DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.725  
O problema da eficácia das formações ideais:  
o pensamento econômico como ideologia  
The problem of the efficacy of ideal formations:  
economic thought as ideology  
Elcemir Paço Cunha*  
Resumo: O artigo desenvolve o critério prático-  
concreto para a análise do pensamento  
econômico como ideologia. Para tanto,  
Abstract: The paper develops the practical-  
concrete criterion for the analysis of economic  
thought as ideology. To this end, it establishes  
the nature of this form of scientific  
consciousness and the deviations from the  
Marxist tradition regarding the relationship  
between economic thought and ideology.  
Finally, it recovers some of Marx's guidelines on  
this subject that allow to establish that analysis.  
It is concluded that there is a need to deepen  
the details of the historical process of  
conversion of economic thought into ideology.  
estabelece  
a
natureza dessa forma de  
consciência científica e os desvios da tradição  
marxista a respeito da relação entre pensamento  
econômico e ideologia. Por fim, recupera alguns  
lineamentos de Marx a respeito que permitem  
estabelecer aquela análise. Conclui-se pela  
necessidade de aprofundamento a respeito dos  
detalhes do processo histórico de conversão do  
pensamento econômico em ideologia.  
Palavras-chave:  
ideologia; tradição marxista.  
Pensamento  
econômico;  
Keywords: Economic thought; ideology; Marxist  
tradition.  
I.  
Uma das vulgatas mais repetidas dentro e fora da tradição marxista é aquela  
que retira toda a potência do plano das formas de consciência. No interior dessa  
tradição, a vulgata se alimentou do sempre renovado terror à contaminação idealista.  
Fora dela, deu-se a repisada acusação de mecanicismo econômico. Todos já estão  
familiarizados com tais espantalhos que grassaram principalmente as ciências sociais.  
Essa vulgaridade alimentou diferentes empreitadas aproximadamente naquela  
tradição. Houve quem buscasse complementações exógenas diante de uma suposta  
insuficiência em reconhecer o papel do plano das ideias. Formaram-se escolas inteiras  
nessa direção, a exemplo daquela encabeçada por Adorno e Horkheimer. Houve  
*
Doutor em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa  
de Pós-Graduação em Administração na Universidade Federal de Juiz de Fora PPGAdm/UFJF. E-mail:  
Verinotio  
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Elcemir Paço Cunha  
também o louvável esforço de retorno aos textos de Marx com o fito de estabelecer o  
lugar da potência das ideias. Como se sabe, Gramsci, aprisionado pelo então regime  
italiano, não encontrou as melhores condições para a tarefa. Lukács, comparativamente  
em melhores circunstâncias, pode ser visto, desde História e consciência de classe pelo  
menos, como uma expressão da necessidade de estabelecer a retidão da questão e  
obteve resultados destacáveis em suas obras de maturidade, sobretudo em Para uma  
ontologia do ser social.  
Esse material do último Lukács registrou que “a mais pura das verdades  
objetivas pode ser manejada como meio para dirimir conflitos sociais”. Para o filósofo,  
“ser ideologia de modo algum constitui uma propriedade social fixa das formações  
espirituais” uma vez que ela é determinada objetivamente, como uma “função social”  
(LUKÁCS, 2013, p. 564), isto é, por seus efeitos trata-se aqui de um critério prático-  
concreto que fundamenta a análise. A questão central se revela no fato de que “não  
decorre nem que a correção científica deva inibir o poder de persuasão da ideologia  
como ideologia, nem que algo surgido de modo puramente científico não possa  
desempenhar um grande papel ideológico” (p. 565) de maneira a influir na realidade  
social. Em suma, “nem um ponto de vista individualmente verdadeiro ou falso, nem  
uma hipótese, teoria etc., científica verdadeira ou falsa constituem em si e por si só  
uma ideologia”. Então, o arremate: “eles podem vir a tornar-se uma ideologia”. De tal  
maneira, formações ideais tornam-se ideologia “só depois que tiverem se transformado  
em veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos sociais, sejam estes  
de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do mundo ou episódicos”  
(p. 467).  
Depreende-se daí a determinação ontológica da ideologia (VAISMAN, 2010)  
como elemento fulcral desses resultados referentes à potência do plano das ideias. O  
sublinhado sob a transformação das formas de consciência em veículo “teórico ou  
prático” ocupa lugar especial nessa determinação. Sobretudo quando estamos  
especialmente interessados no aspecto mais “desmaterializado” (VAISMAN; FORTES,  
2010, p. 25) da questão (quando comparado à estrutura jurídica e política), nos  
exemplos da filosofia e da ciência, em cujo âmbito incluímos aqui o pensamento  
econômico como nosso objeto básico de atenção.  
Nesse âmbito, e ao contrário da tendência predominante no que toca o tema, a  
ideologia (ou, no caso, as ideias filosóficas, científicas e, pois, econômicas) não pode  
ser encarada a partir da teoria do conhecimento que a estabeleceu como falsidade,  
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ilusão, distorção e terminologias semelhantes. A teoria do conhecimento “não é o  
órgão apropriado à diferenciação entre ideologia e não ideologia”, explicou Lukács  
(2013). A “função social decide se algo se torna ideologia, e sobre isso a gnosiologia,  
por sua essência, não pode dispor” (pp. 568-9). Por não ser, essencialmente, um  
problema de natureza gnosiológica, a ideologia deve ser apreendida por seus efeitos  
histórico-concretos, e isso, em termos fundamentais, independentemente da falsidade  
ou verdade de seu conteúdo, como os argumentos anteriores de Lukács dão os  
fundamentos. O cerne está registrado no critério prático-concreto, que diz respeito  
aos efeitos das formações ideias tornadas ideologia.  
Cabe, portanto, isolar esse critério, dos efeitos históricos e concretos, para a  
determinação da ideologia. Por meio dele ilumina-se que a ideologia não nasce como  
tal, como indicado. As formas de consciência são vertidas em ideologia e, de modo tal,  
que “essa transformação depende de vir a desempenhar uma função precisa junto às  
lutas sociais em qualquer nível destas” (VAISMAN, 2010, p. 51). Essa função, no  
sentido de seus efeitos, tem por objeto as consciências e as condutas, ambas  
informadas pelo conflito social em suas variadas formas de expressão teórica e prática.  
Cabe, nesse sentido, encarar o fenômeno em tela “essencialmente pela função social  
que desempenha, ou seja, enquanto veículo de conscientização e prévia-ideação da  
prática social dos homens” (p. 51). Vemos, assim, que a angulação essencial se reflete  
no “momento ideal da ação prática dos homens”, da práxis histórica. Isso porque:  
qualquer reação ou resposta sejam elas produzidas pela ciência,  
pela filosofia, pela religião, pela tradição, etc. construídas pelos  
indivíduos como forma de atuar sobre os problemas postos pelas  
situações histórico-sociais, pode tornar-se ideologia, quando fornece  
elementos e condições para conscientizar, orientar e operacionalizar  
a prática social (FORTES, 2013, pp. 262-3).  
