Verinotio  
NOVA FASE  
28  
número 1  
2022.2/2023.1  
EDIÇÃO ESPECIAL  
30 anos de  
O futuro ausente  
Grupo de Pesquisa Marxologia: Filosofia e Estudos Confluentes/CNPq  
Curso de Serviço Social (Universidade Federal Fluminense - UFF - Rio das Ostras)  
REVISTA VERINOTIO  
NOVA FASE  
30 ANOS DE  
O FUTURO AUSENTE  
Edição Especial  
2022-2023  
VERINOTIO - REVISTA ON-LINE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS  
ISSN 1981-061X v. 28 n. 1 - Edição Especial, 2022/2023  
As opiniões emitidas em artigos ou notas assinadas são de responsabilidade  
exclusiva dos respectivos autores.  
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA  
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE  
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Milano Bicocca, Itália; Dr. Mario Duayer, in memoriam; Dr. Mauro Castelo Branco  
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Dr. Ricardo Lara, UFSC, Brasil; Dr. Ricardo Prestes Pazello, UFPR, Brasil; Dr.  
Ronaldo Rosas Reis, UFF, Brasil; Dr. Vinícius Gomes Casalino, PUC-Campinas,  
Brasil.  
SUMÁRIO  
Editorial ................................................................................................................................ VII  
Vitor Bartoletti Sartori  
30 anos de O futuro ausente  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no  
tratamento da política ..................................................................................................................... 3  
Vitor Bartoletti Sartori  
Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade: a análise do caso  
brasileiro .......................................................................................................................................... 86  
Ester Vaisman, Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Problemas selecionados em determinação social do pensamento .................................. 123  
Elcemir Paço Cunha  
J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”: explorando origens e  
consequências ..............................................................................................................................147  
Alexandre Aranha Arbia  
J. Chasin: a ontonegatividade da politicidade em Marx ...................................................... 183  
Ana Selva Albinati  
A crítica ontológica de Marx, 180 anos .................................................................................. 199  
Leonardo Gomes de Deus, Guilherme de Oliveira e Silva  
A crítica marxiana da política: seguindo as trilhas abertas pelo autor de  
O futuro ausente …………...…………..………………………………………………... 223  
Felipe Ramos Musetti  
Da observação da natureza como apreensão do conhecimento na passagem do primeiro  
ao segundo humanismo renascentista: uma continuidade do debate iniciado por J.  
Chasin n’O futuro ausente ........................................................................................................ 266  
Claudinei Cássio de Rezende  
J. Chasin e a determinação ontonegativa da politicidade …………………………..…. 282  
Sabina Maura Silva  
A natureza e a posição da política no quadro das atividades histórico-sociais:  
ontonegatividade da política e a ontologia do ser social ……………………..………. 300  
Ronaldo Vielmi Fortes  
Traduções  
Nueva literatura en Rusia (1927) ............................................................................................. 333  
Walter Benjamin  
Artigos  
Acerca de “Nueva literatura en Rusia” de Walter Benjamin (1927) .................................. 342  
Érica Brasca, Tomás Sufotinsky  
Lukács y Coutinho: lecturas sobre Kafka. Una confluencia asincrónica ............................ 354  
Emiliano Orlante  
Renovação do agnosticismo pela “epistemologia fronteiriça”: convergências entre a  
filosofia da vida da fase imperialista e a teoria decolonial do conhecimento de W.  
Mignolo ......................................................................................................................................... 369  
Lara Nora Portugal Penna  
DOI 10.36638/1981-061X.2020.28.1.677  
Editorial  
Vitor Bartoletti Sartori  
Publicamos o atual número no momento em que a esquerda brasileira comemora  
o início do terceiro mandato de Lula. Do ponto de vista da maioria daqueles que  
apoiaram a candidatura, qualquer tom crítico quanto ao presente poderia parecer  
“fazer o jogo da direita”; a primeira coisa a se dizer é: não nos enquadramos entre  
esses setores. Este número duplo da Verinotio (relativo ao segundo semestre de 2022  
e ao primeiro de 2023) é uma denúncia da miséria intelectual em que nos encontramos  
hoje. E, assim, essa publicação que sai ao mesmo tempo em que o primeiro livro das  
Edições Verinotio, O futuro ausente, de J. Chasin parte da convicção que a capitulação  
diante do presente está no cerceamento da crítica e em fechar os olhos diante da  
ausência de perspectivas e de posicionamentos teoricamente fundamentados.  
É necessário dizer de modo explícito: as chamadas esquerdas foram essenciais  
para a derrota eleitoral – e destacamos o “eleitoral” – do projeto de extrema-direita  
de Bolsonaro, dos militares etc. Isso não é pouco, certamente. Sem o protagonismo  
daqueles à esquerda, a vitória bolsonarista seria certa. Nesse sentido, tem-se um  
respiro.  
O respiro diante de uma situação sufocante, porém, traz também a urgente  
necessidade de preparação para o que se segue e que ainda precisa ser compreendido  
com cuidado. Ou seja, o alívio imediato não pode se confundir com o caminho para  
que se rompa com a miséria material e intelectual que marca o Brasil e o mundo atuais.  
A embriaguez com a vitória eleitoral corre sempre o risco de encobrir a derrota social  
a que a perspectiva do trabalho vem sendo submetidas diuturnamente há muito tempo.  
Nesse sentido, a atitude mais perigosa no momento é acreditar que, agora, as coisas  
se colocam nos eixos, depois de um desvio meramente circunstancial. Tal ilusão pode  
ser muito perigosa. Acreditamos que este número duplo da revista também é um alerta  
sobre isso, e sobre o modo insuficiente, por vezes descuidado, pelo qual pensamos  
(nós todos inclusos, evidentemente) o modo de produção capitalista em sua figura  
contemporânea.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, “30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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nova fase  
Editorial  
Os textos da presente Verinotio estão divididos em três sessões: 1) dossiê sobre  
O futuro ausente, de J. Chasin; 2) Tradução de um texto de Walter Benjamin sobre a  
literatura soviética posterior à Revolução Russa de 1917; 3) Artigos de tema livre. Os  
textos falam por si mesmos, de modo que não cabe resumi-los ou explaná-los nesse  
espaço. Porém, há de se destacar alguns pontos mais gerais sobre a nossa orientação  
editorial.  
O primeiro deles é a necessidade de publicação dos clássicos do marxismo, como  
Walter Benjamin. Mesmo que a revista não se alinhe diretamente com a teorização  
benjaminiana, é necessário reconhecer a qualidade do autor, sua seriedade e o  
comprometimento de seus textos com a escavação da realidade do capitalismo. Ou  
seja, o clubismo, o “Fla-Flu”, inerente a grande parte da academia nacional e  
internacional, não pode ter espaço quando se trata de tentar manter o primor na  
qualidade editorial.  
Segundo ponto: a discussão e o embate de qualidade precisam ser estimulados.  
Os dois textos de tema livre que publicamos tratam de debates estéticos, os quais  
poderiam ser julgados muito distantes das classes trabalhadoras; e, novamente, é  
preciso pontuar: não compartilhamos de quaisquer ímpetos imediatistas quanto à  
função social das formações ideais. Somos partidários dos debates de qualidade sobre  
os grandes problemas que marcam os rumos do gênero humano, como aqueles  
colocados na arte.  
Por fim, deve-se dizer que, no dossiê que aqui publicamos, o presente número  
traz debates que partem das teorizações de J. Chasin. Trata-se de um autor que muitas  
vezes é criticado sem qualquer conhecimento sobre sua obra. Não raro, confunde-se,  
por exemplo, determinação ontonegativa da politicidade com o abandono da política,  
com o abstencionismo e com uma espécie de consciência infeliz (mesmo que os  
detratores do autor, não raro, nem sequer saibam alguma coisa sobre essa figura  
mencionada). Sobre isso, acreditamos que qualquer pessoa que se disponha a ler esse  
número e o livro O futuro ausente perceberá que tais posicionamentos carecem  
completamente de fundamento.  
Os textos aqui reunidos mostram como as determinações do pensamento  
chasiniano estão, em seus fundamentos, no próprio Marx. E mais: não só nas obras  
dos anos 1843-44, para as quais os marxistas althusserianos torcem o nariz, mas  
também em textos como os Grundrisse, A guerra civil na França e O capital, dentre  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. VII-X - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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Editorial  
outros. Que seja possível discordar disso, não achamos impossível. Porém, para fazer  
isso, é necessário confrontar as citações marxianas, o estudo do pensamento de Marx  
e os desenvolvimentos que foram propiciados pela pessoa e pela obra de Chasin, bem  
como por aqueles que o seguiram.  
Até agora, no entanto, a tática adotada diante do filósofo paulista e de suas  
teorizações foi quase unânime: trata-se de uma conjunção de ataque a um espantalho  
dolosa e vergonhosamente construído e da guerra do silêncio, que, não raro, passa  
longe de ser inocente. Ou seja, para dizer o mínimo: o rechaço da posição chasiniana  
não foi realizado com honestidade intelectual e com o crivo do debate público de  
qualidade.  
Dentre outras coisas, acreditamos que esse debate que precisa ser resgatado; a  
regeneração (para que se use uma expressão de Marx, que quase nunca é lembrada)  
dos embates de qualidade na esquerda é uma necessidade do presente. Sem ela, na  
melhor das hipóteses, gira-se em falso, enquanto a direita e extrema-direita ganham  
fôlego, ocupam espaços e tomam a dianteira na formação de uma consciência de  
massa. Se o velho mouro disse que é necessária a formação de uma consciência  
comunista de massa, é preciso que reconheçamos que estamos muito longe disso.  
Certamente, isso ocorre devido à configuração do capitalismo atual, que ainda precisa  
ser compreendido devidamente. Porém, dentro dessa configuração, estão também as  
posições desenvolvidas à esquerda. Até agora, elas vêm sendo parte do problema, de  
modo que Chasin foi duro: trata-se da pseudoesquerda, da esquerda morta. Talvez  
seja preciso digerir essa enorme derrota sem nunca recair em abstencionismo para  
que possamos avançar.  
Para que isso seja possível, há de se destacar, também, como os textos aqui  
trazidos deixam claro: há desenvolvimentos originais do autor de Marx: estatuto  
ontológico e resolução metodológica que precisam ser debatidos. Seria possível trazer  
vários exemplos, mas o momento atual de nosso país faz com que mencionemos a  
teorização chasiniana sobre a miséria brasileira. Ela tem especificidades que fazem  
com que precise ser estudada a fundo; também é uma exclamação contra a adoção  
acrítica de modelos prontos para se tratar da realidade e da particularidade nacional  
do capitalismo brasileiro.  
Por isso, acreditamos que a leitura do presente volume duplo, bem como de O  
futuro ausente, pode ser uma modesta contribuição diante da situação em que se  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. VII-X - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| IX  
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Editorial  
encontra o Brasil. Debates teóricos de qualidade, estudo da obra do próprio Marx,  
bem como dos clássicos, compreensão do ser-propriamente-assim do capitalismo  
contemporâneo, nacional e internacional, são o mínimo para que possamos avançar.  
Caso fiquemos repetindo as cantilenas do passado e torcendo para que finalmente  
tenham efeito, não nos diferenciaremos muito de religiosos, na melhor das hipóteses,  
heréticos. Também não teremos moral alguma para criticar aqueles que procuram  
retomar de modo acrítico ídolos do passado e momentos do passado. É preciso atacar  
a tentativa de resgatar a ditadura militar de 1964, bem como os militares: é óbvio.  
Porém, fazer isso com uma espécie de oscilação entre a esperança e o medo, oscilação  
essa que se nutre da nostalgia quanto aos momentos supostamente áureos da  
esquerda do século XX é, no mínimo, ilusório. Não queremos simplesmente jogar um  
balde de água fria naqueles que estão esperançosos quanto ao presente; intentamos  
o mínimo que se pode exigir da esquerda: autocrítica, debate de qualidade,  
compreensão fundamentada sobre o passado e sobre o presente e, por fim, um  
posicionamento firme contra o sistema capitalista de produção. Tomar os anos de  
2002 a 2016 como um modelo é a antítese direta disso. Tentar simplesmente resgatar  
os bons tempos do marxismo do século XX também não é solução. Para que se possa  
refletir sobre um futuro ausente, sobre a crítica da política e a necessidade da luta pela  
emancipação humana, oferecemos ao público o presente número, bem como o texto  
de J. Chasin.  
Belo Horizonte, março de 2023  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. VII-X - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.672  
O futuro ausente no presente: o pastiche do  
politicismo e a unilateralidade no tratamento da  
política  
The lack of future: the pastiche of the politicism  
and the unilaterality on politics  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Resumo: analisaremos O futuro ausente, de J.  
Chasin. Intentamos demonstrar a atualidade  
desse texto em um momento em que, na melhor  
das hipóteses, aquilo criticado pelo autor é visto  
como solução pela autoproclamada esquerda.  
Para tanto, analisaremos a correlação colocada  
entre ontologia e política na atualidade.  
Posteriormente, mostraremos que Chasin analisa  
o melhor da concepção ontopositiva da política  
com o fim de explicar a gênese e a estrutura do  
pensamento político, bem como da própria  
política. Por fim, pretendemos deixar claro que O  
futuro ausente é um importante ponto de partida  
para a crítica ao presente, embora não seja  
suficiente para tanto. Caso se leve a sério os  
apontamentos do filósofo paulista, há ainda um  
longo caminho a ser percorrido.  
Abstract: we will analyze The lack of future, by  
J. Chasin. We intend to demonstrate the  
relevance of this text at a time when, at best,  
what is criticized by the author is seen as a  
solution by the self-proclaimed left. To do so,  
we will analyze the correlation between  
ontology and politics today. Later, we will show  
that Chasin analyzes the best of the  
ontopositive conception of politics to explain  
the genesis and structure of political thought, as  
well as politics itself. Finally, we intend to make  
it clear that The lack future is an important  
starting point for the critique of the present,  
although it is not sufficient. If the São Paulo  
philosopher are taken seriously, there is still a  
long way to go.  
Keywords: Chasin; Marx; critique of politics;  
ontonegative determination of politicity; The  
absent future.  
Palavras-chave: Chasin; Marx; crítica da política;  
determinação ontonegativa da politicidade; O  
futuro ausente.  
O futuro ausente como nosso contemporâneo  
O futuro ausente, certamente, é nosso contemporâneo. E, pode-se mesmo dizer:  
isso perfaz uma infelicidade, mesmo que já anunciada há tempos. Em primeiro lugar,  
isso diz respeito à atualidade com a qual aparece o diagnóstico de J. Chasin segundo  
o qual, sua época “não é o fim dos tempos, mas é o tempo das crises” (CHASIN, 2012,  
p. 60).  
Longe de se ter a realização de um cosmopolitismo pungente e marcado pela  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre  
em história social pela PUC-SP e doutor em teoria e filosofia do direito pela USP. E-  
mail:vitorbsartori@gmail.com.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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Vitor Bartoletti Sartori  
paz, como previram os apologetas liberais do início dos anos 1990, temos diante de  
nós algo muito distinto: as crises e as guerras que, em verdade, já davam a tônica  
do desenvolvimento societal do capital na época em que o texto foi escrito são  
corriqueiras e, talvez, possa-se até mesmo dizer, algo que vem se apresentando com  
certa tendência de permanência até então. Trata-se da “radicalidade alcançada pelo  
drama imanente aos tempos do capital” (CHASIN, 2012, p. 60). Hoje, em nível mundial,  
isso é visível.  
Deve-se ressaltar que tal diagnóstico, bem como o acerto dele, refuta claramente  
as modernidades reflexivas de autores como Ulrich Beck ou (de modo mais cínico)  
Anthony Giddens. A impotência prática da União Europeia, ou de qualquer aliança  
como a ONU ou a Otan diante das crises, e das guerras, também explicita a  
impossibilidade da alguma espécie constelação pós-nacional, como a prevista por  
Jürgen Habermas.  
O posicionamento chasiniano, porém, não traz consigo qualquer catastrofismo,  
como aquele que defende uma espécie de “colapso da modernização” à Kurz ou  
mesmo o que ocorre em certas leituras de Mészáros sobre a “crise estrutural do  
capital”. Para nosso autor, o futuro está ausente; ele não é uma configuração do  
apocalipse, “não é o fim dos tempos, mas é o tempo das crises” (CHASIN, 2012, p.  
60). De certo modo, tanto os diagnósticos mais cosmopolitas e, de certo modo,  
próximos do liberalismo (Beck e Giddens, em nossos exemplos), quanto aqueles do  
“pós-marxismo” de Kurz, ou que, como o autor de Para além do capital, enxergam uma  
espécie de crise terminal (mesmo que de longo ou longuíssimo prazo “se tivermos  
sorte”) acabam trazendo algo próximo de certezas que não necessariamente eram  
possíveis na época, ou mesmo hoje.  
Talvez, e esse é um ponto importante para a análise marxista, olhando  
retrospectivamente, seja preciso se questionar se a coruja de Minerva já levantou voo;  
colocando em outros termos: as contradições do sistema capitalista de produção, em  
sua figura atual, já foram suficientemente explicitadas? Os agentes sociais capazes de  
subverter a ordem do capital já estão presentes de modo claro? Tais aspectos são  
importantes pois meramente repetir o que foi dito por Marx não resolve as  
contradições de uma época. Se é verdade que o autor de O capital pode ajudar muito  
nessa tarefa, igualmente certo é que é preciso voltar-se à compreensão do capitalismo  
contemporâneo.  
Verinotio  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Isso é algo que precisa ser respondido antes de qualquer posicionamento firme  
sobre os limites do desenvolvimento do capital. Deixar as portas abertas para esse  
questionamento foi um dos méritos de Chasin. Ele ressaltou a necessidade da  
“emergência de um agente social interessado em subverter muito mais do que as  
simples mazelas da falsa esquerda” (CHASIN, 2001, p. 26). E, assim, trouxe a aversão  
a qualquer dogmatismo, ao mesmo tempo em que sempre destacou a importância de  
se voltar a Marx.  
É preciso destacar isto: em um momento em que o marxismo vulgar ainda trazia  
o proletariado moderno como uma espécie de mito, Chasin questiona sobre o agente  
social interessado. E, se hoje são comuns reformulações sobre o tema, é preciso que  
se destaque os méritos do autor de Rota e prospectiva sobre o assunto. Ele não cai  
no otimismo de alguém como Gorz, também não procura respostas prontas em  
categorias demasiadamente amplas, plásticas e que têm uma configuração um tanto  
quanto esquiva, como “classe-que-vive-do-trabalho” ou “precariado”. E, com isso, O  
futuro ausente tem a coragem de questionar não só sobre o surgimento de um agente  
social interessado, mas também se, ao fim, a coruja de Minerva já levantou voo real e  
efetivamente.  
Algo que deveria ser óbvio para um marxista nem sempre é: o desenvolvimento  
das forças produtivas, bem como das relações de produção nem sempre tem uma  
conformação que explicita claramente as oposições de uma época. Engels mostrou  
como que, com os socialistas utópicos, isso aconteceu; Lukács acreditou que sua época  
trazia certa revolta contra a manipulação que seria análoga ao que acontecera  
anteriormente com os ludistas em um cenário em que a subsunção ao capital atingia  
os serviços, bem como o tempo livre das classes trabalhadoras. Ou seja, para o autor  
húngaro, as contradições de sua época não estavam claras aos marxistas, assim como  
não estiveram aos ludistas. E, em nosso ponto de vista, é preciso ter muita coragem  
para fazer uma afirmativa desse calibre. Chasin, dentre outros méritos, traz esse  
questionamento para seu tempo, explicitando, inclusive, que a configuração do  
proletariado moderno ao menos como trazida ao marxismo vulgar passava longe  
de ser hábil a trazer o revolucionamento das relações de produção. Assim, nosso autor  
trata da política tendo em conta aquilo que aparece como uma aporia de seu tempo.  
E isso é feito com a mente aberta à compreensão da real tessitura do presente, que  
não teria sido realmente desvendado destacamos nós , tal qual ocorreu na época  
de Lukács. O entendimento dessa situação, condição necessária para qualquer  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 5  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
transformação substantiva da realidade, é que reivindica o filósofo paulista. Isso  
deveria ser o mínimo para um marxista, aliás.  
Porém, de acordo com o autor que aqui tratamos, não é isso que ocorre.  
Outra questão importante: o autor de O futuro ausente sempre foi alguém que  
analisou a especificidade nacional e a conjuntura nacional e internacional. Com isso,  
suas análises foram realizadas com sólidas bases teóricas e com um profundo senso  
de realidade. Tal ímpeto, acreditamos, é mais que necessário hoje. Talvez, ele seja  
essencial para que possa haver um posicionamento firme contrário à imposição da  
reprodução ampliada do capital, e para a compreensão da real tessitura dessa, em  
seus meandros, especificidades e modo de reprodução nacional e internacional. Com  
isso, seu senso teórico sempre esteve relacionado à busca pela atividade capaz de  
revolucionar e subverter a sociedade capitalista, que precisa ser entendida em sua  
peculiaridade epocal.  
Ainda sobre esse ponto, é preciso destacar que ele está intimamente relacionado  
com o anterior. A compreensão do processo de autovalorização do valor é uma  
condição para a superação do modo de produção capitalista. E, se a coruja de Minerva  
não levantou voo realmente, há ainda um trabalho (preparatório) importante nesse  
campo. Não que não existam esforços importantes nesse sentido. Porém, é preciso se  
questionar se algum texto que busca o entendimento do capitalismo contemporâneo  
possui pretensões amplas e totalizantes como aqueles de Rosa Luxemburgo,  
Hilferding, Baran, Sweezy e, mais recentemente, Mandel. Trata-se de autores que  
trazem um diagnóstico cuidadoso de suas épocas. E, quanto a isso, é preciso delinear:  
o tratamento sobre aspectos de nossa época existe, claro. Existem certamente  
abordagens sobre a financeirização, sobre a precarização das garantias e dos direitos  
da classe trabalhadora, sobre certa mudança geográfica do desenvolvimento do  
capital, sobre a taxa de lucro, sobre a produção destrutiva etc. Porém, será que  
dispomos de uma análise cuidadosa e totalizante como aquelas dos autores  
mencionados acima sobre o capitalismo em sua fase atual? Se é verdade o que diz  
Chasin, talvez não dispuséssemos em sua época. E, salvo engano, ainda não temos  
ainda. E isso talvez possa ser explicado, inclusive, pelo não desenvolvimento e  
conformação de um agente social interessado na transformação substantiva e  
qualitativa das relações sociais de produção do capitalismo contemporâneo. Não  
podemos entrar aqui nessa querela, que renderia importantes debates. Porém,  
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nova fase  
O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
precisamos destacar: um dos méritos do texto chasiniano é colocar tais questões  
incômodas, que precisam ser pensadas de modo rigoroso e coletivo, para que o  
exercício teórico mantenha seu ímpeto prático.  
Retomemos, assim, à atualidade do texto: ao se voltar os olhos para a política, é  
claro que algo como as supostas terceiras vias (seja no perfil dos Walessa, seja com  
Tony Blair e cia.), muito propagadas na época em que Chasin escreve seu texto,  
acabaram por se mostrar como retumbantes fracassos, como, aliás, não poderia deixar  
de ser. A tão festejada (à época) globalização, por sua vez, sequer é mais mencionada  
como algo que tenha qualquer potencialidade minimamente progressista. Ela quase  
que desaparece do repertório das ciências sociais, que não tardam a trazer novos  
termos, não raro, tão questionáveis quanto esse. Ao se ter em conta as soluções  
políticas para um futuro ausente, porém, deve-se lembrar: formas econômicas e  
políticas subsumidas ao capital e que se apresentem enquanto alternativas não faltam.  
Elas possuem até mesmo certa funcionalidade na reprodução ampliada do modo de  
produção capitalista, mas não deixam de ser vistos como alternativas reais. À esquerda,  
com base em uma pseudoesquerda (CHASIN, 2001), basta pensar na esperança que  
certa “esquerda” nutre pelo governo português, ou mesmo pelo “capitalismo andino”  
da Bolívia ou pelo “socialismo do século XXI” presente na Venezuela. Se nos voltarmos  
à direita, a posição defensiva diante do avanço da extrema-direita (como Macron na  
França) e a própria extrema-direita não deixam de reativar as esperanças de muitos.  
Tais situações não podem deixar de ser consideradas caso pretenda-se entender como  
que, mesmo com as crises de todos os gêneros, continua muito difícil convencer de  
que, em verdade, é necessária a transformação radical (a supressão) do próprio modo  
produção. E isso tem ligação com o que falamos anteriormente: precisamos pensar se  
a coruja de Minerva levantou voo e se está presente efetivamente um agente social  
interessado na compreensão e na supressão das determinações essenciais do modo  
de produção capitalista em sua face atual.  
E há certamente um elemento teórico que se coloca nestes meandros. A  
teorização sobre a atividade política diuturna, não raro, ainda parte das mesmas bases  
que eram moda intelectual na época de J. Chasin. O nível teórico, porém, ainda é pior  
do que na época do autor e é preciso lembrar que, de acordo com Ad Hominem: rota  
e prospectiva, “o império do baixo nível é o reino da contrarrevolução. Não se faz  
respeitar pelos adversários, não se impõe aos inimigos e simplesmente ilude a  
militância despreparada” (CHASIN, 2001, p. 49). A impotência das vertentes políticas  
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Vitor Bartoletti Sartori  
é tanto maior quanto mais voluntarista é e quanto mais adstringe a teoria para inflamar  
a militância. Essa última, aliás, é numericamente ínfima perto do que se tinha na época  
em que O futuro ausente foi escrito. No campo mais propriamente da teoria, mesmo  
que se trate de pastiches de seus similares do passado, no Brasil, por exemplo, o  
chamado neodesenvolvimentismo em verdade, a implementação de programas  
sociais aprovados, inclusive, pelo FMI e pelos agentes financeiros internacionais, bem  
como a aposta no agronegócio e na exportação de commodities, como bem mostrou  
Cláudio Katz (2016) , vigente no lulismo, parece nos trazer certa nostalgia daquilo  
que supostamente poderia supostamente ter sido e não foi. Trata-se de uma conjunção  
fraca entre as sombras de certo nacionalismo e certo estatismo do passado, que são  
temperados com uma pitada de social-liberalismo. Esse último, aliás, era característico  
dos adversários políticos de Lula à época, como FHC (cf. CHASIN, 2001). E, hoje, na  
melhor das hipóteses, Lula procura fazer um papel social-liberal.  
Aos olhos da “esquerda”, retrospectivamente, com artifícios fenomenológicos  
que fariam inveja ao mais obstinado fenomenólogo, parece ser possível colocar entre  
parênteses todos os elementos da miséria brasileira e as mazelas perpetuadas,  
reafirmadas e reforçadas durante os governos petistas. Assim, de certo modo, diante  
da afirmação da barbárie bolsonarista, tornamo-nos todos idealistas, quer se queira,  
quer não. O artifício tão criticado por Lukács em sua crítica à fenomenologia acaba por  
fazer parte da consciência de esquerda que nos ronda e se afirma para que haja  
esperança depois do que se passou nos últimos 4 anos e que veio se desenvolvendo  
em meio à autocracia burguesa institucionalizada. O nominalismo e o voluntarismo da  
pseudoesquerda, criticados por Chasin em Rota e prospectiva, são vistos quase que  
como uma obrigação militante.  
Na prática, aquilo que se vislumbra no futuro é tão carente de perspectivas que  
se acaba por fechar os olhos diante daquilo que, para um marxista, deveria constituir  
as maiores obviedades. Qualquer “esquerda” – mesmo que de esquerda não tenha  
mais nada e mesmo que se associe com todas as alas da direita não autocrática é  
melhor do que o desenvolvimento explícito do bonapartismo, da autocracia burguesa  
bolsonarista.  
Mas não há como deixar de perceber que tal programa que busca a qualquer  
custo a institucionalização jurídica da autocracia e não traz uma posição frontalmente  
contrária ao capitalismo traz consigo a fórmula para o fracasso e para o esvaziamento  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
da esquerda, que parece estar morta, e quer mostrar seu atestado de óbito ao  
mercado.  
Esses últimos anos foram tão brutais que o tom com que usual e cotidianamente  
se fala dos anos dos governos petistas uma vertente da autocracia burguesa  
institucionalizada não deixa de ser romântico. E mais: como verdadeiros  
proudhonistas, e levados pela situação extrema do Brasil hoje, por vezes, procuramos,  
como pseudoesquerda que nos tornamos, separar o “lado bom” do “lado mau” daquilo  
que vivenciamos no passado recente. Diante as regressões pungentes do  
bolsonarismo vertente que clara e explicitamente busca uma forma de autocracia  
burguesa bonapartista , a esperança de que se retome o caminho da política  
democrática e do estado democrático de direito (sic!) nos invade. Nesse sentido, as  
esperanças em Walessa, em Blair, na globalização etc. não parecem tão ingênuas assim  
se olharmos por esse ângulo. A miséria de nosso presente é ainda pior. E ela marca  
mesmo aqueles que pretendem ser seguidores dos ensinamentos de Marx, que, tal  
como na época de Chasin, tendem a trazer uma concepção absolutamente unilateral  
sobre a política, ou seja, justamente sobre o tema tratado em O futuro ausente. E, que  
fique claro: não basta entoar a crítica chasiniana à política para que escapemos dessa  
miséria. Isso pode até mesmo conformar um passo, mas as determinações que se  
impõem são objetivas e perfazem um futuro anunciado anteriormente no texto  
chasiniano e que, para ser compreendido, precisa tanto de mais estofo teórico do que  
dispomos no momento quanto da “emergência de um agente social interessado em  
subverter muito mais do que as simples mazelas da falsa esquerda” (CHASIN, 2001,  
p. 26). Como não poderia deixar de ser, trata-se de algo que diz respeito à  
conformação concreta da própria realidade e, assim, não prescinde de uma crítica a  
essa realidade social mesma, para que se use a dicção de Chasin, de uma crítica  
ontológica.  
Que derrotar o bolsonarismo, bem como qualquer tentativa de bonapartismo, é  
necessário, conforma uma obviedade. No entanto, as possibilidades disponíveis para  
isso até agora, e que envolvem a nostalgia pelo que supostamente poderia ter sido e  
não foi, não trazem grandes possibilidades, em verdade. Por enquanto, encaminham-  
nos, na melhor das hipóteses, para ilusões há muito refutadas pela realidade brasileira.  
Sobre a relação entre PT e FHC, disse Chasin anteriormente: “a diferença entre  
FHC e o PT: politicismo com alianças X politicismo sem alianças” (CHASIN, 2001, p.  
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36). Não vamos aprofundar aqui a relação entre os partidos na época de O futuro  
ausente. Também não podemos explicitar a crítica chasiniana ao politicismo de ambos  
os partidos. Porém, a afirmativa acima não deixa de ser cômica hoje... os compromissos  
e as negociações são hoje, como foram nos anos recentes o ponto de partida da  
política petista, e, em especial, lulista. Nesse campo, também entra o clamor petista –  
na época em que o filósofo paulista escrevia por uma política ética (CHASIN, 2001).  
Aquilo que Chasin já havia visto como uma espécie de oxímoro hoje ainda permanece,  
mas somente como simulacro. Tanto à esquerda quanto à direita, critica-se a  
corrupção. E o tom moralista e vazio de tal crítica só espanta aqueles que não  
compreendem minimamente a estruturação de um capitalismo de via colonial, que  
oscila entre autocracia burguesa institucionalizada e bonapartismo. Ou seja, a situação  
hoje é ainda pior. E mais: se a ética na política era o clamor daqueles que defendiam  
a democracia (termo que mesmo na época já estava bastante esvaziado), hoje,  
democracia vira sinônimo de estado democrático de direito, ou seja, da defesa da  
institucionalização jurídica vigente, seja ela qual for. Assim, o clamor democrático e  
político de hoje é ainda mais manipulatório que à época.  
E, sobre a negociação, a política e a impossibilidade de uma política ética, diz  
nosso autor algo bastante importante para nosso tema:  
A negociação é a grandeza e a miséria da política. Grandeza por  
reconhecer contraditórios e postular a via racional de sua resolução.  
Miséria, porque a natureza de suas resoluções é sempre a prática da  
conciliação, não podendo nunca levar a contradição até o fim e nessa  
rota solucioná-la, mas apenas a contorna, de modo que ela retorna  
mais adiante. A negociação é algo como uma protelação, por  
impotência resolutiva, à espera de uma solução futura, que a  
ultrapassa e não depende dela. (CHASIN, 2001, p. 39)  
A protelação é o máximo que conseguimos esperar, ao que parece. O  
reconhecimento dos elementos contraditórios, que é o mérito da política (como, aliás,  
mostra Chasin ao tratar de Maquiavel e da relação entre contradição e contraposição),  
leva à tentativa à longo prazo impossível de conciliação. A via racional de resolução,  
assim, deságua na necessária irresolução da contradição na atividade adstringida e  
forçada a oscilar entre polos igualmente impotentes. A negociação, bem como os  
conchavos, assim, aparece como o dia-a-dia e vida da política. A solução futura é  
esperada, assim, não como um ato racional, mas como um ato irracional de fé. A  
postulação da via racional para a resolução das contradições sociais, no caso, leva  
justamente a uma razão atrofiada e, no limite, ao irracionalismo. A aposta política no  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
compromisso, tal qual a revolta moral quanto aos compromissos políticos e éticos são  
duas faces de Jano. Elas podem trazer diferenças entre si, certamente. Porém, suas  
bases são comuns e conformam uma aposta na política como campo resolutivo dos  
conflitos e contradições sociais inerentes ao sistema capitalista de produção, todos  
eles, tomados como pressuposto insuprimível.  
O desenrolar prático dessa trama, hoje, leva-nos a certas mudanças em relação  
à época em que O futuro ausente é escrito: as novidades, aliás, não são nada  
animadoras, como a conversão antigo tucano a “camarada Alckmin”. Se formos ser  
muito bondosos extremamente, em verdade tem-se a reafirmação das teorizações  
da velha analítica paulista e da nova esquerda, já criticadas por Chasin. E, assim, parece  
que a solução está em lutar contra a “dependência”, e contra os “populismos de  
direita”, com suas soluções “autoritárias”. O programa econômico para isso, aliás,  
precisaria ser incerto (as eleições sempre vêm em primeiro lugar!); sequer parece ser  
possível propor um pastiche do desenvolvimentismo (ou mesmo do  
“neodesenvolvimentismo” de outrora). No entanto, não há dúvidas que, na melhor das  
hipóteses, um programa econômico da autoproclamada esquerda estaria baseado em  
uma espécie de marginalismo econômico, mesmo que (com sorte!!), para que se use  
um eufemismo, “heterodoxo”. Sejamos claros: 2002 não foi 1989, assim como 2022  
não é; mas a esperança de hoje, por incrível que pareça, depois de tudo que já  
passamos, continua a mesma: queremos, como pseudoesquerda idealista que nos  
tornamos, o governo Lula que viria da eleição de 1989. A tentativa de se retomar uma  
espécie de fundação perdida da república é clara entre nós; se em Maquiavel isso ainda  
podia fazer sentido, como demonstrou Chasin em O futuro ausente, agora, isso não  
passa da miséria da “esquerda”, que se comporta como um cadáver insepulto e não  
traz consigo quaisquer tendências afirmativas, mesmo que diuturnamente diga o  
contrário.  
Trata-se de uma “esquerda” que parece ter se convertido à teoria dos atos de  
fala de Austin, por mais que possa eventualmente propagar o contrário. Tal elemento,  
de certo nominalismo, já havia sido criticado por Chasin em Rota e prospectiva. Hoje,  
porém, a questão se coloca de tal modo que, não raro, a pseudoesquerda efetivamente  
adota Austin, bem com outros autores da filosofia da linguagem, como referencial. A  
ironia chasiniana, bem como o caráter jocoso de sua crítica não são mais possíveis  
nesse caso.  
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Aliás, diante desse cenário em que se tem um pastiche de uma “esquerda” que  
já era, de certo modo, um pastiche da década de 1950 (CHASIN, 2001), nada mais  
lógico que uma boa dose de voluntarismo e de esperança para tapar a ausência de  
uma teorização sólida. Sem a apreensão dos limites da política, envolta em  
negociações das mais atrozes, e sem uma teorização e uma abordagem da economia  
que ultrapasse os modelos vigentes ainda na época em que O futuro ausente foi  
escrito, oscila-se entre o medo e a esperança; a vontade política parece ser o essencial.  
Caso ela não prospere, tanto pior para os fatos (fatos esses que parecem não ser  
compreendidos). Na próxima vez, basta afirmá-la com mais ênfase, vontade e torcer  
para que as coisas sigam seu curso supostamente natural. Certo sentimento de que  
basta retomar as coisas ao normal é vigente na medida mesma em que a normalidade  
de um país que nasce e se desenvolve com uma via colonial de entificação do  
capitalismo não pode ser a mesma do suposto Ocidente democrático. Em uma  
formação social marcada pela autocracia burguesa, dizer que a democracia é algo  
natural é um sintoma de despreparo para enfrentar as contradições sociais, no mínimo.  
Dizemos tudo isso para esclarecer que Chasin escreveu seu texto em um  
momento em que a chamada redemocratização trazia uma onda de otimismo (e  
esperança) quase que generalizadas. É verdade, porém, que isso acontecia enquanto  
nosso autor não deixou de destacar que “a institucionalização da autocracia burguesa  
é a expressão jurídica do politicismo, enquanto o bonapartismo é sua expressão  
explicitamente armada” (CHASIN, 2000, p. 27). Ou seja, havia otimismo mesmo que  
isso se desse sem uma base concreta digna de tanto. A institucionalização da  
autocracia burguesa trazia a manutenção da miséria brasileira. Hoje, no entanto, o  
fracasso da Nova República, ou seja, da autocracia burguesa institucionalizada que  
sucedeu o bonapartismo dos militares, é um fato: em verdade, as viúvas da ditadura –  
como jocosamente chamávamos aqueles nostálgicos pela barbárie posterior ao golpe  
de primeiro de abril não podem mais ser referidas simplesmente em tom de chacota.  
Elas ainda estão no poder, e a reafirmação da “revolução democrática de 1964” (sic!)  
é feita às claras. E o pior é que não se trata somente de posicionamentos de militares  
de pijama e dotados de comprimidos azuis à vontade.  
Em verdade, isso, de certo modo, é alimentado pela própria (autoproclamada)  
“esquerda”, que não cessa de repetir fórmulas da época, com certo saudosismo: a  
reafirmação diuturna, e em forma de pastiche, do quadrúpede teórico (CHASIN, 2001)  
nos programas políticos à esquerda procura resgatar justamente a leitura política que  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
foi desenvolvida às vésperas do fim do regime militar. E, é preciso que se diga: tal  
leitura não avançou um milímetro. Em verdade, se formos olhar com algum cuidado,  
notamos que ela recuou significativamente. E, assim, o futuro não só se mostrou como  
ausente, mas expressa-se como farsa, em grande parte, consciente de sua falsidade.  
Resta somente a ritualística e a crença no poder das palavras de ordem vazias de  
outrora.  
Tem-se, em verdade, certa nostalgia quanto a uma derrota menos vergonhosa.  
Aliás, as derrotas enormes e significativas da classe trabalhadora brasileira nas  
últimas décadas fazem com que os espaços antes ocupados por organizações  
populares sejam tomados pela direita. Essa última posa cada vez mais raivosa.  
Enquanto isso, a “esquerda” finge que perdeu esses espaços por uma simples  
contingência, advinda de alguma conspiração nacional e internacional; com isso, com  
muito custo, parece ser possível manter certa dignidade. A “esquerda” mantém certa  
pose repetindo formulações que já foram criticadas por Chasin de modo duro e que  
não foram revisitadas de modo crítico em hipótese alguma. Fazer isso, batendo no  
peito, e bradando palavras de ordem que parecem ter uma força mágica, é o que  
parece restar diante da ausência de compreensão da própria realidade. A direita, por  
outro lado, avança dizendo exatamente ao que veio e proclamando com todas as letras  
que a solução está na autocracia bonapartista.  
Não se trata somente de pose. Não se pode ignorar que isso tem certa  
repercussão popular; tanto é assim que chegamos aonde chegamos. Diante de uma  
esquerda que procura parecer republicana em meio às orgias do capital, a radicalidade  
aparece somente à direita, mesmo que de um modo que há pouco tempo seria  
inimaginavelmente.  
A extrema-direita diz com todas as letras para que veio e entoa barbaridades  
que parecem ser novidades, ou ao menos tem certo tom de radicalidade, diante da  
mentira da redemocratização, ou seja, do caráter supostamente popular da autocracia  
burguesa institucionalizada. A capilaridade de posições, não só reacionárias, mas  
bárbaras, é a expressão da falência da autoproclamada Nova República, ou seja, da  
normalidade da autocracia burguesa institucionalizada. Fica claro que uma “esquerda”  
sem programa e sem uma teoria adequadas à compreensão da especificidade do  
capitalismo brasileiro não pode trazer qualquer práxis alinhada com um futuro que não  
seja, novamente, na melhor das hipóteses, a repetição mais ou menos farsesca e cínica  
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do passado. A direita assume sua posição reativa, reacionária e contrarrevolucionária.  
Ela vai em direção a seus traços mais característicos depois que o impulso civilizatório  
do capital se foi. E qual é a posição da “esquerda” diante desse mesmo cenário? A  
nostalgia pelo que supostamente poderia ter acontecido caso a suposta  
redemocratização seguisse o rumo desejado por ela mesma.  
O politicismo de tal posicionamento é assustador; a surpresa que certa  
“esquerda” teve diante da eleição de Collor de Mello derivou justamente da  
incompreensão do que se passava. A eleição de Jair Bolsonaro trouxe a surpresa e o  
mesmo moralismo vazios para aqueles que não avançaram um milímetro diante das  
antigas concepções e análises.  
Não podemos aprofundar aqui esse assunto. Mas é premente reafirmar que, no  
melhor dos casos, as teorizações vigentes na época em que J. Chasin escreve seu texto  
ainda são aquelas que aparecem hoje como solução. A grande esperança parece estar  
em que a realidade finalmente deixe de teimar em não se adequar a elas, ou ao  
simulacro putrefato delas. Nesse sentido, talvez sejamos a perfeita expressão do futuro  
ausente denunciado pelo autor. O cenário em que ele escreveu, no entanto, ainda  
trazia consigo certa reminiscência da oposição entre Oriente e Ocidente; a memória da  
recém extinta União Soviética ainda pairava no ar. O éthos coletivista do suposto  
socialismo soviético, de um lado, ainda era um objeto de crítica programática na nova  
esquerda e, doutro, ainda era defendido de modo mais ou menos aguerrido, seja em  
parcelas dos partidos comunistas, seja por meio das mais diversas variações de um  
marxismo vulgar, extremamente esquemático, mas popularizado entre parte  
suficientemente significativa da militância. Nas palavras de J. Chasin, tinha-se a  
seguinte situação diante do cenário pós-União Soviética:  
Bastam duas pinceladas para esboçar o colosso dos impasses atuais:  
o Ocidente universalizado e rebrilhante em sua pujança sem  
contraste reitera de forma ampliada sua miséria estrutural, física e  
de espírito, enquanto o extinto Oriente finda em convulsões  
sangrentas por consumar suas inviabilidades originárias. (CHASIN,  
2012, p. 60)  
O Ocidente aparecia sem adversários à altura, mas em meio à referida memória.  
O Oriente havia sido extinto, de modo a explicitar suas inviabilidades. Tal oposição,  
entre Ocidente e Oriente, depende da derrota de uma revolução mundial, consolidada  
no pós-II Guerra, na negociação de zonas de influência, e na consolidação da guerra  
fria.  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
O baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas, bem como do  
isolamento que sucedeu a Revolução Russa dentre outros fatores também não  
podem ser ignorados em hipótese alguma. De qualquer modo, o que se apresenta na  
época em que Chasin escreve O futuro ausente é a impossibilidade de qualquer  
nostalgia quanto ao modelo soviético, bem como a reiteração de todos os problemas  
inerentes à sociabilidade capitalista. Ou seja, a falsa alternativa colocada no Oriente  
cai por terra, e isso não leva a qualquer ganho civilizatório no desenvolvimento do  
capitalismo. Pelo contrário, esse acaba por se afirmar de modo mais brutal. Nesse  
contexto, qualquer afirmação no sentido do pacifismo parece, na melhor das hipóteses,  
como um posicionamento irônico.  
Aliás, talvez vivamos tempos em que a ironia é algo muito difícil, tamanho o  
absurdo do desastre conformado hoje na sociabilidade do capital. Àqueles que se  
deparam com o futuro sem a compreensão das condições reais que se impõem no  
capitalismo contemporâneo estão munidos da crença de que a defesa aguerrida da  
política (realizada com muita boa vontade e militância, claro) pode resolver os conflitos  
sociais inerentes à reprodução ampliada do capital resta, de um lado, a esperança,  
doutro, o medo. E ambos esses afetos, como já alertou Spinoza, e reiterou György  
Lukács, partem muito mais da ausência de compreensão das determinações objetivas  
do presente que da apreensão reta das potencialidades realmente presentes na  
sociedade atual. Com isso, fórmulas criticadas por Chasin na época ligadas,  
sobretudo, ao que o autor chamou de politicismo não tardam a ser repetidas, sempre,  
com muita vontade e, cada vez mais, com esperança.  
Somos o futuro que, não só já repetiu os erros do passado, como acredita que  
os jargões dos partidos políticos, bem como de certa militância, não se realizam por  
um mero desvio de rota. E, no que diz respeito ao Oriente e ao Ocidente, as coisas  
não são melhores.  
Se, na época de Chasin, o Oriente havia sido extinto, nada mais natural ao nosso  
tempo que tentar revivê-lo como pastiche. De um lado, o ganho de poderio econômico  
da China é visto pelo autoproclamado Ocidente como uma ameaça à democracia. A  
rivalização diante da União Europeia e dos Estados Unidos parecem trazer uma ameaça  
“autoritária” à autoproclamada civilização ocidental (e talvez estejamos na época em  
que o significado de algumas expressões seja tão distinto daquele que elas possuíam  
que seja somente isso que resta a alguns: autoproclamar-se). A oposição ao poderio  
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estadunidense parece reacender a chama daqueles que ainda mantiveram em suas  
memórias o suposto socialismo soviético. O procedimento, no entanto, não poderia  
ser mais pueril: a China, com seu socialista de mercado (sic!), e sua produção gritante  
de mais-valor, toma o lugar da União Soviética como algo a ser defendido acriticamente  
colocando muitas coisas entre parênteses, diga-se de passagem. De repente, o  
extinto Oriente ressurge das cinzas e traz uma visão anti-imperialista. Aliás, as coisas  
só melhoram: quando a Rússia reaparece no cenário, com a invasão à Ucrânia, tem-se  
mais um ingrediente a ser reaproveitado.  
As questionáveis ações do extinto Pacto de Varsóvia reaparecem na memória e,  
com isso, tem-se a Otan, representando a chamada civilização ocidental. E isso tudo  
se passa na medida em que a figura cômica de Zelensky é elevada àquela de um  
grande estadista. Suas credenciais democráticas passam longe de ser as melhores, seja  
lá qual for o critério adotado diante do Batalhão Azov e da conivência com grupos  
neonazistas. No entanto, a democracia ocidental o tem como represente ao passo que  
o Oriente parece resistir ao avanço das bases militares da Otan com uma guerra de  
libertação levada à cabo por Putin. Esse último aparece como uma espécie de Stálin  
pós-União Soviética. Que não se tenha nenhuma posição, mesmo que verbal, socialista  
parece ser somente um detalhe, que, como vem sendo recorrente, parece precisar ser  
colocado entre parênteses.  
O momento em que nos deparamos com o texto de Chasin, portanto, talvez seja  
justamente aquele que melhor ilustra o acerto de suas críticas às posições de sua  
época.  
No entanto, caso fiquemos somente com aquilo que apresentamos até o  
momento, permanecemos em um nível superficial. Isso ocorre porque mencionamos  
certo Zeitgeist de nossa época e explicitamos tanto uma versão liberal quanto o  
catastrofismo não são alternativas; porém, a fundamentação propriamente teórica dos  
posicionamentos políticos criticados pelo autor de Marx: estatuto ontológico e  
resolução metodológica não foram por nós abordados. A necessidade de se  
compreender não só a degeneração clara do pensamento político, mas aquilo que há  
de melhor nele também é visível no texto chasiniano. Ou seja, afirmamos que o  
contexto da época de Chasin, tal qual o nosso, precisa de uma crítica radical, que passe  
também pela política, pela vontade política e que leve à apreensão das reais  
determinações do presente. Porém, é necessário não só reafirmar aquilo que o autor  
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paulista chamou de determinação ontonegativa da politicidade. Trata-se também de  
mostrar que uma compreensão ontopositiva da política passou, em determinados  
momentos principalmente na Antiguidade e no Renascimento por momentos  
riquíssimos. Que esses momentos não possam ser dissociados das suas determinações  
materiais, deveria ser uma obviedade para qualquer um que conheça minimamente o  
pensamento de Marx, porém, diante do cenário que apresentamos acima, é sempre  
bom reafirmar esse ponto. Por isso, deve-se passar para análise chasiniana daquilo  
que talvez conforme o melhor do pensamento político ocidental. Em um momento em  
que, no marxismo, há certo pastiche do stalinismo sendo divulgado, isso pode ser  
essencial.  
Sobre a “esquerda”, a ontologia, a história e a política  
Não é segredo que as grandes preocupações do stalinismo, e do marxismo vulgar  
em geral, bem como de grande parte dos autoproclamados marxistas não esteja  
na compreensão e na crítica de categorias da filosofia. Claro que há exceções a isso,  
em solo nacional, a analítica paulista, por exemplo, sempre buscou ler Marx na esteira  
das preocupações da filosofia (cf. CHASIN, 2001). Olhando o panorama mundial,  
também temos exemplos importantes; pensadores como Althusser, por exemplo, em  
parte na esteira da problemática estruturalista não deixaram de traçar uma crítica ao  
Sujeito (o que fica claro, sobretudo, em seus posicionamentos sobre Lacan, bem como  
sobre a interpelação, em seus aparelhos ideológicos de estado). Ou seja, no marxismo,  
há certamente aqueles que enxergam no estudo da filosofia algo importante. E mais:  
em verdade, isso se dá, de modo mais ou menos mediado, ao se problematizar com  
abordagens que pretenderam desenvolver uma ontologia, como a de Martin  
Heidegger, como ocorre com os teóricos da chamada Escola de Frankfurt e dá-se em  
um tom distinto (talvez, surpreendente) no próprio Althusser, como veremos. Ao se  
olhar para a teorização chasiniana, porém, é preciso que se atente para o fato de que  
há toda uma atenção ao desenvolvimento das categorias filosóficas, bem como de suas  
relações com as teorizações sobre a política. Em O futuro ausente, isso é visível. E, ao  
tratar da ontologia, nada é mais estranho a J. Chasin que algum flerte com Heidegger  
ou com qualquer outra ontologia sistemática; o autor paulista não buscou desenvolver  
uma ontologia marxista. Ele tratou do estatuto ontológico do pensamento de Marx, do  
fato de o autor de O capital não formular um método a priori e de ele tratar do próprio  
ser da realidade.  
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Para que analisemos nosso tema com mais cuidado, porém, é bom ver, mesmo  
que rapidamente, como que esse tema aparece nos autores que mencionamos para  
que, depois, possamos explicitar como que há hoje uma relação muito próxima entre  
a influência de ontologias como a heideggeriana e a elaboração teórica sobre a política.  
Ou seja, é preciso que notemos que O futuro ausente estava rumando absolutamente  
contra a corrente.  
Ao olhar para os marxistas que procuram uma análise filosófica, primeiramente,  
é preciso destacar que teóricos como Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamin, não  
deixaram de transparecer a preocupação com as categorias filosóficas, e de modo  
enfático. Isso ocorre, inclusive, ao se ter em mente a tematização da ontologia. Adorno  
e Horkheimer têm verdadeiro repúdio a qualquer ontologia, que enxergam como uma  
abordagem essencialmente a-histórica (hoje, autores como Postone seguem o mesmo  
caminho). No caso da ontologia fundamental de Heidegger, inclusive, de acordo com  
os autores da Dialética do esclarecimento, haveria uma espécie de jargão, um jargão  
da autenticidade. Ou seja, a conformação da posição desses dois pensadores na  
filosofia do século XX passa por uma crítica ao que acreditam ser a ontologia em seu  
tempo. No caso de Marcuse, também se tem algo peculiar: deve-se ressaltar que o  
autor realiza seu doutoramento tratando da categoria do trabalho sob a supervisão  
do próprio Heidegger. Posteriormente, o autor da Ideologia da sociedade industrial  
tematiza na abordagem mais contrária à tecnologia entre os frankfurtianos a  
técnica, com claro ímpeto de debate (e embate) com o autor de Ser e tempo. Aliás, em  
vão, o autor busca que seu antigo mestre se desculpe publicamente sobre seu apoio  
ao nazismo. Ou seja, quer se queira, quer não, tais autores acabam por se colocar no  
debate sobre a ontologia, em especial, a heideggeriana, a qual tomam como modelo  
de ontologia do século XX.  
Benjamin, por sua vez, fugindo justamente da perseguição nacional-socialista,  
entrega suas Teses sobre o conceito de história a ninguém menos que a Hannah  
Arendt, cujo apreço por Heidegger, e aversão ao marxismo, são conhecidos. Também  
vale destacar que o autor que morreu em 1940 também polemiza com um autor que  
traz uma correlação explícita entre ontologia, teologia e política, Carl Schmitt. Ou seja,  
ao olharmos para os autores da “teoria crítica”, notamos que a conformação dos  
embates filosóficos no marxismo do século XX passou pela tematização das categorias  
heideggerianas, bem como pelo contato com aqueles que tinham o filósofo da  
ontologia fundamental em alta conta, como a já referida Arendt e o mencionado  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Schmitt.  
Assim, mesmo ao se considerar somente a tradição marxista conformada na  
Escola de Frankfurt, pode-se dizer que trazer explicitamente o debate e torno da  
ontologia, e de sua relação com a política, como faz J. Chasin, não é descabido. Ao  
contrário. E mais: é preciso ver que o autor de Marx: estatuto ontológico e resolução  
metodológica não busca uma ontologia alternativa a Heidegger, por exemplo, mas  
uma crítica às abordagens gnosiológicas que preponderam na filosofia, inclusive, ao  
se olhar para o marxismo.  
Tem-se tal aspecto desenvolvido em O futuro ausente em uma chave distinta  
daquela que é mais explícita nos autores recém mencionados, portanto: Benjamin  
critica a noção de progresso presente na II Internacional, por vezes, aproximando-o do  
iluminismo e da filosofia da história hegeliana; Adorno e Horkheimer trazem uma crítica  
à própria razão (embora destaquem a aporia segundo a qual somente a mais razão  
poderia superar tal situação); Horkheimer, em específico, ainda trata da tradição  
política burguesa nos termos de uma filosofia da história, ao tratar das Origens da  
filosofia burguesa da história. Marcuse, por sua vez, procura a relação entre Razão e  
revolução voltando-se a Hegel e ao modo pelo qual a relação entre estado e sociedade  
delineia-se em sua filosofia da história. Ou seja, ao passo que o autor do Estatuto  
ontológico com uma crítica a toda e qualquer filosofia da história tematiza  
ontologia, isso não ocorre em meio aos autores da chamada teoria crítica. Tais  
circunstâncias são importantes para nós. Elas explicitam que a conformação das  
filosofias, e dos posicionamentos políticos dos autores da teoria crítica, precisam ser  
compreendidos tendo em mente seus posicionamentos sobre a ontologia e sobre a  
filosofia da história, em especial, de Hegel.  
A abordagem de Adorno, Benjamin, Horkheimer e Marcuse e aquelas de seus  
seguidores , portanto, precisa passar por essas temáticas. Também ao se olhar a  
partir dessa posição, mostra-se que os posicionamentos dos marxistas sobre temas  
filosóficos complexos, como aquele da ontologia tão destacada na obra de Chasin –  
não são descabidos, ou algo que configure uma moda filosófica de determinado  
momento. Pode-se mesmo dizer que o tratamento do pensamento de Marx em Chasin  
e nos autores da Escola de Frankfurt é bastante distinto: se eles, em grande parte,  
assumem as categorias hegelianas como ponto de partida, o autor paulista vai buscar  
na formação do pensamento propriamente marxiano a diferença específica de Marx  
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frente Hegel e, em meio a essa pesquisa vem a descobrir que a crítica marxiana ao  
idealismo não é aquela de um duplo giro copernicano, como quer Adorno, por  
exemplo. Antes, há um questionamento da sistematicidade da filosofia, que envolve  
uma crítica profunda aos pontos de partida de quaisquer teorias do conhecimento.  
Daí, a necessidade de se tematizar a determinação ontoprática do pensamento e do  
conhecimento, como faz o autor em seu Estatuto.  
Ao se olhar para outros importantes expoentes do marxismo do século XX, tal  
aspecto que abordamos ao tratar dos pensadores da Escola de Frankfurt também é  
perceptível. Autores como, por exemplo, Henri Lefebvre, que, não raro, pretenderam  
dialogar com categorias de autores como Nietzsche e Heidegger. Eles tiveram grande  
destaque e influência. No caso de Lefebvre, inclusive, o autor remeteu à noção de  
morada do ser, bem como à compreensão heideggeriana da categoria Ding, que levaria  
a uma teorização sobre o habitar. E esta teorização tem uma importância considerável  
na abordagem do autor sobre a cidade, o valor de uso e o processo de urbanização.  
Pode-se mesmo dizer que parte do entendimento lefebvriano sobre a espacialidade  
decorre de seu debate com Heidegger. Há de se destacar que isso deixe claro que não  
há como não debater a filosofia marxista sem conhecer a discussão sobre a ontologia  
(aspecto destacado, sobretudo, por Lukács, que não deixou de criticar fortemente o  
autor de Ser e tempo sob diversos aspectos). Lefebvre também passa pela tematização  
do cotidiano, assunto muito importante tanto para as ontologias de Heidegger como  
de Lukács. Ele também não deixa de trazer Hegel como um ponto central na  
compreensão do marxismo em nossa opinião sem que se tenha o devido cuidado  
ao analisar o próprio processo formativo do pensamento marxiano (aspecto estudado  
com bastante afinco por Chasin).  
Assim, é preciso pontuar que foram raros os desenvolvimentos substanciais no  
sentido do embate sobre a ontologia até agora. Exceção feita a Lukács, geralmente, a  
problematização do tema foi feita de modo esparso, e que, em verdade, precisa de  
estudos posteriores para que seja devidamente explicitada. E mais: percebe-se que os  
autores mencionados acima, ao passarem por temáticas filosóficas, acabam se  
voltando a outros autores que não Marx (mesmo que, no caso de Hegel, trata-se de  
um gigante). Eles não têm como preocupação central a leitura rigorosa da obra de  
Marx na medida em que não analisam o próprio processo formativo do pensamento  
marxiano; não raro, supõem certa continuidade entre Marx e Hegel e acabam por deixar  
de lado elementos centrais da concepção do autor de O capital sobre o estatuto das  
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categorias. Nesse sentido, alguns, como Perry Anderson, chegaram a dizer que o  
chamado marxismo ocidental, no qual se situariam os autores que mencionamos acima  
não discutiremos o termo ou o acerto do autor inglês em seu diagnóstico se  
caracterizaria justamente pela tentativa de complementar Marx com outros autores da  
filosofia (cf. ANDERSON, 2002). Aqui, precisamos destacar: quando Chasin trata da  
relação entre ontologia e política, é o tratamento marxiano aquele de uma ontologia  
estatutária, segundo o Estatuto ontológico e resolução metodológica que o filósofo  
paulista retoma e procura explicitar.  
Ou seja, ele não desenvolve propriamente uma ontologia sistemática para se  
contrapor às ontologias do século XX, como aquela de Heidegger. Também não se  
busca completar ou complementar Marx com outros autores da filosofia. Antes, Chasin  
traz à tona a apreensão do próprio real, sem qualquer método ou esquema por mais  
sofisticado que possa ser estabelecido a priori. Quanto J. Chasin trata da política,  
portanto, não está em sua mente a filosofia hegeliana e sua grandeza, como, em  
grande parte, ocorre com famosos intérpretes de Marx, como Ruy Fausto e outros,  
hoje, influenciados pelas chamadas novas leituras de Marx. Antes, tem-se a apreensão  
do desenvolvimento real da política em meio ao processo social de conformação da  
história. Nesse sentido específico, percebe-se que a leitura cuidadosa, e imanente, da  
obra marxiana traz a Chasin o entendimento segundo o qual não há uma epstemologia  
anterior à apreensão da própria objetividade. O pensamento, dessa maneira, não pode  
ser sistematizado ou analisado separadamente de sua determinação ontoprática,  
mesmo que isso ocorra com referência a categorias interessantíssimas e importantes,  
por exemplo, da filosofia hegeliana ou das ontologias do século XX. A análise com a  
qual nos deparamos em O futuro ausente se coloca na esteira deste projeto, o de  
compreender as determinações reais da política e do pensamento político. Também  
por isso, acreditamos, trata-se de um texto essencial.  
Ainda para que fiquemos na tradição marxista, não se pode deixar de mencionar  
uma linhagem que vem sendo, até hoje, muito influente. É preciso, mesmo que  
rapidamente, voltar-se a um autor marxista Louis Althusser cuja teoria, e o debate  
no qual se colocou, trouxe consequências fortíssimas para o debate político  
contemporâneo.  
E, sobre esse autor, é importante ressaltar, antes de qualquer coisa, que seu  
procedimento diante do real é o exato oposto àquele de Chasin na medida em que a  
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teoria do conhecimento é um ponto de partida althusseriano. Não aprofundaremos tal  
aspecto. Porém, veremos alguns pontos sobre o posicionamento de Althusser, que  
acabam por redundar em certa relação sui generis entre a compreensão da política e  
da ontologia, mais precisamente, da ontologia heideggeriana e sobre o caráter  
proveitoso dessa última.  
