DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.700  
Editorial: Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Não é incomum certa análise “livre” das obras de Marx e, por vezes, dada a  
necessidade premente de intervenção prática, o autor é usado como fonte de  
inspiração, e não como um pensador cuja contribuição ainda tem vinculação com o  
que se passa na atualidade. Esse tipo de interpretação traz à tona aquilo que J. Chasin  
(2009; 2023) chamou de hermenêutica da imputação, por meio da qual um  
posicionamento particular do leitor é introduzido no texto interpretado, não raro, com  
uma finalidade política específica imediata. E, assim, os ditos marxistas, com certa  
frequência, acabam por deixar de lado a leitura rigorosa da obra do próprio Marx. No  
limite, como destacou novamente Chasin (2000), tem-se a conjunção entre uma  
hermenêutica subjetivista e uma posição claramente politicista. A crença na  
onipotência da política e consequente cegueira diante das determinações sociais da  
política e da vontade criticadas pelo autor das Glosas marginais ao artigo do rei da  
Prússia (2010) – acaba por confluir com o uso “tático”, para que se use um eufemismo,  
da obra de Marx. Nesse sentido, no cenário da crise contemporânea do sistema  
capitalista de produção e da ofensiva do capital diante do trabalho, não é raro que  
pensadores “marxistas” como Domenico Losurdo (2010), aqui tomado como exemplo,  
busquem defender o estado, o direito e, no limite, o legado do stalinismo. O problema  
é que, procedendo desse modo, o autor italiano não fala a partir de Marx, entretanto,  
igualmente verdadeiro é que Losurdo acabou por influenciar interpretações ora mais,  
ora menos honestas da obra marxiana. Assim, a necessidade imediata ainda dita a  
tônica que é dada, em verdade atribuída e imputada, à obra do autor de O capital.  
É vital deixar claro o seguinte: se a “utilidade” de Marx é servir somente de  
inspiração imediata (ou mesmo remota, aqui não importa), sua atualidade, ao fim e ao  
cabo, não se torna verdadeiramente explicitada. Nesse caso, talvez seja possível  
identificar “fontes de inspiração” que se mostrem muito mais eficientes no combate  
imediato e pragmatista e, portanto, sem caráter verdadeiramente revolucionário –  
das mazelas do capitalismo da contemporaneidade. Efetivamente, é isso que acontece  
com certa frequência.  
Na crítica à imediaticidade do sistema capitalista de produção algo necessário,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, Lukács: 50 anos depois, ainda- mar. 2022  
NOVA FASE  
Editorial  
mas não suficiente para um marxista , são muito mais coerentes autores como Butler,  
Foucault, Agamben e Boaventura Santos, dentre outros. Algo comum que marca todos  
esses autores é a posição contrária à obra de Marx e de seu legado. Ou seja, se  
abordarmos a questão como ela realmente se apresenta, os marxistas têm se colocado,  
no mais das vezes, no mesmo terreno que os autores acima mencionados (aquele do  
proveito político imediato de determinada teoria), sem qualquer vantagem  
comparativa. Na época do autor de O capital, Proudhon e Lassalle se mostraram muito  
mais influentes que Marx. Mobilizavam grande número de trabalhadores e  
trabalhadoras. Hoje se sabe que as teorizações desses dois autores são absolutamente  
incapazes de apreender as determinações basilares do sistema capitalista de  
produção. Acreditamos que algo semelhante se passe com pensadores  
contemporâneos, como os referidos linhas acima, que enxergam Marx como um autor  
ultrapassado e contra o qual é necessário se posicionar. Em outras palavras, o Mouro  
passou a ser encarado pelas estrelas contemporâneas da novíssima esquerda como  
um autor do século XIX, cuja obra provocou resultados desastrosos, tendo em vista os  
impasses provocados pelas transições intentadas para o socialismo do século XX. Dito  
de outro modo: a esquerda contemporânea, em geral, é antimarxista. A posição  
defensiva diante do avanço contemporâneo do capital não vem sendo exercida por  
marxistas em geral, fenômeno que sinaliza a morte da esquerda, como bem colocou J.  
Chasin (2023).  
