Edição especial  
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A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.748  
O pavoroso deserto ideológico: dos fundamentos  
à atualidade do ideário politicista na miséria  
brasileira  
The “frightening ideological desert”: from the  
fundamentals to the Current Relevance of politicist  
thought in Brazilian poverty  
Elcemir Paço Cunha*  
Resumo: O artigo retoma os fundamentos do  
ideário politicista e analisa alguns de seus  
componentes essenciais como o distributivismo  
e a manipulação, levando-se em conta as  
condições históricas habilitadoras. Ele procura  
discutir tais elementos no plano geral e no plano  
particular do processo brasileiro pela via colonial.  
Discute ainda a atualidade do ideário politicista  
no Brasil hoje.  
Abstract: The paper resumes the foundations of  
the politicist thought and analyzes some of its  
essential components as both distributivism and  
manipulation,  
considering  
the  
enabling  
historical conditions. It seeks to discuss such  
elements in the general and in the Brazilian  
specific process through the colonial way. It also  
discusses the current relevance of politicist  
thought in Brazil today.  
Palavras-chave: Politicismo; distributivismo;  
manipulação; via colonial; miséria brasileira.  
Keywords:  
Politicism;  
distributivism;  
manipulation; colonial way; Brazilian poverty.  
I.  
O cerne do material conhecido por A miséria brasileira, 1964-1994: do golpe  
militar à crise social (CHASIN, 2000), reuniu diferentes textos em sua primeira edição  
que cobriram especialmente a particularidade brasileira sem, entretanto, descuidar de  
sua inserção no sistema global da economia capitalista. Na dicção de seu autor, o  
inacabamento do capitalismo desdobrado no Brasil seguia encalacrado nas  
dissonâncias dos então “subsistemas do capital”: o socialismo de acumulação e o  
capitalismo manipulatório. O solo donde Chasin recolheu seus materiais foi  
principalmente dessa encruzilhada de ilusões e debilidades, de modernizações  
conservadoras, onde o novo é velho; uma miséria objetiva e subjetiva de um processo  
* Pós-doutor em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em administração  
(UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração na Universidade Federal de Juiz  
de Fora PPGAdm/UFJF. E-mail: paco.cunha@ufjf.br. Orcid: 0000-0002-1978-0110.  
Verinotio  
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nova fase  
 
O pavoroso deserto ideológico”  
histórico de inacabamento.  
O primeiro texto do material foi originalmente publicado em 1977 e o último,  
em 1996. Passados 48 anos do primeiro e quase 30 do segundo, a atual republicação  
do material vem em um momento global no mínimo peculiar, marcado por recente  
intentona golpista no Brasil e por circunstância mundial incerta que tira notas de  
trombetas de timbres reacionários. Nesse cenário, prevaleceu o capitalismo  
manipulatório, independente de suas tonalidades “ocidentais” e “orientais”. No grosso,  
as alternativas de futuro, e para frente é bom que se diga , seguem opacas.  
A marca maior revelada naquele material é notavelmente o esforço de seu autor  
em realizar uma análise de realidade fora, porém, dos enquadramentos teóricos então  
prevalecentes. E isso vale tanto para a leitura oficialde uma saudosa e autointitulada  
“tradição revolucionária” quanto para o “quadrilátero teórico” constituído pelas teorias  
da dependência, populismo, autoritarismo e marginalidade que fizeram época no país.  
Nesse preciso sentido, uma das categorias mais destacadas para a análise de realidade  
levada a cabo foi o que Chasin denominou por politicismo. É, como veremos, uma  
categoria de extração marxiana que possibilitou ao filósofo brasileiro exercitar a crítica  
especialmente aos limites teóricos e práticos dos partidos na esquerda em  
circunstâncias brasileiras e conectar tal crítica ao desenvolvimento mais geral da  
economia capitalista global em suas tendências centrais.  
Tomada tal conexão essencial desde os textos da década de 1970, é hoje  
mesmo possível reconhecer que foram anos de continuado sucesso do politicismo  
como um fenômeno teórico e prático. Mesmo porque, tendo encontrado seu apogeu  
ao longo do século XX, o politicismo “permanece nessa condição até os dias de hoje”  
(VAISMAN, 2023, pp. 12-3). E diante de tal notório êxito, e por ocasião do novo  
lançamento do material do filósofo brasileiro, nos parece haver espaço para breve  
recuperação da natureza do politicismo, das suas linhas gerais e peculiares no Brasil,  
das suas condições históricas habilitadoras, bem como para analisar seus componentes  
essenciais nas figuras do distributivismo e da manipulação além de pincelar certos  
aspectos gerais de sua atualidade hoje no país.  
II.  
A análise da realidade brasileira na transição entre os anos 1970 e 1980  
facultou a captura da tendência politicista presente especialmente na oposição então  
existente. Tratava-se de contexto de discussão pública a respeito da abertura  
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democrática. Chasin identificava naquelas circunstâncias, de predominância do  
politicismo, certa transição entre o bonapartismoe a institucionalização da  
autocracia burguesa” (CHASIN, 2000, pp. 125-7). Dessa maneira, seus escritos  
demarcados no período foram “motivados, em grande medida, pelos embates  
vivenciados em torno da “questão democrática” no Brasil” (VAISMAN, 2023, p. 13).  
Ao mesmo tempo, Chasin já acumulara estudos rigorosos dos textos de Marx, incluindo  
os então menos visitados materiais, os quais, entretanto, guardavam fundamentos  
decisivos para a crítica do amplo complexo político. Esses fatores estiveram atuantes  
na delimitação tanto do politicismo como fenômeno teórico e prático quanto daquilo  
que viria a ser mais tarde denominada como crítica da razão política ou, ainda de modo  
mais acabado, como crítica ontonegativa da politicidade (CHASIN, 2009). À última  
voltaremos em instantes. No momento nos interessa a natureza do politicismo.  
Uma das chaves de entendimento do que seja o politicismo está em seu irmão  
xifópago, pois o “politicismo é um fenômeno simétrico ao economicismo(CHASIN,  
2000, p. 123). Ora como caricatura, ora como adesão intelectual deliberada, o  
economicismo é uma redução grosseira do amplo complexo social linearmente às  
abstratas “leis gerais da economia”. Por seu turno, o politicismo é uma espécie de  
reação diversamente motivada e que produziu redução do todo ao fator político,  
redução tão grosseira e linear quanto a de seu irmão, com o pecado mais grave de  
inverter todas as coisas. Como parcialidades artificiais que contrariam um todo  
articulado e móvel, cada um dos irmãos se identifica nas abstrações irrazoáveis que  
necessariamente precisam realizar dadas as suas insuficiências intrínsecas e  
insuperáveis. Nesse terreno, todo cuidado é pouco, pois o reconhecimento dessas  
insuficiências não deve de modo algum alimentar a indeterminação entre tais fatores  
relacionados. Ocorre que no volteio do ideário politicista as coisas são apresentadas  
de modo diverso ao funcionamento objetivo dos processos sociais por meio de uma  
acentuação unilateral da política.  
A unilateralidade politicista foi reconhecida na oposição existente nos últimos  
anos da década de 1970. Chasin sublinhou a “politização do discurso” dessa oposição  
em um sentido bastante deliminado. Para ele, tratava-se da “redução do todo  
problemático nacional ao meramente político” (p. 8). Era, em síntese, a “autonomização  
do político e sua consequente hiperacentuação” (p. 9). Em outros termos, os  
enunciados da oposição redundavam na diluição, o desossamento do todo, a sua  
liquefação em propostas abstratamente situadas apenas no universo das regras  
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institucionais. É a autonomização e a prevalência politicológica do “político” em  
detrimento da anatomia do social, isto é, do alicerce econômico(p. 8). Reconhecer,  
porém, tais alicerces dista parsecs de qualquer reducionismo econômico. Trata-se de  
não recuar diante do necessário reconhecimento das condições objetivas que tornam  
possível o complexo político e sem rendição ao indeterminismo relativista sempre à  
espera de renovação. Atuando em sentido oposto, o politicismo acentua o “político”  
porquanto desliga o político da raiz que o engendra e reproduz; numa palavra, na  
exata medida que o desqualifica enquanto político real, enquanto dimensão de um  
todo, que só pelo todo possui especificidade” (p. 8).  
Chasin chegou a realizar uma análise das propostas de Saturnino Braga, então  
senador pelo estado do Rio de Janeiro. Tais propostas compareceram como uma  
espécie de contraexemplo ao “reducionismo politicista(p. 33) que vigorava na  
oposição em 1977 ainda que de valor não integral em razão dos limites do político  
fluminense. O discurso econômico de S. Braga publicado na Folha de S. Paulo naquele  
ano tinha por base, argumentou Chasin, a organização econômica angulada pelo  
“monopolismo de acumulação” (p. 22). Declaradamente inspirado em Keynes e  
Galbraith, sustentava um “capitalismo corrigido” (p. 19) pela ação do estado com  
protagonismo da grande empresa estatal como programa econômico “voltado para  
dentro” em divergência a um “modelo voltado para fora”. Numa síntese de seus  
avanços e insuficiências:  
[...] temos o esquema básico da leitura braguista dos processos e  
efeitos da política econômica em vigor, do modelo voltado para fora.  
