ENTREVISTA  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.691  
Itinerário e encontros com  
Marcuse, Lukács, Adorno1  
por Nicolas Tertulian  
Mikaï Dinu Gheorghiu: Nicolas Tertulian, você é um dos maiores conhecedores da obra  
de Georg Lukács. Poderia relembrar em primeiro lugar sobre suas atividades, ainda  
quando estava na Romênia, que o levaram a se interessar por sua obra [de Lukács]?  
TERTULIAN: No verão de 1969, o ministro da Educação nacional, Miron  
Constantinescu, decidiu fundar um Centro de Estética na Faculdade de Filosofia da  
Universidade de Bucareste. Uma vaga para professor titular e duas para assistente  
foram abertas para concurso. O Centro fazia parte do Departamento de Estética, cujo  
diretor era Ion Ianoși. Eu me apresentei para o concurso e, uma vez sendo candidato  
único, fui contratado sem nenhuma dificuldade para o cargo de professor titular. Foi-  
me pedido que ministrasse aos membros do departamento e aos estudantes uma aula  
tratando sobre “o problema do estilo”, temática à qual eu já havia dedicado diversos  
artigos. No decorrer dos meus oito anos como professor, eu organizei dois colóquios  
científicos, durante os quais apresentei palestras sobre a estética de Schopenhauer —  
o texto dessa palestra foi publicado em 1977 na minha obra Experiență, artă, gîndire2  
[Experiência,  
arte,  
pensamento]  
e
sobre  
“Antropomorfização  
e
desantropormofização”, cujo texto foi retomado em meu livro Critică, estetică, filozofie  
[Crítica, estética, filosofia], publicado em 1972. Em 1972, eu defendi minha tese de  
doutorado no Instituto de Filosofia da Academia, sobre o tema Benedetto Croce e  
Georg Lukács ou sobre as relações entre estética e filosofia, publicada no mesmo  
1Tradução feita a partir da edição em francês publicada em TERTULIAN, N. Itinéraire et rencontres avec  
Marcuse, Lukács, Adorno. [Entrevista concedida a] Mihaï Dinu Gheorghiu. Tradução para o francês de  
Lucie Guesnier. Revue Actuel Marx, Paris, v. 65, 2019, p. 135-148. Disponível em:  
Gabriella Segantini (mestranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)). Revisão  
técnica por Ester Vaisman (Professora Titular aposentada do Departamento de Filosofia da Universidade  
Federal de Minas Gerais (UFMG)).  
2 As obras cujos nomes aparecem em francês ou na língua original não possuem ainda tradução para o  
português. Tomamos a liberdade de fazer a tradução livre dos títulos, que aparecem entre colchetes  
depois do título em língua estrangeira (N.T.)  
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Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno  
ano sob o título Critică, estetică, filozofie.  
Durante os anos 1974-1975, ministrei um curso de estética e sociologia da  
literatura para os estudantes da Faculdade de Filosofia. Tive a sorte de desfrutar de  
uma audiência de ótima qualidade durante o curso. Eram todos excelentes estudantes,  
o mais notável dentre eles foi certamente George Voicu, que dedicou sua monografia  
de conclusão de curso a Lucien Goldmann e, mais tarde, publicou alguns livros muito  
valiosos, dos quais um dentre eles é uma impactante radiografia crítica dedicada a Nae  
Ionescu, o mentor da “nova geração”3. Um outro aluno, Râpeanu, demonstrou reais  
qualidades de sociólogo. Para minha enorme surpresa, minha proposta de prosseguir  
com esse curso no ano seguinte foi recusada. A decisão partiu de um militante do  
Partido cuja função era exercer um controle ideológico na Faculdade de Filosofia. Eu  
pedi explicações a Petre Constantin, secretário da Propaganda na Prefeitura de  
Bucareste, sobre os motivos da interdição que acabava de ser anunciada. A resposta  
que me deu soou como um veredito: “Você não tem aprovação do Partido para  
ministrar esse curso”. Esse conflito teve lugar durante o outono de 1975. Lutei em  
vão para obter o direito de continuar a partilhar com meus alunos os resultados de  
minhas pesquisas na área de estética e de sociologia literária: eu havia publicado  
alguns livros e uma tese de doutorado cujos temas tratavam dessas temáticas, eu havia  
participado do Congresso Internacional de Estética de Upsala (1968), com uma  
palestra que constava nos Anais do Congresso, assim como no Congresso de  
Bucareste (1972), no qual, na qualidade de relator, eu havia sintetizado oito a dez  
comunicações. Mas foi uma causa perdida. Petre Constantin tomou nota de todos os  
meus argumentos e até mesmo me prometeu não sem ironia que leria minhas  
obras. Mas manteve-se firme em sua posição. Dois anos mais tarde, em 1977, foi-me  
anunciado que eu deveria deixar a Universidade, pois a vaga que eu ocupava até então  
seria suprimida. Em troca, ofereciam-me como única alternativa um cargo de  
3
A Nova Geração romena (Geração de 1927, também conhecida como geração Criterion, embora  
existam distinções entre a geração Criterion e a Nova Geração) era composta por jovens intelectuais  
progressistas romenos, unidos por amizade e curiosidade intelectual. Apesar das tendências  
inicialmente progressistas do grupo, principalmente em 1932-33, diversos membros da Nova Geração  
foram atraídos pelo fascismo da Garda de Fier (Guarda de Ferro, também conhecida como Legião do  
Arcanjo Miguel) fundada em 1927 por Corneliu Cordreanu, gerando distensões internas e o eventual  
rompimento da geração Criterion. Exemplo disso foi o a hostilidade entre Mihail Sebastian e seu amigo  
Mircea Eliade, ambos integrantes da Nova Geração, em razão do envolvimento deste com a extrema-  
direita e de suas simpatias pela Guarda de Ferro e por Cordreanu. Os jovens da Nova Geração foram  
profundamente influenciados por Nae Ionescu, conhecido antissemita e apoiador da Legião do Arcanjo  
de São Miguel. (CALINESCU, M. The 1927 generation in Romania: Friendships and Ideological Choices  
(Mihail Segastian, Mircea Eliade, Nae Ionescu, Eugène Ionescu, E. M. Cioran), 2002). (N.T.)  