A acentuação sobre os efeitos das formas de consciência tornadas efetivas não  
surge como raio num céu sem nuvens. Essa posição de Lukács não parece ser idêntica  
aos lineamentos de Marx o que caberia à uma análise dedicada , mas é inadequado  
cortar qualquer lastro que de fato tem naquilo que ficou registrado como “critério  
ontoprático” (CHASIN, 2009, p. 106) que guarda sala, no materialismo consequente,  
à mediação entre as condições objetivas de possibilidade e as formas ideológicas, que  
converte uma na outra. Para o filósofo húngaro, e isso é decisivo, a vida cotidiana, isto  
é, a práxis objetiva sobre as condições materiais desempenha um “papel decisivo como  
mediação entre a condição econômica e a ideologia dessa decorrente” (LUKÁCS, 2013,  
p. 481).  
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Essa mesma posição encontra fundamentação especial (não exclusivamente) no  
Prefáciode Para a crítica da economia política. Lá, como se sabe, Marx registrou  
achados que passou a orientar em termos gerais as suas investigações. Entre eles,  
sumariamente apresentada, encontra-se a relação entre a “estrutura econômica”, a  
“superestrutura jurídica e política” e as “formas sociais determinadas de consciência”.  
Insistiu na distinção entre as “condições econômicas de produção” e as “formas  
jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas  
pelas quais os homens tomam consciência deste conflito [social] e o conduzem até o  
fim” (MARX, 1974, pp. 136-7). Esse é o sentido primário de ideação da práxis e com  
efeito sobre a realidade social, isto é, a conversão das condições objetivas nas formas  
ideológicas e destas naquelas por mediação da práxis. Obteve ele considerável  
replicação em materiais que reportaram extensivamente o poder da ideologia, pois  
neste está o “imperativo de se tornar praticamente consciente do conflito social  
fundamental (...) com o propósito de resolvê-lo através da luta”, de maneira que as  
“várias formas ideológicas de consciência social acarretam (...) diversas implicações  
práticas de longo alcance” (MÉSZÁROS, 2005, p. 11).  
Lukács recorreu aos materiais juvenis de Marx para indicar a potência que  
guarda o plano das ideias em influenciar a realidade objetiva. Ocupou lugar importante  
a colocação extraída da dissertação de Marx, segundo a qual o louco tem a  
possibilidade de contrair dívidas e se arruinar caso acredite que carrega moedas em  
seu bolso vazio. Recorreu também às propriedades do trabalho humano e o papel da  
prévia ideação tal como aparece em O capital. Tudo isso é bem conhecido, embora  
ignorado pelos contumazes portadores endógenos e exógenos daquela vulgata. Aliás,  
são abundantes ainda que teimosamente não admitidas as exemplificações  
possíveis a partir dos materiais de Marx. Se bem que salpicados ao longo de seu  
itinerário, não termina vão o exercício de extração de exemplos da influência objetiva  
da religião, da tradição, da evocação das ideias pregressas etc., como testemunham  
diferentes materiais tais como A ideologia alemã, 18 Brumário, Grundrisse, O capital,  
para citar alguns entre os mais notórios.  
Em termos objetivos, seria incompreensível a desconsideração da parte que  
jogou e joga o pensamento econômico no processo histórico de desdobramento da  
economia capitalista, porquanto sabemos que, em termos gerais, impregnou-se da  
missão social socialmente informada de apresentar a “ordem capitalista como a forma  
última e absoluta da produção social, em vez de um estágio historicamente e  
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O problema da eficácia das formações ideais: o pensamento econômico como ideologia  
transitório de desenvolvimento” (MARX, 2013, p. 85). Dado o predomínio daquela  
vulgata, de exclusão da potência do plano das ideias econômicas, tudo se passa como  
se nada disso estivesse registrado.  
Diante desse predomínio, vem imediatamente à baila pelo menos uma  
consequência muito importante. Surgiria daí uma aparente contradição: os abundantes  
materiais econômicos de Marx, desde pelo menos 1844, não conteriam qualquer  
apreciação da influência das ideias econômicas sobre a realidade objetiva. É  
consequência que demanda atenção. No bojo de sua resolução, está a determinação  
do pensamento econômico como ideologia nos próprios materiais de Marx. Essa é a  
tarefa para qual devemos nos voltar. ainda que de modo aproximado para avaliar sua  
medida e retirar desdobramentos.  
Mas, para tanto, é preciso reconhecer de partida que isolar o critério do efeito  
prático das formas de consciência para tratamento dedicado, esteve longe de ser algo  
para o quê Marx esteve integralmente dedicado. Poderíamos mesmo dizer que o  
pensamento econômico foi tomado principalmente para a demonstração dos  
condicionantes objetivos sobre as ideias e para estabelecer a retidão ou desvio de tais  
ideias econômicas em relação às propriedades e funcionamento da economia  
capitalista. No caso, nos interessa a primeira tendência, isto é, a de explicar as  
formações ideais a partir de sua base terrena. Essa sempre foi a tônica de Marx, aliás,  
como prova a nota reivindicatória em O capital de uma então inexistente “história  
crítica da tecnologia”, isto é, “a história da formação dos órgãos produtivos do homem  
social, da base material de toda organização social particular”. Argumentou que a  
“tecnologia desvela a atitude ativa do homem em relação à natureza, o processo  
imediato de produção de sua vida e, com isso, também de suas condições sociais de  
vida e das concepções espirituais que delas decorrem”. A investigação evocada não  
deve, por coerência, abstrair o “processo histórico” da análise. Marx recorreu ao  
exemplo da religião. Escreveu ele que:  
mesmo toda história da religião que abstrai dessa base material é  
acrítica. De fato, é muito mais fácil encontrar, por meio da análise, o  
núcleo terreno das nebulosas representações religiosas do que,  
inversamente, desenvolver, a partir das condições reais de vida de  
cada momento, suas correspondentes formas celestializadas. Este é o  
único método materialista e, portanto, científico (MARX, 2013, p.  
446).  
Certo caráter tópico e de natureza “desmaterializada” iguala categorias como  
decorrentes “concepções espirituais” e “correspondentes formas celestializadas” as  
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quais não expressam, obviamente, apenas o exemplo da religião. Refletem o plano das  
ideias, das formas de consciência, entre as quais figuram a filosofia, a ciência e, pois,  
o pensamento econômico. O método materialista está voltado para a relação entre as  
condições objetivas e tais formas de consciência, explicando as segundas por médio  
de procedimento histórico-genético a partir das primeiras. Nisso se encontra a  
cientificidade do método materialista e sua contribuição diante das tendências  
puramente idealistas ou vulgares do materialismo a-histórico.  