Tal caminho precisa ser destacado e abre espaço para teorizações atuais, como  
as de Badiou, Bourdieu, Negri, Mouffe, entre outros. Ou seja, de certo modo, o caminho  
aberto pela abordagem de Althusser profundamente epistemologizante, mas, ao  
mesmo tempo, decorrente de certa afinidade com a obra heideggeriana é nosso  
contemporâneo.  
Baseado na epistemologia de Gaston Bachelard, o autor francês desenvolve uma  
vertente do marxismo, também, fortemente marcada pela problemática da filosofia da  
ciência, bastante cara ao seu orientador de doutorado. Nessa esteira, ele procura  
marcar sua posição no panorama filosófico. O autor critica o que acredita ser um  
“hegelianismo vergonhoso” (1979) supostamente presentes em autores como Lukács,  
Lefebvre, bem como nos mencionados autores da Escola de Frankfurt. Na esteira de  
Bachelard, busca criticar qualquer herança hegeliana ou feuerbachiana em Marx para  
afirmar um novo ponto de partida no debate filosófico e político (uma nova  
problemática, para que se use a dicção do autor). Diante das discussões sobre os  
Manuscritos econômicos filosóficos, e, em especial, sobre a categoria do  
estranhamento, o autor francês desenvolve aquilo que chama de anti-humanismo  
teórico (cf. ALTHUSSER, 1999, 2002). Ele tem por central a crítica à influência  
feuerbachiana em Marx, supostamente presente no tratamento do trabalho estranhado  
e do estranhamento. Assim, pretende extirpar do marxismo os elementos do que  
chama de humanismo. Para fazê-lo, seria preciso separar um Marx marcado pela  
“problemática humanista do estranhamento” de um “Marx maduro”. Prima facie,  
porém, é difícil saber exatamente a base daquilo que Althusser chama de “humanismo”.  
É preciso, pois, ver como o autor delineia tal aspecto.  
O autor francês afirma que “uma ‘censura epistemológica’ intervém, sem nenhum  
equívoco, na obra de Marx” (ALTHUSSER, 1979a, p. 23). Com isso, ele acredita estar  
se livrando daquilo que haveria de “ideológico” no “jovem Marx”; tratar-se-ia de nada  
menos do que abrir espaço para a ciência autêntica. Ou seja, tal qual ocorre em Chasin,  
Althusser pretende dar destaque à leitura atenta das obras do próprio Marx. Porém, o  
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ponto de partida do autor francês é a antítese direta daquela do brasileiro. Longe de  
procurar o processo pelo qual se tem a formação do pensamento propriamente  
marxiano, Althusser estabelece cisões a partir de distintas “problemáticas”, o que é  
realizado com profunda influência da filosofia da ciência de Gaston Bachelard. Em  
conjunto com Alain Badiou hoje em posição muito diversa que aquela do marxismo,  
como, aliás, é comum àqueles que foram próximos de Althusser o autor de Pour  
Marx chega a dizer que:  
A ‘filosofia’ de Marx apresenta a característica única na história da  
filosofia, de romper com o passado ideológico e de estabelecer a  
filosofia sobre bases novas, que lhe conferem uma forma de  
objetividade e rigor teórico somente compatíveis com uma ciência.  
(ALTHUSSER; BADIOU, 1986, p. 49)  
Ou seja, não se pode acusar Althusser de ser alheio ao debate filosófico, nem  
mesmo de não ter se voltado ao texto do próprio Marx. Por vezes, inclusive, o autor  
se coloca de modo bastante perspicaz sobre uma considerável gama de assuntos; sua  
influência continua forte, também, por causa disso. Porém, o direcionamento da  
teorização althusseriana (ou, como ele gostava de se referir, de sua “prática teórica”),  
de modo aparentemente paradoxal, vai de uma problemática epistemológica ao elogio  
do posicionamento heideggeriano presente na famosa Carta sobre o humanismo.  
Ou seja, aquele que busca extirpar do marxismo, compreendido como uma  
ciência, os textos do “jovem Marx”, acaba por trazer ao campo do que chamou de  
“materialismo de encontro” (em que Marx supostamente se situaria) ninguém menos  
que Heidegger. O autor é claro quando diz que “de Heidegger, só li a Carta a Jean  
Baufret sobre o humanismo, que não deixou de influenciar minhas teses sobre o anti-  
humanismo teórico de Marx” (ALTHUSSER, 1993, p. 158). As críticas heideggerianas  
ao humanismo têm por alvo Jean-Paul Sartre, que afirmava que o existencialismo seria  
um humanismo. Posteriormente, o mesmo Sartre procura conciliar suas posições –  
marcadas pela noção de Geworfenheit (derrelição) heideggeriana com aquelas do  
marxismo; o autor da Carta sobre o humanismo, assim, vem a posicionar-se no debate  
francês, em que se tornava profundamente influente na época. Nota-se, assim: até  
mesmo um dos mais célebres marxistas franceses se vê influenciado pela ontologia  
heideggeriana.  
O caminho de Althusser, assim, é muito distinto do chasiniano. Se o autor  
brasileiro estuda as obras da década de 1840 de Marx, Althusser é influenciado por  
certas posições heideggerianas bem como pela filosofia da ciência e pela  
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epistemologia de sua época. E isso nos é central, ao olharmos à ontologia. Isso se dá  
pois, de certo modo, a descrição do impessoal [das Man], que leva à angústia e à  
abertura ao acontecimento [Ereignis] descrição de Heidegger, criticada por Lukács  
(2020) – encontra ecos no “materialismo de encontro” de Althusser, e na definição de  
comunismo do autor, mesmo que o autor, em O futuro dura muito tempo, afirme não  
ter lido Ser e tempo.  
Em seu livro autobiográfico, o autor de A favor de Marx, após ter passado por  
experiências traumáticas em razão da morte de sua mulher, diz o seguinte:  
Agora parece-me que sei, de fonte segura, que não há vida sem  
despesa, nem risco, nem portanto surpresa, e que a surpresa e a  
despesa (gratuita, e não mercantil: é a única definição possível de  
comunismo) não só fazem parte de toda a vida, mas são a própria vida  
em sua verdade última, em seu Ereignis, seu surgimento, seu  
acontecimento, como disse Heidegger tão bem. (ALTHUSSER, 1993,  
p. 99)  
O elogio a Heidegger é explícito. E, assim, tem-se não somente certa influência  
da posição “anti-humanista” do autor de Ser e tempo. Categorias centrais à  
tematização heideggeriana da época vêm a ser vistas como algo bastante proveitoso.  
Isso ocorre, inclusive, ao se ter em conta que a definição de comunismo de Althusser  
que não podemos tratar aqui acaba se relacionando diretamente à noção de  
acontecimento.  
Toda uma tematização althusseriana passa a ser influenciada por uma linhagem  
de “materialismo de encontro”, característica de autores como de Spinoza, Lucrécio,  
Epicuro e “autores ainda como Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Marx, Heidegger e  
Derrida” (ALTHUSSER, 2005, p. 9). A relação entre filosofia e política, assim, passa a  
ter em Heidegger autor também fundamental para Foucault e para o pós-  
estruturalismo uma referência importante. Tratar-se-ia de uma forma de materialismo  
sui generis de modo que diz o autor que “por comodidade, continuaremos a falar de  
materialismo do encontro”; no que ele continua: “porém, é necessário saber que  
Heidegger está nele incluído e que este materialismo do encontro escapa aos critérios  
clássicos de qualquer materialismo, e que precisamos, mesmo assim, de uma palavra  
para designar a coisa” (ALTHUSSER, 2005, p. 12). Althusser não só adere à descrição  
heideggeriana do “acontecimento”, ele toma autores que terão por central tal  
tematização como aqueles que se colocam na mesma linhagem que Marx. Assim, os  
temas do “materialismo de encontro”, em verdade, são aqueles que “aparecem de  
Nietzsche a Deleuze e Derrida, ao empirismo inglês (Deleuze) ou a Heidegger (com  
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ajuda de Derrida)”, e isso seria central pois eles “tornaram-se a partir de hoje familiares  
e fecundos para qualquer compreensão não só da filosofia, mas de todos seus  
pretendidos ‘objetos’” (ALTHUSSER, 2005, p. 25).  
Traçamos esse caminho para deixar claro que a influência heideggeriana e,  
portanto, os debates em torno da ontologia acabam por estar presentes naqueles  
autores que são essenciais para a compreensão da filosofia a partir do marxismo.  
Porém, não se trata só de enxergar isso. Em verdade, a porta aberta por Althusser será  
muito influente em abordagens sobre a política e a globalização como as de Hardt e  
Negri, que acabam explicitamente dialogando com Spinoza, Deleuze e com algumas  
categorias heideggerianas, como aquele do acontecimento. Ou seja, teorizações que  
antes não estavam presentes em posicionamentos à “esquerda” acabam por ser bem-  
vindas, inclusive, com certo diálogo com as posições marxistas, como as de Althusser.  
Foucault, explicitamente influenciado pela crítica heideggeriana ao Sujeito, é  
alguém que também dá base a grande parte dessas teorizações à esquerda. E mais:  
há uma importante relação do desenvolvimento de sua teoria com os posicionamentos  
de Althusser. Primeiramente, isso se dá porque o autor da Microfísica do poder  
questiona muito a distinção althusseriana entre “aparelhos repressivos” e “aparelhos  
ideológicos de estado”. Ou seja, em oposição aos debates da filosofia marxista, e com  
influência da ontologia heideggeriana (principalmente como recebida na França no  
momento posterior à II Guerra), desenvolve-se certa posição que se torna um ponto  
de partida importante para autores contemporâneos que abordam a política. Foucault,  
em seu A sociedade punitiva, também traz uma contraposição a Marx e a Althusser,  
tematizando a pena, a punição, o cárcere. Tal episódio francês do marxismo, portanto,  
acaba sendo decisivo para os rumos do tratamento contemporâneo da política. E, de  
nossa parte, não podemos deixar de apontar que isso se dá em antítese direta ao  
tratamento chasiniano do marxismo.  
Note-se que há meandros na passagem de uma abordagem marxista como a de  
Althusser até autores contemporâneos, como Negri e Hardt. Porém, percebe-se que  
esse caminho também é aberto por certa influência da ontologia heideggeriana. Os  
debates sobre a ontologia nos levam também a autores como Foucault, muito  
influentes em certa “esquerda”. Ou seja, longe de ser um disparate tematizar sobre a  
ontologia e a política em conjunto, tem-se uma necessidade, ao menos caso se adote  
a posição que procura colocar-se no sentido da defesa da emancipação humana e da  
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supressão da relação-capital.  
A tematização sobre a política está presente nesses autores que mencionamos,  
certamente. Porém, é preciso reconhecer que autores contemporâneos como Agamben  
e Mouffe (hoje, muito influentes) ainda bebem em pensadores que trazem a correlação  
entre ontologia e política de modo mais direto. Agamben, por exemplo, passa por  
Foucault, por Heidegger, chama Benjamin para o ajudar (com uma leitura, no mínimo,  
peculiar). Porém, quando se trata de trazer à tona uma teorização sobre a política, ele  
invoca Carl Schmitt. Mouffe, por sua vez, traz em seu favor certa problematização  
tipicamente gramsciana aquela da hegemonia e vem a se contrapor a Marx com  
base, não só em Schmitt e na distinção schimittiana entre a política e o político; ela  
remete diretamente a Heidegger e estabelece uma ligação entre política e ontologia  
da seguinte maneira:  
Se quisermos expressar essa distinção [entre político e política] de  
maneira filosófica, poderíamos dizer, recorrendo ao repertório  
heideggeriano, que a política refere-se ao nível “ôntico”, enquanto o  
político tem a ver com nível “ontológico”. (MOUFFE, 2015, p. 8)  
A distinção entre o político e a política sumamente negada por Chasin –  
aparece respaldada pela oposição heideggeriana entre o ontológico e o ôntico.  
Tal oposição trazida pelo autor de Ser e tempo, e que foi vista por Lukács como  
um verdadeiro monstro filosófico, não só atravessa a fundamentação filosófica de  
muitos daqueles que trazem posições políticas hoje. Em verdade, há uma derivação  
direta do político a partir da noção de ontologia. Tal dimensão do político vem a ser  
entendida como uma espécie de condição humana imutável, como em Mouffe:  
“entendo por ‘o político’ a dimensão de antagonismo que considero como constitutiva  
das sociedades humanas” (MOUFFE, 2015, p. 8). Política e ontologia, assim, trariam  
uma correlação similar àquela trazida na teologia entre criador e criatura; Lukács, por  
exemplo, destacou tal aspecto ao tratar da correlação entre ontológico e ôntico, da  
famosa “diferença ontológica” heideggeriana. Aqui, acreditamos que é possível falar o  
mesmo sobre a ligação entre o político e a política, até mesmo porque, diz Mouffe o  
seguinte: “entendo por ‘política’ o conjunto de práticas e instituições por meio das  
quais uma ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto conflituoso  
produzido pelo político” (MOUFFE, 2015, p. 8). A dependência da política frente ao  
político é clara, assim como ocorre, em Heidegger, na relação entre ôntico e ontológico.  
Ou seja, ao se tratar da política, não só se tem certa correlação com a ontologia; há  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
uma derivação direta das categorias fundamentais de algumas filosofias políticas a  
partir da ontologia.  
As referências ao autor de Ser e tempo, porém, são seletivas. O autor alemão  
tem uma posição segundo a qual o “esquecimento do ser” – que autores como Hannah  
Arendt relacionarão ao “esquecimento da política” – coloca-se já depois dos pré-  
socráticos e atinge um patamar elevado na modernidade. Heidegger, portanto, volta-  
se para trás, com aquilo que chamou de “passo-de-volta”; Mouffe, porém, louva os  
novos tempos colocados nos momentos posteriores à queda da União Soviética e  
procura novas possibilidades políticas com sua tematização do político. Ou seja, seu  
éthos é oposto àquele do filósofo alemão. Ela procura tratar da política (e do político)  
sem qualquer busca por algo “originário”. E, assim, ao contrário do que se dá com o  
tratamento heideggeriano da “ditadura da opinião pública” e do “impessoal” vem a  
louvar o elemento popular e democrático. Ao contrário de Heidegger, portanto, ela  
não tem qualquer nostalgia quanto à antiguidade. Defende as possibilidades da  
democracia moderna e pensa a política em meio às potencialidades que estariam mais  
claras justamente depois da derrota da União Soviética.  
Tal qual autores que procuram pensar a república a partir da ciência política,  
Mouffe e outros procura olhar para a democracia moderna. Que o aparato  
categorial que usa para isso traga consigo a posição oposta, parece não importar. O  
essencial se colocaria na defesa da oposição entre a política e o político. Para a autora  
que mencionamos acima, em analogia com o que ocorre com a ontologia fundamental  
de Heidegger, seria preciso pensar o político com todo o cuidado; em verdade, isso  
seria o decisivo. Tratar-se-ia de nada menos que algo fundamental à democracia:  
Sustento que é a falta de compreensão do “político” em sua dimensão  
ontológica que está na origem da atual incapacidade de pensar de  
forma política. (...) Estou convencida de que o que está em jogo na  
discussão acerca da natureza do “político” é o próprio futuro da  
democracia. (MOUFFE, 2015, p. 8)  
Heidegger passa de autor profundamente criticado por Lukács e pelos  
frankfurtianos a uma grande e explícita influência. E é preciso destacar: isso teve como  
elemento mediador o próprio marxismo althusseriano, como mencionamos.  
Porém, aqui não é o local para se tratar disso. Para nossos fins, deve-se deixar  
claro que a posição heideggeriana passa a ser decisiva no tratamento da política em  
diversos autores contemporâneos como Agamben, e a própria Mouffe. Isso ocorre  
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porque a “dimensão ontológica” seria aquela do conflito (segundo Mouffe, diferente  
do antagonismo e da contradição) sem o qual seria impossível pensar a democracia.  
Essa última, por sua vez, teria seu próprio futuro como algo dependente do político.  
E, assim, novamente, percebe-se que longe de ser um preciosismo filosófico tratar da  
ontologia, tem-se tal tema como algo que, quer se queira, quer não, paira no ar.  
A relação entre ontologia e política, nesse caso, aparece como algo explícito e o  
modo como autores como Mouffe marcam posição decorrem, por vezes diretamente,  
de seu posicionamento sobre a “ontologia fundamental”. A abordagem heideggeriana,  
de forte inspiração kierkegaardiana segundo Lukács, de início, coloca-se no próprio  
seio do marxismo althusseriano; hoje, porém, ela afirma-se diretamente em diversas  
concepções da filosofia política atual. E, com isso, a ligação entre ontologia e política  
precisa ser esclarecida com cuidado, como pretende fazer Chasin em sua obra.  
Sobre o tema, ainda é interessante notar que as tonalidades religiosas da  
ontologia heideggeriana não deixaram de ser destacadas pelo mesmo Lukács,  
sobretudo, em A destruição da razão. Dizemos isso porque um autor que vem a ser  
influente de modo bastante claro nas abordagens não marxistas que destacamos acima  
procurou justamente desenvolver uma teologia política, Carl Schmitt. Ele é mencionado  
inúmeras vezes como fundamento teórico por autores como Mouffe, Agamben, entre  
outros. Esse último, inclusive, não tarda a procurar ler pensadores como Benjamin por  
meio de Schmitt, tentando desenvolver também uma teologia política, que, por sua  
vez, voltar-se-ia ao tempo presente. E tal teorização vem fazendo muito sucesso em  
certa autoproclamada “esquerda”. Ou seja, a crítica à religião – segundo Marx,  
“pressuposto de toda a crítica” – acaba por dar lugar a uma teologia política. E, diante  
da não tematização explícita da ontologia, elementos essenciais da ontologia  
heideggeriana afirmam-se, mesmo que de modo meandrado, em meio aos  
posicionamentos políticos daqueles colocados à esquerda.  
Isso ocorre, mesmo que seja não seja um detalhe a posição de certa nostalgia  
presente em Heidegger em oposição à tematização contemporânea da política, que  
procura fincar o pé no presente para buscar avançar. Como mencionado, mesmo que  
de modo substancialmente distinto, isso ocorre também na ciência política que procura  
resgatar certa tradição republicana inclusive em Maquiavel para pensar o presente.  
Ou seja, paira no ar o posicionamento que vê a política como algo de atualidade  
gritante e que é fundamentalmente ligada às virtudes democráticas e republicanas. E  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
isso ocorre recorrendo-se, inclusive, a elementos importantes da teorização de um  
autor que não deixou de criticar a “ditadura da opinião pública” em Ser e tempo. Trata-  
se claramente de uma abordagem seletiva da teorização heideggeriana. Pode-se  
mesmo dizer que ela, em diversos sentidos, é pouco cuidadosa. Porém, o sentido geral  
é aquele oposto ao presente em Heidegger, o do elogio da república e da democracia  
contemporânea.  
A tematização do político, porém, nem sempre trouxe essa configuração. Em  
verdade, não deixou de se colocar com uma crítica fortíssima à política moderna e com  
o resgate de categorias supostamente presentes originariamente na tradição greco-  
romana.  
No que é preciso afirmar que um dos grandes teóricos do “político” é Carl  
Schmitt, que vem sendo retomado pelos autores mencionados acima, e por outros.  
Para ele, aliás, “o conceito de estado pressupõe o conceito de político” (SCHMITT,  
2009, p. 1). E, com isso, seria preciso tratar das dimensões fundamentais do político  
em oposição à política como conformada diuturnamente. Aliás, em oposição a esse  
elemento diuturno, Schmitt vem justamente a se voltar ao elemento extraordinário –  
em uma tonalidade que não deixa de lembrar a tematização heideggeriana do  
acontecimento, diga-se de passagem. Ao trazer à tona o político, diz o autor que “a  
contraposição política é a contraposição mais intensa e extrema, e toda dicotomia  
concreta é tão mais política quanto mais ela se aproxima do ponto extremo, o  
agrupamento do tipo amigo-inimigo” (SCHMITT, 2009, p. 31). Em oposição a tal ponto  
extremo, ter-se-ia a era das “neutralizações e despolitizações” em que o elemento  
técnico (também criticado por Heidegger, Spengler e outros pensadores da extrema-  
direita em solo alemão); ter-se-ia uma situação em que “a religião da crença nos  
milagres e no além logo se transforma, e sem membro intermediário, em uma religião  
do milagre técnico, das realizações humanas e do domínio da natureza.” Assim,  
segundo o autor, “uma religiosidade mágica transmuta-se em uma tecnicidade  
igualmente mágica” (SCHMITT, 2009, p. 31). O tratamento do político, no autor de O  
conceito de político, traz consigo esse diagnóstico, que não deixa de trazer uma  
conotação de certa tecnofobia, tal qual em Heidegger. E, assim, novamente, ontologia  
(ahistórica e sistemática) e política acabam por se ligar intimamente.  
E mais, a religião, como tal, não seria o problema para Schmitt. Isso ocorreria até  
mesmo porque ela teria sido secularizada e continuado ativa na política. O político,  
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Vitor Bartoletti Sartori  
assim, precisaria ser tratado em correlação com uma espécie de teologia política.  
Somente assim se remeteria para além de um pensamento superficial sobre a política.  
Schmitt posiciona-se em um momento em que o desenvolvimento das forças  
produtivas, aos seus olhos, parece não trazer qualquer avanço. Aliás, para que sejamos  
justos com ele, não se poderia falar sequer na aprovação de algo como o  
desenvolvimento progressivo de acordo com a malha categorial schmittiana. Não por  
acaso, as remissões do autor à Roma são muitas e são essenciais ao desenvolvimento  
de seu pensamento político, que tem como um grande tema as ditaduras (e não a  
república) romanas. A época moderna tudo mais mantido constante seria aquela  
de uma despolitização e de uma neutralização técnica. Falar em algo como  
desenvolvimento de forças produtivas de modo a trazer qualquer aprovação seria  
respaldar tal situação. Em O conceito de político, a despolitização, inclusive, aparece  
por meio da tentativa de colocar as determinações econômicas em primeiro plano. A  
afirmação do político vai contra isso:  
A ideia de um progresso, de melhorias, e aperfeiçoamento, em termos  
modernos: de uma racionalização, tornou-se dominante no século  
XVIII e, precisamente em uma época de crença moral-humanitária.  
Portanto, progresso significava, sobretudo, progresso no  
esclarecimento, progresso em formação, autodomínio e educação,  
aperfeiçoamento moral. Em um tempo de pensamento econômico ou  
técnico, o progresso é imaginado tácita e naturalmente como  
progresso econômico ou técnico, e o progresso mora-humanitário  
surge enquanto ainda interessa, como produto do progresso  
econômico. Quando uma área se converte na área central, os  
problemas das outras áreas passam a ser resolvidos a partir daí, sendo  
considerados tão-somente como problemas de segunda categoria,  
cuja solução se dá por si mesma quando apenas resolvidos os  
problemas da área central. (SCHMITT, 2009, p. 93)  
A crítica de Schmitt ao progresso traz consigo uma posição contrária ao  
esclarecimento e contra a “crença moral-humanitária”, na esteira da crítica de qualquer  
humanismo, diga-se de passagem. Há também uma forte resistência ao  
desenvolvimento econômico (que o autor não tarda a ver como sinônimo de técnico)  
de modo que o desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, das capacidades  
humanas em seu sentido mais amplo acaba por não confluir com a defesa do político.  
Isso não deixa de remeter às análises de Chasin sobre a base social da emergência e  
consolidação da politicidade; porém, destacaremos esse aspecto mais à frente. Esse  
desenvolvimento, de acordo com Schmitt, faria com que o político não aparecesse  
como tal, a partir da relação amigo-inimigo, sendo preciso reafirmá-lo de modo  
decidido. Para fazer isso, inclusive, seria preciso proceder remetendo a categorias  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
vigentes na Antiguidade e, em especial, na Antiguidade romana. Como é comum entre  
aqueles que se colocam no campo da filosofia política, e que distinguem entre a  
política e o político, o autor alemão traz para seu campo certa visão sobre a  
antiguidade, criticando as condições modernas e que taxa de liberais.  
Uma visada unilateral sobre a própria política aparece aqui, portanto. A remissão  
à Antiguidade traz consigo certo posicionamento, no limite, antimoderno. E, com isso,  
o modo como se configura a política desde o Renascimento (como mostra Chasin em  
sua leitura sobre Maquiavel), de um lado, voltando-se à Antiguidade, doutro, à  
centralização do estado, de início, em uma configuração absolutista, é eclipsado por  
uma unilateralidade pungente. E isso é visível ao se ter em conta outro elemento, a  
oposição entre legalidade e legitimidade. Schmitt vem a trazer a crítica à “mera”  
legalidade, que não necessariamente expressaria a legitimidade. Essa última, aliás, em  
determinado momento da carreira do autor de O conceito de político, e expressando  
a dimensão do político, e não só do estado, apareceu incorporada no Füher. Esse  
último, como todo o soberano, seria aquele que decidiria em meio ao estado de  
exceção. No que, novamente é preciso destacar: aqueles que se baseiam em Schmitt,  
como Agamben, Mouffe e muitos outros na filosofia política, na melhor das hipóteses,  
fazem uma leitura bastante seletiva.  
Uma posição reacionária e organicamente ligada à teoria do autor alemão é  
colocada entre parênteses e segue-se com a teoria do autor sobre a relação entre a  
política e o político como se nada tivesse acontecido. Com essas bases filosóficas,  
certamente, o futuro é ausente e a apologia do político se perpetua.  
Assim, se é verdade que as posições de Agamben e Mouffe, de um lado, e de  
Schmitt, doutro, são opostas até certo ponto, não se pode dizer o mesmo quanto a  
certa fundamentação ligada a uma concepção positiva sobre a política. Os autores  
contemporâneos não são críticos da modernidade ou possuem certa nostalgia quanto  
á antiguidade, tal qual ocorre no autor alemão. Mas, em todos esses casos, tem-se a  
política como o elemento social da filosofia. E, com isso, em verdade, não se trata só  
de uma concepção positiva, mas de um posicionamento em que só a política é que  
pode ter a dignidade daquilo a ser estudado e que tem a capacidade de ser resolutiva.  
Trata-se de um politicismo marcante e bastante evidente, portanto.  
Aliás, outra autora que é muito influente hoje Arendt não tarda a atribuir  
grande parte dos problemas modernos ao “esquecimento da política”. E, assim, vemos  
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que tendências muito fortes na filosofia política, bem como no campo das esquerdas,  
adotam uma visão positiva sobre política como ponto central de apoio. Em verdade,  
talvez seja em Arendt que os elementos que destacamos aparecem de modo mais  
claro.  
No caso da referida autora, a tematização sobre a política se dá em oposição  
àquilo que ela chamou de “elementos totalitários do marxismo” e que foi desenvolvido  
em diálogo com os cursos de Heidegger (sim, novamente) sobre Aristóteles a partir  
de uma teorização sobre A condição humana. Ao tentar resgatar do esquecimento a  
noção aristotélica de práxis, a autora traz sua teorização sobre a “ação”, que se  
colocaria essencialmente no campo político e em oposição à dimensão “social”, que  
teria se desenvolvido na modernidade quando o “trabalho” e o “labor” tivessem  
chegado à esfera pública. Aqui, a busca por uma condição humana fundamental (que  
pode ser pensada nos termos de uma ontologia a-histórica) redunda na defesa da  
política. Essa última, por sua vez, apareceria de modo originário na sociedade grega,  
em que as relações do homem com a natureza ficariam no âmbito da oikos. Ter-se-ia  
também a modificação da natureza como algo que não seria agressivo e se  
assemelharia muito mais ao trabalho artesanal. E, assim, também em diálogo com a  
tematização heideggeriana sobre a poiesis, Hannah Arendt acaba por trazer uma  
defesa da política em oposição ao “social”.  
Cabe destacar também que ela tem aversão à noção de revolução social.  
Sua teorização sobre a política não só parte da influência da ontologia de  
Heidegger. Com essa base, tem-se explicitamente uma oposição a Marx e ao marxismo,  
que apareciam com força. Isso ocorre em várias obras, como a mencionada A condição  
humana. Porém, ganha destaque nas teorizações da autora acerca da revolução, que,  
aliás, não deixaram de seduzir autores como Agamben, mas também alguns marxistas.  
Em Sobre a revolução, a autora equaciona sua teorização sobre a ação, que  
sempre teria um elemento de “milagre”, com o “novo começo”, supostamente presente  
em Agostinho. Tem-se, assim, os elementos principais da revolução. E aqui é preciso  
destacar a peculiaridade desse tratamento, que faz com que ele pareça aprazível para  
a esquerda: Hannah Arendt traz um elogio à revolução. Porém, é preciso destacar o  
modo como isso ocorre. De um lado, o novo começo que é destacado pela autora  
remete ao passado, mais precisamente ao conceito de fundação presente (também  
supostamente) em Maquiavel e, de modo mediado, em Roma. Ou seja, a autora volta-  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
se ao passado e traz tanto certa grecofilia ao falar da ação quanto uma apologia da  
república romana. A revolução, portanto, não é o resultado do ímpeto de transformar  
conscientemente as condições de vida (isso seria basear esse “acontecimento” no  
trabalho); ela também não traz a chegada do povo trabalhador à esfera pública (isso  
significaria ter por central o labor).  
Antes, a revolução digna de ser defendida seria o resultado de um ato político  
que, somente por uma infeliz circunstância, teria sido realizado junto com um ímpeto  
“social”.  
Mencionamos a teorização da autora somente para deixar claro que a correlação  
que ela estabelece entre a ontologia (no caso, heideggeriana) com a política traz  
consequências decisivas. É sintomático também que a autora tenha que colocar entre  
parênteses a determinação social dos acontecimentos políticos que trata: na  
antiguidade, a escravidão; na modernidade em que elogia a Revolução Americana e  
os “pais fundadores” em oposição à Revolução Francesa e o “povo raivoso” – as  
condições produtivas que trazem o capitalismo americano em confluência com a  
escravidão moderna. O fato de autores muito influentes na esquerda tomarem Arendt  
como referência diz muito sobre que tipo de futuro nos espera se não houver uma  
mudança de rumos. O futuro ausente, de J. Chasin, é um lembrete, e um alerta sobre  
isso. E, assim, caso se queira levar a sério a compreensão da política, não há como  
ficar restrito àquilo que vem sendo escrito sobre o assunto, ora mais ora menos, com  
base em uma ontologia ahistórica e tendo por elemento decisivo um elogio ora mais  
ora menos nostálgico da política.  
A emergência da política diante da dissolução das equações societárias  
comunais e da consolidação da comunidade antiga  
Diante do senso acrítico e eclético que permeia a visão de mundo posterior à  
derrocada da União Soviética, Chasin afirma a historicidade da política e, portanto, a  
impossibilidade de confundi-la com a sociabilidade. Assim, afasta-se tanto do senso  
comum da direita quanto daquele da autoproclamada esquerda.  
Ao contrário do que ocorre com os autores da filosofia e da teoria política, e na  
esteira do que é teorizado por Marx durante toda a sua obra, o autor de O futuro  
ausente diferencia a sociabilidade da politicidade. O homem pode ser compreendido  
como um ser social, mas o atributo político tem limites temporais e sociais que  
precisam ser enfatizados e entendidos. No entanto, nada mais alheio a Chasin que  
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tratar como simples erro subjetivo ou mera má-fé uma compreensão ontopositiva da  
politicidade. E, também por isso, seu texto tanto reafirma a necessidade da crítica da  
política quanto traz consigo uma compreensão sobre a importância que essa esfera  
típica das sociedades marcadas pela existência das classes sociais, da família patriarcal,  
do direito e do estado. Ou seja, não basta criticar aqueles que hoje trazem a política  
resolutiva das contradições e das oposições sociais. É preciso mostrar que tal tipo de  
formação ideal que, como ideologia, tem uma função ativa tem uma base material  
e histórica precisas, e que remetem à compreensão de algumas determinações da  
política, que precisam ser explanadas.  
O primeiro atributo da política que precisa ser destacado é sua historicidade, que  
remete à diferença específica da política diante de outras esferas, como a arte, por  
exemplo. A questão pode parecer se voltar contra certa concepção pós-estruturalista,  
que, na esteira da estetização da política (também comum no irracionalismo fascista),  
apagou as linhas que demarcam o estético e o político. Porém, não é disso somente  
que se trata.  
Basta pensar na tese, trazida por Coutinho para o Brasil, sobre a “democracia  
como valor universal”. Ali, o autor brasileiro pontua corretamente que Marx destaca o  
fascínio que a arte grega ainda nos causa e traz à tona a universalidade da arte grega.  
Porém, disso, o autor dá um salto: da universalidade da arte grega, vai-se à  
possiblidade de se trazer a democracia e ainda mais como valor como algo  
universal. Não podemos aprofundar esse embate; porém, é preciso apontar que é mais  
do que necessário apontar a especificidade da arte de um lado, e da política doutro.  
Isso ocorre até mesmo porque há certamente certo fascínio que os gregos exercem no  
homem moderno; porém, isso se dá, de acordo com J. Chasin, em correlação com as  
relações econômicas gregas e com a imaturidade da sociabilidade grega. Assim, há  
certa universalidade nas formações estéticas que decorrem das grandes obras gregas;  
porém, a sociabilidade grega, e as formas políticas que dela decorrem, são marcadas  
por determinações muito específicas.  
Veja-se Chasin sobre o encanto que os gregos ainda exercem sobre nós, bem  
como sobre o modo que interpretação da sociedade grega marcou o Renascimento:  
Para que o encanto não seja pueril, há que entender que aquilo que  
nos gregos nos fascina e que, antes, fascinou o espírito do  
Renascimento não está em contradição com a natureza primitiva da  
sociedade em que floresceu, mas indissoluvelmente interligado à  
imaturidade de sua tecelagem societária. (CHASIN, 2012, p. 61)  
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O encanto exercido pelos gregos é um fato, e não pode ser negado. Aliás, como  
vimos, não são raros aqueles que remetem aos gregos para tentar teorizar sobre as  
supostas virtudes da politicidade, ainda hoje. Porém, é preciso enxergar o modo pelo  
qual, ao mesmo tempo, a sociabilidade grega nos fascina e é socialmente determinada.  
Chasin destaca justamente que as condições para que a sociabilidade grega  
ainda nos marque, tal qual as razões de ela ter influenciado profundamente o  
Renascimento, estão em sua natureza primitiva, bem como em sua imaturidade.  
Remetendo à Introdução de 1857, de Marx, o autor paulista procura mostrar como  
nossa infância, de certo modo, também está nos gregos. E, ao trazer tal aspecto, já  
fica vedada uma hipótese que parece permear o pensamento político moderno de  
tempos em tempos: não há como simplesmente tomar a infância como critério da  
maturidade. Não há como se ter qualquer romantismo ou nostalgia quanto à  
sociabilidade grega ou a política e a arte gregas.  
Para que possamos nos expressar de modo mais próximo a Marx: uma chave  
para a anatomia do macaco está na anatomia do homem, que é mais madura e  
evoluída. Sejamos claros: Chasin escapa de dois erros correlatos. De um lado, ele sabe  
que não há como ignorar o encanto que os gregos exercem; doutro, fica claro que tal  
encanto depende justamente da imaturidade da tecelagem societária vigente à época.  
Não há como tomar o macaco como a chave da anatomia do homem; também é  
impossível tomar a anatomia do homem acriticamente como a única chave que explica  
a anatomia do macaco.  
E, ao tratar da política e daqueles que tomam como ponto de partida uma  
determinação ontopositiva da politicidade tal aspecto pode ser decisivo.  
Primeiramente, porque nota-se, em geral, a total ausência de questionamento sobre o  
caráter histórico e limitado da política. Em segundo lugar, tem-se que desatacar tal  
aspecto pois, de modo geral, a filosofia política, bem como a ciência política, acaba  
por cair em um dos erros correlatos que mencionamos. Chasin, dessa maneira, é  
forçado a voltar à própria gênese da política e do pensamento político. Para isso,  
precisa passar pela própria dissolução das comunidades primitivas, que é tema tanto  
da arte grega quanto de sofisticadas concepções políticas sobre a moderna sociedade  
civil-burguesa (basta pensar em Hegel, Höderlin e Schelling, por exemplo, como bem  
apontou György Lukács em seu estudo sobre Hegel).  
Para poder tratar com cuidado da política grega, portanto, Chasin está ciente  
Verinotio  
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desses debates. Porém, não pode adotar seus pontos de partida acriticamente, sendo  
preciso tratar da própria dissolução das formações sociais de tipo comunal, que são  
objeto do pensamento grego e que marcam tanto a arte grega como autores como o  
jovem Hegel.  
Em O futuro ausente, há um destaque especial para a correlação existente entre  
a individualidade, a comunidade e a emergência da política. Como aponta o autor:  
Nas equações societárias de tipo comunal, a existência objetiva do  
indivíduo como proprietário das condições materiais de trabalho é um  
pressuposto real, antecede e não deriva do trabalho, do mesmo modo  
que ele é proprietário sob condições que o vinculam ao agregado  
social, que fazem dele um elo da cadeia comunitária, sendo que esta  
mesma, por sua vez, aparece igualmente como pressuposto efetivo,  
como condição da produção de cada um dos indivíduos que existem  
sob forma subjetiva determinada. (CHASIN, 2012, p. 62)  
Há de se notar que as equações societárias comunais trazem os indivíduos como  
proprietários de suas condições materiais de trabalho. Isso precisa ser destacado não  
só quanto a esse conteúdo específico, mas pelo modo pelo qual isso ocorre: o  
pressuposto real da sociabilidade que se desenvolve sob as condições mencionadas  
ampara-se na propriedade coletiva, que caracteriza essa sociedade. Essa propriedade,  
aliás, não deriva do trabalho. Para que sejamos claros, não se tem uma “centralidade  
do trabalho” em comunidades ainda não marcadas pela emergência da política. Os  
indivíduos são elos da cadeia comunitária e não se tem ainda a produção e a esfera  
pública autonomizadas.  
A própria cadeia comunitária aparece como um pressuposto ao lado da  
propriedade das condições materiais de produção. E, assim, as individualidades estão  
completamente ligadas em uma unidade com o gênero humano. Chasin é claro sobre  
isso:  
Portanto, em semelhantes conglomerados humanos, indivíduo e  
gênero são imediata e transparentemente inseparáveis e suas relações  
traduzem essa unidade fundamental, tornando desconhecida e  
impensável qualquer tipo de cissura que contraponha ou, menos  
ainda, torne excludentes entre si as figuras de sua polaridade.  
(CHASIN, 2012, p. 62)  
Ao mesmo tempo em que indivíduo e gênero não se opõem, não há como se ter  
qualquer nostalgia quanto aos conglomerados mencionados. Isso ocorre,  
primeiramente, devido à forma pela qual se dá a inseparabilidade mencionada: há uma  
unidade imediata.  
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Depois, há de se destacar que o pressuposto para o desenvolvimento das  
capacidades humanas que começa a aparecer na arte grega, por exemplo, mesmo  
que de modo seminal está justamente no rompimento dessa unidade. As figuras do  
indivíduo e do gênero não são excludentes ou contrapostas, certamente. E esse é o  
ponto de partida para o desenvolvimento da política grega, que pretende manter tal  
aspecto. Porém, não há como deixar de destacar que isso trazia consigo cidadãos  
isonômicos somente na medida em que em que se tem, tanto um baixo grau de  
desenvolvimento de forças produtivas, quanto a escravidão, que dá a tônica das  
condições materiais de produção que vêm a se desenvolver na produção grega que  
supera as equações comunitárias do tipo comunal. A política grega, portanto, traz  
consigo tanto a imaturidade da produção comunal (embora mais desenvolvida  
comparativamente à última, certamente) quanto certa problematização, marcada por  
uma irresolução congênita, da contraposição entre indivíduo e gênero. O modo político  
de problematização assim supõe.  
Chasin, assim, trata tanto da existência objetiva de indivíduos que são  
proprietários de suas condições materiais de produção quanto da necessidade do  
rompimento da unidade que caracteriza tal forma produtiva. O trabalho, na figura da  
escravidão primeiramente, vem a autonomizar-se somente com dissolução da unidade  
imediata entre indivíduo e gênero humano. Isso, ao mesmo tempo, traz um avanço:  
rompe-se com o imediatismo de uma produção que não deriva do trabalho, mas da  
propriedade coletiva colocada como um pressuposto real. A ligação imediata do  
indivíduo com a comunidade, posteriormente, rompe-se e se tem uma separação  
importante para O futuro ausente: trata-se do desenvolvimento de uma forma opositiva  
de sociabilidade, que dá espaço à emergência da política. Há de se notar, portanto,  
que o surgimento da política depende de certas determinações colocadas no plano da  
produção. E, de modo mais geral, ela traz consigo a dissolução das equações  
societárias do tipo comunal.  
A política grega depende de tal elemento, como não poderia deixar de ser. E,  
assim, as equações comunais trazem consigo tanto elementos positivos quanto  
negativos, que como é evidente para aqueles educados no pensamento de Marx –  
não podem ser separados em qualquer crítica imanente. Ainda sobre essas equações,  
Chasin não deixa de destacar que a unidade entre indivíduo e gênero, bem como entre  
as condições materiais de produção e as individualidades, e com formação de suas  
subjetividades, precisam ser entendidas sem quaisquer romantismo ou nostalgia. Ao  
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se considerar os aspectos positivos, eliminados com a política como mediação social:  
Por outro lado eis a dimensão negativa, tão inerente a tais formações  
quanto seu aspecto mais positivo, da qual também é inseparável:  
todas as formas em que a comunidade pressupõe sujeitos em  
determinada unidade objetiva com as condições da atividade  
produtiva, ou, reciprocamente, na quais uma específica existência  
subjetiva faz com que a própria comunidade seja pressuposta como  
condição de produção, todas elas, diz Marx, “correspondem  
necessariamente e por princípio a um desenvolvimento limitado das  
forças produtivas”. (CHASIN, 2012, p. 62)  
Não deixa de ser surpreendente que tenha sido preciso assim como ainda é  
hoje em dia lembrar a marxistas que é necessário considerar o desenvolvimento das  
forças produtivas como algo essencial. Com esse desenvolvimento, vem mesmo que  
de modo profundamente contraditório o incremento das capacidades humanas; que  
esse incremento traga consigo a oposição entre indivíduo e gênero, sociedade e  
estado, condições materiais de produção e o trabalho é necessário se destacar sempre.  
Sempre há uma indissociabilidade entre a produção social e a as formas políticas que  
se desenvolvem. E Chasin, em O futuro ausente, está justamente explicitando tal  
aspecto.  
A unidade objetiva dos indivíduos com suas condições de produção, vigente na  
equação societária comunal, depende do desenvolvimento limitado das forças  
produtivas. A base objetiva da unidade entre indivíduo e gênero, bem como entre as  
subjetividades e a própria comunidade, está no escasso avanço das capacidades  
sociais dos homens. A própria comunidade é pressuposta como condição de produção,  
nessas equações societais, na medida em que a manutenção mesma da forma  
comunitária de produção é um retrocesso, e não um avanço. E, de acordo com J.  
Chasin, as condições objetivas que marcam a emergência da política como mediação  
social estão na dissolução dessa condição. A política, portanto, é desde o início, uma  
marca de sociedades presas a estágios produtivos em que há entraves seríssimos ao  
desenvolvimento das forças produtivas.  
O próprio fascínio da arte grega diante da dissolução das equações societárias  
comunais traz consigo tais elementos profundamente contraditórios. Ao mesmo tempo  
em que há certa nostalgia quanto a uma condição perdida, há uma tentativa de  
resolução dos grandes problemas sociais por meio daquilo que pressupõe tal  
dissolução e a mantém, a política. Essa última é lançada ao centro da sociedade grega  
somente ao passo que se tem a produção escravista, bem como a oposição –  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
objetivamente trazida pelo processo de dissolução das comunidades antigas entre  
o destino dos indivíduos e o gênero.  
Ao analisar a emergência da política como mediação socialmente necessária,  
portanto, não se tem o político contra a política. Antes, nota-se que o processo de  
desenvolvimento das forças produtivas relaciona-se intimamente, não só com  
mudanças nas relações de produção, mas também nas próprias formas políticas. Assim,  
há de se compreender a correlação existente, em cada momento histórico, entre  
determinadas formas de sociabilidade e a conformação objetiva das formas políticas.  
A política na Grécia e na Roma antigas: o baixo desenvolvimento das forças  
produtivas como ponto de partida e de chegada  
A dissolução das equações societais do tipo comunal são o pressuposto do  
desenvolvimento “normal” da infância mencionada por Marx; isso, porém, não significa  
que não existam outros tipos comunais de sociedade. Chasin trata do desenvolvimento  
grego tanto por ser aquele considerado clássico quanto porque dele derivam várias  
formas de se pensar a política, particularmente, na filosofia e na ética em especial. Ou  
seja, O futuro ausente não só é um texto inconcluso: ele também não pretende ser  
exaustivo de modo algum. Traz apontamentos sobre a política, sobre sua gênese e  
desenvolvimento, tanto no que toca a sua determinação social quando ao se passar  
pela sua teorização. Mas não se pode trazer qualquer resposta global e singular a  
partir do texto, que pode ser um excelente ponto de partida, mas, hoje, não pode ser  
o ponto de chegada para nós.  
J. Chasin não tematiza no texto só para que fiquemos em equações sociais  
tratadas por Marx da comuna germana, da comuna agrária russa ou da comuna  
existente na Irlanda. O autor brasileiro, assim, não está trazendo uma história ou uma  
teoria completa da política no texto que aqui tratamos. Permanecendo em um grau  
elevado de abstração, assim, vem a explicitar a forma típica pela qual a política se  
entifica na moderna sociedade civil-burguesa, tanto em termos práticos quanto no que  
diz respeito à teoria. Com isso, após passar pela dissolução da das formas comunais  
gregas, ele destaca como que Grécia e Roma trazem formas políticas que trazem certo  
encanto, mas decorrem de um baixíssimo grau de desenvolvimento de forças  
produtivas. A partir disso, procura demonstrar que a teorização grega e todo o  
entusiasmo que dela decorre tem como base real tal imaturidade da forma societal,  
bem como uma produção minguada e limitada.  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 39  
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Isso certamente não é pouco. E é preciso deixar claro: vai além de quase todas  
as teorizações autoproclamadas marxistas, que, na maioria das vezes, sequer buscam  
abordar, por exemplo, a especificidade da política diante de outras esferas do ser  
social.  
Ao tratar da diferença específica da política, o autor passa por sua gênese, como  
mencionamos. Porém, ele ainda precisa explicitar as determinações sociais que fazem  
com que a política possa adquirir importância decisiva, por exemplo, na sociedade  
antiga.  
Um aspecto insistentemente trazido à tona no que toca o assunto diz respeito  
às limitações de uma sociabilidade que pretenda apoiar-se (sem nunca poder real e  
efetivamente fazê-lo) na política. Ao se olhar para a sociedade antiga, percebe-se que  
se trata de formações sociais baseadas na escassez e que trazem consigo a escravidão  
como condição. A fragilidade, bem como as limitações gregas, é que engendram a  
política.  
Foi a fragilidade da comunidade antiga que fez brotar pela primeira  
vez a política em seu perfil mais atraente, não como produto de suas  
melhores qualidades, mas precisamente da pequenez de suas  
energias societárias ou da extensão restrita de suas grandezas  
intrínsecas. Encarar, em suma, que a política como fato e idealização  
é a filha bastarda da infância grega, ou seja, que comunidade real,  
porém incipiente ou atrófica, e bastardia política formam o  
indissolúvel cinturão de ferro da civilização antiga. (CHASIN, 2012, p.  
64)  
A forma mais atraente da política grega ainda necessita da reminiscência da  
comunidade real existente nas equações sociais de tipo comunal. E, assim, pode-se  
dizer que política, desde seu nascimento, traz certa idealização de uma época  
precedente.  
Mesmo que não se possa acriticamente generalizar esse apontamento chasiniano,  
não deixa de ser interessante lembrar que, de acordo com Marx, a Revolução Francesa  
de 1789 procurou usar as vestes da república romana, tal qual em 1848, mesmo que  
de modo cômico, por vezes, tentou-se usar as vestes da própria Revolução Francesa.  
O que vale destacar aqui é que o perfil mais atraente da política, em sua gênese, trouxe  
certa idealização das equações sociais do tipo comunal; a comunidade antiga traz isso  
em seu bojo. Ou seja, a política traz certo desenvolvimento desigual em relação às  
formas ideológicas pelas quais os indivíduos tomam consciência das contradições  
sociais da sociedade. Tal caráter faz com que, mesmo na situação mais atraente, aquela  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
da comunidade antiga, a política, ao fim, esteja baseada no melhor dos casos em  
certa ausência de consciência sobre o ser-propriamente-assim da sociedade. A política,  
em seu perfil mais atraente, é um fruto da infância normal da humanidade, e falar em  
infância significa falar em imaturidade; Chasin, assim, diz que a política é uma filha  
bastarda da infância grega. Como fato, ela deriva da dissolução das equações sociais  
do tipo comunitário; como idealização, ela parte das ilusões acerca da possibilidade  
da retomada daquilo cuja dissolução é uma necessidade e que conforma a comunidade  
antiga.  
A formulação de O futuro ausente é aquela segundo a qual a comunidade real e  
a bastardia política são uma espécie de cinturão de ferro da civilização antiga. Ou seja,  
as idealizações políticas e as limitações da comunidade antiga não podem ser  
dissociadas.  
Querer separar esses dois elementos seria profundamente equivocado. E, assim,  
se é comum certa idealização da política grega, isso só se dá com certa separação  
entre esses aspectos indissolvíveis do “cinturão”. E mais, toma-se a limitação, ligada à  
pequenez das energias societárias, bem como a restrita extensão das grandezas  
intrínsecas a tal forma social, como um mero detalhe e contingência. Não por acaso,  
aquilo que podemos chamar de certo proudhonismo teórico é comum ao tratar da  
política grega, buscando-se separar o “lado bom” do “lado mau”. A unilateralidade de  
tal procedimento pode ser muito bem analisada a partir do texto de J. Chasin, que  
figura como ponto de partida importante na crítica imanente às formações ideais  
eivadas pelo politicismo e, portanto, unilaterais. Parte substancial das posições  
politicistas acabam trazendo certa posição grecofílica (basta pensar na mencionada  
Arendt, ou em Strauss) e isso só pode ser elaborado teoricamente ao se retomar o  
pensamento e a prática gregas colocando entre parênteses aquilo que acompanha a  
política antiga, em especial, na democracia grega.  
Há, desse modo, segundo o filósofo paulista, uma ligação intrínseca entre a  
emergência de algo “externo” à própria comunidade, certo estranhamento diante dela,  
e uma sociabilidade restrita, limitada e atrófica. O elogio à política antiga acaba por  
ser uma espécie de apologia a uma potência estranhada do ser social. De acordo com  
o autor de O futuro ausente, a política, mesmo em sua forma baseada na infância  
normal e em seu perfil mais atraente, expressa tanto as virtudes intrínsecas quanto os  
vícios da sociabilidade grega e romana. O fato de o grau de idealização da política ser  
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maior no caso grego que no romano não pode ser tratado agora com cuidado; no  
entanto, ao analisar a posição chasiniana sobre Maquiavel, veremos como isso tem  
profundas influências na conformação da política moderna. Aqui, porém, é preciso  
destacar somente: a política aparece como resultado de sérias limitações das formas  
comunitárias que são engendradas posteriormente à dissolução das equações  
societais de tipo comunal.  
Deve-se dizer também que essas formas são, ao mesmo tempo, algo impossível  
de ser retomado objetivamente e algo que anima a idealização presente na política. A  
oposição entre sociabilidade e politicidade traz essa duplicidade consigo. E, com isso,  
a idealização passa a conviver com o caráter prático da política. Assim, ela, ao mesmo  
tempo, é efetiva e não pode apreender o ser-propriamente-assim da sociedade.  
A política traz consigo limites e limitações, certamente. Porém, não basta  
constatar isso. É preciso explicar essa determinação da política a partir da conformação  
objetiva da própria sociabilidade que lhe dá base. Algo importante nesse sentido pode  
ser olhar como Chasin equaciona as limitações comunitárias antigas com os horizontes  
estreitos da sociabilidade antiga, bem como, portanto, da política antiga:  
Uma comunidade, enquanto condição de possibilidade da exercitação  
vital dos indivíduos, que seja restrita, parca e estreita no potencial que  
subscreve a todos que a integram, por isso mesmo rigorosamente  
referenciada ao metro como idealidade máxima, o que redunda em  
horizontes conformistas, estanques e estrangulados de convivência e  
interatividade, não contém, nem poderia conter, puras e exclusivas  
forças ou energias inerentes à sociabilidade propriamente dita para  
ordenar e manter, sem mais, a organização comunitária. Pelos seus  
próprios limites ou insuficiências necessita de algo “externo”, para  
além dela, ou melhor uma força extra que a confirme e complete  
e com isso a viabilize enquanto aparato dinâmico de sustentação do  
ordenamento social. Força extra que, obviamente, não tem de onde  
provir a não ser do próprio tecido comunitário. (CHASIN, 2012, p. 63)  
São as limitações do tecido comunitário antigo que dão ensejo e exigem a  
política. O fato de que as comunidades grega e romana trazem consigo um parco  
desenvolvimento de suas próprias energias, bem como das forças produtivas, exige  
algo que se coloque como externo à própria comunidade. O estado e a política são  
um fruto dessa situação.  
Chasin, portanto, está explicitando o solo social da política; ele mostra como que  
não há, de modo algum, como fazer uma história autônoma dela. Sua história remete  
ao processo unitário de conformação do ser social da sociedade antiga. E o autor de  
O futuro ausente constata que o surgimento de uma potência “externa” depende da  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
fragilidade das interações comunitárias, calcadas na produção escravista e no baixo  
grau de produtividade do trabalho; nessa situação, “toda a potência humano-societária  
aí se resume à força coagulante das relações comunitárias” (CHASIN, 2012, p. 63);  
assim, não há qualquer abundância, ou energias extras para que se possa incrementar  
as capacidades humanas. De acordo com Chasin, isso leva a uma situação em que uma  
comunidade restrita e estreita, como a antiga, exige algo que se coloque acima dela.  
A política emerge das fraquezas da comunidade antiga, e não daquilo que é  
intrinsicamente rico nela.  
Por mais que no seio da comunidade antiga floresçam teorizações  
sofisticadíssimas, como aquelas da ética aristotélica que tem na noção de medida  
um elemento importante isto não poderia levar ao avanço das capacidades humanas.  
Ao contrário. O próprio ideal de medida, de acordo com Chasin, não deixa de  
pressupor horizontes conformistas, bem como uma imaturidade da forma de  
sociabilidade desenvolvida. A infância da humanidade, mesmo que possa fornecer  
muito entusiasmo, não pode oferecer quaisquer parâmetros (ironicamente, podemos  
dizer que não pode oferecer “a medida”) para a atividade comunitária. A política antiga  
e a idealização inerente a essa trazem consigo uma organização comunitária que não  
consegue, por suas próprias forças sociais, manter-se. Dessa incapacidade que surge  
a força do poder político.  
Trata-se da fragilidade do tipo de sociabilidade que se desenvolve na  
Antiguidade. De seus deméritos, e não de seus méritos, emerge a política como  
mediação social.  
Pode-se dizer que a força extra que dá apoio político para o ordenamento social  
decorre, ao mesmo tempo, das limitações mencionadas e da ainda maior restrição às  
potencialidades colocadas no seio da própria sociabilidade. Aliás, de acordo com O  
futuro ausente, não é doutro local senão da própria sociabilidade agora marcada por  
uma potência estranhada que a política surge e se mantém. Tem-se a usurpação de  
potências sociais e a formação de algo “externo” e que conforma uma força extra. E,  
nesse sentido, Chasin não deixa de apontar que o elogio da política antiga não poderia  
significar senão a aceitação de uma exercitação vital dos indivíduos que fosse parca e  
estreita.  
Trata-se do elogio de uma “satisfação limitada”, como disse o autor de O capital.  
A partir de Marx, diz Chasin que a medida da ética grega, a política antiga, o  
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mencionado estranhamento, bem como as lições destacadas são inseparáveis:  
Em suma, o que agora se destaca, e ainda com palavras de Marx, é  
que “o mundo antigo representa uma satisfação limitada” do homem.  
Um universo reduzido de formas acabadas e contornos definidos, de  
sendas estreitas e curtos horizontes, que nunca saem do campo visual  
dos agentes e delimitam suas equações teleológicas. Toda a potência  
humano-societária aí se resume à força coagulante das relações  
comunitárias, toda ela transpassada por uma lógica adstringente que  
enerva densa malha de resguardos estabilizadores, reiterando e  
multiplicando fronteiras. Donde provém a decisiva inclinação grega  
pela medida, ou mais precisamente pela idealizada justa medida.  
Marca da sabedoria helênica, a ideia de medida traduz antes de tudo  
a presença e a consideração permanente dos limites da comunidade  
e dos indivíduos. E é só pela autolimitação, singular e universal, que  
a autonomia e a autarquia gregas, tanto dos indivíduos como das  
comunidades, podem vir a ser prática e pensamento. Sob essa matriz,  
a civilização helênica é o justo império racional dos limites e das  
limitações, tal como não pode deixar de ser a feliz normalidade da  
infância. (CHASIN, 2012, p. 63)  
A limitação da comunidade antiga é tal que as equações teleológicas dos  
indivíduos se colocam como algo intrinsicamente estreito. Os horizontes curtos, assim,  
podem até mesmo nos causar fascínio; mas o fazem justamente devido ao fato de que  
tomam o universo como algo definido e acabado (ao contrário do que a própria prática  
comprova com a emergência do capitalismo em que aquilo que é sólido desmancha-  
se no ar, para que se fale com o Manifesto). A historicidade das relações sociais, bem  
como a processualidade do ser aparecem eclipsados; as fronteiras insuprimíveis  
acabam por caracterizar a antiguidade, bem como as visões de mundo que decorrem  
da sociabilidade antiga. A idealização política da comunidade antiga, portanto, não é  
só um disparate hoje. Ela acaba trazendo consigo, na melhor das hipóteses, um elogio  
ao atraso.  
Ao se tratar da política vigente na sociedade antiga, é preciso destacar: aquilo  
que Chasin chama de força coagulante das relações comunitárias dá a tônica da  
potência social, que se vê adstringida. A política, mesmo em sua forma mais atraente,  
é marcada pelas limitações na sociabilidade que mencionamos; e mais, de acordo com  
O futuro ausente, ela se mostra como tanto mais pronunciada quanto menos  
sustentáveis são as formas sociais nas quais se baseiam. A autolimitação, a medida, a  
temperança etc. fazem parte da ética de uma sociabilidade marcada pelo caráter  
limitado das potências humano-societárias. A autarquia antiga principalmente a  
grega, de acordo com Chasin também decorre desse cenário, de modo que, por mais  
normal que seja a idealização da antiguidade nas teorizações sobre a política, tem-se  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
uma verdadeira impossibilidade de trazer quaisquer ideais gregos (ou romanos) à  
moderna sociedade capitalista.  
Na moderna sociedade civil-burguesa, impera o elevadíssimo grau de  
desenvolvimento das forças produtivas, o rompimento de barreiras sociais e de  
fronteiras, a impossibilidade de se traçar limites precisos e muito mais. Ou seja, sob  
esse aspecto, pode-se dizer: a sociabilidade burguesa é a antítese direta da grega.  
Aquilo que começa a se tornar claro no Renascimento a importância da atividade  
humana na conformação das condições objetivas que dão ensejo às potencialidades  
humanas está longe de ser uma realidade na sociabilidade antiga. A política antiga,  
assim, é tanto marcada pela imaturidade da produção quanto pelo caráter tacanho dos  
pores teleológicos individuais.  
A satisfação do homem, nessas condições, só pode ser limitada. Aliás, os  
horizontes políticos e comunitários são tão estreitos que se busca estabilização e uma  
tentativa de equilíbrio, representados filosoficamente no ideal de justa medida. Ela,  
bem como a temperança caracteriza a ética grega, reafirmam a necessidade de limites,  
limitações. A normalidade da infância, de acordo com J. Chasin, assim supõe.  
O equilíbrio precário da sociabilidade antiga é a base da política que aí emerge.  
E, pelo que dissemos, só é possível que essa situação seja perpetuada, de um lado,  
mantendo-se as restrições e o caráter tacanho da produção escravista e, doutro, com  
uma força extra que seja usurpada do próprio seio da comunidade, transmutando  
potências sociais e poder político. O baixo grau de desenvolvimento social, as limitadas  
capacidades humanas, bem como “um universo reduzido de formas acabadas e  
contornos definidos, de sendas estreitas e curtos horizontes” são o ponto de partida  
e o ponto de chegada da comunidade e da política antigas. E, também por isso, há  
certa insustentabilidade na sociabilidade antiga, que é acompanhada do caráter  
pronunciado das formas políticas.  
Por seus limites, debilidades e incipiências intrínsecas, a comunidade  
antiga (o exemplo grego é a melhor iluminura) não é socialmente  
autoestável, é incapaz de se sustentar e regular exclusivamente a  
partir e em função de suas puras e específicas energias sociais. Esta  
incapacidade ou limite social engendra a partir de si mesma, em  
proveito  
e
em vista da estabilidade comunitária, uma  
dessubstanciação social como força extrassocial uma desnaturação  
e metamorfose de potência social em força política. (CHASIN, 2012,  
p. 63)  
A insustentabilidade da comunidade antiga fica explícita ao passo que ela é  
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incapaz de se manter a partir das suas próprias energias sociais. Tem-se, desse modo,  
o que Chasin chama de dessubstanciação social, que engendra uma força extrassocial  
colocada na política. Assim, conforma-se a transformação de parte considerável das  
potências sociais em forças políticas, de modo que o caráter político da comunidade  
antiga decorre de sua imaturidade, bem como de seus limites tacanhos. Tem-se, nas  
palavras de Chasin, a situação em que “inversamente proporcional às forças  
socioprodutivas, tanto mais destacado é o papel do poder político quanto mais débil  
for a capacidade de autorresolução social de uma formação humano-societária.”  