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pesquisador em um dos institutos da Academia (a saber, o Instituto de História da  
Arte, seção de teatro).  
M.D.G.: A área de pesquisa foi utilizada pelas sociedades que operam sob o regime do  
“socialismo real” como isolamento dos elementos indesejáveis, que o regime gostaria  
de excluir do contato com os estudantes. Você estava nessa situação?  
TERTULIAN: Lutei ferozmente para salvar o meu cargo na universidade, pois eu estava  
profundamente convencido de que a supressão de uma vaga preenchida por meio de  
concurso era um ato totalmente ilegal, mas eu lutava contra moinhos de vento. Fui  
várias vezes recebido em audiência, por Paul Niculescu-Mizil, ministro da Educação  
Nacional, depois por Suzana Gâdea, ministra do Ensino Superior. Fui também recebido  
pelo diretor de gabinete de Cornel Burtică, então secretário da Propaganda no Comitê  
Central e enviei uma mensagem a Olivie Clătici, secretária do Centro Universitário de  
Bucareste. Mas, toda vez, recebi invariavelmente a mesma resposta, que era um  
pretexto que permitia justificar meu afastamento da universidade. Eu até mesmo apelei  
ao reitor Ciucu, que também, participou dessa farsa. O motivo invocado se baseava na  
declaração de Ion Ianoși, diretor do Departamento de Estética, que atestava que a  
carga horária disponível do curso era insuficiente para permitir a continuidade de  
minhas atividades. É necessário destacar que estética não era lecionada somente na  
Faculdade de Filosofia, mas também em diversas Faculdades de Filologia: a Faculdade  
de Língua e Literatura romena e a Faculdade de Línguas Estrangeiras. Toda  
argumentação montada pelos meus adversários não teria jamais resistido sem a  
participação ativa de Ianoși.  
Durante o período em que eu fui objeto de medidas vexatórias e  
discriminatórias que me afastavam de minhas atividades universitárias habituais,  
qualificando-me como persona non grata na Universidade, paradoxalmente, eu recebi  
do exterior convites para participar de colóquios de estética, assim como de  
conferências, nas quais eu apresentaria os resultados de minhas investigações. Assim,  
em 1975, eu realizei uma conferência introdutória em um colóquio internacional de  
estética em Amersfoort (Holanda) “sobre a autonomia e heteronomia da arte”. No  
princípio do ano de 1977, depois do terrível terremoto que atingiu o centro do país,  
recebi um telegrama do Japão que me havia sido endereçado por Tomonobu Imamichi,  
diretor do Instituto de Estética de Tóquio (nós nos tínhamos conhecido em Upsala). Ele  
me colocou a par das notícias sobre as consequências do terremoto e, ao mesmo  
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tempo, me convidou para participar de um colóquio internacional de filosofia da arte,  
para o qual Paul Ricœur havia sido também convidado, assim como o esteta Helmuth  
Kuhn, de Munique. Mencionei um “paradoxo”: de fato, quando fui recebido pelo  
secretário Cornel Burtică, ele queria me assegurar que eu receberia sem dificuldades  
meu visto para o Japão, salientando, ao mesmo tempo, que minha saída da  
universidade seria irreversível, e que dali em diante seria inútil levantar de novo a  
questão no futuro. Anos mais tarde, me deparei com um livro de Mihail Pelin, um  
personagem de caráter duvidoso que teve acesso aos dossiês da Securitate4. Ali  
descobri um relatório da Securitate endereçado ao Comitê Central, no qual uma  
discussão em nosso apartamento da Rua Ştirbei Vodă foi relatada, em que minha  
esposa e eu próprio havíamos mencionado a possibilidade de juntar-nos ao movimento  
de solidariedade à Carta 77 tcheca5. Compreendi então o que se ocultava por trás da  
decisão de minha expulsão da universidade.  
