Edição especial  
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A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.756  
EDITORIAL  
Essencial é enterrar os mortos: os cadáveres  
insepultos e o vampirismo da esquerda diante do  
passado  
Vitor Bartoletti Sartori*  
A presente edição vincula-se à futura republicação de A miséria brasileira, de J.  
Chasin. A opção da Verinotio de dar seguimento ao projeto de disponibilização das  
obras completas do filósofo paulista se explica pela busca por, simultaneamente,  
viabilizar a consulta a textos fundamentais para sua própria época e intervir ativamente  
no debate das ideias do presente.  
Por essa razão, a retomada de teorizações de Chasin, clássicas acreditamos –  
para o marxismo nacional, não configura uma atitude laudatória ao pensamento do  
autor de O futuro ausente, mas o destaque de possíveis pontos de partida para a  
compreensão das determinações da especificidade do capitalismo brasileiro. Em  
palavras distintas e explicitando as consequências de nosso raciocínio: ao mesmo  
tempo em que a simples transposição das posições chasinianas para o presente é  
inviável e anacrônica, devido às transformações que ocorreram no sistema capitalista  
de produção (com as consequentes mudanças na circulação, distribuição etc.) e em  
nosso capitalismo de via colonial, ignorar ou silenciar sobre o filósofo paulista deixa  
aberta uma grande oportunidade para a reiteração dos descaminhos da esquerda, em  
particular do marxismo tupiniquim.  
***  
Um tema primordial para a obra chasiniana é a derrota das revoluções que,  
* Mestre em história social pela PUC-SP, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela USP, professor  
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: vitorbsartori@gmail.com. Orcid: 0000-0001-  
9570-9968.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Vitor Bartoletti Sartori  
grosso modo, deram a tônica da história de 1848 até 1989. Assim,  
retrospectivamente, é imprescindível constatar que esses acontecimentos conformam  
o que havia de mais grandioso do passado; eles também foram dotados de um papel  
formativo vital para as gerações pregressas de intelectuais e de militantes socialistas.  
Contudo, como até mesmo os mais limitados marxistas sabem, uma revolução dos  
tempos atuais independentemente de sua conformação concreta e de suas  
determinações não pode retirar sua poesia do passado. Por conseguinte, o futuro da  
esquerda também depende de seu acerto de contas com os eventos e com as  
teorizações pretéritas. Assim, a impossibilidade de não exime pelo contrário a  
esquerda de uma investigação criteriosa sobre as razões das derrotas das lutas da  
classe trabalhadora e, particularmente, das lutas socialistas. Ademais, tal estudo não  
nos desobriga de apreender a diferença específica entre as distintas épocas,  
dessemelhança que torna inviável quaisquer transposições do passado ao tempo  
presente.  
A investigação do passado revolucionário constitui parte do entendimento  
necessário de nosso tempo, até  
o
presente momento, efetivamente  
contrarrevolucionário. E, assim, o cardápio de estudos imprescindíveis é vasto e  
poderia incluir, para que mencionemos somente acontecimentos mundiais: a retomada  
das derrotas de 1848 nos países europeus (e não só na França); os estudos sobre  
revoltas agrárias da mesma época em países como a Polônia; a análise crítica, e não a  
celebração apoteótica, da Comuna de Paris e da Internacional Comunista; o  
entendimento post festum sobre os limites da Revolução Russa e da  
interessantíssima década de 1920; a compreensão sobre a década de 1930, a derrota  
do movimento comunista, a ascensão do nazifascismo e da miséria ideológica  
irracionalista a ele relacionado; a percepção sobre a degeneração da revolução  
soviética sob Stálin e sob o stalinismo e a emergência da guerra fria; o reconhecimento  
da crise do marxismo como ideologia de massas já no último quarto do século XX,  
dentre muitos outros temas. Mencionamos esses eventos vitais porque, depois que um  
tempo tem seu termo, é factível olhar para o passado sem as ilusões que lhe eram  
características e, assim, torna-se uma tarefa indispensável identificar os mortos e os  
enterrar de modo próprio, com as devidas honras e críticas. Por conseguinte, como  
temos tentado salientar, a mirada para o passado é também parte da necessária  
retomada da perspectiva e da posição de esquerda.  
O olhar retrospectivo deve, entretanto, investigar sobretudo as (auto)ilusões e  
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as limitações subjetivas e objetivas que levaram às derrotas da esquerda, sem qualquer  
romantismo. Dotada do realismo daqueles que reconhecem tanto a própria miséria  
teórica e prática quanto a urgência da apreensão das contradições do presente, é  
primordial tomar uma posição declaradamente socialista após derrotas duras, que  
tornaram o capitalismo o horizonte atual. Queremos, então, como herdeiros de Chasin  
que somos, reiterar desde logo nossa profunda convicção acerca da necessidade e da  
possibilidade histórica da revolução social, posição a partir da qual são feitas as críticas  
a seguir.  