(CHASIN, 2012, p. 64) Seguindo os apontamentos do livro I de O capital, o autor  
brasileiro explicita que o papel principal na comunidade antiga acaba por ser cumprido  
pela política. Chasin explica as razões sociais que levam ao caráter pronunciado da  
esfera política antiga. Ou seja, ele explicita como que aquela sociedade que até hoje é  
tomada como medida por parte considerável daqueles que teorizam a política traz  
consigo problemas insuperáveis.  
Em verdade, as limitações da sociedade antiga acabam por ser colocadas entre  
parênteses pelos filósofos políticos contemporâneos, os quais, ao contrário do que se  
dá em Chasin, são incapazes de apreender a historicidade da política. O modo pelo  
qual o filósofo paulista trata do tema deixa claro, não só que sociabilidade e  
politicidade são distintas. Tem-se também que há uma gênese, bem como uma base  
material para que a política possa aparecer como algo de grande relevo social. As  
limitações da produção antiga, bem como a insustentabilidade da sociabilidade  
calcada na escravidão e com um baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas,  
levam ao elogio a uma força externa. O poder político antigo é a expressão da  
debilidade e do caráter tacanho das potências sociais engendradas a partir da  
produção escravista. A infância normal da humanidade traz consigo limitações  
impostas ética, espacial, classista e politicamente. A limitação de gênero (masculino-  
feminino) também é evidente. E, como J. Chasin demonstra, não se trata de uma  
simples contingência. Tem-se algo que diz respeito ao ser-propriamente-assim da  
comunidade antiga, de modo que, a rigor, é impossível resgatar ou fazes renascer a  
política antiga. Caso se tente realizar isso de modo ingênuo, tem-se, na melhor das  
hipóteses, um proudhonismo mais ou menos tosco e de mau gosto.  
Maquiavel, o Renascimento, a liberdade autolimitada e o centauro  
Pelo que vemos, as determinações objetivas que dão base à sociedade, bem  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
como à política grega, nem sempre são apreendidas de modo reto pelos autores de  
uma época. Hoje, depois de muito tempo, e após se ter passado por diversos percalços  
da história do capitalismo, no entanto, só pode ser ingenuidade (ou má-fé) procurar  
voltar-se à política antiga sem considerar as limitações da comunidade antiga. Mas  
isso nem sempre ocorreu dessa maneira, ou mesmo de modo cristalino. O  
Renascimento expressa tal fato de modo bastante claro, trazendo, ao mesmo tempo,  
tendências afirmativas práticas e certa tendência a se voltar à antiguidade como  
modelo e norte. Ou seja, o momento mercantilista do capitalismo aparece como algo  
de transicional o qual tenta pôr em prática o mito político da nova Athenas ao passo  
abre espaço para o absolutismo. A maneira pela qual a política aparece nos  
Renascimento, tanto prática quanto teoricamente, expressa essa situação, em que certo  
elemento transicional (ligado à emergência da sociedade capitalista) é visível e precisa  
ser destacado em O futuro ausente, de J. Chasin.  
Chasin trata da política renascentista ao passar por essas determinações, bem  
como ao enfatizar aquilo que há de mais elevado no pensamento político renascentista,  
a obra de Nicolau Maquiavel. Ao tratar das concepções ontopositivas da política,  
portanto, o autor brasileiro volta-se àquilo de mais rico e marcante, como o autor de  
O príncipe.  
Isso ocorre de modo que não se trata de criticar somente as leituras seletivas e  
imputativas dos epígonos contemporâneos; antes, com o autor de O futuro ausente,  
há de mostrar como que aquilo de melhor no pensamento político traz consigo marcas  
de épocas das mais interessantes, como a Antiguidade e o Renascimento, e o caráter  
tacanho da politicidade. Tal caráter, por sua vez, faz-se visível, sobretudo, quando as  
potencialidades civilizatórias do capitalismo e da politicidade se esgotam. E, assim, um  
primeiro aspecto a se destacar é que o filósofo paulista trata de Maquiavel ao passo  
que muitos recorrem a ele em nossa época, e o fazem de modo profundamente seletivo  
e unilateral. Porém, o texto chasiniano não dá simplesmente respostas e marca  
posições diante de leituras equivocadas; ao analisar os próprios textos de Maquiavel,  
ele busca explicitar a sua gênese, estrutura e função, realizando aquilo que chamou de  
análise imanente.  
Acreditamos que, com isso, o autor de Estatuto ontológico foge de modismos e  
procura explicitar as determinações do próprio pensamento maquiaveliano. Não há  
qualquer proudhonismo, que separa do “lado bom” do “lado mau”, bastante comum  
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em certas hermenêuticas da imputação.  
Em O futuro ausente, ao se referir às determinações sociais do Renascimento,  
Chasin fala do “centro de enervações constituído pela malha afirmativa do ético-  
político-jurídico.” (CHASIN, 2012, p. 67) O autor de O príncipe, também um estudioso  
da república romana, de acordo com o filósofo brasileiro, expressa tais tendências  
afirmativas que mencionamos de modo claro. E, com isso, é preciso destacar que o  
solo social no qual se situa o pensamento renascentista é substancialmente distinto  
do antigo, portanto. Isso ocorre, não só ao passo que campos como a ética, a política  
e o direito passam longe de se confundir e explicitam suas diferenças específicas; tem-  
se também uma situação de domínio da natureza muito mais proeminente e a abertura  
para a atividade e a transformação humano-societárias antes inimagináveis. A  
afirmação das potencialidades humanas coloca-se em um patamar muito mais  
avançado, de modo que a imanência do pensamento renascentista transparece,  
também, no campo político.  
Maquiavel trata da malha afirmativa ética, política e jurídica passando pelo  
“processo político de entificação das senhorias e principados” (CHASIN, 2012, p. 67),  
algo que é feito buscando exemplos na Antiguidade romana (em que a tematização da  
fundação dos estados é mais recorrente que na Grécia) ao mesmo tempo que ele sabe  
que não há simplesmente como retomar o passado antigo na aurora da modernidade.  
Ao tratar dos senhorios e dos principados, a tematização de Maquiavel passa  
pela necessidade de unificação e centralização do poder, algo inimaginável no mundo  
antigo. Nesse sentido, a tematização da política passa por ilusões, certamente. Porém,  
de acordo com Chasin, também é marcada por um profundo realismo e imanência. A  
história de Florença, principalmente, vem a ganhar uma importância de destaque para  
o autor. Desse modo, o dinamismo dela, bem como das novas relações sociais que  
emergem, marcam o pensamento político de Maquiavel e precisam ser apreendidas  
como a base real sobre a qual se desenvolve a política renascentista (em especial  
aquela dos Médici) e a teorização maquiaveliana sobre a política e sua natureza, como  
veremos, humana e bestial.  
Desse modo, o autor trata da política ao analisar o “itinerário de estatização que  
desembocará no figurino do poder absoluto, antítese da idealidade referencial da pólis,  
da commune romana ou da quimera comunitária dos primórdios do Renascimento”  
(CHASIN, 2012, p. 67). A atividade política abordada pelo autor de O príncipe, desta  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
maneira, coloca-se em meio a esse elemento transicional que traz o Renascimento  
como um elo mediador para a consolidação da sociedade capitalista e do estado  
absoluto. E é necessário destacar tal determinação porque tal aspecto transicional faz  
com que as limitações do presente que é tratado por Maquiavel sejam tanto aquelas  
do passado quanto as do futuro. A potência da política maquiaveliana depende disso.  
Por mais que o tratamento do autor de O príncipe sobre a política não deixe de  
remeter à Antiguidade, o cenário claramente é o nascente mundo moderno, marcado  
pelo comércio e o pelo poder político que se afirma, tendencialmente, no âmbito do  
que viria a se configurar no estado-nação. Com isso, o pensamento político  
maquiaveliano já é nosso contemporâneo. Ele traz elementos essenciais da política, e  
das ilusões que marcam o poder político e o modo pelo qual se relacionam politicidade  
e sociabilidade.  
Segundo J. Chasin, isso faz do pensamento político de Maquiavel algo que  
inaugura o pensamento político moderno, ao mesmo tempo em que volta os olhos ao  
passado antigo. Nas palavras do filósofo, “Maquiavel é, simultaneamente, um pensador  
da república e do absolutismo, ou, em termos mais precisos, o último grande pensador  
da república antiga e o primeiro do absolutismo moderno” (CHASIN, 2012, p. 80). E  
quando se analisa o pensador fiorentino seria essencial ter isso em mente, já que seus  
posicionamentos exercem uma função concreta justamente em tal momento  
transicional, sendo fruto, também, da incompletude do capitalismo da época do  
mercantilismo.  
E, sobre esse ponto, há algo importante a destacar: tal qual ocorreu com a  
política antiga, parte das forças coaguladas na atividade ligada ao poder político é  
retirada do passado. Porém, uma peculiaridade importante é trazida aqui por J. Chasin:  
não há em Maquiavel qualquer ilusão sobre a possibilidade de se retomar uma  
conformação similar à antiga. Isso ocorre, inclusive, à medida que a malha afirmativa  
renascentista tem como suporte o mercantilismo e certa unidade prática entre a política  
e os negócios, que gera um equilíbrio tênue. Esse último, aliás, segundo o filósofo  
paulista, vem a marcar a política renascentista e aquilo que figura como sua expressão  
mais sofistica, o pensamento de Maquiavel. Segundo O futuro ausente, essa situação  
expressa-se no domínio dos Médicis e, no nível teórico, na tematização do autor de O  
príncipe sobre o poder político dessa família. Pode-se dizer, portanto, que  
modernidade econômica e política renascentista são faces do mesmo fenômeno  
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histórico, marcado por um equilíbrio de difícil sustentabilidade e que demanda uma  
atividade política singular, a qual, por sua vez, é abordada justamente no pensamento  
de Nicolau Maquiavel. Assim, Diz Chasin:  
Toda essa moderna feição econômica foi exercitada simultaneamente  
à prática e dominação políticas, que também celebrizaram os Médicis.  
E ambas eram desenvolvidas com traços propósitos e meios que  
põem em evidência uma inspiração comum e formas similares de  
efetivação. Diante do espírito e da prática que caracterizavam esses  
dois planos de atuação pela riqueza e pelo poder aos quais  
meticulosamente os Médicis se dedicaram, é imediato e tranquilo  
reconhecer a manifestação de uma mesma ordem de pensar e fazer,  
de um esforço pela entificação da mundanidade que, em seus  
momentos ideais e reais, operando sobre âmbitos específicos, tece e  
revela a integração de uma unidade peculiar. (CHASIN, 2012, p. 74)  
Se na Antiguidade a produção escravista ficava fora do espaço público, isso não  
ocorre mais. Maquiavel, ao contrário de autores contemporâneos e que têm por central  
o político, como Hannah Arendt e outros, não traz qualquer nostalgia diante dessa  
esfera pública antiga. A unidade necessária entre a política e a economia aparece no  
domínio dos Médici, de modo que haveria, inclusive, formas similares de efetivação de  
uma e doutra. Ou seja, Maquiavel é grandioso porque apreende certas determinações  
de seu tempo com precisão. Isso ocorre mesmo que tal leitura seja feita, como veremos,  
com grande grau de ilusão quanto à política e suas capacidades; a necessidade de se  
manter uma sociabilidade tacanha e limitada como base do governo misto também é  
algo visível no autor. Assim, como grande autor, tem-se um posicionamento que não  
esconde as adversidades e o caráter dificilmente conciliável das contraposições do  
presente.  
Ao contrário dos epígonos da defesa da política, Maquiavel assume as condições  
sociais de seu tempo como um ponto de partida de modo consciente e sem qualquer  
tom apologético. De acordo com O futuro ausente, riqueza e poder aparecem lado a  
lado em meio à imanência da atividade humana que se explicita no Renascimento. Isso  
se dá de tal maneira que a unidade entre os negócios dos Médici e poder político vêm  
à tona de modo a trazer à tona o caráter afirmativo da atividade humana, rompendo-  
se com as limitações claras que se colocavam tanto na produção antiga quanto no  
mundo medieval. A produção já marcada por certa subsunção formal ao capital, mas  
não pela subsunção real, para que se use a distinção de Marx traz consigo o ímpeto  
expansivo que caracteriza a compra e venda de mercadorias, e a necessidade de  
unidade política. No entanto, isso se passa sem que estejam claros os aviltamentos  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
que marcam a divisão do trabalho capitalista de modo inelutável e que não tardariam  
a começar a se impor.  
A visão de Maquiavel sobre a política, bem como a própria política dos Médici,  
como mostra Chasin, depende desse cenário. Inclusive, certo caráter artesanal da  
produção ainda se mantém até certo ponto; mas o mercador se impunha frente ao  
artesão, de modo que há uma situação bastante singular nas relações econômicas da  
época: justamente o caráter não completo da implementação do modo capitalista de  
produção dá base ao que se desenvolve de modo mais elevado no Renascimento.  
Trata-se de uma época já marcada pelo caráter afirmativo da atividade humana, mas  
que não pode ter consciência sobre as consequências reais do modo pelo qual tal  
caráter conforma-se.  
O próprio sistema produtivo mais utilizado, o trabalho domiciliar,  
colocava o mercador em posição dominante em face do artesão (o  
executor), de maneira que o estímulo econômico e os capitais  
provinham da esfera da troca, que dominava a produção. (CHASIN,  
2012, p. 81)  
O mercantilismo trazia uma situação muito distinta daquela da produção antiga,  
baseada na escravidão; e, desse modo, o desenvolvimento de capacidades humanas  
advindo do incremento das forças produtivas começa a se tornar, cada vez mais, uma  
realidade. O equilíbrio das relações econômicas marcadas por uma esfera da  
circulação robusta, e por uma produção ainda limitada é muito tênue, porém.  
Os imperativos reprodutivos que marcam o sistema capitalista de produção já  
impulsionam a atividade à imanência da vida e do mundo; porém, o domínio da troca  
sobre a produção, mencionado por Chasin, viria a se esfacelar tão logo o capitalismo  
se colocasse sob os próprios pés com a superação do artesanato, e mesmo da  
manufatura pela grande indústria. Ou seja, por mais espetaculares que fosse o ímpeto  
ativo que surge com o Renascimento, por mais que ele esteja presente na tematização  
robusta de Maquiavel sobre a política, o resultado econômico de tal ímpeto só poderia  
se afirmar real e efetivamente em um momento posterior, aquele do capitalismo  
industrial. Em verdade, isso leva: de um lado, à consolidação da burguesia e do sistema  
capitalista, com todo aviltamento que ele gera nas personalidades dos homens; doutro,  
ao poder absolutista e na afirmação do estado nacional. O equilíbrio político instável  
que o autor de O príncipe tematiza, bem como o modo pelo qual isso se dá nas  
relações econômicas, são algo que se mostrou como passageiro e como socialmente  
inviável.  
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Podemos mesmo dizer que tal inviabilidade é a base da política renascentista. E  
o processo que Maquiavel analisa, ao fim, redunda na consolidação necessária do  
absolutismo, que abre as portas para formas econômicas que tornam impossível a  
configuração sociopolítica vigente no Renascimento. Nas palavras de Chasin:  
Numa palavra, a expansão mercantil demandava governos capazes de  
ampliar seu campo de ação para muito além dos perímetros  
municipais e do teor e âmbito que tipificavam a administração  
anterior. Necessitavam, em suma, de um governo forte, tanto para  
efeito interno quanto externo, donde a inclinação para o absolutismo  
rei, príncipe ou senhor , à custa de todos os freios e limitações que  
haviam cercado a monarquia medieval. Para essa nova categoria  
social, era factível fortalecer e articular com o monarca, e não procurar  
o então impossível domínio dos dispositivos parlamentares,  
controlados pela nobreza, de modo que não lhe custava nada  
sacrificar as formas de representação à monarquia. (CHASIN, 2012, p.  
81)  
Os freios e as limitações que marcavam a monarquia medieval ainda são parte  
da teorização de Maquiavel sobre a política renascentista, que depende de um  
equilíbrio muito tênue, que o autor não deixará de tomar como necessário. A  
consolidação do poder central, bem como a expansão econômica baseada na  
economia mercantil são parte importante do que teoriza o autor de O príncipe sobre  
a política; ao mesmo tempo, as limitações da época, que são reconhecidas pelo autor,  
aparecem como contraposições constitutivas da política mesma. Como diz Chasin,  
sobre a composição social tratada por Maquiavel, “os segmentos sociais convivem em  
contraposição vigiada, que os limita e restringe.” No que continua o filósofo paulista:  
“as paixões devem vir à tona, mas para se dissiparem pela via segura e defensiva da  
normatividade institucionalizada” (CHASIN, 2012, p. 94). Para que tal situação pudesse  
ser mantida, seria necessária a emergência de algo que se contrapusesse aos  
dispositivos parlamentares (aqui entendidos no seu sentido mais amplo, e não no  
sentido contemporâneo ligado a uma concepção representativa de democracia), que  
seriam controlados pela nobreza. A violência seria inevitável; uma questão importante  
seria saber que tipo de violência levaria a algum lugar.  
Sobre o assunto, diz-se e O futuro ausente: “que o absolutismo de reis ou  
príncipes pudesse ser arbitrário e opressor não resta dúvida, mas era melhor do que  
qualquer coisa que a violência da nobreza feudal ou a fragilidade e os limites da  
cidade-república, aliás, pequena exceção, podiam oferecer” (CHASIN, 2012, p. 81).  
Maquiavel, dessa maneira, estaria colocado entre alternativas concretas típicas de um  
momento transacional na história. As determinações reais de sua época, porém, não  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
permitiam que sua concepção de história (e de política) trouxesse à tona qualquer  
capacidade de suprimir as contradições engendradas socialmente. Ou seja, a potência  
da política e, no limite, sua capacidade de moldar as relações sociais , tal qual  
ocorreu no caso da política antiga, advém das limitações da época do Renascimento.  
E, desse modo, de acordo com J. Chasin, as contradições sociais da época aparecem a  
Maquiavel de modo ainda obscuro.  
Em verdade, o autor de O príncipe vem a reconhecer o elemento antagônico da  
política, bem como as contraposições que se colocam nela. Ele traz um elemento  
realista e grandioso ao explicitar que a contraposição e o choque são inerentes à  
política. Isso expressa uma determinação importante da politicidade: sua base, bem  
como seu desenvolvimento, está na contraposição dos interesses dos indivíduos e dos  
segmentos sociais. E, em uma época marcada pela transição de um momento a outro  
da história, parece que é possível partir do caráter ativo daquele “centro de enervações  
constituído pela malha afirmativa do ético-político-jurídico” (CHASIN, 2012, p. 67).  
Porém, tal aparência traz consigo também a busca por um equilíbrio que é, ao fim,  
dissolvido por esse mesmo ímpeto ativo, o qual é um princípio do pensamento de  
Maquiavel. Ou seja, a política renascentista é tanto o resultado do ímpeto ativo do  
Renascimento quanto o sintoma da incapacidade, a ela inerente, de pensar-se como  
algo determinado socialmente. Veja-se: como se nota em O futuro ausente, o autor de  
O príncipe traz consigo uma apreensão reta da cotidianidade da política da sua época;  
porém, aquilo subjacente à forma aparencial da política não pode ser compreendido  
por Maquiavel. Ele reconhece o elemento antagônico da política; mas não compreende  
esse elemento na forma de uma contradição e, portanto, de algo que possa ser  
suprimido a partir das próprias potências gestadas nessa contradição mesma. O  
caráter ativo da política acaba se afirmando ao trazer a subordinação à sociabilidade  
vigente; porém, pretende-se determiná-la.  
Sua posição sobre a política, assim, expressa tais limitações. Seu realismo, ao  
mesmo tempo, vem com grandes ilusões. De certo modo, as contraposições são  
reconhecidas pelo autor de O príncipe, mas são tomadas como insuprimíveis. Como  
diz J. Chasin sobre o assunto: “interessa salientar é que, seja qual for o choque ou  
contraposição social que analise, sua rota tem por objetivo conservar o choque ou  
contraposição”, no que continua, “pois, é destes que emana a possibilidade de regular  
positivamente a convivência dos homens” (CHASIN, 2012, p. 95). A convivência do  
homem é tomada, ao fim, como inerentemente política e, com isso, no limite, toma-se  
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a própria natureza humana como algo com enorme grau de imutabilidade. Isso, que  
caracteriza a concepção ontopositiva da política, aparece em Maquiavel ao passo que  
“de fato, para Maquiavel, a desumanidade do homem está no próprio homem, cuja  
identidade perene é a maldade natural” (CHASIN, 2012, p. 97). De acordo com O  
futuro ausente, algo que vem a acompanhar o pensamento político renascentista –  
representado aqui em seu maior expoente é certa naturalização das relações sociais  
de uma época; uma concepção de natureza que emerge dessa situação acaba sendo  
estática, de maneira que é traçada uma relação entre o caráter insuperável das  
contradições sociais, a necessidade da política e certa natureza humana desumana. No  
limite, deriva disso certa “maldade natural”, tomada por base pela concepção positiva  
de política de Maquiavel.  
A grandeza, o realismo e as enormes limitações de Maquiavel são indissociáveis.  
O caráter prático de seu pensamento expressa tal elemento, inclusive. Isso ocorre,  
não tanto por uma posição imoral ou amoral, que não está presente no autor, de  
acordo com Chasin – “é superficial atribuir a Maquiavel o puro diapasão da indiferença  
moral” (CHASIN, 2012, p. 83). Antes, o autor apreendia algo que caracteriza a política  
em seu ser-propriamente-assim. A partir do estudo da política de sua época, o autor  
deixa de lado as ilusões que marcam o pensamento anterior; e, assim, certamente a  
moral joga um papel importante no seu pensamento até mesmo na medida em que o  
equilíbrio entre os agentes contrapostos aparece como uma necessidade ao autor.  
Porém, do ponto de vista prático, tem-se clareza sobre aquilo que é preciso se fazer  
para que a situação de equilíbrio instável que é tomada como algo natural seja  
mantida. O realismo do autor explicita-se ao admitir não só a violência como parte  
inerente à política, mas certo caráter animalesco, que redunda na impossibilidade de  
se distinguir vícios e virtudes na atividade política.  
Como diz Chasin, “desaparecia no terreno da atividade política a demarcação  
entre vício e virtude, suas figuras se embaralhavam, mudando constantemente de  
posição, numa metamorfose em que a limpidez se converte em sujidade, e a sujidade  
em limpidez” (CHASIN, 2012, p. 89). Isso traz consigo um pensamento sutil sobre a  
política, e o reconhecimento da natureza da atividade que é analisada de modo  
rigoroso. Diante de consequências desagradáveis de seu pensamento, o autor de O  
príncipe mantém suas posições e reafirma explicitando as mencionadas  
consequências justamente aquilo que pode parecer extremamente desagradável. No  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
que continua o filósofo paulista em O futuro ausente: “jamais antes ocorrera esta  
equivalência, isto é, a reflexão anterior nunca fora compelida a tal reconhecimento,  
mesmo porque não o poderia ter sido, uma vez que faceava ainda a pseudopolítica,  
movimentada em torno do estado-ilusório” (CHASIN, 2012, p. 89). O significado do  
pensamento maquiaveliano, pois, é enorme. Ele expressa a emergência do pensamento  
político moderno ao passo que assume como constitutivos da política atributos como  
uma maldade inerente, o caráter insuperável das contraposições sociais, bem como a  
desumanidade de parte da atividade política. Trata-se, nesse sentido, de uma  
verdadeira perda de ilusões. E, assim, como diz Chasin, “a mutação que se expressa  
nos escritos de Maquiavel é precisamente a passagem ao estado-verdadeiro, efetivado  
pela política-real” (CHASIN, 2012, p. 89). Trata-se, é verdade, da eternização da  
política, de uma posição segundo a qual não resta à humanidade outra alternativa que  
aceitar a monstruosidade como parte necessária da história social e política.  
Em O futuro ausente, Chasin explicita tal aspecto trazendo a imagem do centauro:  
Jamais alguém, antes de Maquiavel, ousara dizer coisas semelhantes.  
Ninguém anteriormente duvidara de que a prática política, tal como  
de fato se processa, estivesse replena de crimes, traições e  
perversidades. Porém, que o mestre de príncipes e o próprio príncipe,  
como expressão e manifestação de máxima sabedoria política,  
devessem ser mezzo bestia e mezzo uomo não só era inaudito,  
como traduzia, o que é muito mais importante, uma mutação  
fundamental. Antes, crimes, traições e perversidades eram vícios a  
serem vituperados e expungidos; agora, passavam a integrar o  
necessário modus faciendi da exercitação do poder. Ou seja, a crudeltà  
bene usate era elevada à dignidade de meio legítimo da atuação  
governamental. (CHASIN, 2012, p. 89)  
Meio besta, meio homem. Tal imagem, do centauro, é usada por Maquiavel  
explicitamente. Com isso, deixa-se de distinguir o vício e a virtude em determinados  
momentos; mas isso não significa que o equilíbrio a ser mantido politicamente não  
envolva uma dose considerável de moralidade, até mesmo porque há humanidade e  
desumanidade por lá. Que Maquiavel tenha sido o primeiro a explicitar essa marca da  
política, de acordo com Chasin, traz uma mutação fundamental. A perda das ilusões  
quanto a uma nova Athenas significa, ao mesmo tempo, assumir a crueldade, e a  
bestialidade, como atributos, por vezes, necessários à sabedoria política. E, nesse  
sentido, a posição maquiaveliana é muito distinta daquela vigente sobre a comunidade  
antiga.  
Ali, as ilusões ainda eram parte dos lugares comuns da teorização política. As  
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limitações da sociabilidade antiga tinham por trás de si a escravidão e a isonomia entre  
os cidadãos da pólis enquanto na aurora da sociedade capitalista, tratada por  
Maquiavel, há uma unidade entre poder política e negócios mercantis. O realismo do  
autor tanto faz com que ele apreenda elementos essenciais do ser-propriamente-assim  
da política quanto busque, na prática, justificá-los. Parte essencial de sua teorização,  
assim, passa pela moral. Há a necessidade de justificar a política como necessária e  
como algo essencial à manutenção de um equilíbrio instável e, em verdade,  
insustentável. Sendo coerente com seu ímpeto ativo e prático, o autor de O príncipe  
não se esquiva das consequências de seu pensamento; e mais: ele pensa sua  
teorização com algo que deva ser colocado em prática.  
A teorização de Maquiavel traz um círculo entre natureza humana, aceitação das  
contraposições como algo insuperável, a justificação da política e a moral. Em verdade,  
explicita-se claramente a dissociação entre a problematização do mundo ético, da  
eticidade. Com isso, as relações relativas à conformação concreta das famílias, das  
classes e segmentos de classes, bem como do estado são tomadas tanto como ponto  
de partida como ponto de chegada. As contradições que marcam a época do  
Renascimento são tomadas como meras contraposições, constitutivas não só da  
política, mas da sociabilidade como tais. Tem-se, assim, uma fundamentação  
sofisticada para a determinação ontopositiva da politicidade e, com isso, como se diz  
em O futuro ausente, “redunda, pois, que Maquiavel é capaz de reconhecer contrários,  
mas não contraditórios. Opostos supostamente beneficiados no choque que os trava,  
sem que qualquer um deles possa ou deva sobrepujar o outro” (CHASIN, 2012, p. 95).  
A incompreensão sobre o caráter contraditório das relações sociais leva à eternização  
delas e, com isso, da própria política que atua no sentido de que um grupo, segmento  
ou classe possa realmente sobrepujar outro. Aquilo que aparece, em verdade, como  
inevitável no desenvolvimento histórico ao se olhar para a política, é tomado como  
algo a se evitar politicamente.  
E a maneira como isso poderia se dar traz as determinações que mencionamos  
antes, as quais levam à necessidade de Maquiavel de justificar moralmente a política:  
O que cabe e convém apontar, na esfera da problemática moral, que  
sempre envolve a leitura dos escritos de Maquiavel, é que este,  
exatamente por seu vigoroso realismo, esbarra praticamente, sem a  
tematizar, na verdadeira questão ética: como justificar atos  
necessários, eticamente impossíveis de serem justificados? Esta  
pergunta, cuja visibilidade antes de tudo se manifesta na esfera da  
politicidade, não apenas situa rigorosamente o problema da eticidade,  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
mas aponta, em seus devidos termos, para a natureza e os limites da  
política e a sua excludência em relação ao mundo ético. (CHASIN,  
2012, p. 84)  
O realismo possível na época do autor é aquele que supõe relações  
historicamente situadas como algo cuja essência não pode ser transformada. A  
justificação moral da política leva à desconsideração da historicidade da tessitura da  
sociedade e, portanto, do problema da eticidade. A moral, portanto, faz parte da  
política mesmo em Maquiavel.  
Em verdade, ela é um elemento decisivo de seu pensamento. Sem a justificativa  
moral da política, os limites da prática política não podem ser entendidos na teorização  
do autor. A natureza e os limites da política não levam somente à bestialidade, mas  
também à humanidade. E, assim, também a prática e a compreensão maquiaveliana  
dessa prática trazem consigo como essenciais as limitações, bem como a necessidade  
de se manter um equilíbrio instável e, em verdade, insustentável. O vigoroso realismo  
do autor o leva, como não poderia deixar de ser, a se conformar nos limites de seu  
tempo. Suas posições, no entanto, dão início à tematização propriamente moderna da  
política.  
A peculiaridade de seu pensamento está em que há nele um profundo realismo,  
um vigor sem igual, ao mesmo tempo em que ele depende da imaturidade do  
capitalismo de sua época, que se coloca em meio ao mercantilismo em que não deixa  
explícito o caráter essencialmente contraditório da própria realidade social, bem como  
da eticidade e do mundo ético mesmos. Com isso, mesmo em um autor vigoroso, a  
política passa longe de resolver as contradições sociais. Ela as supõe. Há certa  
eternização delas, bem como da própria natureza humana, da maldade, e do caráter  
contraposto dos segmentos sociais.  
Maquiavel transita da admissão realista dos confrontos sociais à pura  
integração almejada das partes em litígio, desintegrando algo deste,  
numa sutil metamorfose discursiva. Em outros termos, indo  
diretamente ao ponto: um dos grandes méritos de Maquiavel foi ter  
constatado e admitido a existência do fenômeno social que, bem mais  
adiante, recebeu o nome técnico de contradição, porém, sob a forma  
reduzida e dessubstanciada do que também posteriormente foi  
chamado de conflito. (CHASIN, 2012, p. 93)  
As limitações da própria política aparecem na teoria do autor. Sua teorização  
sobre os confrontos sociais é, em verdade, fundamental para sua posição política.  
Também aqui, há uma determinação da sociabilidade, no caso, de uma  
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compreensão específica sobre a sociabilidade, sobre a politicidade. A incompreensão  
da natureza contraditória dos confrontos, bem como do caráter conflituoso deles –  
incompreensão essa socialmente determinada pela imaturidade das relações sociais  
renascentistas delimita a política maquiaveliana. Ela visa preservar o confronto sem  
que, para isso, leve-se a qualquer termo as contradições entre os segmentos sociais.  
Aliás, é necessário perceber que a dessubstanciação que Maquiavel impõe à  
política (trazendo as contraposições sem perceber de seu caráter contraditório e  
conflituoso), não o leva a pensar a política na oposição entre indivíduos isolados e  
atomizados. Sob a sociabilidade renascentista, o autor não tem uma concepção  
atomista que, posteriormente, a partir de Hobbes (e nos teóricos do direito natural  
como um todo) se tornará lugar comum e ponto de chegada. E, também aqui, a  
concepção de mundo de Maquiavel, como aponta Chasin, é resultante tanto dos  
avanços do Renascimento (e do mercantilismo) quanto da imaturidade do capitalismo  
que emerge nesse momento.  
Trata-se da admissão da contraposição, e do reconhecimento do caráter  
antagônico dos interesses dos grupos sociais. A liberdade, assim, é concebida como  
algo que se exerce contra um outro. Esse outro, porém, são os congregados sociais:  
Em suma, a liberdade maquiaveliana coabita o gênero da liberdade  
pobremente vivida e determinada contra, e não com o outro; todavia,  
dela se distingue pelo número dos opostos: enquanto na plenitude  
societária do capital essa forma de liberdade contrapõe, ideal e  
aparencialmente, indivíduos isolados, Maquiavel considera e raciocina  
com congregados sociais em oposição. (CHASIN, 2012, p. 96)  
A situação já moderna, mas ainda não marcada pela divisão do trabalho e pela  
atomização dos indivíduos que caracterizará a subsunção real ao capital, é o  
fundamento da concepção de política do autor. Se ele pensa em termos distintos do  
individualismo possessivo, isso não se dá por se colocar para além da sociedade  
marcada pelo domínio do capital. Em verdade, a imaturidade da sociabilidade  
renascentista é que aparece com toda a força aqui. O número de opostos que se  
colocam na política maquiaveliana decorre de sua incapacidade socialmente  
determinada de apreender tanto a real natureza das classes sociais quanto o  
processo de subsunção dos indivíduos aos imperativos produtivos, que ficam claro  
somente mais tarde, quando a oposição entre o moderno proletariado e a burguesia  
vêm à tona com toda a força. Também aqui, as marcas da concepção de política  
decorrem de uma situação de imaturidade, de um ainda não.  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
Tomar a concepção de Maquiavel por objeto sem estar ciente dessas  
determinações significa realizar uma análise, no mínimo, parcial e seletiva. No que é  
preciso que continuemos com a análise de O futuro ausente sobre o tema.  
A individualidade moderna é apreendida pelo autor florentino, mas as  
determinações dessa não podem ser-lhe claras. Como diz Chasin, “a reflexão  
maquiaveliana flagra a individualidade isolada em seu nascedouro; deixada só”, de  
modo que as contradições econômicas ainda não são plenamente visíveis como tais.  
No que se continua em O futuro ausente dizendo que tal individualidade, quando  
conforma-se diante de outros indivíduos, é “posta contra estes em competição, só  
pode refluir à animalidade. Este foi o panorama inaugural da modernidade em todas  
as sociedades” (CHASIN, 2012, p. 97). Maquiavel, portanto, busca evitar o confronto  
direto da animalidade dos indivíduos a partir do equilíbrio entre os grupos. Ele pensa  
certa maldade inata como algo inerente à sociabilidade humana, e aos próprios  
indivíduos. Na política, porém, como um centauro, a humanidade e a animalidade  
precisariam trazer o equilíbrio entre os congregados sociais em oposição. E, assim, a  
posição (moral) de Maquiavel é ligada à defesa do governo misto, que expressa  
justamente a lógica da contradição não resolvida:  
Depreende-se da forma do governo misto e do conteúdo que lhe  
corresponde a lógica da contradição não resolvida que, na acepção  
maquiaveliana, a liberdade é confinada a ser não mais do que o  
equilíbrio resultante da contraposição entre agentes societários  
mutuamente restringidos. (CHASIN, 2012, p. 95)  
Diante da incapacidade de a sociabilidade lidar com suas questões a partir de  
suas forças próprias, tem-se a necessidade da política. No caso de Maquiavel, de  
acordo com Chasin, isso traz consigo um realismo pungente, que reconhece as  
contraposições sociais que são essenciais à política. Ao mesmo tempo, porém, e em  
ligação com as determinações de seu tempo, a apreensão do conflito e da contradição  
como inerentes à politicidade e ao momento em que ela se impõe não pode se dar no  
autor de O príncipe.  
Podemos, assim, dizer sobre Maquiavel que ele pensa em termos essencialmente  
políticos por precisar aceitar as limitações da sociabilidade de sua época. A defesa do  
governo misto por sua parte, assim, é uma consequência de sua concepção sobre a  
sociedade e sobre a sociabilidade como tal. A liberdade, dessa maneira, é pensada  
como limitada e limitadora, como fadada a movimentar-se em meio a um equilíbrio  
tênue. Ele precisa da política, mesmo que essa possa manifestar-se, por vezes, de  
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modo bestial.  
No que diz Chasin sobre a convivência política em Maquiavel:  
O governo misto é, naturalmente, a formação ideal que encerra e  
revela esse aspecto crucial do pensamento de Maquiavel. (...) Isto nada  
mais significa, fundamentalmente, do que sustentar que, na condição  
de detentor exclusivo do poder, um vetor societário qualquer é  
incapaz de autorregulagem, donde a transgressão perversora que o  
leva à perdição. Em outros termos, que põem em evidência uma  
denotação essencial: o particular não pode ser jamais o molde ou a  
medida da universalidade do estado. O que torna imperativa a  
coparticipação dos demais vetores, cuja presença simultânea  
engendra e universaliza, pela pressão de uns sobre os outros, as  
medidas da convivência. (CHASIN, 2012, p. 92)  
O resultado prático da concepção maquiaveliana de política está em sua defesa  
do governo misto. Segundo Chasin, a lógica da contradição não resolvida decorre, em  
verdade, da incapacidade de autorregulação da sociabilidade renascentista.  
A defesa da política tem essas bases no autor e o levam a considerar o poder  
exclusivo como algo que não pode ser defendido. A perversão, bem como a perdição,  
seria inerente à própria limitação, tomada como fundamento por Maquiavel. A medida,  
também importante ao se passar pela política e pelo pensamento políticos gregos,  
aparece aqui novamente. Porém, ela não pode se explicitar por meio da mediania ou  
da defesa de uma individualidade não suficientemente autonomizada. A única solução  
estraria na coparticipação de diversos vetores, já que a universalização de um deles  
significaria essencialmente a imposição unilateral de determinada posição. A política,  
dessa maneira, expressaria justamente as limitações da sociabilidade daquele  
momento, que seria marcada por um momento transicional ao capitalismo colocado  
sobre os próprios pés.  
De acordo com Chasin, há, em Maquiavel, a admissão realista dos confrontos  
sociais, mas esses não são tomados como contradições sociais passíveis de supressão.  
O litígio passa a ser pensado como algo que deveria deixar de lado o conflito  
direto, tendo-se a necessidade de uma liberdade que só poderia ser autolimitação. As  
capacidades afirmativas, pungentes na sociedade renascentista, assim, aparecem de  
forma adstringida na política e essa última, por sua vez, passa a ser a medida da  
sociabilidade. E mais do que isso: parte da limitação autoimposta traz consigo a  
admissão da necessidade da bestialidade. Maquiavel acaba reconhecendo a  
contradição social e as oposições a ela inerentes como base da política; o  
tratamento do autor de O príncipe, no entanto, não pode reconhecer a contradição  
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como tal, mas somente sua forma dessubstanciada, que redunda na defesa do governo  
misto e da liberdade autolimitada.  
Chasin, assim, certamente traz que Maquiavel tem certa concepção de república  
(que não deixa de remeter a Roma antiga); porém, as limitações da república  
maquiaveliana são claras e ela convive tanto com certo elemento oportunista –  
incorporado pelo próprio autor de O príncipe quanto com uma liberdade marcada  
pela limitação e pela defesa do caráter autolimitado das individualidades. Assim, tem-  
se tanto um indivíduo que não é aquele átomo da economia política quanto alguém  
que traz consigo, não só um senso de oportunidade (a famigerada Virtú), mas um  
oportunismo dos mais crassos. Trata-se de determinações de reflexão presentes no  
pensamento político maquiaveliano; tentar separá-las é, no mínimo, unilateral e  
profundamente seletivo.  
Trata-se de algo marcado, de acordo com Chasin, “pela incapacidade radical de  
auto-ordenamento (ao nível mesmo de sobrevivência elementar) da forma de  
sociabilidade então emergente” (CHASIN, 2012, p. 89). É preciso destacar: também  
aqui, a política é pensada como resolutiva ao passo que se admite como ponto de  
partida limitações na sociabilidade. Há um elogio às limitações da sociabilidade  
emergente, a qual, como já mencionado, coloca-se, em verdade, em um momento  
transicional.  
E, desse modo, de acordo com O futuro ausente, a concepção de república de  
Maquiavel somente poderia se conformar da seguinte maneira:  
Em suma, dos contrapostos nasce a virtude, mas simultaneamente a  
adstringência e os limites, nada se perde, mas tudo é constrangido.  
Em realidade, a virtude tem a face do constrangimento, e o virtuoso  
(no singular e no plural), o ar pesado da coabitação forçada. Numa  
hipérbole pode ser dito que este é o perfil do paraíso republicano de  
Maquiavel. A todos é reservado um espaço, mas ele é estreito demais  
para o corpo inteiro: algo sempre tem de ser encolhido ou ficar  
perigosamente exposto. (CHASIN, 2012, p. 95)  
A virtude, analisada por Maquiavel sobretudo em O príncipe, é, em verdade, o  
fruto das limitações e da adstringência da sociabilidade nascente. Ela passa por um  
senso de oportunidade que é, ao mesmo tempo, realista ao admitir as contraposições  
como sua base, e oportunista ao mover-se em meio às contradições sociais as  
naturalizando como simples contraposições. Essas últimas, em verdade, são tomadas  
como inerentes à própria sociabilidade humana. Trata-se de uma circunstância que  
Chasin descreve como aquela do “ar pesado da coabitação forçada” (CHASIN, 2012,  
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p. 95). Esta seria, em verdade, uma fundamentação ineliminável da concepção de  
república de Maquiavel.  
Consciente da impossibilidade da república aos moldes romanos nos tempos  
modernos do capitalismo emergente, só resta ao autor de modo bastante realista –  
tomar como ponto de partida a liberdade autolimitada. O governo misto seria, assim,  
aquele em que todos têm lugar de certo modo, mas o espaço é demasiadamente  
estreito, e assim precisaria continuar. Nas palavras de Chasin, tem-se uma situação de  
difícil equilíbrio, em que “algo sempre tem de ser encolhido ou ficar perigosamente  
exposto” (CHASIN, 2012, p. 95). Virtude e fortuna, portanto, são necessários à teoria  
maquiaveliana ao passo que a política é o reino da contradição não resolvida e  
necessita da autoconstrição.  
O impulso ativo da república de Maquiavel, portanto, não haveria como ser  
aquele do povo livre, até mesmo porque a liberdade é tomada como autolimitação.  
Mas há algo mais, que é destacado por Chasin: a conformação da política diuturna não  
poderia vir propriamente de baixo; antes, ela precisaria partir de legisladores: “o  
legislador, portanto, é o arquiteto do estado e da sociedade, aí contidas todas as  
instituições políticas, econômicas, morais e religiosas” (CHASIN, 2012, p. 87). A  
sociedade, como tal, não poderia ser modificada significativamente, sendo suas  
contradições algo a que a política precisa se adequar. E, assim, não se trataria tanto  
de modificar a sociabilidade vigente para que se tivesse uma esfera pública distinta.  
Antes, a conformação política com tudo que isso implica da esfera pública precisaria  
ser o ponto de partida, com todos os vícios que fariam com que a moralidade e a  
bestialidade fossem faces do mesmo fenômeno.  
Como diz o filósofo paulista, “ainda mais: uma vez corrompida, a sociedade não  
é capaz de se reformar por si mesma; a empreitada demanda um legislador capaz de  
restaurar os bons princípios estabelecidos por seu fundador” (CHASIN, 2012, p. 88).  
A política, por meio do legislador, precisaria trazer, no limite, uma espécie de  
restauração. E, com isso, o éthos ativo do renascimento acaba por redundar em algo  
dúplice.  
Ao mesmo tempo em que os homens se colocam como artífices do estado, o  
modo pelo qual isso se dá leva-os a se submeter a uma sociabilidade tacanha e  
adstringida. O ímpeto ativo leva à submissão diante da potência estranhada colocada  
na política. É o legislador do governo misto que detém a capacidade de recriar aquilo  
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perdido.  
Ao fim, ao legislar aparece algo que “é em essência fundar o estado, ou seja,  
plasmar os ordenamentos da convivência civilizada”. No que complementa Chasin:  
“trata-se de um ato inaugural de poder que cria a sociabilidade, ou de uma ‘reforma  
fundamental’ que equivale a sua recriação” (CHASIN, 2012, p. 87).  
Já em Maquiavel, portanto, a submissão a formas adstringidas e limitadas de  
sociabilidade convive com a ilusão sobre a política. Ao mesmo tempo em que ela  
decorre dos limites mencionados, ela pensa a si como uma espécie de demiurgo, que  
cria a sociabilidade. A inversão entre sociabilidade e politicidade, desse modo, é  
explícita.  
A posição politicista está mesmo naqueles mais capazes de analisar a política a  
partir da perspectiva do próprio poder político, como Maquiavel. Nele, porém, as  
limitações da sociedade renascentista são pungentes, assim como haviam sido no caso  
da política grega. Hoje, quando se rende homenagens à política, a situação é muito  
distinta.  
Isso ocorre tanto porque as contradições que o autor de O príncipe não  
conseguia apreender em sua essência já se mostraram de modo cristalino quanto  
porque as limitações da sociabilidade do capitalismo em sua faceta mercantilista já  
foram, há muito, ultrapassadas. Ou seja, não há como comparar o grau de sofisticação  
e de honestidade de Maquiavel diante daqueles que, modernamente, pretendem segui-  
lo de modo mais ou menos seletivo. De acordo com Chasin, a obra maquiaveliana “é  
o próprio ponto de partida dos referenciais que ainda hoje atuam e dominam” (CHASIN,  
2012, p. 81). Porém, como não poderia deixar de ser, isso se dá de modo  
extremamente unilateral.  
Aceitar o cinismo do autor florentino, bem como a determinação social de seu  
pensamento, é algo difícil, tanto no século XXI quanto “ao final do século XX, quando  
a panaceia politicista invade e imobiliza a consciência e a prática de toda gente”  
(CHASIN, 2012, p. 81). Resta não analisada também “a determinação da natureza da  
politicidade, questão sempre tão estreita e dogmaticamente enfrentada” (CHASIN,  
2012, p. 81). E, desse modo, há de se reconhecer Maquiavel, e a natureza da  
politicidade, percebendo-se como a política, mesmo em suas formulações mais ricas,  
parte do elogio às limitações da sociabilidade vigente em determinado momento. As  
forças sociais que foram separadas na política só podem se manter como tais, com  
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algo externo, ao passo que há pobreza, limitação a adstringência na sociabilidade. A  
política só pode pretender dominar e determinar a sociabilidade na medida em que é  
dominada por essa, de modo claro.  
Do impulso civilizatório da política absolutista ao politicismo: a ruptura com as  
tendências afirmativas do homem e a maldade natural com ponto de partida  
De acordo com a teorização chasiniana sobre Maquiavel, tem-se o último teórico  
da república romana e o primeiro do estado absolutista. Assim, ao fim, o que vem a  
ser afirmado pelo autor de O príncipe é a concepção moderna de política, a qual traz  
consigo o absolutismo e o mercantilismo que se afirmam. Ou seja, trata-se de uma  
prática e de uma teorização que se colocam em um momento transicional, e que trazem  
consigo tanto a bestialidade que caracteriza o estado quanto o elemento moral e  
voltado a certa memória daquilo que se perde. Ambos esses elementos são  
constitutivos da política renascentista, analisada por Maquiavel a partir do domínio do  
poder político dos Médici. Os aspectos mais brutais e bestiais da política  
explicitados pelo autor são indissociáveis de seu profundo realismo; o apelo moral,  
presente, por exemplo, no modo pelo qual trata do governo misto e das  
individualidades que se desenvolvem não se separa do oportunismo do autor. A  
síntese marcada pela lógica da contradição não resolvida da política renascentista  
aparece, desse modo, de maneira bastante pungente no autor.  
Com isso, determinações importantes da política vêm à tona de modo claro. A  
sua base em uma sociabilidade limitada e limitante, a caracterização de uma liberdade  
autolimitadora, o estranhamento das potências societárias, certo olhar ilusório que se  
volta ao passado, a pretensão de se colocar como uma potência demiúrgica, a  
inevitável dependência diante das contradições presentes no tecido societário, a  
conjugação da bestialidade com a moralidade, a afirmação da maldade dos indivíduos  
e do homem, tudo isso marca a obra maquiaveliana em uma unidade orgânica presente  
em seu opus.  
A maneira pela qual o autor florentino coloca-se diante da realidade traz todas  
essas características de modo vivo e em ato. Com isso, a verdade da política  
renascentista, em toda a sua grandiosidade, está colocada na afirmação da  
modernidade do absolutismo que prepara o terreno para que o capitalismo se coloque  
sobre os próprios pés.  
De acordo com Chasin, portanto, o absolutismo não é algo alheio à política  
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moderna, mas uma parte essencial do caráter afirmativo da sociabilidade que é  
transmutada em politicidade no Renascimento. A unidade formada entre, de um lado,  
o incremento das forças produtivas e, portanto, das capacidades humanas, e doutro a  
violência estatal, não pode ser cindida neste contexto. Aquilo que se afirma no  
processo de soerguimento e consolidação do capitalismo são tanto as brutalidades  
quanto aquilo que é trazido com elas, inclusive, certa função civilizatória do  
absolutismo. As tendências afirmativas do Renascimento assim supõem, e o tratamento  
maquiaveliano da política expressa essa dualidade de modo bastante orgânico e  
pungente.  
Por outro lado, se formos nos voltar ao presente, de acordo com o filósofo  
paulista, a temática aparece de outra maneira. Em O futuro ausente, diz-se justamente  
que os defensores contemporâneos da política tendem a dissociar o indissociável  
quando se trata de olhar para Maquiavel. Tal qual ocorre ao se olhar a Antiguidade,  
as leituras são, no mínimo, seletivas. E, assim, a afirmação da política é parte essencial  
do modo dúplice pelo qual a emergência da sociedade capitalista com todos os seus  
elementos vêm a se dar. E, por mais que se tente dissociar essas determinações, isso  
não é possível.  
Por mais desconfortável que seja, especialmente para as vertentes do  
politicismo, reconhecer a modernidade do absolutismo, em seu tempo,  
e sua derivada função civilizatória, não pode haver transigência com  
qualquer forma de obscurecimento destes significados reais e  
delineadores da época. (CHASIN, 2012, p. 82)  
Uma tendência essencial do pensamento politicista contemporâneo é procurar  
dissociar o indissociável, oscilando entre certa nostalgia de tempos perdidos e a  
afirmação acrítica do presente. As determinações concretas da política, assim, são  
apreendidas de modo unilateral. Em geral, aquilo que se mostra como desconfortável  
é deixado de lado por aqueles que afirmam acriticamente o presente; já os que adotam  
a posição mais passadista podem até perceberem-se de aspectos desconfortáveis, mas  
acabam atribuindo-os a certa perda inerente à modernidade. Se Maquiavel havia  
trazido à tona elementos da política aceitando-os com todas as suas consequências,  
isso não ocorre nos pensadores contemporâneos. Eles acabam sequer trazendo o  
absolutismo como um momento importante da afirmação moderna da política; aquilo  
que acaba por moldar a própria politicidade moderna é deixada de lado. De acordo  
com Chasin, por outro lado:  
O tratamento do absolutismo culminou em talhe filosófico, [....], com  
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Thomas Hobbes, de sorte que Maquiavel (1469-1527), Bodin (1529-  
1596) e Hobbes (1588-1679) constituem a grande tríade dos  
fundadores do pensamento político moderno. (CHASIN, 2012, p. 82)  
O pensamento político moderno traz o absolutismo tanto em seus elementos  
brutais quanto nos civilizatórios como ponto de partida. A modernidade do  
absolutismo é bastante clara a Chasin. E, assim, há uma importante tendência  
afirmativa no renascimento; no entanto, a base social dessa tendência é justamente o  
insuficiente desenvolvimento da sociabilidade, as limitações e a insustentabilidade da  
condição social que dá fundamento ao equilíbrio instável e salvaguardado pela política.  
A afirmação resoluta do absolutismo rompe com tal situação e abre espaço para o  
desenvolvimento das forças produtivas que coloca o capitalismo para além de sua  
figura mercantilista.  
Que a política tenha que ser brutal e que o político deva ser oportunista para  
que isso possa ocorrer, é algo que já está presente no pensamento de Maquiavel; de  
acordo com O futuro ausente, não é possível retirar certo oportunismo do próprio  
autor de O príncipe. Nesse sentido, o autor florentino admite aquilo que ninguém antes  
dele teve coragem. E, assim, para que as tendências afirmativas do Renascimento sejam  
preservadas em seu pensamento, o talhe da política de sua época é afirmado. O autor,  
ao contrário daqueles que pretendem segui-lo hoje, traz consigo essa síntese do  
caráter afirmativo da atividade tipicamente renascentista com as determinações da  
política, o que significa incorporar tanto a brutalidade quanto o talhe afirmativo do  
pensamento renascentista.  
O preço para que isso possa se dar é a ausência de consciência do próprio  
Maquiavel acerca daquilo para o qual ele prepara terreno. Longe de o autor ser um  
entusiasta do desenvolvimento histórico à diante e do incremento das forças  
produtivas, ele traz uma concepção de história cíclica. Ou seja, a afirmação da política  
se coloca de modo inversamente proporcional à confiança nas potências da  
sociabilidade. E, assim, ao mesmo tempo, o centauro trazido pelo autor de O príncipe  
tem um papel fundante e só pode restaurar aquilo que teria sido perdido. A política –  
que à primeira vista aparece como grandiosa , ao fim, tem uma função, real e  
efetivamente, tacanha. O máximo que ele pode é trazer certo equilíbrio entre grupos  
se colocar entre a bestialidade e a humanidade do homem. A concepção maquiaveliana  
traz consigo certa natureza má dos homens e certa mesquinhez dos indivíduos e dos  
grupos e, com isso, a política só poderia equilibrar tais elementos, nunca se sobrepor  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
a eles. Dessa maneira, a grande tarefa política acaba sendo a de restaurar equilíbrios  
instáveis e, em verdade, insustentáveis.  
As tendências afirmativas presentes na política, com isso, acabam sendo aquelas  
de uma sociabilidade adstringida e que vêm trazer um elogio da liberdade  
autolimitada.  
Ao falar de Maquiavel, mas já remetendo a Hobbes, diz Chasin que:  
Portanto, há que repetir um grifo anterior, a atividade da sociedade  
política, mesmo em sua integridade jurídica, não pode nunca ser mais  
do que rude ferramenta que, em seus melhores momentos, interpõe-  
se entre a bestialidade e a humanidade, dando sempre por resultado  
a versão superficial ou ilusória desta, e a preservação irremediável da  
natureza daquela, seja reproduzindo a “comunidade” do choque  
(sociedade civil), seja reiterando o indivíduo isolado e perverso.  
(CHASIN, 2012, p. 97)  
Mesmo os melhores momentos da política que trata Chasin ao analisar as  
concepções ontopositivas sobre a política são aqueles que se interpõem sem qualquer  
resolução. Na verdade, como vimos, trata-se de um elemento mediador e reconciliador  
de fatores opostos e que são tomados como inerentes à sociabilidade como tal.  
A política, em Maquiavel, assim, por mais grandiosa que aparente ser, acaba por  
pressupor as autolimitações e a insustentabilidade da sociabilidade que lhe dá base.  
Colocar-se entre a humanidade a bestialidade significa aceitar ambas como  
contrapostos necessários. Já no caso de Hobbes, aqueles elementos organicamente  
ligados na concepção maquiaveliana começam a se dissociar. Tem-se, de um lado, a  
oposição entre sociedade política e sociedade civil e doutro, a pressuposição de uma  
espécie de estado de natureza. Os elementos trazidos por Maquiavel em uma unidade  
acabam por ser dissociados artificialmente a partir de uma concepção mecanicista e  
atomista que se vê obrigada a recorrer às teorizações do direito natural. Traz-se, assim,  
de um lado, uma versão superficial ou ilusória da humanidade e, doutro, uma  
concepção de natureza a ela contraposta. A oposição entre indivíduo isolado e a  
comunidade ilusória tratada por Marx em Sobre a questão judaica aparece pela  
primeira vez no pensamento hobbesiano.  
A unidade presente no cinismo e no oportunismo de Maquiavel começa a se  
romper e o pensamento político moderno começa a tomar uma face que ultrapassa o  
Renascimento, o mercantilismo e o equilíbrio tênue dos principados fiorentinos.  
Hobbes já expressa de modo mais evidente o processo da assim chamada acumulação  
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originária do capital. E, com isso, o indivíduo que aparece na teoria hobbesiana já é  
aquele que marcará a política moderna de modo claro, o indivíduo isolado e  
atomizado. Nas palavras de Chasin, trata-se da “compatibilização do homem aviltado  
com a desmoralização da política” (CHASIN, 2012, p. 102). A individuação já não  
aparece, como em Maquiavel, com um olhar voltado ao passado, mas em sua expressão  
mais claramente capitalista.  
O racionalismo de Hobbes, assim, evidencia uma das facetas do pensamento de  
Maquiavel e da política moderna. O autor florentino não tinha conseguido apreender  
tal aspecto de modo claro; se ele trata do egoísmo e do oportunismo, mas não pode  
entender o indivíduo ao modo tipicamente moderno, isso se deve ao caráter  
transicional da sociedade que trata. Há certamente elementos comuns a Hobbes e  
Maquiavel, porém, também é preciso passar pelas diferenças específicas entre seus  
pensamentos.  
Nesse sentido, diz-se em O futuro ausente sobre o autor de O Leviatã:  
Em suma, o esquema racionalista de Hobbes é a compatibilização e  
assimilação do homem aviltado com a desmoralização da política;  
enquanto tal é momento de grande importância na emergência real e  
temática da individuação, sob o processo altamente contraditório que  
o preside. Como no pensamento maquiaveliano, em contraste com o  
passado, há a desvalorização do homem em benefício da afirmação  
ilimitada da política. (CHASIN, 2012, p. 102)  
O pensamento hobbesiano expressa tanto o avanço do desenvolvimento das  
forças produtivas quanto a emergência do processo de individuação em sua expressão  
que avança com a emergência do capitalismo. Assim, o processo contraditório em que  
se afirma o indivíduo aviltado é o mesmo em que a individuação se conforma real e  
efetivamente. O avanço trazido pelo absolutismo, portanto, é inegável, segundo  
Chasin.  
A função civilizatória que ele traz, com isso, é evidente. Porém, perde-se também  
as tendências afirmativas que pretendiam se conciliar com uma posição moral frente à  
política. A partir de então, o homem moral e a sua natureza aparecem de modo  
absolutamente contraposto; do centauro de Maquiavel, passa-se ao Leviatã, de  
Hobbes.  
As diferenças entre os dois pensamentos, assim, são acentuadas. Porém, como  
mostra-se em O futuro ausente, tem-se o elogio da politicidade em oposição à  
sociabilidade em ambos os autores. E mais: isso só pode ocorrer ao passo que o  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
próprio homem é desvalorizado. Aquilo que aparece de modo bastante meandrado no  
autor de O príncipe, vem de modo evidente em Hobbes. O processo contraditório de  
afirmação da individuação vem a ser o mesmo pelo qual o aviltamento do indivíduo  
redunda na desvalorização do homem. Daí se ter a afirmação da política como a outra  
face da desvalorização do homem. Mesmo que os ganhos da afirmação do absolutismo  
que trazem também aquilo de mais bestial sejam objetivos, a subjetividade de  
homens como Hobbes e Maquiavel, que apostam na política contra a sociabilidade  
limitada, traz uma concepção de homem que, não só é tacanha: remete a uma espécie  
de maldade natural.  
No autor de O príncipe, isso aparece na medida mesma do elogio da politicidade:  
Embora o tema da maldade natural do homem não seja uma  
originalidade maquiaveliana, a radicalidade com que é versado e a  
necessidade de sua conexão com o primado da política não tem  
precedentes. De outra parte, sobre a determinação ontopositiva da  
politicidade, à qual o pensamento de Maquiavel está naturalmente  
afiliado, constituindo mesmo seu expoente máximo à época do  
advento do estado verdadeiro, quase nada é preciso dizer, tal a  
evidência de que se reveste no caso, não só maximizando a  
importância universal do poder político, como o estatuindo na única  
e efetiva condição de possibilidade da existência civilizada. (CHASIN,  
2012, p. 98)  
A radicalidade da tematização da maldade natural dos homens aparece  
justamente com a necessidade do primado da política. Dessa maneira, não se tem só  
as limitações e autolimitações societárias como ponto de partida e de chegada no  
pensamento maquiaveliano; a naturalização da maldade é algo que precisa  
acompanhar sua teorização.  
Maquiavel, de acordo com Chasin, coloca-se como o expoente máximo da  
determinação ontopositiva da politicidade. Talvez, possamos dizer que isso se dá  
porque a clareza e o modo explícito pelo qual as determinações da política aparecem  
no autor de O príncipe são únicos. Ele assume cada uma das determinações essenciais  
da política sem que se esquive de quaisquer aspectos desagradáveis ou  
inconfessáveis. Tem-se uma visão sobre o que Chasin chamou de estado verdadeiro,  
que emerge no Renascimento e consolida-se em sua primeira forma no estado  
absolutista. Aqui, “há a desvalorização do homem em benefício da afirmação ilimitada  
da política” (CHASIN, 2012, p. 102). Com isso, uma concepção de maldade inata  
emerge ligada à própria afirmação da politicidade.  
Isso ocorre, de acordo com O futuro ausente, “não só maximizando a importância  
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universal do poder político, como o estatuindo na única e efetiva condição de  
possibilidade da existência civilizada” (CHASIN, 2012, p. 98). E, com isso, passa a  
haver uma ligação inquebrantável na concepção moderna de política entre a maldade  
humana e a necessidade da política. Sobre o assunto, diz Chasin que, “com efeito, a  
visão desencantada do homem, a malvadez como identidade da alma humana é uma  
instauração da modernidade”, no que ele continua dizendo: “e em seus albores  
Maquiavel foi seu grande arauto, para cujas mazelas sua voz consequente, através da  
consistência de uma fórmula matrizante, anunciou também a terapêutica sem cura do  
poder político” (CHASIN, 2012, p. 99). A política, assim, não é só um fruto da  
contradição social não resolvida, ela também traz consigo justamente uma espécie de  
“terapêutica sem cura”. E, assim, mesmo em Maquiavel, a política passa longe de ser  
resolutiva. Em verdade, ela supõe todos os males a começar, certa visão da natureza  
humana sobre os quais atua.  