Foi-me então arranjado sem dificuldade o visto para Tóquio, do qual me  
beneficiei muito, pois graças ao convite de Imamichi, passei um mês na capital do  
Japão, onde participei de seminários e apresentei uma palestra intitulada Critică și  
valore [Crítica e valor] em um colóquio organizado pelo próprio Imamichi; uma síntese  
dessas atividades se encontra no texto Interferența culturilor [A Interferência de  
Culturas], reproduzido no meu livro Perspective contemporane [Perspectiva  
contemporânea] Nesse período, fui então definitivamente afastado do ensino  
universitário. Meu encontro com Paul Ricœur (em Tóquio eu assisti à sua conferência  
“Psicanálise e hermenêutica”) me foi de grande ajuda: ele publicou na Revue  
4
Departamentul Securității Statului, a polícia secreta romena, criada em 1948 com ajuda da unidade  
de contrainteligência do Narodniy Komissariat Vnutrennikh Diel (Comissariado do Povo de Assuntos  
Internos ou NKVD) segundo o modelo soviético. A Securitate foi uma das maiores (proporcionalmente  
à população romena) e mais brutais dentre as polícias secretas do chamado Bloco Socialista. O D.S.S.  
foi dissolvido depois da deposição Nicolae Ceaușescu em 1989 e suas atividades foram transferidas  
para outras instituições. (DELETANT, D. The Securitate Legacy in Romania. In. WILLIAMS, K. & DELETANT,  
D. Security Intelligence Services in New Democracies: The Czech Republic, Slovakia and Romania.  
Londres: Palgrave Macmillan, 2001. pp. 159-210) (N.T.)  
5
A Charta 77 (Carta 77) foi uma declaração demandando aos dirigentes comunistas da República  
Socialista da Checoslováquia o respeito não só às leis do país, mas também os princípios de direitos  
humanos declarados nos Acordos de Helsínquia, dos quais o governo checo era parte. A Carta 77 foi  
publicada em janeiro de 1977 e foi assinada por 241 personalidades da vida cultural da  
Checoslováquia, incluindo o futuro presidente da República Checa, Václav Havel, proeminente figura na  
chamada Revolução de Veludo. A divulgação da Carta 77 e [a]os signatários da declaração sofreram  
forte retaliação do regime tcheco. (TAMKIN, E. In Charter 77, Czech Dissidents Charted New Territory.  
dissidents-charted-new-territory/. Acesso em: 14 de junho de 2023. Charter 77. Economic and Political  
Acesso em: 14 de junho de 2023) (N.T.)  
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métaphysique et de morale, da qual ele era o diretor, um texto sobre a Ontologia6 de  
Lukács que eu havia-lhe confiado em Tóquio, e mais tarde ele apoiou minhas tentativas  
para conseguir um cargo de professor na França7.  
M. D. G.: Você teve a oportunidade de encontrar personalidades tais como Jean  
Starobinski, Gaëtan Picon e Herbert Marcuse. Poderia nos falar sobre as impressões  
que foram deixadas por eles em tais encontros?  
TERTULIAN: Certo dia, Georges Schlocker, um amigo suíço crítico de teatro, cuja mãe  
era de origem romena, conseguiu para mim uma viagem à Suíça. Em Zurique, fui ao  
famoso alfarrábio de Theos Pinkus, que era um bom amigo de Lukács e de Ernst Bloch  
(que conheci mais tarde em sua casa em Tübingen). À ocasião desse périplo na Suíça  
eu também conheci Konrad Farner, um eminente crítico de arte, grande conhecedor da  
arte moderna, autor de uma coletânea de textos prefaciada por Lukács, publicado nas  
Edições Luchterhand. Foi ainda em Zurique que conheci Hans Heinz Holz, um discípulo  
de Ernst Bloch, importante especialista da obra de Leibniz e formidável dialético, que  
eu encontraria de novo mais tarde, por ocasião de diversos colóquios.  
O acontecimento central dessa viagem à Suíça, que se desenrolou na segunda  
metade dos anos 1960, foi o encontro com Jean Starobinski em Genebra.  
Personalidade proeminente na crítica literária francesa, Starobinski presidia os  
Encontros Internacionais de Genebra, inaugurados em 1946, aos quais ele  
regularmente me convidou a participar entre 1969 e 1979.  
Starobinski me presenteou com sua obra La Relation critique [A relação crítica],  
na qual os princípios de seu método de análise crítica de obras literárias foram  
expostos com clareza e refinamento exemplares. Seu magistral estudo sobre Leo  
Spitzer e a crítica estilística particularmente chamaram minha atenção, dado que eu  
mesmo dediquei um ensaio sobre o assunto em dois números da Viața românească  
(2-3, 1957). Por ocasião de uma discussão com Starobinski, eu expressei meu desejo  
de conhecer seu ponto de vista acerca da crítica sociológica de Lucien Goldmann  
(aquilo que o autor da notável obra sobre Pascal e Racine, Le Dieu Caché8 [Deus  
6
A Ontologia foi publicada no Brasil em dois volumes sob o título Para uma ontologia do ser social.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Editora Boitempo.  
7
Esse texto foi publicado em português como TERTULIAN, N. György Lukács e a reconstrução da  
ontologia na filosofia Contemporânea. In. VAISMAN, E. & VEDDA, M. (org.). Lukács - Estética e Ontologia.  