Se seguirmos as posições defendidas por Marx já na década de 1840, a perda  
das ilusões é a maior vitória que um movimento de massas pode angariar depois de  
seus revezes. Em seu Lutas de classes na França, o autor foi muito claro ao tratar das  
Jornadas de Junho. Para ele, a revolução estava morta. Ela havia sido derrotada. No  
entanto, o fruto de tal evento não estava consubstanciado somente no retrocesso do  
movimento dos trabalhadores, mas na abertura dos horizontes decorrente da perda  
das ilusões. Nesse sentido, o autor conclamou com todas as letras: “a revolução  
morreu! Viva a revolução”! O próprio Marx, portanto, foi obrigado a reconhecer de  
modo claro a derrota da classe trabalhadora na sua primeira aparição revolucionária  
na cena pública. Mais do que isso, identificar os revezes sofridos pela classe  
trabalhadora foi condição sine qua non para o desenvolvimento da prática e da teoria  
marxianas. Por conseguinte, na obra do autor, bem como na de Engels, havia uma  
incontornável unidade entre a análise conjuntural, a teorização sobre as lutas de  
classes e a política, sobre as limitações do estado e do direito e, em primeiro e principal  
lugar, sobre a crítica da economia política. A tão aclamada correlação entre teoria e  
prática teve por base a mencionada vinculação.  
Da mesma forma, na primeira geração de marxistas do movimento comunista –  
aquela de Lênin e Rosa Luxemburgo , mesmo com nuances distintas, a mesma  
unidade de teoria e prática também dá a tônica. O desenvolvimento do capitalismo na  
Rússia e Acumulação de capital são grandes obras, indissociáveis tanto dos textos de  
intervenção dos autores (como Que fazer? e Reforma ou revolução?) quanto da  
atividade política dos melhores militantes de uma geração. Ainda sobre o caráter  
primordial da crítica da economia política, podemos destacar em uma geração mais  
recente de marxistas, aquela posterior à II Guerra Mundial, obras como Capital  
monopolista e Capitalismo tardio, respectivamente de Paul A. Baran e Paul Sweezy e  
de Ernst Mandel, são vitais. Nesses casos, porém, a unidade entre a atividade prática  
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da política e a teorização das categorias econômicas da sociedade capitalista estava  
marcada por muitos matizes suplementares, se comparada com a geração de Lênin e  
de Rosa. Não buscamos elencar todos os grandes marxistas do passado, contudo, a  
simples amostragem que mencionamos acima é suficiente para expressar o quanto o  
movimento comunista foi profícuo no que diz respeito ao desenvolvimento de uma  
crítica da economia política que fundamentasse as posições políticas de seu tempo. A  
grandeza da produção teórica mencionada também chama a atenção, principalmente,  
ao adotarmos a perspectiva contemporânea do marxismo.  
A tradição marxista tem nesses autores verdadeiros clássicos da crítica da  
economia política. Trata-se de gigantes cujos ombros dão apoio às gerações seguintes.  
Porém, pelo que dissemos, a unidade da teorização desses autores com o movimento  
comunista não resultou no triunfo das revoluções que vão de 1848 a 1989. Antes, a  
vinculação do proletariado revolucionário segundo Engels, herdeiro da filosofia  
clássica alemã com a intelectualidade comunista redundou tanto em acontecimentos  
grandiosos quanto no dolorido fracasso do movimento de massas que deu a tônica da  
esquerda até pouco tempo.  
Os séculos XIX e XX foram aqueles em que o aviltamento da força de trabalho  
e, em específico, daquela pertencente ao proletariado da grande indústria trazia  
como potencialidade a superação do capitalismo. Ou seja, cada crise do capitalismo  
portava em seu ventre a possibilidade de emergência do novo, de modo que ao  
menos assim se pensava o socialismo era uma possibilidade concreta. Em outras  
palavras, a potência do movimento comunista fundamentou-se no fato de a própria  
sociedade capitalista propiciar a emergência de uma classe social interessada na  
mudança substancial do modo de produção. Tal movimento também se apoiou na  
circunstância de as crises capitalistas expressarem tanto o anacronismo da apropriação  
privada da produção quanto o surgimento de formas de produção que eventualmente  
poderiam ter por base a confluência entre o desenvolvimento das forças produtivas e  
relações de produção assentadas na organização dos trabalhadores livremente  
associados. Hoje, porém, talvez vivamos em uma época distinta, em que as crises não  
engendram de imediato tais potências, mas a reposição, em escala ampliada, dos  
pressupostos do próprio capital. Por essa razão, em oposição ao passado  
revolucionário da esquerda, Chasin denomina sua época o que, entendemos, é  
perfeitamente adequada também para o presente momento de tempo das crises, a  
época em que, momentaneamente, as contradições no sistema capitalista de produção  
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deixaram de dar ensejo ao socialismo como possibilidade concreta. Nesse sentido, há  
mudanças substanciais, que precisam ser reconhecidas.  
Tal posicionamento chasiniano lança luz sobre um fato que deveria ser evidente.  