Por via de consequência, a ofensiva frente ao capital, preconizada por autores  
como Mészáros (2002), necessita de análises e reflexões bem compreendidas e  
elaboradas a partir da própria obra de Marx. E, como não poderia deixar de ser, o  
primeiro passo para se chegar a esse patamar reside na análise cuidadosa de seus  
escritos, com o objetivo de identificar o que ele de fato pensou e formulou. O caminho  
a ser percorrido talvez seja mais árduo do que possa parecer para os mais desavisados.  
É claro que isso não significa afirmar que a ofensiva defendida por Mészáros  
esteja na ordem do dia ou algo do gênero, contudo, tornou-se vital reconhecer que,  
mesmo considerando fins práticos imediatos, a hermenêutica da imputaçãoou as  
abordagens que mencionamos se revelam totalmente ineficazes frente ao desafio de  
superar o capital. Se o que Mészáros (2002) afirma é verdadeiro, somente por meio  
da compreensão apurada da realidade e com uma postura não apenas reativa seria  
possível se contrapor ao modo de produção capitalista. A tarefa é de tal envergadura  
que, em verdade, mesmo o marxismo de boa parte do século XX foi tematizado por  
Verinotio  
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Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Lukács (2020b; 2013) como algo que deveria passar por um renascimento radical.  
Ademais, é importante sublinhar que os marxistas em geral não se dedicam à  
leitura das obras de Marx, e quando o fazem não o compreendem com o mínimo de  
rigor; ou seja, no anseio de buscar soluções práticas imediatas, procuram transpor  
mecanicamente a teorização marxiana para os problemas dos séculos XX e XXI. Por  
isso, de acordo com o autor húngaro, em verdade, eles não seriam propriamente  
marxistas. Esta é uma das razões pelas quais o stalinismo dominou boa parte do  
movimento socialista; ironicamente, após tantos dilemas regressivos, assiste-se hoje a  
certa tentativa de revivê-lo teoricamente. Parece que o cenário não é muito melhor do  
que aquele do tempo em que Lukács escreveu e justificou sua proposta de  
renascimento do marxismo, o que torna ainda mais vital envidar esforços na direção  
preconizada pelo autor húngaro. Ou seja, é preciso compreender Marx com seriedade;  
avançar diante de suas conquistas com ajuda dos clássicos do marxismo; trazer, com  
as devidas mediações, uma análise marxista do capitalismo contemporâneo e, por fim,  
elaborar uma crítica efetiva deste último. Isso significa afirmar a necessidade prática  
de superação do capitalismo.  
Há pistas suficientes a apontar que uma das mazelas envolvidas nas dificuldades  
acima apontadas tem a ver com as incompreensões de toda sorte, que vêm  
atravessando décadas, acerca da natureza da proposta propugnada por Marx, acerca  
da aproximação gnosiológica dos complexos reais efetivamente existentes (Chasin,  
2009; Lukács, 2010; 2012; 2013).  
A fonte de tantos dilemas talvez tenha sido a controvertida relação crítica de  
Marx com a tradição clássica alemã, que resultou. para alguns, em uma extensão não  
percebida de parâmetros idealistas não apenas em sua propalada “fase juvenil”, mas  
também em boa parte de seu percurso da maturidade. Contudo, detendo-se com rigor  
nas obras, sobretudo, de seu período inicial, constataremos que a fase rigorosamente  
idealista não passa de meados de 1843. Ou seja, o acerto de contas, a rejeição da  
“substância mística” hegeliana, do seu “misticismo lógico, panteísta” se realiza nas  
afamadas Glosas de Kreuznach (Marx, 2003a). Já nesse período é possível identificar,  
em seus contornos mais decisivos, a opção gnosiológica de Marx, que rejeita qualquer  
tipo de construtivismo especulativo, seja este resultante de alguma tentativa de  
correção sofisticada mas, sempre formalizante dos limites das ciências do  
entendimento, seja ele o que vem a ser tão unilateral e equivocado quanto qualquer  
Verinotio  
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Editorial  
tipo de edificação, mesmo elevada ou tortuosa, de algum cogito transcendental. Estes  
dois caminhos equivocados, por mais diferentes que sejam entre si, não elidem a  
distância essencial que os separa da formulação marxiana, visto que ambos não  
ultrapassam a dação de sentido pela razão, com a única distinção cabível de um a  
priori para um a posteriori. Resumidamente, o construto simplesmente muda de lugar:  
antecede ou sucede o golpe de vista que se dirige ao mundo, imanentemente carente  
de sentido; dá sentido à entificação antes ou depois de tocá-la. Mas é sempre a razão  
a doadora de significação a um mundo, imanentemente carente de sentido. Condição  
mesmo de existência de sentido, no primeiro caso; aproximação genérica, emulsão  
significativa em meio a um campo homogeneizado, no segundo, ambos tomam a  
operação mental como constituinte de sentido, divergindo entre si na forma e na  
extensão com que tudo se realiza. Diferença importante, mas radicalmente diversa  
daquela que opõe ambas à posição marxiana: a razão descobre, reproduz – “na forma  
única pela qual a cabeça é capaz de fazê-lo” – pelo conceito o sentido das coisas (ver  
Vaisman, 2006, pp. 9-18). Para os dois caminhos anteriormente apontados, em  
primeiro lugar, as coisas são desprovidas de sentido e, em segundo, a razão é,  
digamos, a oficina ou a linha de montagem do significado.  