A formulação presente em O futuro ausente sobre tal condição é a seguinte:  
Em conclusão, o que importa deixar patente é que os dois complexos  
ontológicos política e natureza humana polarizados  
qualitativamente e impermeáveis um ao outro, aparecem, no entanto,  
funcionalmente indissociáveis, e numa relação inversamente  
proporcional que desfavorece radicalmente o homem, o qual,  
negativamente determinado, converte-se na pedra angular que  
suporta ou torna possível, no extremo oposto, a alta qualificação da  
política. (CHASIN, 2012, p. 98)  
Para Chasin, política e natureza humana aparecem em correlação íntima, de modo  
que, em verdade, há uma relação inversamente proporcional entre uma e outra: tanto  
menos é valorizado o homem, mais a política aparece em alta conta. A determinação  
da maldade inata, assim, torna-se uma espécie de suporte para a política, o que tem  
início já em Maquiavel, mas se amplifica em autores como Hobbes. E, deste modo, a  
terapêutica sem cura da política é afirmada de modo pungente ao mesmo tempo em  
que a sociabilidade e a natureza humanas são empobrecidas de modo aviltante. A  
visão sobre uma sociabilidade inerentemente estranhada e sem possibilidade de  
manter-se por suas próprias forças impõe-se. A fundamentação teórica da política,  
desse modo, passa a ser um posicionamento que supõe as limitações e autolimitações  
de certa forma de sociedade.  
Pelo que dissemos, principalmente em Maquiavel, mas também em Hobbes, tais  
elementos aparecem de modo indissociável. Trata-se de grandes autores, que trazem  
em suas concepções de mundo uma visão ontopositiva da política. Chasin, aliás, trata  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
dos momentos em que a politicidade se mostra em seus talhes mais ricos, como já  
dissemos. E, desse modo, ele não está a analisar a teorização de autores que não  
tenham mesmo que de modo meandrado tendências afirmativas se explicitando  
em seus pensamentos. Ele analisa os gigantes doutras épocas e mostra como que o  
elogio que eles tecem à política é socialmente determinado. Também se nota o modo  
pelo qual o filósofo paulista faz uma análise detida, mostrando como que tais autores  
expressam elementos dúplices que não podem ser dissociados. No entanto, segundo  
O futuro ausente, não é sempre que, na atualidade, tem-se tal tipo de análise. Em  
verdade, tem-se posicionamentos unilaterais.  
Ao tratar das leituras que são feitas sobre Maquiavel, nosso autor explica que é  
gritante como há interpretações profundamente seletivas. Com isso, perde-se,  
inclusive, o modo pelo qual as tendências afirmativas do Renascimento manifestam-se  
no autor florentino. Aliás, de acordo com Chasin, isso é sintomático de uma época em  
que essas próprias tendências afirmativas são, na melhor das hipóteses, deixadas de  
lado.  
De acordo com J. Chasin, sua época (que é a nossa) está marcada por uma:  
Ruptura sintomática que opera, com unilateralidade extrema, em  
relação ao núcleo das tendências afirmativas do homem, práticas e  
reflexivas, que se estruturou a partir do Renascimento e foi  
reenfatizado pelo Iluminismo, vindo a constituir o eixo dinâmico em  
torno do qual girou em todos os planos, desde então, inclusive como  
plataforma de impulsão superadora, o melhor dos esforços pela  
hominização. (CHASIN, 2012, p. 60)  
O pensamento do próprio Maquiavel e de Hobbes trariam, ao mesmo tempo,  
limitações profundas e uma tendência afirmativa. O Renascimento e, posteriormente,  
o Iluminismo estariam marcados por essa duplicidade. De um lado, tem-se por base a  
sociedade burguesa em consolidação e os impulsos progressistas dessa, doutro, o  
modo pelo qual tal sociabilidade é profundamente limitada. Há, desse modo, uma  
unidade complexa em grandes pesadores da política como Maquiavel e Hobbes, por  
exemplo.  
O cenário que Chasin escreve, porém, é completamente outro. Mesmo que  
autores como os mencionados sejam supostamente tomados por base, o que se dá,  
em verdade, são leituras unilaterais. E isso, como não poderia deixar de ser, não se  
deve somente a leituras equivocadas. Tem-se uma base social distinta: os elementos  
mais avançados da sociabilidade burguesa são abandonados e, em seu lugar, resta um  
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pastiche das teorias desses autores, e de outros. O impulso pela hominização, bem  
como a plataforma de impulsão superadora que marcaram tanto o Iluminismo quanto  
o Renascimento acabam por ser uma parte do passado. A tematização da natureza  
humana mantém-se forte, mas de modo a se reafirmar a todo momento o aviltamento  
da personalidade dos indivíduos.  
Com isso, tal qual anteriormente, “há a desvalorização do homem em benefício  
da afirmação ilimitada da política” (CHASIN, 2012, p. 102). Porém, isso se passa sem  
qualquer afirmação das “tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas”  
(CHASIN, 2012, p. 60). Ou seja, trata-se do pior dos mundos. Aquilo que não podia  
ser dissociado nos grandes autores da política moderna, como Maquiavel e Hobbes,  
aparece dessa maneira agora. E com um agravante: antes havia uma unidade  
contraditória que trazia mesmo que de modo profundamente contraditório –  
avanços. Agora, por outro lado, oscila-se entre, de um lado, aceitar a sociabilidade  
presente acriticamente tomando a política em sua forma mais mesquinha e, doutro,  
idealizar a política doutro momento geralmente aquela da Antiguidade em  
detrimento da política moderna do dia a dia. Os autores que tratam da política com  
uma concepção ontopositiva, portanto, procuram separar aquilo que é inseparável no  
pensamento dos autores clássicos. Fazem isso, porém, porque as tendências  
afirmativas que marcavam o pensamento e a atividade desses pensadores não  
estão mais presentes. Ou seja, de acordo com Chasin, aquilo que acompanhou a defesa  
honesta da política por autores renascentistas e iluministas as tendências afirmativas  
sai de cena. E chega-se a um momento em que o pensamento político não pode ser  
mais que a sombra daquilo que já foi, por mais que ainda se afirme.  
O politicismo contemporâneo, com isso, é extremamente unilateral. Em verdade,  
é, no limite, apologético. Ele procura primeiramente reafirmar aquilo de mais aviltante  
e vil na sociabilidade humana. Os esforços vão no sentido de uma ruptura com as  
melhores tendências do passado; opera-se um elogio aos aspectos mais limitados e  
limitantes da sociabilidade capitalista para que, então, seja possível defender e  
justificar a política.  
Nota-se que não se trata, como em Hobbes ou Maquiavel, de autores que  
defendem uma concepção ontopositiva da politicidade em um momento  
essencialmente transicional. Com os autores de O príncipe e de O Leviatã, a afirmação  
da política redunda no estado absolutista, e na defesa da superação de elementos da  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
sociabilidade feudal. Ou seja, trata-se de enxergar na práxis e na teoria de tais autores  
tanto a modernidade do absolutismo quanto seu caráter progressista à época. Em  
outras palavras: a defesa do absolutista trouxe consigo um impulso civilizatório ao  
passo que o politicismo atual defende a manutenção da sociabilidade vigente, por mais  
aviltante que ela se mostre.  
Maquiavel eterniza a sociabilidade de sua época e isso também pode ser dito  
sobre Hobbes. Porém, é preciso perceber que os autores fazem isso devido às  
limitações de suas épocas, sobre as quais não são e nem podem ser plenamente  
conscientes. Aqueles que partem dos dois autores mencionados hoje, por outro lado,  
estão plenamente conscientes da configuração já consolidada (e decadente) do  
capitalismo. Não se tem, portanto, uma defesa de uma nova e superior sociabilidade  
emergente. Antes, ocorre o contrário. E, assim, não se trata mais de uma concepção  
adstringida devido ao caráter limitado e limitante da sociabilidade da época; o  
incremento das forças produtivas é pungente hoje. O desenvolvimento das  
capacidades humanas também. Porém, igualmente forte vem sendo a tendência à  
defesa da impossibilidade de liberar tais potencialidades.  
No politicismo, tais potências sociais são caladas e a base social de uma  
sociabilidade aviltante é mantida. Segundo Chasin, as bases do próprio entendimento  
político, estão na impossibilidade de autorregulação. E, assim, hoje, a situação parece  
ser bastante dúbia: o incremento das forças produtivas é gigantesco e, desse modo,  
as limitações que deram base à politicidade grega e renascentista já estão há muito  
superadas. Porém, tal qual ocorre na época do Renascimento, parece não haver  
qualquer vetor societário que seja efetivamente capaz de autorregulação econômica e  
social. A esfera pública parece somente ser pensável em termos políticos, de modo  
que uma mudança substancial na sociabilidade vigente acaba por ser vista como uma  
impossibilidade; ao menos nas condições presentes, o proletariado moderno (em seu  
sentido mais amplo) bem como as diversas classes trabalhadoras sequer conseguem  
organizar suas próprias agremiações políticas tamanha a miséria intelectual da  
esquerda e de tal monta é a derrota (ainda não compreendida plenamente) que marcou  
em nível mundial desde que O futuro ausente foi escrito. É preciso, por isso, colocar a  
questão incômoda que J. Chasin colocou, sobre o agente social interessado. O texto é,  
dentre outras coisas, o aviso de que, tudo mais constante, a derrota seria acachapante.  
E ela vem sendo. Em verdade, não parece que estamos avançando prática e  
teoricamente no debate sobre as determinações da politicidade. O silêncio que vem  
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sendo imposto ao pensamento de Chasin, aliás, é sintomático sobre isso e vem se  
impondo diuturnamente a nós.  
Na melhor das hipóteses, debate-se sua tese sobre a determinação ontonegativa  
da politicidade de modo profundamente unilateral. Tudo se passa como se o apelo do  
filósofo paulista fosse no sentido do abandono da luta política e da aceitação tácita  
das determinações do presente. E obviamente não é o que acontece em suas  
teorizações, as quais falam sempre da necessidade de uma prática que tenha em conta  
as limitações da política para que, assim, possa remeter, por meio de uma espécie de  
metapolítica, para além dela. O futuro ausente é uma magistral tentativa inacabada  
de compreensão das determinações da própria política. Essas determinações trazem  
limitações inerentes à própria politicidade, limitações essas que advém do próprio  
processo histórico de constituição e desenvolvimento da política. Não se trata,  
portanto, somente de uma “interpretação” de J. Chasin sobre a obra de Marx. E, caso  
se queira debater o tema de modo minimente sério, é preciso buscar realizar um  
trabalho à altura daquilo que se fez buscando, ao mesmo tempo, uma crítica à política  
e o resgate da emancipação humana. Tais determinações, cada vez mais, parecem ser  
indissociáveis.  
O futuro ainda ausente: a defesa acrítica da politicidade e a necessidade de  
continuidade no trabalho de J. Chasin  
Chasin não está tematizando a ontologia e a política para mostrar erudição.  
Embora seu texto seja erudito, ele pretende passar com cuidado pela gênese e pelo  
desenvolvimento da própria esfera da política em seu ser-propriamente-assim. Ou seja,  
trata-se de buscar compreender os limites e as possibilidades que se colocam em cada  
esfera do ser social, ao enxergar a política, inclusive, em seus melhores momentos,  
como aqueles que marcam a Antiguidade e o Renascimento. Há um esforço no sentido  
de se mostrar que o ser da política precisa ser compreendido historicamente e que o  
pensamento político traz consigo uma determinação social que não pode ser deixada  
de lado. O futuro ausente realiza uma análise imanente de grandes momentos do  
pensamento político. Tal análise, no entanto, volta-se ao presente e tem em mente a  
maneira como tal tema, de tamanha importância, é negligenciado. Isso é importante  
para o autor paulista até mesmo porque, em um cenário de profunda miséria  
intelectual, “o lema, ontem e hoje, tem de ser a recriação da esquerda pautada em  
sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28).  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
O futuro ausente é um exercício magistral para que possamos ter acesso a bases  
teóricas sólidas. Na época que foi escrito, no entanto, seja no baixo clero acadêmico,  
por meio da apropriação de cacoetes e de “indivíduos moralmente falidos” (CHASIN,  
2001, p. 26) ou em meio “politicismo da correlação de forças” (CHASIN, 2001, p. 35),  
que se colocou na prática via Fernando Henrique Cardoso, o apreço por uma teoria  
que tentasse escavar as determinações da política estava fora de cena. Com isso, a  
esfera econômica é limitada a um dos fatores a serem considerados e não é  
compreendida real e efetivamente. Ela acaba por ser tomada como um dado natural,  
que tem como contraparte, o apelo à vontade política. Trata-se de algo que tem uma  
das suas raízes na “sabida e reiterada falta de produção teórica de qualidade nos  
círculos da esquerda organizada”, que, segundo Chasin, constitui-se como “defeito  
capital cujas raízes tinham assento, sem falar nos constrangimentos extrateóricos, no  
desconhecimento do pensamento marxiano e nas suas versões aleatórias e disformes”  
(CHASIN, 2001, p. 6). O futuro ausente, portanto, coloca-se também no sentido do  
desenvolvimento de um projeto marxista que contra o marxismo vulgar e no sentido  
oposto do marxismo da analítica paulista pudesse colocar-se no sentido da “recriação  
da esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28) e que tivesse  
como horizonte a emancipação humana.  
No cenário desolador mas não apocalíptico que se mostra a J. Chasin, isso  
seria essencial. Hoje, a questão é ainda pior. Na época em que é escrito o texto  
chasiniano, “o instante exibia também a derradeira falência da esquerda tradicional e  
a inconsistência dos credos e propósitos da então chamada nova esquerda” (CHASIN,  
2001, p. 6). Agora, porém, aqueles que buscam contestar o presente, muitas vezes,  
como ocorre nos já mencionados Mouffe e Agambem, sequer defendem qualquer  
esquerda. Acreditam que a oposição entre esquerda e direita é ultrapassada; com isso,  
nem mesmo verbalmente, colocam-se a favor de qualquer projeto emancipatório.  
Antes, tem-se o contrário: suas teorias, como aquelas de pensadoras como Hannah  
Arendt, nascem da repulsa a qualquer forma de revolução social. Não conhecem nada  
do marxismo e nem pretendem fazê-lo, mas sempre vão criticar um espantalho teórico  
que, na melhor das hipóteses, beira o marxismo vulgar. O projeto de “recriação da  
esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28), assim, seria, no  
limite, inadmissível à própria esquerda. Primeiramente, porque não se colocam como  
“esquerda”, depois, porque há uma, cada vez mais evidente, aversão a qualquer  
teorização de mais fôlego.  
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O futuro ausente pretende se voltar contra o automatismo imposto no cotidiano  
da reprodução ampliada do capital. Sua crítica à política (já presente em Marx, mas  
fortalecida pelo estudo chasiniano da gênese e do desenvolvimento da politicidade) é  
um requisito necessário para a crítica às relações de produção capitalistas. Para que  
digamos de modo mais claro: não há como se fazer a crítica à economia política sem  
se voltar contra os procedimentos especulativos do idealismo e sem a crítica à política.  
Nas sociedades em que vige o modo de produção capitalista, o politicismo aparece de  
modo quase que natural. E, assim, a crítica da política é essencial porque, de acordo  
com Chasin:  
O politicismo é intrínseco à ordem do capital: a ordem econômica é  
natural, a ordem política é o que resta para o homem configurar, e  
esta é decisiva, molda a convivência e realiza a justiça. A economia é  
[vista como] uma espécie de pano de fundo por si amorfo, ou melhor,  
uma plataforma virtual com várias possibilidades, que será decidida  
pela política - correlação de forças constitutiva de alianças. (CHASIN,  
2001, pp. 34-35)  
A tematização presente em O futuro ausente, portanto, é aquela de alguém se  
volta às melhores concepções sobre a política do passado. Isso se dá para que se veja  
a grandeza de homens como Maquiavel e Hobbes, certamente. Também se tem as  
determinações da política emergindo de modo orgânico nesses autores. Porém, a  
comparação dos autores do Renascimento e do Iluminismo, por exemplo, com aqueles  
que acreditam no tempo de Chasin, mas também hoje terem ultrapassado tais  
tradições mostra elementos muito importantes do presente. Não se trata somente da  
já mencionada “ruptura sintomática que opera, com unilateralidade extrema, em  
relação ao núcleo das tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas” (CHASIN,  
2012, p. 60) vigentes anteriormente. Tem-se um verdadeiro elogio à irracionalidade  
do capital, que é tomada como uma espécie de segunda natureza. E é preciso  
mencionar: mesmo no plano dos diversos marxismos, isso se dá ao passo que a política  
passa a ser pensada como algo decidido a partir da simples correlação de forças. Tudo  
se passa como se as formas e as figuras econômicas tratadas por Marx em O capital,  
mas que precisam ser estudadas hoje de modo cuidadoso fornecessem uma espécie  
de cardápio no meio do qual a política pudesse se conduzir.  
Mesmo em meio ao marxismo, trata-se de um politicismo atroz. Na figura do  
marxismo vulgar, isso era marcante: “o marxismo vulgar, politicista e praticista, situa-  
se nas franjas putrefatas da lógica do passado: o mito nacional-estatista, proletário e  
sindical” (CHASIN, 2001, p. 30). A poesia do marxismo vulgar se é que tal falatório  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
pode ser chamado de poesia só pode ser tirada do passado e denota uma total  
incompreensão da realidade. Sobre esse aspecto, e o desenvolvimento da “esquerda”  
de seu tempo, diz Chasin que “a falta de cultura marxista é massacrante” (CHASIN,  
2001, p. 45). O “diálogo” com essas tendências, assim, era inviável, assim como hoje  
ainda é. Na época de O futuro ausente, as coisas se apresentavam da seguinte maneira:  
O marxismo vulgar no Brasil, hoje, é misticamente nominalista, pratica  
a crença primitiva nos atos de fala, age como se o uso de certas  
palavras tivesse a magia de promover adventos reais. Hoje, reduzido  
ao ritualismo verbal, o uso das palavras é feito ao modo das  
invocações, uma vez que tudo pode ser realizado, na medida em que  
Deus queira e haja vontade humana. O marxismo vulgar, por seu  
politicismo e nominalismo, é obrigatoriamente antiontológico, ou seja,  
subjetivista e voluntarista, [donde considera que a] política é remédio  
para o egoísmo natural do homem. (CHASIN, 2001, p. 26)  
Curiosamente, nada mais longe do marxismo vulgar da época de Chasin que o  
materialismo. Em verdade, o nominalismo que domina tal vertente acaba por ser, não  
só idealista, mas marcado por certo elemento mágico. Também aqui se nota que a  
força das palavras, ou dos “atos de fala” (para que se siga a dicção de Austin) acaba  
por aproximar na prática tal marxismo de vertentes das mais caricatas do pós-  
estruturalismo.  
A posição antiontológica, subjetivista e voluntarista que domina o marxismo  
vulgar da época que é escrito O futuro ausente, porém, ainda vai mais longe, trazendo  
o politicismo em sua forma mais atroz. Ou seja, tem-se um marxismo que oscila entre  
o determinismo econômico e o politicismo e que, não consegue fazer mais do que um  
ritualismo verbal. A mágica, e o caráter invocador, de tal posição representa claramente  
uma ruptura com as tendências afirmativas do homem, práticas e reflexivas. E, desse  
modo, tem-se um revolucionarismo verbal; como diz Chasin, “é a contrarrevolução em  
nome e na simulação (consciente ou inconsciente, não importa) da revolução” (CHASIN,  
2001, p. 27). Trata-se de uma espécie de marxismo de simulacro, em que a lógica do  
passado domina o presente com uma postura antiontológica que supostamente  
compreende as contradições da própria realidade. Conjugado com o baixo clero  
acadêmico, tal marxismo não capta as coisas em sua lógica específica; ele “não é a  
gravitação em torno da reprodução conceitual das coisas em sua complexidade e  
mutabilidade, mas a gravitação sobre o oco de suas ambições mesquinhas” (CHASIN,  
2001, p. 27). Tal é a munição da “esquerda” – que Chasin não deixa de chamar de  
pseudoesquerda da época em que o texto que aqui tratamos foi escrito.  
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Assim, segundo o autor, “a ‘esquerda’ faz um pastiche de si mesma ao ser incapaz  
de encarar e encarnar a tragédia, apesar da realidade desta” (CHASIN, 2001, p. 44).  
Hoje, porém, tal qual em outros pontos, a questão é ainda pior. O caráter mágico  
e irracionalista dos atos de fala explicitamente é base de diversos autores  
supostamente críticos. Do giro linguístico que marca a teoria de Habermas depois da  
Teoria do agir comunicativo até hoje, passando pela abordagem dos mais diversos  
temas importantes, como raça, gênero, patriarcado, colonialismo, tem-se não só a  
economia como mero fator, ou uma oscilação entre o economicismo e o politicismo.  
Tem-se muitas vezes a aversão a qualquer análise econômica séria. O marxismo vulgar  
e a nova esquerda ainda acreditavam erroneamente que compreendiam as relações  
econômicas de sua época. A esquerda representada em autores como Agamben,  
Mouffe e outros sequer passa por qualquer análise econômica. Se o marxismo vulgar  
acabava em uma espécie de reboquismo quanto ao sindicalismo e ao  
desenvolvimentismo, hoje, em grande parte das vezes, nem sequer se pretende  
elaborar um programa econômico. O subjetivismo e o voluntarismo acabam sendo  
ainda mais pronunciados e o elogio à política ainda mais unilateral. O caráter  
performático e performativo para que continuemos a usar as expressões de Austin –  
ainda são mais salientes e hipertrofiados que antes.  
Com Chasin, pode-se trazer, ao fim, uma ligação entre politicismo e irracionalismo  
ou uma concepção atrófica a adstringida de razão: “o ato político não é um ato  
racional, mas um ato de razão de baixa qualidade, de razão atrófica. O ato político  
enquanto racionalização é uma corruptela da racionalidade” (CHASIN, 2001, p. 37). A  
política, assim, acaba por acatar à racionalidade do próprio capital.  
Tanto antes, como hoje, ao invés de se ter uma crítica à ordem do capital, tem-  
se a aceitação dessa, no melhor dos casos, como campo de possibilidades. E, com isso,  
um irmão gêmeo do politicismo é a incompreensão sobre as determinações  
econômicas do sistema capitalista de produção. Chasin mostra em O futuro ausente  
como que é impossível pensar a política dessa maneira; primeiramente, o filósofo  
paulista explicita a determinação social da política em seus momentos mais icônicos.  
Como demonstramos acima, isso traça as limitações da sociabilidade que dá base à  
politicidade. E, com isso, acaba por haver uma valorização tanto maior da política  
quanto mais aviltante é a concepção de sociabilidade e de natureza humana tomada  
por base. Uma esquerda que é incapaz de criticar a política, portanto, vê-se como  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
caudatária do movimento do capital.  
O tom como isso se dá muda da época em que Chasin escreve seu texto para  
hoje, certamente. Mas, no essencial, há continuidades, que dificultam a “recriação da  
esquerda pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28). Em verdade, se  
a esquerda de ontem acabava por adotar certo pluralismo avesso à noção de verdade  
objetiva e de ciência, hoje, ao fim, acaba por haver, no limite, certa aversão à própria  
teoria.  
Com isso, a crítica acaba sendo vazia e, ao fim, a ordem econômica é tomada  
como algo natural. O que é preciso deixar claro é que tal aspecto, que torna a política  
como algo resolutivo, é tomado de modo muito mais unilateral na sociedade capitalista  
plenamente desenvolvida: as possibilidades que emergem com o desenvolvimento das  
forças produtivas parecem poder ser efetivadas em meio à própria ordem do capital.  
O politicismo, assim, aparece como a contraface da incompreensão das contradições  
econômicas da sociedade capitalista. Essas últimas não só são tomadas como algo  
amorfo; acabam sendo naturalizadas. Sobre elas, poderia, inclusive, por meio da  
vontade política, edificar-se a justiça! O vazio da “justiça social” toma o lugar da crítica  
da política e da economia política. Ao invés do entendimento profundo sobre a lógica  
da coisa, da reprodução das coisas em sua mutabilidade e complexidade, o  
nominalismo. Assim, não se tem mais a discussão teórica, que pode redundar na  
elaboração de táticas para se modificar substancialmente à realidade. Hoje parece, no  
limite, que falar de “realidade objetiva” é algo obtuso ao campo da filosofia. E é preciso  
dizer que a esquerda atual dos atos de fala, sob esse aspecto específico, está em muito  
mais continuidade com o marxismo vulgar do que acredita, sendo o politicismo comum  
a ambos.  
O combate a essa posição fez Chasin se voltar, não só à reafirmação da  
determinação ontonegativa da politicidade, que havia sido trazida à tona por Marx  
(autor incompreendido tanto pela pseudoesquerda da época em que é escrito O futuro  
ausente quanto pela enorme maioria da autoproclamada esquerda do presente). O  
autor paulista, no entanto, não realiza somente um estudo de fôlego sobre a formação  
do pensamento marxiano. Ele voltou-se ao estudo da gênese, do desenvolvimento e  
da estrutura do melhor do pensamento político. Assim, retoma a política antiga e  
renascentista e explicita aquilo que se apresenta como base social da política e do  
pensamento político nessas épocas. Ou seja, o texto que aqui tratamos não é uma  
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defesa da crítica marxiana à política; ele mostra quais são as determinações da própria  
politicidade e o modo pelo qual ela se autonomiza da sociabilidade e, posteriormente,  
passa a se contrapor objetivamente a ela.  
Há de se notar, inclusive, que Chasin não traz um diálogo explícito com o  
marxismo de sua época no texto que analisamos. Isso se dá, primeiramente, pelo seu  
objeto: a gênese e o desenvolvimento da política e do pensamento políticos. Porém, é  
preciso se perceber que o cenário nacional da época do texto é marcado, não só pelo  
marxismo vulgar, que mencionamos acima. Tem-se uma versão muito mais sofisticada  
do marxismo, que é crítica à esquerda tradicional dos PC, e que se configura naquilo  
que o autor paulista chama de analítica paulista, como se mostra em Rota e  
prospectiva.  
Ou seja, somente o embate necessário com aqueles que estudaram Marx no  
Brasil já levariam o autor a um outro texto. E, se considerarmos o desenvolvimento de  
expoentes desse movimento, como Giannotti, por exemplo, seria preciso passar pela  
sua apreensão posterior dos textos de Wittgenstein e Heidegger, por exemplo. Ou  
seja, os rumos da tradição marxista mais forte no Brasil na época e, talvez, até hoje,  
por si sós, já justificam a pertinência dos estudos que procuram a compreensão  
explícita da relação entre a política e a ontologia, como aqueles presentes no  
inacabado O futuro ausente.  
Se formos ser rigorosos, a tematização sobre a política presente no marxismo da  
época de Chasin não consegue chegar à riqueza de determinações que é trazida na  
análise do pensamento maquiaveliano. O autor de O príncipe, mesmo tentando  
justificar o injustificável, acaba por realizar uma análise que passa longe de ser  
unilateral ao tratar da política. Por outro lado, ao se reduzir a economia a mero fator,  
a política ganha uma carga variável, mas, por isso mesmo, determinante. Para que  
digamos com Rota e prospectiva, “na medida em que deixa de ser a economia a esfera  
matrizadora da sociabilidade, e é convertida em fator, não se sabe mais com precisão  
qual é o peso determinativo desse fator, e a política passa a ser a última instância”  
(CHASIN, 2001, p. 35). O caráter demiúrgico atribuído por toda forma de politicismo  
à política está presente; porém, a consciência sobre aquilo que acompanha a  
politicidade presente em Maquiavel de modo oportunista e cínico deixa o campo  
da argumentação e se coloca, de modo hipócrita, na prática. Pode-se acusar Maquiavel  
de muitas coisas; não de hipócrita. E a aceitação do capital como campo de  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
possibilidades leva a uma esquerda marcada pela hipocrisia.  
E, com isso, os próprios marxistas, mesmo em suas figuras mais elaboradas na  
época de Chasin, como no caso da analítica paulista, acabam sendo prisioneiros do  
politicismo engendrado pelo capital. Para que sejamos claros: mesmo que o marxismo  
brasileiro conseguisse se colocar para além dos muros da universidade, suas  
potencialidades não seriam compatíveis com qualquer resgate da emancipação  
humana; antes, ter-se-ia certo eclipse. A ordem do capital seria o pressuposto da  
atividade sensível.  
Aliás, curiosamente, pode-se dizer que isso aconteceu de modo bastante  
proeminente, com as influências de certa intelectualidade tanto no desenvolvimento  
do PT quanto do PSDB durante as décadas de 1990 e de 2000. A tradição marxista  
mencionada certamente representa “a ruptura com o marxismo de baixa elaboração”  
(CHASIN, 2001, p. 6). Porém, suas posições diante da política relacionadas a certo  
politicismo, de acordo com Chasin, como dito –, no plano da teoria, representam “uma  
modalidade epistêmica de aproximação e apropriação seletiva da obra marxiana de  
maturidade” (CHASIN, 2001, p. 7). E, assim, há uma ligação íntima entre o modo pelo  
qual se lê a obra de Marx e a ausência da tematização da crítica da política. As  
abordagens epistêmicas, aliás, com certa influência posterior dos teóricos da Escola  
de Frankfurt e, em especial, de certa leitura da Dialética do esclarecimento, não raro,  
acabaram por entoar certo canto contrário à ciência. E, desse modo, a própria defesa  
das tendências afirmativas mencionadas por J. Chasin, acaba por perder representantes  
dentro do marxismo mesmo. Ou seja, na época em que O futuro ausente é escrito, em  
grande parte, encontrar aliados era um programa difícil, embora, sempre, necessário.  
Aquilo que Chasin chamou de marxismo adstringido da analítica paulista acabava  
não trazendo qualquer posicionamento proveitoso sobre a política e, com isso, acaba-  
se por aceitar o movimento do capital de modo acrítico. Isso se daria, de acordo com  
o filósofo paulista, mesmo em “dissidentes” – certamente mais conscientes dos  
problemas da vigência do modo de produção capitalista como Paulo Arantes e  
Roberto Schwarz. Aliás, vale dizer que hoje, na melhor das hipóteses, tais autores  
acabam sendo as melhores referências nacionais quando se trata de uma análise séria  
do Brasil contemporâneo. Ou seja, é preciso dizer: a crítica de Chasin é certeira em  
sua época. Porém, aqueles que buscaram se influenciar pelo seu pensamento (dentre  
eles quem escreve essas palavras) não foram capazes de dar continuidade à unidade  
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existente na obra do autor do Estatuto ontológico entre compreensão da obra de Marx,  
análise da especificidade do capitalismo brasileiro, crítica às ideologias e apreensão  
das determinações da política. Ou seja, talvez aquilo que exista de melhor na crítica  
marxista atual parta justamente de bases que foram profundamente criticadas por J.  
Chasin.  
E, assim, é mais do que necessário retomar a obra do autor, buscando  
compreendê-la e, posteriormente, continuá-la, também, para a “recriação da esquerda  
pautada em sólidas bases teóricas” (CHASIN, 2001, p. 28). Há muito a ser feito,  
muitíssimo.  
Sem isso, acaba-se por oscilar entre uma aceitação acrítica da ordem do capital  
e uma crítica moralista. Tais determinações, aliás, como vimos acima, marcam o próprio  
desenvolvimento da política, embora sejam exacerbadas no modo de produção  
capitalista que se coloca sobre os próprios pés. Chasin trata da política em O futuro  
ausente justamente tendo em conta tal cenário. A posição elaborada junto com a  
Ensaio, com muito esforço, acabara por posicionar-se da seguinte maneira diante da  
analítica paulista e do marxismo vulgar, respectivamente: “sofrer o silêncio aristocrático  
do extremo superior e a desqualificação desabrida na extremidade oposta” (CHASIN,  
2001, p. 6). E, assim, a contraparte necessária ao projeto presente do texto que aqui  
tratamos é aquele da retomada da obra de Marx por meio de “um Movimento de Ideias,  
voltado à produção e difusão teóricas e direcionado à redescoberta da obra de Marx,  
bem como à tematização da problemática brasileira” (CHASIN, 2001, p. 6). Isso se dá  
em um cenário em que se desenvolve uma aversão à ciência e em que, como já  
dissemos, os próprios expoentes do marxismo mais renomado (como Althusser) abrem  
espaço para teorias como as de Heidegger. Há de se dizer, inclusive, que a crítica à  
ciência, a retomada de Heidegger, bem como pelos frankfurtianos, e por certa  
apropriação seletiva de Marx, não deixam de marcar o pós-estruturalismo e as  
pseudoesquerdas de hoje. Ou seja, a ausência da tematização explícita sobre a  
ontologia, bem como leituras seletivas da obra marxiana, redunda em certo tratamento  
da política que é, de um modo ou doutro, unilateral.  
Contra essas unilateralidades que se põe O futuro ausente. No que é preciso  
dizer que o estudo chasiniano é seminal e cuidadoso. Porém, é visivelmente  
incompleto.  
Ou seja, é necessário servir-se dele para novas incursões na compreensão da  
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O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política  
política e de seu desenvolvimento. E é preciso dizer: a grandeza de tal tarefa é absurda  
e ainda não foi sequer analisada com cuidado por muitos que conhecem a obra do  
autor. Hoje, não é exagero dizer que é necessário um trabalho coletivo para que os  
projetos de J. Chasin, como aquele do texto que tratamos, bem como o de Rota e  
prospectiva de um projeto marxista, sejam possíveis. Ou seja, ainda há muito a fazer.  
Um primeiro passo, porém, pode ser dado ao se ler as obras do próprio autor paulista.  
Infelizmente, elas ainda são ignoradas em grande parte ou são tratadas de modo  
claramente vulgar. Trata-se da “guerra do silêncio” que procura “reduzir à  
insignificância pelo silêncio” (CHASIN, 2001, p. 30), que vem sendo praticada  
diuturnamente. Um estudo detido do texto do autor, bem como uma retomada de  
Marx, nesse sentido, é mais urgente que nunca. O cenário que vivemos é ainda mais  
desolador que aquele de J. Chasin, de modo que a tentativa de se engendrar um  
movimento de ideias, bem como a prática a ele correspondente pode ser essencial.  
Para se reverter o cenário em que as tendências afirmativas do homem, práticas e  
reflexivas foram perdidas, a necessária crítica ao capital não prescinde da compreensão  
das determinações cuidadosa da política, bem como de sua crítica.  
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Como citar:  
SARTORI, Vitor Bartoletti. O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a  
unilateralidade no tratamento da política. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 3-  
85, Edição Especial, 2022/2023.  
Verinotio  
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 85  
nova fase  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.662  
Da crítica ao politicismo à determinação  
ontonegativa da politicidade: a análise do caso  
brasileiro  
From the critique of politicism to the politicity ontonegative  
determination: the analysis of the Brazilian case  
Ester Vaisman*  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção**  
Resumo: Este artigo tem por propósito expor as  
análises realizadas pelo filósofo J. Chasin em  
relação ao tema da política no âmbito da  
formação social brasileira, cuja determinação  
central, nos seus termos, é ter-se constituído pela  
via colonial. Intentamos, inicialmente, mostrar a  
interrelação entre as pesquisas chasinianas sobre  
o pensamento de K. Marx especialmente a crítica  
Abstract: The purpose of this article is to expose  
the analyzes carried out by the philosopher J.  
Chasin about the theme of politics in the context  
of the Brazilian social formation, whose central  
determination, in his terms, is to have been  
constituted through the colonial way. Initially,  
we intend to show the interrelationship between  
Chasin's research on K. Marx's thought,  
à
política (consubstanciada na expressão  
especially  
the  
critique  
of  
politics  
determinação ontonegativa da politicidade), e  
suas descobertas sobre a sociabilidade nacional.  
No interior dessa relação de potencialização  
recíproca, destacamos o debate chasiniano sobre  
o politicismo, modo de proceder típico da  
burguesia atrófica brasileira, para o qual esta  
conseguiu arrastar, em momentos decisivos,  
muitos agrupamentos e individualidades que se  
arvoram de esquerda.  
(consubstantiated  
in the  
expression  
ontonegative determination of politicity), and  
his findings on national sociability. Within this  
relationship of reciprocal potentialization, we  
highlight Chasin's debate on politics, a typical  
way of proceeding of the Brazilian atrophic  
bourgeoisie, to which it managed to drag, in  
decisive moments, many groupings and  
individuals that claimed to be on the left.  
Palavras-chave: Politicidade; via colonial de  
objetivação do capitalismo; J. Chasin;  
politicismo.  
Keywords: politicity; colonial way of capitalism  
objectifying; J. Chasin; politics.  
Em 2022 completaram-se 85 anos do nascimento do filósofo paulistano J.  
Chasin (1937-1998), autor de uma produção intelectual marcada pelo rigor em  
diversos territórios de pesquisa. Nosso objetivo neste texto será restrito à  
recomposição do tratamento chasiniano acerca do complexo da politicidade na via  
colonial, cujo traço mais significativo é o politicismo.  
*
Professora Titular aposentada do Departamento de Filosofia da UFMG e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: evaisman@fafich.ufmg.br.  
**  
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
As atenções de Chasin sempre estiveram voltadas, desde a época de estudante  
no curso de filosofia da FFLCH-USP, à busca da decifração e caracterização da  
formação social brasileira. Não por acaso, ainda estudante, vinculou-se à Editora  
Brasiliense (e à Revista Brasiliense, que circulou de 1955 a 1964, em que teve a  
oportunidade de escrever artigos relevantes1), dirigida por Elias Chaves Neto e Caio  
Prado Júnior.  
O tema da política, por sua vez, esteve presente no pensamento chasiniano  
desde cedo, aparecendo já nos seus primeiros textos, e continuou sendo tematizado  
em todos os seus trabalhos escritos para debater a formação social brasileira. Parte  
significativa destes voltava-se à análise de conjunturas específicas, não raro, processos  
eleitorais marcantes no interior de modificações econômico-sociais mais ou menos  
amplas, que incluíam por vezes comentários sobre os postulantes aos cargos e sobre  
os partidos em pugna. É possível, assim, reconstruir parte da história brasileira do  
século XX a partir das análises chasinianas, pelo recorte da temática política –  
ressaltando-se a não autonomização deste campo da sociabilidade, que ele sempre  
apanhava a partir da esfera da produção da vida e da totalidade social.  
Não há espaço aqui, entretanto, para tal reconstrução, por mais que ela seja  
importante e necessária. Nosso objetivo será mais restrito, já que buscaremos tratar  
da questão política na via colonial sob o seu mais significativo traço, o politicismo.  
Acerca dele Chasin se delongou fartamente nos seus textos sobre o Brasil, a partir das  
conquistas teóricas efetivadas nas pesquisas sobre o pensamento marxiano, e  
pensando-o sobre o fundamento da ontonegatividade da política e da inerência do  
politicismo à lógica do capital sobretudo no seu feitio contemporâneo. Nos textos aqui  
trabalhados, ele se esforçou por deslindar a forma específica pela qual o politicismo  
se incorporou à sociabilidade nacional, já que é elemento constitutivo central da forma  
de ser da burguesia atrófica e, ainda, porque esta conseguiu enredar no politicismo  
também os representantes político-ideológicos da classe representante da lógica do  
trabalho.  
Consideramos, porém, fundamental começar demonstrando a citada  
interdeterminação entre as pesquisas chasinianas acerca do pensamento de Marx e  
1
Publicados no apenso arqueológico de A miséria brasileira, são eles: Jânio, do parto à sepultura;  
Algumas considerações a respeito do movimento estudantil brasileiro; Luta ideológica objetivo central  
do movimento estudantil; e Contribuição para a análise da vanguarda política no campo. Cf. CHASIN, J.  
A miséria brasileira 1964-1994: do golpe militar à crise social. Santo André: Estudos e Edições Ad  
Hominem, 2000.  
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Ester Vaisman; Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
suas análises sobre a politicidade na sociabilidade brasileira. Iniciaremos, portanto, a  
partir dessa discussão.  
I Da redescoberta de Marx à determinação da via colonial: a ontonegatividade  
da política e seu corolário, o politicismo  
Já em sua tese de doutorado (defendida em 1977), intitulada O integralismo  
de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo híper-tardio2, Chasin não  
apenas se debruçou sobre o conjunto da obra do líder integralista, mas procurou, do  
mesmo modo, explicar a gênese e a função social da ideologia em foco3, por meio do  
delineamento das características fundamentais da formação social brasileira,  
notadamente aquela que dizia respeito às demandas, condições e perspectivas de  
determinados agentes sociais à época da eclosão do movimento. Ciente de que sua  
tese seria envolvida por densa polêmica, procurou, como lhe era característico,  
examinar todos os artigos, livros, discursos e palestras de Plínio Salgado, por meio da  
análise imanente, evidenciando, assim, rigorosamente suas características peculiares e  
apontando as diferenças com o discurso nazifascista surgido na Europa no mesmo  
período4.  
Na apresentação desse livro sobre Plínio Salgado, o autor revelava que o debate  
ali efetuado não dizia respeito apenas ao seu objeto imediato, o ideário do líder  
integralista. De fato, esclarecia,  
o propósito de bem examinar um objeto específico acabou remetendo,  
com naturalidade e sem alternativa, ao todo da questão brasileira, e  
não há porque, esgrimindo com falsas humildades, encobrir com tela  
de malha negra o fato de que este trabalho, acima talvez de tudo, nos  
seus eventuais acertos e enganos, cria um problema para a reflexão  
2 Publicada como livro menos de um ano depois. Cf. CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma  
de regressividade no capitalismo híper-tardio. São Paulo: Lech, 1978. (As citações aqui feitas serão a  
partir da segunda edição: São Paulo: Ad Hominem, 1999.)  
3
No livro A destruição da razão, logo nas páginas introdutórias, Lukács argumenta em torno da  
necessidade do tripé metodológico para a devida análise do fenômeno ideológico. Cf. LUKÁCS, G. A  
destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020, pp-11-12. No livro citado de Chasin, a referência  
a tal dispositivo metodológico, proposto pelo filósofo húngaro, encontra-se nos seguintes termos  
“Numa formulação sintética, pode-se dizer que Lukács oferece-nos o conjunto de sua concepção  
metodológica ao estabelecer que a abordagem de um fenômeno ideológico implica a determinação de  
sua gênese e de sua função social. Porém, isto não basta, há que necessariamente acrescentar àqueles  
dois pontos a crítica imanente, ‘um fator legítimo e até mesmo indispensável na exposição e no  
desmascaramento das tendências...’.” CHASIN, O integralismo..., op. cit., p. 59.  
4
Sendo impossível, no presente artigo, resgatar a pletora de questões que Chasin intentou solucionar  
nesse campo, restringimo-nos aos traços mais gerais de seu contributo para o desvendamento do  
caráter do desenvolvimento capitalista em nosso país, identificando-o como uma objetivação particular  
a via colonial , bem como as razões que tornaram possível a disseminação, nesse contexto, de  
posições politicistas.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
do caso brasileiro5.  
Chasin expunha, desta forma, ter se visto em face do imperativo de analisar a  
própria formação social brasileira, no mister de entender o pensamento integralista  
pliniano por meio da análise imanente e, ao mesmo tempo, indicar sua gênese e função  
sociais. É forçoso reconhecer, no entanto, que o empenho em deslindar o discurso  
integralista somente foi passível de ser realizado a partir da articulação de duas frentes  
de pesquisa, uma das quais incluía como é fácil constatar nas páginas do referido  
livro estudos minuciosos da obra de Marx e de Lukács.  
Por via de consequência, o que pode ser verificado, tomando-se como base os  
textos de Chasin a partir dos anos 1970, é a potencialização recíproca de dois âmbitos  
da pesquisa que ele passou a levar a cabo de modo consistente: de um lado, a  
aproximação rigorosa da realidade brasileira em um primeiro momento, a partir dos  
desafios postos pela investigação da ideologia integralista, na figura de seu líder, e  
mais adiante sobre a controvertida atuação das oposições ao regime ditatorial e, de  
outro, a lida incansável junto à obra de Marx. Assim, pode-se afirmar que a labuta  
direta com problemas que se colocavam na ordem do dia, ao longo dos anos 1970 e  
1980, propiciou ao filósofo paulistano o impulso necessário para pensar a linha de  
atuação da oposição à autocracia bonapartista em vigor (isso após ter se debruçado  
sobre o fenômeno integralista), bem como, em função dos resultados obtidos, alargar  
o seu campo de visão a respeito da gravidade e disseminação de posturas politicistas.  
Desse modo, as pesquisas teóricas realizadas, em especial sobre o pensamento  
marxiano, propiciaram uma série aquisições que vieram a assumir em sua pena  
desdobramentos originais. Como veremos a seguir, tais desdobramentos lançaram  
uma nova luz sobre questões vitais, tanto no campo do marxismo quanto na apreciação  
da realidade brasileira. Ademais, é mérito de Chasin a ampliação de certos princípios  
ontometodológicos que revalorizam a pesquisa textual, ao conceder ao texto  
dimensões que haviam sido obnubiladas por aquilo que ele mesmo denominou de  
“hermenêuticas da imputação”6. Longe de aderir às correntes em voga no mundo  
acadêmico (e mesmo fora dele) que identificam “leitura” a “interpretação”, entendida  
pura e simplesmente como “atribuição de sentido pelo pesquisador/intérprete”, de  
forma a conceber como equivalentes as diferentes “operações hermenêuticas”, Chasin  
5 CHASIN, O integralismo..., op. cit., pp. 29-30.  
6 Cf. CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 25.  
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denunciou o afastamento do problema da verdade do âmbito investigativo, “seja como  
questão sem solução, seja como falso problema”7.  
Desse modo, a partir das conquistas teóricas aludidas acima, torna-se plausível  
afirmar que Chasin elaborou contribuição decisiva para aquilo que Lukács denominou,  
com muita acuidade de “renascimento do marxismo”. Entretanto, ao citarmos o filósofo  
húngaro, valendo-nos de uma expressão muito utilizada em sua obra postumamente  
publicada, não significa que haja uma identificação plena entre o projeto lukácsiano,  
consignado em seus escritos tardios, e aquele ao qual Chasin se dedicou. Ao contrário,  
diferentemente da posição de Lukács, que afirmava a existência de uma ontologia no  
pensamento de Marx, o filósofo paulistano, no intento de agarrar o cerne de sua  
herança teórico-prática, sustentava existir em Marx um “estatuto ontológico”, ao invés  
de uma ontologia no sentido tradicional do termo. Ou seja, ao afirmar a existência de  
um estatuto ontológico, Chasin formulou a sua própria visão desse intrincado  
complexo. De forma direta, como convém às vezes, pode-se dizer que  
estatuto é a ordem do reconhecimento ou reprodução teórica da  
realidade, natureza e constituição das coisas por si, por seus  
complexos categoriais mais gerais e decisivos, independentemente,  
em qualquer plano, de se tornarem objeto da prática e da reflexão8.  
Desse modo, reconhecer a importância da questão ontológica em Marx, de  
acordo com Chasin, não significa a afirmação da existência de “um sistema de verdades  
absolutas e abstratas, mas antes de tudo [um estatuto teórico, cuja fisionomia é traçada  
por um feixe de lineamentos categoriais, enquanto formas de existência do ser social”9.  
Por essa razão, mesmo reconhecendo os méritos de Lukács, sobretudo tendo em vista  
os descaminhos do marxismo, o autor em tela não pôde aderir totalmente à obra do  
filósofo húngaro publicada postumamente, por mais que haja um certo número de  
afinidades e influências recebidas10.  
Depois desse necessário volteio, em que foi caracterizado sinteticamente o  
modo como Chasin faceou a questão ontológica em Marx, torna-se mais fácil  
compreender a relação entre a crítica ao politicismo realizada pelo filósofo paulistano,  
desde a década de 1970 até o momento de seu falecimento, e a concepção  
ontonegativa da politicidade estampada, sobretudo, mas não só, no livro Marx:  
7 VAISMAN, E.; ALVES, A. J. L. Apresentação. In: CHASIN, Marx: estatuto ontológico..., op. cit., p. 7.  
8 Ib., p. 9.  
9 Ib., p. 10.  
10 As diferenças entre a abordagem lukácsiana e a de Chasin não poderão ser abordadas nos limites do  
presente artigo, ficando para outra oportunidade sua devida análise.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
estatuto ontológico e resolução metodológica. Ou, em termos sintéticos: Chasin  
percorreu rigorosamente, no livro ora referido, o “caminho analítico da politicidade”,  
no qual “é exercitado o posicionamento ontológico frente à questão do estatuto da  
política”11.  
Passemos à determinação do politicismo pela explanação de seus caracteres  
mais significativos, pelo apontamento de sua origem e de sua finalidade na via colonial,  
tal como expressos nas análises chasinianas. Como exposto no artigo A “politicização”  
da totalidade12, politicizar é entender o complexo de complexos que é a sociabilidade  
pelo âmbito exclusivo do político, desconsiderando as inter-relações e  
interdeterminações (e seus pesos específicos) presentes na totalidade do real. Analisar  
o real sob a distorcida lente do politicismo implica visualizar, analisar e abordar  
praticamente o todo contraditório, articulado e complexo que conforma a sociabilidade  
pelo viés de uma das esferas desta, a política13.  
O procedimento politicista se inicia pelo seccionamento entre política e  
economia, ou seja, pelo desacoplamento de campos do real inseparáveis e conexos.  
Como se fora pouca coisa, após isolar as esferas da política e da economia, ainda  
transforma esta última num epifenômeno ou numa derivação da primeira, cujas  
determinações estariam restritas ao universo das regras institucionais que, ademais,  
é supervalorizado. Com isto (como Chasin acrescentou no texto ¿Hasta cuando?, de  
198214), o politicismo nega o caráter fundante, ontologicamente matrizador, do  
econômico, esfera ineliminável, prioritária e determinante da sociabilidade, derribando  
as pilastras do metabolismo social. Em suma, o politicismo é um entendimento (e  
também uma prática) que “desmancha o complexo de especificidades, de que se faz e  
refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma das ‘partes’ (diversas do  
político) em pseudopolítica”15. De maneira que ignora e despreza a especificidade  
dos demais elementos que compõem o real e hiperacentua apenas um deles, o político.  
11 VAISMAN; ALVES, Apresentação, op. cit. p. 18.  
12  
CHASIN, J. A “politicização” da totalidade: oposição e discurso econômico. In: ______. A miséria  
brasileira, op. cit., pp. 7-36. Este texto, de 1977, é marcante na trajetória chasiniana, inaugurando um  
debate que se manterá vivo (e em constante aprimoramento) durante toda a sua vida teórica.  
13 Há, ademais, as versões mais vulgarizadas do politicismo, que estreitam ainda mais os horizontes ao  
se limitarem ao aspecto político-institucional, o que leva ao extremo a banalização de tais procedimentos  
equívocos.  
14  
CHASIN, J. ¿Hasta cuando? A propósito das eleições de novembro. In: ______. A miséria brasileira,  
op. cit., pp. 121-42. Escrito originalmente como editorial para a Revista Nova Escrita Ensaio, n. 10,  
trata-se de outro texto marcante no tratamento do tema que aqui nos ocupa.  
15 Ib., p. 123.  
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Frise-se enfaticamente que politicizar é algo bastante diverso da ponderação  
acerca da inerência da política às grandes questões sociais no âmbito das sociedades  
classistas, dado que são questões públicas. Não se trata, portanto, de situar o debate  
no campo da res publica, mas de reduzir as questões sociais à política, que assim  
substitui a totalidade (sobrepondo-se inclusive à esfera que determina a própria  
política). Também se distingue do politizar, ato que subentende partir do todo e  
analisar vieses, posições e propostas a partir de uma visão global e que respeite a  
anatomia da sociedade civil. Na direção oposta, o politicismo despolitiza, “na exata  
medida em que desliga o político da raiz que o engendra e reproduz; numa palavra,  
na exata medida em que o desqualifica enquanto político real, enquanto dimensão de  
um todo, que só pelo todo possui especificidade, e do qual não faz sentido dizer que  
guarda autonomia”16. A afirmação de que a autonomia é apenas relativa não diminui a  
falta de sentido da segmentação dos dois campos, a não ser que queira tão somente  
anotar a não-mecanicidade da relação, ou seja, “sua determinação enquanto vínculo  
essencial, irremovível sob pena de desfiguração, que se objetiva num andamento  
constituinte profusamente mediado”17.  
Trata-se, operando uma comparação mais adequada, como fez Chasin no texto  
escrito a propósito das eleições de 1982, mais propriamente de um fenômeno  
semelhante ao economicismo18, que simplifica e reduz inapropriadamente as relações  
de determinação entre as esferas da atuação humana e por isso não chega a  
compreender nem mesmo o campo que é formalmente estufado. Uma análise  
politicista desentende a globalidade da realidade humana, incluindo aí a própria  
política, pois esta, artificialmente inflada e arbitrariamente privilegiada, é tomada numa  
dimensão e importância que não tem no plano real. Este fica, por sua vez, esvaziado,  
desenraizado e sem concretude, transformado numa “calda indiferenciada” que é dada  
e tomada como a política, mas que é a própria negação desta, por ser uma hipertrofia  
do político. Por tudo isso Chasin qualificava o politicismo como uma falsificação teórica  
e prática, de vez que,  
convertendo a totalidade estruturada e ordenada do real complexo  
repleto de mediações num bloco de matéria homogênea, além da  
falsificação intelectual praticada, o politicismo configura para a prática  
um objeto irreal, pois este resulta de bárbara amputação do ente  
concreto, que sofre a perda de suas dimensões sociais, ideológicas e  
16 CHASIN, A “politicização” da totalidade, op. cit., pp. 8-9.  
17 Ib.  
18 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 123.  
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especialmente de suas relações e fundamentos econômicos19.  
Uma política arrimada no politicismo tem como decorrência a perda de potência  
e eficácia da atuação política, campo tomado como autônomo, donde, perde  
sustentação real, cede ao voluntarismo e se condena à impotência. A autonomização  
e hiperacentuação do político levam, por conseguinte, ao esfacelamento de sua  
concretude e, pois, de sua força e capacidade de atuação, já que a ação é levada a  
cabo numa realidade que, falsificada pelo politicismo, não é efetiva, não considera as  
propriedades objetivas do objeto sobre o qual incorrem os atos.  
Chasin chamava a atenção para a gênese liberal deste procedimento desde  
1977. No artigo A “politicização” da totalidade: oposição e discurso econômico o autor  
criticou a oposição ao regime bonapartista então vigente no país pelo fato de estar  
subsumida à perspectiva governista e atuar de forma politicista, enquanto o sistema  
sabia muito bem resguardar de críticas teóricas e práticas sua espinha dorsal, a  
economia, sendo vitorioso em situar o debate exclusivamente no âmbito político-  
jurídico. Trata-se de um texto marcante na trajetória chasiniana, inaugurando um  
debate que se manterá vivo (e em constante aprimoramento) durante toda a sua vida  
teórica.  
Outro texto crucial para entender a questão do politicismo é ¿Hasta cuando?,  
escrito em 1982, em que Chasin retomou e desdobrou a análise do politicismo,  
salientando sua raiz liberal e, mais importante, mostrando que a burguesia brasileira  
é intrinsecamente politicista. Ele acrescentava então que o liberalismo atribui a  
economia à esfera da vida privada, tida como o ambiente dos interesses egoístas  
desbragados e conflituosos; o politicismo, exacerbando tal princípio, vincula a política,  
dilatada de maneira formal e artificial, ao universo da coisa pública, aquele dos debates  
e decisões relativas a toda a sociedade, do bem viver coletivo, da resolução dos  
conflitos. Donde, a hipervalorização do político e o relativo ou completo desprezo pelo  
econômico, ou pelo menos sua naturalização. Colado à realidade, demonstrou como  
esta burguesia procedeu no trânsito do bonapartismo à autorreforma do início dos  
anos 1980, comparando-o ao processo semelhante ocorrido em 1946. Sua análise  
concluiu que o politicismo teve importante papel para tornar a transição dos anos  
1980 uma autorreforma segura para o sistema, configurando-se num momento  
histórico mais estreito se comparado às possibilidades de meados dos anos 1940.  
19 Ib.  
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Este artigo é bastante significativo para o tratamento do tema: o filósofo em pauta  
pareceu ter entendido como definitiva sua forma de exposição, de vez que o citava  
textualmente em vários artigos sobre o Brasil escritos posteriormente, sempre que  
achava necessário retomar o assunto.  
Importante anotar que em 1984 Chasin publicou outro texto, intitulado  
Democracia política e emancipação humana, que dialogava diretamente com sua  
discussão sobre o Brasil20, ao tempo que expunha suas conquistas teóricas no tocante  
ao que chamava, então, de “definição negativa da política”. Assim, neste artigo já resta  
demonstrado o amplo saldo resultante das pesquisas que ele iniciara ainda no  
autoexílio em Moçambique21 sobre o pensamento marxiano, do aprofundamento dos  
estudos sobre ontologia e do papel que a política ocupa no interior da sociabilidade.  
Bem assim, o texto era uma herança direta das análises concretas da década de 1970  
sobre o regime bonapartista no Brasil e suas oposições.  
Na Nota do editor publicada na Revista Ensaio nº 14, de 1985, intitulada A  
esquerda e a nova república22, Chasin tratou novamente do politicismo e das  
(im)possibilidades democráticas no país, e aqui ele avança na determinação da  
incompletude de classe do capital, comparando-se as categorias sociais forjadas no  
Brasil com aquelas dos países clássicos e de via prussiana. Outra novidade importante  
do artigo é a determinação da atrofia do capital brasileiro, que ele mencionara (com  
esses termos) apenas de passagem no texto anterior; aqui ele a abraçava plenamente,  
como elemento importante da argumentação, para não mais abandoná-la. Voltava,  
ainda, à crítica dura do politicismo, aditando-lhe as do participacionismo (degeneração  
da participação) e do distributivismo, postura que ignorava a determinação do âmbito  
da produção sobre as demais esferas da economia e pleiteava soluções atinentes à  
circulação e ao consumo. Para isso, mais uma vez amparou-se em escritos de Marx,  
notadamente nos Grundrisse.23  
Nesse passo, já é possível indicar o caminho percorrido por Chasin em seus  
20  
O texto, escrito para apresentação no I Encontro Nacional de Filosofia da Anpof, inicia-se inclusive  
com a frase “Nada mais audível, no atual panorama brasileiro, do que o coro formado pela democracia”.  
Cf. CHASIN, J. Revista Ensaios Ad Hominem, n. 1 t. III: A determinação ontonegativa da politicidade.  
Santo André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000, pp. 91-100.  
21  
Para mais informações sobre a vida de Chasin, cf. a Biografia publicada na nova edição de O futuro  
ausente.  
22 CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp. 151-64.  
23  
Trata-se do escrito pertencente à Introdução dos Manuscritos de 1857-58, intitulado Produção,  
consumo, distribuição, troca (circulação). MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. pp.  
30-44.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
aspectos iniciais, ou seja, em um primeiro momento, amparado sobre as formulações  
de Marx a respeito dos vínculos entre o modo de produzir a vida e os âmbitos político-  
jurídicos e ideológicos, apresentados e configurados em vários momentos da obra do  
filósofo alemão, o autor em tela, sem cair em formulações deterministas ou  
mecanicistas, explorou analiticamente, em vários de seus artigos, as posturas  
politicistas de agentes sociais diversos. Em síntese, a partir de acontecimentos  
privilegiados que pontuaram a realidade nacional, isto é, manifestações concretas do  
fenômeno politicista, nosso teórico denunciou a ausência de proposições (sobretudo  
da oposição ao regime bonapartista) que levassem em consideração o peso  
fundamental do âmbito da produção da vida material na emergência e na respectiva  
solução de problemas atinentes ao complexo humano-societário como um todo.  
Já em um segundo momento em que, como dissemos, Chasin aprofundou seus  
estudos dos escritos de Marx, ele passou a identificar o estatuto teórico-prático no  
qual o pensamento marxiano deita suas raízes. Por essa via, o filósofo paulistano  
revelou que a politicidade nunca foi tratada de forma autônoma por Marx, ou seja, ela  
era examinada sempre no interior do processo de elucidação das formas de  
sociabilidade, isto é, a partir da determinação dada pela organização da interatividade  
humana nos contornos de modos opositivos de sociedade, da qual a política é a forma  
de expressão. Assim, a politicidade não se constituiu como tema autônomo e, muito  
menos, o problema principal. O interesse de Marx sempre foi, pelo menos a partir de  
meados de 1843, o desvendamento da anatomia da sociedade civil, o qual, todavia,  
foi e tem sido mal compreendido e entendido simplesmente como economicismo.  
Em outros termos ainda, Marx se orientou sempre pela busca do esclarecimento  
dos processos constitutivos da mundanidade humana. De sua parte, desde o momento  
em que constatou que a pedra de toque da reflexão marxiana diz respeito à  
problemática da autoconstrução humana, tanto no que se refere à individualidade  
quanto à concretização do mundo histórico-social, Chasin passou a extrair e configurar  
o que denominou de determinação ontonegativa da politicidade. Esta se apresenta  
como uma das descobertas filosóficas mais importantes e originais do projeto de  
retorno a Marx proposto por Chasin, tal como entendida a partir dessa trilha de  
investigação.  
Entre as questões cujas devidas respostas só poderiam ser encontradas por  
meio do estudo da obra marxiana estão: os motivos e as explicações para os dilemas  
e entraves que marcaram o cotidiano daqueles anos; as marchas e contramarchas das  
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tendências em pugna; os desfechos relativos à transição “pelo alto”; os processos  
eleitorais em curso; as políticas econômicas defendidas e adotadas, exitosas ou não;  
e, sobretudo, os entraves e controvérsias para uma efetiva presença das massas  
trabalhadoras no cenário político-social, bem como as farsas e tragédias que envolvem  
tal conjunto problemático.  
O fato é que o amparo que nosso autor encontrou na obra de Marx não  
significou um refúgio cômodo de ordem acadêmica entre os livros da biblioteca, nem  
muito menos um dar de costas ao que fervilhava na realidade do dia a dia, muito ao  
contrário. Impulsionado pelos dilemas que pontuaram o fim do século passado, tanto  
no Brasil quanto mundo afora, dedicou-se a redescobrir Marx, cujo legado passava por  
péssimos momentos, em decorrência do predomínio do viés gnosiológico e/ou  
politicista na análise dos escritos do filósofo alemão ou, no pior dos casos, de sua  
degradação pelo marxismo vulgar.  