Se bem que insista sempre na conexão indissolúvel entre o  
concentracionismo da renda e a exteriorização da economia brasileira,  
e de outra parte também estabeleça a relação íntima entre o  
desenvolvimento de bens de consumo duráveis, dependência externa  
e concentracionismo, e ainda entre exteriorização e dependência  
externa, não se pode dizer, a rigor, nem mesmo num plano virtual,  
que S. Braga efetiva a síntese de todas estas correlações, apanhando  
de modo cabal o processo em sua inteira espessura. Impedimentos de  
perspectiva, moldagem teórica e o que mais seja restringem a análise,  
de tal forma que o sentido genético do quadro se esfumaça, e com  
ele o próprio caráter determinante da dependência, tantas vezes  
assinalada. Todavia, isto não impede que, na imediaticidade dos  
eventos, Saturnino monte uma equação bastante razoável, que  
apreende certa porção do significado principal das ocorrências e seu  
impasse intrínseco, apreensão que faculta, na sequência, sua  
concludência programática. (CHASIN, 2000, p. 26)  
O programa esboçava uma modalidade de “capitalismo de estado” (p. 36) que  
brilhava em contraste com a tendência politicista da oposição, ocupada exclusivamente  
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com o redesenho institucional por meio do qual operaria o plano político no processo  
e após a abertura democrática no Brasil. Para Chasin, a “questão democrática” não  
estaria minimamente bem colocada na ausência do solo econômico em seus debates,  
nem estaria corretamente apresentada na falta de uma “política econômica da  
perspectiva do trabalho” (p. 164) que pelo menos “rompesse com o pauperismo  
estrutural” (p. 166). Estaria, para ele, explícita para a condução da “questão  
democrática” a necessidade de uma “política econômica alternativa, esquematizada  
sobre modificações estruturais do sistema de produção como um todo” (p. 263), tarefa  
diante da qual um “capitalismo humanizado” (p. 264) e limitado a medidas volúveis  
no espectro do distributivismo mostrava-se no mínimo um “capitalismo manipulatório,  
como voltaremos a tratar adiante. Por isso, mesmo na insuficiência do discurso  
econômico de S. Braga, o contraste resultante é auxiliar para o aprofundamento da  
natureza do politicismo conforme nosso interesse presente.  
Com efeito, e em termos fundamentais, trata-se de “tomar e compreender a  
totalidade do real exclusivamente pela sua dimensão política e, ao limite mais pobre,  
apenas de seu lado político-institucional(p. 123). Nessa toada, vale a insistência em  
afirmar, agora de conjunto, que o politicismo desmancha o complexo de  
especificidades, de que se faz e refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma  
das partes(diversas do político) em pseudopolítica. Apreende em termos práticos e  
teóricos “o conjunto do complexo social pela natureza própria e peculiar de uma única  
das especificidades (política) que o integram, descaracterizando com isto a própria  
dimensão do político, arbitrariamente privilegiada. De tal modo, “consiste na  
liquefação da rica carnação da realidade concreta em calda indiferenciada, que é  
suposta como a política, enquanto não passa de uma hipertrofia do político, uma  
espécie de hiperpolítica”. Não faz mais do que converter a totalidade estruturada e  
ordenada do real complexo repleto de mediações num bloco de matéria  
homogênea, operando uma “bárbara amputação do ente concreto, que sofre a perda  
de suas dimensões sociais, ideológicas e especialmente de suas relações e  
fundamentos econômicos(pp. 123-4). Em um arremate, lemos que:  
O politicismo arma uma política avessa, ou incapaz de levar em  
consideração os imperativos sociais e as determinantes econômicas.  
Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o processo  
econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político,  
sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis  
entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente  
fundante e matrizador do econômico em relação ao político. (CHASIN,  
2000, p. 124)  
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Separa, pois, os fatores relacionados, corta suas ligações, inverte a ordem  
determinativa objetiva e apresenta a política hipertrofiada como preponderância na  
verdade irreal de uma desarticulação completa. Haveria aí mesmo, o que é muito  
importante, uma espécie de missão social do politicismo tomada aqui em grande  
angular tema ao qual voltaremos –, isto é, a “conservação da atual fisionomia do  
solo econômico” (p. 133). Tomada desse modo, a variação das formas políticas ocorreu  
no Brasil daquele período sobre um e mesmo solo. Explicou Chasin que a  
“institucionalização da autocracia burguesa é a expressão jurídica do politicismo,  
enquanto o bonapartismo é sua expressão explicitamente armada, na exata medida  
em que ambos são formas (no plural) de poder político de uma mesma forma de capital,  
de um mesmo modo de ser capitalista, que o politicismo sintetiza” (p. 127). Está aí  
sua natureza conservadora que evita a todo custo “ferir o molde econômico do  
sistema(p. 132).  
III.  
As considerações até o presente momento enlaçaram aspectos universais e  
particulares do politicismo. É preciso analiticamente decantá-los para melhor  
estabelecer sua natureza. Isso auxilia a demarcação dos fundamentos mais gerais, de  
um lado, e das peculiaridades do processo brasileiro, de outro. Devemos começar  
pelos mais gerais.  
É desnecessário longa consideração para dizer que Chasin esteve desde aquela  
década inteiramente amparado “em estudos rigorosos da obra de Marx” (VAISMAN,  
2023, p. 11). Tanto que jamais poderia desviar do já mencionado “caráter  
ontologicamente fundante e matrizador do econômico em relação ao político”  
(CHASIN, 2000, p. 124). Indo além disso, o filósofo brasileiro já se encontrava no  
esboço do quadro de uma crítica da razão política. Ao tratar dos limites da chamada  
“nova esquerda” (PSDB e PT) no final da década de 1980, teceu considerações a  
respeito daquele já referido “quadrilátero teórico” como “conjunto de ideias que  
moldam o pensamento no país” (p. 243) e que se encontrava na base da ação dos  
partidos ali identificados. E isso porque do conjunto extraíam “suas leituras de  
realidade, o inventário dos problemas nacionais e o rol de suas proposituras” (p. 255).  
As faíscas no céu político entre tais partidos decorriam não mais do fato de que  
“politicisticamente [se] tomam apenas os efeitos atribuídos a uma política econômica”  
(p. 272) enquanto se ignorava o solo econômico propriamente dito.  
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Nesse contexto, Chasin recuperou passagens decisivas das Glosas críticas  
marginais de Marx (2010) nas quais comparece posição que admite os limites do  
“entendimento político”. Do modo como Chasin mesmo transcreveu as passagens do  
Mouro de Trier, lemos que os políticos e seus partidos, mesmo quando radicais,  
“procuram o fundamento do mal não no ser do estado, mas numa determinada forma  
de estado” (CHASIN, 2000, p. 255). Isso se encontra numa posição mais ampla da  
crítica da política: o “entendimento político é justamente entendimento da política  
enquanto pensa no interior dos limites da política. [...] O princípio da política é a  
vontade. Quanto mais unilateral, quer dizer, pleno é o entendimento político, tanto  
mais ele acredita na onipotência da vontade, e tanto mais cego é em face dos limites  
naturais e espirituais da vontade, e assim incompetente também para descobrir a fonte  
dos males sociais” (pp. 255-6), isto é, localizados no modo de organização material  
da sociedade, a base objetiva sobre a qual se ergue a estrutura estatal. Chasin explicou  
que essa posição geral “tem particularmente tudo a ver com o politicismo”,  
especialmente na medida em que elucida a “natureza do politicismo, isto é,  
determinado como fenômeno teórico e prático, inclusive em sua face radical,  
instaurado e nutrido pelo universo da lógica do capital” (p. 256). Motivado pelas  
mesmas Glosas, e de modo esclarecedor, Chasin registrou em outro lugar que “Marx  
caracteriza [...] o molde da racionalidade política, oferecendo assim o que podemos  
chamar de crítica da razão política” (CHASIN, 2012, p. 56).  
A crítica da razão política que as Glosas expressaram ancorava-se no debate  
que tinha por objetos principais as medidas administrativas levadas a cabo na  
Inglaterra, França e Alemanha diante do pauperismo, companheiro de viagem do  
desenvolvimento do capitalismo naqueles lugares entre os séculos XVIII e XIX. O caso  
mais emblemático para Marx foi o inglês, em que tais medidas variadas alçaram a  
concretude de uma burocracia especializada em administrar essa pobreza estrutural.  
Do conjunto, Marx extraiu tendência geral demarcada como “entendimento político”  
limitado em seus próprios volteios internos e sem reconhecer que os “males sociais”  
presentes têm fonte num modo de produção peculiar e não em um método de sua  
administração.  
Isso é algo, para Chasin, próprio do politicismo que se liga, como dito antes, ao  
“universo da lógica do capital”, o politicismo como síntese do “modo de ser  
capitalista”. Adicionalmente, é claramente para ele “um passo ideológico de raiz  
liberal” (p. 124), forma de consciência pertencente ao “universo epistêmico liberal” (p.  
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157) e não mais do que uma subsunção “ao universo teórico do capital” (p. 161). Em  
outro material igualmente decisivo, Chasin chegou a sublinhar que o “politicismo é  
intrínseco à ordem do capital” e, por isso, para essa forma de consciência a ordem  
econômica é natural, a ordem política é o que resta para o homem configurar, e esta  
é decisiva, molda a convivência e realiza a justiça” (CHASIN, 1999, p. 38). Dito de  
outro modo, para nosso autor o politicismo viceja a partir da ordem do capital em  
geral, possui traços universais porque é uma forma de consciência necessária a um  
modo contraditório de produção, uma falsidade socialmente necessária como um tipo  
de resposta cuja possibilidade de influenciar se expressa na potência em ditar rumos  
aos insanáveis conflitos fundamentais que brotam do modo particular de produção e  
distribuição da riqueza.  
O itinerário da pesquisa empreendida por nosso autor destacou tanto a  
presente categoria do politicismo quanto a da politicidade antes apenas referida. O  
caminho percorrido por ele no enlace entre os estudos dos materiais de Marx e o  
assédio provocado pela particularidade brasileira fez brilhar primeiramente os  
“fenômenos concretos do politicismo” (VAISMAN, 2023, p. 11) porque são mais  
imediatos. Logo, a investigação continuada levou o filósofo à mais ampla “categoria  
da politicidade, que passa a fundamentar a noção de politicismo” (p. 14). A primeira  
guarda claramente uma conotação tópica e prática da vida social. Essa dimensão, que  
também é exercitação, foi historicamente tomada não como índice de problema e  
contradição, não como a administração do domínio de uns sobre os outros” (CHASIN,  
2000, p. 291). Ao contrário:  
a politicidade, em seus traços mais gerais, tem sido concebida e  
afirmada ora como remédio para aplacar o egoísmo natural do  
homem, ora como realização universal de sua racionalidade. Em  
ambos os casos e independentemente dos modos específicos como  
foi e tem sido compreendida, ela é concebida, e por isso é cultuada,  
como um atributo necessário e fundamental para a manutenção das  
sociabilidades imperfeitas ou cindidas, incapazes de autossubsistência  
a partir de suas próprias energias (VAISMAN, 2023, pp. 7-8).  