Mas, de fato, não encontramos nenhuma obra de Marx orientada exclusivamente  
para aquela tarefa de isolar o critério prático, nem partes claramente delimitadas a  
isso. Mesmo no material conhecido como Teorias da mais-valia, no qual enfrenta mais  
diretamente o pensamento econômico em suas variantes na figura da “economia  
política clássica” e da “economia vulgar”, não podemos encontrar algum  
desenvolvimento integralmente dedicado à problemática em tela. E isso ocorre, não  
obstante, diante de lineamentos lapidares a respeito das reciprocidades existentes  
entre as condições objetivas e o plano das ideias. Vemos essa questão na tomada  
crítica de Storch na qual Marx destacou que “se não se concebe a própria produção  
material na forma histórica específica, é impossível entender o que é característico na  
produção intelectual correspondente e a interação entre ambas” (MARX, 1980, p.  
267). É decisivo sublinhar o elemento interativo, de relação de correspondência e de  
reciprocidade entre os fatores relacionados. Explica-se o plano das ideias dada a  
correspondência às condições objetivas habilitadoras, que torna possível o conteúdo  
dessas ideias. Mas isso não elimina o movimento existente entre tais ideias e suas  
condições de possibilidade. Ao contrário, disso resulta a solar compreensão do lado  
ativo dessa “produção intelectual”, seus efeitos sobre a vida econômica da sociedade.  
Aqui jaz, pois, a vulgata.  
Com efeito, o método materialista, decorrente das investigações próprias das  
formações ideais, expressa de modo complexo a estrutura própria dos materiais de  
Marx. Seria sem propósito razoável considerar toda essa estrutura aqui, aliás, muito  
rica em seus fundamentos à investigação das formas sociais de consciência, mas vale  
a indicação em esboço sumário: a) admissão da predicação ativa do pensamento, b)  
determinação da natureza das formações ideais, c) a gênese e, pois, a explicação  
histórica a partir das suas condições objetivas de possibilidade, d) verificação da  
objetividade dessas formações, e) a conversão delas em ideologia e seu  
correspondente deságue na realidade social pela práxis, f) as eventuais alterações  
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profundas e duradouras provocadas por elas, por mediação da práxis, sobre a  
estrutura econômica da sociedade. É o reconhecimento, como vemos, das  
reciprocidades entre estrutura econômica, superestrutura ideológica e as formas de  
consciência mediadas pela práxis das classes sociais e grupos humanos. É, ao cabo, a  
extração do movimento próprio da realidade histórica.  
Podemos mesmo dizer, e sem receios, que a cientificidade desse método está  
na descoberta e na demonstração desse movimento, na descoberta da dialética entre  
a genética histórico-concreta das formações ideias e sua eventual efetividade ao  
desaguar nas próprias condições objetivas pressupostas, eventualmente modificando  
essa base por meio da atuação das classes e grupos humanos em meio aos conflitos  
socialmente informados. Vemos, pois, que a mediação desse movimento está contida  
no próprio critério prático antes referido, isto é, o conflito, decorrente das contradições  
da estrutura econômica, cria as condições de acionamento das formações ideias  
vertendo-as em ideologia com o fito de influir nas próprias lutas sociais (teóricas e  
práticas), dirigindo então os conflitos sociais e influindo nos rumos da vida econômica  
da sociedade.  
Nosso interesse, portanto, está no isolamento analítico do critério prático com  
vistas a determinar a potência das ideias econômicas e sua transformação em  
ideologia. Há evidências muito instrutivas nos materiais de Marx desse critério prático,  
dos efeitos das ideias econômicas. Para tanto, convém estabelecer a natureza do  
pensamento econômico e a colocação do problema da ideologia na tradição marxista  
mais dedicada a essa forma de consciência em particular.  
II.  
Dissemos anteriormente que o pensamento econômico pode ser topicamente  
considerado entre aquelas formas de consciência social como a filosofia e a ciência. É  
necessário estabelecer algumas considerações a esse respeito, incluindo certa  
comparação com a política que auxilia na determinação das diferenças específicas  
envolvidas. Por isso, importa destacar sinteticamente a distinção entre filosofia e  
política, de um lado, e, de outro, a relação geral entre filosofia e ciência, com o fito de  
melhor posicionar o pensamento econômico.  
Sem rodeios, devemos admitir que a “ideologia política visa apreender de modo  
real, prático, os momentos de cada complexo de crises, cuja decisão pode levar mais  
ou menos espontaneamente ao deslindamento prático do complexo global”. Por seu  
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turno, “toda filosofia significativa”, como exemplar das “ideologias puras” (mais  
“desmaterializadas”), está “empenhada em oferecer um quadro geral do estado do  
mundo, que da cosmologia até a ética, procura sintetizar todas as conexões de tal  
maneira que, a partir delas, também as decisões atuais se revelam como momentos  
necessários das decisões que determinam o destino do gênero humano” (LUKÁCS,  
2013, p. 555). Obviamente que existem reciprocidades entre elas enquanto fatores  
extraeconômicos, mas o propósito no momento é destacar a natureza essencial das  
coisas para as quais estão voltadas. Isso será auxiliar para a caracterização do  
pensamento econômico.  
Nessa precisa direção, devemos complicar o quadro com a relação entre  
filosofia e ciência. Podemos partir da comparação muito resumida entre ciências  
naturais e ciências sociais. Entre elas se encontra um campo comum, ou seja, a  
tendência “por conhecer a realidade objetiva, como ela é em si” (LUKÁCS, 2013, p.  
567). Essa é, em essência, a tarefa científica. Ainda que não haja segurança derradeira  
para o sucesso dessa tarefa, encontramos continuamente nas ciências da natureza um  
“modo socialmente espontâneo, visto que seus resultados só podem desempenhar um  
papel ativo e positivo em caso de execução aproximadamente bem-sucedida de tal  
intenção na reprodução material do ser social” (p. 567). Isso obviamente não quebra,  
embora abrande, os vínculos das ciências da natureza com “posicionamentos quanto  
ao respectivo estado das forças produtivas, quanto ao respectivo estado da sociedade”  
(p. 568).  
Encontramos algo igualmente válido para as ciências sociais, porém, com  
particularidade importante. Em termos historicamente constitutivos, genéticos, as  
ciências sociais visam “provocar modificações na consciência dos homens” (p. 563),  
quer dizer, influir de modos variados na apresentação de alternativas, no  
condicionamento das escolhas e dos comportamentos diante das questões que  
emergem da ação em meio às condições materiais da vida cotidiana. Na medida em  
que o homem é “por natureza um ser que responde” (p. 303) às questões  
objetivamente postas, as ciências sociais são uma espécie de resposta voltada para  
afetar o conjunto das possibilidades das condutas humanas. Ao mesmo tempo, o  
“papel desempenhado por toda ciência social na divisão social do trabalho  
simultaneamente também propõe a tarefa de retratar, ordenar, expor etc. os fatos e as  
conexões por ela tratados assim como eles de fato atuaram e atuam na totalidade do  
ser social” (p. 563), em suma, realizar a tarefa científica. Desnecessário dizer que as  
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duas tarefas simultâneas e relacionadas das ciências sociais apresentam ocorrência em  
meio às diferentes posições sociais, classes sociais, em contextos de continuidades e  
mudanças societais etc. Isso informa as ciências sociais como exercício do impulso  
científico e simultaneamente de resposta aos conflitos sociais postos.  