São Paulo: Alameda, 2014. pp. 15-76  
8 Referência ao deus absconditus de Blaise Pascal. (N.T.)  
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abscôndito], chamou de “estruturalismo genético”). Compreendi então o teor de suas  
reservas em relação ao “sociologismo” de Goldmann. Eu partilharia em grande parte  
suas reservas, que o próprio Lukács havia também expressado, como eu iria descobri-  
lo mais tarde. Quis então saber mais sobre seu ponto de vista em relação à Estética [A  
peculiaridade do estético] de Lukács, pois eu sabia que ele havia lido. Starobinski me  
confidenciou que estava em desacordo com o juízo negativo do esteta marxista sobre  
a psicanálise freudiana. Aliás, o último tomo de sua obra La relation critique foi, nesse  
sentido, dedicada à fecundidade da psicanálise para a compreensão da literatura.  
M.D.G.: Seu encontro com Gaëtan Picon foi tão proveitoso como foi o com Starobinski?  
TERTULIAN: Visitei Picon na segunda metade dos anos 1960, em seu gabinete de  
trabalho do Ministério da Cultura em Paris (sendo próximo de André Malraux, o  
ministro o havia nomeado Diretor Geral das Artes e das Letras). Na metade dos anos  
1960, escrevi um artigo publicado na Viața românească que tratava de seu livro O  
escritor e sua sombra9. Nessa obra, Picon pretendia dissociar os “juízos de existência”  
dos “juízos de valor”, sua tese foi a seguinte: as obras literárias, em sua especificidade  
estética, são objeto de juízos de valor (elas são “valores”), de modo que todos os  
sistemas da estética (de Hegel a Taine e de Volkelt a Utitz) consideram-nas como  
“existências”, ocultando assim sua dimensão propriamente estética, que apenas o  
verdadeiro ato crítico pode atingir. Picon se situava assim na linhagem da tradição  
crítica impressionista francesa, manifestando ao mesmo tempo um certo conhecimento  
dos trabalhos da estética sistemática, que ele fundamentalmente rejeitava. No artigo  
que escrevi sobre seu livro, defendi a estética filosófica, embora não conhecesse ainda  
os textos de estética de referência, como aqueles de Ingarden ou de Dufrenne, por  
exemplo.  
Durante minha discussão com Picon, fiz referência à Estética de Lukács, e, em  
seguida, o crítico francês, diretor de estudos da École des Hautes Etudes en Sciences  
Sociales, convidou-me a expor as principais ideias da estética lukácsiana em seu  
seminário da EHESS. No decorrer do inverno de 1970-1971, aproveitei, assim, por  
três meses, o convite. Era a primeira vez que eu entrava em contrato com essa  
instituição, que depois iria me oferecer a possibilidade de instalar-me na França. É ao  
finado Gaëtan Picon (falecido em 1976) que eu devo esse primeiro passo decisivo.  
9 PICON, G. O escritor e sua sombra. São Paulo: Editora Edusp, 1969.  
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Graças a Jean de Beer, fiquei hospedado, por toda a duração da minha estada  
parisiense, em um quarto no apartamento do PEN-club francês. Foi ali que eu redigi  
minuciosamente minha intervenção, que eu iria também apresentar em outro seminário  
da EHESS, o de sociologia literária, conduzido por Jacques Leenhardt, o sucessor de  
Lucien Goldmann. Para minha enorme surpresa, Gaëtan Picon, tomando a palavra para  
comentar minha intervenção, insistiu especialmente no conceito de mimesis e nos  
valores heurísticos. Sua assistente, Geneviève Bollème, mostrou-se particularmente  
sensível à influência de Vico sobre Lukács e aos elogios que este fazia à grande obra  
do pensador italiano, Ciência Nova10. Picon mencionou o livro de Lukács dedicado ao  
romance histórico, no qual ele via um exemplo, por excelência, dos métodos do esteta  
húngaro.  
M.D.G.: Gostaríamos de saber como você conheceu Herbert Marcuse, e o que o levou  
a editar, em 1977 na Romênia, um volume reunindo seus escritos filosóficos nas  
edições Editura Politică.  
TERTULIAN: Conheci Herbert Marcuse em 1966 durante o Fórum d’Alpbach, em uma  
estância dos Alpes do Tyrol, onde anualmente, durante o verão, ocorriam os encontros  
internacionais, reunindo participantes do Leste e do Oeste. A Áustria era o centro do  
debate Leste-Oeste e, junto de D. R. Popescu, havíamos participado do Fórum de  
Alpbach na qualidade de delegados da União de Escritores11. Foi nesse contexto que  
encontrei Hans Mayer, historiador e literato, que havia deixado a República  
Democrática da Alemanha em 1963 para se instalar na Alemanha Federal, assim como  
George Steiner, a quem eu iria encontrar de novo alguns anos mais tarde em Genebra,  
onde ele ensinava literatura comparada na Universidade. Herbert Marcuse, professor  
em São Diego, na Califórnia, havia sido convidado a apresentar um seminário dedicado  
ao seu primeiro livro sobre Hegel, Hegels Ontologie und die Theorie der  
Geschichtlichkeit [A ontologia de Hegel e a teoria da historicidade], escrito a partir de  
sua tese de doutorado orientada por Heidegger e publicado em 1932 (ainda que  
10 VICO, G. Ciência Nova. São Paulo: Editora Ícone, 2017  
11  
A Uniunea Scriitorilor din România é uma associação profissional de escritores romenos fundada em  
março de 1949 pela República Socialista da Romênia. A União foi criada pelo regime romeno para  
substituir a antiga Societatea Scriitorilor Români (Sociedade de Escritores Romenos) (Disponível em:  
(N.T.)  