Estabeleceu-se historicamente uma “concepção ontopositiva da politicidade, de  
larga tradição, pois remonta ao mundo antigo. Tal concepção tem desenlace em “seu  
corolário, o politicismo”, sendo este mais concreto, como dito, mas também a nós mais  
contemporâneo por desdobramento da ordem do capital. No amálgama que formam,  
ambos “contribuíram para o processo de “destituição do humano”, na medida em que  
tanto sua prática quanto a sua reflexão deixam intocadas as raízes da perpetuação das  
formas estranhantes que, por seu turno, permeiam as relações entre indivíduo e  
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sociedade, sobretudo na contemporaneidade e nas formações sociais ora existentes”  
(VAISMAN, 2023, p. 10). Mais concreto e contemporâneo, o politicismo teve “gênese  
e desenvolvimento” enquanto “fenômeno identificado por Chasin como característico  
da longa história da concepção positiva da categoria de politicidade” (p. 12), mas  
também, em termos coetâneos, o “politicismo, no século XX, [foi] fabricado primeiro  
em nome e depois contra Marx, em especial como consequência das inviabilidades  
originárias do Leste europeu. A forja da falsidade a partir do que foi o duplo sistema  
do capital. O politicismo, pois, como herança mais “natural” e funesta de um século  
radicalmente problemático e contraditório” (CHASIN, 1999, p. 38). Entre as razões  
que levaram ao apogeu do politicismo ao longo do século XX, que “permanece nessa  
condição até os dias de hoje”, encontram-se a “falta de perspectiva de  
revolucionamento do modo de vida, a “ausência de qualquer visualização de dias  
diferentes, ou seja, devido ao futuro ausente(VAISMAN, 2023, pp. 12-3).  
O quadro dos traços gerais não estaria completo na ausência de dois aspectos  
complementares. Poucas pinceladas bastam para dar a tonalidade e espessura devidas.  
O primeiro é o distributivismo citado anteriormente. Chasin (2000) explicou que  
o “malfadado distributivismo de extração neorricardiana é coisa muito antiga, cuja  
crítica e repúdio também são muito mais do que centenários” (p. 265). O filósofo  
brasileiro recuperou a crítica de Marx presente nos Grundrisse com o fito de jogar luz  
aos problemas envolvidos na análise da distribuição e um programa político nela  
baseado. Nessa direção, escreveu que a “utopia distributivista tem por suposto a  
falácia da desidentidade de caráter entre o processo produtivo e o processo  
distributivo”. Nessa falácia, “enquanto a produção participaria do estatuto dos objetos  
naturais, a distribuição seria uma questão institucional”. A crítica de Marx a esse  
entendimento destacou que há, na verdade, um nexo entre produção e distribuição em  
que a primeira aparece como elemento preponderante de um todo articulado e que,  
tão importante quanto, ela própria já é em si uma dada distribuição dos meios de  
produção da riqueza. Assim, seria de fato  
impossível constituir o distributivismo como tese ou proposta sem  
quebrar a unidade da relação entre produção e distribuição, e sem  
assumir a distribuição como matéria político-institucional, isto é, sem  
desintegrar esta última do plano econômico, ao qual pertence como  
momento. Em suma, sem transgredir absurdamente na ideação e pelo  
sonho a malha real das articulações que efetivam o sistema de  
produção capitalista (CHASIN, 2000, p. 266).  
O distributivismo é, assim, um limite de horizonte do politicismo, uma vez que  
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desloca para o plano político-institucional algo que decorre da própria raiz dos  
problemas identificados. Opera, no caso, uma miopia útil por meio da qual fortalece e  
vai além da antiga naturalização da economia capitalista. Não é acaso que o  
distributivismo apareça na crítica de Marx, nos Grundrisse, tomando como exemplo a  
forma mais acabada tal como no “sincretismo” de Mill (ao qual voltaremos adiante),  
mais tarde assim denominado nas páginas de O capital, orientado a “conciliar o  
inconciliável” (MARX, 2013, p. 87).  
O segundo aspecto é a manipulação. Esse aspecto surge, talvez, como a face  
mais visível do modo de exercitação do politicismo. Se o “politicismo é intrínseco à  
ordem do capital”, como dito, então é potencializado, podemos dizer, num  
capitalismo manipulatório(CHASIN, 2000, p. 111). Mesmo porque a “inteligência da  
manipulação é a inteligência da burguesia contemporânea” (p. 174). Como no ideário  
politicista o impulso de transformação é castrado, resta a operação prática dos  
mecanismos e fatores mais superficiais disponíveis para realizar determinados  
resultados imediatos. Por isso é importante dizer que manipular não é meramente  
redutível à acepção comum do termo. Como explicou Chasin:  
Manipulação inclui ou implica, mas não é redutível a empulhação. Sem  
dúvida, subentende aguda redução de senso e renúncia deliberada a  
qualquer critério objetivo de verdade. Esta, de fato, é substituída por  
finalidade prático-imediatas. Em realidade visa e opera o livre  
rearranjo tópico eficiente dos fatores em presença, ou seja, limita a  
prática ao sentido da imediaticidade. A atividade manipuladora  
resulta, portanto, numa mudança que sustenta e reafirma a natureza  
da estrutura e dos fatores que a integram, reproduzindo os lugares  
sociais dos atores no complexo, sem variação de qualidade.  
Enganadora sim, não por isso menos real e eficiente. Em síntese,  
subjetiva e objetivamente a prática manipuladora é antitética à prática  
da transformação. (CHASIN, 2000, p. 174)  
O exercício da manipulação é o reflexo mais claro da eficácia objetiva do  
politicismo como “administração do domínio” (CHASIN, 2000, p. 291). E nisso se veem  
os elos dos aspectos aqui evocados: ao cortar o plano político do econômico e  
acentuá-lo, o horizonte se fecha no distributivismo como finalidade imediata realizável  
por meio do exercício manipulatório dos mecanismos existentes sem que, com isso,  
ameace alcançar a raiz material dos problemas identificados.  
IV.  
Uma vez destacados os traços gerais, devemos decantar analiticamente os  
traços mais particulares por referência ao processo brasileiro de formação do  
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capitalismo. A questão de fundo é a determinação da peculiaridade do politicismo no  
país. Nessa direção, cabe levar em conta o traçado mais essencial da via colonial como  
forma não clássica de objetivação do capitalismo, de presença decisiva da grande  
propriedade rural, de reformismo pelo altocomo processo de modernização  
conservadora que impôs “solução conciliadora no plano político imediato” (CHASIN,  
2000, pp. 15-6). Toma-se isso, pois, “exclusivamente enquanto particularidade,  
portanto, como mediação necessária e objetiva entre a universalidade do capitalismo  
e determinadas singularidades”. E foi a partir do “quadro do capitalismo que se põe  
pela via colonialque o filósofo brasileiro considerou a “politicização da totalidade”  
(pp. 17-8).  
E aqui nos interessam os aspectos essenciais da questão, os quais se mostram  
no caráter débil do processo de objetivação do capitalismo no Brasil. Para o filósofo  
brasileiro o próprio caráter politicista da oposição no país de certo modo espelhava a  
debilidade do modo de produção capitalista no Brasil, em especial do modo  
especificamente capitalista de produção, que precisamente se singulariza pelo capital  
industrial. Fraqueza por gênese histórica que é particularmente aguda no que tange à  
classe [burguesa, no caso] que em seu bojo supostamente deveria ocupar o espaço  
hegemônico”. Isso refletiria a própria particularidade da objetivação da via colonial  
para o capitalismo, isto é, o “caráter híper-tardio da entificação histórica do capital  
industrial” (p. 34) no país.  
Não sendo uma questão meramente cronológica em relação aos processos de  
outros países (especialmente de via clássica na Inglaterra e França, e prussiana, na  
Alemanha), importa o registro de que a industrialização híper-tardia se realiza já no  
quadro da acumulação monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas  
já foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva do trabalho já  
se materializou na ocupação do poder de estado em parcela das unidades nacionais.  
[...] além de seu atraso no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada  
sem que estes tenham deixado de ser subordinados das economias centrais”. Nesse  
quadro geral é que situou historicamente o capital industrial atrófico e uma burguesia  
de debilidades e incompletudes, “despojada de “ilusões humanitárias”, e  
especialmente tolhida por fronteiras objetivas e subjetivas que demarcam seu estreito  
espaço histórico” (p. 35).  
A análise do caráter da via colonial é mais extensa, rica e nos levaria muito  
longe. O importante aos nossos propósitos é o reconhecimento de que o politicismo  
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ganha tonalidades peculiares em acordo com as formas particulares de objetivação do  
capitalismo. O próprio caráter débil do processo brasileiro e da burguesia nele  
esboçada já nos habilitam a identificar a linha de conexão. No caso brasileiro:  
A nossa burguesia, para quem o liberalismo econômico (a livre troca  
para sustentar e ampliar sua própria natureza exploradora, através da  
associação crescente com a exploração hegemônica e universalizante  
do capital externo) foi sempre apropriado e conveniente, nunca pôde,  
nem sequer poderia ter aspirado a ser democrática, tem no politicismo  
sua forma natural de procedimento. Politicista e politicizante, a  
burguesia brasileira, de extração pela via colonial, tem na forma da  
sua irrealização econômica (ela não efetiva, de fato e por inteiro, nem  
mesmo suas tarefas econômicas de classe) a determinante de seu  
politicismo. E este integra, pelo nível do político, sua incompletude  
geral de classe. Incompletude histórica de classe que afasta, ao mesmo  
tempo, de uma solução orgânica e autônoma para a sua acumulação  
capitalista, e das equações democrático-institucionais, que lhe são  
geneticamente estranhas e estruturalmente insuportáveis, na forma de  
um regime minimamente coerente e estável. (CHASIN, 2000, p. 124)  
O politicismo da burguesia é determinado por sua incompletude de classe que  
decorre da debilidade do processo de inacabamento congênito do capitalismo no  
Brasil. Incompletude que não deve ser confundida com fraqueza. Vemos isso  
precisamente no exercício prático do politicismo, cuja missão social e eficácia material  
se fundiram na própria objetividade histórica nacional:  
O politicismo atua neste contexto, enquanto produto dele, como freio  
e protetor. Protetor da estreiteza econômica e política da burguesia;  
estreiteza, contudo, que é toda a riqueza e todo o poder desta  
burguesia estreita. Efetivamente subtrai o questionamento e a  
contestação à sua fórmula econômica, e aparentemente expõe o  
político a debate e ao “aperfeiçoamento”. Portanto, atua como freio  
antecipado, que busca desarmar previamente qualquer tentativa de  
rompimento deste espaço estrangulado e amesquinhado. (CHASIN,  
2000, p. 124)  
Inspirado nessa última colocação, Rago Filho (2004) sublinhou a missão do  
“politicismo burguês – freio e protetor de sua estreiteza econômica”, qual seja, o  
desfibramento de uma oposição consequente ancorada numa alternativa econômica  
da perspectiva da lógica onímoda do trabalho(p. 160). Missão social realizada de  
fato na figura do “velho ardil do politicismo burguês, no desarme da oposição para o  
enfrentamento da questão nacional, marginando a sua ação na esfera do político, no  
“aprimoramento das instituições” (p. 161).  