Em síntese, a devida compreensão dos eventos que marcaram a cena brasileira  
e mundial das décadas finais do século XX demandou a leitura e trabalho direto junto  
aos textos de Marx, a partir dos quais surgiram descobertas fundamentais, entre elas,  
o caráter da politicidade e, principalmente, do reconhecimento da existência na obra  
de Marx de um estatuto de ordem ontológica. Portanto, esse caminho até Marx  
conheceu mão dupla, pois é inegável que, no mister de descortinar o devido  
esclarecimento dos acontecimentos do dia, tendo como base o pensamento de Marx,  
Chasin acabou por descobrir nos escritos do filósofo alemão aspectos que até então  
não haviam sido propriamente esclarecidos por seus intérpretes.  
O primeiro passo que ensejou tais descobertas se deu quando Chasin e seus  
orientandos e colaboradores se debruçaram sobre os artigos da Gazeta Renana, a tese  
doutoral marxiana e, principalmente os manuscritos de Kreuznach. Nesses últimos, ao  
empreender o desvendamento crítico dos pressupostos teóricos do sistema hegeliano,  
Marx se deparou com o lócus propício para o desenvolvimento de sua investigação: a  
sociedade civil, ou seja, a sociabilidade, o âmbito onde se desenrola a produção da  
vida efetiva. Ademais, a partir dessa descoberta, Marx pôde compreender o motivo  
que levou a posição especulativa a uma inversão das determinabilidades. Portanto, a  
partir desse momento, a sociabilidade passou a ser reconhecida como fundamento do  
ser dos homens, e a politicidade, momento acessório e incidental do processo de  
autoconstrução humana, tanto no polo do gênero quanto no do indivíduo.  
A concepção ontonegativa da politicidade refere-se ao fato de que esta deixa  
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de ser concebida como fundamento responsável pela articulação e organização da  
sociabilidade, pressuposto básico da determinação ontopositiva, que compreende a  
politicidade na condição de possibilidade da própria existência social, ou seja, sem a  
armação política seria, de acordo com essa abordagem, impraticável vicejar a vida  
social, ao passo que na primeira essa condição é preenchida pelo “modo de  
cooperação”24, como base insuprimível das formas específicas de sociabilidade. Na  
sociabilidade do capital, por exemplo, que se caracteriza pela excludência e indiferença  
recíproca entre os indivíduos, o âmbito da politicidade surge como sucedâneo da  
natureza genérica própria ao ser social, visto se encontrar cindida e estranhada, em  
decorrência do modo estranhado como se realiza a própria interatividade.  
Não é o caso, contudo, de retomarmos aqui todos os momentos em que a  
problemática em tela transparece nos textos chasinianos. No atual número da revista  
Verinotio há vários artigos que tomam a questão como tema e reconstituem os traços  
fundamentais da contribuição deixada por ele. No presente caso, restringimo-nos a  
sublinhar que a identificação da concepção ontonegativa da politicidade nunca foi o  
ponto de partida, um parti pris, que teria enformado a sua visão nas primeiras análises  
sobre o politicismo, mas sim um resultado, uma conquista passível de ser constatada  
a partir da análise da sequência dos seus escritos ao longo dos anos.  
Assim, a título de exemplificação dos passos trilhados pelo autor, nas tentativas  
de aproximação teórica do problema, podem ser citadas as seguintes expressões  
cunhadas por ele: “definição negativa da política”, “concepção negativa da  
politicidade” e, finalmente, “determinação ontonegativa da politicidade”.  
Evidentemente, não se trata de mera variação denominativa, mas de expressões que  
refletem aquisições teóricas gradativas que foram formuladas a partir da constatação  
do caráter negativo das tarefas e procedimentos políticos constitutivos de uma  
autêntica perspectiva de esquerda25, até à compreensão efetiva da sua natureza  
ontonegativa, ou seja, à compreensão que “a política não é um atributo necessário do  
ser social, mas contingente no seu processo de autoentificação”26.  
A configuração mais acabada desse percurso se encontra no livro já citado Marx:  
24  
CHASIN, J. Abertura Ad hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista Ensaios Ad  
Hominem, n. 1, t. I Marxismo. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999, p. 58.  
25 A análise de Marx sobre a Comuna de Paris (incluídos os materiais preparatórios) foi de fundamental  
importância para a aclaração do sentido das tais “tarefas negativas”. Cf. MARX, K. A guerra civil na  
França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.  
26 CHASIN, J. Abertura: Ad hominem rota e prospectiva de um projeto marxista, op. cit p. 28.  
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estatuto ontológico e resolução metodológica. Chasin, contrariando a tese consagrada  
do “tríplice amálgama”, modo que se tornou usual, entre os intérpretes de Marx, para  
explicar as origens do seu pensamento, afirmava que a instauração do pensamento  
marxiano se deu a partir da crítica ontológica dos três eventos teóricos da máxima  
importância em seu tempo. Não por acaso a primeira crítica se voltou “sobre a matéria  
política”, o que permitiu “a conquista precoce de uma dimensão fundamental ao  
pensamento marxiano”27. Segundo Chasin ainda,  
tratando-se de uma configuração de natureza ontológica, o propósito  
dessa teoria é identificar o caráter da política, esclarecer sua origem e  
configurar sua peculiaridade na constelação dos predicados do ser  
social. Donde, é ontonegativa precisamente porque exclui o atributo  
da política da essência do ser social, só o admitindo como extrínseco  
e contingente ao mesmo, isto é, na condição de historicamente  
circunstancial28.  
O tratamento ontológico da questão permitiu ao autor assentar as bases  
teóricas necessárias para legitimar a postura crítica que desenvolvia com desvelo  
desde a década de 1970, quando constatou a inépcia da oposição tanto a consentida  
quanto a clandestina ao bonapartismo vigente no país, em grande medida, derivada  
da ótica politicista adotada. Tal posição se deu em detrimento das questões que  
afetavam a cotidianidade, sobretudo da classe trabalhadora, cujas necessidades  
básicas eram reprimidas pelo arrocho salarial, sem mencionar, é óbvio, as medidas  
repressivas sobre a organização sindical e partidária. Os artigos Conquistar a  
democracia pela base29 e As máquinas param, germina a democracia!30 (1980), são  
testemunhos eloquentes da dedicação do autor às questões que estavam presentes  
na ordem do dia, nas quais o politicismo era a moeda de troca.  
Se é, portanto, correto afirmar que o politicismo nunca deixou de ser um dos  
alvos prediletos da crítica chasiniana, sobretudo no contexto das análises voltadas à  
realidade brasileira, também é verdade que a sua abordagem ganhou uma nova  
dimensão e profundidade no momento em que a busca se voltou à decifração do status  
que a categoria da politicidade possui frente à própria categoria da sociabilidade e,  
sobretudo, quando sua atenção se dirigiu para a dimensão ontoprática da  
mundanidade humana. Em outros termos, com a publicação do Estatuto se chega à  
27 CHASIN, Marx: estatuto ontológico, op. cit., p. 63.  
28 Ib.  
29 CHASIN, J. Conquistar a democracia pela base. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp. 59-78.  
30  
CHASIN, J. As máquinas param, germina a democracia! In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp.  
79-108.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
explicitação do arrimo categorial que sustenta o pensamento marxiano, no qual a  
categoria da politicidade emerge como atributo contingente e não necessário, e de  
forma ainda mais ressaltada quando o foco da análise passa a ser a problemática  
crucial da emancipação humana.  
Já nesse estágio do desenvolvimento intelectual do autor o tema do politicismo  
apareceu com destaque, inclusive em subtítulos, também no texto que escrevia quando  
faleceu repentinamente (Ad hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista, de  
1999), artigo denso e que trata de diversos aspectos da realidade internacional e  
nacional, bem como de sua reflexão. Sobre todo o seu percurso anterior de pesquisas,  
Chasin apontava aqui os fundamentos do politicismo e seu distanciamento, por  
exemplo, em relação ao estatuto ontológico marxiano. Afirmava que o politicismo é  
uma reação ao economicismo, que critica o mecanicismo deste sem, no entanto, partir  
de uma adequada tematização da sociabilidade e de seus processos. Jogando fora o  
bebê junto com a água suja do banho, rejeita com o economicismo a primordialidade  
exercida pela esfera produtiva, qual seja, aquela responsável pela produção material  
dos meios necessários à existência humana, e reduz o campo econômico a um “fator”  
cuja determinação é mais ou menos imponderável. Daí que a prioridade ontológica e  
o caráter matrizador da sociabilidade sejam atribuídos à política, promovendo-se um  
desnaturamento ontológico da atividade humana vital. Neste artigo, vemos claramente  
como o movimento de retroalimentação possibilita a Chasin fazer a crítica ao  
politicismo valendo-se do modo marxiano de proceder na sua analítica. Pôde, dessa  
maneira, explicitar de forma mais bem acabada e com determinações mais precisas –  
embora o texto não tenha recebido a sua sempre cuidadosa redação final, que o  
habilitaria à publicação os equívocos que já apontava no politicismo desde os  
primórdios dos seus escritos, agora cotejando-os com os procedimentos marxianos.  
Veja-se, a título de exemplo, o seguinte excerto:  
O politicismo transgride os lineamentos ontológicos marxianos em  
dois pontos fundamentais: 1) reduz o complexo fundante a fator,  
empobrece e estreita sua manifestação, irradiação e responsabilidade  
pelo conjunto da formação; 2) desordena a lógica determinativa, não  
mais se tem a linha consistente de determinação, as relações  
determinativas passam a ser voláteis, arbitrárias ou fortuitas,  
tendendo sempre a predominar, em última análise, a determinação da  
política como determinação decisiva.31  
31 Ib., pp. 38-9.  
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Neste seu último texto Chasin também retornou ao tema da história do  
politicismo, apontando seu atrelamento ao nascimento da política na pré-história da  
humanidade, quer dizer, naquela parte de sua história em que esta se viu às voltas  
com questões relativas à sobrevivência, aos problemas materiais; a propriedade  
privada e as desigualdades sociais daí advindas fraturam irremediavelmente a  
sociedade, impedindo que se dedique autonomamente à resolução dos seus próprios  
problemas. Esta sociabilidade cindida e imperfeita está, na prática, impedida de se  
autodeterminar, surgindo daí o estado e a política como forças sociais usurpadas e  
voltadas contra a própria sociedade. O politicismo germina diretamente da prática do  
político e de sua “pretensão ilusória de autodeterminação como necessidade  
decorrente da sociabilidade imperfeita, substância ainda não realizada enquanto tal,  
ou seja, ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado”, do fato, em suma,  
de que a política é a “autodeterminação na forma da alienação”32. O entendimento  
político toma a sociabilidade como uma mera forma de organização, como algo  
insubstancial, contrapondo direta e dicotomicamente indivíduo e sociedade, como se  
fossem distintos e por vezes excludentes, quando, na verdade, são duas faces do  
mesmo ser social.  
Neste texto nosso teórico expõe explicitamente a intrinsecidade do politicismo  
à ordem do capital, que toma sua base econômica como natural, imutável, algo como  
um cenário pronto e acabado sobre o qual se daria a atividade humana. Os seres  
humanos seriam ativos efetivamente apenas no tocante à ordem política, esta sim vista  
como crucial, responsável por conformar a coexistência e realizar a justiça,  
direcionando ou corrigindo o campo econômico a partir da negociação e correlação  
de forças. Trata-se, por via de consequência, de componente essencial da lógica do  
capital.  
Se o politicismo é inerente ao capital, é preciso chamar a atenção para o fato  
de que alcançou o auge no século XX, alavancado por diversos processos. Seu  
impulsionamento se deu após a maturação dos resultados da Revolução de 1917, que  
acabou ocorrendo inobstante a inexistência de condições objetivas e cuja vitória se  
acreditou que poderia advir da atuação persistente dos valorosos militantes. Emergiu,  
pois, em grande medida, devido à inviabilidade das transições intentadas no Leste  
europeu, e nesse mister foi inicialmente empenhado em nome de Marx. Em seguida,  
32 Ib., p. 38.  
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voltou-se contra o próprio Marx, dados os descaminhos que levaram à falsidade da  
construção soviética, ou seja, a partir da criação de uma sociabilidade sob a regência  
de um capital coletivo/não-social no Leste Europeu, na qual o mais-valor era extraído  
politicamente, e a classe trabalhadora, explorada em seu próprio nome. Dessa forma,  
a usina do falso se ampliou do Ocidente ao Oriente, a fim de sustentar, por exemplo,  
o stalinismo, a ideologia da falência do socialismo33. Assim, afirmava Chasin, o  
politicismo foi crescendo até que submeteu todos os personagens políticos atuantes  
teórica ou praticamente naquele momento. Tornava-se, então, importante descobrir  
suas categorias e variantes específicas, bem como a sua gênese, as condições  
históricas de que emanava, que pareciam dar razão ao capital e favoreciam a “fantasia  
conformista que se impôs no presente”34.  
Por fim, frise-se que não há, por parte do autor, uma ênfase demasiada sobre  
um traço o politicismo tomado isoladamente ou qualquer espécie de abordagem  
reducionista. Como veremos mais à frente, a prática politicista é identificada como tal  
a partir dos quadros concretos, no interior dos quais ela se manifesta e, na sequência,  
devidamente compreendida com apoio nos elementos constitutivos das demandas e  
perspectivas de classe que as norteiam, cuja explicitação ocorre diante de impasses  
de toda ordem postos pela realidade. Longe de se constituir numa análise abstrata  
que opera a partir de “tipos” previamente estabelecidos em um gradiente qualquer,  
Chasin se valeu de referenciais concretos, buscando alcançar o caráter objetivo do  
fenômeno e, desse modo, reproduzi-lo sob a forma de conceito, rejeitando captá-lo  
acriticamente apenas como um fenômeno político, o que significaria autonomizá-lo e,  
portanto, privá-lo de explicação. Em suma, embora o objeto de análise seja o  
politicismo, isso não significa que ele deveria ser abordado ao modo politicista.  
Seguindo as pegadas de Marx, Chasin se recusava a utilizar sistemas de  
classificação a priori, pois tal emprego seria, na melhor das hipóteses, um arrolamento  
de características comuns a vários tipos de prática, e não a distinção concreta existente  
entre elas. Nesse sentido é que buscamos fazer, nas próximas linhas, da forma mais  
profunda possível nos limites de um artigo desse porte, a reconstrução dos escritos  
chasinianos, de modo a esclarecer devidamente o procedimento adotado por ele,  
33 Cf. CHASIN, J. Excertos sobre revolução, individuação e emancipação humana. Verinotio Revista on-  
line de Filosofia  
e
Ciências Humanas, v. 23 n. 1, 2017. Disponível em:  
<https://verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/301>, acessado em 15 dez. 2022.  
34 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva, op. cit., pp. 38-9.  
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sempre com o intuito de demonstrar como a categoria da politicidade esteve presente  
nas suas análises sobre a realidade brasileira.  
II - Incompletude de classes e politicismo na via colonial de objetivação do  
capitalismo  
Chasin chamou o caminho particular de objetivação do capitalismo percorrido  
pelo Brasil de via colonial. Nos seus aspectos mais gerais, tratou-se da instituição da  
economia e da sociedade burguesas na ausência de um processo revolucionário.  
Marcada pela grande propriedade rural, de origem colonial, efetivou um processo de  
industrialização hipertardio, subordinado aos interesses hegemônicos das burguesias  
dos países centrais, que teve no estado um esteio fundamental e que nunca se  
completou totalmente, conformando um capital atrófico, incompleto e incompletável.  
Sem revolução burguesa, consubstanciou-se uma dissociação entre evolução nacional  
e progresso social, de forma que a sociedade se modernizou sem que sua classe  
dominante desempenhasse o papel de representante universal dos interesses. Tal  
“modernização” se deu por meio de reformas instituídas pelo alto e pela consequente  
exclusão das classes sociais subordinadas. Voltada integralmente à satisfação dos  
próprios interesses mesquinhos, subserviente aos interesses externos, a burguesia  
dominou as classes subordinadas selvagem ou autocraticamente, conforme os riscos  
existentes nas circunstâncias dadas, e tratou de excluí-las dos processos sociais  
significativos, sejam eles econômicos, sociais, políticos ou culturais. Daí a importância  
do debate em torno do tema da democracia.  
Uma análise concreta da história brasileira patenteia que sua burguesia  
dominante sempre demonstrou ojeriza pela democracia. E, ressalte-se, não se tratava  
de mera escolha: sendo geneticamente incapaz de constituir um capitalismo  
autônomo, despojada de condições de realizar um projeto para o país, e acovardada  
diante de demandas populares, punha-se desde logo contra os interesses das massas,  
dentre os quais despontava a reordenação da produção em direção ao atendimento  
de suas necessidades, isto é, o fim da política econômica baseada na superexploração  
do trabalho e a inclusão das massas no mercado de consumo de bens populares.  
É, portanto, a realidade efetiva de uma dominação material limitada,  
subordinada, determinada desde o exterior, incompleta e incompletável, que explica a  
baixa intensidade do impulso democrático das frações burguesas de via colonial e sua  
alta aderência às formas de dominação autocráticas. Da exclusão econômico-social se  
conduz à exclusão da política, pelo monopólio do poder, por um cabo de alta tensão.  
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Impedida de romper os fios da sua subserviência ao(s) capital(is) externos, a burguesia  
autóctone era obrigada a governar autocraticamente, em permanente conflito aberto  
com as classes sociais abaixo dela, ao tempo que de boa vontade conciliava ou mesmo  
se subordinava com os vetores sociais iguais ou superiores a ela própria. De tal forma  
que, se se leva em conta que estado de direito e democracia não são idênticos, a  
democracia é notável no Brasil pela sua ausência, mesmo nos limites liberais, durante  
a quase totalidade de sua história. Uma contradição nos termos durante o período  
monárquico-escravagista; uma “real ditadura das oligarquias rurais”35, ocultada sob a  
fachada liberal-democrática da “política dos governadores”, nos primeiros 40 anos da  
república; natimorta em face da ascensão do bonapartismo de Vargas ainda nos anos  
1930; acochada, ao fim do Estado Novo, por um militar na presidência que reprimiu  
fortemente a sociedade em geral e os comunistas em particular, no espírito da guerra  
fria; bastante incipiente, frágil, assustadiça e fugaz no curto período entre o segundo  
governo Vargas e o golpe de 1964. Período curtíssimo e instável que viu vários de  
seus presidentes passarem por suicídio, tentativas de golpe e contragolpes, renúncia,  
golpes brancos e, finalmente, destituição à força, com a imersão do país na longa noite  
bonapartista de 1964.  
Incompatibilizada com a democracia liberal, à qual de resto não tinha nenhum  
apreço, restou à burguesia íncola impor sua dominação de forma autocrática, que  
quando muito consegue dar ares civilizatórios a seu conservantismo, de forma que  
exerceu seu domínio apelando ao bonapartismo ou, no máximo, à institucionalização  
de sua dominação autocrática, negação da própria democracia36. Dito de outra forma:  
a soberania do capital atrófico oscila pendularmente entre o bonapartismo a  
“truculência de classe manifesta”, claramente violenta, expressão armada do  
politicismo, forma de dominação de que a burguesia se vale “em tempos de guerra” –  
e a “imposição de classe velada ou semivelada”, quer dizer, a autocracia  
institucionalizada, expressão jurídica do politicismo, forma de dominação possível “em  
tempos de paz”). Ambos, bonapartismo e autocracia institucionalizada, eram “formas  
(no plural) de poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo de  
ser capitalista, que o politicismo sintetiza” e sua alternância era a outra face da  
35 CHASIN, Conquistar a democracia pela base, op. cit., p. 60.  
36  
CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., p. 153; ______.  
¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132.  
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sucessão contínua de momentos de paz e de guerra na luta de classes 37.  
As classes dominantes brasileiras, sufocadas pelos estreitos espaços de atuação  
possibilitados pela via colonial, encontraram uma forma de se manter em segurança  
diante de críticas e pressões transformadoras: o politicismo. Em seu recurso a este, os  
representantes do conservantismo civilizado promoviam a dissociação entre estrutura  
econômico-social e instituição política; daí, invertendo a determinação real, atribuíam  
a esta última a sobredeterminação em relação à primeira e, levando o procedimento  
ao extremo, resumiam a totalidade da existência social ao político, que também era o  
parâmetro.  
O politicismo ingênito manifestação, no plano político, de sua incompletude  
geral de classe da burguesia brasileira era devido à sua irrealização econômica, de  
vez que não foi capaz de realizar integralmente suas tarefas históricas, nem mesmo as  
econômicas. Assim, Chasin trazia à tona a determinação material do caráter politicista  
e politicizante da burguesia brasileira, deixando claro que não se tratava de uma  
questão moral ou mesmo de uma escolha racional. Era sua forma de ser e ir sendo no  
processo de objetivação pela via colonial, no qual ela própria foi se constituindo  
enquanto classe, nos embates internos com outras frações dominantes e com as  
classes dominadas e na articulação subordinada com os capitais estrangeiros. Estas as  
raízes histórico-estruturais que a enformam e enquadram suas possibilidades e  
delimitam seus horizontes.  
De fato, desde os primeiros discursos dos presidentes-ditadores, aventava-se a  
possibilidade de aprimoramentos, institucionalizações e aberturas no campo político –  
reservado ao governo o apanágio de decidir quando e com que modelagem,  
evidentemente. Nenhum debate do tipo ocorreu no tocante ao tema econômico,  
problemática básica da chamada questão nacional. Assim, mesmo quando se discutiu  
com maior ou menor ênfase e amplitude a possibilidade de novos arranjos políticos,  
“a questão econômica ficou resguardada, inatingível e preservada no perfil que o poder  
lhe conferiu. Foi a vitória maior, compreensivelmente a mais acarinhada, do  
situacionismo. Foi a derrota maior da oposição, sintomaticamente a que menos a  
sensibilizou.”38  
Limitadas suas possibilidades históricas, impossibilitada de atuar  
37 Ib., pp. 127-8.  
38 Ib.  
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revolucionariamente, a burguesia brasileira encontrou no politicismo uma alternativa e  
uma proteção. De fato, no contexto do qual foi produto, o politicismo tinha o papel de  
resguardar antecipadamente o estreito campo de atuação seguro para a burguesia,  
demarcando as perspectivas tacanhas no interior das quais as disputas poderiam se  
dar primordialmente, o campo político e, ainda, a esfera na qual estas não seriam  
nunca aceitas: a econômica, justamente aquela que poderia provocar mudanças mais  
substanciais e ameaçar sua dominação. Mas, lembre-se, se os debates no âmbito  
político apareciam como alternativa às transformações de porte estrutural, as formas  
de dominação não poderiam ser escolhidas a bel-prazer pelas classes soberanas: já  
vimos que da estreiteza econômica advém uma estreiteza política.  
Em suma, recorrer ao politicismo era manter resguardada a questão central para  
a dominação burguesa, qual seja, a econômica, cujo debate enquanto assunto público  
era denegado. Era, pois, proteger preventivamente as acanhadas possibilidades  
econômicas e políticas dos proprietários: dado que “efetivamente subtrai o  
questionamento e a contestação à sua fórmula econômica e aparentemente expõe o  
político a debate e a ‘aperfeiçoamento’”, “atua como freio antecipado, que busca  
desarmar previamente qualquer tentativa de rompimento deste espaço estrangulado  
e amesquinhado”39. Frise-se: o politicismo era mais que um recurso ideológico, era  
uma consequência necessária da dominação de classe da burguesia cujo horizonte  
máximo é o liberalismo conservador expressado no conservantismo civilizado. Tanto  
este quanto o bonapartismo com que se revezava eram formas diferentes do mesmo  
poder autocrático, os quais tinham o politicismo como essência.  
Debatendo com os que preconizavam a democracia como um valor universal,  
Chasin se contrapunha a esta noção geral que, ainda que verdadeira, não só não  
captava a possibilidade efetiva da democracia e sua forma particular em cada formação  
social como deixava intocada, pela generalidade, a questão de como resolver o grave  
problema concreto de saber quais são os agentes, fatores e situações que impulsionam  
a democracia em cada realidade específica, que poderiam ser diferentes daqueles dos  
países clássicos, bem como quem são seus inimigos. De acordo com o filósofo  
paulistano, nos países de via colonial, estava cada vez mais evidenciado que “até  
mesmo os mais formais dos valores da democracia política são devidos  
fundamentalmente, quando em forma minimamente real e estável, à perspectiva e à  
39 Ib.  
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ação do trabalho”40. Sem a resposta a tais indagações, “corre-se o risco de reduzir a  
luta pela democracia, pelo recurso sempre arbitrário da dilatação das ‘autonomias  
relativas’, a um pobre ato de vontade, e a resvalar do pretendido caráter estratégico  
para uma estiolada taticidade politicista”41.  
Vejamos as consequências para a classe representante da perspectiva do  
trabalho. Um capital incompleto e incompletável e uma burguesia que não realiza suas  
tarefas são determinantes para a conformação dos trabalhadores e da sua  
representação teórico-político-ideológica, isto é, a esquerda, que se vê diante de  
desafios ainda maiores. De fato, em países como França e Inglaterra, a burguesia  
esteve à testa de uma revolução que varreu o “historicamente velho” e instituiu um  
novo sistema social à sua imagem e semelhança, formado pela economia capitalista e  
pela sociedade burguesa. As massas participaram ativamente de tal processo  
revolucionário, de maneira que puderam introduzir algumas de suas demandas  
específicas, acolhidas pela burguesia em ascensão no rol dos interesses universais.  
Quando o avanço das lutas de classes opôs visceralmente as duas principais categorias  
representantes do novo sistema e a burguesia renegou as revoluções, a classe  
trabalhadora emergiu social e política, prática e teoricamente, em solo já  
revolucionado. Quer dizer, a burguesia havia cumprido suas tarefas históricas, que na  
ocasião tinham caráter progressista, e foi neste mundo já revolucionado que a  
perspectiva do trabalho se emancipou e contra o qual passou a pelejar. Dito em poucas  
palavras, nos países clássicos os agentes e representantes da perspectiva do trabalho  
entabularam uma crítica prática e teórica do mundo constituído a partir da atuação  
dos proprietários, e “a revolução do trabalho nasce como o melhor dos produtos da  
revolução do capital. Os trabalhadores retomam e elevam as bandeiras decaídas das  
mãos dos proprietários”, sua própria obra “começa por onde aquela termina”42.  
Já os países de via colonial desconheceram processos revolucionários e,  
portanto, “a crítica prática e teórica dos trabalhadores (...) não principiou por onde os  
proprietários haviam concluído”, porque “não podiam terminar nunca”43. Isso significa  
que as tarefas da classe trabalhadora são muito mais complexas e abrangentes,  
porque, nesse cenário, o que foi outrora revolucionário aparece como ainda  
40 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 104.  
41 Ib.  
42 CHASIN, A esquerda e a Nova República, op. cit., p. 158.  
43 Ib., p. 159.  
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revolucionário, mas na verdade já foi ultrapassado historicamente e não pode ser  
repetido nos mesmos moldes, de forma que os problemas exigem soluções novas e  
inovadoras. A incompletude do capital atrófico reflete-se, assim, na própria  
constituição, na configuração e nas possibilidades que se apresentam aos  
trabalhadores, cujos limites e possibilidades são historicamente determinados (nunca  
mecanicamente, enfatize-se). Da mesma maneira, é exigido dos representantes da  
perspectiva do trabalho ainda mais capacidade de criticar (teórica e praticamente) o  
mundo existente, dada a sua não contemporaneidade  
Desnorteada diante de tal cenário, a esquerda tradicional brasileira pôs-se num  
dilema falacioso: ou seria preciso e possível! que ela completasse as tarefas  
burguesas históricas, por meio da realização, ainda que tardia, de uma revolução  
democrático-burguesa; ou ela deveria se dedicar à realização da própria revolução  
proletária, que, no entanto, era então apenas uma possibilidade abstrata num país  
atrasado e subalterno e, sobretudo, desprovido de movimentos impulsionados para  
essa direção. No primeiro caso, desentendeu seu tempo, seu lócus social e seu papel  
histórico e, seduzida pelo canto do cisne de um “sistema capitalista internacional  
formado pela justaposição de parcelas similares”, passou a pleitear um projeto de  
capitalismo nacional que “supunha, em última análise, a reprodução do padrão integral  
do capital desenvolvido, autonomizado pela ruptura com o capital metropolitano, de  
modo que seria alcançado o traçado clássico do sistema do capital, abstraídas  
distinções quantitativas”44.  
Em poucas palavras, a esquerda se dividia entre o falso dilema de ou completar  
as tarefas burguesas, que não eram e jamais poderiam ser as da perspectiva do  
trabalho, ou integralizar as tarefas próprias dos trabalhadores, a revolução socialista,  
para a qual faltavam as condições tanto subjetivas quanto objetivas e neste debate  
gastou grande parte de sua capacidade teórica. Cindida em torno dessas  
possibilidades inalcançáveis e sem atinar para as características da realidade nacional,  
a esquerda, em todas as suas correntes políticas, jamais se interrogou sobre a questão  
decisiva das condições de possibilidade da democracia no país. Mas a situação  
piorava, porque, ao longo do tempo, a quimera da revolução socialista transformou-  
se em mera declaração voluntarista-humanista-fraternal, ao tempo que a intenção de  
44 CHASIN, J. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., p. 214-  
5.  
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efetivar uma revolução democrático-burguesa se rebaixou cada vez mais até se tornar  
apenas reboquismo servil da burguesia supostamente nacional. Desta forma, a  
esquerda foi encapsulada pelo politicismo e subsumida teórica e ideologicamente,  
cortejando os ideários neoliberais internacionais e pautando-se pelas análises e pelas  
propostas do conservantismo civilizado.  
De fato, segundo Chasin, desde o golpe de 1964 portanto, depois dos  
debates sobre os caminhos da formação nacional realizados no início daquela década  
, a oposição entendeu a totalidade do real de forma politicizadora, reduzindo a esta  
instância todas as demais e propondo discussões apenas de acordo com tal  
reducionismo. Com isso, demonstrava que as concepções que embasavam os seus  
diagnósticos e direcionam a sua prática estavam sendo pautadas pela perspectiva do  
sistema. Esta atinava muito bem para as diferenças entre o discurso econômico e o  
discurso político, e por isso abraçava a tática de propor, de forma despolitizada,  
controlada e não ameaçadora, o debate público, a crítica e a busca de aperfeiçoamento  
ou reformulação sobre o âmbito político, ao tempo que remetia o econômico para o  
exílio das minúcias e tecnicismos dos iniciados tudo isso enquanto punha em prática  
um projeto de caráter totalizante. Tratava-se, ressalvava Chasin, de uma das maiores  
e mais sutis vitórias do regime escolher o campo de debates, pois, “esquivando-se à  
controvérsia sobre a questão econômica, a situação torna vitoriosa a sua política, ao  
passo que a oposição, brandindo dominantemente o ‘político’, colhe a derrota em  
todas as ‘instâncias’”45. O filósofo paulistano aduzia que, para multiplicar os ciclos de  
seu circuito de segurança, o regime ainda podia recorrer a todo o instrumental da  
excepcionalidade, ou seja, ao bonapartismo explícito, com a sístole se sucedendo à  
diástole num ciclo infinito.  
A situação das esquerdas no Brasil era, portanto, bastante crítica durante boa  
parte da vigência do bonapartismo com exceções apenas a individualidades isoladas.  
Chasin reconhecia que, na longa trajetória, da esquerda no país, “à qual não se nega  
valor de resistência e até momentos de pesado sacrifício, mas essencialmente tecida  
de equívocos”, houve “mártires e sacrificados, ofendidos e humilhados”, mas salientava  
a necessidade de ultrapassar a mitificação e, sem negar sua abnegação e dedicação,  
mostrar que foram verdadeiros “heróis no equívoco e vítimas de todas as regressões”,  
45 CHASIN, A “politicização” da totalidade, op. cit., pp. 7-8.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
aos quais a maior e mais digna homenagem “é a coragem de recomeçar”46.  
Obviamente, tal esquerda reboquista, etapista, determinista e estatista não  
ficou isenta a muitas e, em certa medida, corretas críticas. Foi como oposição a ela,  
que contribuiu para a desorientação dos trabalhadores no enfrentamento ao golpe e  
à ditadura que este inaugurou, que no final dos anos 1970 surgiu uma “nova  
esquerda”, assumidamente não marxista, produto das greves operárias do ABC  
paulista. Entretanto, aquilo que poderia ser um renascimento da esquerda terminou  
atestando a sua morte. Vejamos como isto se deu.  
Antes de o dito “milagre” ter se inviabilizado consigo mesmo, durante todo o  
intervalo entre 1968 e 1973, as diversas frações das classes dominantes, tanto as  
nacionais quanto as estrangeiras, dedicaram-se a cuidar dos negócios, tiveram lucros  
exorbitantes e em momento nenhum expuseram críticas ao bonapartismo vigente, pelo  
contrário, julgavam que a gestão bonapartista do estado era natural e necessária ao  
país naquele momento. Assim, no auge do período repressivo, as classes dominantes  
avaliavam apenas o quanto o regime ditatorial lhes prestava bons serviços. Afinal, os  
generais e a tecnocracia apareciam como entidades neutras, acima das classes e suas  
contradições, quando, na verdade, impunham pela repressão um sistema altamente  
danoso para a economia nacional e para os trabalhadores em particular.  
Extinto o curto pavio do ciclo econômico alcunhado de “milagre”, ao tempo que  
se buscava criar um novo período de crescimento, apelou-se a uma unificação das  
classes e frações de classes por meio da declaração de sacralidade do novíssimo  
mandamento: “aperfeiçoai as instituições!”, e aqui cumpriu papel primordial e inovador  
o recurso ao ingente e muito útil politicismo. Assim, em consonância com seus  
propósitos alegados desde o início, a ditadura julgou conveniente trocar politicamente  
de pele, “encaminhar o desenho de outra forma de sustentar a mesma dominação”,  
efetivando uma passagem politicista do bonapartismo à autocracia institucionalizada47.  
Em suma, enquanto, sob os mais diversos argumentos, o que era essencial na  
política econômica sempre foi tido e afirmado como hermeticamente fechado, as  
classes dominantes declaradamente afirmaram a abertura do regime político-  
institucional para “aperfeiçoamento”. Em face dos maus augúrios para os seus ganhos,  
decorrentes do fim de um ciclo e da angústia pela inexistência de um novo, frações  
46 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132; A esquerda e a Nova República, op. cit., p. 160.  
47 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 127.  
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burguesas passaram a fazer críticas ao sistema e a buscar saídas para a crise. O  
descontentamento, então, foi escorregando aos poucos dos centros de poder e se  
esparramou pela imprensa e pelas ruas, tingindo diversas categorias com o roxo  
vibrante do seu meio-luto.  
Foi então que, por entre as fissuras no apoio ao sistema, imiscuíram-se os  
movimentos dos trabalhadores categoria social essencial para a conquista da  
democracia no país 48. A reaparição dos trabalhadores em pleno palco central dos  
acontecimentos, após um longo período de repressão e recuo, aportava perspectivas  
efetivas de mudanças substanciosas. Afinal, se era impossível a construção  
democrática pela atuação das categorias sociais que personificavam o capital atrófico,  
não o era pela movimentação das que encarnavam a perspectiva do trabalho, que,  
diferentemente das primeiras, tinham a potencialidade universal de integralização. Dito  
de modo mais sintético, a irresolubilidade crônica do capital atrófico deixaria  
entreabertas possibilidades de transformação levadas a cabo pela lógica do trabalho.  
As manifestações operárias foram ganhando densidade e volume, a ponto de  
ameaçarem o processo de transição tal como pensado pelo sistema. De forma  
espontânea (embora não espontaneísta), as massas trabalhadoras introduziram seus  
argumentos concretos no debate sobre a democracia que então se realizava e, com  
isso, ameaçaram sua direção, ao negar o politicismo e abrir caminho para uma  
verdadeira nova política, centrada no historicamente novo. Para as massas  
trabalhadoras, romper com o politicismo era, além de uma possibilidade concreta, um  
interesse vital.  
Assim, muito além da questão numérica, a ação dos trabalhadores apresentava  
(mesmo se consideradas suas limitações e oscilações) uma acentuada mudança  
qualitativa no tocante à luta contra o bonapartismo e pela conquista da democracia: a  
instituição de um verdadeiro movimento democrático de massas, o qual trazia “consigo  
uma dimensão decisiva, historicamente nova: atua diretamente sobre a organização  
material de toda a estrutura social”49. Os trabalhadores em movimento não descuravam  
da conquista das liberdades políticas, mesmo as mais simples, porém estavam  
conscientes, primeiro, de que estas só seriam levadas efetivamente a cabo a partir da  
48  
Não temos, neste texto, a intenção de reproduzir a análise de Chasin sobre as greves de 1978-80,  
senão de apenas anotar o que é essencial para o entendimento do tema recortado, a politicidade.  
Remetemos os interessados aos textos do próprio autor, especialmente: CHASIN, As máquinas param...,  
op. cit., pp. 79-108.  
49 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 98.  
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sua própria atuação50; segundo, que “têm de estar articuladas a matrizes mais  
substantivas: em primeiro lugar, às condições de salário e trabalho sob as quais cada  
trabalhador e os trabalhadores em seu conjunto, na imediaticidade, são compelidos a  
51  
produzir e reproduzir sua existência material” . Naquele período, as massas  
trabalhadoras estiveram na vanguarda em relação a suas agremiações partidárias,  
esquerda tradicional incluída.  
As massas não poderiam, contudo, contar apenas com as próprias forças, pois,  
de moto próprio, “não têm como determinar os processos e conferir, ao conjunto do  
movimento, a direção implícita aos conteúdos que desenvolvem espontaneamente em  
certas iniciativas”52. Se o movimento concreto das massas trabalhadoras ameaçava  
quebrar o espinhaço da ditadura, dificultando sua mobilidade e sua própria existência,  
era necessário ir além e elaborar um programa econômico da sua perspectiva. Dada a  
incompatibilidade entre um regime com base no arrocho salarial e uma democracia,  
mesmo a mais formal e estreita, cabia calçar a luta pela democracia com a elaboração  
e efetivação de um programa econômico orientado à eliminação pela raiz do arrocho  
portanto, dedicado a destruir as bases da superexploração do trabalho atual e futura  
, tarefa que seria da esquerda, representante teórica da perspectiva do trabalho. A  
necessidade de um programa econômico da perspectiva das maiorias estava dada e  
era explicitada pela reemergência das lutas dos trabalhadores, centrada nos operários,  
de forma que desconsiderar tal questão naquele momento equivalia a não alimentar o  
movimento dos trabalhadores com a seiva que lhe era vital e, com isso, deixar fenecer  
por inanição o processo de conquista da democracia. Trespassada pela visceral luta  
contra o arrocho, de caráter universal em solo nacional, a plataforma econômica  
alternativa contemplaria também outras demandas universalizantes, como a anistia, a  
convocação de uma Assembleia Constituinte e demais prerrogativas democráticas –  
mas, agora, demonstrado o terreno social no qual estão radicadas53. As pretensões  
democráticas dos trabalhadores abarcariam democracia econômica, social, cultural –  
ou seja, a totalidade concreta da existência da sociedade54.  
A história, porém, foi outra. Por um lado, vendo a possibilidade de ser posto  
em xeque, o bonapartismo, mesmo combalido pela falência do “milagre”, resistiu e  
50 Ib., p. 105.  
51 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132.  
52 Ib., p. 125.  
53 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 106.  
54 CHASIN, Conquistar a democracia pela base, op. cit., p. 77.  
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defendeu com garras e presas sua política econômica, tomando diversas medidas que  
deixavam límpidos os motivos pelos quais se dispunha a despir as fantasias  
distensionistas e trajar novamente o fardão e o coturno habituais. Chasin apontava  
que as prédicas pelo “aperfeiçoamento democrático” e a repressão concretamente  
executada eram duas ações complementares da mudança de regime sem alteração da  
política econômica, de forma a ensejar um novo ciclo de acumulação sobre as mesmas  
bases.  
Por outro lado, às manifestações das massas, de conteúdo essencialmente  
econômico e de caráter totalizante, não foi agregado um programa econômico feito da  
perspectiva dos trabalhadores, pelo contrário, até mesmo a necessidade deste foi  
afastada pela “nova esquerda”. As lutas dos trabalhadores foram entravadas, de forma  
covarde e oportunista, em nome do abrandamento das tensões e, depois de  
domesticadas e desfibradas, as movimentações foram redirecionadas para a campanha  
eleitoral de 1982. Em seguida, as enormes manifestações, que ilustravam os anseios  
populares por mudanças, foram dirigidas ao campo institucional pela campanha pelas  
eleições presidenciais diretas, logo solucionada pelo alto (via Colégio Eleitoral). A  
esquerda foi, desta forma, incapaz de congregar a faceta político-parlamentar e a  
potência político-social daquelas mobilizações, quer dizer, não conseguiu fecundar  
com os interesses sociais e econômicos das massas os processos político-institucionais  
necessários para gênese e a consolidação de uma verdadeira democracia.  
Assim, a “nova esquerda” também sucumbiu ao politicismo, desvirtuando e  
desviando os conflitos sociais para o espaço seguro para o sistema, o político, quando  
as lutas sociais deveriam determinar a ação parlamentar, conferindo-lhe conteúdo e  
direção. Pega pela arapuca politicista, agindo voluntariamente ou não em  
adequação aos interesses do sistema, concordando com o perfil que lhe foi dado pela  
ditadura em processo de autorreforma, sua atuação era mais maléfica que benéfica  
para o movimento de massas, o qual confundia, desarmava e desmobilizava55. Tornou-  
se, assim, agente ou cúmplice da perda da oportunidade histórica de ruptura com as  
mazelas da via colonial e do seu politicismo subjacente. A esquerda se valeu, então,  
das massas para a prática de uma “oposição pelo alto”.  
Chasin mostrava as semelhanças que havia entre a esquerda tradicional e a  
chamada “nova esquerda”, mesmo sendo esta uma crítica da primeira. Tais  
55 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 134.  
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semelhanças se deviam ao fato de terem no liberalismo uma ascendência comum, além  
de dividirem a crença na possibilidade de arrematar o mal-ajambrado capitalismo  
atrófico. A esquerda tradicional era caudatária porque se batia pela completude do  
capital incompleto e incompletável; a “nova esquerda” era participacionista porque  
propugnava a efetivação da soberania política clássica impossível no Brasil,  
empenhava-se por uma democracia liberal ininstaurável56. O participacionismo era a  
marca distintiva da nova esquerda, como o reboquismo caracterizara a esquerda  
tradicional.  
O sorvedouro politicista e voluntarista em que foi absorvida enredava a  
oposição numa contradição: inobstante suas alardeadas intenções democráticas, a  
equação econômica intocada e silenciada as impediam; e toda real efetivação  
democrática recusaria a linha econômica existente (repetindo, aliás, de forma particular,  
uma contradição inerente ao próprio capitalismo). As massas estavam em busca de  
mudanças efetivas nas suas condições de vida (no sentido mais amplo), algo que não  
era possível oferecer num processo de solução pelo alto e, por via de consequência, a  
eficácia da “pregação institucionalizadora” politicista da oposição à ditadura em  
autorreforma teria vida curta57.  
Sumarizando, durante todo o processo de autorreforma do bonapartismo, o  
sistema contou com a atuação decisiva das oposições na condução de uma “transição  
lerda, longa e limitada” para um regime autocrático institucionalizado. Todo este  
percurso foi marcado pela inversão que substituiu e rebaixou a perspectiva material  
dos trabalhadores pela perspectiva formal das oposições. Tal processo resultou na  
manipulação das consciências e no trânsito para outra forma do mesmo governo do  
capital (atrófico). Segundo Chasin, havia aí um enfraquecimento, uma subsunção das  
oposições ao sistema e das massas às oposições, de caráter fundamentalmente  
ideológico, mas que acabava tendo repercussões políticas. Daí que o sistema tenha  
tido sucesso em manter os processos sob controle e estar um passo à frente das  
oposições. Em 1982 Chasin cravava que as oposições também tinham no politicismo  
a “faixa de segurança onde se movem em terreno próprio” 58.  
No seu texto de 1989, Chasin explicitou outro equívoco fundamental da “nova  
esquerda” nas movimentações grevistas de final dos anos 1970: ela a criticava por  
56 Cf. CHASIN, A esquerda e a Nova República, op. cit., pp. 161-2.  
57 Cf. Ib., p. 154.  
58 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 125.  
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confundir movimento sindical com movimento operário, olvidando a diferença entre as  
legítimas e necessárias lutas corporativas de setores profissionais e as movimentações  
de classe com vistas à profunda transformação da sociabilidade. Desta forma, o que  
fez o Partido dos Trabalhadores, o mais lídimo representante da “nova esquerda”, sob  
o pretexto de atender às necessidades políticas do movimento dos trabalhadores, foi  
politicizar a prática sindical, deixando de aditar à sua lógica a política que supera a  
política, e assim permanecendo no interior do entendimento político. Com isso, acabou  
tomando o movimento operário simplesmente como “o movimento sindical operando  
politicamente, mas sem a mediação das determinações sociais”. Sob a condução da  
“nova esquerda”, o movimento operário foi levado a atuar não partindo da contradição  
essencial entre as classes tal como dadas na sociabilidade capitalista, mas da noção  
de agente sindical transposta para o mundo da política. Desta forma, se aquele denso  
movimento sindical que deu origem ao PT conseguiu trazer à tona as lutas econômicas  
de setores importantes da classe trabalhadora, esta legenda, deles originada, não  
alcançou repor na ordem do dia a perspectiva legitimamente de esquerda59. Tal  
procedimento se coaduna com suas prédicas e atuação em prol da democracia  
participativa, no qual “a democracia se revela como participacionismo negociador60,  
e sua posição de sigla situada na esquerda do capital.  
Chasin também se destacava por não incorrer em simplismos nem em  
demagogias condescendentes com relação aos vetores sociais subordinados. Afinal,  
na tarefa de apropriar-se do real, não cabe edulcorá-la, relativizando debilidades,  
minimizando equívocos, desprezando, enfim, as determinações que delimitam o  
quadro de possibilidades objetivas. Nesse sentido, ele deixava claro o que deveria ser  
uma obviedade, mas acaba chocando muita gente: a classe trabalhadora não escapou  
incólume das condições históricas condicionadoras do capital atrófico, bastante menos  
generosas que as existentes em solo clássico. Assim, se desde os anos 1980 ele  
criticava os que acreditavam no espontaneísmo da classe trabalhadora, em 1989 ele  
censurava duramente aqueles que fizeram “uma antiga aposta historicamente  
desmentida no brotar espontâneo do propósito de transformação radical entre os  
trabalhadores”. Tal visão facilitava ao militantismo (muitas vezes, avesso à teoria) a  
“confortável sensação de partilhar da verdade, sempre e quando e isto basta –  
59 CHASIN, A sucessão na crise..., op. cit., p. 258.  
60 Ib.  
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houver perfilamento com a movimentação dos obreiros”61, de forma que simplesmente  
estar ao lado dos trabalhadores fosse plena garantia prévia de acerto e radicalidade  
revolucionária. À utopia espontaneísta é imanente uma visão mágica do trabalhador,  
tido e havido como repositório de todas as virtudes e toda a sabedoria.  
Para o pensador, um verdadeiro partido do trabalho “não é o partido dos  
trabalhadores tomados estes no complexo imediato e negativo de sua ‘condição  
operária’”, pois que ele “não prefigura seus objetivos pela miséria material e espiritual  
dos trabalhadores em sua existência concreta de humanidade aviltada”62. Antes ao  
contrário: é a “afirmação universal do homem expressa na potência de uma nova  
ordenação da vida societária”, é o “instrumento de mediação política da atividade  
social conscientemente transformadora, que assume a potência regencial da lógica do  
trabalho e a este como protoforma de toda prática social”63.  
Essa aguda criticidade chasiniana encontrou o ápice no seu texto inacabado Ad  
Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista, em que expôs de forma cabal  
uma crítica aos que essencializam ou mistificam o proletariado, quando em Marx a  
revolução não significa a invocação de uma categoria social específica, mas da própria  
perspectiva do trabalho (cujo representante mais avançado, na época do filósofo  
alemão, era o operariado industrial). Nesse verdadeiro culto, esquece-se da  
historicidade da classe social, e, atualmente, das mudanças substanciais trazidas pelas  
inovações tecnológicas. A figura do proletário, típica do período de Marx, despareceu  
e, sobretudo, a perspectiva do trabalho foi derrotada ao longo do século XX, algo que  
exige ser dito e pensado. Ademais, a figura tradicional do trabalhador tem sido  
substituída pelo agente tecnológico de ponta, a classe trabalhadora premida pelo  
desemprego, em refluxo defensivo e desmoralizada societária, sindical e  
historicamente devido às práticas de cunho stalinista.  
Segundo o raciocínio chasiniano, é necessário investigar o novo patamar de  
sociabilidade para identificar a(s) categoria(s) social(is) que encarne(m) de forma mais  
avançada a lógica onímoda do trabalho, bem como perscrutar sua possibilidade de  
efetivar a revolução social do futuro. Ademais, o século XX confundiu o meio com o  
objetivo, tomou a afirmação de uma classe social como o objetivo da revolução, e não  
como um instrumento desta, cujo escopo é uma sociedade sem classes, ou seja, a  
61 Ib., p. 259.  
62 Ib., pp. 259-60.  
63 Ib., p. 259.  
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emancipação humana. A revolução social do futuro, possibilidade objetiva engendrada  
pela lógica onímoda do trabalho, é infinitamente mais importante que qualquer  
categoria social; longe de ser a (re)afirmação de uma classe, é afirmação universal do  
ser humano64.  
No tocante ao tema da democracia no período seguinte à autorreforma da  
ditadura bonapartista, em 1989, Chasin reafirmava que a transição em direção a uma  
autocracia institucionalizada não mexera na estrutura econômico-produtiva da  
ditadura, da qual advinham terríveis problemas sociais, e por conseguinte também  
mantivera a autocracia enquanto sua forma de dominação fundamental, da qual não  
estava descartada a influência militar nem mesmo institucionalmente (veja-se a  
dubiedade do art. 142). Partira-se, como já mencionado, da noção de que apenas  
depois de garantidas as instituições formais é que se podia cuidar das questões  
cotidianas, relativas à sociedade e à economia, tendo como base o entendimento  
politicista militante que partia de e tinha como perspectiva a institucionalidade como  
expressão máxima das forças sociais, expressadas estas no conteúdo e na forma do  
direito e do estado.  
Ora, tal entendimento já havia, naquela fase histórica, demonstrado sua  
falsidade, resultando na decepção das massas com a democracia. Para as classes  
dominantes, era, pois, forçoso persuadi-las da efetividade das promessas  
democráticas; os miseráveis foram, então, induzidos pelo apelo à demagogia e às  
técnicas da razão manipulatória que levaram um aventureiro travestido de demiurgo à  
presidência da república nas eleições de 1989. Não se tratava de um movimento  
surpreendente ou inédito, mas do mais “autêntico movimento da dominação do capital  
atrófico” que, “compelido pela sua lógica à integração subordinada, na malha  
econômica do capital superproduzido, tem literalmente que embair os excluídos”65. A  
presença constante de aventureiros na história política nacional era um dos sinais de  
que o sistema partidário estava em descompasso com as necessidades e anseios das  
maiorias, deixando aberto o campo à sua “bárbara exploração espiritual”, o que vinha  
se somar à repressão sempre à mão e aos inúmeros equívocos teóricos e práticos das  
oposições, problemas que subjazem aos equívocos das próprias massas desvalidas66.  
Chasin ia na direção inversa das análises feitas por politólogos e líderes partidários  
64 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., pp. 68 ss.  
65 CHASIN, A sucessão na crise..., op. cit., p. 226.  
66 Ib.  
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que tomavam individualidades e situações como excepcionalidades, com o que  
buscavam fazer crer que a “verdadeira política” havia sido deturpada pelos  
oportunistas, ocultando a possibilidade de os representantes políticos “normais”  
poderem se tornar patológicos e o fato de que a política tem na desigualdade e no  
fato de ser administradora da dominação social seu pecado original.  
Ao final da vida, mas sem que tenha tido oportunidade de desenvolver mais  
adequadamente a reflexão, o filósofo em pauta salientava que a globalização expusera  
mais explicitamente o papel ao estado, que agora era cada vez mais claramente agente  
do capital. Este, uma vez posto de forma incontrastada desde o desaparecimento  
dos países pós-revolucionários do Leste europeu e congêneres , tem dispensado a  
política, evidenciando-se o predomínio do âmbito da economia em relação a esta  
última, como demonstra o declínio dos estados nacionais ocorrido pelo menos  
parcialmente no período final do século XX. No interior desta, a própria via colonial –  
o caminho específico que o país seguiu para a instituição do capitalismo encontrou  
seu fim, configurando-se num marco de uma nova era para o país, na qual as  
possibilidades futuras latejam, pejadas de contradições. Trata-se de um tema cuja  
pesquisa é urgente e que demanda esforços coletivos, para que escape às avaliações  
tópicas, subjetivistas ou conservadoras.  
A propósito das eleições de 1989, Chasin analisava ainda uma vez as renitentes  
debilidades e equívocos da esquerda análise que concluía dizendo que esta havia  
morrido. Retomou a discussão sobre as principais teorias que embasavam a atuação  
da esquerda no pós-ditadura, de forma mais detalhada e em profundidade, com  
especial atenção às teorias da sociologia e filosofia paulistas, por ele denominadas de  
analítica paulista67. Conforme nosso pensador, uma das conquistas marxianas  
67  
Para ficarmos com um exemplo, citemos a crítica chasiniana a Fernando Henrique Cardoso, um dos  
grandes nomes dessa corrente, feita no texto Rota e prospectiva, de 1999. De acordo com nosso autor,  
FHC, em sua busca por descartar o reducionismo economicista, acabava incorrendo em um reducionismo  
inverso, de vez que – tratando os “planos” econômico e social como divorciados entre si, bem como  
vendo a economia e a política como “fatores” – elevava a política ao papel determinante. Dito de outro  
modo, FHC fazia a “separação de faces ontológicas indissociáveis”, o “que permite, operativamente, o  
encadeamento de uma ordenação aleatória ou de suficiente indeterminabilidade para que o político  
possa, na armação discursiva, aparecer como determinação de última instância, ou seja, decisiva em  
qualquer ordem explicativa, do que redunda o politicismo". A dura e basilar crítica chasiniana dizia  
respeito, portanto, ao fato de Cardoso e cia. envidarem a separação entre a atividade sensível dos  
homens o trabalho e a atividade suprassensível, excessivamente ressaltada, resultando do processo  
uma desvinculação ontológica de fenômenos reais, uma desobjetivação, “uma reenfatização teórica da  
subjetividade e de um suposto caráter arbitrário ou aleatório da lógica dos processos reais”. Tratava-  
se, não menos que isso, do próprio caroço do politicismo, em torno do qual FHC desenvolvia sua teoria  
e sua prática política no caso particular desta, o politicismo era limitado pela importância da correlação  
de forças para o sociólogo na presidência. Cf. CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., p. 17.  
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liminarmente ignoradas pela analítica paulista foram as críticas ontológicas  
instauradoras de seu pensamento próprio, incluída a crítica da politicidade, o que levou  
os teóricos dessa linha a erigirem um marxismo adstringido que desconsiderava a  
questão da emancipação humana cujo epicentro está na trama social. Por  
conseguinte, a analítica paulista também foi incapaz de compreender os limites da  
política e da emancipação advinda da revolução política, comparativamente à  
revolução social e à emancipação humana que ela inaugura. As consequências desse  
marxismo adstringido manifestam-se de forma mais evidente no tratamento do caso  
brasileiro, com suas tramas concretas e suas demandas práticas. Como tais teorias  
foram amplamente abraçadas por grandes parcelas que se pretendiam de esquerda, a  
resultante foi uma atuação canhestra e equivocada.  
Para Chasin, só há prática política radical quando ela é metapolítica, ou seja,  
quando ela atua para desfazer o político, transformando a sociabilidade que está em  
sua base. A prática metapolítica é a única radical e com sentido no tempo atual, dado  
que apenas ela conseguiria efetivar uma prática política defensiva possível diante  
dos desafios da conjuntura e da transição para a globalização e, conjugadamente,  
franquear o caminho para uma revolução social, que tivesse como horizonte a  
propriedade e a produção sociais. O filósofo paulistano era bastante enfático: se na  
época de Marx a crítica prática e teórica da economia política havia sido a condição de  
possibilidade para uma nova cientificidade, na atualidade, toda análise rigorosa da  
sociabilidade exigia a reiteração da superação da política que o filósofo alemão já  
havia efetuado. Só a partir da superação da política se poderia pôr a questão  
imperativa da revolução social.  
A crítica radical é idêntica, portanto, à crítica da política, a qual inclui, no Brasil,  
o governo, o poder político constituído, mas também as próprias oposições. Radical é  
a tomada de posição contra a política a metapolítica que destrói as ilusões nas  
soluções político-administrativas dos grandes dilemas sociais e que escapa à  
corrupção inerente à politicidade. Para tal, a esquerda deveria se tornar uma oposição  
proponente, perspectivando o futuro, que articulasse políticas defensivas com outras,  
mais globais, que as enformariam, todas devidamente orientadas por uma teoria  
correta e pela metapolítica. Esta radicalidade começa por fazer a crítica da esquerda  
nesse pouco mais de século e meio de sua existência e, no processo, repõe a questão  
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da revolução social68. O fundamento para tal crítica dado que a raiz, para o homem,  
é o próprio homem é a individualidade atual, da qual se parte para atingir uma crítica  
revolucionária “que revoluciona os próprios indivíduos”69.  
Considerações finais  
Já arrematamos conclusões e análises no processo mesmo de exposição do  
nosso objeto de pesquisa. Aqui, cabem apenas brevíssimas palavras, para arrematar o  
tema.  
Como expusemos, a incansável dedicação à redescoberta de Marx, após os  
descaminhos e as desvirtuações sofridos pelo pensamento deste autor no dramático  
século XX, foi uma das tarefas a que Chasin se devotou, com especial atenção à  
recuperação do estatuto ontológico da obra marxiana. Em particular, envidou esforços  
para trazer a lume a ontonegatividade da política, descoberta exposta nas obras do  
teórico alemão desde 1843 cujo entendimento é basilar para a compreensão das  
tarefas da revolução política e aquelas da revolução social, que vão mais além desta,  
rumo à emancipação humana. Dentre os temas que mais demandaram a atenção do  
pensador brasileiro, salienta-se ainda o esforço para compreender a sociabilidade  
atual, particularmente a brasileira, só alcançada com a adequada apreensão desta no  
interior da universalidade do capitalismo.  
Na atuação de Chasin, não se tratou nunca de tarefas estanques, pelo contrário,  
elas sempre estiveram intrinsecamente relacionadas: baste dizer que o embasamento  
teórico em Marx possibilitou diversas conquistas na compreensão da entificação  
nacional, como esperamos ter deixado comprovado. A mútua potencialização entre as  
pesquisas sobre o período de formação do pensamento marxiano e a análise de  
situações concretas (o caso brasileiro) não é, aliás, exclusiva de Chasin, mas representa  
o percurso do próprio Marx. Afinal, este se encaminhou para seu pensamento próprio,  
não por acaso, pela crítica da política e da filosofia especulativa alemãs e pela  
discussão que esta fazia da política e do estado, do que lhe provieram fundamentos  
para que efetivasse a terceira crítica, aquela a que se dedicou até o fim da vida, a da  
economia política, isto é, da sociabilidade capitalista.  
As pesquisas chasinianas sobre o Brasil, desta forma, evidenciam a importância  
das descobertas que ele realizava em outro campo fundamental de seus estudos: os  
68 Ib.  
69 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., p. 58.  
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Ester Vaisman; Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
lineamentos ontológicos marxianos, particularmente no que tange à politicidade. Era  
com base em tais achados que Chasin voltava os olhos à realidade nacional, não para  
ali “aplicar” as mesmas tematizações que Marx fizera em seu tempo e lugar, mas para  
nelas encontrar o elã adequado para a busca constante e incansável da especificidade  
dos caracteres da formação brasileira. Assim, ao tempo que avaliava em detalhes o  
Brasil (no mundo) de sua época, perscrutava também as análises marxianas acerca da  
questão da ontologia e da politicidade e inspirava-se nelas para pensar a realidade  
nacional, de forma a destacar dessemelhanças sem perder as ligações com o universal  
concreto de que esta era uma forma particularizada.  
No tocante à politicidade, como mostrou Chasin, no mister de desvendar a  
origem, o caráter da política e as formas específicas que assume entre os atributos do  
homem em sociedade, Marx chegou a uma percepção que contradita a concepção  
ontopositiva da política, segundo a qual a politicidade é característico intrínseco ao  
ser social e seu distintivo, sua peculiaridade, a expressão máxime de sua racionalidade.  
Marx mostrou que a política é “força social pervertida e usurpada, socialmente ativada  
como estranhamento por debilidades e carências intrínsecas às formas sociais  
contraditórias, pois ainda insuficientemente desenvolvidas e, por consequência,  
incapazes de autorregulação puramente social”70, e a emancipação é a reintegração  
dessas forças sociais pela sociedade. Assim, o filósofo alemão criticava a política pela  
sua própria essência e suas premissas, ou seja, não pretendia uma perfectibilização da  
política e do estado, mas criticava ontologicamente a própria política.  
No que diz respeito à formação social brasileira, Chasin pôde perceber que  
trilhou pela via colonial, que faceou no seu debate com o pensamento integralista.  
Ressalte-se que esta análise chasiniana é absolutamente inovadora e só possível a  
partir de dois fatores conjugados: a intimidade com as conquistas teóricas marxianas  
e a preocupação em apreender adequadamente os caracteres peculiares da entificação  
nacional. Um e outro elementos, de forma isolada, já poderiam resultar em análises  
substanciosas, mas o brilhantismo que Chasin alcançou adveio justamente de sua  
capacidade de, valendo-se de Marx como um referencial basilar, captar a especificidade  
da realidade particular sobre a qual se debruçava no que seguia também o modo de  
proceder marxiano.  