Essas diferenciações resultantes da análise, por mais importantes que sejam,  
não eliminam as complexas reciprocidades tendenciais como no exemplo da relação  
entre ciência e filosofia. Na verdade, as diferenciações aqui pressupõem a unidade  
existente entre tais fatores relacionados em que a ciência “geralmente controla “a partir  
de baixo” se as generalizações ontológicas nas sínteses filosóficas se encontram em  
consonância com o movimento real do ser social, se elas não se distanciam do ser  
social de modo abstrativo”. Trata-se de controle a partir do plano imediato, singular e  
regulador da filosofia. Por seu lado, a filosofia, ensinou Lukács:  
exerce uma crítica ontológica permanente das ciências “a partir de  
cima”, ao controlar continuamente em que medida cada questão  
singular é tratada, tanto no plano estrutural como no plano dinâmico,  
ontologicamente no lugar correto, no contexto correto, se em que  
medida a submersão na riqueza das experiências concretas singulares  
não confunde, mas aumenta e aprofunda o conhecimento das  
tendências contraditórias e desiguais de desenvolvimento da  
totalidade do ser social (LUKÁCS, 2013, p. 570).  
Dito de modo direto, no caso o controle funciona para que não se perca na  
vastidão das singularidades que preenchem a miríade empírica.  
O pensamento econômico, tomado de modo abrangente, coloca-se no quadro  
desses fatores extraeconômicos relacionados no qual política, filosofia e as ciências  
natural e social diferenciam-se, mas também alimentam implicações importantes. É  
terreno repisado reconhecer, por exemplo, a influências das ciências naturais sobre  
importantes tendências do pensamento econômico (sobretudo entre os séculos XIX e  
XX, notadamente a física e a biologia). De outro lado, essa forma de consciência social  
não é reconhecível sem os aportes que toma no amplo campo da filosofia. Igualmente  
importante são as conexões entre política e esse pensamento econômico. Na medida  
em que aquela busca capturar os “momentos de cada complexo de crises” (p. 555) e  
acionar contingentemente os elos que “influem efetivamente nas tendências  
econômicas decisivas que entraram em crise” (p. 507), testemunhamos o pensamento  
econômico continuamente voltado a explicar o funcionamento da economia capitalista  
e a contribuir para a caixa de ferramentas frente às mesmas crises para as quais a  
política procura respostas. Quer dizer, o pensamento econômico também procura  
influir em termos práticos nos mesmos complexos. Talvez por isso, desde sua  
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constituição, a expressão “economia política” capture melhor as coisas do que a  
artificialmente árida Economics dos nossos tempos.  
Esse último problema não é acessório. O reto entendimento da natureza do  
pensamento econômico é condição para sua compreensão como ideologia. E isso  
porque esse reto entendimento é permanentemente abalado pelas convicções que  
funcionam como espécie de expurgo artificioso das contradições existentes e que  
informam aquela forma de consciência. É o caso da genérica posição quanto à  
“economia das trocas” que vemos como algo constante desde o movimento crescente  
do marginalismo do século XIX. É emblemático o posicionamento de Robbins  
(1932/1984), para quem aquele pensamento deveria estar voltado para os  
comportamentos derivados das avaliações subjetivas frente à escassez da economia  
das trocas no mercado. A questão é bem mais complicada do que isso.  
Aqui é decisivo o procedimento genético empregado nas investigações do autor  
de Trier. A gênese da economia política ocorreu quando ela se “separa como ciência  
autônoma” (MARX, 1974, p. 160) em relação à então “filosofia política”. Encontrou  
palco clássico na “Inglaterra, com William Petty, e na França, com Boisguilebert” (p.  
160). Indo direto ao ponto, essa gênese tem por pressuposto básico a generalização  
da produção de mercadorias que caracteriza o modo capitalista de produção. Não é  
acaso que a determinação do valor ocupou lugar especial. O fato de a mercadoria se  
tornar a principal e generalizada forma da riqueza informou aquele pensamento  
econômico nascente como espelhamento científico aproximado frente a um modo  
histórico de produção. Não por menos, as categorias da economia política se  
apresentam como representações das condições concretas, mas que, por obra das  
mesmas condições históricas, derivam da maneira como as coisas se apresentam, isto  
é, das formas acabadas da própria economia capitalista. Essas formas acabadas,  
prontas, “possuem a solidez de formas naturais da vida social”, sobretudo a “forma  
acabada a forma-dinheiro do mundo das mercadorias que vela materialmente, em  
vez de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, com isso, as relações sociais  
entre os trabalhadores privados” (MARX, 2013, p. 150). Dito de outro modo, “são  
justamente essas formas [acabadas] que constituem as categorias da economia  
burguesa”, que ela se liga às “formas de pensamento socialmente válidas e, portanto,  
dotadas de objetividade para as relações de produção desse modo social de produção  
historicamente determinado, a produção de mercadorias” (p. 151). Em suma, são  
espelhamentos aproximados desse modo de produção, de impulso científico, mas  
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O problema da eficácia das formações ideais: o pensamento econômico como ideologia  
também limitados em seu alcance por condicionantes tanto na gênese quanto nos  
desdobramentos consequentes assunto para outro momento, entretanto.  
Nesse ponto surge o interesse das fortes vinculações do pensamento  
econômico e aqueles fatores político, filosófico e científico do complexo  
extraeconômico antes aludido. Há vários aspectos que permitem identificar no  
pensamento econômico a aspiração de explicar as tendências globais e o destino do  
gênero humano ao passo que procura regularidades singulares por seu ímpeto de  
cientificidade. Ao mesmo tempo, também está voltado para respostas práticas às  
crises, procurando influir no seu direcionamento. Como dissemos anteriormente, a  
expressão “economia política” reflete muito bem essa caracterização. E é importante  
reconhecer uma linha de desenvolvimento dessa forma de consciência científica desde  
sua gênese, sobretudo porque é parte da questão a tarefa geral do pensamento  
econômico, e em vínculo com as ciências sociais, “provocar modificações na  
consciência dos homens” (LUKÁCS, 2013, p. 563), como já dissemos. Dito isso, é  
muito difícil ignorar o “papel crescente dessa ciência [economia política] como  
instrumento de controle social” (LANGE, 1964, p. 527) desde o século XIX pelo menos,  
isto é, como veículo teórico e prático de influir na dinâmica da economia capitalista –  
algo que possui passagem, em graus variados e circunstâncias diversas, pelo  
convencimento de extensas cadeias de classes sociais e grupos humanos. Dobb  
escreveu que exemplares desse pensamento, “ao serem examinados, acabam por  
exprimir de maneira surpreendentemente direta a realidade econômica” e, cabe a  
ênfase, que esse mesmo exame revela que “exerceram influência considerável na  
política real (quando não a alteraram)” (DOBB, 1977, p. 27). Essa linha de  
desenvolvimento sugere que a economia política ou pensamento econômico tem de  
fato importância como respostas a “certas questões de tipo essencialmente prático –  
questões relativas à natureza e ao comportamento do sistema econômico que  
conhecemos como capitalismo”. Dobb completou em seguida ao sugerir “que esse  
tipo de questão é crucial tanto para qualquer compreensão completa do  
desenvolvimento do pensamento econômico quanto para a relação entre pensamento  
econômico e a prática” (DOBB, 1937, p. vii).  