A missão social e seus efeitos práticos, bem entendidos nos termos da  
apreensão materialista (PAÇO CUNHA, 2023), podem ser adequadamente extraídos da  
análise de realidade do período entre 1964 e o final dos anos de 1980. Em síntese,  
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explicou Chasin que a burguesia brasileira havia encontrado seu ponto mais alto de  
desenvolvimento a partir daqueles anos. Foi capaz de mostrar também suas  
características essenciais tanto pela adesão ao bonapartismo quanto pelo  
direcionamento das possibilidades limitadas ao “aperfeiçoamento institucional” em  
detrimento de alterações mais estruturantes na política econômica:  
Politicista por essência de sua formação histórica, a burguesia, a partir  
de 64, já com ampla consciência para o manuseio ativo desta sua  
característica intrínseca, e em progressivo aperfeiçoamento,  
converteu-a em recurso estratégico, que se manifesta, desde o  
discurso de posse de Castelo, até o momento atual da autorreforma  
do sistema, alcunhada de “abertura”, engolfando, por inteiro, neste  
estratagema, o conjunto das oposições. Numa palavra, fez com que  
estas adotassem o princípio politicista, no que é, em grande medida,  
um arrastar das oposições ao campo ideológico do sistema. (CHASIN,  
2000, pp. 124-5)  
De tal modo, tanto para o “sistema e oposições” o “politicismo corresponde à  
faixa de segurança onde se movem em terreno próprio. Para além deste ficam as  
perspectivas das massas trabalhadoras, as únicas que poderiam e estão interessadas  
em romper o politicismo. A abertura democrática, lenta e gradual, foi se confirmando  
como um trânsito do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa”,  
limitando o horizonte ao “aperfeiçoamento institucional” (p. 125). Entre 1978 e 1980,  
as massas trabalhadoras introduziram o argumento concreto das greves. As massas  
“forçaram o tecido lasseado, esgarçaram-no, romperam-no em alguns pontos; em  
suma, dilataram as fissuras do sistema. Mas foram impedidas de prosseguirem: pelo  
sistema e pelas oposições. Entraram em concorrência e conflito a “fala das massas e  
a fala das frações monopolistas: desde logo, falas radicalmente distintas; propostas de  
ação qualitativamente opostas. As frações monopolistas mais importantes do capital  
e suas conexões com o capital internacional, temerosas em perder seus anéis e dedos,  
“parolavam pelo “aperfeiçoamento das instituições”. Na velha linha e na velha forma.  
Politicismo!”. Do outro lado, interessava às massas “romper, portanto o politicismo,  
fazendo prevalecer os conteúdos de raiz, na forma de um movimento das bases. Pela  
ação das bases atingir a raiz do sistema. Esse movimento das massas trabalhadoras,  
que se verificou entre 78 e 80, ameaçou fletir o percurso, negando o politicismo e  
abrindo caminho para a política, para o historicamente novo. Nisto se mostrou, como  
por vezes ocorre nas lutas sociais, à frente dos partidos políticos, mas seus esforços  
foram baldados. O desfecho do processo se deu pela vitória do politicismo, do  
historicamente velho, por iniciativa do sistema e pelo concurso das oposições  
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partidárias, de modo que, “predominando o velho politicismo, a travessia, partindo  
do bonapartismo, desemboca, sem alternativa, na institucionalização da autocracia  
burguesa(p. 125).  
Não por acaso, os anos 1980 testemunharam, na sequência da transição, uma  
exercitação da manipulação econômica por meio do Plano de Estabilização. Tratou-se  
de medida, como Chasin notou, que desfavorecia o trabalho, não assegurava “qualquer  
vantagem estruturalmente corretiva, nem mesmo sob o aquecimento geral da  
economia” (p. 172). O diagnóstico foi quanto ao “espírito do impasse ou da  
inviabilidade”, quer dizer, evidência objetiva da “inviabilização tornada universal do  
capitalismo como agente transformador, que se reforça e peculiariza na periferia pela  
incompletude de classe do capital subalterno”. Donde modernizar-se arcaicamente ou  
montar seu desenvolvimento sobre a cabeça de operários atrasados não é para o  
capital atrófico uma tragédia, nem mesmo um voluntarismo, mas a fiel atualização de  
sua verdadeira potência. Ou melhor, reflexo de “sua impotência congênita (oposta ao  
do capital clássico) para a transformação e autotransformação”. Na medida em se  
mostra “incapaz de identidade transformadora, põe-se como figura transformista(pp.  
173-4). Fica em evidência a peculiaridade da manipulação no capitalismo atrófico.  
Nisso se vê a “miséria de fundo do capital incompleto e incompletável – converte  
transformação em manipulação” (p. 174).  
E já chamamos a atenção para o sentido geral da manipulação como atividade  
no quadro do politicismo. Aqui cabe enfatizar a peculiaridade na miséria brasileira em  
comparação com a manipulação nas economias centrais de então. Como explicou  
Chasin:  
A inteligência da manipulação é a inteligência da burguesia  
contemporânea. Neste grau de generalização as burguesias  
subordinadas da periferia não constituem exceção ou figura  
negativamente privilegiada. O predicado negativo que as especifica  
está em que, da lógica universal de suas necessidades, carecem  
precisamente da inteligência de transformação que nunca tiveram nem  
podem vir a ter. Dito de outro modo, a inteligência manipuladora é  
para as burguesias centrais, hoje [1986], a forma substitutiva da sua  
inteligência de transformação de ontem, enquanto para as burguesias  
periféricas é a expressão da sua única inteligência. Enquanto para a  
burguesia universal a inteligência da manipulação é uma forma  
particular de inteligência, para a burguesia particular ela é sua  
inteligência universal. De modo que ao capital subordinado é dado  
participar do senso restrito do capital em geral de hoje, sem ter nunca  
participado, e sem que possa vir a participar, do senso irrestrito do  
capital em geral de ontem. Ou seja, enquanto a inteligência  
manipuladora é a reprodução possível da completude da burguesia  
do centro, na periferia é a produção da integralização impossível do  
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capital subordinado. (p. 174)  
Importante registrar que a manipulação não é um “fenômeno restrito”. Ao  
contrário, “permeia o conjunto da formação em que se manifesta”, como mostra o  
próprio caso brasileiro. Vale dizer que esse caso particular ajuda a demonstrar que o  
critério de identidade da manipulação” é “desentender e recusar o que a  
transformação exige(p. 176). Naquele contexto dos anos 1980, ficou revelado que é  
o exercício do politicismo que “deprava toda transformação necessária em  
manipulação efetiva” (p. 176).  
Virou a década e o velho politicismo foi renovado no país. Sua peculiaridade  
também se revelou pela análise das esquerdas, sobretudo da assim chamada “nova  
esquerda” e seu percurso, não necessariamente sereno, rumo ao “ardil do politicismo”.  
Um diagnóstico decorre da gênese das esquerdas no país. Vale o destaque do caráter  
débil da formação capitalista e da incompletude da classe burguesa. Nessa direção, a  
esquerda brasileira “não nasceu contra a cabeça e o corpo de um antigo revolucionário.  
Não se deparou com uma entificação histórico-social integralizada. Viu-se em face da  
integralização histórico-social de um inacabamento”. Ela nasceu “submersa no limbo,  
entre o inacabamento de classe do capital e o imperativo meramente abstrato de dar  
início ao processo de integralização categorial dos trabalhadores. Entre as  
possibilidades de transformação social efetiva e o “credo na finalização necessária do  
capital, é arrastada para o objetivismo da empreitada que visa à última. É a subsunção  
aos nexos mortos do que fora a lógica do capital concluso. É a submissão à lógica  
extinta do ideário liberal. No caso, duas vezes morta: a primeira vez, enquanto cadáver  
ideológico da própria burguesia de “tipo europeu”; a segunda, enquanto fantasma de  
empréstimo do conservantismo civilizado, boneco “liberal” na ventriloquia da  
autocrática burguesia brasileira” (pp. 159-60).  
O politicismo daí exercitado ecoou a impossibilidade da completação como o  
imperativo a ser cumprido. No fundo, é o esforço de convencimento de amplas classes  
sociais de que o não realizável é preferível e, por isso, jamais pôde colocar em questão  
as “condições de possibilidade da democracia em países de extração colonial”. Nisso  
se revela a limitação do ideário politicista que, no caso, “não atina para a natureza  
específica do solo em que pisa, nem para a peculiaridade de postura e encargo que  
este chão dela demanda e a ela confere” (p. 159). É uma “atrofia da consciência” à  
qual faltaria, entre outras coisas, o “sentido da determinabilidade da produção e  
reprodução da entificação social” (p. 162). Exala um “servilismo teórico” cujos  
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“padrões de reflexão, avulta e predomina um reduzido arsenal de conceitos, originário  
do universo epistêmico liberal, que se dá a conhecer pelas teorias da dependência e  
da marginalidade e pelas críticas ao populismo e ao autoritarismo” (p. 157).  
Destacam-se os ideários dos partidos que, naquele momento, se igualizavam  
pelo “pragmatismo politicista” tal como organizações políticas que ocupam posições  
na esquerda do arco político do capital” (p. 231). De um lado, a vertente “tecno-  
elitista” de “feição mais racionalística e tecnocrática do politicismo”, o modo elitista e  
higiênico de calcular e prover a distribuição da justiça social” (p. 256). Do outro lado,  
a “vertente plebeia” ou “popular do social-democratismo” (p. 299), farejando um  
imaginário “capitalismo mais justo e humano, supostamente realizável por atos  
certeiros da vontade política” (p. 264).  