Nos textos aqui trabalhados, mostramos que o autor em tela se esforçou por  
70 CHASIN, Marx: estatuto ontológico..., op. cit., p. 58.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
deslindar a politicidade na formação brasileira e a maneira específica pela qual o  
politicismo se incorporou à sociabilidade nacional, já que é elemento constitutivo  
central da forma de ser da burguesia atrófica e, ainda, porque esta conseguiu enredar  
no politicismo também os representantes político-ideológicos da classe representante  
da lógica do trabalho. O que está em pauta no procedimento politicista é a  
autonomização e hiperacentuação do “político” por meio de seu isolamento do  
conjunto social e, sobretudo, do âmbito econômico, o que gerou, no caso brasileiro  
àquela época, reivindicações de ordem puramente institucional em relação às franquias  
democráticas. Tal procedimento reducionista tem como consequência “a diluição, o  
desossamento do todo, a sua liquefação em propostas abstratamente situadas apenas  
no universo das regras institucionais. É a autonomização e prevalência politicológica  
do ‘político’ em detrimento da anatomia do social, isto é, do alicerce econômico”71.  
É muito importante salientar, contra as muitas estripulias da imputação, que  
(des)entendem a crítica ao politicismo (e, mais amplamente, da politicidade), que não  
se trata, aqui, de qualquer sorte de loa ao abstencionismo político. Exemplifique-se  
com a questão das disputas eleitorais, acerca das quais foram escritos muitos dos  
textos chasinianos. Nestes, ele afiançou e reiterou inúmeras vezes a importância de  
eleições. De acordo com ele, “qualquer processo eleitoral, excluídas situações  
excepcionais e falsas teorias é importante”, eventualmente mais importante por  
possibilitar contato, esclarecimento e organização populares do que pelas escolhas  
possíveis – “De todo modo, importante72. Tal relevância ganhava ares ainda mais  
significativos em face de determinadas circunstâncias, como o caráter de  
excepcionalidade das escolhas eleitorais para cargos executivos relevantes após a  
longa noite bonapartista. Nestes casos, o processo eleitoral poderia ser convertido em  
evento determinante no interior dos embates contra a ditadura.  
Longe de ser uma recusa ou indiferença à participação política, a determinação  
ontonegativa da politicidade é, pois, a denúncia da corrupção íntima da política, de  
seu caráter contingente, sua irresolubilidade, sua estreiteza, seu voluntarismo. Por  
conseguinte, uma revolução radical toma o curso em direção ao social, essência do  
homem e de sua práxis, sua propriedade par excellence. A revolução social demanda  
uma prática metapolítica, medidas e projetos que avancem para além do político e  
71 Ib.  
72 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 122.  
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Ester Vaisman; Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
transformem o próprio metabolismo social, construindo o próprio fim da política e da  
sociedade regida pelo capital que lhe é subjacente.  
Como citar:  
VAISMAN, Ester; ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. Da crítica ao politicismo à  
determinação ontonegativa da politicidade: a análise do caso brasileiro. Verinotio,  
Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 82-122, Edição Especial, 2022/2023.  
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DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.663  
Problemas selecionados em determinação social  
do pensamento  
Selected problems in social determination of thought  
Elcemir Paço Cunha*  
Resumo: O artigo objetiva discutir alguns  
problemas avançados em determinação social do  
pensamento a partir das contribuições deixadas  
por J. Chasin tendo em vista a profícua  
Abstract: The article aims to discuss some  
advanced problems on social determination of  
thought based on the contributions left by J.  
Chasin in view of the fruitful grounding in Marx  
and Lukács. These selected problems are  
presented assuming as a common thread the  
possibilities of scientific research of ideological  
objects.  
fundamentação em Marx  
e
Lukács. Tais  
problemas selecionados são apresentados  
assumindo como fio condutor as possibilidades  
da pesquisa científica de objetos ideológicos.  
Palavras-chave: Determinação social do  
pensamento; formação ideal; ideologia.  
Keywords: Social determination of thought;  
ideal formation; ideology.  
Introdução  
A ocasião, de celebrada republicação de J. Chasin pela prestigiada Verinotio, traz  
consigo a oportunidade de revisitar alguns aspectos das contribuições à determinação  
social do pensamento realizadas pelo autor, entremeadas à ascendência a Marx e a  
Lukács.  
Trata-se de algo sempre marcante entre as preocupações do filósofo brasileiro,  
desde sua dissertação crítica a Mannheim, datada dos primeiros anos de 1960, até os  
estágios últimos de seu itinerário intelectual na década de 1990. No caminho, o  
trabalho de fôlego sintetizado em O integralismo de Plínio Salgado, de 1977, deixou  
elementos fundamentais ao estudo do pensamento político tomado analiticamente por  
“objeto ideológico”.  
Ficou patentemente registrado o valor do prolongado diálogo com Lukács  
iniciado antes, na dissertação, principalmente aquele moldado, a partir de A destruição  
da razão, sobre o “tríptico metodológico lukácsiano” constituído pela análise imanente  
*
Doutor em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa  
de Pós-Graduação em Administração na Universidade Federal de Juiz de Fora PPGAdm/UFJF. Pós-  
doutorando em Economia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional Cedeplar/UFMG.  
E-mail: paco.cunha@ufjf.br.  
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Elcemir Paço Cunha  
das doutrinas e pelas análises de gênese e da função social das “ideologias”. Trata-se  
de um aparato metodológico geral, não sistemático e, portanto, dependente das  
propriedades concretas do pensamento investigado e, por isso mesmo, decorrente  
diretamente da própria natureza geral dos “objetos ideológicos”, mais  
“desmaterializados” do que fatores superestruturais a exemplo da política e do direito.  
O diálogo foi criticamente esticado no notório posfácio, de 1995, intitulado Marx:  
estatuto ontológico e resolução metodológica, devidamente republicado como livro  
separado em 2009. Esse diálogo crítico foi virtuosamente lapidado pelos fundamentos  
diretamente remetidos a Marx, culminando nos lineamentos da fundamentação  
ontoprática do conhecimento, do devido lastreamento marxiano da determinação  
social do pensamento desprovido dos determinismos da moda e, igualmente  
embasada, da presença histórica do objeto (sua maturação objetiva).  
Tudo isso é conhecido, pelo menos por parte de grupos especializados.  
Uma vez enriquecido por esse itinerário, o estudo dos objetos ideológicos se  
mostra como uma suficientemente desenvolvida alternativa às tendências marcantes  
no século XX com respeito à investigação das “ideologias”, como o relativismo  
bastante acentuado nas variantes de sociologia do conhecimento das clássicas  
frequentemente visitadas às arqueologias do saber/poder hodiernamente repetidas à  
exaustão, passando pelas recorrentes alegações das crises paradigmáticas , como as  
meras relações entre ideias por aclamadas “afinidades eletivas” ou como as armadilhas  
do racionalismo constantes, dadas as exigências do epistemologismo, na autonomia  
do pensamento como “consciência pura”, supostamente sem qualquer  
condicionamento externo.  
No gradiente que se estende, então, da blindagem do pensamento em relação  
às suas condições objetivas de possibilidade ao completo contágio do pensamento  
pelos condicionantes sócio-políticos que levam as posições intelectuais, em última  
instância, ao ceticismo radical e ao relativismo, seu irmão xifópago, e, portanto, à  
impotência do pensamento diante da necessidade de reta apreensão da realidade, os  
pressupostos objetivos que se mostram a partir da determinação social do pensamento  
são mais consequentes diante da facticidade. Isso porque admitem de partida a não  
autonomia do pensamento diante de suas condições objetivas simultaneamente ao  
reconhecimento, fundado na práxis autoconstitutiva da humanidade, de que a  
capacidade de reproduzir, no pensamento, a lógica movente das coisas, é uma  
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resultante de fatores históricos. Na síntese de Chasin (2009, p. 121), a objetividade  
do conhecimento é um produto contingente de tempos e lugares, uma vez que a  
“conjunção cognitiva ideal depende do encontro entre um sujeito plasmado em  
posição adequada à objetivação científica, ou seja, portador de ótica social em  
condição subjetiva de isenção, e de um objeto desenvolvido, isto é, perfilado na  
energeia de seu complexo categorial estruturalmente arrematado”.  
Certamente que as ideias circulantes e herdadas são um desses fatores históricos  
condicionantes, que atuam sobre as “individualidades cognoscitivas”, no diapasão de  
Chasin (2009, p. 121). Lukács (2020, p. 352) também destacou a influência das ideias  
daqueles “pensadores do passado imediato ou remoto” as quais são retomadas por  
gerações seguintes de intelectuais dadas as não raras continuidades envolvidas no  
plano das formas de consciência. Entretanto, deixamos destacados aqui aqueles  
fatores designados anteriormente, igualmente fundamentais na linha de contribuição  
de Marx, Lukács e Chasin: condições de isenção subjetiva exigidas ao agente  
perscrutador, agente posicionado em sua classe social, em meio às inflexões societais,  
ao recrudescimento ou mitigação do antagonismo e o grau de maturação do objeto  
perscrutado.  
A posição de vantagem do estudo dos objetos ideológicos pela via da  
determinação social do pensamento segundo tais parâmetros, portanto, não demanda  
retoques. Outrossim, faz exigência de continuidade da escalada ao cume escarpado. A  
certa altura da subida, os estudantes são continuamente desafiados porquanto as  
questões mais comuns e introdutórias necessariamente cedem lugar aos problemas  
avançados. É preciso selecioná-los para tratá-los. Entre aqueles que figurariam  
certamente como de preocupação de todos os interessados na investigação dos  
objetos ideológicos, estão os diretamente referentes ao aludido “tríptico  
metodológico”. Deixando para melhor oportunidade a análise imanente – bem como  
os problemas do estudo teórico-histórico do grau de correção das formações ideais  
que escapa ao referido tríptico , ficam selecionados alguns e não todos os aspectos  
da análise de gênese e de função. Vejamos tal seleção mais de perto.  
Missão social e eficácia dos objetos ideológicos como função  
Na história do pensamento marxista, certa linha mais fraca de tendência recusou  
a identificação direta entre ideologia e falsidade. Essa tendência compareceu em germe  
em muitos momentos, como em Marx, Engels, Lênin, Gramsci etc. Parece ter  
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encontrado em Lukács (2010; 2012; 2013), no entanto, um ponto alto de  
desenvolvimento por via da posição central, clara e declarada de que as formações  
ideais não nascem como ideologias. Elas são socialmente processadas e, em  
circunstâncias habilitadoras, consequentemente convertidas em ideologias.  
Como sustentou Lukács, o critério epistemológico (do grau de correção das  
ideias, se falsas ou verdadeiras), por mais importante que seja para o estudo teórico-  
histórico das formas de consciência científicas sobretudo, não é satisfatório para  
discernir o que é ideologia. Dado o acento sobre a práxis, uma formação ideal adquire  
caráter de ideologia não por sua correção ou distorção, mas pela potência de seus  
efeitos sobre a realidade social, principalmente por sua potência em modificar e  
direcionar as condutas humanas. Já teria escrito Marx (2005, p. 151), não sem razão,  
que “a teoria também se torna força material quando se apodera das massas”. Ele não  
deixou de anotar, em outro lugar, a possibilidade de uma formação ideal promover  
direcionamentos sobre a vida econômica da sociedade. Ao comentar, por exemplo,  
sobre a economia política de Smith, Marx sugeriu que as ideias do referido escocês  
foram, ao mesmo tempo, “um produto da energia real e do movimento da propriedade  
privada (...), como produto da indústria moderna” nas condições históricas de sua  
gênese no período manufatureiro, e elemento que “acelera e enaltece a energia e o  
movimento dessa indústria, transformando-a numa força da consciência” (MARX, 1974,  
p. 9). Há, nessas passagens, um reconhecimento do lado ativo da economia política  
como forma de consciência. Não apenas como produto, mas igualmente como força  
atuante na expansão do modo de produção capitalista.  
Muitos outros exemplos desse lado ativo podem ser encontrados de modo  
espaçado no vasto material deixado por Marx, desde o papel de economistas no  
debate público a respeito das greves até a influência da economia vulgar sobre os  
agentes práticos (PAÇO CUNHA, 2022a). Uma amostra direta aqui é muito benéfica.  
Em consideração crítica contra Storch, Marx escreveu que “se não se concebe a própria  
produção material na forma histórica específica, é impossível entender o que é  
característico na produção intelectual correspondente e a interação entre ambas”  
(MARX, 1980, p. 267). O destaque fica com a reciprocidade entre os fatores  
relacionados, isto é, a produção intelectual é produto correspondente, mas produto  
ativo, interativo sobre as suas condições objetivas de possibilidade. Assim, o critério  
prático, que decorre precisamente do lado ativo, é mais adequado do que o  
epistemológico uma vez que o grau de correção das ideias não condiciona  
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necessariamente sua potência social.  
É verdade, entretanto, que um leitor isento deve necessariamente reconhecer que  
Marx acentuou muito mais o procedimento explicativo das formações ideais ao jogar  
luz sobre a gênese (o enraizamento nas condições histórico-concretas) e sobre a  
missão social do que a investigação daquele lado ativo. Com respeito o pensamento  
econômico, por exemplo, o acento foi maior em reconhecer os economistas como  
“representantes científicos” da economia burguesa, em uma acepção de produto, de  
porta-vozes dos agentes práticos.  
Não é sem propósito insistir nesse aspecto. Por volta de 1847, Marx sublinhou  
que “quanto mais se evidencia esse caráter antagônico, mais os economistas, os  
representantes científicos da produção burguesa, embaralham-se em sua própria  
teoria e formam diferentes escolas” (MARX, 1985, p. 117). Um rápido comparativo  
entre as escolas clássica e vulgar é bastante instrutivo à guisa de exemplo. Marx  
diferenciou mais detidamente a tendência vulgar no tratamento histórico do  
pensamento econômico em O capital e em Teorias da mais-valia conjuntamente às  
deficiências da própria economia política clássica. Esta teve gênese em condições  
históricas habilitadoras às questões de natureza científica em razão da passagem da  
luta entre capital e trabalho ao segundo plano e da necessidade de verdade diante do  
combate aos resquícios e entraves da feudalidade. Procurava-se demonstrar a  
superioridade do modo de produção capitalista. Essa era sua missão social. Não por  
acaso, Marx (2013, p. 85) registrou que, em geral, a economia política entendia a  
“ordem capitalista como a forma última e absoluta da produção social, em vez de um  
estágio historicamente transitório de desenvolvimento”. Por seu turno, a economia  
vulgar desenvolveu-se em circunstância adversa, com deflagração aberta da luta de  
classes e em contexto de uma simples apologia direta ao capital. A economia política,  
na qualidade de forma de consciência científica, perdia, assim, seu impulso inicial de  
verdade, passando a uma configuração vulgar e apologética do capitalismo,  
principalmente após 1848. “Não se tratava mais”, escreveu nosso autor de Trier, “de  
saber se este ou aquele teorema era verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou  
prejudicial” (MARX, 2013, p. 86). Tal processo de desdobramento do pensamento  
econômico o levou a ter que lidar e descrever contradições do modo de produção  
vigente. Essa forma de pensamento passou a ser confrontado, escreveu Marx, “por sua  
própria contradição simultaneamente com o desenvolvimento das contradições reais  
da vida econômica da sociedade”. Com efeito, a “economia vulgar se torna, de maneira  
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consciente, mais apologética e procura, à força de charlas, exorcizar as ideias que  
encerram as contradições” (MARX, 1980, p. 1539).  
Enquanto o enraizamento do pensamento econômico é muito claramente  
demarcado, ficamos com déficit demonstrativo quanto ao grau de eficácia das missões  
sociais evocadas, por um lado, no propósito clássico de apresentar o modo de  
produção capitalista como “forma última e absoluta da produção social” e não como  
um “estágio historicamente transitório” e, por outro, na finalidade vulgar de “exorcizar  
as ideias que encerram as contradições”. Tendemos, por óbvio, a considerar que tais  
formações ideais foram e são amplamente mobilizadas por grupos humanos com  
propósitos conservadores quando não reacionários. Certamente são ideias que  
circulam e que têm efeitos nas condutas humanas desde o século XIX. Marx tinha total  
clareza, como demonstrado antes, acerca das reciprocidades entre produção material  
e produção intelectual correspondente. Mas não foi alvo em seus escritos econômicos  
destrinchar essa circulação e seus efeitos em pormenores investigativos, por mais  
importante que seja, pois sua tarefa científica com tais escritos, como sabemos, era  
outra.  
Mas isso não torna a questão menos importante, passível de ser ignorada. Tanto  
que Lukács procurou retomar o lado ativo, o critério prático antes aludido. E essa  
posição se encontra claramente estabelecida no filósofo magiar. Sinteticamente, vemos  
isso no esforço do filósofo em estabelecer os fatores básicos de uma dialética objetiva  
a ser capturada e demonstrada por estudos concretos: a práxis do cotidiano da vida  
serve decididamente, seguindo Lukács (2013, p. 481), de “mediação” entre a estrutura  
econômica e a superestrutura ideológica. As ideologias nascem da práxis cotidiana  
que opera sobre aquela base. Tais ideologias, uma vez formadas e desenvolvidas,  
deságuam no mesmo cotidiano do qual tiveram arranque, potencialmente  
direcionando, modificando, retardando etc., tendências da práxis num tempo e lugar  
que, por sua vez, guarda sempre potência de alteração e conservação dos fatores da  
estrutura econômica a qual, de resto, possui lógica própria e é relativamente  
indiferente à consciência que os agentes portam em relação a ela.  
De maneira mais geral do que o filósofo magiar pôde fazer, Chasin (2009)  
também expressou o acento sobre a práxis ao estabelecer que é a prática social que  
converte a objetividade em subjetividade e vice-versa. Isso joga luz sobre um aspecto  
decisivo da facticidade: as formações ideais decorrem, em tempos e lugares diferentes,  
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da práxis sobre a objetividade natural/social. As formações ideais são produtos,  
subjetivações realizadas por meio da prática social e, nessa qualidade, são apenas  
potência, dependendo, pois, da prática social para verter essa potência em efetividade,  
isto é, uma objetivação das formações ideais por meio da práxis. As formações ideais  
precisam, portanto, de grupos humanos que, assenhorando-se de tais ideias, colocam-  
nas em funcionamento em meio às inflexões societais e aos conflitos fundamentais. E  
o critério delimitador da ideologia é precisamente essa efetividade, essa eficácia sobre  
o terreno social (há também a questão da duração em termos de profundidade de tais  
efeitos, como destacou Vaisman, 2010).  
Assim, é possível distinguir as formações ideais ou formas de consciência como  
respostas erigidas diante de tais inflexões e conflitos, de um lado, e, de outro, a  
conversão de tais ideias em ideologias com eficácia quando, por mediação da práxis  
social de grupos humanos, deságuam na vida social procurando dirigir as condutas  
humanas diante das inflexões e conflitos deflagrados. A conversão, entretanto, não  
retira da ideologia seu caráter também de resposta a tais conflitos por sua própria  
propriedade, antes de tudo, como formação ideal.  
Por decorrência, e esse é o ponto nefrálgico do problema avançado em destaque,  
o estudo dos objetos ideológicos termina por revelar seu duplo caráter como função  
ainda que o acento argumentativo, pelo menos, recaia mais sobre a eficácia, no caso  
de A destruição da razão, e mais sobre a formação ideal, no caso de O integralismo  
de Plínio Salgado. Entretanto, esse duplo caráter não foi integralmente sublinhado por  
Lukács ou Chasin. Nos materiais a questão tendeu a ficar subentendida.  
Lukács (2020), ao tratar da ideologia como função em termos de eficácia  
frequentemente aludiu, corretamente, ao propósito ou finalidade das ideologias sob  
análise (o irracionalismo, no caso). Nas análises, muitas vezes o isolamento do  
propósito era o bastante para o tratamento como ideologia na argumentação do autor.  
Nesse sentido, o acento recaiu sobre a missão social das ideologias. Algo semelhante  
vemos no caso da designada “ideologia da terceira via” em que o filósofo magiar  
sublinhou o propósito de evitar que se extraísse da crise a conclusão de que os  
problemas postos decorreriam dos aspectos estruturais do modo de produção  
capitalista (LUKÁCS, 1979). A função, nesse caso, se destaca pela missão social ou  
propósito, sua finalidade explícita ou não, em que as questões de eficácia ficaram, na  
análise, subordinadas a segundo plano embora seja precisamente o central (critério  
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prático) para a determinação da ideologia no quadro geral do argumento dado pelo  
filósofo.  
No material do filósofo brasileiro essa questão fica ainda mais patente.  
Comparada à ideologia da terceira via ou ao irracionalismo, não é possível dizer que  
o integralismo, tomado por objeto ideológico, tenha alcançado algum grau relevante  
de eficácia nas condições da particularidade brasileira. A missão social, em sua gênese  
na regressividade nacional, seria, como demonstrou brilhantemente o filósofo, retardar  
o processo de acumulação do capital, orientando a seta da história para condições  
ruralistas anteriores em termos econômicos, políticos e filosóficos. Mas essa missão  
social foi suplantada pela tendência histórica objetiva de forja de um capitalismo, ainda  
que precariamente desenvolvido num tipo de integração subordinada ao mercado  
mundial, nas condições atróficas brasileiras de então. Mas o fato de tomar apenas o  
aspecto como formação ideal, sem eficácia, não impediu Chasin de considerar o  
integralismo como ideologia inclusive, inadvertidamente, igualando de certa maneira  
ideologia e falsidade em dado momento da obra (CHASIN, 1978, p. 28).  
A questão não ficou inteiramente resolvida uma vez que o aspecto da missão  
social e da eficácia terminaram embaralhadas em graus variados no tratamento dado  
pelos autores em tela. Não é, obviamente, um aspecto de fraqueza das elaborações,  
mas índice de sua complexidade interna. Na linha de desenvolvimento dessa  
complexidade, o problema avançado sob consideração pode ser dissolvido pelas  
próprias lições deixadas pelos autores.  
Parece-nos ser chave, nessa direção, diferenciar base econômica, superestrutura  
ideológica e formas sociais de consciência uma vez que o “modo de produção da vida  
material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual” (MARX,  
1974, p. 136). É importante destacar a heterogeneidade entre tais processos  
condicionados (“processo em geral da vida social, político e espiritual”). Ao isolar o  
processo espiritual, isto é, as formas sociais de consciência, podemos guardar então  
ideologia como designação para aquelas formações ideais que são ativadas por grupos  
humanos os quais, em termos práticos, retiram-nas do campo da possibilidade para o  
da efetividade diante das inflexões, crises e conflitos.  
É igualmente central sublinhar que toda formação ideal como resposta às  
condições de sua gênese apresenta, em graus específicos, uma missão social, uma  
finalidade, mas nem toda missão social apresenta eficácia objetiva como ideologia.  
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Problemas selecionados em determinação social do pensamento  
Igualmente, toda ideologia, no presente caso do processo espiritual analiticamente  
isolado, é também formação ideal com potência de eficácia que, no entanto, depende  
da práxis de grupos humanos para a conversão desse potencial em efetividade.  
São questões importantes explicitadas por Lukács e Chasin. Mas essas questões  
abrem outras potencialmente relevantes.  
Registramos, nessa última direção, que a eficácia de uma formação ideal como  
ideologia pode contrariar sua própria missão social original como resposta, insinuando  
que os grupos humanos não apenas tomam certas formações ideais, mas também as  
transformam em sentido diferente como serve de prova o marxismo como ideologia,  
originariamente proletária, sob a égide posterior do taticismo stalinista. Cabe dizer,  
em adição, que nem sempre as finalidades das formações ideais estão inteiramente  
claras aos agentes envolvidos a depender, também, do tipo de tais doutrinas (se  
política, filosófica, econômica etc.) uma vez que o pensamento econômico enquanto  
forma de consciência científica, por exemplo, que tem por material a produção da  
riqueza, como Marx registrou várias vezes, difere do pensamento filosófico ocupado  
com as grandes questões gerais da humanidade, como destacou Lukács. Haveria,  
portanto, uma especificidade do pensamento econômico como ideologia. O quanto  
essas diferenciações das “subnaturezas” das formações ideais comparadas implicam,  
por decorrência, possíveis modos diferenciados de efetivação como ideologias, é  
matéria a ser seriamente considerada, incluindo potenciais consequências para o  
“tríptico metodológico”.  
Há outras questões assemelhadas e que não devem ser deixadas de lado. Em um  
grupo de ideólogos, por exemplo, os quais formam, em conjunto, um objeto ideológico  
sob investigação, podem habitar discrepâncias de propósitos. Além disso, não é de  
menor importância a possibilidade segundo a qual os propósitos enunciados pelos  
mais destacados ideólogos divirjam da missão social efetivamente acionada e que  
anima ou animou certa formação ideal. Igualmente relevante é sublinhar que, como  
Lukács (2020, p. 182) demonstrou, a própria missão/função social pode sofrer  
alterações continuamente ao longo de estágios diferentes.  
Em suma, são questões que não devem ser ignoradas na tarefa de investigar os  
objetos ideológicos. De conjunto, a apreensão de que a função envolve tanto a missão  
social quanto a eficácia amplia, e não reduz, as possibilidades investigativas em  
determinação social do pensamento. Amplia não apenas tais possibilidades, mas  
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também as exigências.  
Aquém da eficácia, as minudências  
A diferenciação entre formas de consciência, de um lado, e formas de consciência  
vertidas em ideologias, de outro, auxilia na constatação de que as possibilidades dos  
estudos sobre objetos ideológicos são mais amplas do que inicialmente pode ser  
entrevisto. Isso porque, à primeira vista, o acento sobre a eficácia na determinação das  
ideologias, repitamos, como aspecto do condicionado “processo espiritual”, poderia  
sugerir que a preocupação científica estaria direcionada apenas para aquelas formas  
de consciência mobilizadas de fato por amplas expressões de classe.  
Entretanto, é perfeitamente admissível o estudo de objetos ideológicos que não  
obtiveram eficácia como ideologia. O próprio caso do integralismo no Brasil é um  
exemplo disso.  
Inicialmente, destaca-se a operação metodológica realizada por Chasin sobre o  
assunto. Diante do “tríptico metodológico lukácsiano”, o filósofo brasileiro adotou a  
resolução de “concretar efetiva análise imanente do discurso pliniano, deixando em  
graus mais abstratos as determinações relativas ao chão social em que aquele se pôs,  
e que no tríptico metodológico lukácsiano são designadas como análises de gênese e  
função social das ideologias” (CHASIN, 1978, p. 23). O operatório da análise respeita,  
como foi fartamente demonstrado pelo filósofo, a trama própria do objeto ideológico  
investigado, implicando, o que é aqui decisivo, a “necessidade de repetidas  
observações, cuidados, rastreamentos e precisas elaborações de minudências” (p. 24).  
Os fatores do “tríptico metodológico”, portanto, podem ser considerados  
separadamente. O que autoriza essa resolução é o próprio interesse de investigação  
porquanto ligado a problemáticas específicas segundo exigências do próprio campo  
científico. Expliquemos. O exemplo disso é o próprio material sobre o integralismo de  
P. Salgado. Ali a questão não parece ser de fato a eficácia (e duração) do integralismo  
na realidade brasileira. O material, é importante dizer, coleciona mais elementos da  
gênese do integralismo com base na regressividade das condições nacionais, do seu  
atraso, do que da funcionalidade objetiva dessa pretensa formação ideal que, como já  
indicamos, não parece ter sido vertida em ideologia no sentido da eficácia da missão  
social erigida de frear o processo de acumulação de capital no país e de retroceder  
segundo a utopia ruralista esboçada.  
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A resolução quanto à concreção da análise imanente correspondeu, nos termos  
do filósofo brasileiro, à problemática quanto à natureza específica do integralismo  
como formação ideal. Como “fragmento da consciência social no Brasil, o integralismo  
continuava indecifrado, oculto em convencional e abstrata definição como fascismo”,  
escreveu nosso autor. Diante dessa problemática, tratava-se então de “determinar sua  
efetiva natureza, especificá-la na especificidade brasileira” (CHASIN, 1978, p. 23). Tal  
era a necessidade científica que se impunha, e se impõe renovadamente, pela  
insistente identificação pura e direta, ainda corrente em muitos círculos intelectuais,  
entre integralismo e fascismo com base em certas características estéticas e discursivas  
superficiais. Aqui vale, portanto, o interesse no estabelecimento da verdade da coisa.  
A análise imanente levada adiante por nosso autor permitiu demonstrar o  
integralismo, em sua natureza específica, como expressão do atraso brasileiro, como  
fenômeno característico dessa particularidade regressiva. A utopia ruralista pliniana  
pretendeu inutilmente estancar o processo de acumulação de capital, orientando a seta  
da história para tendências mítico-reacionárias no plano político, econômico e  
filosófico de um “homem integral”, visceralmente ligado ao campo e sob tutela de um  
estado forte. O fascismo, como ideologia de mobilização para a guerra, distintamente,  
congregou regressividades que, no entanto, conviveram com a missão social,  
eficazmente realizada em seu tempo histórico, de continuidade do processo de  
acumulação daqueles países de formação tardia do capitalismo (Alemanha, Itália,  
Japão). Tratou-se de superar os obstáculos à acumulação do capital por via do  
expansionismo beligerante. O processo de objetivação do capitalismo hipertardio no  
Brasil por via colonial possibilitou uma configuração diferente, anti-industrialista, de  
negação reacionária do capitalismo, uma espécie de “romantismo dos trópicos”, a  
despeito de certas identidades quanto ao uso de símbolos, agremiações etc., e sem  
condições de acesso à negociação bélica imperialista já em sua segunda edição  
mundial.  
Essa conquista da análise imanente sobrevive à predileção por superficialidades  
com vasta penetração entre intelectuais no Brasil. Ao cabo, registra a possibilidade  
metodológica de considerar elementos do “tríptico metodológico” à luz das  
necessidades investigativas as quais são impostas ao interesse científico, isto é,  
configuram exigências ao conhecimento e não preferências subjetivas. Assim, a análise  
imanente, diante da tarefa de determinar a natureza de uma formação ideal, tem lugar  
sem os demais elementos metodológicos do tríptico a depender de problemáticas  
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específicas envolvidas. A mesma coisa se aplica às análises de gênese e de função.  
Uma vez mais, trata-se de uma ampliação das possibilidades investigativas.  
Da causalidade à preparação ideológica como campo investigativo  
Uma das dificuldades mais prementes no estudo da determinação social do  
pensamento está diretamente ligada ao estabelecimento das conexões entre  
determinada forma de consciência e seus efeitos objetivos uma vez vertida em  
ideologia. É um problema, na verdade, de grande parte do trabalho científico: o nexo  
causal. Talvez isso ajude a explicar o maior acento anteriormente destacado sobre o  
enraizamento histórico-social das formas de consciência do que sobre a eficácia das  
ideologias.  
Isso porque, em geral, parece que estudar a gênese, o aspecto condicionado do  
“processo espiritual”, apresenta menores obstáculos do que o movimento de deságue  
das formações ideais como ideologia naquele cotidiano que medeia, em termos  
práticos, tais formações e a estrutura econômica. Não é trivial estabelecer histórico-  
concretamente as reciprocidades envolvidas. A identificação anterior acerca do duplo  
caráter da função enquanto missão social e eficácia favoreceu essa constatação e,  
agora, nos coloca no plano dos nexos objetivos, das causalidades e reciprocidades  
indispensáveis ao próprio movimento de uma dialética a ser descoberta, trazida ao  
primeiríssimo plano em termos de conteúdos, detalhes, conexões. Aquele exemplo  
anterior de Marx é emblemático: as ideias de Smith como produto da manufatura e, ao  
mesmo tempo, como força de sua expansão. Como estabelecer o nexo expresso no  
segundo movimento?  
Um analista isento de A destruição da razão é levado a constatar essa dificuldade  
quanto à relação entre a potência do irracionalismo como ideologia do período  
imperialista e o nazifascismo alemão emanado da boca de Hitler e seus asseclas e  
confirmado em suas práticas vis, desumanizantes, bárbaras e horrendas. Há nesse nexo  
uma série de aspectos importantes.  
O primeiro deles é o post festum. Não configura qualquer novidade o lugar dessa  
questão para a análise científica das “formas da vida humana”, como escreveu Marx. A  
análise, segundo ele, “percorre um caminho contrário ao do desenvolvimento real”  
uma vez que ela “começa post festum e, por conseguinte, com os resultados prontos  
do processo de desenvolvimento” (MARX, 2013, p. 150). Em tais resultados prontos  
tendencialmente não está à mostra o processo histórico desdobrado. Em outros  
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termos, nas formas acabadas costumeiramente apagam-se os eventos, as contradições,  
o vai-e-vem, o acaso etc.  
Para o estudo do aspecto ativo da funcionalidade das ideologias, isto é, seu  
deságue e efeito na realidade social, essa questão precisa ser rigorosamente  
considerada. Como exemplo, Lukács nos deu o nazifascismo alemão. O estudo levado  
a cabo pelo filósofo magiar começou depois dos eventos que permitiram identificar  
aquilo pelo que se designa por nazifascismo como tal. Não significa que antes da coisa  
acabada, pronta, não se pudesse capturar e expressar tendências. Mas, como sabemos,  
são múltiplas as tendências e forças “contrarrestantes” no movimento histórico  
frequentemente efetivado “aos trancos e barrancos e ziguezagues” (ENGELS, 2010, p.  
475). Assim, a análise científica encontra condições mais adequadas com o objeto  
integralmente desenvolvido. Ou, como Chasin (2009) designou, a presença histórica  
do objeto, sua maturação objetiva.  
Diante do nazifascismo como objeto acabado, Lukács procurou traçar as linhas  
principais do irracionalismo alemão na transição entre os séculos XIX e XX como o  
fator ideológico de primeira ordem na explicação dos eventos que culminaram no  
nazifascismo naquele país. Aqui se encontra um “complexo de complexidades”, por  
assim dizer, que merecem consideração. Sobretudo por remeter diretamente ao  
problema do nexo objetivo entre a ideologia e seus efeitos, isto é, ao problema das  
causalidades objetivas, não imputadas pela subjetividade do analista.  
Quando o assunto são fatores superestruturais, tais como a política e o direito,  
a captura dos nexos e reciprocidades parece acomodar obstáculos de qualidade  
específica. Entre os muitos exemplos possíveis, cabe o destaque, em termos gerais,  
aos efeitos contraditórios das legislações sociais nos diversos países, sobretudo  
ocidentais, nas tarefas envolvidas simultaneamente na frenagem racional diante do  
impulso voraz e destrutivo do capital, parafraseando Marx (2013), na acomodação dos  
conflitos sociais, no desenvolvimento da própria classe de trabalhadores. No Brasil,  
em particular, a legislação trabalhista teve notórios efeitos sobre a organização,  
reivindicação e mesmo a forja daquela classe trabalhadora a partir dos anos de 1930.  
Além disso, essa legislação obteve efeitos profundos na mobilização dessa classe,  
alcançando o contexto de muitas décadas adiante. Embora persistam desafios da  
demonstração empírica da funcionalidade desse aspecto superestrutural, seu grau de  
materialidade serve como plataforma mais firme.  
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A natureza dos condicionados processos espirituais, por notório caráter mais  
abstrato e menos materializado, coloca obstáculos maiores ao estabelecimento de  
nexos. Ainda assim, aqui, como em qualquer outra parte, vale o peso dos casos  
concretos no quesito de tais nexos.  
O caso de A destruição da razão é ilustrativo. O conjunto dos ideólogos  
considerados por Lukács são aproximados principalmente de posições de intersecção  
entre a filosofia e a sociologia. Apesar das diferenças, havia no essencial elemento de  
identidade que, diante das condições históricas de crise, admitiu uma espécie de  
apologia indireta ao modo de produção capitalista. A missão social do irracionalismo  
como apologética indireta é capturada na comparação com a apologética direta:  
Enquanto que a apologética direta está empenhada em apagar as  
contradições do sistema capitalista, em refutá-las de maneira sofística,  
em fazê-las desaparecer, a apologética indireta irá partir justamente  
dessas contradições, reconhecendo sua existência factual, a  
impossibilidade de sua negação enquanto fato, mas dando-lhes uma  
interpretação que apesar disso tudo as torna vantajosas para a  
existência do capitalismo. Enquanto a apologética direta está  
empenhada em apresentar o capitalismo como a melhor das ordens,  
como o cume destacado e definitivo do desenvolvimento humano, a  
apologética indireta destaca, de modo grosseiro, os lados negativos  
e os horrores do capitalismo; mas não os declara como características  
do capitalismo, mas da vida humana, da existência em geral. Disso  
deriva, então, necessariamente, que uma luta contra esses horrores  
apareça de antemão não apenas como vã, mas como algo sem sentido,  
pois significaria a autossuperação da essência humana (LUKÁCS,  
2020, pp. 181-182).  
Tratou-se do anticapitalismo romântico surgido nesse ambiente de crise, como  
sugeriu o filósofo magiar, “procurando evitar que as tensões e explosões decorrentes  
disso se voltem contra o capitalismo” (LUKÁCS, 2020, p. 562).  
E como essa missão social foi efetivada? Por meio de um conjunto de mediações,  
respondeu Lukács, sem, contudo, grande envergadura em termos de demonstração  
por parte de nosso autor. Antes de considerar os motivos disso já aludidos por  
ensejo das dificuldades no estabelecimento de nexos , é decisivo destacar tais  
mediações indicadas no desdobramento da ideologia em tela:  
(...)a visão de mundo alemã do período imperialista avançou (...) de  
Nietzsche a Spengler e depois, no período de Weimar, de Spengler ao  
fascismo. Se remontarmos essa preparação ideológica da filosofia  
alemã até Schopenhauer e Nietzsche, poder-se-ia contestar que se  
tratava de doutrinas esotéricas difundidas apenas em círculos muito  
restritos. Acreditamos, porém, que não se pode subestimar o efeito  
indireto, subterrâneo das ideologias reacionárias ao novo modismo  
(...). Esse efeito não se limitava à influência exercida indiretamente  
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pelos livros dos filósofos, embora não se possa ignorar que as edições  
das obras de Schopenhauer e de Nietzsche alcançavam certamente  
muitas dezenas de milhares. Mas as universidades, as conferências, os  
jornais e outros meios de difusão faziam com que essas ideologias se  
estendessem às vastas massas, com certeza de modo vulgarizado,  
mas com isso seu conteúdo reacionário, seu íntimo irracionalismo e  
seu pessimismo, que se encontram em tais doutrinas, foram antes  
intensificados do que enfraquecidos, já que, assim, as teses centrais  
acabaram por predominar sobre as possíveis restrições e  
ponderações. As massas foram fortemente envenenadas por tais  
ideologias sem que jamais tenham colocado os olhos sobre a fonte  
direta do envenenamento. A barbarização nietzschiana dos instintos,  
sua filosofia da vida, seu “pessimismo heroico” etc. são produtos  
necessários do período imperialista, e o aceleramento desse processo  
provocado por Nietzsche pôde surtir efeito em milhares e milhares de  
pessoas que sequer conheciam o seu nome (LUKÁCS, 2020, p. 77).  
A ideologia circulou por meio dos livros publicados, das universidades, das  
conferências, dos jornais etc., e alcançaram os salões e cafés. A vulgarização ganhou  
contornos mais toscos pela mediação política. Como escreveu Lukács (2020, p. 78),  
“Hitler e Rosenberg levaram para as ruas tudo que foi dito sobre o pessimismo  
irracionalista desde Nietzsche e Dilthey até Heidegger e Jaspers em confortáveis  
poltronas de couro, em salões intelectuais e cafés”. A política atendeu, completou  
Lukács (2020, p. 627) mais adiante, às demandas dos “círculos mais reacionários dos  
Junkers e dos grandes capitalistas alemães”, uma vez que “retirou dos salões e levou  
para as ruas a ideologia reacionária mais extremista, modernizada sob medida para os  
novos tempos”. Por via da política, então, tal ideologia obteve condições de sedução  
e mobilização das massas. Teve, enfim, eficácia. Assim, há um tipo de nexo entre (1)  
os objetos ideológicos outrora produtos da economia imperialista que (2) circularam  
pelas mediações (universidades, conferências, jornais etc.), (3) atingindo os salões e os  
cafés e (4) alcançando as ruas e o cotidiano de modo massivo.  
Admitamos que esse nexo se equilibra com dificuldades probantes, cabendo  
inclusive investigação complementar para aprofundar esse movimento de deságue do  
irracionalismo na vida cotidiana e, daí, ao embaraço desumanizante do nazifascismo.  
A folga na amarração, que todo leitor rigoroso não pode ignorar, tem esse componente  
autêntico, demandando avanço na pesquisa histórica da funcionalidade da ideologia  
em tela. Trata-se de aprofundar a hipótese lançada sobre o papel das universidades,  
conferências, jornais etc.  
Mas, o que é mais importante, também tem um componente falso quando se  
poderia imaginar a possibilidade de obter uma causalidade linear. Assim como não  
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existe uma linha mecânica entre estrutura econômica, cotidiano e superestrutura  
ideológica, não existe também no movimento contrário. Para Lukács era muito clara a  
preparação ideológica, em seus termos, desempenhada por tal filosofia irracionalista,  
quer dizer, o papel desempenhado pela ideologia em questão na preparação do  
terreno, no fornecimento de matéria-prima ideal, por assim dizer, como um fator  
indispensável de articulação das condições subjetivas aos processos que levaram à  
visão nacional-socialista e, pois, ao nazifascismo alemão.  
O holocausto teria ocorrido sem a presença do irracionalismo alemão? Lukács  
responderia que seria muitíssimo improvável uma vez que lhe faltaria as condições  
subjetivas fornecidas como recurso. Mas ao mesmo tempo não foi o irracionalismo a  
causa do nazifascismo, que fique bem claro, uma vez que este encontrou sua raison  
d'etre em condicionantes objetivos do período imperialista, isto é, emergiu como  
resposta prática às necessidades de expansão dos capitais nacionais por via da  
mobilização de guerra de países de objetivação capitalista tardia e, portanto,  
constrangidos por uma dada repartição consolidada de mercados consumidores e  
fornecedores, principalmente por parte das economias estadunidense, francesa e  
inglesa. Mas, a compreensão de conjunto não dispensa, de modo algum, o papel da  
preparação ideológica, sobretudo para o caso Alemão que guarda especificidades  
nesse aspecto das condições subjetivas se comparado ao japonês, por exemplo, este  
constituindo-se um caso a ser investigado em razão da própria ausência de uma  
filosofia irracionalista na preparação ideológica.  
A hipótese lukácsiana relacionada às mediações que levaram ao deságue no  
cotidiano não parece ter recebido tanta investida por parte de seu propositor quanto  
a análise imanente realizada sobre o conjunto dos autores da filosofia irracionalista.  
Chasin (1978) se aproximou muito mais disso, como já anotado, deixando mais em  
abstrato as análises de gênese e de função quando o assunto foi a natureza específica  
do integralismo no Brasil. Abre-se sala para investigações aprofundadas, sobretudo  
no caso alemão, por se tratar de uma ideologia com eficácia a princípio, de fato,  
realizada. Tais investigações adicionais exigem, obviamente, uma coleção de  
evidências rigorosamente colhidas e apresentadas que permitam demonstrar tais  
nexos ainda que sejam de outra qualidade, sem necessariamente haver causalidades  
lineares. Tais evidências colecionadas devem romper, adicionalmente, com o limite  
meramente circunstancial, indicando a preparação ideológica para o caso concreto  
alemão. Igualmente, a recomendação tem validade para outros casos associados ou  
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não.  
Da localização clássica à classicidade movente e múltipla das ideologias  
Em seus estudos sobre o “modo de produção capitalista e suas correspondentes  
relações de produção e de circulação”, Marx (2013, p. 78) considerou explicitamente  
que, àquele tempo, sua “localização clássica é, até o momento, a Inglaterra”. Essa seria,  
explicou ele, a “razão pela qual ela serve de ilustração principal à minha exposição  
teórica”. Estamos diante de uma questão já aludida outras vezes, a partir das  
considerações de Chasin (2009), sobre a presença histórica do objeto, isto é, a forma  
mais desenvolvida do modo de produção permitiria seu estudo mais apurado  
precisamente por ser a forma historicamente mais acabada até dado momento,  
grifemos, seguindo Marx acima. A importância da matéria justifica a ênfase:  
Nenhum período da sociedade moderna é tão propício ao estudo da  
acumulação capitalista quanto o dos últimos 20 anos. (...). De todos  
os países, porém, é novamente a Inglaterra que oferece o exemplo  
clássico, e isso porque ela ocupa o primeiro lugar no mercado  
mundial, porque somente aqui o modo de produção capitalista se  
desenvolveu em sua plenitude e, finalmente, porque  
o
estabelecimento do reino milenar do livre-câmbio, a partir de 1846,  
privou a economia vulgar de seu último refúgio. (MARX, 2013, p. 723)  
Vê-se que o caso clássico é a reunião de condições e fatores que refletem o mais  
alto desenvolvimento do modo de produção capitalista.  
Por seu lado, o irracionalismo analiticamente considerado por Lukács (2020, p.  
20) encontrou seu “caso clássico na Alemanha”, onde esboçou traços específicos e  
grandes repercussões mundiais.  
Se a classicidade do modo de produção capitalista foi garantida, na década de  
1860, por uma reunião daquela qualidade de desenvolvimento mais avançado de  
diferentes fatores, a classicidade do irracionalismo foi condicionada, ao contrário, pelo  
atraso do contexto histórico alemão, pela “miséria alemã” frequentemente retratada  
por Marx ao longo de todo o seu itinerário intelectual. Tendo o condicionado processo  
espiritual em nossa mira, já na juventude Marx chegou a considerar que  
Só a Alemanha poderia produzir a filosofia especulativa do direito -  
este pensamento extravagante e abstrato acerca do estado moderno,  
cuja realidade permanece no além (mesmo se este além fica apenas  
do outro lado do Reno) (...). Em política, os alemães pensaram o que  
as outras nações fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A  
abstração e a presunção da sua filosofia seguiam lado a lado com o  
caráter unilateral e atrofiado da sua realidade (MARX, 2005, p. 151).  
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Apesar desses lineamentos de Marx sugerirem a Alemanha como caso clássico  
do idealismo especulativo precisamente por suas condições regredidas, atrofiadas, não  
é uma posição tão explícita quando o foi para o caso da classicidade do modo de  
produção capitalista na Inglaterra à luz de O capital.  
Essa é uma constatação que todo estudioso isento se vê obrigado a fazer. Mesmo  
a busca de Lukács por fundamentação nas observações de Engels (2010, p. 475;  
1959, p. 348), a respeito do método lógico e histórico executado por Marx em  
Contribuição à crítica da economia política, teve que necessariamente remeter à análise  
do modo de produção em sua “plena maturidade, sua forma clássica” e não,  
explicitamente, à classicidade das formações ideais.  
A questão em tela é o reconhecimento de uma derivação do caso clássico do  
desenvolvimento do modo de produção capitalista para a designação da classicidade  
da ideologia tal como operada pelo filósofo magiar. Essa derivação não traz consigo  
qualquer invalidação ou obstrução. Ao contrário, abre para questões relevantes à  
análise de gênese das formações ideais e as decorrentes problemáticas para a  
classicidade das ideologias sem, porém, produzir uma identidade necessária entre  
gênese e caso clássico. Esse último aspecto esteve bem claro a Lukács quando indicou  
que o fascismo teve gênese na Itália, mas encontrou maior desenvolvimento na  
Alemanha.  
Uma dessas questões a serem consideradas, ainda que já aludida, é o duplo  
aspecto qualitativo da classicidade. De um lado, a consideração da reunião dos  
principais fatores objetivos habilitadores da determinação do caso clássico em sentido  
avançado e, de outro lado, em sentido regredido. Os estudos de gênese tanto do  
irracionalismo alemão quanto do integralismo no Brasil, por exemplo, extraíram as  
explicações para tais formações ideais (vertidas em ideologia ou não, não importa) a  
partir das condições atróficas e hipertróficas da objetivação do capitalismo em cada  
uma das particularidades envolvidas respectivamente. As chamadas via prussiana e via  
colonial, cada qual com suas especificidades a despeito de semelhanças,  
corresponderam precisamente às objetivações capitalistas tardias, em meio ao atraso,  
e sem os processos transformadores testemunhados na Inglaterra e na França, por  
exemplo, considerados como via clássica de tal objetivação.  
Não é pouca coisa, entretanto, sublinhar que a correspondência entre uma  
formação ideal e a regressividade objetiva das condições materiais em uma  
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particularidade decorre, nos casos aludidos, da investigação de objetos ideológicos  
específicos. A derivação da classicidade da ideologia tendo por eixo o caso clássico  
do modo de produção garante, por coerência, a possibilidade da análise de formações  
ideais correspondentes às condições objetivas mais avançadas. Do contrário, induziria  
à percepção, de resto equivocada, segundo a qual os objetos ideológicos  
necessariamente são colocados invariantemente como doutrinas adversárias, a serem  
combatidas, denunciadas. Essa é uma consideração relevante.  
Outra questão fundamental vai além da suposição de que a classicidade é apenas  
o arranque, coisa congelada e sem movimento. A despeito do fato de que o caso  
clássico do irracionalismo se materializou na Alemanha, particularidade histórica na  
qual foram esboçados os traços específicos, o irracionalismo é um “fenômeno  
internacional” tanto “na sua luta contra o conceito burguês de progresso, quanto  
também na luta contra o socialismo” (LUKÁCS, 2020, p. 20). Tratou-se de uma  
tendência identificável antes da primeira grande guerra, atingindo “formas altamente  
desenvolvidas em quase todos os países que ocupam as principais posições no  
período imperialista” (p. 21). Entretanto, em cada particularidade desdobraram-se  
modos diversos de sua ocorrência, sempre sob dependência das condições históricas  
concretas. Existem, portanto, traços específicos de cada ocorrência, dado o “processo  
de desenvolvimento desigual do imperialismo” (p. 21), mas também os traçados de  
identidades em consequência da circunstância de que em todos esses centros  
constituíram-se elementos comuns dessa mesma economia imperialista. Por isso vale  
o registro de que “necessidades ideológicas semelhantes, determinadas como tais pela  
economia imperialista, produzem, em condições sociais concretas distintas, variantes  
bem diferentes e até mesmo, se observadas superficialmente, contraditórias entre si”  
(p. 21). Assim, vemos o processo de difusão do irracionalismo desde o caso clássico  
alemão, atingindo, por exemplo, o intuicionismo na França (Bergson) e o pragmatismo  
nos Estados Unidos (James).  
Indo além dessa difusão, a lição preventiva de Marx sobre a classicidade do modo  
de produção na Inglaterra é perfeitamente aplicável à classicidade das formações  
ideais. Na medida em que a “localização clássica” desse modo de produção foi “até o  
momento, a Inglaterra” da década de 1860, deslocando-se adiante para os Estados  
Unidos no século XX, é coerente considerar, por extensão e como possibilidade, o  
caráter movente da classicidade das formações ideais.  
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Para isso, entretanto, não temos à disposição exemplos deixados pelos mestres.  
Devemos recorrer, para esse fim, à uma breve hipótese de trabalho sobre a ideologia  
do desenvolvimentismo a partir da inicial coleção de materiais. Seu núcleo guarda a  
missão social com tonalidade nacionalista de simultaneamente acelerar o processo de  
acumulação do capital e aplacar o conflito classista, sobretudo nas particularidades  
históricas de condições objetivas regredidas. Assim, é possível sublinhar sua gênese  
entre os protecionistas alemães, na figura emblemática de Friedrich List. A hipótese, a  
partir de certas evidências colecionadas, diz respeito à localização clássica da ideologia  
desenvolvimentista na Alemanha do período bismarckiano, porquanto estariam  
reunidos, dadas as bases sociais específicas, muitos aspectos bastante desenvolvidos  
tais como o industrialismo, legislações sociais, apelo nacionalista antirrevolucionário,  
sob as vestes de um prussianismo-burocrático refratário a qualquer socialização  
democrática (LUKÁCS, 2019). Tudo isso correspondente ao atraso alemão.  
Há muitas evidências históricas de que essa ideologia obteve eficácia se  
considerado o rápido avanço econômico, pelo menos, da Alemanha frente aos países  
mais avançados, como registram as mais diversas fontes históricas. Essa ideologia  
ramificou-se, no século XX, primeiro aos países do leste europeu até a Rússia e, depois,  
aos países latino-americanos. Naqueles, a ideologia teve curta duração uma vez que o  
caminho revolucionário foi trilhado e com os desfechos registrados na história. Mas na  
América Latina, sobretudo na Argentina e no Brasil, a ideologia obteve condições  
muito mais favoráveis de florescimento e efetividade diante da premente  
industrialização muito tardia em meio a conturbado processo de acomodação, pelo  
alto, do conflito social, em condições bélicas das quais não se pôde extrair alternativas  
expansionistas a tais países subordinados. Todas as condições retardatárias  
encontravam-se reunidas, com a diferença de que o colonialismo escravagista impunha  
particularidades importantes que não devem ser ignoradas. O desenvolvimentismo  
encontrou na via colonial de objetivação do capitalismo, como tal, uma trilha não  
expansionista e não revolucionária. Nesse último aspecto, tratou-se de acomodação  
do poder “pelo alto” entre agrarismo e industrialização fechada à participação popular.  
Encontrou por essa via certas condições para a mobilização de uma ideologia  
correspondente ao atraso, porém, modernizante dentro dos horizontes burgueses e  
com considerável protagonismo estatal. É notória a influência que essa ideologia  
obteve nesses países, sobretudo no desenho de políticas econômicas e sociais de  
ampla duração (inclusive sob as vestes mais recentes de um chamado  
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neodesenvolvimentismo, o que comprova quão longeva é essa ideologia e seus efeitos  
nas condições nacionais de integração subordinada ao mercado mundial).  
Portanto, a hipótese aventada é aquela segundo a qual a classicidade da  
ideologia em questão foi concretamente deslocada da Alemanha para a América Latina,  
com destaque ao Brasil. Essa possibilidade de deslocamento não deve ser ignorada  
na análise de gênese e da classicidade das formações ideais, levando-se em conta,  
como dissemos antes, a não exigência de identidade congelada entre gênese e caso  
clássico. Antes de tudo, a realidade objetiva é movimento, processo de lógica própria,  
como ensinou Marx, e, como tal, deve ser a fonte da palavra final.  
Vale o exemplo negativo do integralismo à hipótese do deslocamento. Podemos  
admitir que tal formação ideal, que jamais chegou a ser efetivamente vertida em  
ideologia (com eficácia e duração), teve gênese como fenômeno típico do processo de  
objetivação capitalista pela via colonial. Foi, como dissemos, resultante das  
regressividades nacionais. Estiveram reunidas as condições propícias àquela formação  
ideal, de talhe ruralista, expressando uma “crítica regressiva do liberalismo” (CHASIN,  
1978, p. 551). Não apenas foram condições propícias para a gênese, mas também  
para a designação de sua classicidade. Aqui, nesse caso, gênese e caso clássico  
parecem se identificar e não há, até o momento, evidências de deslocamento do  
integralismo para outros países, mesmo porque, como tudo indica, permaneceu como  
ideologia apenas em potência.  
Mas, como em qualquer caso, vale sempre o concreto e não uma teoria geral das  
ideologias. Essa lição é retirada da constatação de outra questão relevante para a  
análise de gênese a partir do estudo do irracionalismo alemão. Vimos que sua  
localização clássica foi a Alemanha. Difundiu-se em seguida, tornando-se “fenômeno  
internacional” ainda que não homogeneamente na medida do desenvolvimento  
desigual das economias imperialistas de então. Há evidências, entretanto, de que  
certas formações ideológicas de relevo eclodiram como fenômeno internacional de  
nascença.  
Tudo indica ser o caso, por exemplo, da economia política clássica. Marx (2013,  
p. 438) escreveu que ela teria surgido “como ciência própria no período da  
manufatura”, isto é, como específica forma de consciência científica. Considerou que  
sua gênese teve arranque na Inglaterra, com William Petty, e na França, com  
Boisguilebert” (MARX, 1961, p. 37; 2010, p. 292. Cf. também MARX, 2011, p. 27).  
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Em nota acrescentou que um trabalho comparativo sobre os escritos e personalidades  
de Petty e Boisguillebert, além de destacar os antagonismos sociais da Inglaterra e da  
França no final do século XVII e início do século XVIII, poderia ser a exposição genética  
do contraste nacional entre a economia política inglesa e francesa” (MARX, 1961, p.  
37-38). Salvaguardadas as diferenças, as condições gerais do período em ambos os  
países forneceram o “terreno vivo da economia política” (MARX, 2013, p. 84) e  
possibilitou o desenvolvimento daquela formação ideal.  
Devemos recorrer a outro exemplo complementar sintético. Há alguma discussão  
quanto à pureza do chamado “neoliberalismo” praticado pelas economias centrais  
desde o final da década de 1970 por haver evidências de hibridismo prático entre  
keynesianismo-escola austríaca-escola de Chicago na condução das políticas  
econômicas. Esse hibridismo decorreu do fato da renovação do liberalismo nos anos  
de 1930 que garantiu uma comunidade de princípios fundamentais acerca da  
conservação do capitalismo ainda que contrariamente à afetação de seus ideólogos  
mais destacados , mas com divergências, de superfície, quanto ao método de  
administração política do capital (PAÇO CUNHA, 2022b). Nesses termos, o  
“neoliberalismo” acomodou constitutivamente variantes renovadas do liberalismo  
diante da ortodoxia liberal e da alternativa socialista, divergindo sobre como produzir  
as melhores condições de expansão permanente do capital sob a administração ad  
infinitum das contradições envolvidas. Uma dessas variantes foi composta pela  
formação ideal que ganhou contornos mais acabados na experiência da Mont Pelèrin  
Society, inicialmente sob direção do professor Hayek, e depois efetivamente como  
elemento no hibridismo prático aludido. A análise de sua gênese sugere uma  
plataforma transnacional, no entanto, e não uma localização singular. Há evidências de  
uma articulação transatlântica para o seu desenvolvimento (MIROWSKI; PLEHWE, 2009,  
REINHOUDT; AUDIER, 2018).  
Com esses dois exemplos (da economia política clássica e do “neoliberalismo”)  
queremos sugerir que a classicidade das formações ideais e das ideologias pode não  
ter uma localização única, em “um só país”, mas múltipla, isto é, internacional de  
partida.  
Uma vez mais, a não identidade necessária entre gênese e caso clássico, o  
deslocamento da classicidade e a possibilidade da multiplicidade envolvida, ampliam  
as chances de investigação em determinação social do pensamento por ensejo das  
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Problemas selecionados em determinação social do pensamento  
vastas contribuições indicadas.  
*
* *  
Depois das considerações realizadas e tendo observado alguns aspectos  
centrais, é imperativo registrar que a seleção aqui apresentada dos problemas em  
determinação social do pensamento não é exaustiva. Tampouco o é aquele tratamento  
dado a eles. O propósito foi sugerir problemas avançados no caminho ao cume  
escarpado. As melhores chances começam com identificação de alguns deles.  
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REINHOUDT, J.; AUDIER, S. The Walter Lippmann Colloquium. Springer International  
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Elcemir Paço Cunha  
Publishing, 2018. https://doi.org/10.1007/978-3-319-65885-8  
VAISMAN, E. A ideologia e sua determinação ontológica. Verinotio Revista on-line de  
Filosofia e Ciências Humanas, n. 12, ano VI, 2010. Disponível em  
<https://bit.ly/3g2VgKP>  
Como citar:  
PAÇO CUNHA, Elcemir. Problemas selecionados em determinação social do  
pensamento. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 123-146, Edição Especial,  
2022/2023.  
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DOI 10.36638/1981-061X.2020.28.1.665  
J. Chasin e a crítica do tríplice amálgama:  
explorando origens e consequências  
J. Chasin and the critique of the “triple amalgam”:  
exploring origins and consequences  
Alexandre Aranha Arbia*  
Resumo: Explorando a crítica do “tríplice  
amálgama” que J. Chasin desenvolve em Marx:  
estatuto ontológico e resolução metodológica,  
texto de 1995, este artigo procura retomar, em  
um procedimento expansivo, os textos indicados  
pelo marxista brasileiro, a fim de verificar a  
gênese teórica de sua posição crítica. Para tanto,  
revisita os textos de Kaustky, Lênin e, sobretudo  
Engels, demonstrando que, na busca por precisar  
o estatuto da cientificidade marxiana, Chasin  
fornece as pistas para encontrarmos não apenas  
a originalidade de Marx, mas a autenticidade do  
próprio filósofo de Barmen. Neste percurso, não  
apenas o problema do método, como ainda a  
reanálise da política, o lugar da determinação  
econômica e a definição da ideologia encerram o  
quadrado engelsiano.  
Abstract: Exploring the critique of the “triple  
amalgam” that J. Chasin develops in Marx:  
ontological statute  
and  
methodological  
resolution, text from 1995, this article seeks to  
resume, in an expansive procedure, the texts  
indicated by the Brazilian Marxist, in order to  
verify the theoretical genesis of its critical  
position. To do so, it revisits the texts of  
Kaustky, Lenin and, above all, Engels,  
demonstrating that, in the quest to clarify the  
status of Marxian scientificity, Chasin provides  
the clues to find not only the originality of Marx,  
but the authenticity of the philosopher of  
Barmen. In this path, not only the problem of  
method, but also the reanalysis of politics, the  
place of economic determination and the  
definition of ideology enclose the Engelsian  
square.  
Palavras-chave: J. Chasin; Marxismo; Friedrich  
Engels; método marxista; política; Karl Marx.  
Keywords: J. Chasin; Marxism; Friedrich Engels;  
Marxist method; policy; Karl Marx.  
Não há dúvidas de que J. Chasin foi um dos mais originais marxistas brasileiros.  