Esse objeto ideal para o qual estamos aqui voltados, portanto, é, em sentido  
tópico, mais bem apreendido como um feixe que se estende entre a política, a filosofia  
e a ciência como fatores extraeconômicos pelo menos entre esses mais importantes  
que aqui consideramos. Sua face mais aparente, entretanto, é como forma de  
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consciência científica. E sua nem sempre evidente gênese histórica está ligada à  
generalização da produção de mercadorias e ao desenvolvimento desse modo de  
produção, alcançando o próprio plano das respostas a respeito dos métodos mais  
adequados à administração da economia capitalista. Isso se revela muito claramente  
na conexão aludida entre pensamento econômica e a prática, caso seja considerado  
que o maior alcance do primeiro pressupõe a mediação política para sua efetivação  
prático-concreta, depende, pois, de o príncipe dar-lhe ouvidos aos seus sussurros.  
Evidencia-se, com isso, a coisa ao fundo para a qual se volta, em termos gerais,  
o pensamento econômico em tela a despeito de suas ramificações especializadas, qual  
seja, as relações sociais de produção e distribuição da riqueza social sob uma dada  
modalidade histórica e particular de organização das necessidades sociais (reais ou  
ilusórias) e das capacidades sociais (subjetivas e objetivas, incluindo os meios de  
produção) sob a lógica da generalização das mercadorias. Essa modalidade traz em  
seu seio o assédio concretamente posto pela questão a ser dirimida em torno da qual  
se arqueiam os conflitos essenciais: como produzir e distribuir a riqueza socialmente  
formada. É uma marcação do pensamento econômico responder de diferentes  
maneiras, direta ou indiretamente, tanto ao deciframento das condições e modos pelos  
quais a riqueza social é produzida e apropriada quanto ao conflito que emerge do  
problema fundamental, até aqui sempre reposto, de estabelecer as condições e modos  
de organização da vida econômica da sociedade nos limites da produção generalizada  
das mercadorias.  
A especificação da natureza do pensamento econômico, aqui colocada de modo  
meramente aproximado, é condição para o entendimento de sua conversão em  
ideologia. Mas essa conversão nem sempre compareceu com clareza para os mais  
argutos analistas na tradição marxista e que se debruçaram mais dedicadamente a  
essa forma de consciência científica. A trilha correta parece não ter sido tomada.  
Reputados estudiosos exógenos a essa tradição também seguiram caminho adverso e  
sucumbiram à forma mais corrente de entendimento da questão envolvida na relação  
entre pensamento econômico e ideologia.  
Não é propósito aqui tratar o assunto extensamente, mas é importante  
demarcar alguns dos esforços mais respeitados fora e dentro da tradição marxista que  
nos interessa mais de perto como demonstração do problema. E isso porque é notório  
que a ideologia é um problema sempre candente e generalizado nas ciências sociais e  
especialmente na economia (BACKHOUSE, 2010, MEEK, 1967). A luta principal parece  
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ser a de evitar suas implicações na construção de uma ciência “livre de ideologia”.  
Tornou-se um empreendimento central de afastamento de emoções, valores  
intelectuais, preconceitos, política, interesses de classe e do tipo de referência mais  
remota que pudesse dar a aparência ideológica. Então, a ideologia foi historicamente  
tomada como um fator interveniente em sentido negativo, algo exógeno que age sobre  
o esforço intelectual.  
No campo da economia, essa posição é dominante. Mesmo analistas  
aparentemente mais distantes de tal posição estéril e crua, mantêm tais características  
fundamentais atribuídas à ideologia. Podemos citar, por exemplo, Schumpeter  
(1954/2006) para quem tanto a "economia política" quanto o "pensamento  
econômico" não podem ser inteiramente salvos da influência exógena e interferente  
da ideologia. Apenas a "análise econômica" (equipada com uma “caixa de ferramentas”  
pura e formal) poderia ser comprovada como tendo um grau relativo de insulamento.  
Ao mesmo tempo, a ideologia parece ser para ele uma interferência que não pode ser  
completamente extraída porque também é uma espécie de expressão de nossos  
pressupostos fundamentais ou “visão” geral das coisas do mundo.  
Robinson (1962/2021) sustentou uma atitude semelhante. Para ela, a ideologia  
se mistura com o esforço de investigação científica e tende a ser identificada com a  
“metafísica”. Parece não ser possível decantar tal mistura. Mais do que isso, a ideologia  
é, em suas palavras, “certamente indispensável no mundo da ação na vida social” (p.  
4). Na medida em que a “principal característica da ideologia que domina nossa  
sociedade hoje é sua extrema confusão”, a tarefa central no horizonte então seria a de  
“resolver da melhor maneira possível essa mistura de ideologia e ciência” (p. 23) como  
coisas, pois, diferentes então misturadas. Essa é uma expedição sem fim contra um  
tipo de mal necessário, segundo a autora.  
Vemos que, em essência, para esses analistas, enquanto a ideologia parece ser  
exógena, um fator diversionista que não pode ser totalmente banido, ela pode ou deve  
ser diluída em alguns campos da economia ou pelo menos controlada em todos os  
seus ramos.  
Os estudiosos marxistas parecem ser algo diferente, mas não totalmente  
antagônicos aos referidos intelectuais. Dobb (1977), por exemplo, não admitiu a  
ideologia tomada apenas como “elemento enganador em pensamento” (p. 9). Mais  
explícito do que seus colegas citados acima, ele parece exigir uma “relatividade  
histórica” na qual a ideologia se refere a:  
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um sistema completo de pensamento, ou a um conjunto coordenado  
de convicções e ideias que formam uma estrutura, ou grupo, a nível  
superior, de conceitos relacionados, para chegar a noções, análises,  
aplicações e conclusões mais específicas e particulares. Deste modo,  
a palavra relacionar-se-á geralmente com certas atividades e políticas,  
mas não necessariamente em termos simples e imediatos; e para  
aqueles que conduzem a discussão ao nível mais elevado (ou mais  
genérico), a relação pode não ser sempre inteiramente consciente, e  
ainda menos explícita. Na acepção mais geral, uma ideologia constitui  
ou implica uma posição filosófica, no nosso contexto atual uma  
filosofia social, desde que a isto se não dê um significado  
excessivamente formal ou metodológico. (DOBB, 1977, p. 10)  
Nessa consideração já vemos certo distanciamento entre pensamento  
econômico e ideologia como “filosofia social” que age junto ao primeiro. Isso parece  
se aprofundar quando o autor inglês considerou que na “história real do pensamento  
econômico há provas abundantes do condicionamento histórico da teoria econômica”  
(DOBB, 1977, p. 27). Dobb estava primariamente interessado em elucidar a maneira  
e os modos desse condicionamento social e histórico do pensamento abstrato no  
campo da economia. No tratamento de tal condicionamento do pensamento  
econômico, no entanto, Dobb inadvertidamente admitiu “a introdução de uma  
influência de ordem ideológica. Quando ela existe, quase nunca é fácil de notá-la, e  
menos fácil ainda combatê-la e anulá-la” (p. 32). Assim, ao contrário de seu ponto de  
partida, Dobb reintroduziu o caráter exógeno e interferente. A ideologia aparece  
novamente como um “elemento enganador em pensamento”, embora essa posição  
tenha sido criticada no início de sua análise.  