Cada uma ao seu modo, as vertentes sucumbiam ao “ardil da completação do  
capital” (p. 264). Cada qual orbitou as pretensões distributivistas. E como vimos, o  
distributivismo é um limite em geral do politicismo. E isso se confirma no caso  
brasileiro, no já referido “arco político do capital” então presente. Nesse contexto de  
renovação de antigas proposituras já devidamente criticadas, a “reposição da utopia  
distributiva, nos dias [então] correntes, tem por arcabouço alguns dos equívocos mais  
graúdos do pensamento matrizado pela lógica do capital. Com a agravante de que se  
trata de um passo regressivo, um convite a fazer música do futuro com uma partitura  
vencida do passado, algo como executar uma sinfonia com instrumentos de  
brinquedo. E isso se mostrava de modos variados, incluindo na propositura da  
vertente plebeia de tomar dos “ricos para dar à sofrida classe trabalhadora, sem jamais  
tentar dizer através de que mudanças substanciais no aparato da produção. Mesmo  
que o enunciado distributivista seja repleto de boa vontade, ele tem o “valor objetivo  
de uma bolha de ar lançada ao turbilhão dos ventos(p. 266).  
O predomínio do ideário politicista possui, obviamente, suas fissuras. O  
contraexemplo antes visto, daquele discurso econômico de S. Braga, ainda que  
limitado em seus próprios termos, forneceu algumas pistas. O mesmo se pode dizer  
do discurso econômico e da postura política de um Leonel Brizola, em “nítido  
contraste” (p. 268) com as vertentes elitista e plebeia aqui consideradas brevemente,  
sem desconsiderar igualmente seus “limites e inconcludências” (p. 269). O que não foi  
suficiente para contrabalancear a eficácia do politicismo, seu horizonte distributivista  
e sua exercitação manipulatória também na particularidade de uma incompletude  
incompletável.  
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A análise de realidade cobriu os anos seguintes, nos quais revigorou-se a  
“crença nas virtudes do mercado” como uma espécie de “mergulho para trás” (p. 199),  
para a era pré-keynesiana mesmo. Chasin chegou a levar em conta que o  
“neoliberalismo não é mera retomada doutrinária, decorre das vicissitudes do capital  
destrutivo e estagnado”, facultando uma “ressurreição liberal” como “ponto culminante  
de uma reorganização planetária do capital” (p. 200). De Collor a FHC, a vitória do  
politicismo estava já bastante ensaiada para não ser executada. A limitação em  
horizonte e a tarefas imediatas, em suma, aprisionados no volteio do politicismo, o  
eterno ajuste político não se mostrou apto a dar respostas à altura da necessidade  
objetiva. Optou-se por “humanizar o capital” (p. 215), por abraçar o “politicismo  
voluntarista e seu correlato, o emprego tático do discurso teórico, com todo o desdém  
pelos critérios objetivos de verdade” (p. 300). Perdurou, assim, um “pavoroso deserto  
ideológico” (p. 254) na miséria brasileira.  
V.  
Feitas as devidas considerações a respeito da natureza do politicismo em seus  
traços gerais e particulares, passa a ser do nosso interesse retomar brevemente alguns  
dos seus aspectos essenciais para análise complementar. Temos em mente a gênese,  
a missão social e componentes do politicismo na figura de seus dois núcleos: o político  
e o econômico.  
Comecemos pela retomada de sua gênese. Vimos que a gênese do politicismo  
tem ancoragem em alguns fatores. Além de decorrer daquela longa trajetória da  
concepção positiva da categoria da politicidade, teve fabricação num contexto de  
consolidação do então duplo sistema do capital. Desenvolveu-se a partir dali como  
resultado problemático herdado que cortou todas as décadas seguintes, galgando  
força na ausência de possibilidades objetivas e subjetivas de autêntica transformação  
para frente. Há outros fatores objetivos condicionantes a serem observados.  
Nesse mesmo sentido da gênese e desenvolvimento, devemos reconhecer as  
modificações pelas quais passou uma estruturação estatal em correspondência ao  
desdobramento do modo de produção. Dois pontos correlacionados são  
particularmente importantes e podemos identificá-los também nos materiais de Marx  
visitados por Chasin. Um deles diz respeito ao exemplo da formação de uma estrutura  
administrativa destinada à regulação do pauperismo nas condições da Inglaterra  
consideradas por Marx na redação das Glosas antes referidas. Pretendemos iluminar  
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especificamente a questão para a qual aponta as chamadas “falhas administrativas”  
(MARX, 2010, pp. 33ss). Antes disso, cabe destacar outro ponto referente à conexão  
mais geral entre o desenvolvimento do capitalismo e as crescentes tarefas estatais.  
É exigência reconhecer que inúmeras medidas estatais estiveram  
intrinsecamente relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo. Do uso da violência  
concentrada às medidas legais, seja como freio à potência destrutiva do capital ou  
como canalização para sua reprodução e alavanca para seu avanço, são incontáveis os  
exemplos colecionados pelo próprio Marx em O capital, para citar um material, e não  
vem ao caso repeti-los. Importa o destaque de que ampliação das funções estatais é,  
em geral, uma constatação empírica para a qual muitas correntes não puderam fechar  
os olhos independentemente de suas posições normativas na avaliação dessas  
funções. Costumam desviar o olhar, entretanto, para o sentido objetivo e mais ao fundo  
dessa conexão superficialmente observável. Para a essência mesma da relação, seria  
possível afirmar que a estruturação estatal em sua reciprocidade com o movimento do  
capital funcionou como mediação aqui em largo sentido, como resultado e resposta,  
como produto ativo da generalização da produção de mercadorias. Há de fato uma  
mútua dependência estrutural entre estado político, suas tarefas e medidas, de um  
lado, e a economia capitalista, suas legalidades mais básicas e os conflitos ensejados,  
de outro.  
Sobre esse ponto, há uma passagem pouco visitada dos Grundrisse na qual  
Marx discutiu as aproximações e contrates entre o norte-americano Carey e o francês  
Bastiat, levando-se em conta os estágios de desenvolvimento do capitalismo em seus  
respectivos países e como isso condicionaria as formas de consciência das quais tais  
autores eram portadores. Devemos destacar a consideração sobre o economista da  
Filadélfia, segundo nossos propósitos. Nessa toada, Carey insistia que todos os efeitos  
perturbadores sobre as assim consideradas naturais relações da sociedade decorriam  
da influência do estado, suas medidas e intervenções. Marx explicou o procedimento  
do economista norte-americano. Para este, o salário, por exemplo, cresce  
naturalmente com a produtividade do trabalho. Se achamos que a realidade não  
corresponde a essa lei, temos unicamente de abstrair a influência do governo,  
impostos, monopólios etc., seja no Hindustão, seja na Inglaterra. São as influências  
estatais que impediriam o pleno funcionamento das “leis harmônicas da economia  
burguesa. Naturalmente, ponderou criticamente Marx na sequência, “Carey não  
investiga em que medida essas próprias influências estatais, dívida pública, impostos  
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etc., têm origem nas relações burguesas e, por conseguinte, na Inglaterra, por  
exemplo, de modo algum aparecem como resultados do feudalismo, mas de sua  
dissolução e superação, e [que] na própria América do Norte cresce o poder do  
governo central com a centralização do capital” (MARX, 2011, p. 29).  
A importância da passagem está, entre outras coisas, em atender ao nosso  
propósito de sublinhar que, num plano mais geral, as influências estatais decorrem da  
própria economia capitalista. Na Inglaterra, como caso emblemático para o  
desenvolvimento do capitalismo, tais influências surgiram e aumentaram com a  
dissolução e superação do modo de produção feudal. Nos Estados Unidos, por outro  
lado, país em que não houve previamente um tal feudalismo, em que o estado jamais  
pôde ter a pretensão de ser um fim em si mesmo” e no qual combinaram-se as “forças  
produtivas de um velho mundo com o imenso terreno natural de um novo” (p. 28),  
essa relação geral se revelou na conexão entre, de um lado, o crescimento do poder  
do governo central, com suas tarefas e medidas, e, de outro lado, a centralização do  
capital” e suas decorrências. Vale insistir no sentido da conexão, segundo o qual a  
rápida acumulação do capital criou as condições para uma maior potência estatal.  
Seja por uma via clássica ou americana, guardadas as suas peculiaridades, o  
desenvolvimento e estruturação estatais como resposta ao desdobramento histórico  
do modo de produção capitalista surge como condição de conjunto (estrutural e  
superestrutural, poderíamos mesmo dizer) para aquele “entendimento político” ou  
“razão política”, ou ainda simplesmente politicismo. Este não teve gênese numa  
manifestação de vontade, mas no crescente exercício prático das medidas estatais  
enquanto respostas à dinâmica desse modo de produção. Em outras palavras, o  
politicismo, como forma de consciência, é uma espécie de subjetivação mediada pela  
exercitação progressiva de “administração do domínio de uns sobre os outros”,  
exercitação enquanto um campo de práticas possíveis e que, portanto, teve num dado  
estágio de estruturação estatal sua condição inicial de arranque. Uma vez possibilitada,  
essa forma de consciência é atuante sobre a própria estruturação e sobre as medidas  
desenvolvidas e implementadas na direção de influenciar a economia capitalista dentro  
de certos limites e com resultados variados.  
Como ilustração, voltemos ao caso inglês na discussão das Glosas em que  
importava destacar a vinculação entre a existência do pauperismo e a estruturação de  
medidas de administração para seu disciplinamento. A burguesia inglesa, o governo e  
a imprensa compreendiam o pauperismo no volteio típico do politicismo como forma  
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nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
de consciência ativada a partir do problema fático e, ao mesmo tempo, ativa sobre ele.  
Vemos isso no caso dos partidos que atribuíam à política do adversário a causa do  
pauperismo e nenhum deles sonhava “com a reforma da sociedade” (MARX, 2010, p.  