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Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno  
pareça que o autor de Ser e Tempo12 não tenha na realidade verdadeiramente  
orientado esse trabalho).  
O seminário de Marcuse em Alpbach era frequentado, principalmente, por  
jovens universitários da Alemanha Ocidental. Eu tive a oportunidade de conversar com  
Marcuse no terraço do hotel onde os convidados do Fórum se hospedavam, bem como  
de abordar com ele a Estética de Lukács, que o filósofo americano parecia conhecer.  
Marcuse disse-me que tinha um projeto de elaborar, por sua vez, uma síntese de suas  
reflexões estéticas, depois da publicação de seu livro O Homem unidimensional13 (obra  
que não conhecia ainda seu sucesso planetário, mas que, dois anos mais tarde, o  
tornaria famoso). Ele estava, contudo, insatisfeito com o hábito dos autores de tratados  
de estética de elaborar uma teoria diferente para cada tipo de arte. Lukács não era  
exceção, muito pelo contrário: na Estética, ele não somente tinha dividido seu tratado  
em diversos estudos sobre a música, a arquitetura e o cinema, mas ele analisava  
também as artes decorativas e mesmo a jardinagem! Marcuse realizaria seu projeto,  
publicando em 1977 não um tratado ou “sistema” de estética, mas um ensaio  
intitulado A dimensão estética14, situado nos antípodas da estética marxista normativa  
(nisso, ele se aproximava de Adorno).  
Eu revi Marcuse alguns anos mais tarde, em 1969, nos “Encontros  
internacionais de Genebra”, onde o filósofo, já famoso (ele havia se tornado o ídolo  
doas estudantes contestadores de maio de 1968), havia sido convidado a proferir,  
junto com Paul Ricœur, Raymond Aron, o cardeal Daniélou e Ignacy Sachs, uma das  
conferências do programa “a liberdade e a ordem social”. No dia de sua conferência,  
eu lhe telefonei no hotel onde estava hospedado (Hotel des Bergues, conhecido por  
ter sido o hotel favorito de Nicolae Titulescu, personagem central da democracia  
romena do entre guerras), e sugeri uma entrevista, durante a qual eu tencionava  
propor-lhe algumas questões acerca dos fundamentos filosóficos de seu pensamento.  
Ele me encontrou no dia seguinte no hotel e eu pude, de certa forma, satisfazer minha  
curiosidade em relação à síntese original que ele havia feito em seu magistral Eros e  
civilização15 entre a filosofia de Marx e a metapsicologia de Freud. De volta à Romênia,  
publiquei na Gazeta literara [A gazeta literária] uma resenha e um comentário sobre  
12 HEIDDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Editora Vozes, 2015.  
13  
MARCUSE, H. O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade industrial avançada. São  
Paulo: Editora EdiPro, 2015.  
14 MARCUSE, H. A dimensão estética. São Paulo: Edições 70, 2007.  
15 MARCUSE, H. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2017  
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os encontros de Genebra, retomado também em meu livro Critică, estetică, filozofie e,  
mais recentemente, em uma nova versão, no volume Pourquoi Lukács.  
A edição em língua romena dos textos filosóficos (Scierior filosofice) de Herbert  
Marcuse, na qual eu escrevi uma ampla biografia intelectual, foi recebido como um  
acontecimento editorial: depois de 1989, Editura Trei publicou a tradução de Eros e  
civilização, a fim de continuar o que havia sido iniciado em 1977.  
Autor de um livro extremamente severo intitulado O Marxismo Soviético16,  
Marcuse era muito malvisto pelos ideólogos stalinistas e neosstalinistas. Na Romênia,  
Marcuse não era apreciado, particularmente no seio da Escola do partido “Stefan  
Gheorghiu”. Os representantes do establishment se mostravam ostensivamente  
indispostos com sua tendência libertária, assim como pelo poderoso caráter  
emancipador de seus escritos.  
M.D.G. Você teceu estreitas relações com Georg Lukács, frequentou sua casa em  
Budapeste e dedicou a ele diversos livros e estudos publicados em Bucareste, Paris,  
Roma, São Paulo. Você dedicou a ele uma grande parte de sua tese de doutorado em  
1972. Quais lembranças você guarda da personalidade daquele que, em seus escritos  
culminando com a Estética ou a Ontologia do ser social, sem esquecer dos  
memoráveis Teoria do Romance17 (1916) e História e Consciência de Classe18 (1923)  
profundamente marcou o pensamento do século?  