Na atualidade, a interrogação de rigor sobre a irredutível natureza social  
humana e a historicidade intrínseca à sociabilidade, conquistas da obra de Marx –  
constitui a plataforma geral que pode vir a dinamizar o clareamento do ser e do saber  
da cotidianidade, como o entendimento e a prática da atividade científica e filosófica.  
Nesse resgate da subjetividade ativa, racionalmente potencializada mas nunca como  
império da vontade , o oponente que ela tem de enfrentar são as mil faces de sua  
negação, que se reiteram impiedosamente em todos os espaços, tanto individuais  
quanto sociais, desde a renúncia cética até a impertinência da desrazão ou irrazão,  
como queiram.  
Desse modo, uma das dimensões da contribuição decisiva para o conhecimento  
das várias formas da sociabilidade, sobretudo a capitalista, foi a revolução teórica  
conformada por Marx. De acordo com ele, as coisas do mundo humano têm elas  
mesmas um sentido imanente, portanto, o método aqui tem a função de buscar e  
captar esse sentido. A razão, em contrapartida, entendida como uma figura histórica e  
socialmente constituída, reproduz esse mesmo sentido. É, portanto, reprodutora de  
sentido, e nunca sua usina originária. As coisas do mundo são reconhecidas, mas não  
como empiricamente amorfas, em sua imanência que é passada, a uma forma de  
Verinotio  
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Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
pensamento, ou seja, não é o pensamento que dá forma ao mundo, recortando os  
objetos a partir da pletora caótica do mundo fenomênico. Já em artigo de finais de  
1843, Marx se posiciona a respeito, ao demonstrar os limites da crítica à religião  
operada por Feuerbach, quando afirma que a “missão da filosofia a serviço da história  
/.../ consiste em desmascarar a autoalienação em suas formas profanas” (Marx, 2003b).  
Em suma, uma razão doadora de sentido oscila entre a aproximação genérica,  
vaga, unilateral e a imputação arbitrária de significados. Oscila, portanto, entre um  
quase nada formal e um quase tudo suposto. Como pontos de partida de uma prática,  
podem ir em um gradiente do nada ao tudo se pode.  
São variantes epistemológicas que voltam as costas às proposituras marxianas:  
aqui em relação a um saber que se prova quando capaz de intenção transformadora.  
E isso não é nenhum pragmatismo.  
Trata-se, em verdade, de uma nova concepção de objetividade, que não guarda  
nenhum parentesco nem com a solução kantiana, nem com a hegeliana. Em palavras  
bem simples e diretas como convém em determinados momentos , não se trata de  
organizar o mundo pela cabeça, mas organizar a cabeça pelo mundo.  
Marx reivindica a organização da cabeça regida pelo mundo, mas não o mundo  
das notas ou manchas empíricas, e sim como todo existente e significante por si  
porque é (não discutimos aqui a questão da gênese). O pensamento deixa de falar  
sobre si mesmo para falar sobre as coisas, ou seja, deixa que as coisas “falem” e  
“façam” o pensamento, pois este, em Marx, é histórica e socialmente constituído, como  
aludimos acima. Nesse sentido, a razão é transcendida pelo mundo, condiciona a visão  
sobre ele, porque é condicionada antes pelo próprio mundo. Ou melhor, nesse  
processo, ora transcende, ora é transcendida condiciona por ter sido condicionada,  
isto é, quando o faz, já o faz como resultado. Atente-se que, para Marx, qualquer  
disjunção aqui é uma forma de renúncia da razão histórica e das formas pelas quais  
ela pode ser edificada.  