30). Lá também, escreveu Marx, a expressão mais categórica da compreensão inglesa  
do pauperismo continuamos falando da compreensão própria da burguesia e do  
governo ingleses é a economia política inglesa, isto é, o reflexo científico das  
condições em que se encontra a economia inglesa” (pp. 30-1). E qual era então a  
“compreensão inglesa do pauperismo”, de suas causas fundamentais? Um  
entendimento político rombudo, míope às condições fáticas dos trabalhadores nas  
condições fabris e habitacionais daquele tempo e lugar, explicou Marx, capaz de, pela  
imprensa, atribuir a revolta nessas condições à educação formal negligenciada que  
produz o trabalhador sem o conhecimento necessário à resignação, que “não  
compreende as “leis naturais do comércio”, leis que necessariamente o degradam ao  
pauperismo” (p. 32). Um entendimento político que também atribuiu as causas do  
pauperismo à “falha de administração”, redundando em reformas administrativas e  
novas legislações, em ainda mais novas reformas e legislações. O desenlace do  
processo foi a continuidade de medidas destinadas a administrar o pauperismo.  
Estruturou-se, assim, uma “administração ramificada e bastante ampla” diante do  
pauperismo para “discipliná-lo” e “perpetuá-lo” (p. 35).  
Marx ainda considerou as ocorrências na França e na Alemanha. Somados os  
pontos, concluiu que “todos os estados buscam a causa nas falhas casuais ou  
intencionais da administração, e, por isso mesmo, em medidas administrativas o  
remédio para suas mazelas. Por quê? Justamente porque a administração é a atividade  
organizadora do estado(p. 39). Dessa posição, não pode “acreditar que a impotência  
seja inerente à sua administração, ou seja, a si mesmo. Ele pode tão somente admitir  
deficiências formais e casuais na mesma e tentar corrigi-las” (p. 40). Já sabemos que  
a razão política não busca a causa essencial das “mazelas sociais” na “atual  
organização da sociedade”, pois o “entendimento político é entendimento político  
justamente porque pensa dentro dos limites da política” (p. 40). Para Marx, o “período  
clássico do entendimento político é a Revolução Francesa” que, não indo à organização  
da sociedade, enxergou “nas deficiências sociais a fonte das irregularidades políticas”  
(p. 41). Com isso podemos rastrear a gênese do politicismo no ponto em que o modo  
de produção capitalista já alçou dado desenvolvimento, para o qual uma dada  
estruturação estatal é a resposta geral e simultaneamente o campo de  
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desenvolvimento de respostas na forma de medidas administrativas diante do assédio  
dessa vida econômica de uma sociedade historicamente determinada.  
A gênese é um aspecto fundamental também por já colocar a necessidade social  
historicamente envolvida. O politicismo, como nos parece, também responde  
precisamente à exigência de administração da economia e das suas contradições que  
se manifestam por meio dos conflitos essenciais lembremos do exemplo acima que  
ele engolfa partidos, governo, imprensa e mesmo as expressões científicas como a  
economia política. A luta classista foi sem dúvida um fator condicionador para o  
período clássico do politicismo na França e igualmente funcionou para seu posterior  
desenvolvimento, não sem adições de novas camadas, nos dois séculos seguintes.  
Vemos isso novamente no caso inglês em que, não por acaso, também foi palco  
para o alcance de um ponto alto de elaboração do distributivismo que consideramos  
anteriormente, especialmente na figura de J. S. Mill. Também não é casual que esse  
mesmo economista político, com seu Princípios de economia política de 1848, apareça  
como um dos grandes portadores dessas ideias em síntese. A letra de Mill nos serve  
aqui para novamente tematizar a questão do distributivismo como uma “grosseira  
disjunção entre produção e distribuição e [...] da sua relação efetiva” (MARX, 2011, pp.  
42-3). Como explicou Marx, para os economistas:  
[...] a produção deve ser representada veja, por exemplo, Mill , à  
diferença da distribuição etc., como enquadrada em leis naturais  
eternas, independentes da história, oportunidade em que as relações  
burguesas são furtivamente contrabandeadas como irrevogáveis leis  
naturais da sociedade in abstracto. Esse é o objetivo mais ou menos  
consciente de todo o procedimento. Na distribuição, em troca, a  
humanidade deve ter se permitido de fato toda espécie de arbítrio.  
(MARX, 2011, p. 42)  
O procedimento é de naturalização das relações sociais que fundamentam a  
economia capitalista, deixando apenas o momento da distribuição (dos produtos,  
serviços) como passível de alterações. Entendemos que esse procedimento é  
característico para todo pensamento econômico dominante (PAÇO CUNHA, 2024),  
destinado a apresentar a “ordem capitalista como a forma última e absoluta da  
produção social, em vez de um estágio historicamente transitório de desenvolvimento”  
(MARX, 2013, p. 85). Essa forma de consciência foi profundamente afetada pelo  
crescente conflito social, especialmente pela “revolução continental de 1845-1849”  
que “repercutiu também na Inglaterra(p. 86). Marx explicou que alguns porta-vozes  
intelectuais se dividiram em duas correntes naquelas circunstâncias. Uns, sagazes,  
ávidos de lucro e práticos, congregaram-se sob a bandeira de Bastiat, o representante  
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mais superficial e, por isso mesmo, mais bem-sucedido da apologética economia  
vulgar” (p. 87). Outros, “que ainda reivindicavam alguma relevância científica e que  
aspiravam ser algo mais do que meros sofistas e sicofantas das classes dominantes,  
tentaram pôr a economia política do capital em sintonia com as exigências do  
proletariado, que não podiam mais ser ignoradas. Daí o surgimento de um sincretismo  
desprovido de espírito, cujo melhor representante é Stuart Mill” (p. 86). Sendo estes  
últimos porta-vozes “orgulhosos da dignidade professoral de sua ciência, seguiram J.  
S. Mill na tentativa de conciliar o inconciliável” (p. 87).  
Não vem ao caso discutir as diferenças entre a economia política clássica, a  
economia vulgar, a tendência socialista e a tendência histórica alemã, entre outras  
correntes presentes ao tempo de Marx. Interessa-nos mais de perto o sincretismo na  
figura de Mill e de seus seguidores como portadores de uma forma de consciência  
científica. O esforço ali presente foi o de sintonizar os interesses do capital e do  
trabalho, de “conciliar o inconciliável”, nos termos antes empregados. Trata-se,  
argumentamos, de uma camada adicional àquele procedimento de afirmar o modo de  
produção capitalista como algo natural, não histórico. Fica sugerida uma espécie de  
resposta às forças em conflito de modo a remediá-las, conciliá-las.  
Também não é mero acaso que precisamente com Mill tenha se desenvolvido a  
admissão das “funções governamentais necessárias e optativas” (MILL, 1996, p. 369).  
O esquema geral, ainda que não plenamente desenvolvido, já pressupõe em esboço  
um tipo de intervencionismo estatal calculado, pois se admitem ao menos  
superficialmente as contradições da economia capitalista para as quais surgem  
medidas que visam a harmonizar as forças em conflito. Também não é por acaso que  
foi na figura desse mesmo porta-voz que o distributivismo alçou um ponto alto de  
desenvolvimento, como vimos anteriormente. Estavam assim reunidos alguns dos  
aspectos centrais do politicismo: a naturalização da economia capitalista, o  
distributivismo e a manipulação em esboço. Ainda que faltasse o acabamento dos  
elementos dessa manipulação e um discurso politizante e englobante ambos  
produtos do século seguinte , uma nova camada de missão social estava com seus  
contornos reconhecíveis para além da naturalização da economia capitalista e de suas  
relações sociais essenciais.  
Nos limites que um texto como este impõe, admitimos a presença de dois  
núcleos do politicismo. Por um lado, temos o discurso politizante no século XX que  
foi, como já dito, “fabricado primeiro em nome e depois contra Marx, em especial como  
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consequência das inviabilidades originárias do Leste europeu. A forja da falsidade a  
partir do que foi o duplo sistema do capital” (CHASIN, 1999, p. 38). Visando ao todo  
social, o núcleo político do politicismo, por assim dizer, reflete-se precisamente na  
hiperacentuação da política, como já discutimos anteriormente, e não é necessário  
provocar redundâncias.  
Por outro lado, é possível reconhecer traços de certo núcleo econômico do  
politicismo motivados pelos registros anteriores, referentes à economia política. O  
politicismo, é preciso dizer, não se identifica integralmente à ausência de remissão ao  
econômico, refletindo-se também enquanto um modo, como vimos, de apreensão  
subordinada ao plano político. A marca principal que queremos destacar do núcleo  
econômico do politicismo está naquilo que ficou antes designado por manipulação.  
Em termos fundamentais, é a atividade executora, operadora dos mecanismos e fatores  
superficiais. Renunciando a critérios objetivos de verdade, seu horizonte é a finalidade  
prático-imediata de produzir certos efeitos na economia capitalista com eficácia e  
resultado variáveis. Se seu esboço esteve nas “funções governamentais necessárias e  
optativas” admitidas no século XIX, seu efetivo desenvolvimento se deu sobretudo nos  
primeiros 40 anos do século XX, tanto com o aprofundamento da necessidade de  
medidas administrativas na condução da vida econômica e o correlato avanço da  
estruturação estatal quanto com as inovações nas doutrinas econômicas que  
procuraram sussurrar aos ouvidos do Príncipe e influenciar nas decisões  
governamentais. As duas grandes guerras mundiais e, entre elas, a Revolução Russa e  
a crise de 1929 tiveram papel decisivo nisso.  
Mas, como não é lugar para longas considerações, basta trazer à baila o  
essencial da administração macroeconômica no acabamento dado como  
keynesianismo enquanto um exemplar didático do problema. Na doutrina, aquele  
intervencionismo calculado ganhou todos os seus contornos especiais. Nunca esteve  
de fato ocupada em esclarecer as ligações entre os problemas cíclicos identificados,  
como as crises, e a lógica essencial da produção generalizada de mercadorias, menos  
ainda esteve interessada na transformação das relações sociais ao fundo que dão vida  
a essa lógica. Seu critério de verdade era outro. A ocupação principal esteve em  
estabelecer medidas que acionassem certos mecanismos que pudessem ativar, assim  
podemos dizer, certas tendências contrarrestantes às crises. É essencialmente um  
problema de método de administração da economia capitalista, no caso, por meio da  
demanda agregada. Aqui vale, pois, a máxima de se encontrar a medida das coisas  
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nas circunstâncias então presentes. No caso em tela, as medidas estatais devem  
aumentar na antecipação das crises e diminuir quando a dinâmica virtuosa engrenar.  
Se o método foi capaz de produzir os efeitos desejados e na temporalidade intentada  
é outro assunto.  