TERTULIAN: É necessário sublinhar o papel do notável germanista italiano Cesare Cases  
na minha aproximação com Lukács. Conheci Cases em Roma em 1965, onde eu havia  
sido convidado por Giancarlo Vigorelli. Ele se mostrou sensível à minha curiosidade  
apaixonada por nosso mestre comum e escreveu uma carta ele sugerindo  
calorosamente que me conhecesse, sobretudo porque eu passaria por Budapeste no  
caminho de volta. Lukács, que muito estimava Cases e que tinha grande respeito por  
suas qualidades humanas e intelectuais, recebeu-me em sua casa durante minha escala  
em Budapeste imediatamente depois de minha ligação telefônica. A partir desse  
momento, todos os anos, quando chegava na capital húngara, eu era recebido para  
uma conversa de algumas horas com o velho filósofo, durante as quais, discutíamos  
suas obras e minhas interpretações diversas. Eu ouço ainda hoje a voz grave e  
16 MARCUSE, H. O Marxismo Soviético. [S.I]: Editora Saga, 1969  
17 LUKÁCS, G. Teoria do Romance. São Paulo: Editora 34, 2009  
18 LUKÁCS, G. História e Consciência de Classe. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2018.  
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profunda daquele que atendia o telefone para responder às minhas ligações: “Ah! Es  
ist schön, dass Sie gekommen sind!” [Ah! Que bom que você veio!]. Aconselhado por  
Lukács, eu também conheci seus discípulos: Agnes Heller, Ferenc Fehér, György  
Markus, os membros da “Escola de Budapeste”, dentre os quais alguns, depois de  
1989, e sem dúvida mesmo antes, foram progressivamente se afastando de sua  
herança espiritual. Lukács insistia que eu redigisse minha tese de doutorado sobre sua  
estética. Infelizmente, eu a terminei a defendi após sua morte (em junho de 1971).  
Contudo, meu primeiro trabalho de síntese sobre sua obra (antes da publicação da  
Ontologia) foi publicada em 1969. Tratava-se de uma introdução a uma seleção de  
seus estudos de história literária, publicada na Edições Univers e traduzida do húngaro  
no periódico Kortars (um fragmento) e em versão integral no periódico Magyar  
Filozofiai Szemle (3-4, 1970). Na França, o texto foi publicado no periódico L’Homme  
et la Société no número de abril de 197119. Lukács o leu em sua versão em húngaro  
e durante minha última visita, em março de 1971 (ele faleceu em junho do mesmo  
ano), fez questão de dizer, quando nos cumprimentávamos, que meu estudo situava  
com justiça a virada na evolução filosófica e política de seu ensaio Tática e Ética,  
publicado em 1919.  
As conversas com Lukács eram sempre um verdadeiro festim intelectual e, como  
observaria o poeta Stephan Spender em um texto publicado no periódico Encounter,  
Depois de uma visita à casa de Lukács, sua voz soava como a de um “milionário do  
saber”, possuído por “die Bildung”, um demônio da “cultura”, como certa vez  
constatou Thomas Mann em seu texto de homenagem publicado por ocasião do  
septuagésimo aniversário do crítico e filósofo.  
Conversávamos em francês, mas durante uma visita que fiz com minha esposa,  
Georgeta Horodincă, em um certo momento ele interrompeu seu inesgotável discurso  
e, pedindo licença a Georgeta, continuou sua exposição em alemão, língua na qual ele  
escrevia, julgando que assim poderia expressar suas ideias filosóficas de maneira mais  
adequada.  
Seu ponto de vista sobre seus contemporâneos muito me interessava,  
sobretudo aqueles da Escola de Frankfurt, como Adorno ou Marcuse, bem como sua  
opinião sobre Martin Heidegger, e particularmente sobre a possível influência de seu  
19  
Esse texto foi publicado no Brasil como capítulo do livro Georg Lukács: Etapas de seu pensamento  
estético, São Paulo, Editora Unesp, 2003, pp 23-65 (N.T.)  
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Entrevista com Nicolas Tertulian  
famoso livro História e consciência de classe (recentemente traduzido em romeno por  
uma editora de Cluj) sobre os principais escritos do filósofo alemão: Ser e tempo (de  
a tese favorita Lucien Goldmann). Eu me interessava também pela evolução de suas  
opiniões sobre Sartre e Merleau-Ponty etc.  
Um dia, em uma conversa com Lukács, mencionei as posições de Adorno. Eu  
tinha em mente o ataque virulento do pensador da Escola de Frankfurt em seu famoso  
texto Erpresste Versöhnung [Uma reconciliação extorquida] contra as teses de Lukács  
expostas em seu opúsculo Significado presente do realismo crítico (1957). Discutindo  
a obra de Beckett, celebrada por Adorno urbi et orbi, mas ao mesmo tempo alvo  
principal das críticas de Lukács (ele visava sobretudo o romance Molloy20), referi a  
afirmação de Adorno em relação ao caráter “objetivo-polêmico” dos personagens  
beckettianos. O semblante de Lukács se tornou grave e ele murmurou: “mas onde  
ele vê a polêmica?”. Na Estética, há uma passagem muito eloquente que traduzia a  
expressão de seu próprio ponto de vista, em que Lukács opõe O Processo21 de Kafka,  
dessa vez objeto de um vibrante elogio, ao romance de Beckett citado acima, rejeitado  
por ele. Permita-me citar essa passagem, que a literatura crítica dedicada ao ponto  
de vista de Lukács sobre a obra de Kafka frequentemente omite a menção: [“Isto  
distingue […] O processo de Kafka do Molloy de Beckett; em O processo, o incógnito  
absoluto do homem particular aparece como uma anormalidade indignante, evocadora  
de indignação, da existência humana, ou seja, ainda que negativamente, sobre a base  
do destino e a sorte da espécie, enquanto Beckett se instala auto satisfeito na  
particularidade fetichizada e absolutizada”]22. Nas páginas finais de Um dia na vida  
de Ivan Denissovich23, o estudo elogioso dedicado ao livro de Soljenitsyne, Lukács  
retorna à oposição que ele estabeleceu entre Kafka e Beckett (em um outro contexto,  
ele estabelecerá uma filiação ideal e surpreendente! entre Swift e Kafka), em  
oposição total com a posição de Adorno, que, no estudo da peça de Beckett, Fim de  
Partida24, afirma que existe uma continuidade entre Kafka e Beckett.  