Num mundo inamovível e onde graça a inamovibilidade, esta desobrigação  
conforta, um reconforto utópico subjetivo. Em outras palavras, quando o mundo  
aparece incapaz de se mexer, a única coisa que se agita é o espírito. Aqui o espírito  
volta a ser a revolução do mundo, tal como os neo-hegelianos de quem Marx nos fala  
criticamente não apenas em A ideologia alemã, mas também, como é sabido, em outras  
obras do mesmo período.  
Verinotio  
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nova fase  
Editorial  
Quando a solução materialista não é capaz de dar conta do lado ativo, o  
idealismo assume a cena e se expande, para entusiasmo da grande maioria. Não é  
sobre questões dessa ordem que Marx se pronuncia na primeira tese Ad Feuerbach?  
***  
Este número de Verinotio Revista on-line de filosofia e ciências humanas  
apresenta aos leitores um leque variado de produções de qualidade, começando por  
um dossiê sobre arte e seguindo com artigos sobre temas livres, além de tradução,  
entrevista e resenha.  
Abrindo o Dossiê Arte: prática e crítica, apresentamos O aprendiz e o  
aprendizado: gênese e primeiras recepções de Wilhelm Meister, de Goethe, texto de  
autoria de Manoela Hoffmann Oliveira, autora de tese de doutorado sobre o clássico  
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Após breve exposição do processo de  
elaboração da obra por Goethe, Hoffmann aborda duas fases da recepção do texto e  
discute a longa tradição crítica que o toma como um Bildungsroman. Ela ressalta que  
os críticos analisaram especialmente o percurso do protagonista e que, em geral,  
concordaram acerca da sua realização individual, embora discordando do conteúdo do  
aprendizado e do caráter da relação existente entre aprendizado e maestria. A autora  
chama a atenção para o silêncio dos referidos críticos, inclusive os românticos da  
segunda geração (para os quais o texto foi extremamente significativo), a respeito das  
determinações sociais da (ir)realização da individualidade.  
O ensaio que vem a seguir, intitulado Da crítica de arte na imprensa brasileira:  
revendo e atualizando a arte e a crítica nos anos 1980, é de Ronaldo Rosas Reis. O  
texto aborda um tema de grande relevância na atualidade: a prevalência cultural do  
pós-modernismo, uma das vertentes contemporâneas do irracionalismo. Para tanto, o  
autor trata da controversa relação entre a crítica de arte e a imprensa no Brasil, tendo  
como foco a rotulação ideológica de um grupo de jovens artistas emergentes na cena  
artística como “geração anos 1980”, à qual foi atribuído pelo conglomerado midiático  
um conformismo inerente. Ele observa que a forma como a arte entretenimento é  
tratada pela mídia lhe pespega um rótulo libertário para distrair do interesse pela arte  
que verdadeiramente importa. De acordo com o autor, a crítica agenciada pela mídia  
mercantilizada dificulta todo esforço de compreensão do que seja uma história artística  
do país. Rosas Reis ainda aponta um nexo causal entre libertarismo e liberalismo pós-  
moderno, que afirma ser parte do processo de destruição da razão que marca nossa  
Verinotio  
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Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
história recente.  
Na sequência, Luiz Eduardo Lopes da Silva e Ronaldo Rosas Reis, no texto  
Estética, violência e solidariedade: juventude faccionada no proibidão, discutem a  
relação entre facções criminais e jovens ludovicenses da periferia culturalmente  
engajados no gênero do funk conhecido como “proibidão”, identificado como principal  
elo entre membros das facções locais detidos nos presídios e os referidos jovens. Se  
à primeira vista ressaltam-se as letras apologéticas da violência e sexualizadas, uma  
análise mais acurada mostra, segundo os autores, que o “proibidão” abarca uma teia  
complexa de afetos e relações contraditoriamente articuladas e dissimuladas sob a  
violência da superfície. Por outro lado, avaliam que as letras dos funks também  
sintetizam e difundem regras determinadas pelas lideranças das facções no interior  
dos presídios e disseminadas pelos seus membros nas periferias da Grande São Luís,  
no Maranhão, numa ética que que medeia conflitos internos e enfatiza a solidariedade  
e a união. Os autores concluem que o funk tem sido uma forma de sensibilização  
estética e de conscientização do pertencimento comunitário entre a juventude da  
periferia de São Luís envolvida com facções criminosas e duramente atingida por  
políticas estatais de encarceramento e extermínio.  