Suas proposições, nem sempre de fácil assimilação, crivadas de polêmicas, quase  
sempre virulentas nas críticas, estranhamente não tiveram a mesma repercussão de  
sua força argumentativa. De qualquer modo, a classe trabalhadora de um país que  
patina em sua miséria genética, no hibridismo de suas formas sociais excrescentes, nas  
ideologias pequeno-burguesas que tomam permanentemente de assalto os interesses  
* Doutor em serviço social pela UFRJ, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Serviço  
Social da UFJF. E-mail: alexandre.arbia@ufjf.br.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
Alexandre Aranha Arbia  
do trabalho, não pode se dar ao luxo de não examinar rigorosamente cada um dos  
grandes nomes do pensamento brasileiro, especialmente quando, no seio do  
marxismo, esses nomes apontam, sem ecletismos ou irracionalismos, para formas  
absolutamente inéditas de interpretação (do pensamento e da realidade). Este é o caso  
de J. Chasin.  
Neste artigo, proponho-me a examinar mais de perto algumas afirmações do  
autor, procedendo a uma “abertura” de suas indicações que, muitas vezes de modo  
ensaístico, terminam por apresentar demonstrações demasiado condensadas. Parece-  
me certeira afirmação de que J. Chasin deixou um programa de estudos a ser  
esquadrinhado, para ratificação ou retificação. Um programa que, em todas as suas  
polêmicas da questão do método à ontonegatividade da politicidade, da recusa das  
interpretações comuns sobre à realidade brasileira à crítica da esquerda, da revisitação  
à história do pensamento ocidental à justa recolocação de Marx, da crítica do  
socialismo de acumulação aos entraves do presente e do futuro (ou da ausência dele)  
, traz como fio condutor a mesma preocupação do velho mestre alemão: os caminhos  
para a emancipação humana. Afinal, em última instância, é disso que se trata toda a  
obra de Marx: a questão da emancipação humana.  
Não é possível, em um artigo, condensar resultados de um estudo que, em  
verdade, deve ser expandido e não sintetizado. Assim, neste breve trabalho, não tenho  
por objetivo ficar “seguindo o fio” da obra geral de J. Chasin, escavando onde essa ou  
aquela questão aparece pela primeira vez e o modo como vai se desenvolvendo no  
pensamento do autor ao longo dos anos. Este, talvez, o expediente mais apropriado e  
coerente com o seu legado, e adequado ao leitor que se interessa por seu  
pensamento1. Meu objetivo aqui será o de expandir a trilha já aberta nos textos do  
autor brasileiro ainda que na apertada síntese de um artigo revisitando a crítica do  
“tríplice amálgama”, para compreendê-la em seus fundamentos.  
1- Na rota de Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica  
Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica (CHASIN, 2009) (doravante,  
EORM) traz para primeiro plano duas questões que, de certo modo, ocupam boa parte  
1
Ademais, outros intelectuais já o fizeram, seja apresentando o legado do autor, seja desenvolvendo  
pesquisas a partir do desdobramento de suas ideias. Basta lembrar aqui Ester Vaisman, Antônio Rago,  
Vera Cotrim, Ivan Cotrim, Sabina Maura da Silva, Ana Selva Albinati, Antônio Lopes Alves, Ronaldo Vielmi  
Fortes, Mônica Hallak Costa, Vânia Assunção, Vitor Sartori, Claudinei Cássio de Rezende, Lúcia Sartório,  
Elcemir Paço Cunha, dentre outros.  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 147-182 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
das energias de Chasin. A raison d’être do texto já está impressa no título: uma busca  
pela virada, de caráter ontológico, que a cientificidade marxiana imprime nas ciências  
sociais. Já a segunda, consequência inextricável da primeira, ocupa boa parte das  
energias de Chasin desde, pelo menos, o fim dos anos 1970: a questão da  
ontonegatividade da politicidade.  
A questão da ontonegatividade da politicidade, na elaboração de Chasin, não é  
gratuita ou despropositada; também não se trata de artilharia conjuntural para abater  
desafetos teóricos e políticos. O problema do lugar da política, na elaboração marxiana,  
surge para Chasin “naturalmente”, em seu processo de seguir cronológica e  
imanentemente a evolução do pensamento marxiano. E, justamente nessa perseguição  
febril pelo autêntico desenvolvimento de Marx, livre de imputações ao gosto do  
observador, que Chasin se depara com uma crítica do pensamento político hegeliano.  
Mas, se não há ineditismo na constatação da crítica de Marx à politicidade em  
Hegel (ao contrário, essa verificação pode ser considerada até mesmo trivial), o mesmo  
não se pode dizer em relação ao peso que dita crítica adquire na leitura do autor  
brasileiro. Para Chasin, não se trata de simples acidente de percurso, caminho fortuito  
para o abandono do hegelianismo, determinação temporal e dialógica que impinge a  
Marx o combate contra o hegelianismo de esquerda, ao qual se filiara em determinado  
período. Pelo contrário, essa ruptura enquadra-se na reformulação mais profunda de  
caráter ontológico que Marx impõe como clivagem na filosofia2.  
No caso de Chasin, há sinais bastante claros da consolidação de seu  
entendimento do problema já nos textos que aparecem em fins dos anos 1970, mais  
precisamente em dois escritos de 1977: Sobre o conceito de totalitarismo (CHASIN,  
1977), publicado no v. 1 da Temas de Ciências Humanas, e A “politicização” da  
totalidade: oposição e discurso econômico (CHASIN, 1977a), publicado no mesmo ano,  
no v. 2 da mesma revista.  
Portanto, da distensão à institucionalização da autocracia burguesa, dos fins de  
1970 ao longo de toda a década de 1980, J. Chasin vem “pensando com Marx” a  
miséria brasileira, os (des)caminhos de seu capital atrófico, o perfil e o projeto de suas  
2 Em oportunidade anterior, empreendi também essa viagem em busca das posições de Marx a respeito  
da política. Salvo melhor juízo, não existe, ao longo de toda a sua trajetória, uma reformulação de sua  
avaliação crítico-negativa da politicidade. A síntese dessas conclusões pode ser encontrada em Arbia  
(2021).  
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Alexandre Aranha Arbia  
classes e as alternativas (ou ausência delas); insere-se no combate teórico e político;  
sem dissociá-los, mas também sem confundi-los. E é justamente em 1995, em um  
posfácio aportado à obra de Francisco Teixeira (Pensando com Marx: uma leitura  
crítico-comentada de O capital TEIXEIRA, 1995), que o autor apresenta de modo  
mais sistemático ainda que ensaístico, sua elaboração.  
Por sua extensão e originalidade, o posfácio de 1995, intitulado Marx: estatuto  
ontológico e resolução metodológica (CHASIN, 1995), posteriormente republicado  
como obra autônoma sob o mesmo título (CHASIN, 2009), revela um esforço teórico  
de demonstrar a originalidade específica do pensamento marxiano. Sem tentar  
esconder a decisiva influência de Lukács ainda que Chasin se dedique a uma crítica  
do marxista magiar, no quarto final da obra , Chasin, ao longo de uma apertada  
síntese de aproximadamente 100 páginas (nas quais se concentra o núcleo-duro de  
sua exposição), apresenta, a despeito de possíveis críticas ou louvores, uma leitura  
inegavelmente original da obra marxiana. Interessa aqui percorrer as indicações da  
primeira parte mais precisamente, do capítulo de abertura às quais me aterei. O  
capítulo sobre A resolução metodológica(CHASIN, 2009, pp. 89 ss), cuja  
interpretação absolutamente inédita da Introdução de 1857 (MARX, 2011) merece um  
estudo à parte, não será objeto de avaliação neste artigo.  
Em EORM, Chasin empreende uma leitura imanente e contextual da obra de Marx,  
mas sem gastar o mesmo espaço para demonstrações exaustivas, como a que nos  
acostumou em O integralismo de Plínio Salgado, por exemplo (CHASIN, 1999). Na tese  
doutoral, o esforço em acompanhar o modus operandi de Lukács em A destruição da  
razão (LUKÁCS, 2020), conferia à análise da ideologia uma justa exposição probante.  
Aqui, em EORM, o caráter enxuto do texto confere solidez na unidade argumentativa,  
mas, em alguns momentos, perda na extensão demonstrativa.  
Todavia, é interessante, no que diz respeito à estilística, sua pontualidade e  
precisão. Já de início, destaca-se seu óbvio expediente: Chasin lê Marx  
cronologicamente. E, por meio dessa leitura “cronológica”, consegue estabelecer, sem  
elaborar uma biografia estrita do autor tratado, a gênese e o desenvolvimento de seu  
universo categorial, em estreita conexão com os dilemas de sua vida e sua época.  
Chasin elabora, em seu texto enxuto, um inventário do ideário marxiano, tal como nos  
processos de liofilização, que, ao expelirem a água, conservam as propriedades  
essenciais.  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
Assim, antes de entrar propriamente na Gênese e crítica ontológica(CHASIN,  
2009, p. 39 ss), o marxista brasileiro apresenta, de certo modo, justificativas ou as  
razões para a retomada de Marx por Marx. E é nesse prólogo que Chasin, bem ao seu  
inconfundível estilo, dá boas-vindas ao leitor com uma constelação de polêmicas, que  
se multiplicam ao longo do livro.  
2- A crítica do “amálgama originário”.  
O coração da originalidade de EORM não está explícito no capítulo inicial; ele  
só será encontrado à abertura do terceiro. Todavia, é ele quem orienta a crítica do  
tríplice amálgama. Por essa razão, não haverá qualquer precipitação em evidenciá-lo  
logo de saída, seguindo as trilhas do próprio texto de “Apresentação(VAISMAN;  
ALVES, 2009):  
Se por método se entende uma arrumação operativa, a priori, da  
subjetividade, consubstanciada por um conjunto normativo de  
procedimentos, ditos científicos, com os quais o investigador deve levar a  
cabo seu trabalho, então, não há método em Marx. Em adjacência, se todo  
método pressupõe um fundamento gnosiológico, ou seja, uma teoria  
autônoma das faculdades humanas cognitivas, preliminarmente estabelecida,  
que sustente ao menos parcialmente a possibilidade do conhecimento, ou,  
então, se envolve e tem por compreendido um modus operandi universal da  
racionalidade, não há, igualmente, um problema do conhecimento na reflexão  
marxiana. E essa inexistência de método e gnosiologia não representa uma  
lacuna (...). Isso equivale a admitir que a suposta falta seja antes uma  
afirmação teórico-estrutural, do que uma debilidade por origem histórica  
insuficientemente digerida. (CHASIN, 2009, pp. 89-90)  
Na citação, o problema central está posto por Chasin sem maiores rodeios:  
qualquer empreitada que busque apreender epistemologicamente a contribuição de  
Marx deixará de reconhecer justamente aquilo que ela tem de fundamental: uma  
posição ontológica3. A questão, para Chasin, é que a admissão desta última, em sua  
profundidade e extensão (em sua radicalidade), termina por obliterar a primeira. Em  
poucas palavras, a inexistência de um tratado sobre o “método”, em Marx, não significa  
3 M. Duayer, cujas posições, neste âmbito, apresentam algum grau de diferença em relação as de Chasin,  
considerou noutro lugar: “a crítica ontológica (...) visa a refutar os pressupostos estruturais da tradição  
criticada. Em consequência, tem de ser crítica que refigura o mundo, que põe e pressupõe outra  
ontologia. É justamente nesse sentido que a crítica de Marx é crítica ontológica no caso, crítica da  
sociedade capitalista, da formação socioeconômica posta pelo capital. Figura o mundo social de maneira  
radicalmente distinta não só das formas de consciência do cotidiano dessa sociedade, mas também de  
suas formas de consciência científicas. Tanto umas quanto outras são empiricamente plausíveis, uma  
vez que têm circulação social, interpretam o mundo para os sujeitos e, nessa medida, orientam suas  
práticas. Razão pela qual sempre se trata de reconhecer a realidade ou objetividade social das ideias  
criticadas. Como circulam socialmente, são ideias razoáveis e, por isso, o exame crítico não pode se  
circunscrever a sua estrutura lógica: deve explicar como e por que ideias insubsistentes orientam a  
prática dos sujeitos” (DUAYER, 2016, p. 35).  
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Alexandre Aranha Arbia  
qualquer lacuna na produção do filósofo alemão, não é casual e nem fortuita; pelo  
contrário, indica uma posição.  
E já aqui, dado o pressuposto, deparamo-nos com o fato de que os defensores  
inaugurais do “tríplice amálgama” buscaram, de certo modo, corporificar em bases  
epistemológicas o materialismo histórico-dialético como a doutrina original de Marx.  
Nessa busca, lançar mão do ambiente teórico (e histórico) no qual estava imerso o  
pensador alemão terminou servindo mais para baralhar que para pôr a questão em  
nos termos. Em uma síntese: a posição de Chasin, crítica das proposições de Kautsky  
e Lênin4 sobre o “método”, enforma uma busca pelos fundamentos do pensamento de  
Marx a partir dos próprios escritos marxianos, e não pelo enxerto de construtos  
exógenos e distintos que, na magistral síntese reflexiva do filósofo alemão, teriam  
alcançado uma unidade antes incompreensível aos próprios desenvolvedores dessas  
teorizações parciais.  
2.1- Kautsky e o erro inaugural  
No caso de Kautsky, a questão está centrada no texto de 1908 (As três fontes  
do marxismo – KAUTSKY, s/d). Cf. Chasin (2009, p. 31), do “naturalismo positivista”  
de Kautsky aflora a ideia de modo bastante imediato e empobrecido de que Marx  
haveria promovido uma “síntese das ciências naturais e das ciências psicológicas”  
(apud CHASIN, 2009, p. 31), que a dialética ensejaria uma espécie de “evolução  
catastrófica”, a qual, encontrada na natureza e na história, explicaria, por fim, a própria  
necessidade da luta entre classes. Em arremate, Kautsky localiza na fusão dos três  
alicerces do pensamento moderno a economia política inglesa, a filosofia alemã e o  
pensamento político francês o ineditismo da produção de Marx. Na síntese de Chasin  
(2009, p. 34):  
Segundo Kautsky, cada um dos três pensamentos que integram o amálgama  
é uma formação parcial, quando no interior da malha nacional de  
positividades e negatividades que o origina. Enquanto produtos isolados (...)  
são carentes uns dos outros, como que destinados a um ménage à trois que  
os libertaria da hipertrofia originária. De fato, só perdem unilateralidade  
graças às suas mútuas junções, pretendidamente operadas por Marx, cujo  
mérito intelectual, altamente enfatizado, então não passaria da habilidade  
para aglutinar ideias e procedimento preexistentes.  
Em resumo: a perspicácia de Marx, para Kautsky, estaria em compilar e aglutinar  
construtos teóricos que se encontravam geográfica e epistemicamente separados. Mas  
4 ... E, por consequência lógica, de Engels, como veremos em detalhes.  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
vejamos a coisa de perto.  
Em As três fontes..., Kautsky enuncia, logo na abertura de sua tese, duas  
compreensões articuladas: a de que o “método [de Marx] será mais frutuoso do que  
qualquer outro” (KAUTSKY, s/d/, p. 10) e a de que “encontramos aí [neste método],  
antes de tudo, a síntese do pensamento inglês, francês e alemão, a do movimento  
operário e do socialismo e, por fim, a da teoria e da prática” (KAUTSKY, s/d, p. 11). O  
que se segue no argumento é a defesa de uma ultrapassagem, pelo método de Marx,  
da cisão entre “ciências naturais e ciências psicológicas” (sociais), de significativa  
influência positivista5.  
A crítica que Kautsky estabelece ao materialismo canhestro (crítica de clara  
influência temática engelsiana) caminha na direção de que faltava à empiria à  
compreensão articuladora da dialética. E mais, seguindo as trilhas de Engels, ainda  
que em uma exposição extremamente mais pobre, Kautsky volta a revolver a questão  
da unidade entre os seres; e, assim como Engels, o faz pela dialética e não pela história.  
As leis “inexoráveis” da dialética ressurgem, em seus escritos, a partir de afirmações  
extremamente problemáticas: “por mais distinta que possa parecer a sociedade do  
resto da Natureza, nesta, como naquela, encontramos a evolução dialética, quer dizer:  
o movimento provocado por uma luta de oposições que surge espontânea e  
continuamente do próprio meio” (KAUTSKY, s/d, p. 17). E prossegue, atribuindo a Marx  
a “anulação” do “abismo entre ciências naturais e psicológicas”: “a evolução social foi  
assim situada no quadro da evolução natural; o espírito humano, mesmo nas suas  
manifestações mais elevadas e mais complicadas, nas suas manifestações sociais, era  
explicado como sendo uma parte da Natureza” (KAUTSKY, s/d, p. 17).  
Na tentativa de comprovar sua tese, qual seja, imputar a Marx uma superação  
da cisão entre sociedade e natureza pela dialética materialista, Kautsky, exatamente  
como demonstra Chasin (2009, p. 31), chegará ao absurdo de constatar que “para  
Marx (...) a luta de classes não era mais do que uma forma da lei geral da evolução da  
Natureza, que de modo nenhum tem um caráter pacífico” (KAUTSKY, s/d, p. 23 –  
itálicos meus). O autor alemão prossegue o argumento sinonimizando “transformação  
dialética” e “catástrofe”. Para Kautsky, a “catástrofe”, na Natureza e na sociedade,  
como lei geral válida para todos os tipos de seres, é a demonstração inequívoca da  
5
Impossível não lembrar de Auguste Comte e sua hierarquização das ciências, ao observar o modo  
como Kautsky compreende suas evoluções em relação à “concretização”. Cf. Kautsky (s/d, p. 14).  
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universalidade da dialética.  
Enunciada, no primeiro bloco, sua (peculiar) compreensão da dialética marxista,  
Kautsky passa a considerar os desenvolvimentos de Marx e de Engels para alcançar  
finalmente, no terceiro capítulo, sua tese do amálgama. Os termos empregados no  
resumo de Chasin comparecem, no texto do autor alemão, numa sequência que  
procura dar conta do desenvolvimento material e ideológico da Inglaterra (KAUTSKY,  
s/d, pp. 32-34); França (KAUTSKY, s/d, pp. 35-39) e Alemanha KAUTSKY, s/d, pp. 39-  
43). Kautsky, que abre o capítulo defendendo que  
três nações representavam, no século XIX, a civilização moderna. Só  
quem tinha assimilado o espírito de todas as três e assim armado com  
todas as aquisições do seu século podia produzir o imenso trabalho  
que Marx forneceu. A síntese do pensamento destas três nações, onde  
cada um perdeu o seu aspecto unilateral, constitui o ponto de partida  
da contribuição histórica de Marx e de Engels (KAUTSKY, s/d, pp. 31-  
32 itálicos meus).  
... encerra-o explicando como foi forjado o amálgama:  
[Marx e Engels] reconheceram que a economia e a política, o trabalho  
de detalhe de organização e o ardor revolucionário se condicionavam  
uns aos outros, que o trabalho de detalhe é estéril sem o objetivo  
essencial que lhe serve simultaneamente de estimulante e de razão;  
que este objetivo é impreciso sem o trabalho prévio de detalhe, o qual  
fornece a capacidade de luta necessária para o atingir. Eles  
reconhecem igualmente que um tal objetivo não pode nascer da  
simples necessidade revolucionária; que deve ser desembaraçado das  
ilusões e do inebriamento pela aplicação conscienciosa dos métodos  
de investigação científica e que deve estar na unissonância do  
conjunto do saber da humanidade. Eles reconheceram, além disso,  
que a economia é o fundamento da evolução social e que ela  
compreende as leis que regem necessariamente esta evolução.  
A Inglaterra forneceu-lhes a maior parte da documentação econômica  
que utilizaram e a filosofia alemã o melhor método para deduzir  
daquela o objetivo da evolução social contemporânea; a Revolução  
Francesa demonstrou-lhes de maneira mais clara a necessidade de se  
conquistar o domínio e, nomeadamente, o poder político, para se  
atingir o objetivo.  
Foi assim que criaram o socialismo científico moderno, pela fusão de  
tudo o que o pensamento inglês, o pensamento francês e o  
pensamento alemão tinham de grande e de fértil (KAUTSKY, s/d, pp.  
43-44 itálicos meus).  
O fragmento é longo, mas imprescindível aqui. É interessante observar como,  
daqui, a questão do “socialismo científico” desliza com grande agilidade para a de  
ciência como “ponto de vista” (de classe). O problema científico abandona a exigência  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
de reprodução fiel da realidade objetiva para recair no campo do “agir interessado”6.  
Ora, mas há enorme diferença entre o fato de a perspectiva científica do proletariado  
ser a única capaz de reproduzir intelectivamente a realidade tal como é (em detrimento  
das ciências burguesas, que procuram fragmentar, opacitar e/ou hipostasiar a  
realidade, baralhando a compreensão) e a instrumentalização do conhecimento para a  
mobilização e a ação políticas. A conclusão enviesada é do próprio Kautsky: o  
socialismo “não é outra coisa senão a ciência da sociedade, encarada do ponto de  
vista do proletariado” (KAUTSKY, s/d, p. 48).  
Chasin acerta, portanto, quando identifica que a leitura epistemológica  
produzida por Kautsky, cujo resultado é a defesa do “tríplice amálgama”, termina por  
diminuir a originalidade de Marx, ao reinseri-lo, contra sua vontade, de volta no debate  
gnosioepistêmico. E aqui evidencio, adicionalmente, que a apreensão da dialética como  
recurso heurístico, metodológico, trouxe consigo, no bojo do conjunto de problemas  
(e o fragmento de Kautsky o demonstra), uma reorientação na própria teoria da ação  
(política).  
Os argumentos de Kautsky não são totalmente ainda que em grande medida  
criações inusitadas, frutos apenas de um “pitoresco” entendimento do “marxismo”;  
pelo contrário, eles levam ao paroxismo afirmações do próprio Engels, como veremos  
a seguir. É muito difícil, para aqueles que conhecem os últimos escritos de Engels a  
respeito do método dialético, não identificar um diálogo, na letra de Kautsky, ainda  
que simplificado em demasia, com elementos-chave apresentados pelo filósofo de  
Barmen. E, para Chasin, Lênin segue a linha, ainda que dentro de sua inquestionável  
inteligência.  
2.2- A respeito do prosseguimento dado por Lênin  
As duras condições objetivas em que Lênin realizou suas elaborações são muito  
conhecidas. Imersas ainda no desconhecimento público geral de boa parte dos escritos  
de Marx, a qualidade de suas realizações já lhe garante uma inquestionável posição  
de terceiro grande pilar do pensamento marxista. Justamente por isso, poucos autores  
tenham adquirido tamanha autoridade, foram tão difundidos, debatidos, assimilados  
e, por óbvio, produziram tantas consequências. Não erra, portanto, Chasin, quando  
elege o opúsculo As três fontes e as três partes do marxismo (LÊNIN, 1983) para  
6 Sobre o agir interessado, ineliminável de qualquer forma de ação humana, cf. Lukács (2012, p. 295).  
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estabelecer a crítica.  
Chasin não coloca Lênin no mesmo patamar de Kautsky, mas não o poupa:  
Lenin reempunha o centro temático do amálgama; sem dúvida, com  
uma diferença muito ponderável: a algaravia naturalista de Kautsky  
desaparece, bem como o feitio desconjuntado de sua argumentação.  
Todavia, a tese é idêntica e, porque bem espanada, ressoa ainda mais  
categoricamente, também pela inclusão de arrimos filosóficos  
tomados ao Anti-Dühring e ao Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia  
clássica alemã (CHASIN, 2009, p. 35).  
Para aqueles que conhecem este escrito de Lênin, sabem que razão assiste a  
Chasin. Lá encontramos:  
A doutrina de Marx é todo-poderosa, porque é justa. É harmoniosa e  
completa; dá aos homens uma concepção coerente do mundo,  
inconciliável com toda a superstição, com toda a reação, com toda a  
defesa da opressão burguesa. É a sucessora legítima de tudo quanto  
a humanidade criou de melhor no século XIX: a filosofia alemã, a  
economia política inglesa e o socialismo francês. É nestas fontes, nas  
três partes constitutivas do marxismo, que vamos rapidamente falar.  
(LÊNIN, 1983, p. 72 itálicos do original)  
Para além dos elementos elencados por Chasin, dentre eles, com destaque para  
o fato de que Marx “enriqueceu as aquisições da filosofia clássica alemã, sobretudo do  
sistema de Hegel” (LÊNIN, 1983, p. 73), extraindo como “a principal destas aquisições  
(...) a dialética” (LÊNIN, 1983, p. 73), destaco aqui o débito explícito que a  
interpretação de Lênin possui com o último Engels (conforme também atestado acima,  
no excerto de Chasin). Afirma com clareza o revolucionário russo que  
Marx e Engels defenderam resolutamente o materialismo filosófico, e  
mostraram muitas vezes o que havia de profundamente errôneo em  
todos os desvios a esta doutrina fundamental. Os seus pontos de vista  
estão expostos com o máximo de clareza e pormenor nas obras de  
Engels: Ludwig Feuerbach e Anti-Dühring, que como o Manifesto do  
Partido Comunista são os livros de cabeceira de todo o operário  
consciente. (LÊNIN, 1983, p. 73 itálicos meus)  
Lênin, aqui, empresta sua autoridade para chancelar duas posições, na melhor  
das hipóteses, questionáveis: a) de que as conclusões de Marx a respeito da dialética  
(e, por tabela, de tudo o que envolve sua relação com o espólio de Hegel, com a  
esquerda hegeliana e a avaliação de Feuerbach) está contida no Anti-Dühring (Lênin  
não o afirma, mas numa leitura apressada é bastante fácil, por este expediente, fazer  
passar Marx por Engels7); b) estabelecer a dialética, tal como exposta pelo último  
7 Há muitos escritos sobre as tentativas de cancelar as ideias próprias de Engels, tornando-o um mero  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
Engels, como pórtico de entrada ao conhecimento científico do marxismo para o  
movimento operário. Em ambos os casos, a admitirmos que Lênin tenha sido bem  
sucedido, tendo-se em consideração o sucesso editorial de Anti-Dühring, ainda  
durante a vida de Engels, poderíamos arriscar que o movimento operário do século  
XX, sobretudo pós-1917, é severamente tributário mais, inclusive, do que é  
costumeiramente admitido das posições do último Engels.  
Mas isso não é tudo, e Lênin arremata:  
Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx fê-lo  
chegar ao seu fim lógico, e estendeu-o do conhecimento do  
conhecimento da natureza ao conhecimento da sociedade humana. O  
materialismo histórico de Marx foi a maior conquista do pensamento  
científico. (LÊNIN, 1983, pp. 73-74 itálicos meus; negritos do  
original)  
A influência de Engels (e de Kautsky) é, aqui, inegável e este pequeno texto  
dispensa mais demonstrações.  
No texto (biografia de Marx) que escreveu em 1913, para o Dicionário Granat,  
Lênin não deixa dúvidas a respeito da convicção da correção de sua posição:  
O marxismo é o sistema das ideias e da doutrina de Marx. Marx  
continuou e completou as três principais correntes de ideias do século  
XIX, que pertencem aos três países mais avançados da humanidade: a  
filosofia clássica alemã, a economia política clássica inglesa e o  
socialismo francês. (LÊNIN, 1983a, p. 15)  
Também aqui são abundantes as referências ao Anti-Dühring e ao Feuerbach,  
de Engels. Também aqui, Lênin procura aproximar, demonstrativamente, Engels de  
Marx, ao grifar que, em relação ao Anti-Dühring, Marx havia “lido o manuscrito” (LÊNIN,  
1983a, p. 16) e, em relação a Feuerbach..., que Engels só enviara o manuscrito para  
publicação “depois de ter relido uma vez mais o velho manuscrito de 1844-1845  
sobre Hegel, escrito em colaboração com Marx” (LÊNIN, 1983a, p. 17).  
Finalmente, no capítulo sobre a dialética, a referência é a Engels e a  
reintrodução de Marx no problema gnosioepistêmico é textual:  
Foi este aspecto revolucionário da filosofia de Hegel que Marx adotou  
e desenvolveu. O materialismo dialético “nada tem a ver com uma  
filosofia planando acima das outras ciências”. A parte da antiga  
filosofia que subsiste é “a doutrina do pensamento e das suas leis a  
lógica formal e a dialética”. Ora, na concepção de Marx, como na de  
repetidor (porta-voz) de Marx. A respeito da originalidade do velho alemão, cf. Paço Cunha (2014,  
2014a), Sartori (2015), dentre outros. Para uma biografia de Engels, cf. Mayer (2020).  
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Hegel, a dialética compreende o que hoje se chama teoria do  
conhecimento ou gnosiologia, que deve igualmente considerar o seu  
objeto do ponto de vista histórico, estudando e generalizando a  
origem e o desenvolvimento do conhecimento, a passagem da  
ignorância ao conhecimento. (LÊNIN, 1983a, pp. 20-21 itálico do  
original)  
De fato, não é preciso ir muito além para constatar, sem qualquer emoção, que  
Lênin passa ao largo da ideia de uma superação ontológica, por Marx, de todos os  
construtos teóricos contra os quais se confrontou: sua leitura da obra marxiana, neste  
caso, mantém-se claramente na linha de uma interpretação, sobretudo, epistemológica,  
de confronto no interior da história da filosofia.  
Todavia, é necessário anotar que a questão é mais sofisticada em Lênin que em  
Kautsky, e o revolucionário russo, em que pesem diferenças, está bem mais próximo  
da riqueza do pensamento de Engels que seu antecessor. No caso de Lênin, o  
problema gnosiológico já havia sido abordado mais detidamente antes, em 1908, em  
Materialismo e empiriocriticismo (LÊNIN, 1975). Lá, sabemos, a polêmica contra Ernst  
Mach e seus discípulos colocava Lênin, materialista, em oposição ao neokantismo  
vulgar. Em sua introdução, aludindo à obra de George Berkeley8, Lênin reconhece uma  
síntese precisa entre as duas filosofias conflitantes. E nessa síntese, está explicitado  
um dos eixos fundamentais de seu entendimento do materialismo:  
Las dos líneas fundamentales de las concepciones filosóficas quedan  
aquí consignadas con la franqueza, la claridad y la precisión que  
distingue a los filósofos clásicos de los inventores de “nuevos”  
sistemas en nuestro tiempo. El materialismo: reconocimiento de los  
“objetos en sí” o fuera de la mente; las ideas e las sensaciones son  
copias o reflejos de estos objetos. La doctrina opuesta (el idealismo):  
los objetos no existen “fuera de la mente”; los objetos son  
“combinaciones de sensaciones”. (LÊNIN, 1975, p. 16 itálicos meus)  
E a questão do reflexo é inequivocamente reafirmada logo à abertura do  
primeiro capítulo, quando, em oposição ao empiriocriticismo, ancora firmemente sua  
posição nas aquisições de Engels. O fragmento é longo, mas me parece suficiente para  
afirmar que, em Materialismo e empiriocriticismo, apreendendo com profundidade a  
posição de Engels, Lênin vincula-se a ela, repondo o problema do conhecer na relação  
entre objetividade e método e não em um plano meramente epistemológico (mas  
também não em um plano exclusivamente imanente). Afirma:  
El materialista Federico Engels colaborador bastante conocido de  
8 Tratado sobre os princípios do conhecimento humano, de 1710.  
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Marx y fundador del marxismo habla invariablemente y sin excepción  
en sus obras de las cosas y de sus imágenes o reflejos mentales  
(Gedanken-Abbilder), y es de por sí claro que estas imágenes mentales  
no surgen de otra manera más que de las sensaciones. Parecerá que  
esta concepción fundamental de la “filosofía del marxismo” debiera  
ser conocida por todos los que hablan de ella, y sobre todo por los  
que intervienen en la prensa en nombre de esta filosofía. Pero en vista  
de la extrema confusión creada por nuestros machistas, habrá que  
repetir cosas de todos conocidas. Tomemos el primer párrafo del Anti-  
Dühring y leamos: “… los objetos y sus imágenes mentales…”. O el  
primer párrafo de la sección filosófica: “¿De onde saca el pensamiento  
esos principios? [se refiere a los principios fundamentales de todo  
conocimiento]. ¿Los saca de sí mismo? No… Las formas del ser no las  
puede el pensamiento extraer y deducir jamás de sí mismo, sino  
únicamente del mundo exterior… Los principios no son el punto de  
partida de la investigación [como resulta según Dühring, que pretende  
ser un materialista, pero que no sabe aplicar consecuentemente el  
materialismo], sino sus resultados finales; estos principios no se  
aplican a la naturaleza y a la historia humana, sino que son  
abstracciones de ellas; no son la naturaleza y la humanidad las que se  
rigen por los principios, sino que los principios son verdaderos  
precisamente en tanto concuerdan con la naturaleza y con la historia.  
En esto consiste la única concepción materialista del asunto, ya la  
opuesta, da de Dühring, es la idealista, que invierte por completo las  
cosas asentándolas sobre la cabeza y construye el mundo real  
arrancando de la idea” […]. Todo el que lea con un poco de atención  
el Anti-Dühring y Ludwig Feuerbach encontrará a docenas los  
ejemplos en que habla Engels de las cosas y sus imágenes en el  
cerebro del hombre, en nuestra consciencia, em el pensamiento etc.  
(LÊNIN, 1975, p. 28)  
Este longo fragmento me parece suficiente para demonstrar que o caráter  
dúplice da dialética está, antes, em Engels que em Lênin, o qual acompanha de muito  
perto o entendimento do filósofo de Barmen a respeito do problema. De todo modo,  
e em resumo, haja vista o fato de que não podemos explorar mais tais questões no  
revolucionário russo, pode-se afirmar que em Lênin subsiste a dupla ideia da dialética:  
como objetividade e como método. Lênin não sucumbe ao epistemologismo simplista  
ao perceber a relação entre (o primado da) objetividade e pensamento, mas tampouco  
abandona a ideia do método como bússola da viagem científica marxista. Devemos,  
portanto, rastrear a questão em sua gênese, revisitando Engels.  
2.3- Uma visita ao último Engels.  
Em EORM, Chasin faz referências pontuais a Engels, sobretudo quando aproxima  
as compreensões sobre dialética de Lênin e daquele. Não é possível identificar as  
razões da ausência de um tratamento mais dedicado da questão, em Engels, por  
Chasin, uma vez que, como se sabe, embora o filósofo alemão não possa ser  
responsabilizado pelas interpretações posteriores, o que foi feito da dialética por seus  
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sucessores remete a uma interlocução explícita com suas últimas produções. O mais  
provável é que Chasin tenha optado por centrar a crítica no problema do “amálgama  
originário” e como Engels jamais se referiu à questão nesses termos, sendo uma  
inovação introduzida pelos “marxistas” posteriores, tal fato justificaria apenas uma  
referência en passant, mantendo-se a concentração no principal.  
De todo modo, as referências a Engels lá estão, como vimos acima. E para que  
não haja dúvidas, Chasin explicita:  
Em suma, para Engels e Lênin, a dialética integra, sabidamente, mais  
de uma face, já que compreende – a “ideia fundamental” do  
movimento das coisas naturais e sociais, bem como o próprio  
pensamento por isso mesmo, quando falam em aplicar a dialética “a  
cada domínio submetido à investigação”, explicitam de modo enfático  
um aspecto de grande peso de suas convicções, e, por conseguinte,  
uma dimensão fundamental que entendem por dialética a existência  
suposta de um método universal de investigação, devido na íntegra  
ou em partes modificadas, não importa, a Hegel. (CHASIN, 2009, p.  
36 itálicos do original)  
Tal citação nos exige, pois, uma rápida visita aos últimos escritos mais  
importantes do grande partner teórico de Marx.  
De princípio, não é mais admissível que tomemos Engels por Marx. É fato que  
estabeleceram intenso diálogo, que existem mútuas influências em suas elaborações e  
que, talvez em toda a história da filosofia, nenhuma colaboração entre dois autores  
tenha sido tão profunda e harmônica em termos ideais e pessoais. Todavia, isso não  
pode obscurecer, para nós, a verdade simples e fatual de que se tratam de dois autores  
distintos, intelectuais autônomos e profícuos e que, em alguma medida, apresentam  
também suas diferenças. E, é claro, não há nenhuma heresia nessa constatação. Para  
meu propósito, ficarei concentrado nos textos do último Engels, nominalmente: Anti-  
Dühring (1878), A dialética da natureza (1883), Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia  
clássica alemã (1886) e no Prefácioa As lutas de classes na França (1895).  
2.3.1- A concepção de dialética no Anti-Dühring (1878) e em A dialética da natureza  
(1883)  
É uma característica das elaborações do último Engels o combate duro ao senso  
comum presente nas análises dos homens ditos “de ciência”; a elas, o autor buscou  
opor o verdadeiro conhecimento científico, fazendo questão de revolver quase sempre  
todo o seu enciclopédico conhecimento, seja da filosofia, das ciências sociais e das  
ciências naturais. Engels apontava, no pensamento por ele denominado pensamento  
“metafísico” (calcado na lógica formal) uma pobreza intrínseca incapaz de compreender  
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o caráter relacional das leis objetivas, reduzindo todas as contradições a aspectos  
primários de “sim” e “não”. Donde o combate bastante pronunciado de sua dupla  
expressão (na forma cotidiana vulgar e na forma mistificada da especulação). Pode-se  
demarcar aqui, sem muito receio de erro, as origens da obsessão, na II e III  
Internacionais, pelo combate virulento ao idealismo (ao fim e ao cabo, o próprio Lênin  
parece-me decisivamente influenciado por essa questão, sobretudo em 1908).  
Encontra-se em Engels um processo de reconhecimento e dissociação entre  
“dialética” e “Hegel”. Engels consegue ser peremptoriamente dialético e  
peremptoriamente crítico de Hegel (cf. SARTORI, 2015, p. 125). Sua crítica a Hegel  
está essencialmente concentrada em dois pontos: 1) a dialética hegeliana apresentaria  
uma contradição insolúvel ao fechar-se (toda a realidade) em um sistema; 2) e, na  
mesma via, haveria em Hegel uma generalização indevida, que buscava abarcar toda  
a ciência da natureza e da história. Mas a própria posição de Engels não está livre de  
aparentes paradoxos. Em sua busca por dissociar a ideia de método e sistema,  
separando a virtude do vício, Engels termina por proferir afirmações nebulosas e  
encriptadas, gerando interpretações que passaram a largo de suas pretensões  
originais.  
Crítico da ideia de “sistema”, Engels é, por outro lado, textualmente insistente  
na convicção da existência das “leis fundamentais do pensamento dialético”; de prime  
abord, destaco que o procedimento contrasta com a imanência da leitura marxiana em  
relação aos objetos investigados. Suas referências explícitas à “aplicação do método  
dialético” terminam por contrastá-lo, neste quesito, a Marx. Contra Dühring, sua  
posição é clara: a dialética da realidade só pode ser corretamente compreendida por  
um método igualmente dialético.  
Essa espécie de leitmotiv temático está presente como elemento estruturante  
em suas últimas obras. Não apenas é o eixo que sustenta suas críticas a E. Dühring,  
(1878), como abre seu volume sobre A dialética da natureza (1883). No Ludwig  
Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (1886), embora menos pronunciada que  
nas obras anteriores, a questão lá está. Neste último, a ela vem fazer companhia uma  
(re)valorização da política que toma ares de revisão no Prefáciode 1895. Não passa  
despercebido, portanto, o fato de que, no mesmo momento em que Engels está  
profundamente convicto a respeito do caráter dúplice da dialética (enquanto  
movimento e enquanto método; enquanto imanência e enquanto episteme) ele  
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reavalie, em conjunto, sua própria concepção da política (e, estendendo por conta  
própria, a de Marx).  
Engels denuncia, com a competência que lhe é clássica, a ignorância de Dühring,  
que, do alto de sua lógica formal, procura excluir a contradição da realidade. A  
concepção de Dühring é empobrecida; nela comparece uma confusão entre  
contradição e contrassenso (ENGELS, 2015, p. 151), concluindo pela impossibilidade  
de existência real da primeira. Para comprovar o erro de Dühring, Engels lança mão  
de exemplos amplos e transita de uns a outros, no mais das vezes, sem expor os  
caminhos mediadores. Não só estende a lei do movimento (contradição)9 da  
matemática à natureza e desta a sociedade, como ainda toma, por um trânsito bastante  
direto, a lei da transformação da quantidade em qualidade em seres absolutamente  
distintos:  
Citamos ali um dos exemplos mais conhecidos o da mudança dos  
estados de agregação da água que, sob condições normais de pressão  
atmosférica, a 0ºC passa do estado líquido para o sólido e a 100ºC  
passa do estado líquido para o gasoso e que, portanto, nesses dois  
pontos de mutação, a mudança meramente quantitativa da  
temperatura acarreta um estado qualitativamente modificado da água.  
Poderíamos ter citado, como prova dessa lei, mais algumas centenas  
de fatos como esses extraídos tanto da natureza como da sociedade  
humana. (ENGELS, 2015, p. 157)  
E Engels, nas páginas imediatamente seguintes, nas demonstrações por meio  
de exemplos, chega ao ponto de transitar, com espantosa imediatez, do universo da  
química ao exército de Napoleão (cf. ENGELS, 2014, pp. 158-159).  
Alcança-se, assim, a polemíssima questão da “negação da negação”. Explorando  
9
“Se o simples movimento mecânico de um lugar para o outro já contém em si uma contradição, isso  
é ainda mais verdadeiro em relação às formas mais elevadas de movimento da matéria e, de modo bem  
especial, a vida orgânica e sua evolução. Vimos anteriormente que a vida consiste sobretudo no fato de  
que instante, um ser é ele mesmo e, ainda assim, outro. Portanto, a vida também é uma contradição  
presente nas próprias coisas e processos que continuamente se põem e se resolvem; e, assim que cessa  
a contradição cessa a vida e instaura-se a morte. Vimos igualmente que, no campo do pensamento,  
tampouco podemos escapar às contradições e que, por exemplo, a contradição entre a capacidade  
interiormente ilimitada do conhecimento humano e sua existência real se resolve apenas na forma de  
seres humanos exteriormente limitados e limitadamente cognoscentes no processo infinito da sucessão  
das gerações, que, ao menos para nós, é praticamente sem fim” (ENGELS, 2015, p. 152). Para além da  
extensão da contradição, como lei unitária em todos os tipos de seres o que a tornará lei absoluta –  
Engels parece reinserir hegelianamente a teleologia na história. O que significaria, exatamente, a  
afirmação de que “a vida também é uma contradição presente nas próprias coisas e processos que  
continuamente se põem e se resolvem; e, assim que cessa a contradição cessa a vida e instaura-se a  
morte”? A que tipo de “resolução” Engels se refere? Não é possível pensar em “resolução” quando se  
trata de relações de causa e efeito; resolução tem de pressupor, de algum modo, intencionalidade,  
teleologia.  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
o último capítulo do Livro I d’O capital, Engels resgata a sucessão histórica de  
desenvolvimento de modos de produção. Neste argumento, o autor mensura a posição  
de Marx, concluindo:  
Ao caracterizar o processo como negação da negação, Marx nem  
pensa em querer prová-lo, por essa via, como um processo  
historicamente necessário. Pelo contrário: depois de ter provado  
historicamente que o processo, de fato, sucedeu em parte e em parte  
ainda terá de suceder, ele o caracteriza como um processo que se  
efetua conforme uma determinada lei da dialética. (ENGELS, 2015, p.  
164)  
Isso logo após ter considerado, também de modo muito preciso e acertado,  
contra Dühring, que “o processo é histórico, e o fato de ele ser ao mesmo tempo  
dialético não é culpa de Marx” (ENGELS, 2015, p. 164). Está clara, aqui e em outras  
passagens, a dúplice existência da dialética, por parte de Engels: na realidade e no  
método. Neste aspecto, Engels possui uma compreensão para bem ou para mal, não  
importa distinta à de Marx, mantendo preocupações epistemológicas muito claras.  
Tanto que conclui:  
A lógica formal é, antes de tudo, um método pra encontrar novos  
resultados, para avançar do conhecido para o desconhecido, e a  
mesma coisa, só que num sentido mais eminente, é a dialética, que,  
ademais, por romper o horizonte estreito da lógica formal, contém o  
embrião de uma concepção de mundo mais abrangente. (ENGELS,  
2015, p. 165)  
Da duplicidade da dialética, segue-se o argumento de que a negação da  
negação” é “um procedimento muito simples, que se realiza em toda parte e  
cotidianamente” (ENGELS, 2015, p. 165). Engels então recorre ao famoso exemplo do  
grão de cevada10, das borboletas e da geologia em síntese, vai ilustrar seu argumento  
com demonstrações a partir da dialética da natureza. Seu argumento de que “na  
história não é diferente” (ENGELS, 2015, p. 167) pode dar margem a uma  
interpretação analógica, mesmo a contragosto do próprio autor. Na exemplificação da  
lei no desenvolvimento filosófico do materialismo (ENGELS, 2015, p. 168), mesmo sua  
concepção da Aufhebung11 está mais próxima de Hegel que de Marx. E sua conclusão  
de 1878, finalmente, é inequívoca e marcante, a ponto de permanecer sólida, pelo  
menos, no quinquênio seguinte à sua elaboração. Finaliza Engels:  
Então, o que é a negação da negação? Uma lei sumamente universal  
10 A respeito, cf. Lukács (2010, pp. 167 ss.).  
11 “A filosofia foi, portanto, ‘suprassumida’, isto é, ‘tanto superada como preservada’ – superada em sua  
forma, preservada em seu conteúdo real” (ENGELS, 2015, p. 168).  
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e, por isso mesmo, de alcance extremamente amplo e de suma  
importância referente à evolução da natureza, da história e do  
pensamento; uma lei que, como vimos, vigora no mundo animal e  
vegetal, na geologia, na matemática, na história, na filosofia e à qual  
o próprio sr. Dühring, sem o saber, tem de render-se a seu modo,  
apesar de toda renitência e resistência. (ENGELS, 2015, p. 170 –  
itálicos meus)  
Sabemos que Marx jamais se referiu a exceção da história a leis universais  
da dialética. Mais que isso, a admissão apriorística de uma lei inexorável, válida para  
todos os seres e em todas as épocas, põe em xeque a própria transmutabilidade do  
ser. E Engels, de modo autônomo e original em relação a Marx, dá passos decisivos  
em relação à existência de leis universais (da dialética):  
Se digo que todos esses processos são negação da negação, estou  
sintetizando todos eles nessa lei do movimento e, justamente por isso,  
desconsidero a peculiaridade de cada processo específico. E a  
dialética nada mais é que a ciência das leis universais do movimento  
e da evolução da natureza, da sociedade humana e do pensamento.  
(ENGELS, 2015, pp. 170-171)  
Há uma relação difícil, aqui, entre lógica e história. Ainda que critique Hegel,  
Engels procura redimensionar o problema da dialética da natureza. Seu objetivo é,  
certamente, colocar as coisas em termos materialistas; todavia, o que se vê em muitas  
passagens é uma transmigração direta (sem mediações) entre os fenômenos naturais  
e sociais, tomados pelas chamadas “leis gerais”. É neste ponto que Engels parece  
deslocar-se do campo da práxis para o campo da lógica. Todo esse arrazoado, muito  
devido, talvez, ao modo expositivo de Engels – mais “sistemático” que o de Marx (cf.  
SARTORI, 2015) produz dificuldades interpretativas ainda maiores do que quando  
Engels realiza a defesa da ciência da história, ao mesmo tempo em que secciona, no  
trato do problema, a questão da “lógica” (formal e dialética) por um lado e “ciência  
positiva da natureza e da história”, por outro. No resumo de Sartori (2015, p. 127):  
A ciência da história’ mencionada antes trazia consigo a imanência da dialética,  
considerada o próprio movimento do real e, agora, a questão parece emergir de modo  
um tanto quanto distinto, rompendo-se (...) a unidade entre ‘método’ e realidade  
efetiva”.  
A tensão permanece em 1883 e Engels demonstra não nutrir qualquer dúvida  
em relação às leis da dialética. O prefácio de A dialética da natureza (ENGELS, 1976)  
traz momentos de inspiração singular, que, numa leitura atenta, terminam por  
comprovar a unidade ontológica entre ser natural e social. Engels reconhece essa  
unidade, mas prefere explorá-la a partir do marco lógico que estabeleceu previamente.  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
Suas ilustrações a respeito do desenvolvimento do cosmos até o desenvolvimento da  
vida e do homem são inspiradoras e foram consideradas por Lukács no  
desenvolvimento de sua Ontologia...; à diferença que o marxista magiar termina por  
reformular, em bases totalmente novas e ampliadas, um problema corretamente  
percebido, mas desenvolvido de modo ambíguo por Engels.  
Novamente aqui, a exemplo do que vimos no Anti-Dühring, Engels transmigra  
com demasiada fluidez entre as ciências naturais e sociais. Após linhas exemplares e  
inspiradas a respeito do desenvolvimento da matéria, do cosmos e da vida, deparamo-  
nos de súbito com a constatação de que  
Nos países industriais mais avançados, o homem dominou as forças  
naturais, submetendo-as ao seu serviço. Dessa maneira, se conseguiu  
multiplicar infinitamente a produção de modo que um menino, hoje  
em dia, produz mais que cem adultos antes. Qual a consequência daí  
decorrente? Crescente excesso de trabalho e crescente miséria das  
massas; e a cada ano um grande krach (craque ou crise). (ENGELS,  
1976, p. 26)  
É de se estranhar a forma sintética e súbita dos saltos. E, sem dúvida, esse  
modo expositivo produziu controvérsias entre seus intérpretes. Basta que pensemos  
no destino da dialética a partir de Bernstein, que, como antigo discípulo de Dühring,  
a considerava um absurdo; do próprio Engels (aqui, seguido de perto por Lênin), que  
vislumbrava sua duplicidade objetiva e epistemológica; e, por fim, do marxismo  
ocidental, que atestava sua aplicação ao domínio social, mas não ao domínio natural.  
Mas, afinal, qual o significado da dialética da natureza em Engels? Talvez  
pudéssemos considera-la uma primeira tentativa de unificação ontológica de natureza  
e sociedade, uma compreensão correta, construída sobre bases temerárias. Tais bases  
que geraram inúmeros desdobramentos posteriores, muitos dos quais, com toda  
certeza, incompatíveis com a grandeza e genialidade de Engels foram sinteticamente  
listadas à abertura do livro, no início do primeiro capítulo:  
As leis da dialética são, por conseguinte, extraídas da história da  
Natureza, assim como da história da sociedade humana (...). Reduzem-  
se elas, principalmente, a três:  
1) A lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa;  
2) A lei da interpenetração dos contrários;  
3) A lei da negação da negação. (ENGELS, 1976, p. 34)  
O que se assiste, a partir daí, é uma elaboração extremamente culta, que  
explicita o enciclopédico conhecimento de Engels a respeito das ciências naturais de  
seu tempo. Em muitos casos, diga-se de passagem, Engels consegue, com sucesso,  
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demonstrar como tais leis “universais” se manifestam nos seres inorgânicos e  
orgânicos e como vêm sendo descobertas pelas ciências naturais.  
No entanto, esse relativo sucesso não esconde os problemas, que, concluo,  
concentram-se em três pontos-chave: 1) Engels transmigra de modo extremamente  
direto (imediato) entre leis da natureza e da sociedade (tendo por eixo comum uma  
dialética lógica universal); 2) Engels reinsere a lógica no lugar da imanência (no  
caso engelsiano, a lógica passa a determinar a verificação empírica e explicar seus  
resultados; lado outro, levada a orientação de cariz epistemológico ao paroxismo por  
seus continuadores, a lógica terminará, finalmente, por servir de fecho coerente à  
explicação, justamente nos pontos onde se ignoram os fatos; em poucas palavras: a  
lógica é chamada a suprir exatamente as lacunas fatuais. Veremos em breve,  
notadamente no Prefáciode 1895, elementos que virão a permitir dita extrapolação);  
3) há, por certo, limitações da própria fase de desenvolvimento das ciências naturais  
no período (final do séc. XIX); ou seja, muitas das explanações de Engels,  
profundamente científicas na conjuntura da elaboração de A dialética da natureza, hoje  
encontram-se superadas nas próprias ciências naturais.  
A aproximação que Engels realiza entre natureza e sociedade, pelas leis da  
dialética, somadas ao modo como (re)avalia (e combate) Hegel, marcadas pelo  
profundo materialismo que orienta suas concepções, não resolvem, em uma leitura  
rápida, questões que se impõe na leitura de suas últimas obras. Quais sejam: em se  
tratando da dialética, estamos frentes a uma realidade apriorística ou Engels  
empreendeu uma generalização lógica? A dialética é objetiva ou metodológica? (ao  
menos neste aspecto, parece-me claro que, para Engels, encontra-se em ambos os  
momentos: na própria realidade e como método. No primeiro caso, sua posição é  
idêntica à de Marx; já no segundo, distancia-se do partner teórico, que empreende,  
como defendeu Chasin [2009, pp. 89 ss.], uma leitura imanente da realidade objetiva,  
a partir do que o autor brasileiro definiu como “teoria das abstrações”; já Engels, por  
seu turno, defende a adoção de uma posição metodológica dialética para a captura da  
dialética objetiva essa posição está clara no texto de 1878 e foi certamente ela que  
impulsionou as discussões posteriores, amplamente difundidas, a respeito do método).  
Seguindo o bloco de questões, não há também como negar a arbitrariedade  
dos exemplos e o modo como estabelecem analogia, muitas vezes de cunho  
homogeneizante, entre realidades tão distintas. E, por fim, sobre as controvérsias a  
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respeito da existência (ou não) de uma dialética na natureza, prefiro abster-me, tendo  
em vista minha ignorância nesta seara.  
Logo, é difícil não concordar com Lukács, a respeito da existência de uma  
tensão entre ontologia e lógica, nos escritos do filósofo de Barmen (LUKÁCS, 2010, p.  
155). De todo modo, duas considerações de Lukács me parecem importantes e  
consoantes ao problema também levantado por Chasin (menos em Engels, é verdade,  
e mais em seus continuadores):  
Na descrição de Engels e mais ainda naquelas que se seguiram,  
parecia tratar-se da existência, sobretudo de um método dialético  
unitário que poderia ser aplicado com a mesma justeza na natureza e  
na sociedade. Segundo a autêntica concepção de Marx, trata-se, em  
contrapartida, de um processo em última análise, mas só em última  
análise histórico unitário, que se mostra já na natureza inorgânica  
como processo irreversível da transformação, de complexos maiores  
(como sistemas solares e “unidades” maiores ainda) passando pelo  
desenvolvimento histórico de cada planeta até os átomos processuais  
e seus componentes, em que não existem fronteiras constatáveis para  
“cima” ou para “baixo”. (LUKÁCS, 2010, pp. 263-264)  
E conclui, muitas páginas a frente:  
A determinação ontológica marxiana da história como característica  
fundamental de todo o ser é uma teoria universal, válida tanto na  
sociedade como na natureza. Mas isso não significa, de modo nenhum,  
a visão amplamente difundida nas últimas décadas, especialmente  
entre os comunistas, de que a concepção total de Marx seja uma teoria  
filosófica abstratamente geral (em sentido antigo), cujos princípios  
gerais, válidos para todo o ser, agora também fossem “aplicados” à  
história e sociedade (no sentido mais estreito e burguês). Com essa  
“aplicação” surge pretensamente a teoria do “materialismo histórico”.  
Assim Stalin tomou posição em sua descrição desses complexos de  
problemas no conhecido capítulo IV da História do partido. Ele afirma:  
“O materialismo histórico é a ampliação dos princípios do  
materialismo dialético para a pesquisa da vida social, a aplicação dos  
princípios do materialismo dialético às manifestações da vida em  
sociedade, à pesquisa da história da sociedade.  
Quanto ao próprio Marx, até onde sei, ele não empregou a expressão  
“materialismo dialético”; naturalmente, fala com frequência em  
métodos dialéticos, e a expressão “materialismo histórico”, que  
aparece com especial frequência em Engels, sempre se relaciona com  
a totalidade da teoria, e nunca significa uma “aplicação” específica ao  
“domínio” da história como esfera particular. Para Marx, que via na  
história o princípio universal de movimento de todo ser, a expressão  
“aplicação” já seria uma contradição com seus próprios princípios  
fundamentais. (LUKÁCS, 2010, pp. 330-331 itálicos do original)  
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2.3.2- Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (1886): da interpretação  
original da dialética à reavaliação da política no Prefáciode 1895  
Escrito em 1886, a convite de Kautsky e Bernstein, em Ludwig Feuerbach e o  
fim da filosofia clássica alemã (ENGELS, 2020), Engels aproveita a oportunidade de  
comentar a tese de Karl Starcke para revistar os manuscritos de 1945/46 (Ideologia  
alemã), fazendo ainda um balanço de sua relação (e da de Marx) com as ideias de  
Feuerbach. Engels também se vale da oportunidade para apresentar uma crítica ao  
neokantismo ascendente. O fato de ter produzido o texto a convite dos dois marxistas,  
pode ter exercido alguma influência na inflexão analítica sobre a política que se  
apresenta na última parte (assim como produziu, no Prefáciode 1895, a demanda  
do Partido Social-Democrata Alemão; prova disso são os trechos escritos por Engels  
sumariamente censurados pelo partido). Todavia, em Feuerbach... nada permite essa  
conclusão liminar, a qual demanda uma investigação mais detida.  
Na primeira parte, Engels realiza um formidável balanço sobre a tensão interna  
do pensamento de Hegel (sistema X método), como ainda situa os debates entre os  
velhos e jovens hegelianos a partir dessa clivagem fundamental. Na segunda parte,  
retoma discussões a respeito do materialismo, explicitando suas insuficiências até o  
séc. XIX, como consequência das próprias limitações das pesquisas no âmbito das  
ciências naturais. Afinal, mesmo os movimentos mais gerais da matéria eram  
relativamente desconhecidos neste campo. Na terceira parte, a abordagem é sobre os  
limites do próprio Feuerbach, creditados ao seu próprio tempo (limitações das ciências  
naturais) e ao seu isolamento (o modo como produziu sua filosofia), mas também  
vinculados a sua própria debilidade em superar o idealismo. Para Engels, Feuerbach  
conserva traços idealistas em sua crítica à religião, na mediada em que não pretende  
“abolir” a religião, mas superá-la por uma religião “humanista”. Os já conhecidos  
problemas de Feuerbach, indicados por Marx (em Ad Feuerbach), também são  
resgatados pelo filósofo.  
Todavia, é a quarta seção que nos interessa mais diretamente. Na última e mais  
controversa parte da monografia, Engels retoma alguns temas como as leis universais  
da dialética (que comparecem com menos destaque do que nos textos anteriores),  
reorienta sua compreensão da política, reafirma a questão da determinação econômica  
em última instância e, por fim, trata da ideologia. Vejamos brevemente tais questões,  
com maior destaque para as duas primeiras.  
No que diz respeito às leis universais da dialética, retomadas de modo sutil,  
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resta claro que a questão não sofreu reformulações. Não há, todavia, uma insistência  
incisiva no tema, o que pode estar relacionado ao fato de Engels já haver-lhe dedicado  
tratamento prolongado em textos anteriores. De qualquer modo, aqui não há guinada  
em sua interpretação neste âmbito. Seu entendimento mais explícito é que a superação  
científica da filosofia (metafísica) da natureza é justamente a demonstração científica  
da dialética da natureza. Engels não abandona a ideia de uma ciência una, capaz de  
reconhecer as leis universais do movimento:  
O que vale para a natureza, que também é reconhecido por meio disso  
como um processo de desenvolvimento histórico, vale também para a  
história da sociedade em todos os seus ramos e para a totalidade de  
todas as ciências que se ocupam de coisas humanas (e divinas). (...)  
Na natureza (...) há somente agenciamentos cegos, desprovidos de  
consciência, que geram efeitos uns sobre os outros e em cuja  
interação recíproca a lei universal tona-se válida. (...) Em contrapartida,  
na história da sociedade, os agentes estão nitidamente dotados de  
consciência, são homens que se propõem a agir com reflexão ou  
paixão, em determinadas finalidades; nada acontece sem propósito  
consciente, sem uma finalidade que seja fruto da vontade. Mas essa  
diferença, por mais importante que seja para a investigação histórica,  
não altera em nada o fato de que o curso da história é regido por leis  
universais. (ENGELS, 2020, pp. 99-101)  
Algo estranha na afirmação, pela tensão entre práxis e leis férreas universais. E  
não se está falando de leis, tais como as apresentadas por Marx em O capital, por  
exemplo. Vimos, antes, tratar-se de leis universais que, de algum modo, estão postas,  
elas mesmas, sobre a própria história e que condicionam seres tão distintos como as  
matérias inorgânicas, orgânicas e o próprio desenvolvimento da consciência leis  
absolutas. Por outro lado, Engels é um homem de ciência, um racionalista radical. E é  
nesse espírito que defende a superação cientifica da filosofia. No entanto, é preciso  
determinar muito claramente aqui, que Engels está tomando a filosofia pela  
“especulação”, ou seja, na estrita linha em que ele e Marx haviam estabelecido Hegel  
como o próprio fim da filosofia. Há absoluta coerência neste aspecto da crítica  
engelsiana, quando compreendida no quadro de sua afirmação. Todavia, suas palavras  
terminaram extrapoladas, vindo a desaguar, não por sua responsabilidade, em um  
cientificismo canhestro no marxismo vulgar.  
Engels também procurou equacionar o lugar do fundamento econômico na  
determinação do conjunto macrossocietário. Em uma rápida passagem onde aborda a  
questão das classes, explicita uma questão aparentemente óbvia, cujo destino foi uma  
vulgarização terrível. O desenvolvimento histórico das classes, trazido em Feuerbach...  
(cf. ENGELS, 2020, p. 109), encontra um encadeamento absolutamente clássico e  
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culmina na afirmação de que “a origem e o desenvolvimento de duas grandes classes  
eram aqui claras e palpáveis a partir de causas puramente econômicas” (cf. ENGELS,  
2020, p. 109); disso, segue-se que “na luta entre burguesia e proletariado, o que  
estava em disputa, em primeiro lugar, eram interesses econômicos, para cuja efetivação  
o poder político devia servir de mero meio” (cf. ENGELS, 2020, p. 109). Ora, toda luta  
e toda formação ideal encontra, em última instância (Engels deixou apenas de frisar  
com veemência “em última instância, mas apenas em última instância!”), uma carência  
humana, como determinação material. Isso, todavia, não é mesmo que ratificar que  
todo e qualquer fenômeno social tenha de encontrar explicações necessariamente  
econômicas. Claro, o problema foi ainda mais embaralhado pelo trânsito fluido de  
Engels entre natureza e sociedade, nos inúmeros exemplos que traz sobre as leis da  
dialética, em diversos momentos de sua obra. A relação exposta por Engels entre “leis  
da dialética” e o fato de que “de acordo com a concepção materialista, o fator decisivo  
na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata”  
(ENGELS apud SARTORI, 2015 p. 129) abriu as portas para que o marxismo vulgar  
tomasse a determinação econômica com uma radicalidade literal e esquemática: toda  
e qualquer análise deveria desaguar, assim, em uma determinação econômica, ainda  
que por atalhos. O marxismo oficial tornou-se sinônimo de economicismo. É evidente  
que esse expediente é completamente alheio às pretensões do próprio Engels e,  
inclusive, não é encontrado nos escritos do autor12.  