O caráter não autônomo do pensamento econômico é um aspecto fundamental  
do estudo marxista das teorias nessa área. Rubin o enfatizou tanto quanto Dobb,  
ensinando que “as ideias econômicas não nascem no vácuo. Muitas vezes, eles surgem  
diretamente da agitação e da luta dos conflitos sociais, no campo de batalha entre  
diferentes classes sociais” (RUBIN, 1979, p. 9). O autor também sublinhou que, de “um  
ponto de vista histórico, as doutrinas e ideias econômicas podem ser vistas como se  
estivessem entre as formas mais importantes e influentes de ideologia” (p. 9), mas,  
como Dobb, o autor russo não desenvolveu tal proposição importante, com as  
demonstrações que ela exige. Rubin procurou não se limitar ao estudo das “raízes  
sociais e econômicas”, examinando essas ideias como um sistema, isto é, “como uma  
totalidade orgânica de conceitos e proposições logicamente interconectados” (p. 10).  
Sugeriu, por exemplo, que a “primeira coisa que devemos descobrir é a estreita  
conexão entre a teoria econômica dos fisiocratas e sua visão geral de mundo,  
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especialmente sua filosofia social”, porque a última pode afetar esse sistema, trazendo  
“contrações lógicas” (p. 10) para dentro dele. Novamente, a ideologia (na forma de  
“filosofia social”) parece ser um elemento diferente do pensamento econômico como  
tal e sobre ele negativamente interferente.  
Sopesadas as decisivas e ramificadas diferenças entre os analistas aqui  
brevemente considerados, há um terreno comum entre eles. Vemos isso nas  
dificuldades relacionadas em tratar o pensamento econômico em si mesmo como uma  
forma científica de consciência, por um lado, e potencialmente como uma ideologia,  
por outro. Dobb e Rubin estavam mais perto de entender essa determinação histórico-  
objetiva, mas parecem ter trazido de volta pela janela aquilo que dispensaram pela  
porta. Em muitos aspectos, essas dificuldades prestam homenagem à noção de  
ideologia como algo inerentemente falso. Cria forçosamente espaço para a  
compreensão da ideologia como um fator externo, um engodo que leva ao malogro.  
O problema retorna, assim, ao antigo campo da teoria do conhecimento e seus flertes  
historicamente conhecidos com a crueza do formalismo e, de outro lado, com formas  
do relativismo. Esse campo, como já dito, não oferece o terreno apropriado para  
resolver a questão. A solução da questão está no critério prático antes referido, que  
permite determinar o pensamento econômico como forma de consciência científica  
com dupla tarefa (explicar e influenciar) que pode tornar-se ideologia em certas  
circunstâncias históricas. É esse critério prático que cabe avaliar nalguns materiais do  
próprio Marx na análise de exemplares do pensamento econômico.  
III.  
Já dissemos que os elementos do nosso assunto não receberam a atenção  
exclusiva por parte de Marx, mas também não estiveram fora de qualquer  
consideração. Pelo contrário. Há momentos de clareza solar sobre o tema.  
Nesse sentido, é consideravelmente repetido que, desde muito cedo, Marx  
admitia a possibilidade de conversão da “teoria” em “força material” (MARX, 2005, p.  
151). Há também a sua sugestão a respeito da economia política de Adam Smith que,  
como “produto da indústria moderna”, também atuou como força real que “acelera e  
enaltece a energia e o movimento dessa indústria” (MARX, 1974, p. 9). Igualmente  
conhecidas são as considerações a respeito das “ideias dominantes” e sua  
apresentação como interesse universal, tal como registraram as páginas de A ideologia  
alemã. Também são notórias as linhas de O 18 Brumário a respeito de como a  
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superestrutura flui inclusive sobre o indivíduo isolado por meio da tradição e da  
educação. São elementos conhecidos que especificam o lado ativo das ideias, exceto  
pela vulgata que combatemos.  
Tal como apareceu em o 18 Brumário, é preciso dizer que os fatores  
extraeconômicos representados, por exemplo, na figura da tradição, da educação,  
colocam em primeiro plano a potência das formas de consciência no contexto de luta  
social. Também n’O capital, tais fatores compareceram na indicação dessa potência no  
próprio processo histórico de forja da classe trabalhadora adequada à economia  
capitalista em desenvolvimento. Claramente é um processo que vai além do contexto  
inglês como caso clássico estudado com maior atenção por Marx e reforça a potência  
do aspecto extraeconômico que estamos destacando. No desdobrar do modo de  
produção capitalista, explicou Marx:  
Não basta que as condições de trabalho apareçam num polo como  
capital e no outro como pessoas que não têm nada para vender, a não  
ser sua força de trabalho. Tampouco basta obrigá-las a se venderem  
voluntariamente. No evolver da produção capitalista desenvolve-se  
uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição e hábito,  
reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais  
e evidentes por si mesmas. (MARX, 2013, p. 808)  
Não é algo menor. As formas de consciência fluem e alcançam classes inteiras,  
habituando-as, frise-se, tanto às exigências de um modo histórico de produção e  
circulação de mercadorias quanto aos requisitos de suas consequências cotidianas.  
Tais formas de pensamento produziram efeitos constatáveis na mistificação de um  
produto em si histórico, encarado, contrariamente, como “natural”. O critério prático  
está colocado em evidência precisamente na eficácia historicamente realizada em  
provocar o reconhecimento das exigências da economia capitalista evidentes em si  
mesmas. Estão envolvidos nisso grande profundidade e longo alcance de seus efeitos  
notadamente duradouros no desdobramento desse modo de produção. É tentador  
perguntar pela parte que jogou o pensamento econômico nesse mesmo processo  
histórico.  
Isso remete diretamente à tarefa histórica ou missão social de determinadas  
formações ideias. Marx escreveu em O capital que a economia política clássica,  
representada por Adam Smith e por David Ricardo, buscou apresentar o modo de  
produção capitalista como superior ao feudalismo. Abriu-se naquele contexto  
condições favoráveis ao exercício de cientificidade por meio da verificação da correção  
de seus teoremas. Desnecessário dizer que esse impulso de objetividade científica  
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coincidiu com o caráter dessa formação enquanto prolongamento ideal a partir da  
posição social da então ascendente burguesia industrial. Configurou-se assim a missão  
social de apresentar a “ordem capitalista como a forma última e absoluta da produção  
social, em vez de um estágio historicamente e transitório de desenvolvimento” (MARX,  
2013, p. 85).  
