de forma rigorosa, as relações  
mais específicas entre os pensadores decoloniais, de modo geral, e a filosofia da vida,  
tanto em sua formulação inicial quanto nos desdobramentos posteriores, como  
Foucault14, já que o presente trabalho se limitou a investigar aspectos mais gerais  
relacionados à teoria do conhecimento. Além disso, uma análise mais completa  
precisará ser capaz de conectar a teoria decolonial a aspectos materiais do  
desenvolvimento histórico, abordando sua gênese e função detalhadamente a fim de  
demonstrar de que maneira a teoria em foco responde a problemas específicos  
14  
Ressaltando, inclusive, momentos nos quais a identificação é maior com os desdobramentos da  
filosofia da vida, como a filosofia francesa, do que com a filosofia da vida clássica.  
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Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”  
colocados pelo momento histórico contemporâneo e pelo estágio atual da luta de  
classes. Da mesma forma, cabe investigar as necessidades sociais que tornam essa  
posição epistemológica necessária hoje. Com isso, poderão ser fornecidas mais  
explicações para a conclusão geral de se tratar de uma renovação do agnosticismo. A  
necessidade de expansão dos exames críticos acerca do pensamento decolonial se  
impõe, sobretudo dado o alcance e popularidade que tal teoria veio a ter.  
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Como citar:  
PENNA, Lara Nora Portugal. Renovação do agnosticismo pela “epistemologia  
fronteiriça”: convergências entre a filosofia da vida da fase imperialista e a teoria  
decolonial do conhecimento de W. Mignolo. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1,  
pp. 369-404, Edição Especial, 2022/2023.  
Verinotio  
404 |  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 369-404 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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