Em continuidade, ao menos em Feuerbach..., Engels apresenta ainda uma  
definição mais refinada de ideologia, que terminou unilateralizada. Ao mesmo tempo  
em que, por um lado, a considera como expressão ideal que impulsiona os homens  
para ações práticas, termina por abarcar, também, a concepção de “falsa consciência”,  
sobretudo pelo modo como expõe, sequencialmente, direito, filosofia e religião. Senão,  
12 Pelo contrário, em suas explanações sobre a ideologia, considera Engels (2020, p. 117): “O estado,  
porém, uma vez que se torna um poder autônomo diante da sociedade, logo em seguida produz uma  
ideologia ulterior. Nos políticos de profissão, nos teóricos do direito do estado e nos juristas do direito  
privado, perde-se, sobretudo, a própria conexão com os fatos econômicos. Porque em cada caso  
individual os fatos econômicos têm de tomar a forma de motivos jurídicos para serem sancionados na  
forma da lei (...). Ideologias ainda mais superiores, isto é, ainda mais afastadas do fundamento  
econômico, material, tomam a forma da filosofia e da religião. Aqui, a conexão das representações com  
as suas condições materiais de existência torna-se sempre mais complexa, sempre mais obscurecida por  
elos intermediários. Mas ela existe” (itálicos meus). Bem observado, Engels reafirma a determinação  
econômica, mas não propõe atalhos para alcançá-la. Todavia, devemos reconhecer que a ampla  
publicação das obras de Marx e Engels, hoje, torna mais fácil identificar essas nuances e o sentido –  
nos escritos do autor.  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
vejamos. Em sua primeira abordagem, define:  
O único caminho que pode nos colocar no rastro das leis que dominam  
a história, tanto em geral como em períodos e regiões singulares, é  
averiguar, como fundamentos conscientes de movimento, as causas  
motrizes que aqui se refletem clara ou obscuramente, imediatamente  
ou na forma ideológica, por vezes sacralizada na cabeça das massas  
e de seus condutores, os chamados grandes homens. Tudo o que põe  
os homens em movimento tem de passar por sua cabeça; mas que  
configuração toma nessa cabeça depende muito das circunstâncias.  
(ENGELS, 2020, pp. 105-107 itálicos meus)  
Seu argumento percorre, assim, da política (na revisão que estabelece e da qual  
falarei em breve) ao estado13, do direito à filosofia e da filosofia à religião. Este  
encadeamento é importante, pois ele será simplificado posteriormente e essa primeira  
acepção será abandonada por seus continuadores. Sua crítica do direito, da filosofia e  
da religião, como ideologias, produz, assim adicionalmente, a admissão de que a  
ideologia pode nem sempre refletir fidedignamente à realidade, mas que deve manter  
sua característica ativa:  
Toda ideologia, porém, desde que ela exista, desenvolve-se em  
conexão com o material da representação dado, dá a ele uma forma  
ulterior; caso contrário, ela não seria ideologia, isto é, desenvolvendo-  
se independentemente, submetida apenas às suas próprias leis. O fato  
de as condições materiais da vida dos homens, em cuja cabeça esse  
processo de pensamento avança, determinarem definitivamente o  
curso desse processo, permanece necessariamente inconsciente para  
esses homens, afinal, caso contrário, toda ideologia chegaria ao fim.  
(ENGELS, 2020, p. 119 itálicos meus)  
Vê-se como, aqui, tratando da ideologia a partir da crítica da religião, o  
fenômeno adquire uma clara conotação de falsa consciência. Mais precisamente, a  
intepretação da abordagem engelsiana da religião produziu no marxismo posterior  
uma concepção “sociológica” do fenômeno, passível de eliminação, sem que se  
problematizassem seus condicionantes mais profundos nas relações humanas (como,  
por exemplo, em Marx [2010]). Pôde, dessa forma, o marxismo vulgar produzir um  
encadeamento ao mesmo tempo simplório e pernicioso: à filosofia (enquanto  
idealismo) combate-se com o marxismo (ou seu materialismo dialético); à ideologia  
(como falsa consciência) contrapõe-se à ciência dialética; por fim, contra a religião, o  
materialismo.  
13  
“No estado, apresenta-se para nós a primeira potência ideológica sobre o homem. A sociedade cria  
para si um órgão para a salvaguarda de seus interesses comuns diante de ataques internos e externos”  
(ENGELS, 2020, p. 115).  
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Finalmente, alcançamos a revisão política. Em Feuerbach..., Engels apresenta  
uma posição absolutamente divergente da de Marx. Afirma literalmente:  
Na história moderna, pelo menos, está assim demonstrado que todas  
as lutas políticas são lutas de classes, e que todas são lutas por  
emancipação das classes, apesar de sua forma necessariamente  
política afinal, toda luta de classes é uma luta política , e que giram,  
no fim, em torno da emancipação econômica. (ENGELS, 2020, p. 111  
itálicos do original)  
Para terminar, páginas à frente, afirmando que “a luta da classe oprimida contra  
a classe dominante torna-se necessariamente uma luta política; uma luta, antes de  
tudo, contra a dominação política desta classe” (ENGELS, 2020, p. 115 – itálicos  
meus). É verdade que encontramos em Marx algo parecido; mas “parecido” não é  
“idêntico” e as palavras não podem nos confundir. Apenas para ficarmos com um  
exemplo, em A miséria da filosofia, seguindo as etapas históricas de consolidação da  
organização dos trabalhadores, afirma Marx:  
As condições econômicas, inicialmente, transformam a massa do país  
em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma  
situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, face ao  
capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que  
assinalamos algumas fases, essa massa se reúne, se constitui em  
classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses  
de classe. Mas a luta entre as classes é uma luta política. (MARX, 2009,  
p. 190)  
Encerrasse aqui, teríamos em A miséria da filosofia, de 1847, não apenas uma  
revisão marxiana do problema da política, três anos após seu mais virulento ataque  
contra a mesma, mas ainda uma oscilação, do próprio Marx, em relação ao problema,  
que poderia apontar certa fragilidade resolutiva anterior. Mas Marx avança, de forma  
clara:  
A classe laboriosa substituirá, no curso do seu desenvolvimento, a  
antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e  
seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito,  
já que o poder político é o resumo oficial do antagonismo da  
sociedade civil.  
Entretanto, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma  
luta de classe contra outra, luta que, levada à sua expressão mais alta,  
é uma revolução social. Ademais, é de provocar espanto que uma  
sociedade fundada na oposição de classes, conduza à contradição  
brutal, a um choque corpo a corpo como derradeira solução?  
Não se diga que o movimento social exclui o movimento político. Não  
há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social.  
(MARX, 2009, p. 191-192 negritos do original; itálicos meus)  
As últimas linhas, lidas a partir do elo tônico correto, convergem perfeitamente  
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com as posições contra A. Ruge, nas Glosas marginais ao artigo O rei da Prússia e a  
reforma social, de um prussiano”, de 1844. Aqui, a questão parece sobremaneira clara:  
a política só faz sentido como metapolítica14 (CHASIN, 2000).  
Mas no caso de Engels, ao menos o modo como expõe em Feuerbach..., permitiu  
uma redução de toda a questão à luta política. Vimos, há pouco, que uma má  
interpretação de sua posição levou por uma busca, à fórceps, de todo fundamento  
explicativo da ideologia na esfera econômica; agora, também tomando-se a afirmação  
sem o devido cuidado, podemos concluir que toda a luta de classes, que ao fim e ao  
cabo gira em torno da emancipação econômica (ENGELS, 2020, p. 111), encontra sua  
expressão na luta política (ENGELS, 2020, p. 115).  
Para não se dizer que forço o traço, convido o leitor a apreciar as conclusões  
extraídas de Feuerbach... com aquelas expostas no Prefáciode 1895. Defendi, em  
outra oportunidade (ARBIA, 2017), de modo en passant, que a espécie de mea-culpa  
realizada por Engels em 1895 é uma consequência de sua concepção dialética  
própria15. Noutros termos, na oportunidade afirmei que “o modo como Engels  
compreende e incorpora a dialética rebate diretamente em suas conclusões sobre a  
política” (ARBIA, 2017, p. 431). Também naquela oportunidade, advoguei pela  
consideração do momento histórico em que Engels escrevia: decisivo, para o nosso  
caso, o fato de que, naquele interregno, “de 1890 a 1895, Engels acompanha o  
crescimento exponencial da luta dos trabalhadores pela redução da jornada de  
trabalho para oito horas diárias” (PAÇO CUNHA, 2014, p. 157) e ainda que “o  
deslocamento da intensificação das lutas da França para a Alemanha, onde a social-  
democraciaascendia a passos largos e formava um só grande exército de socialistas’”  
(PAÇO CUNHA, 2014, p. 157). Também consoante com outro texto de Paço Cunha  
(2014a, p. 159), considerei que, passando a largo do “indiferentismo político”, “Engels  
encaminha[va], no prefácio, para uma leitura que [via] na luta parlamentar uma  
substituição ou um caminho (historicamente) mais adequado às velhas táticas de  
barricada’, empregadas na França, na Guerra Civil de 1871” (ARBIA, 2017, p. 432).  
14  
“É necessário não deixar que se confunda metapolítica com desmobilização, recusa à participação  
política ou até mesmo à adesão partidária. (...) Metapolítica como natureza de uma forma de atuação  
política que visa a superar, revolucionariamente, a política e a base social que a engendra. Nesse sentido,  
radical como raiz, e a raiz do homem é o homem” (CHASIN, 2000, p. 54).  
15  
Para uma análise também detalhada a esse respeito, com algumas nuances diferenciais, cf. Paço  
Cunha (2014a).  
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Engels também, mesmo com sua revisão a respeito da adoção tática da política,  
jamais aderiu a uma apologia acrítica do estado. A questão, todavia, é que na virada  
da análise, Engels passa a focalizar ao arrepio das posições de Marx – “a luta política  
como única forma possível de luta para o momento dado, como ainda por sua tomada  
como o modo mais desenvolvido e adequado” (ARBIA, 2017, p. 432). Ou, noutros  
termos, em vez de uma alternativa, a luta política (neste caso, em específico, está  
explicitamente pronunciada a questão do sufrágio no texto de 1895) converte-se,  
naquele período, em substituta da luta direta.  
E é por meio desta posição que Engels corrige a si e ao companheiro teórico:  
“a história não deu razão nem a nós [a ele e a Marx], desmascarando nossa visão de  
então como uma ilusão” (ENGELS, 2012, p. 14), e complementa: “hoje as formas de  
luta de 1848 são antiquadas em todos os aspectos” (ENGELS, 2012, p. 14 itálicos  
meus). Se a admissão engelsiana dos equívocos (seus e, por extensão, de Marx) nas  
análises pretéritas da política não permitem simplesmente acusa-lo de politicismo,  
deixa transparecer, por outro lado, haver bem mais do que uma simples concepção  
linear-evolutiva das táticas: o filósofo de Barmen parece de fato convencido a respeito  
do arcaísmo, “em todos os aspectos” (ENGELS, 2012, p. 14), das formas de luta de  
1848.  
Finalmente, o Prefáciotermina por apresentar uma compreensão da natureza  
do estado e da política relativamente contraditória. Acentuando positivamente, afirma:  
Esse uso bem-sucedido do direito de voto universal efetivou um modo  
de luta bem novo do proletariado e ele foi rapidamente aprimorado.  
O proletariado descobriu que as instituições do estado, nas quais se  
organiza o domínio da burguesia, admitem ainda outros manuseios  
com os quais a classe trabalhadora pode combatê-las. Ele participou  
das eleições para as assembleias estaduais, para os conselhos  
comunais, para as cortes profissionais, disputando com a burguesia  
cada posto em cuja ocupação uma parcela suficiente do proletariado  
tinha direito à manifestação. E assim ocorreu que a burguesia e o  
governo passaram a temer mais a ação legal que a ilegal do partido  
dos trabalhadores, a temer mais os sucessos da eleição que os da  
rebelião. (ENGELS, 2012, p. 22 itálicos meus)  
Esta concepção é de difícil coadunação com a conclusão de que o estado, “em  
todos os períodos típicos, é sem exceção o estado da classe dominante e, de qualquer  
modo, uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada” (ENGELS,  
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2012a, p. 221), expressa uma década antes (1884)16.  
Vista a reinterpretação em suas próprias linhas, permanece o ponto: onde o  
entendimento engelsiano da dialética poderia impactar diretamente em sua concepção  
da política? É difícil, também, responder a essa pergunta de um modo definitivo.  
Todavia, basta que acompanhemos as primeiras cinco páginas do Prefáciopara  
percebermos que Engels expõe novamente, de modo sutil, mas efetivo, sua  
compreensão metodológica: a ideia da “aplicação” da teoria, tanto no Manifesto  
comunista quanto nas análises sobre as lutas de classes na França (ENGELS, 2012, p.  
9); o expediente “derivacionista” do método materialista, a fim de demonstrar que os  
fatos políticos são “efeitos advindos de causas em última instância econômica”  
(ENGELS, 2012, p. 9; 10). Assim, o que percebemos é que, justamente na fase de sua  
vida em que é chamado a esclarecer publicamente o entendimento sobre a dialética,  
Engels traz a público, em conjunto, uma reavaliação da política que, por uma leitura  
mais atenta, não apresenta contradição com o expediente de enquadrar os fatos pelo  
método. Observemos.  
Argumentando a respeito das dificuldades em se avaliar a história  
contemporânea ou seja, os fatos no momento de seu acontecimento , pondera  
Engels:  
Na apreciação de acontecimentos e séries de acontecimentos a partir  
da história atual, nunca teremos condições de retroceder até a última  
causa econômica. (...) A visão panorâmica clara sobre a história  
econômica de determinado período nunca será simultânea, só  
podendo ser obtida a posteriori, após a compilação e verificação do  
material. (...) Por isso, tendo em vista a história contemporânea em  
curso, seremos muitas vezes forçados a tratar como constante, ou  
seja, como dado e inalterável para todo o período, este que é o fator  
mais decisivo, a saber, a situação econômica que se encontra no início  
do período em questão; ou então seremos forçados a levar em  
consideração somente as modificações dessa situação oriundas dos  
próprios acontecimentos que se encontram abertamente diante de  
nós e que, por conseguinte, estão expostos à luz do dia. Por isso,  
nesse ponto, o método materialista com muita frequência terá de  
restringir a derivar os conflitos políticos de embates de interesses das  
classes sociais e frações de classes resultantes do movimento  
econômico, as quais podem ser encontradas na realidade, e a provar  
que os partidos políticos individuais são a expressão política mais ou  
menos adequada dessas mesmas classes e frações de classe. (ENGELS,  
16  
Não examinei aqui em detalhes, como o leitor certamente constatou, A origem da família, da  
propriedade privada e do estado, de 1884. Pretendo, em outra oportunidade, retomar de modo mais  
detido, apenas a questão do estado no último Engels.  
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2012, p. 10 itálicos meus)  
O lugar da economia, aqui, é inegavelmente metodológico: ela ocupa um espaço  
previamente orientado pelo sistema teórico, de determinação, em última instância, de  
todo e qualquer fenômeno. Como afirmei acima, pode-se observar em elaborações  
desse tipo elementos que, posteriormente mal interpretados e distorcidos, servirão de  
justificativa para um expediente amplamente empregado pelo marxismo vulgar: a  
dedução lógica. Bem postado o método, para os fatos ignorados, a lógica fornece a  
argamassa no acabamento da explicação. Liberada a lógica para imiscuir-se nos  
resultados do reflexo/ espelhamento, torna-se extremamente simples, para o marxismo  
vulgar, enredar por atalhos tática e teoria.  
Logo, do que se observa até aqui, não temos razão para crer que, no que diz  
respeito especificamente à política, Engels abandonaria a ideia de aplicação do método  
que organiza os quadrantes da economia e da política para empreender  
exclusivamente uma análise imanente. Mais a mais, como vimos, o método pressupõe  
três leis insuperáveis: transformação da quantidade em qualidade e vice-versa; a lei da  
interpenetração dos contrários e a lei da negação da negação e não há razão para não  
supor que o próprio desenvolvimento do proletariado e de sua capacidade de  
intervenção política estão ligados com grande dose de elementos probatórios a  
uma interpretação da ascensão do movimento de massas e sua atuação, na esfera  
institucional, como uma expressão da “negação da negação” – embora, para que se  
faça justiça, Engels, neste texto, não retome nenhuma referência explícita às leis da  
dialética e tampouco se refira à questão nestes termos.  
Mas há algo além das implicações inerentes à dialética engelsiana. As posições  
de Engels começaram a sofrer interferência ainda em vida do autor. Quando  
observamos o Prefácio, encontramos intervenções efetivas da diretoria berlinense do  
Partido Social-Democrata Alemão, como a censura explícita à sua conclusão de que  
ainda era factível “analisar as chances de alguma luta de rua no futuro” (ENGELS, 2012,  
p. 24 itálicos meus). Tal trecho foi simplesmente suprimido do manuscrito17. Esse  
17 E não foi o único. Há outra supressão que caminha no mesmo sentido: “porventura, isso significa que  
no futuro a luta de rua não terá mais nenhuma importância? De modo algum. Isso significa que, desde  
1848, as condições se tornaram bem menos favoráveis para os combatentes civis e bem mais favoráveis  
para os militares. Uma luta de rua no futuro só poderá ser vitoriosa se essa situação desfavorável for  
compensada por outros momentos. Por isso, no início de uma grande revolução ela ocorrerá mais  
raramente do que em seu decurso e terá de ser empreendida com efetivos bem maiores. Mas, nesse  
caso, estes decerto preferirão o ataque aberto à tática passiva das barricadas” (ENGELS, 2012, p. 26).  
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fator, em meio a outros, oblitera de plano qualquer intenção de incluir Engels, sem  
mais, no revisionismo que se seguiu na II Internacional, dada a complexidade (e muitas  
vezes, ambiguidade) de suas exposições. Todavia, em resumo, como concluí, noutra  
oportunidade:  
Os trechos suprimidos, à luz das conclusões do prefácio em seu  
conjunto, revelam um encadeamento linear-evolutivo das táticas, da  
menos a mais adequada, conforme a própria evolução histórica da  
organização proletária e das contradições da sociedade burguesa. Há,  
pois, uma articulação mais espessa que uma simples crença politicista,  
dimanada diretamente do modo como Engels incorpora a dialética, e  
que, em retorno, não deixa de surtir efeitos importantes em sua  
prescrição das táticas. Os trechos suprimidos, também muito à  
conveniência do Partido Social-Democrata Alemão, mostram certa  
oscilação de Engels quanto às táticas, mas não alteram a tônica do  
prefácio que aponta, em última conclusão e de forma inequívoca, para  
a superioridade da luta institucional, ao menos no que se refere ao  
período histórico considerado. (ARBIA, 2017, p. 436)  
Em síntese: Engels foi a grande inteligência, após o desaparecimento de Marx,  
a articular e difundir amplamente os aspectos do pensamento de ambos. Esclarecendo  
afirmações, editando obras inacabadas de Marx, tomando posição em combates  
políticos, imiscuindo-se, como era de hábito dos dois companheiros, no front do  
debate de ideias de sua época... Engels digladiou contra as vulgarizações do  
pensamento de Marx, encurralou detratores, divulgou, de modo sistemático, o  
pensamento “marxista” no seio do movimento operário (é amplamente sabido o  
significado do Anti-Dühring para a conquista da hegemonia do marxismo no interior  
do movimento de trabalhadores). Posso incorrer no risco calculado de afirmar que as  
proposições de Engels pautaram o debate marxista, pelo menos, até a metade do  
século XX, ainda que o autor não tenha qualquer reponsabilidade sobre as  
interpretações aportadas. Bem separadas as suas contribuições, a originalidade de  
Engels sobressai como um autêntico e virtuoso segundo violino, cuja beleza melódica  
pode ser apreciada também se voltarmos nossa atenção exclusivamente para ele.  
De seu espólio, para bem ou para mal, este conjunto de textos de que tratei,  
intensamente apropriado pelo movimento operário já a partir da II Internacional,  
terminou por encerrar um bloco compreensivo para o marxismo (não necessariamente  
para Engels) que passa pela crítica do senso comum (e da metafísica idealista, como  
sua expressão cientificamente envernizada), pela elevação da dialética com método  
aplicável, pela unidade (dialética, e não pela história, como em Marx) entre leis da  
natureza e da sociedade e, finalmente, pela constituição de uma Weltanschauung  
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proletária, uma cientificidade específica, instrumentalizada para a luta política o palco  
par excellence da luta de classes.  
Notas finais: uma síntese aberta e uma nota  
O que encontramos, portanto, ao final desta exposição é que quatro blocos  
temáticos que permeiam o marxismo do século XX deitam raízes diretamente nas  
elaborações do último Engels (ainda que, parte delas, como uma extrema simplificação  
de suas proposições originais): a ideia de método dialético, a reconsideração a respeito  
da ação política, a determinação econômica em última instância e uma tônica  
essencialmente negativa da ideologia. Nesses quatro grandes pilares, mas não apenas,  
podemos localizar posições autorais de Engels que, ainda que muitas vezes  
convergentes, são distintas das de Marx.  
Chasin não investiu a fundo na discussão das elaborações de Engels em EORM  
(CHASIN, 2009). No primeiro capítulo, o filósofo alemão é citado de relance, em sua  
conexão com Lênin, dada a preocupação primeira em demarcar a ideia do “amálgama  
originário” – que, reitere-se, não está presente em Engels. Vejo duas razões para tal:  
mantendo a coerência com os objetivos do trabalho, Chasin aponta para a gênese de  
um problema que se tornou lugar comum no marxismo18 a leitura terceirizada de  
Marx, responsável por instalar a boataria, a vulgarização e a licença poética na  
interpretação de sua obra ao longo do séc. XX. Em segundo lugar, Chasin está menos  
preocupado em reconstruir a história do erro e mais em indicar o caminho do acerto.  
Noutros termos, a urgência da tarefa impõe, desde logo, “remover o entulho” sobre a  
obra de Marx, deixando que fale por si mesma; neste sentido, Engels exigiria um  
tratamento detalhado para demonstrar sua especificidade autoral, e o desvio do  
caminho principal inviabilizaria o manuscrito.  
A escolha de Chasin não impede, ao contrário, incita, a aprofundar seus  
apontamentos para verificar, de fato, sua precisão. Sua exposição, portanto, é uma  
síntese aberta. Por essa razão, optei por esmiuçar, neste trabalho, uma de suas  
primeiras teses, qual seja, a de que a ideia do “tríplice amálgama” contribuiu muito  
18  
A elaboração original, de tão comum, acabou se perdendo ao longo da história do marxismo. Ao  
resgatar sua origem (na deturpação de Kautsky mas, principalmente, na chancela da autoridade de  
Lênin), Chasin, de certo modo, contribui para esclarecer a força de seu alcance. A deturpação posterior  
alcançou o ponto de encontrarmos em G. Novack, por exemplo, à altura de 1963, a seguinte afirmação:  
“Marx e Engels disseram que sua doutrina é produto de uma reconstrução crítica da filosofia clássica  
alemã, do socialismo francês e da economia política inglesa” (NOVACK, 2006, p. 84 itálico meu).  
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J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”  
mais para ocultar que propriamente para esclarecer a obra de Marx. Ao investigar um  
pouco mais a fundo sua sugestão, deparamo-nos com o fato de que, antes mesmo da  
elaboração do “tríplice amálgama”, que inaugurou uma nova era interpretativa no  
marxismo, as próprias diferenças entre Engels e Marx não podem ser ignoradas, sob  
pena de apagamento e diminuição da própria originalidade de Engels. Marx e Engels  
estabeleceram a mais profícua e longa parceria da história do pensamento; poucas  
vezes se viu, na história da filosofia, tamanha consonância de ideias em dois autores;  
todavia, não se pode perder de vista esse fato elementar: estamos tratando de dois  
autores; e não de apenas um.  
Um rastreamento mais dedicado, a partir das indicações aqui oferecidas (e por  
outros estudiosos que também se dedicam a analisar os escritos de Engels), poderá  
estabelecer conexões mais precisas e detalhadas dos elementos aqui elencados com  
as elaborações marxistas fundamentais ao longo do século XX. Esta uma tarefa,  
portanto, para trabalhos distintos deste.  
Chasin, em verdade, não é o primeiro a apontar a diferença entre Marx e Engels:  
vem na esteira de seu mestre Lukács de quem também se distingue (como se pode  
observar no final do mesmo EORM). No caso de Chasin, uma leitura ainda mais radical  
que a do marxista magiar termina por opor ontologia e epistemologia/ gnosiologia no  
pensamento de Marx. Se Chasin está ou não correto, somente o estudo aprofundado  
e, sobretudo, desapaixonado de suas contribuições poderá dizer.  
Por derradeiro, cumpre-me uma nota. Afinal, uma crítica do “tríplice amálgama”  
terá algo ver, no fim das contas, com a emancipação humana? Assim como em Marx,  
é o problema da emancipação humana que orienta, como fio mais profundo, as  
pesquisas de J. Chasin. Logo, sua posição a respeito do “estatuto ontológico e da  
resolução metodológica” de Marx não é, de modo algum, uma preocupação com o  
simples bom procedercientífico. Sua preocupação com a cientificidade em seu fazer  
objetivo e correto tem repercussões práticas bastante claras. Seu resgate da obra de  
Marx, em sua fidelidade ao autor é, antes de tudo, o resgate de um de seus elementos  
mais decisivos: a anatomia da constituição (histórica) do homem e das possibilidades  
de superação das barreiras que obstaculizam autoconstrução de sua humanidade.  
Na “resolução metodológica” marxiana, a Weltanschauung do trabalho é,  
sobretudo, uma explicitação rigorosa e imante dos fatos tal como são em si mesmos.  
O caráter ontoprático do conhecimento sua função social está dado pela imposição  
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de responder às necessidades humano-societárias, portanto genéricas. Logo, a  
explicitação rigorosamente racional e científica do mundo é herdada pela perspectiva  
do trabalho, não para sua simples instrumentalização política pragmática; pelo  
contrário, trata-se do imperativo de compreensão mais profunda dos fenômenos,  
possibilitando sua desmitificação, a qual termina por permitir uma (teoria da) ação  
coerente e adequada; noutros termos, o conhecimento objetivo do mundo abre  
caminho para uma atuação objetiva no mundo, potenciando a capacidade de  
transformá-lo praticamente. Chasin consegue (re)conectar, em curto espaço, o  
problema do conhecimento e da prática na superação das estruturas que estranham o  
homem. Mas, como sabemos, a superação dos estranhamentos pressupõe, justamente,  
uma revolução social como afirmação universal do homem.  
A retomada do problema da emancipação humana, por Chasin, está  
indissociavelmente ligada à cientificidade marxiana não é possível aderir a uma sem  
a outra. E emancipação humana e política estabelecem uma relação onde a primeira é,  
justamente, uma Aufhebung no sentido de Marx, não de Hegel da segunda. O que  
faz com que a crítica da política de Marx seja de natureza ontológica e não de uma  
simples superação teórica marginal de um elemento do sistema hegeliano.  
Referências bibliográficas  
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Alexandre Aranha Arbia  
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Como citar:  
ARBIA, Alexandre Aranha. J. Chasin e a crítica do “tríplice amálgama”: explorando  
origens e consequências. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 147-182, Edição  
Especial, 2022/2023.  
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 147-182 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.666  
J. Chasin: a ontonegatividade  
da politicidade em Marx1  
J. Chasin: the ontonegativity of politicality in Marx  
Ana Selva Castelo Branco Albinati*  
Resumo: O propósito desse artigo é apresentar o  
trabalho realizado por J. Chasin na elucidação de  
um aspecto central do pensamento de Marx, que  
é a crítica à política. Não se trata só da conhecida  
questão do fim do estado, uma vez que essa se  
coloca no interior de uma determinação mais  
ampla que é a da necessidade, da origem e do  
significado da política, reflexão desenvolvida por  
Marx, que conduz à consequente negação da  
Abstract: The purpose of this article is to  
present the work of J. Chasin in the elucidation  
of a central aspect of Marx's thought, which is  
the critique of politics. It is not just about the  
well-known question of the end of the State,  
since this is placed within  
a
broader  
determination that is the need, origin and  
meaning of politics, a reflection developed by  
Marx, which leads to the consequent denial of  
the politicality as an attribute inherent to social  
existence, an aspect that Chasin seeks to  
explain in the author's work and which is  
fundamental for the rescue of the deep meaning  
of the Marxian proposition, that is, the  
possibility of human emancipation, freed from  
the illusions on which the traditional politics  
conception is based.  
politicidade enquanto atributo inerente  
à
existência social, aspecto que Chasin procura  
explicitar na obra do autor e que é fundamental  
para o resgate do sentido profundo da  
proposição marxiana, qual seja, a possibilidade  
da emancipação humana, desentranhada das  
ilusões sobre as quais se sustenta a concepção  
tradicional da política.  
Palavras-chave: Marx; ontonegatividade da  
politicidade; emancipação humana.  
Keywords: Marx; ontonegativity of politicality;  
human emancipation.  
Introdução  
O propósito desse artigo é apresentar em traços gerais o trabalho realizado por  
J. Chasin na elucidação de um aspecto central do pensamento de Marx, que é a crítica  
à política. Crítica no sentido compreendido por Marx como determinação da função e  
dos limites de uma dada entificação histórico-social. O significado do esforço de Chasin  
está em que ele nos remete à fundamentação ontológica de tal crítica, tratando-a com  
o rigor e o alcance devidos à dimensão e originalidade com que Marx a propõe. A  
compreensão da relação entre a atividade política e a existência social, entre o ser  
1 Versão revista e ampliada do artigo originalmente publicado na Verinotio Revista on line de Filosofia  
e Ciências Humanas Edição Especial, 2008, pp. 47-61.  
* Doutora em filosofia pela UFMG e professora do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade  
Católica de Minas Gerais. E-mail: anaselvaalbinati@gmail.com.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, “30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
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Ana Selva Castelo Branco Albinati  
social e o estado, possibilitada pelos estudos de Chasin permite, aos leitores de Marx,  
o resgate do sentido profundo de sua proposição filosófica, qual seja, a possibilidade  
da emancipação humana, desentranhada dos equívocos e ilusões sobre os quais se  
sustenta a concepção tradicional do sentido e da razão de ser da política.  
A tradição ocidental nos legou, a partir dos gregos, uma concepção da política  
como ciência superior, atividade pautada pelo conhecimento racional que visa o bem  
comum. Tal atividade seria fundada sobre o que seriam os elementos da natureza  
humana que estão envolvidos diretamente na vida em comunidade: a racionalidade e  
a liberdade na determinação de valores, normas e instituições que garantam a vida em  
comunidade.  
Nessa perspectiva, temos o reconhecimento de uma positividade na ação política,  
referida à destinação da política e à suposição de sua qualificação intrínseca para esta  
destinação. Em outros termos, a política é tida como a esfera privilegiada da expressão  
da liberdade e da isonomia humanas, como esfera racional de conformação das  
relações sociais a partir do estabelecimento racional de critérios para uma vida justa.  
A esfera política seria, assim concebida, o elemento por excelência do humano. Essa  
concepção da política permanece ainda hoje como o horizonte ao qual devem se voltar  
as práticas políticas, e resiste a despeito do exercício sempre faltoso em relação ao  
seu conceito. Em outros termos, se as práticas políticas são imperfeitas, isso não é  
suficiente para abalar a confiança na politicidade, entendida como atributo inerente ao  
ser social, e isso parece constituir o núcleo da filosofia política da antiguidade aos  
nossos tempos.  
Mesmo um autor como Maquiavel a quem devemos o grande questionamento  
do sentido da política e do papel do estado na origem da modernidade , ainda se  
inscreve no interior dessa perspectiva, diferenciando-se, no entanto, ao apresentar a  
essência da atividade política em um momento no qual a relação entre o indivíduo e a  
comunidade já se apresentava muito mais cindida e complexa. A questão central para  
Maquiavel era a preservação da unidade de um povo, que ele via ameaçada quando  
do desmoronamento da ordem feudal e das instituições pré-modernas. A corrupção  
decorrente dessa transformação, que corresponde ao declínio da comunidade e ao  
surgimento do indivíduo, leva à necessidade, na percepção de Maquiavel, de uma  
recriação do estado como “demiurgo da sociabilidade”. Como observa Chasin:  
Sua enérgica denúncia e rejeição, sistematicamente reiteradas, do  
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J. Chasin: a ontonegatividade da politicidade em Marx  
presente corrompido, assim como a concepção resolutiva dos choques  
e confrontos que adota, comprovam que não é do realismo com que  
reconhece a desagregação moderna que extrai o polo norteador da  
parte concludente de sua reflexão, mas de uma luz que vem do  
passado, para se transfigurar em suas mãos num claro-escuro  
revelador. (CHASIN, 2000, p. 225)  
O significativo da inflexão realizada por Maquiavel em relação à política é que  
ele desvela o modo de ser da política, agora mais claramente exposto, no que se refere  
à sua relação intrínseca com a forma da sociabilidade. A política é uma intervenção,  
assegurada pelo monopólio do poder e da violência legitimada, sobre as contradições  
da sociedade, sobre as fissuras internas à existência social, de forma a mantê-las sob  
controle.  
Ainda segundo Chasin,  
um dos grandes méritos de Maquiavel foi ter constatado e admitido a  
existência do fenômeno social que, bem mais adiante, recebeu o nome  
técnico de contradição, porém, sob a forma reduzida e  
dessubstanciada do que também posteriormente foi chamado de  
conflito (2000, p. 227).  
Vale dizer que a grandeza de Maquiavel de reconhecer a desunião e a desordem  
como elementos da vida em sociedade, rompendo com a mística da harmonia social,  
recua na medida em que essas não são compreendidas como contradições postas  
historicamente, mas como conflitos diante dos quais não pode haver superação,  
remetidos a uma antropologia naturalista que lhes dá subsistência ad eternum. A  
percepção de uma ordem social pautada sobre contradições, e o remetimento destas  
ao estatuto de conflitos, originários e eternos, próprios da natureza humana,  
possibilitam a Maquiavel a leitura da política como artifício de assegurar a ordem frente  
a seus elementos negadores. Para tanto, a razão política se descola da razão ética,  
baseada na homologia com a harmonia da physis, e ganha os contornos de uma arte  
de estabilizar as contradições. O caráter irresolutivo da política, em relação às questões  
sociais, se manifesta integralmente na reflexão de Maquiavel, assumindo, no entanto,  
uma fundamentação naturalista, de forma que a leitura da realidade empírica de seu  
tempo se ancora sobre uma antropologia do egoísmo como dado irrecusável das  
relações humanas.  
O desenvolvimento filosófico de tal fundamentação se dará em Hobbes, cujo  
pensamento consagra a necessidade do estado como condição sine qua non da  
sobrevivência dos indivíduos e a ideia do estado de natureza como ameaça constante  
que ronda os indivíduos fora do domínio da sujeição ao estado.  
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Hobbes apreende com muita perspicácia o traço característico da modernidade,  
o abandono das hierarquias de uma sociabilidade estamental e o surgimento de novas  
condições que assentam a sociabilidade do capital, quais sejam, o reconhecimento da  
igualdade e da liberdade universal dos homens. É essa igualdade que funda a  
preocupação hobbesiana, razão de conflitos a serem sanados pela vida civil sob o  
controle de um estado forte.  
A questão que perpassa a filosofia política moderna diz respeito à legitimidade  
do poder do estado. Em outras palavras, temos que, a partir de uma constatação da  
necessidade de regulação das contradições sociais, o estado é entendido como esfera  
que dispõe do monopólio do uso legítimo da força para intervir internamente nas  
questões sociais, bem como para garantir a segurança frente às outras nações, como  
afirmará Max Weber. De forma bastante simplificada, a existência do estado se justifica  
pelo reconhecimento das dificuldades de se viver em sociedade. A positividade da  
atividade política está em atuar como uma arte de conformação de conflitos. Portanto  
não há um rompimento na tradição que legitima e considera insuperável a esfera  
política, ainda que essa passe a ser considerada como o lugar do possível, ou em  
outras palavras, o lugar da não-resolução. Mais que isso, a reflexão política  
contemporânea coloca como definitiva a não-resolução das questões sociais, o que  
alicerça a compreensão da política como o campo do possível, compreensão que  
consagrará a crença na “vontade política”.  
O que fica, no entanto, oculto nessa formulação é a razão de ser e o caráter das  
contradições sociais que, em sua incompreensão, são tomadas como parte da condição  
humano-social, entronizando assim, a politicidade como elemento essencial da  
existência social. Negligenciando a relação entre o processo de individuação e a  
autoconstituição do gênero humano, atravessada e conduzida pela particularidade da  
existência social, tal perspectiva pretende estabelecer uma condição humana como  
ponto de partida para a compreensão das contradições sociais e eternizar a esfera  
política como possibilidade única de minimizar as questões sociais.  
A análise de Chasin a respeito desse aspecto central do pensamento de Marx é  
fundamental para a compreensão e crítica do politicismo que viceja, sob diversas  
roupagens, na atualidade.  
A trajetória de Marx rumo à determinação ontonegativa da politicidade  
Esse aspecto fundamental do pensamento de Marx foi exaustivamente trabalhado  
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J. Chasin: a ontonegatividade da politicidade em Marx  
por José Chasin, que procurou trazer à tona a radicalidade da proposição marxiana  
através do termo “ontonegatividade da politicidade”.  
Não se trata só da conhecida questão do fim do estado, uma vez que esta se  
coloca no interior de uma determinação mais ampla e profunda que é a do significado  
da política, e da negação da politicidade enquanto atributo inerente à existência social.  
Em poucas palavras, a atividade política não se assenta sobre uma dimensão  
constitutiva da vida social, nem representa a vocação universalista de uma dada  
essência humana. Em outras palavras, ela não é imprescindível nem como elemento  
superior da relação humano-social, nem como mal necessário.  
A politicidade indica, ao contrário, uma insuficiência da sociabilidade, e não o  
seu corolário. A atividade política, enquanto meio para a regulação social, expressa  
não um mérito, mas um déficit social. Se até então as contradições sociais eram  
compreendidas como conflitos inerentes à condição humano-social, Marx procurará  
compreendê-las em sua gênese, retirando-lhes assim o caráter de necessidade e  
eternidade, para o qual a melhor resposta seria a política. O estado surge como  
resposta às contradições entre interesses privados e interesses coletivos que são, por  
sua vez, oriundos da divisão do trabalho que separa os indivíduos em redutos  
específicos que os impedem de compartilhar de uma forma concreta a universalidade  
do gênero. A questão de que o estado venha a representar um dado conjunto de  
valores e interesses particulares como sendo universal se acrescenta a essa  
compreensão primeira.  
Trata-se para Marx de fazer a crítica da forma da sociabilidade sobre a qual se  
erige a necessidade do estado. Esta trajetória se inicia com a Crítica da filosofia do  
direito de Hegel, texto de 1843, no qual o autor concentra-se sobre os parágrafos da  
obra de Hegel, Princípios da filosofia do direito, que tratam do estado. O texto de Marx  
se compõe de camadas de críticas e considerações a respeito da relação entre  
sociedade e estado, tal como colocada por Hegel, que se assentam sobre uma crítica  
de caráter ontológico, qual seja, a identificação da inversão ontológica que Hegel  
realiza entre o sujeito e o predicado. Isso equivale a dizer que Hegel toma a Ideia  
como sujeito e a realidade como predicado desta Ideia, como já havia sido denunciado  
por Feuerbach.  
Segundo Marx, Hegel "deduziria" a relação entre estado e sociedade civil a partir  
de uma lógica que lhe é imposta de fora. Assim sendo, em Hegel, "a lógica não serve  
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à demonstração do estado, mas o estado serve à demonstração da lógica" (MARX,  
2005, p. 39). O fenômeno político passa a ser uma aplicação da lógica hegeliana, na  
qual a ideia que se desdobra no Espírito objetivo, nas esferas da família e da sociedade  
se recupera, agora plena de determinações, no estado. Sendo a ideia o sujeito, temos,  
segundo Marx, que em Hegel:  
A realidade empírica é tomada tal como é; ela é também enunciada  
como racional; porém ela não é racional devido à sua própria razão,  
mas sim porque o fato empírico, em sua existência empírica, possui  
um outro significado diferente dele mesmo. O fato, saído da existência  
empírica, não é apreendido como tal, mas como resultado místico.  
(2005, p. 31)  
Assim, a crítica ao edifício lógico de Hegel, que tem na filosofia do espírito  
objetivo o estado como ápice, é feita por Marx no sentido de indicar neste  
procedimento a inversão da relação entre ser e ideia, e a mistificação que dela se  
deriva. A crítica ao procedimento especulativo se enlaça à crítica do próprio estado,  
que já se inicia neste texto, vindo culminar numa compreensão absolutamente peculiar  
ao pensamento marxiano do significado da política.  
Se a princípio, trata-se não da recusa do estado enquanto instância de  
universalidade, mas da recusa do procedimento especulativo que qualificaria qualquer  
estado existente como racional e, nessa medida, insere-se a defesa da democracia em  
contraposição ao reconhecimento da monarquia constitucional como expressão  
legítima do estado moderno por Hegel, encontra-se, no entanto, elementos nesse texto  
que já propiciam a ruptura com a determinação da política e do estado como instâncias  
da racionalidade concreta.  
Temos, em Hegel, que o grande mérito do estado moderno é a manutenção das  
particularidades na vida civil e a conciliação de seus interesses na vida política. O passo  
decisivo que Marx dá neste texto é a tematização das razões que levaram  
historicamente a este distanciamento entre interesse privado e interesse público.  
Enquanto o que Hegel identifica como mérito da modernidade, o distanciamento entre  
as esferas civil e política e a conciliação via estado moderno como expressão da ideia  
da liberdade, Marx identifica como produto do desenvolvimento histórico, apontando  
a sua significação contraditória, e a conciliação, a princípio, possível apenas na forma  
democrática.  
Marx contrapõe a democracia à monarquia, atribuindo à primeira forma de  
governo a capacidade de conciliação verdadeira entre os interesses particulares e os  
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J. Chasin: a ontonegatividade da politicidade em Marx  
interesses universais do gênero humano. A relação entre vida civil e vida política se  
torna clara quando Marx afirma:  
Na monarquia, o todo, o povo, é subsumido a um de seus modos de  
existência, a constituição política; na democracia, a constituição  
mesma aparece somente como uma determinação e, de fato, como  
autodeterminação do povo. Na monarquia temos o povo da  
constituição; na democracia a constituição do povo. A democracia é o  
enigma resolvido de todas as constituições. Aqui a constituição, não  
apenas em si, segundo a essência, mas segundo a existência, segundo  
a realidade, em seu fundamento real, o homem real, o povo real, e  
posta como a obra própria deste último. (2005, p. 50)  
A sociedade civil aparece neste texto, mesmo que ainda não em seu contorno  
definitivo, como o polo determinante das relações políticas e jurídicas, em oposição à  
colocação hegeliana do estado como fundamento e síntese das esferas da família e da  
sociedade. Esta reconfiguração da relação sociedade-estado possibilitará a Marx uma  
abordagem radicalmente distinta da de Hegel da política e do estado.  
Na análise marxiana, o estado moderno estaria divorciado da sociedade civil.  
Esse divórcio se traduziria efetivamente na cisão entre o cidadão do estado e o  
indivíduo enquanto membro da sociedade, em sua vida privada. Marx dirá que o  
indivíduo privado não se reconhece na determinação universal abstrata, e o cidadão  
não se traduz na sua realidade empírica. estado e sociedade são então esferas  
antitéticas, na medida em que a primeira é apenas a expressão formal da determinação  
humana, porém vazia de conteúdo e a segunda é a esfera da fragmentação, da vida  
material que não encontra uma vinculação com sua expressão mais genérica. Por isso,  
a conciliação que se pretende via estado não passa de uma conciliação formal.  
Na Crítica à filosofia do direito de Hegel, a superação desta fragmentação se  
daria através da democracia. A continuidade dessa temática nos textos subsequentes,  
no entanto, indica que a própria democracia seria o caso limite desta conciliação via  
estado.  
O ponto ao qual Marx chega é uma reconsideração radicalmente distinta da  
relação entre estado e sociedade, que se coloca na contraposição à consideração  
tradicional acerca da política. A partir da Crítica de 43, o seu foco se desloca para a  
compreensão do movimento da sociedade civil, como base do entendimento da  
relação estado-sociedade.  
De acordo com a análise histórica oferecida pelo autor, a separação entre os  
interesses sociais e os interesses políticos teve sua origem a partir do final da Idade  
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Média. Esta progressiva abstração do estado seria o movimento de descolamento da  
imediatidade do social, decorrente das mudanças estruturais ocorridas na passagem  
da sociedade feudal à sociedade moderna. Na sociedade feudal, identifica-se a  
presença explícita dos interesses privados na esfera política, a constituição política  
traduz de forma imediata a vida civil, marcada por toda sorte de privilégios. Marx  
refere-se a essa situação dizendo que “na Idade Média a vida do povo e a vida política  
são idênticas. O homem é o princípio real do estado, mas o homem não livre”, ou ainda  
caracteriza a Idade Média como “a democracia da não liberdade” (2005, p. 52).  
No movimento histórico de autonomização do político, ocorre exatamente a  
perda dessa referência imediata ao conteúdo social em favor de uma concepção  
representativa e universalista. O estado moderno se caracteriza, segundo Marx, por  
uma relação de exterioridade em relação à vida civil, resguardando a universalidade  
que faltava aos “estados de unidade substancial”, nos quais a tradução da vida civil se  
pautava pela manutenção da desigualdade e dos privilégios privados na esfera política.  
Essa universalidade formalizada na modernidade, no entanto, se relaciona com a  
fragmentação da vida civil moderna de forma semelhante ao que se verifica no  
fenômeno religioso. A constituição política moderna é “o céu de sua universalidade  
em contraposição à existência terrena de sua realidade” (MARX, 2005, p. 51). Questão  
que ele desenvolve em Sobre a questão judaica ao dizer que:  
O estado elimina, à sua maneira, as distinções estabelecidas por  
nascimento, posição social, educação e profissão, ao decretar que o  
nascimento, a posição social, a educação e a profissão são distinções  
não políticas; ao proclamar, sem olhar a tais distinções, que todo o  
membro do povo é igual parceiro na soberania popular, e ao tratar do  
ponto de vista do estado todos os elementos que compõem a vida  
real da nação. No entanto, o estado permite que a propriedade  
privada, a educação e a profissão atuem à sua maneira, a saber, como  
propriedade privada, como educação e profissão, e manifestem a sua  
natureza particular. Longe de abolir estas diferenças efetivas, ele só  
existe na medida em que as pressupõe; apreende-se como estado  
político e revela a sua universalidade apenas em oposição a tais  
elementos. (MARX, 1989, p. 44)  
O estado se mostra como uma esfera de pseudoconciliação, de universalidade  
apenas formal, independente da forma política. Não se trata mais do regime político,  
mas da essência do estado que seria marcada por uma tentativa sempre insuficiente  
de reparação da cisão fundamental advinda da sociedade civil, e que nunca pode ser  
resolvida na esfera política. Marx procura demonstrar a insustentabilidade da tentativa  
de Hegel de unificar os interesses privados da sociedade com o interesse universal do  
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J. Chasin: a ontonegatividade da politicidade em Marx  
estado:  
Hegel não chamou a coisa de que aqui se trata por seu nome  
conhecido. É a controvérsia entre constituição representativa e  
constituição estamental. A constituição representativa é um enorme  
progresso, pois ela é a expressão aberta, não-falseada, consequente,  
da condição política moderna. Ela é a contradição declarada. (MARX,  
2005, p. 93)  
É a fragmentação vivida pelos indivíduos privados que sustenta a universalidade  
idealizada no estado e na figura do cidadão. Marx percebe na política a mesma relação  
“espiritual” que se estabelece entre o céu e a terra, entre o reino da idealidade e o  
campo de batalha dos interesses conflitantes, e daí a sua consideração na Introdução”  
à Crítica da filosofia do direito de Hegel, do estado como sendo a forma profana de  
alienação, nos mesmos moldes que a religião seria a sua forma sagrada. O estado  
proclama uma igualdade e uma universalidade em contraposição à efetiva realidade  
da vida social. De acordo com Marx, esse estado de coisas começa a se revelar não  
como um “acidente” na relação do estado com a sociedade, para o qual, por exemplo,  
a democracia poderia ser o corretivo, mas como a relação real e possível entre a esfera  
política e a esfera social na sociedade moderna.  
Ao contrário da concepção clássica de política, na qual a virtude do estado  
consiste em ser, ao menos potencialmente, o depositário dos princípios universais que  
tornariam todos os homens iguais nos seus direitos e deveres, Marx sustenta que o  
estado se origina exatamente das insuficiências de uma sociedade em realizar em si  
mesma, de forma concreta, estes ideais universalistas, ou seja, de garantir em sua  
dinâmica a igualdade de condições sociais.  
J. Chasin se dedica à recomposição e análise desta trajetória de Marx, em vários  
de seus textos. Na trilha aberta por Marx, Chasin dirá então de uma ontonegatividade  
do estado, cuja presença indica o “caráter antissocial” da vida civil. Essa determinação  
tem caráter ontológico já que se refere à natureza do estado, ao seu “ser-  
precisamente-assim”.  
Mas se é assim, a questão a se enfrentar não é mais a do aperfeiçoamento do  
estado e da política, mas sim a da compreensão do ser social que leva à necessidade  
da política. O reconhecimento do texto crítico de 1843 como sendo o texto de  
transição que marca a ruptura com a tradição idealista se justifica na medida em que  
Marx traz à tona, a partir daí, a existência social como o elemento primário a ser  
considerado em sua relação com o estado, contrariamente à proposição hegeliana.  
Verinotio  
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Como bem analisa Enderle:  
O esforço de Marx em Kreuznach rendera-lhe a preciosa noção de  
"autodeterminação da sociedade civil". Subsistia, no entanto, uma  
grave insuficiência: a contradição entre estado e sociedade civil  
permanecia nos quadros de um problema de ordem política, uma  
deficiência localizada no terreno da "vontade". Imediatamente após a  
Crítica, nos Anais Franco-alemães, Marx tratará de superar essa  
posição. A gênese da alienação política será detectada no seio da  
sociedade civil, nas relações materiais fundadas na propriedade  
privada. Consequentemente, não se tratará mais de buscar uma  
resolução política para além da esfera do estado abstrato, mas sim  
uma resolução social para além da esfera abstrata da política. Na  
Crítica, Marx encontrou seu objeto. Faltava desvendar sua "anatomia”.  
(2005, p. 26)  
Ou seja, a partir de um certo momento do texto de Marx, o estado deixa de ser  
uma presença espiritual, pairando sobre a sociedade civil, e esta "espiritualidade  
universal" passa a ser entendido como uma necessidade vinculada aos interesses  
materiais da sociedade civil. De acordo com Chasin,  
em contraste radical com a concepção do estado como demiurgo  
racional da sociabilidade, isto é, da universalidade humana, que  
transpassa a tese doutoral e os artigos da GR, irrompe e domina  
agora, para não mais ceder lugar, a sociedade civil” – o campo da  
interatividade contraditória dos agentes privados, a esfera do  
metabolismo social como demiurgo real que alinha o estado e as  
relações jurídicas (CHASIN, 1995, p. 362).  
A partir dessa consideração, Marx distingue entre o que seja a "emancipação  
política" e a "emancipação humana", distinção que aponta para os limites da primeira,  
enquanto forma parcial da liberdade, uma vez que  
O estado político aperfeiçoado é, por natureza, a vida genérica do  
homem em oposição à sua vida material. Onde o estado político  
atingiu o pleno desenvolvimento, o homem leva, não só em  
pensamento, na consciência, mas na realidade, na vida, uma dupla  
existência celeste e terrestre. Vive na comunidade política, em cujo  
seio é considerado com ser comunitário, e na sociedade civil, onde  
age como simples indivíduo privado, tratando os outros homens como  
meios, degradando-se a si mesmo em puro meio e tornando-se  
joguete de poderes estranhos. (MARX, 1989, p. 45)  
Resgatadas essas passagens de Marx, podemos compreender melhor o termo  
cunhado por Chasin de uma "determinação ontonegativa da politicidade", que aponta  
no sentido de que a política não é um atributo intrínseco ao ser humano, mas sim que  
ela é gerada como um subproduto de uma sociabilidade “antissocial”.  
Para Marx, cobrar do estado uma efetivação de seu conteúdo universal é cobrar  
a sua extinção, uma vez que ele se sustenta sobre a contradição entre o público e o  
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privado, contradição esta gestada a partir da divisão do trabalho. Desta forma pode-  
se entender o porquê da impotência administrativa do estado frente às mazelas sociais.  
No artigo Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”,  
escrito em 44, Marx, ao polemizar com Arnold Ruge a respeito do sentido da revolta  
dos tecelões da Silésia, introduz uma segunda distinção entre revolução política e  
revolução social, que aprofunda a distinção entre emancipação política e emancipação  
humana. Esclarecendo com mais rigor a gênese do estado, ele dirá que o estado  
descansa na contradição entre a vida pública e a vida privada, na  
contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares. Daí  
que a administração deva limitar-se a uma atividade formal e negativa,  
pois sua ação termina ali onde começa a vida civil e seu trabalho. Mais  
ainda, frente às consequências que derivam do caráter antissocial  
desta vida civil, desta propriedade privada, deste comércio, desta  
indústria, deste mútuo saque dos diversos círculos civis, é a  
impotência a lei natural da administração. Com efeito, este  
desgarramento, esta vileza, esta escravidão da vida civil constitui o  
fundamento natural em que se baseia o estado moderno, do mesmo  
modo que a sociedade civil da escravidão constituía o fundamento  
sobre o qual descansava o estado antigo (MARX, 1987, p. 513).  
Uma vez que o estado moderno se sustenta sobre a sociabilidade marcada pelos  
interesses particulares antagônicos, não se pode esperar dele uma erradicação destas  
mazelas, mas tão somente a eternização delas de maneira administrada, através de  
medidas paliativas. Dessa forma é que Marx argumenta que, mesmo nos países mais  
desenvolvidos politicamente, permanecem essas mazelas sociais. Assim, os bolsões de  
miséria identificados em todos os países modernos são tidos como elementos  
constituintes, para os quais o estado só pode propor a assistência social conjugada  
com a penalidade jurídica.  
Portanto, trata-se de diferenciar o que seja emancipação política, com o seu  
correlato, o estado moderno e a sociedade civil, e o que seja emancipação humana, o  
rompimento da lógica política, com o advento de uma sociabilidade que permita um  
mais pleno desenvolvimento das potencialidades do ser social. Continuando em sua  
argumentação, Marx acrescenta que  
quanto mais poderoso for o estado e mais político seja portanto o  
país, menos se inclinará a buscar no princípio do estado, e portanto,  
na atual organização da sociedade, cuja expressão ativa consciente de  
si e oficial é o estado, o fundamento dos males sociais e a  
compreender seu princípio geral. O entendimento político o é  
precisamente porque pensa dentro dos limites da política. E quanto  
mais vivo e sagaz seja, mais incapacitado se achará para compreender  
os males sociais (1987, p. 514).  
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O aspecto a se ressaltar neste trecho é a determinação das limitações originárias  
do estado, o que determina a impotência não de uma facção ou outra que esteja na  
administração, mas do estado enquanto tal. Se assim for, nenhuma revolução política,  
por melhor intencionada que seja e, portanto, mais vontade política demonstre em  
efetivar uma boa administração, será suficiente para levar a cabo as transformações  
sociais necessárias para dirimir as questões da miséria. A esperança de que a questão  
social possa ser resolvida através da política se baseia, de acordo com Marx, em uma  
incompreensão dos limites da política. E aqui Marx toca numa questão que é muito  
cara aos tempos atuais: a cidadania e a correlata fé na "vontade política".  
Com Marx, nós nos colocamos num terreno absolutamente outro, no qual estas  
noções teriam que ser reavaliadas inteiramente. Não se trata de extrair daqui que Marx  
tenha rechaçado a política, que ele tenha tomado como equivalentes quaisquer  
proposição e ação políticas, ou mesmo tomado como indiferentes quaisquer governos  
ou regimes políticos. Do que se trata é de esclarecer a essência da politicidade, de  
compreender a esfera política em sua gênese, em sua relação com a forma da  
sociabilidade, e em seus limites efetivos, derivados de sua condição ontológica. Ao  
fazê-lo, coloca-se em questão a crença na política baseada na noção de uma "vontade  
política", exatamente porque, como dirá Marx, a crença na onipotência da vontade  
como fundamento da política desvia o foco da questão fundamental, que é a das  
insuficiências da existência social. É por isso que ele afirma que "se o estado moderno  
quisesse acabar com a impotência de sua administração, teria que acabar com a atual  
vida privada. E se quisesse acabar com a vida privada, teria que destruir-se a si mesmo,  
pois o estado só existe por oposição a ela" (1987, p. 514).  
A compreensão da sociedade civil em sua totalidade e sistematicidade passa a  
ser o objeto de Marx, uma vez compreendida a precedência desta sobre o estado e as  
formas jurídicas, de tal forma que a questão se desloca, a partir de Marx, do campo da  
política para o terreno da vida social concreta. Esse aspecto do pensamento de Marx  
é central para a recomposição de sua proposição, segundo Chasin, na medida em que:  
O ser e o destino do homem, que abstrata e, muitas vezes,  
mesquinhamente atravessa a história recente da filosofia, não é para  
Marx meramente aquilo que a pobreza de uso acabou por conferir ao  
termo humanismo; não é um glacê sobre o oco, mas a questão prático-  
teórica por excelência, o problema permanente e constante, que não  
desaparece nem pode ser suprimido. (2000, p. 120)  
Ou seja, a questão central que alinha toda a perspectiva marxiana é a da  
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emancipação humana, que, no entanto, não pode ser reduzida simplesmente a um  
apelo ético ou a uma esperança colocada num horizonte a jamais ser alcançado. Trata-  
se de enfrentar a questão em seu terreno legítimo, o da forma da sociabilidade,  
buscando ali a gênese das contradições, das contrafações, dos impedimentos, dos  
limites, para que desta inteligibilidade, se possa perscrutar alguma alternativa objetiva  
de superação.  
Sabemos o quanto o termo “humanismo” foi questionado ao longo do século XX.  
Assumi-lo como elemento central da filosofia marxiana não se torna, em vista disso,  
uma tarefa fácil. Daí a preocupação de Chasin em discernir o caráter do humanismo  
em Marx. Uma outra questão à qual ele não poderia deixar de responder, correlata a  
esta, diz respeito à persistência ou não de tal temática, a relação entre emancipação  
humana e humana política, no conjunto dos textos de maturidade de Marx. Atento às  
críticas que poderiam surgir em relação à sustentação de uma determinação  
ontonegativa da politicidade em Marx, Chasin cuidou de analisar em textos de sua fase  
de maturidade, a presença e o desenvolvimento dessa questão, de tal forma a poder  
sustentar que tal temática não constitui um mero arroubo de juventude do autor. De  
acordo com a sua análise, se a questão da emancipação humana atravessa a obra de  
Marx como o ponto de convergência de todos os seus esforços, a questão específica  
da relação entre estado e sociedade se encontra presente, sobretudo, na trilogia. A  
guerra civil na França, As lutas de classe em França e O 18 Brumário, recebendo nessas  
obras um desenvolvimento coerente ao que Marx já tratara nos textos anteriores.  
Ao examinar o material preparatório para a elaboração de A guerra civil na  
França, texto de 1871, Chasin chama a atenção para passagens nas quais Marx retoma  
essa temática, aprofundando-a:  
Tanto quanto o aparelho de estado e o parlamentarismo não  
constituem a verdadeira vida das classes dominantes, não sendo mais  
do que os organismos gerais de sua dominação, as garantias políticas,  
as formas e as expressões da velha ordem das coisas, igualmente, a  
Comuna não é o movimento social da classe operária e, por  
consequência, o movimento regenerador de toda a humanidade, mas  
somente o meio orgânico de sua ação. (Apud CHASIN, 2000, p. 95)  
Vê-se nessa passagem que o poder político, ainda que em sua forma  
reconhecidamente superior, como analisa Marx em relação à Comuna, não constitui um  
fim em si mesmo, mas, ao contrário, apenas deve atuar como meio que cria “o ambiente  
racional no qual a luta de classes pode atravessar suas diferentes fases do modo mais  
racional e mais humano” (MARX apud CHASIN, 2000, p. 95).  
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Com o que Chasin conclui que “em suma, à política só cabem as tarefas negativas  
ou preparatórias; a obra de ‘regeneração’, de que fala Marx, fica a cargo inteiramente  
da revolução social” (2000, p. 96).  
Outras passagens deste teor podem ser encontradas nos textos de análise  
política do Marx maduro, nas quais ele se refere ao estado como uma “excrescência  
parasitária sobre a sociedade civil, fingindo ser sua contrapartida ideal” ou ainda como  
“o poder governamental centralizado e organizado, que, usurpador, se pretende  
senhor, e não servidor da sociedade” (MARX apud CHASIN, 2000, p. 159).  
A ação política, orientada para a emancipação humana, não pode, portanto, se  
pautar por uma eternização ou aperfeiçoamento do poder político, mas pela sua  
superação. É a isso que Chasin se refere ao dizer de uma metapolítica, uma política