É muito difícil afirmar que essa missão social ou tarefa histórica tenha  
esmorecido no pensamento econômico dali em diante, sobretudo frente do decréscimo  
de potência científica ao longo do século XIX. A missão histórica e revolucionária no  
enfrentamento das reminiscências do feudalismo foi substituída pela pura defesa do  
capitalismo. O crescimento do conflito classista entre capital e trabalho produziu,  
assim, uma modificação importante no pensamento econômico. Marx (2013, p. 86)  
sugeriu que o “lugar da investigação desinteressada foi ocupado pelos espadachins a  
soldo, e a má consciência e as más intenções da apologética substituíram a  
investigação científica imparcial”. O pensamento econômico, ainda que cindido, não  
deixou de perseguir a tarefa histórica de convencer amplas cadeias de classes sociais  
de que a economia capitalista seria a última forma da produção social. Os meios desse  
convencimento variaram. Marx sublinhou alguns deles. Importa considerar apenas os  
mais focalizados: a “economia vulgar” e o “sincretismo”.  
Em termos muito gerais, a “economia vulgar” (tendo Bastiat como um de seus  
protagonistas) apresentou-se como pura apologia do capital, cujo esforço foi o de  
expurgar, concreta e teoricamente, as contradições por todos os malabarismos  
conhecidos e que não erguessem empecilhos à posição dos agentes práticos como  
personificações imediatas de interesses econômicos dominantes. Apresentando a  
economia capitalista como algo natural a ser defendido das críticas circulantes,  
trabalhou para bloquear a emergência das contradições materiais ao plano teórico,  
banindo-as “à força de charlas”, procurando “exorcizar as ideias que encerram as  
contradições” (MARX, 1980, p. 1.539). É praticamente impossível contrariar o fato de  
que, de muitas formas, essa posição foi e ainda é bastante efetiva no evitamento a que  
historicamente se dispôs. Nisso se vê o critério dos efeitos pretendidos e realizados.  
Continua hodierna a tarefa de impedir a conclusão de que os problemas  
epidermicamente identificados derivam das propriedades essenciais da economia  
capitalista.  
Algo semelhante pode ser afirmado sobre o “sincretismo”, tendo S. Mill como  
exemplar clássico. Marx explicou que:  
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A revolução continental de 1845-1849 repercutiu também na  
Inglaterra. Homens que ainda reivindicavam alguma relevância  
científica e que aspiravam ser algo mais do que meros sofistas e  
sicofantas das classes dominantes tentaram pôr a economia política  
do capital em sintonia com as exigências do proletariado, que não  
podiam mais ser ignoradas. Daí o surgimento de um sincretismo  
desprovido de espírito, cujo melhor representante é Stuart Mill.  
(MARX, 2013, p. 86)  
Uma vez que as contradições emergem incessantemente das mais básicas  
propriedades de uma produção generalizada de mercadorias, o tipo de resposta da  
posição social de J. S. Mill (incluindo suas aspirações pessoais) teve a missão de  
remediar as forças em conflito. Tratava-se de resposta peculiar aos conflitos  
decorrentes da própria essência da economia capitalista, mas de conflitos que  
aparentemente poderiam ser ao menos remediados. Teve lugar especial nesse  
esquema as “funções governamentais necessárias e optativas” (MILL, 1848/1996, p.  
369). O sincretismo foi muito além de Mill no século XX, incorporando diferenciados  
aspectos sem, contudo, modificar certo núcleo. Em parte, são admitidas as  
contradições da economia capitalista e seus efeitos mais óbvios ao mesmo tempo em  
que são focalizadas as medidas necessárias para harmonizar as forças postas em  
conflito. Surge um tipo de intervencionismo calculado que fará época, consagrando-se  
como administração macroeconômica no século seguinte. A tarefa histórica desse  
sincretismo que remonta a Mill é, como escreveu Marx (2013, p. 87), a “tentativa de  
conciliar o inconciliável”. Assim, as ameaçadoras contradições da economia capitalista  
são confrontadas a métodos diferentes e de eficácia e temporalidade variadas, com o  
fito de administrar essa economia, de conduzir os rumos da vida econômica da  
sociedade. Se bem-sucedidos ou não, jamais revelarão, pelo menos em suas  
pretensões, “na atual organização da sociedade [...] a razão das mazelas sociais”  
(MARX, 2010, p. 40), como disse o autor de Trier em outro lugar. De efeitos em geral  
notórios, essa posição procura convencer classes sociais e agrupamentos humanos de  
que as contradições dessa economia podem ser acomodadas, bastando, para isso,  
aperfeiçoar os métodos falhos de sua administração. Quão efetiva não é essa formação  
ideal em sua qualidade como ideologia também nos dias que correm? E é precisamente  
nisso que se avalia pelo critério prático o pensamento econômico como ideologia, por  
sua potência historicamente efetivada.  
Em variados momentos relativamente negligenciados pelos analistas, Marx  
também tematizou o lado ativo do pensamento econômico, como já sabemos, e que  
se mostra no impulso de direcionar as condutas humanas. Na cena pública, por  
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exemplo, em que se discutia a reação dos trabalhadores frente às circunstâncias  
salariais desfavoráveis, personalidades ligadas às classes econômicas dominantes  
defendiam haver consequências indesejáveis da “sindicalização”, sobretudo no caso  
inglês de meados do século XIX. Nesse contexto, Marx sublinhou que tais  
personalidades argumentavam, em jornais e pronunciamentos públicos, que a  
coligação operária criaria óbices à “marcha natural da indústria”, obrigando os  
trabalhadores a aceitarem salários ainda mais baixos. A reivindicação de salários mais  
altos seria, como insistiam esses intelectuais, um “esforço tão ridículo quanto  
perigoso”, de “revolta contra as leis eternas da economia política” (MARX, 1985a, p.  
157). Com isso, pretendiam atuar sobre o conflito então existente, dissuadindo a  
coligação pelo aumento dos salários. Sabemos pouco, é verdade, a respeito da  
realização dos efeitos pretendidos. De todo modo é um aspecto que reforça o critério  
prático na consideração do pensamento econômico como ideologia.  
A temática da renda reflete com muita clareza o conflito social acerca da  
produção e apropriação da riqueza. Salário, preço e lucro, de 1865, expressa muito  
bem isso. É material auxiliar na explicitação da aspiração das ideias econômicas diante  
da tarefa de conduzir as ações de classes sociais. Discutia-se, naquele ano, se os  
trabalhadores organizados deveriam ou não pleitear aumentos salariais em sua  
atuação política. Uma das teses defendia que o aumento dos salários provocaria subida  
dos preços dos produtos de primeira necessidade. Era uma tese frequentada por  
personalidades ligadas às classes dominantes. Isso não impediu que ecoasse no  
interior do movimento dos trabalhadores. O socialista Weston foi expressão disso,  
especificamente nos debates da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores.  