O ponto aqui é a exemplificação, pois existem outros métodos na disputa da  
circulação das ideias, da “manipulação prática dos nexos causais concretamente  
conhecidos” (LUKÁCS, 2013, p. 96). É o caso da “teoria da utilidade marginal até as  
pesquisas manipulatórias singulares de hoje”, constituindo de conjunto “uma ciência  
que, de modo pseudoteórico, faz desaparecer as conexões autênticas e decisivas,  
mesmo que, em casos singulares, casualmente possam estar presentes relações reais  
ou seus vestígios” (LUKÁCS, 2012, p. 306). É a total subjetivação da economia, desde  
a teoria da utilidade marginal até Keynes e os economistas norte-americanos de nossos  
dias(LUKÁCS, 2020, p. 672).  
Se no núcleo político do politicismo vigora o “aperfeiçoamento institucional”,  
em seu núcleo econômico vige o aperfeiçoamento do método administrativo sobre a  
economia capitalista, sua manipulação o avesso da transformação , seu  
prolongamento histórico. Por essa razão, se o politicismo, da forma como já  
averiguamos, viceja a partir da ordem do capital em geral, também carece de condições  
especiais, sobretudo considerando seu núcleo econômico. Teve ancoragem num dado  
“aparato institucional e o conjunto de práticas subjacentes que caracterizam a tentativa  
de gerenciamento racional da sociedade capitalista” (MEDEIROS, 2013, p. 273).  
Dependeu, pois, do fato de que a estrutura de administração da economia ganhasse  
em potência subjetiva e objetiva, em termos de doutrina e de medidas propriamente  
destinadas a regular a dinâmica econômica e de modo não meramente reativo, mas  
sobretudo de antecipação do comportamento volátil da economia capitalista.  
A missão social do politicismo, portanto, se desdobra. Não basta naturalizar as  
relações que fundamentam a economia capitalista. Passando, como dito, pela  
“conservação da atual fisionomia do solo econômico” (CHASIN, 2000, p. 133), essa  
forma de consciência atende à necessidade de apresentar essa economia como um  
objeto de manipulação. Nela, não é necessário conhecer de fato a coisa, mas  
meramente medi-la, nela provocar resultados imediatos e superficiais, avaliar esses  
resultados, aperfeiçoar os modelos etc. Ao fundo, está a missão de convencer  
amplamente que esse modo de produção e suas contradições podem ser  
administrados indefinidamente, sem a necessidade de alteração nas relações sociais  
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essenciais, bastando para isso aperfeiçoar os métodos existentes ao seu  
gerenciamento. O sincretismo e o distributivismo têm nisso papel fundamental, pelo  
menos na concorrência das ideias que pendem para métodos de administração em  
detrimento de outros (como os austríacos, monetaristas e suas variantes; o  
emblemático “mergulho para trásque praticam alguns modernos). Não obstante, a  
causa dos problemas identificados será de praxe atribuída ao método do adversário.  
Jamais aos fundamentos da economia capitalista.  
As análises anteriores de Chasin sobre o politicismo no Brasil delimitaram o  
período pós-1964 como recorte legítimo. Vimos com essas análises como a  
incompletude do capital e a ilusão de completação afligiram o politicismo, seu  
horizonte distributivista e inteligência manipuladora. Não vem ao caso repisar tais  
pontos. Mas é importante registrar que a análise da via colonial, e nela o sublinhado  
do “reformismo pelo alto” como processo de modernização que impõe uma “solução  
conciliadora no plano político imediato” (p. 16) etc., deu conta do processo de  
entificação do capitalismo industrial no Brasil sobretudo a partir de 1930. Não seria  
sem propósito correlacionar o vicejo do politicismo a partir desse estágio de  
desenvolvimento do capitalismo no país e a correspondente estruturação estatal  
naqueles anos, incluindo na última a formação técnica de burocratas (como no exemplo  
do Departamento Administrativo do Serviço Público Dasp de 1938). Aliás, o período  
foi palco de inúmeras medidas sincréticas que tiveram por alvo a conciliação classista,  
como as bem conhecidas legislações sociais e trabalhistas. Também foi palco das  
tentativas de manipulação da economia pós-crise de 1929, especialmente a  
industrialização por via estatal como o único caminho então possível. Não vem ao caso  
detalhar tais pontos, bastando para nossos propósitos admitir que foi o período de  
estruturação estatal tal que possibilitou a progressiva maturação de um politicismo de  
horizonte distributivista e exercitação manipulatória na incompletude do processo  
brasileiro, de seu capital atrófico. De modos complexos, o período de 1964 em diante  
é herdeiro desse politicismo de extração pela via colonial.  
VI.  
Mas esse politicismo não é fac-símile de si mesmo. Apresenta especificidades  
em acordo com as condições históricas, como já ficou claro. Há, dito de modo mais  
preciso, uma complexa relação de continuidade e descontinuidade também nesse  
plano das formas de consciência. O Brasil da nossa atualidade fornece elementos  
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importantes sobre isso e podemos destacar certa especificidade no momento presente  
tendo em mente a “novíssima esquerda” e a atuação do governo em anos recentes.  
Chasin considerou que o “mundo em curso se apresenta [em 1989] como uma  
vasta usina do falso socialmente necessário. Quase 40 anos depois, poderíamos fazer  
diagnóstico geral muito semelhante e talvez agravado. Ele escreveu na ocasião que a  
“produção da falsidade” tinha então arranque objetivo no prolongamento, de uma  
parte, da “utilidade histórica do capital e de sua forma capitalista de sociabilidade e,  
de outra, pela incapacidade hoje indiscutível [em 1989] de superação do capital  
pelas formas pós-capitalistas conhecidas(p. 179). Chasin tinha em mente, na última  
parte, os países do bloco assim chamado socialismo real”. Esses países não existem  
mais. Temos, porém, uma continuidade objetiva daquele prolongamento. Na ocasião  
dessas palavras, nosso filósofo também registrou que a produção da falsidade se  
manifestava igualmente, numa alavanca teórica, como “figurações da subjetividade”,  
isto é, “razão manipuladora e irracionalismo(p. 179).  
É difícil negar que temos ainda hoje, em termos objetivos, o prolongamento  
da utilidade histórica do capital” que se constitui, também agora, no “ardil do capital,  
sob cuja lógica e regência move-se o universo humano-societário contemporâneo, bem  
como [em termos teóricos] sob seu espírito homólogo manipulador e irracionalista,  
que desarma cognitiva e volitivamente a autêntica capacidade efetuadora da prática  
humana(p. 179). De outro lado, a desafiante se mostra na “falta de perspectiva de  
revolucionamento do modo de vida”, na “ausência de qualquer visualização de dias  
diferentes” (VAISMAN, 2023, pp. 12-3). Importa reter o atual cenário de  
prolongamento da utilidade histórica do capital e das suas homólogas figurações  
teóricas.  
Para tanto, é preciso perguntar: quais seriam as reverberações no politicismo  
sendo este, como vimos, intrínseco à ordem do capital?  
Por outro lado, vimos também nas análises de realidade que o “quadrilátero  
teórico”, formado pelas teorias da dependência, populismo, autoritarismo e  
marginalidade, mostrava-se como “conjunto de ideias que moldam o pensamento no  
país” (CHASIN, 2000, p. 243), conjunto do qual os partidos na esquerda extraíam  
“suas leituras de realidade, o inventário dos problemas nacionais e o rol de suas  
proposituras” (p. 255). No entanto, a presença e potência do quadrilátero foram  
consideravelmente abrandadas no tempo presente e não desfrutam das mesmas  
visitações de outrora. Talvez aqui e ali ainda persistam os apelos às teorias do  
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populismo e autoritarismo, mas certamente não ocupam o mesmo altar da  
intelectualidade. Os partidos na esquerda do “arco político do capital” também  
sofreram modificações. A vertente elitista” (PSDB) está, no momento pelo menos,  
absorvida pelas hordas das tendências mais à direita daquele arco político. De certo  
modo, foram empurrados pelo deslocamento progressivo da vertente “popular do  
social-democratismo” cada vez mais para a centro-direita desse arco. Duma  
observação geral dos mandatos petistas desde 2002 para além do interregno 2018-  
2022, parece duradoura a perseguição de um imaginário capitalismo justo e  
humanizado, nos limites do distributivismo implementado por medidas manipulatórias  
de horizonte imediato. Isso dá um sentido de continuidade, mas o arcabouço teórico  
parece ter sofrido modificações.  
E o que então tem nutrido as leituras de realidade global e nacional, além de  
dar respaldo às suas proposituras?  
As duas questões anteriores demandam análises muito mais extensas e  
detalhadas do que somos capazes de no momento apresentar. Podemos esboçar pelo  
menos alguns poucos traços gerais de encaminhamento de respostas.  
Com efeito, a continuidade do prolongamento da utilidade histórica do capital  
e de suas contradições, que se expressam em crises, conflitos e desigualdades,  
sobretudo em contexto de ausência de alternativas verdadeiramente para frente, criou  
uma realidade aparentemente paradoxal. Como seria possível afirmar que o politicismo  
ainda se encontra em seu apogeu se há tantos descontentes com seus regimes  
políticos, em especial nas “democracias ocidentais”? O descontentamento que vai se  
generalizando diante da política é algo que vai além da compreensível reação de  
antipatia contra partidos políticos em suas mesquinhas rotinas politiqueiras, quando  
não criminosas. O descontentamento pode sugerir um aparente enfraquecimento do  
politicismo e não significa que isso não possa ser entendido como sintoma de suas  
fraturas. Porém, o descontentamento não se volta à crítica reta e contestação  
propositiva diante do solo econômico, do modo de organização das relações sociais,  
não se canaliza à causa dos problemas que muitas vezes se refletem nas tempestades  
políticas. As reações são direcionadas a uma forma da política.  
A “questão democrática”, que nutriu considerável parte das análises de Chasin  
décadas atrás, recebeu de nosso autor seu correto tratamento. Sem uma perspectiva  
transformadora do trabalho, a chamada democracia representativa não passa de  
arremedo para fazer valer a democracia dos proprietários. Esta, incapaz de ser  
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resolutiva quando muito, mostra-se tal como palco de frágeis e temporárias  
conciliações , ativa os descontentes que, num contexto de ausência de futuro,  
encontram recepção nos braços do reacionarismo. E para espanto dos conservadores  
civilizados, a história pode sonhar todo tipo de pesadelo, fabulando formas políticas  
regressivas e hediondas. No campo de possíveis das formas políticas sob a ordem do  
capital, levando-se em conta não só a história brasileira, mas também seu inebriado  
momento de fragrância teocrática, há espaço para muita coisa entre a “autocracia  
burguesa” vigente e o “bonapartismo” aberto de outrora. A história costuma ser  
perigosamente criativa.  
