João Paulo Galhardo Brum
mundo”, afirma o próprio Goethe em um colóquio com Eckermann; e
em um posterior, de 17 de fevereiro de 1831, insiste expressamente
sobre a novidade representada pelo aparecimento, na segunda parte
do Faust, de um "'mundo mais alto, mais amplo, mais sereno" em
relação àquele da primeira, “ainda quase de todo subjetivo”. (OLDRINI,
2023, p.367-8).
Com essa abertura ao “grande mundo”, Chaplin, segundo Oldrini, se equipara
no cinema ao que Thomas Mann é na literatura do século XX, pois a grandeza artística
de qualquer artista realista, como os dois, se manifesta “na conexão que permite,
através da paridade evocativa da forma, com a autoconsciência da humanidade, ou
seja, com os problemas, para o homem, decisivos, emergindo do fluxo histórico geral
da realidade (da sociedade).” (OLDRINI, 2023, p.370). Se manifesta também na
unidade do cômico com o trágico, um se mesclando com o outro e oferecendo, dessa
forma, uma “resposta humanista às dilacerações do presente.” (OLDRINI, 2023, p.373).
Ambos os autores foram obrigados, após o fim da Segunda Guerra, a reavaliar a
sociedade burguesa, reafirmando os valores humanistas de ambos e elevando suas
obras ao nível do realismo crítico. E é a defesa da integridade do homem, de sua
dignidade frente às contradições do capitalismo, característica do realismo crítico
burguês no qual se encontra Mann, que marcam também a última fase de Chaplin:
Agora, quanto mais Chaplin se move nesta direção, quanto mais se
alarga o horizonte de seu mundo, quanto mais resolutamente ele
também escapa da "genial anedota" de seus trabalhos pré-bélicos e
do “pequeno mundo" das experiências do personagem de antes,
passa, ou tende a passar, a experiências de significado universal, isto
é, ao "grande mundo" da objetividade no sentido de Goethe
(passagem que representa também, não por acaso, o nó problemático
central do contemporâneo Doktor Faustus, de Thomas Mann), tanto
mais se confirmam os traços realistico-objetivos de sua poética,
sempre em antítese ao subjetivismo parasitário da decadência e à
poética da arte de vanguarda: recusa da deformação pela deformação,
incessante vontade de se confrontar com os problemas da realidade
social, capacidade de compreender e representar artisticamente, para
além de todo mesquinho ‘realismo' confinado à reprodução do
cotidiano, da média, dos nexos reais essenciais, e assim por diante.
(OLDRINI, 2023, p.368-9).
O que Chaplin consegue fazer com o seu Verdoux é criar um outro personagem
que vai além do típico vagabundo, mas que em um único filme é capaz de representar
um novo tipo, o de um típico vigarista que enxerga na maleabilidade das regras do
capitalismo uma possibilidade de ascensão social. O que a figura de Verdoux
representa é a crise e as contradições da sociedade burguesa, demonstradas a partir
de um único indivíduo cujas ações tipificam a conduta geral de “cada um por si”, “a
fim de retratar na experiência de uma catástrofe individual a perspectiva para a correta
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 335-360 – jul.-dez., 2024
nova fase