Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Vitor Bartoletti Sartori
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da burguesia e à consolidação da relação-capital e, com ela, do assalariamento.
O elogio do trabalho produtivo, quando aparece no autor de O capital, dá-se
em termos bastante relativos: confunde-se com a constatação do caráter
progressista da burguesia em determinado momento historicamente limitado
e situado do modo de produção capitalista, o primeiro da história a buscar a
produção pela produção, como reconhecem importantes economistas políticos
como David Ricardo (cf. MARX, 1980). De acordo com o autor de O capital, os
defensores desta forma de trabalho são, sobretudo, os grandes pensadores da
economia política, como Smith e Ricardo (cf. SARTORI, 2018b). Este último,
seria, no limite, cínico, mas expressaria o cinismo da própria realidade
capitalista, sem falsificá-la
8
. A defesa do trabalho produtivo, assim, é uma face
da consolidação do modo de produção capitalista. Este, em seu momento
ascendente, coloca-se contra a nobreza e sua improdutividade, ligada à
burocracia estatal e à propriedade fundiária. Diz Marx sobre tal contexto:
Eis aí a linguagem da burguesia ainda revolucionária, que até então
não subjugara a sociedade toda, o estado etc. Essas ocupações
transcendentes, veneráveis, a de soberano, juiz, militar, sacerdote
etc., junto com todos os velhos grupos ideológicos que geram, os
eruditos magistrados e padres, equiparam-se, no plano econômico,
à turba de seus próprios lacaios e bobos, sustentados por eles e pela
riqueza ociosa, aristocracia fundiária e os capitalistas desocupados.
São meros servidores da sociedade, como os outros são seus
servidores. Vivem da atividade de outras pessoas, e portanto têm de
ser reduzidos à quantidade imprescindível. Estado, Igreja etc. só têm
justificativa como organizações para superintender ou gerir os
interesses comuns da burguesia produtiva; e seu custo, por
pertencer às despesas acessórias da produção, tem de ser reduzido
ao mínimo indispensável. Essa ideia tem interesse histórico e está
em contradição aguda seja com o modo de ver dos antigos, para os
quais o trabalho produtivo de coisas materiais traz o labéu da
escravatura e é considerado apenas pedestal para o cidadão ocioso,
seja com a concepção inerente à monarquia absoluta ou
constitucional aristocrática surgida nos fins da era medieval,
concepção expressa com toda candidez por Montesquieu, ele mesmo
dela cativo, nesta frase (VII, cap. IV, Esprit des lois): "Se os ricos não
8 Desde a Miséria da filosofia Marx ataca o utopismo proudhoniano, ao destacar o cinismo de
Ricardo; o último traria uma abordagem burguesa e científica, ao passo que o primeiro, não:
“a teoria dos valores de Ricardo é a interpretação científica da vida econômica atual; a teoria
dos valores do Sr. Proudhon é a interpretação utópica da teoria de Ricardo. Ricardo verifica a
verdade da sua fórmula derivando-a de todas as relações econômicas. E assim explica todos os
fenômenos, inclusive aqueles que, à primeira vista, parecem contradizê-la, como a renda, a
acumulação de capitais e a relação entre salários e lucros; e é isto, precisamente, que faz da
sua doutrina um sistema científico. O Sr. Proudhon, que redescobriu esta fórmula de Ricardo
através de hipóteses inteiramente arbitrárias, vê-se compelido, ulteriormente, a procurar fatos
econômicos isolados, que violenta e falsifica. Para fazê-los passar por exemplos, aplicações já
existentes, realizações iniciais da sua ideia regeneradora” (MARX, 1989, p. 54).
Posteriormente, principalmente nas Teorias do mais-valor (1980), Marx criticará a teoria do
valor de Ricardo e de Smith.