M.D.G.: Como evoluíram as relações entre Adorno e Lukács?  
20 BECKETT, S. Molloy. São Paulo: Editora Biblioteca Azul, 2014.  
21 KAFKA, F. O Processo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2005.  
22  
A tradução desse trecho foi feita utilizando como referência a edição espanhola, cf. LUKÁCS, G.  
Estetica I: la particularidad de lo estetico. Tomo 2: problemas de la mímesis. Barcelona: Ediciones  
Grijalbo, 1966 (N.T.)  
23 SOLJENITSYNE, A. Um dia na vida de Ivan Denissovich. São Paulo: Editora Siciliano, 1995.  
24 BECKETT, S. Fim de Partida. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2010.  
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Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno  
TERTULIAN: É possivelmente a ocasião para eu mencionar que Adorno, na juventude,  
considerava Lukács como o pensador mais influente (por muito tempo, ele não faltava  
com elogios em relação à Teoria do Romance e História e consciência de classe). Com  
os anos, as coisas mudaram. Um pequeno episódio poderia ilustrar essa virada de  
opinião. Na Itália, eu procurava o livro de um ensaísta e filósofo, Tito Perlini, intitulado  
Utopia e prospettiva in György Lukács [Utopia e prospectiva em György Lukács],  
publicado em 1968. Eu o comprei com a ideia de presenteá-lo a Lukács, pensando  
que poderia interessá-lo. Com efeito, ao folheá-lo, ele modestamente exclamou: “uma  
obra tão grande sobre mim!”. Contudo, ao saber por meio de Cases que Perlini havia  
sido discípulo e admirador de Adorno, ele se retratou: “nesse caso, não há muito o  
que se esperar!”. De qualquer forma, ele não conhecia suficientemente italiano para lê-  
lo.  
M.D.G.: Sei que você teve oportunidade de conhecer Adorno. Você abordou com ele a  
questão de suas relações com Lukács?  
TERTULIAN: No outono de 1966, depois de ter participado das excelentes jornadas  
Teilhard de Chardin em Vézelay25, aproveitei minha viagem ao Ocidente para ir à  
Alemanha Federal e conhecer a famosa Feira do Livro de Frankfurt, uma verdadeira  
revelação para um jovem filósofo como eu, proveniente do outro lado da cortina de  
ferro. Mas Frankfurt era também a sede do Instituto de pesquisa social fundado por  
Horkheimer e Adorno. Reuni coragem e telefonei à sede do Instituto para solicitar uma  
reunião com Adorno. Foi-me concedido o encontro e, no dia seguinte, fui recebido  
pelo autor da Dialética negativa26, trabalho de síntese filosófica cuja publicação havia  
sido anunciada concomitantemente à Feira do Livro.  
M.D.G.: Como se passou a discussão com Adorno?  
25  
Organizadas nos anos 1960 pela Associação Teilhard de Chardin, as journées Teilhard de Chardin  
ocorriam na cidade de Vézelay na França e propunham aos participantes o estudo e discussão da obra  
do padre jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin. Esses eventos atraíam um grupo dos mais variados  
de franceses e estrangeiros (sobretudo estrangeiros provenientes do outro lado da Cortina de Ferro,  
como o próprio Tertulian), contando com a presença de clérigos católicos de diversas ordens (jesuítas,  
dominicanos, franciscanos, carmelitas,…), de teólogos protestantes, judeus e ortodoxos, bem como de  
marxistas e cientistas de diversos campos. (MADAULE, J. Des conférenciers hongrois et polonais  
soulignent l'intérêt de l'œuvre de Teilhard pour les catholiques vivant derrière le rideau de fer. Le Monde,  
hongrois-et-polonais-soulignent-l-interet-de-l-uvre-de-teilhard-pour-les-catholiques-vivant-derriere-le-  
rideau-de-fer_2204067_1819218.html) (N.T.)  
26 ADORNO, T. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009  
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Entrevista com Nicolas Tertulian  
TERTULIAN: Em razão de meu atraso, a discussão durou menos tempo do que eu teria  
desejado… Eu estava hospedado em Darmstadt e Frankfurt havia sido tomada de  
assalto por visitantes, e avaliei mal a duração do trajeto de trem entre Darmstadt e  
Frankfurt... Adorno imediatamente chamou atenção para minha falta de pontualidade.  