Nesses tais debates, Marx colocou do púlpito que a tese difundida por Weston, do  
condicionamento dos preços dos produtos pelo nível dos salários, já contava com  
embates anteriores. Ricardo, disse Marx (1982), merece o “grande mérito de haver  
destruído até os fundamentos, com a sua obra sobre os Princípios da economia  
política, publicada em 1817, o velho erro, tão divulgado e gasto de que “os salários  
determinam os preços””. Explicou que se tratava de uma “falácia já rechaçada por  
Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente científica de  
suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais  
superficiais e de vulgarização” (p. 152). O caso concreto era que um aumento dos  
salários tinha impacto nas taxas de lucro e não nos níveis dos preços dos produtos de  
primeira necessidade eis a verdadeira expressão do conflito essencial ao fundo.  
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Verdadeira ou falsa, a força daquela ideia econômica em direcionar a ação dos  
trabalhadores organizados, fica anunciada pelo alcance que obteve no seio da Primeira  
Internacional. Ainda que tenha alcançado efetividade muito relativa, como tudo indica,  
seu alcance não pode ser ignorado como evidência de sua tarefa em direcionar os  
conflitos por meio da condução das condutas humanas. Estamos, em essência, diante  
do critério prático que determina tais ideias como ideologia.  
Talvez em nenhum outro lugar dos materiais de Marx compareceu de maneira  
tão elucidativa o critério prático quanto naquele sobre o livre-comércio. Tratou-se de  
um tema no qual podemos identificar o critério aludido, mas de uma maneira peculiar  
pela qual ficam evidentes tanto os efeitos quanto o processo pelo qual um exemplar  
do pensamento econômico tornou-se ideologia. Nesse processo compareceram os  
agentes atuantes e suas alianças, além do papel da mediação política. Com efeito, Marx  
fez discurso a respeito das ideias livre-cambistas em 1848, na Associação Democrática  
de Bruxelas. Um argumento bastante difundido à época sugeria que as tarifas  
incidentes sobre a importação de cereais forçavam os salários para baixo. Marx  
colecionou as teses conflitantes. Registrou que a National Anti-corn-law League, de  
1838, financiou a publicação e publicização de textos que “mostrassem a influência  
salutar da abolição das leis sobre os cerais na agricultura inglesa” (MARX, 1985b, p.  
185). Foram concedidos prêmios a Arthur Morse, George Hope e W. R. Greg, cujos  
textos foram publicados em um único livro em 1842, com o título The Three Prize  
Essays on Agriculture and the Corn law (ANTI-CORN-LAW LEAGUE, 1842). Os textos  
receberam distribuição “nas zonas rurais em milhares de exemplares”, como assegurou  
Marx. As teses favoráveis ao livre-comércio alcançaram grande presença pública,  
contagiando o parlamento inglês, não sem a atuação de políticos como Bright e  
Bowning. Este último, “conferiu a todos estes argumentos uma consagração religiosa,  
exclamando numa reunião pública: ‘Jesus Cristo é o free-trade; o free-trade é Jesus  
Cristo’” (MARX, 1985b, p. 187).  
São muito bem conhecidos os efeitos desdobrados por meio da influência das  
ideias livre-cambistas no desenvolvimento do modo de produção capitalista. E o caso  
concreto anterior demonstra o papel dos agentes, tanto teóricos quanto práticos, na  
conversão da específica formação ideal em uma ideologia de amplas repercussões.  
Demonstra igualmente a dependência que as ideias econômicas apresentam em  
relação à mediação política para que sua efetividade tenha certo alcance mais global  
da vida econômica da sociedade.  
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* *  
As considerações apresentadas não poderiam de modo algum exaurir o  
problema. Mesmo porque há um conjunto de questões associadas (PAÇO CUNHA,  
2023). Nesse sentido, o objetivo não poderia ser outro senão o de sublinhar o critério  
prático na conversão do pensamento econômico em ideologia, dadas as tarefas  
históricas a que as expressões dessa forma de consciência científica vieram aspirar e  
eventualmente cumprir. Dito de modo direto, trata-se de extração de elemento  
essencial da estrutura própria dos materiais de Marx. Em seus próprios termos,  
reconhece as relações recíprocas entre estrutura econômica, superestrutura ideológica  
e as formas de consciência cuja mediação pela práxis verte uma na outra com  
resultados variados no movimento histórico-concreto. Nesse movimento comparece o  
lado ativo das ideias entre as quais localizam-se o pensamento econômico como forma  
de consciência científica que se transforma propriamente em ideologia em  
circunstâncias favoráveis a isso.  
Ao focalizar assim o problema da ideologia, de partida ao largo do campo da  
teoria do conhecimento, ilumina-se um aspecto pouco desenvolvido e que diz respeito  
ao processo objetivo por meio do qual ocorreu a conversão de certas ideias  
econômicas em ideologia. Foi algo entrevisto nas considerações anteriores sobre o  
livre-comércio principalmente. Temos clareza que o critério prático enquadra todos os  
exemplos anteriormente resumidos, mas a ênfase, como vimos, mais recaiu sobre o  
reconhecimento de seus efeitos potenciais, mesmo muito difíceis de serem ignorados  
no desdobramento histórico das missões sociais envolvidas, do que sobre o processo  
efetivo de sua realização (os agentes, as articulações etc.) tal como exige o rigor da  
demonstração. Mais uma vez, é preciso dizer que esse não era, de todo modo, o  
intento de Marx, ocupado sobretudo em desbravar a lógica essencial do movimento  
da economia capitalista. Não deixa de ser algo importante, apesar disso.  
É preciso admitir também que a tradição marxista comentada igualmente não  
dedicou atenção sobre esse aspecto do processo em particular. Rubin, Dobb e Lange,  
por exemplo, não deixaram de registrar a potência do pensamento econômico em  
influenciar a vida econômica da sociedade. Mas a despeito da vantagem do tempo  
histórico, que facultou a acumulação de muitos exemplares adicionais que obtiveram  
claros efeitos, os processos específicos desse movimento de conversão e eficácia  
parecem pouco explorados. Valemo-nos aqui de um outro exemplo importante, ainda  
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que paralelo, mas nesse exato sentido e com o propósito de reforçar a constatação. O  
processo histórico específico, em suas minudências, no qual desempenharam algum  
papel as “universidades, as conferências, os jornais e outros meios de difusão”  
(LUKÁCS, 2020, p. 77), papel este no movimento da filosofia reacionária na Alemanha  
imperialista e que auxiliou na preparação do terreno à elevação da atuação  
nazifascista, é algo a ser necessariamente aprofundado. Isso vale para as ideias  
econômicas referidas anteriormente e outras tantas que se aglutinam como  
pensamento econômico. Nossa conclusão principal, aportada com as iluminuras dos  
materiais aqui tratados, é que muito trabalho ainda há de ser feito nessa ceara com o  
fito de avançar sobre a trilha escarpada. E isso porque as minudências não são  
menores quando não se tem estrada real ao cume luminoso.  
Referências bibliográficas  
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Como citar:  
PAÇO CUNHA, Elcemir. O problema da eficácia das formações ideais: o pensamento  
econômico como ideologia. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 2, pp. 01-23; jul.-  
dez., 2024.  
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