Editorial
tipo de edificação, mesmo elevada ou tortuosa, de algum cogito transcendental. Estes
dois caminhos equivocados, por mais diferentes que sejam entre si, não elidem a
distância essencial que os separa da formulação marxiana, visto que ambos não
ultrapassam a dação de sentido pela razão, com a única distinção cabível de um a
priori para um a posteriori. Resumidamente, o construto simplesmente muda de lugar:
antecede ou sucede o golpe de vista que se dirige ao mundo, imanentemente carente
de sentido; dá sentido à entificação antes ou depois de tocá-la. Mas é sempre a razão
a doadora de significação a um mundo, imanentemente carente de sentido. Condição
mesmo de existência de sentido, no primeiro caso; aproximação genérica, emulsão
significativa em meio a um campo homogeneizado, no segundo, ambos tomam a
operação mental como constituinte de sentido, divergindo entre si na forma e na
extensão com que tudo se realiza. Diferença importante, mas radicalmente diversa
daquela que opõe ambas à posição marxiana: a razão descobre, reproduz – “na forma
única pela qual a cabeça é capaz de fazê-lo” – pelo conceito o sentido das coisas (ver
Vaisman, 2006, pp. 9-18). Para os dois caminhos anteriormente apontados, em
primeiro lugar, as coisas são desprovidas de sentido e, em segundo, a razão é,
digamos, a oficina ou a linha de montagem do significado.
Na atualidade, a interrogação de rigor – sobre a irredutível natureza social
humana e a historicidade intrínseca à sociabilidade, conquistas da obra de Marx –
constitui a plataforma geral que pode vir a dinamizar o clareamento do ser e do saber
da cotidianidade, como o entendimento e a prática da atividade científica e filosófica.
Nesse resgate da subjetividade ativa, racionalmente potencializada – mas nunca como
império da vontade –, o oponente que ela tem de enfrentar são as mil faces de sua
negação, que se reiteram impiedosamente em todos os espaços, tanto individuais
quanto sociais, desde a renúncia cética até a impertinência da desrazão ou irrazão,
como queiram.
Desse modo, uma das dimensões da contribuição decisiva para o conhecimento
das várias formas da sociabilidade, sobretudo a capitalista, foi a revolução teórica
conformada por Marx. De acordo com ele, as coisas do mundo humano têm elas
mesmas um sentido imanente, portanto, o método aqui tem a função de buscar e
captar esse sentido. A razão, em contrapartida, entendida como uma figura histórica e
socialmente constituída, reproduz esse mesmo sentido. É, portanto, reprodutora de
sentido, e nunca sua usina originária. As coisas do mundo são reconhecidas, mas não
como empiricamente amorfas, em sua imanência que é passada, a uma forma de
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX – jul-dez. 2023
nova fase