Ao contrário, o paradoxo é apenas aparente. O politicismo, que já acumula  
longa duração, tem apresentado profunda eficácia em direcionar a atenção e a ação  
das classes sociais para longe da necessária transformação. A linha continua sendo a  
do “aperfeiçoamento institucional”, ainda que um “mergulho para trás” apareça aos  
descontentes como a melhor alternativa corretiva da democracia dos proprietários.  
A eficácia do politicismo também se mede pela constante renovação do  
distributivismo, seu horizonte limítrofe, ainda que se mostre faticamente irresolutivo.  
Os exemplos poderiam ser diversos, mas basta um que nos parece muito  
representativo. Em primeiro de janeiro de 2003, o então presidente eleito da república  
dos proprietários assim se manifestou:  
Mudança; esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da  
sociedade brasileira nas eleições de outubro [de 2002] [...]. Enquanto  
houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome,  
teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha. Por isso,  
defini entre as prioridades de meu governo um programa de  
segurança alimentar que leva o nome de Fome Zero. [...] se, ao final  
do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de  
tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da  
minha vida. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2003)  
E, no dia primeiro de janeiro de 2023:  
Vinte anos atrás, quando fui eleito presidente pela primeira vez, [...]  
iniciei o discurso de posse com a palavra “mudança”. A mudança que  
pretendíamos era simplesmente concretizar os preceitos  
constitucionais. [...]. Disse, naquela ocasião, que a missão de minha  
vida estaria cumprida quando cada brasileiro e brasileira pudesse  
fazer três refeições por dia. Ter de repetir este compromisso no dia  
de hoje diante do avanço da miséria e do regresso da fome, que  
havíamos superado é o mais grave sintoma da devastação que se  
impôs ao país nos anos recentes. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023)  
É óbvio que enfrentar a fome é uma tarefa entre as mais importantes. Tem sido  
tarefa no Brasil, aliás, há século. Talvez não seja sem lugar a recordação da expressão  
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carestiano debate público do Brasil dos anos de 1920 quando, para muitos de seus  
protagonistas, era um simples caso de polícia. A questão é que não se resolve a miséria  
estrutural por meio de voláteis medidas que ignoram a base do problema. Fica  
quebrada, no plano da ideação, a vinculação objetiva na unidade entre produção e  
distribuição, como já discutimos anteriormente. E mesmo que, voltemos a repetir,  
possa haver abundância de sinceridade nos enunciados acima (com discutível  
personalização), eles apresentam “valor objetivo de uma bolha de ar”. As irresolutivas  
medidas meramente político-institucionais não são apenas levadas pelos ventos das  
circunstâncias das trocas desiguais entre as forças políticas, mas têm rompidas as suas  
frágeis tensões superficiais na eclosão das crises econômicas.  
O prolongamento da utilidade histórica do capital igualmente criou condições  
para uma hipérbole da manipulação. Para isso também não faltam exemplos. Mas entre  
os mais eloquentes podemos destacar um que é auxiliar simultaneamente às duas  
questões anteriormente levantadas. Temos em mente a aberta retomada da política  
industrial. Dizemos aberta porque esteve fora da cena, por assim dizer, mas não dos  
bastidores. E no Brasil essa retomada teve peculiaridades ilustrativas do rebaixamento  
que a manipulação alcançou.  
De partida, é preciso reconhecer que o processo de objetivação do capitalismo  
no Brasil jamais pôde dispensar o estado como alavanca de primeira ordem. As  
variadas expressões ideais disso tiveram papel importante na história brasileira. Sob a  
alcunha (não sem problemas) de desenvolvimentismo, a herança intelectual está  
presente e emana de muitos lados. Intelectuais seguem ativos em sua produção,  
formando novas gerações. Em comum está o revigorado reconhecimento do papel  
necessário e potencialmente virtuoso do estado na dinâmica econômica. Houve  
recentemente até quem registrasse a “volta do estado planejador” como resposta ao  
“neoliberalismo”. Muitos desses formadores e formados possuem laços firmes e  
relações muito próximas com a atual presidência da república e com parte importante  
da burocracia estatal. Não vem ao caso nomeá-los ou desenhar suas redes de  
conexões. De todo modo, a elaboração de política industrial tendo o estado como  
planejador e articulador certamente receberia influência dessas gerações de  
intelectuais brasileiros, não fosse a predileção por fonte teórica estrangeira.  
A recente política industrial no país foi arquitetada por especializada burocracia  
estatal, inspirada no exemplo sul-coreano e em outras experiências, e por influência  
decisiva de intelectual estrangeira. Nessa última direção, as ideias de Mariana  
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Mazzucato já circulavam desde o começo da década de 2010 e chamavam a atenção,  
contrariamente às predileções ortodoxas, precisamente para o papel do estado como  
alavanca indispensável para inúmeros processos de inovação tecnológica. É algo  
também repetido à exaustão por aquelas gerações de intelectuais brasileiros durante  
décadas. Não há, pois, qualquer novidade em termos fundamentais nas ideias da  
autora ítalo-britânica nem evidências de superioridade analítica. Então, o que explicaria  
a influência tão notória na política industrial brasileira recente, em que um dos mais  
recentes livros da economista, o Missão economia (MAZZUCATO, 2022) original de  
2021 , orientou tanto normativa federal (BRASIL, 2023) quanto plano de ação  
(BRASIL, 2024) baseados em missões? É inusitado que o próprio léxico desses  
materiais governamentais tenha empregado explicitamente os termos registrados no  
material da autora.  
Nesse material da economista comparece a simplificação operacional: missão,  
meios, avaliação. Ocupou o lugar das análises dos “desenvolvimentistas” que,  
consideradas as suas limitações teóricas, seus tributos ao sincretismo e ao  
distributivismo que agora não vêm ao caso, debruçavam-se sobre a natureza do modo  
de produção capitalista, a subordinação econômica do país, seu frágil lugar nas cadeias  
globais de valor. Tornaram-se esfumaçadas as classes sociais, as relações de força em  
que se encontram os trabalhadores e a mediação do estado no quid pro quo do  
processo de acumulação. Restaram a colocação de finalidades prático-imediatas, a  
calibragem dos meios aos fins, a avaliação dos resultados e correções de rota; uma  
simplificação típica que frequenta os livros didáticos de introdução à administração  
nos campi afora. Talvez por isso mesmo, sem a mínima aproximação da natureza das  
coisas ou qualquer projeção de alteração estruturante do terreno econômico, é que  
essa hipérbole da manipulação de fatores superficiais tenha alçado notória influência  
na burocracia estatal (há afinidades intelectuais e de interesses, além disso). Os  
critérios objetivos de verdade, necessários a qualquer ciência, cederam lugar a um  
rústico operacionalismo. Segue firme assim o desconhecimento da “natureza específica  
do solo em que pisa”. Parece inabalável a desertificação ideológica na importação e  
repetição acrítica de ideário rebaixado que está bem aquém daquilo que o  
“desenvolvimentismo” mesmo pôde apresentar. Se o quadrilátero teórico foi  
enfraquecido, não foi para ser superado por algo mais altivo. A composição ganhou  
outro lado. É um pentágono teórico piorado que informa a leitura de realidade e as  
proposituras práticas diante dos problemas a serem enfrentados.  
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Talvez a forma geométrica em questão não se limite a cinco retas. Não seria  
muito prudente ignorar o companheiro de aventuras da manipulação, o irracionalismo  
antes rapidamente referido a partir das considerações de Chasin. Irracionalismo na  
qualidade de par, muitas vezes empavonado, como outra figuração da subjetividade  
renovada pelo prolongamento da utilidade histórica do capital. Essa figuração ganhou  
velhas e novas formas (FOSTER, 2023). Trata-se aqui de reconhecer as tendências  
irracionalistas e românticas que sempre acompanharão o capitalismo até seus últimos  
dias. Importante dizer que são tendências que não excluem qualquer posição no arco  
político do capital. Especialmente em se tratando da posição na esquerda desse arco,  
tem ficado muito patente a influência que esse ideário galgou em várias de suas  
expressões. Na falta de terminologias melhores, reconhecemos tais expressões nos  
assim chamados “identitarismo” e “ancestralidade”. São formas entregues ao  
relativismo mais simplório e anticientífico, de ancoragem subjetivista, que deixam o  
solo econômico integralmente de fora em preferência ao combate no campo moral e  
até espiritualno pior dos sentidos deste termo. E, o que é talvez ainda muito mais  
danoso, pretendem muitas vezes tirar poesia do passado numa malformada equação  
de variáveis tortas de que o “futuro é ancestral”, passando, portanto, por  
“progressismo” o que é no fundo uma seta para trás. Há aqui e ali, transbordando das  
universidades principalmente, indícios de que tais orientações informam as leituras de  
realidade e as propostas da novíssima esquerdacom presença na atual composição  
do governo. Não é, de fato, surpresa alguma, uma vez que as posições na esquerda  
do arco do capital há muito se fartam no banquete do irracionalismo que ainda hoje  
encontra em Nietzsche seu preferencial escudeiro. Ele, no entanto, não segue solitário.  
Mas não temos mais licença para estender essas considerações sumárias. Basta,  
para concluir, que apesar das modificações indicadas há também certa linha de  
continuidade do politicismo, e nela se encontra sua atualidade como freio antecipado”  
das consciências e “protetor da estreiteza econômica e política da burguesia” (CHASIN,  
2000, p. 124) que hoje flerta abertamente com as tendências reacionárias de suas  
sociedades. O prolongamento da utilidade histórica do capital, na ausência de  
alternativas entrevistas, cobra de todos os seus mais altos juros e nos condena, como  
Sísifo, a administrar eternamente nossa miserável pedra.  
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Como citar:  
CUNHA, Elcemir Paço. O “pavoroso deserto ideológico”: dos fundamentos à atualidade  
do ideário politicista na miséria brasileira. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp.  
352-384, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
384 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
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