Encerrando o Dossiê, Elisabeth Hess e Paula Alves abordam um dos objetos mais  
recorrentes no pensamento lukácsiano, a crítica literária, no texto Partidarismo e crítica  
literária: alguns elementos para a compreensão da “estética comunista” de Georg  
Lukács. As estudiosas refletem sobre a especificidade do tratamento da literatura no  
decorrer do desenvolvimento teórico do filósofo húngaro, apresentando elementos da  
estética marxista lukácsiana, particularmente da relação entre literatura e história e,  
por conseguinte, das necessidades artísticas com as do desenvolvimento histórico. O  
texto ressalta que marxista busca uma síntese objetivamente verdadeira entre a  
compreensão da esfera estética, o entendimento da função da arte em relação a outras  
áreas das atividades humanas, e o conhecimento das condições materiais que a  
determinam. Afirma, ainda, a objetividade da ligação entre valor estético e uma relação  
dialética de forma e conteúdo, cujos fundamentos corretos devem se erguer sobre uma  
teoria que sustente a perspectiva da arte como autoconsciência do desenvolvimento  
humano. As modificações sofridas pelo pensamento lukácsiano no tocante a esta  
temática são apresentadas no bojo de transformações sócio-históricas e políticas. As  
autoras mencionam os debates de Lukács com outras vertentes, como o realismo  
stalinista contaminado pelo sociologismo vulgar, e se detêm no debate sobre o  
Verinotio  
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nova fase  
Editorial  
romance histórico.  
Abrimos a seção de temática livre com o “Epílogo” a Por que Lukács?, de Nicolas  
Tertulian. Trata-se de manuscrito inédito enviado pelo autor para Juarez Torres Duayer  
e Ester Vaisman no ano de 2009, e que fazia parte da versão inicial provisória do livro  
Por que Lukács?, ainda em elaboração naquela época. Não se conhecem as razões que  
fizeram com que o autor suprimisse o “Epílogo, concebido, pelo menos inicialmente,  
como capítulo final da versão que, finalmente, veio a ser publicada em Paris pela  
editora da Maison des sciences de l’homme no ano de 2016. A tradução para o  
português, recém-publicada pela Boitempo Editorial, ao seguir o original francês  
efetivamente publicado, também não traz o que Tertulian intitulou provisoriamente de  
epílogo. O fato é que o autor tratou do tema em dois capítulos da edição publicada,  
“Caldeirão ideológico romeno” e “Encontros com Cioran”, mas em nenhum deles com  
a profundidade e a agudeza do manuscrito ora publicado pela Verinotio. O comitê  
editorial da revista resolveu levá-lo a público dada a importância da análise e da  
denúncia ali contidas, e por se tratar de assunto que atualmente é da mais alta  
importância do ponto de vista teórico-ideológico, não apenas nos países do Leste  
europeu.  
Publicamos também As formas jurídicas em O capital, de Vitor Bartoletti Sartori.  
No texto, o autor se posiciona criticamente em relação à teoria pachukaniana, a posição  
dominante no que toca à crítica marxista do direito no país. Segundo tal teoria, há um  
vínculo indissociável entre as categorias da economia mercantil e monetária e a própria  
forma jurídica, decorrente da forma mercantil. Por isso, a crítica marxista do direito  
referenciada no teórico russo deveria se contrapor não só ao conteúdo classista das  
normas jurídicas, mas também à sua forma, inerentemente capitalista e necessária à  
própria mercantilização. Sartori, por seu turno, busca demonstrar que, se Marx faz, de  
fato, críticas às formas jurídicas, a categoria forma jurídica tem uma importância menor  
do que o afirmado pela crítica marxista do direito. Para tanto, o autor se remete a O  
capital, principalmente ao Livro III, buscando comprovar, por meio da leitura imanente,  
que a correlação das formas jurídicas com a forma-mercadoria, geralmente, é muito  
mais mediada e indireta do que imagina uma primeira avaliação. Ademais, Sartori  
pontua a existência de um sem-número de assuntos que estão presentes na obra  
magna marxiana e cujos aspectos jurídicos ainda necessitam de estudos mais  
aprofundados.  