Entrei então imediatamente in media res: seus embates com Lukács. Eu me permiti  
perguntar se a publicação de seu texto fortemente polêmico Uma conciliação  
extorquida (publicado pela primeira vez em 1958 em um periódico de Berlim Ocidental  
Der Monat) havia sido oportuna. Lukács havia retornado à Budapeste em 1957, depois  
de sua deportação de seis meses com Imre Nagy para Snagov, na Romênia. Foi então  
alvo de ataques por parte do establishment stalinista por ter participado do círculo  
Petöfi e do governo insurgente de Nagy, como ministro da Cultura. Adorno respondeu  
que o conflito com o filósofo marxista tinha sido provocado pelo próprio Lukács, que  
o havia mencionado em um texto publicado em 1956 sob o título A luta entre o  
progresso e a reação na cultura contemporânea27. Essa havia sido a primeira vez, que  
eu saiba, que Lukács mencionava Adorno, que ele definia como “importante crítico e  
teórico alemão”, adicionando: “um campeão (ein Vorkämpfer) da música decadente”.  
Pode-se compreender que tal formulação pudesse ter provocado uma reação violenta  
da parte de Adorno. Foi a isso que ele se referia na resposta que me deu. Na verdade,  
em sua palestra, Lukács fez referência a um texto de Adorno do volume Dissonanzen  
(1956), intitulado Das Altern der neuen Musik [o envelhecimento da nova música], que  
ele usava de argumento em prol de sua tese acerca do esgotamento presumido dos  
recursos da vanguarda. Adorno estava verdadeiramente pouco disposto a conceder  
qualquer crédito às formulações de Lukács do tipo “música vanguardista decadente”,  
que situavam desde o início Schönberg no centro dessa corrente, de igual modo que  
ele [Adorno] recusava seu argumento sobre a decadência (“envelhecimento”) da música  
de vanguarda.  
Quando perguntei se ele conhecia a Estética de Lukács, obra que sintetizava a  
evolução mais recente da visão estética do filósofo húngaro (os dois volumes foram  
publicados em 1963 pelas edições Luchterhand na Alemanha Federal), Adorno  
respondeu ter tomado conhecimento do livro. Pareceu-lhe ser de fato uma grande obra  
do autor, mas, estando assoberbado pela redação da Dialética negativa, obra que o  
27  
Publicado em português na coletânea COUTINHO, C. & NETTO, J. (org.). György Lukács, socialismo e  
democratização escritos políticos (1956-1971). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.  
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Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno  
havia completamente absorvido no decorrer dos últimos anos, ele não tinha tido tempo  
de mergulhar meticulosamente na Estética lukácsiana.  
Eu teria apreciado saber mais sobre a Dialética negativa, essa síntese de sua  
evolução filosófica, mas o pouco tempo que nos restava não me permitiu satisfazer  
minha curiosidade.  
Mais tarde, na minha casa, comecei a estudar atentamente a Dialética negativa.  
Nesse meio tempo, sua obra póstuma Teoria Estética (1970)28 foi publicada: foi o  
primeiro estudo publicado na Romênia sobre os escritos fundamentais de um dos  
fundadores da Escola de Frankfurt. Mais tarde, na França, eu iria publicar em 1983 no  
periódico L’Homme et la société um artigo intitulado Réflexions sur la Dialectique  
négative [Reflexões sobre a Dialética Negativa], que atrairia a atenção de Jean-François  
Lyotard, ele próprio interessado pela obra filosófica de Adorno.  
Como revela sua correspondência, Lukács, de sua parte também, postergou a  
leitura da Dialética negativa, que lhe havia sido recomendada por Agnes Heller. Por  
volta do fim do ano de 1969, por ocasião de minha visita anual, eu descobri, não sem  
surpresa, que ele havia decidido ler esse livro. Digo “surpresa” porque, apesar de sua  
idade avançada (ele acabava de completar 84 anos), ele não recuou diante da leitura  
desse texto árduo e às vezes muito entediante. “Adorno nega aquilo que constitui a  
essência do ato livre: a escolha de caráter alternativo”, confiou-me Lukács. Quando lhe  
perguntei onde se manifestava uma tal recusa da alternativa, Lukács tirou da estante  
de sua biblioteca o volume e indicou a manifestação dessa recusa adorniana da  
alternativa na página 233, em uma nota de rodapé. Em uma das páginas seguintes,  
na qual Adorno analisava “a morte depois de Auschwitz”, ele anotou uma só palavra:  
Semprún. Lukács opunha ao pessimismo abissal de Adorno o exemplo de Semprún, A  
grande viagem29, no qual, a atitude corajosa do herói confrontada com a situação limite  
de sua deportação para os campos de concentração, era edificante aos seus olhos  
(contrariamente a Cesare Cases, que não partilhava de seu entusiasmo). Relembrei esse  
episódio de minha visita a Lukács em uma página de meu artigo Correspondance  
inédite de Georg Lukács [Correspondência inédita de Georg Lukács], publicado no  
periódico austríaco Neues Forum, depois na França no periódico Europe.  
Sobre minha apreciação mais global sobre Lukács, eu remeto à obra  
28 ADORNO, T. Teoria Estética. São Paulo: Edições 70, 2008.  
29 SEMPRÚN, J. A Grande Viagem. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1973.  
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Entrevista com Nicolas Tertulian  
recentemente publicada em francês Pourquoi Lukács?.30  
Como citar:  
GHEORGHIU, Mikaï Dinu. Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno  
Entrevista com Nicolas Tertulian. Verinotio. Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 414-428;  
jul-dez, 2023.  
30  
Edição brasileira Tertulian, N. Por que Lukács? Tradução de Juarez Torres Duayer. São Paulo:  
Boitempo editorial, 2023.  
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