Verinotio  
XIV |  
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nova fase  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Antônio José Lopes Alves é o autor de A força de trabalho como forma de ser:  
protoforma da individualidade do capital em Marx, texto que vem na sequência. O  
artigo parte da categoria força de trabalho enquanto instrumento que possibilita acessar  
elementos substanciais do caráter específico que a individualidade toma no modo de  
produção capitalista e da sociabilidade correspondente. Com base na análise imanente  
da obra marxiana, intenta demonstrar seu estatuto de referente geral para o  
entendimento da referida forma particular de individuação, ou seja, o fato de ser “um  
referente genérico que apresenta em si, de modo sintético, articulado numa totalidade  
unitária de diferentes determinações, um conjunto de traços que caracterizam um ente  
em uma forma de ser particular, uma forma objetiva de existência ou uma inflexão  
processual”. Para explicitar essas descobertas, o autor aborda as determinações que, no  
seu entender, a partir da modernidade, tornam a força de trabalho livre individual,  
mercantilizada, uma protoforma de individuação na sociabilidade do capital: a  
capacidade humana de realizar trabalho como forma de ser do capital e força de sua  
produção, o modo particular de alienação da força de trabalho, o caráter complexo do  
objeto apropriado pelo capital e a relação que o indivíduo tem consigo mesmo como  
proprietário privado de força de trabalho.  
O irracionalismo e sua teoria do conhecimento: reação agnóstico-relativista de  
Guerreiro Ramos ao marxismo (1939-1955), artigo de Leandro Theodoro Guedes,  
Elcemir Paço Cunha e Wescley Silva Xavier, tem como objeto os textos iniciais de  
Alberto Guerreiro Ramos sobre teoria do conhecimento. Segundo os autores, se já há  
outros estudos que se debruçaram sobre a adesão do conhecido sociólogo brasileiro a  
tendências epistemológicas específicas, eles próprios buscam, no texto em tela, suprir  
uma lacuna no tocante à existência de tendências irracionalistas nas primeiras  
elaborações do sociólogo acerca do tema. Tais elaborações subsidiarão o diagnóstico  
de questões contemporâneas e o prognóstico para seu enfrentamento entre os analistas  
que se remetem a suas análises. Após breve excurso metodológico, os autores fazem  
uma caracterização histórica do irracionalismo e de sua teoria do conhecimento. Na  
sequência, procedem à análise imanente dos textos relativos ao tema escritos no período  
1939-1955 por Guerreiro Ramos que, tendo elegido o marxismo como adversário,  
aderiu ao agnosticismo relativista existencialista e fenomenológico. A análise revela  
laivos irracionalistas, os quais se manterão, conforme os autores, em consagrados textos  
posteriores do teórico brasileiro, nos quais as questões relativas à epistemologia  
comparecem articuladas a preocupações sociológicas, políticas e econômicas.  
Verinotio  
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nova fase  
Editorial  
Ester Vaisman comparece neste número da Verinotio com o texto intitulado Sobre  
“O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács: novos  
comentários sobre o tema. A autora revisita um assunto com o qual trabalha desde o  
início dos anos 1980, num movimento de constante aprofundamento e concomitante  
ampliação do estudo. Ela comenta o profícuo itinerário intelectual de Lukács, no qual  
os problemas atinentes à subjetividade (e à sua relação com a objetividade) sempre  
estiveram presentes. Vaisman aponta a importância da reflexão lukácsiana sobre as  
especificidades do “momento ideal” e suas relações com o momento material na esfera  
da prática, detendo-se em sua tematização sobre a ideologia. Destaca a grande  
originalidade do tratamento que Lukács dá ao tema, desenvolvido a partir de  
manifestações textuais de Marx, e mostra que o filósofo húngaro, nos últimos anos de  
sua vida, refutou as abordagens mais disseminadas, que se utilizavam do critério  
gnosiológico para a determinação do fenômeno ideológico, ao qual contrapôs a  
utilização do critério ontoprático. Lukács, argumenta a autora, havia se emprenhado  
em demonstrar à exaustão o caráter teleológico da atividade laborativa e, então,  
comprovar que a prática social, ampla e diversa, compartilha características comuns  
com aquela, ou seja, caracteriza-se pela interveniência de um momento ideal. A autora  
então se debruça sobre o problema da ideologia na Ontologia do ser social,  
aprofundando-se nas considerações a respeito deste complexo tema.  
O artigo seguinte é de Gabriella M. Segantini Souza, Marx e o cardápio da taberna  
do futuro: sobre os caminhos para uma revolução russa no século XIX. Partindo da  
análise dos esboços e da carta final enviada por Marx em resposta a uma pergunta posta  
pela revolucionária russa Vera Zasulich, além de outros escritos do filósofo alemão que  
têm como temática a Rússia, a autora investiga a questão do desenvolvimento histórico  
na obra marxiana. Ao tratar da assim chamada acumulação originária em O capital, Marx  
afirma que o modo de produção capitalista pressupõe a separação entre produtores e  
meios e condições de produção, de modo que o camponês se torne trabalhador  
assalariado e as pequenas propriedades rurais deem lugar à propriedade privada. Mas  
a Rússia, um país de desenvolvimento não clássico, ainda era naquele momento uma  
sociedade agrária marcada pela comuna, vista por uns como forma arcaica de produção  
condenada a desaparecer, e por outros como embrião do comunismo. Revisitados pela  
autora, os textos de Marx sobre a Rússia oferecem importantes materiais para a reflexão  
sobre as diferentes vias de objetivação do capitalismo e sobre a própria visão de história  
do autor renano. Bem assim, é possível compreender a perspectiva do filósofo alemão  
Verinotio  
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nova fase  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
sobre a possibilidade de uma revolução na Rússia no século XIX. O artigo se contrapõe  
a interpretações do pensamento de Marx que o tomam como um esquema de um  
movimento inevitável do desenvolvimento humano, transformando-o numa filosofia da  
história, etapista, que conteria uma noção de progresso linear e necessário.  
Abordando uma bibliografia semelhante, sobre o mesmo local e época ou seja,  
o debate no interior do marxismo sobre a possibilidade revolucionária da comuna  
agrária na Rússia , Lucas Parreira Álvares, em seu artigo Romantismo ou  
regeneração?, discute a relação entre o pensamento de Marx e a tradição romântica.  
Após breve exposição do percurso bibliográfico da discussão no Brasil, detém-se na  
edição que recebeu o nome de Lutas de classes na Rússia, da Boitempo Editorial, mais  
especificamente na introdução do sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, também  
organizador do livro. Löwy associa os escritos de Marx a uma espécie de “romantismo  
revolucionário”, enquanto Álvares, embora reconhecendo a importância do sociólogo  
no campo do pensamento social crítico, propõe outra compreensão da relação entre  
o filósofo alemão e o pensamento romântico. Avalia que esta tradição teórica está  
presente na obra de Marx, mas não como uma influência, uma vez que este procurou  
se distanciar dessa perspectiva, em toda a extensão de sua obra, em particular nos  
textos em que tratou da Rússia.  
A seção Tradução apresenta o texto O novo irracionalismo, de John Bellamy  
Foster, assentado sobre a afirmação de que o irracionalismo está novamente na moda.  
O autor inicia com a definição do problema do irracionalismo, a partir de A destruição  
da razão, de Lukács, que objetivava demonstrar que o irracionalismo, longe de ser  
uma contradição ou um desenvolvimento fortuito, era um produto par excellence do  
próprio capitalismo, particularmente do estágio imperialista. Na esteira de Lukács, o  
autor faz uma abordagem histórica do irracionalismo, reconstruindo a linhagem  
intelectual irracionalista e antimodernista que remonta a Nietzsche, Bergson e  
Heidegger. Concorda com Lukács: a derrota histórica do fascismo não implicara seu  
desaparecimento, mas ele continuava nutrindo à socapa tendências reacionárias. Para  
o professor estadunidense, dada a fraqueza da esquerda ocidental, foi o irracionalismo  
burguês que definiu o clima intelectual dominante do imperialismo tardio, refletindo  
uma contínua destruição da razão. O irracionalismo passara a desempenhar um papel  
crescente na constelação do pensamento, manifestando-se em vários graus de  
intensidade do pós-modernismo e do pós-estruturalismo desconstrutivistas de  
pensadores como Jean-François Lyotard e Jacques Derrida às novas filosofias da  
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Editorial  
imanência representadas por figuras supostamente de esquerda como Gilles Deleuze,  
Félix Guattari, Bruno Latour, Jane Bennett e Timothy Morton. Também critica o filósofo  
lacaniano-hegeliano Slavoj Žižek, que, segundo ele, acabou por tomar partido pela  
tradição anti-humanista proveniente do heideggerianismo de esquerda. Critica, ainda,  
os tratamentos pós-humanistas da crise ecológica, particularmente na forma do que é  
chamado de “novo materialismo” (Latour, Bennett e Morton), afirmando que, sob uma  
aparência radical, são reacionárias. Conclui que são muitas as reviravoltas  
irracionalistas e reacionárias existentes no interior do que ainda se entende como uma  
análise de esquerda.  
Apresentamos em seguida uma importante entrevista concedida por Nicolas  
Tertulian a Mihaï Dinu Gheorghiu, que recebeu o título de Itinerário e encontros com  
Marcuse, Lukács, Adorno. O filósofo romeno, falecido em 2019, conta inicialmente de  
sua atuação universitária na Faculdade de Filosofia da Universidade de Bucareste, a  
partir de 1969, e suas primeiras batalhas contra a autocracia do partido. Em seguida,  
apresenta seus contatos intelectuais com diversos autores na Europa e no Japão,  
tecendo importantes comentários avaliativos sobre suas teorias. Aborda, ainda, suas  
relações teóricas e pessoais com Lukács.  
Por fim, fechando o amplo leque de formatos de difusão do pensamento incluídos  
neste número de Verinotio, apresentamos a resenha de Gabriella Segantini Os porquês  
de Por que Lukács?, obra seminal de Nicolas Tertulian lançada no Brasil este ano pela  
Boitempo Editorial. Traduzida por Juarez Duayer, com revisão técnica de Ester  
Vaisman, trata-se de uma autobiografia intelectual do teórico romeno, em particular  
de sua relação com o filósofo húngaro G. Lukács, de quem foi muito próximo. A autora  
reconstrói a tessitura do texto de Tertulian e demonstra a sua importância para o  
conhecimento e difusão de seu pensamento e, especialmente, da obra de Lukács.  
Referências bibliográficas  
CHASIN, J. A miséria brasileira. São Paulo: Ad Hominem, 2000.  
_____. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
_____. O futuro ausente. Rio das Ostras: Verinotio Livros, 2023.  
LOSURDO, Domenico. Stálin: uma lenda negra. Trad. Jaime Clasen. Rio de Janeiro:  
Revan, 2010.  
LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. Trad. Lya Luft e  
Rodnei Nascimento. São Paulo: Boitempo, 2010.  
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nova fase  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
_____. Para uma ontologia do ser social v. I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo:  
Boitempo, 2012.  
_____. Para uma ontologia do ser social v. II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo:  
Boitempo, 2013.  
_____. A destruição da razão. Trad. Bernardo Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi  
Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020a.  
_____. Essenciais são os livros não escritos. Trad. Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo:  
Boitempo, 2020b.  
MARX, Karl. Crítica à filosofia do direito de Hegel. Trad. Leonardo de Deus e Rubens  
Enderle. São Paulo: Boitempo, 2005.  
_____. Crítica à filosofia do direito de Hegel introdução. In: MARX, Karl. Crítica à  
filosofia do direito de Hegel. Trad. Leonardo de Deus e Rubens Enderle. São Paulo:  
Boitempo, 2005b.  
_____. Glosas marginais ao artigo do rei da Prússia e a reforma social. Trad. Ivo Tonet.  
São Paulo: Expressão Popular, 2010.  
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Trad. Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo,  
2002.  
VAISMAN, E. “A importância da polêmica sobre as relações entre Marx, filosofia e  
método”. In: A obra teórica e o marxismo. Campinas, Cadernos Cemarx n. 3, 2006,  
pp. 9-18.  
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