A esquerda, nós inclusos, ainda tiramos a poesia do passado. Ademais, não é raro que  
tentemos realizar o exercício pueril de buscar aquilo que poderia ter sido e que não  
foi no passado revolucionário, em especial o soviético. Somos herdeiros de grandes  
homens e mulheres, bem como de um movimento ligado a acontecimentos  
revolucionários sem igual. Contudo, vivemos sob a sombra de um passado que se foi  
e de revolucionários cujo ímpeto autocrítico nos é escasso. O movimento comunista  
do passado era profícuo na busca por programas econômicos, por mais problemáticos  
que eles tenham sido. Nós, por outro lado, ainda nem sequer conseguimos apreender  
as razões que consignaram a falência daquilo que foi entendido como economia  
socialista. Ou seja, vivemos no presente tanto eclipsados pela grandiosidade dos  
revolucionários do passado quanto pelos problemas das formulações teóricas e de  
suas práticas, as quais, como sabemos, mesmo que de modo sinuoso, redundaram em  
derrotas estarrecedoras, ainda não digeridas adequadamente por nós. A única  
vantagem dos revezes é que eles poderiam propiciar a potencial perda das ilusões,  
mas, infelizmente, não são raros entre nós os que nutrimos a ficção segundo a qual é  
possível simplesmente retomar os tempos áureos do marxismo e do movimento  
comunista.  
***  
Não se trata de reviver fatos e lutas derrotadas, mas de analisar as condições  
que levaram à derrota histórica da perspectiva do trabalho. De um lado, isso implica  
realizar uma crítica da economia política voltada à figura atual do capitalismo  
contemporâneo e, bem assim, buscar formas de organização correspondentes a tal  
investigação e que possam dar ensejo a uma adequada atividade (meta)política. De  
outro, reconhecer as insuficiências presentes mesmo nos melhores homens e mulheres  
que balizam nossas reflexões teóricas e que, inegavelmente, fizeram parte da falência  
do projeto socialista do século XX. Por todas essas razões, retirar a poesia do futuro  
significa destituir as ilusões do passado e apreender as determinações das relações  
de produção do presente de modo rigoroso para, então, poder transformá-las de  
acordo com as suas potencialidades latentes.  
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Tal contatação é, no entanto, quase uma tautologia. Em verdade, ela depende  
de condições práticas e teóricas, as quais sempre conformam o essencial da questão.  
Acerca do assunto, primeiramente, é visível que já nas décadas de 1980 a 2000,  
mas ainda mais hoje o marxismo e a esquerda como tal são meras sombras do que  
já foram.  
A estatura de Lênin, Rosa, Baran, Sweezy e Mandel é incomparável com a dos  
envolvidos com a crítica da economia política de hoje. Correlacionadamente, adite-se  
a pobreza de horizontes da esquerda contemporânea, a qual, no que é fundamental,  
oscila entre procurar enterrar qualquer perspectiva emancipatória e buscar preservar  
as ilusões do passado. Ou seja, o que é crucial a ser entendido parece nos escapar.  
Reafirmar os princípios basilares do marxismo pode ser fundamental, mas seria  
demasiadamente nominalista acreditar que basta a enunciação de categorias fundantes  
da crítica à economia política para que o marxismo e a perspectiva de esquerda  
novamente se encontrem sobre os próprios pés. Ironicamente, o marxismo corre o  
risco de buscar, com Austin e pensadores dos mais idealistas possíveis, “fazer coisas  
com palavras”.  
Certamente, podemos enumerar grandes autores em tempos recentes, como R.  
Kurz e I. Mészáros, por exemplo. No entanto, é visível em suas teorizações certa pressa  
em oferecer respostas à nova situação do sistema capitalista de produção. Ambos, por  
vezes, caem em raciocínios catastrofistas, em que, por exemplo, no autor de Para além  
do capital, a chamada “crise estrutural do capital” faz crer num capitalismo em estado  
terminal. A coragem de ambos os autores é admirável, já que reafirmam reiteradamente  
a necessidade de supressão do valor, do capital e do estado. Mas, em suas obras, é  
escasso o uso de estatísticas e de análises concretas e há disposições afetivas  
extremas: de um lado, certo pessimismo incondicional de Kurz e dos membros do  
grupo Krisis e, de outro, certo wishfull thinking de Mészáros, que não deixou de render  
elogios acríticos ao chamado “socialismo de século XXI”, da Venezuela chavista. Ou  
seja, Kurz reconhece a derrota da esquerda, mas acaba quase enterrando a perspectiva  
da esquerda junto com os mortos de ontem; sob outro enfoque, são notáveis as  
dificuldades do autor húngaro de identificar que, ao fim, a esquerda de nosso tempo,  
para que se diga com Chasin, está morta e vaga como um cadáver insepulto.  
Ainda seria possível elencar os herdeiros da tradição teórica de Sweezy e Baran  
como importantes para o marxismo contemporâneo. John Bellamy Foster e Fred  
Magdoff, ao contrário de Mészáros e Kurz, são pródigos no tratamento de situações  
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concretas da economia capitalista. Porém, tal qual seus ascendentes intelectuais,  
tendem a utilizar uma terminologia keynesiana em momentos decisivos da apreensão  
das determinações da realidade. As difíceis análises da realização do mais-valor dão  
lugar à tematização sobre a demanda efetiva, por exemplo e, assim, a desenvoltura  
empírica dos autores ligados à Monthly Review convive com certa aproximação  
somente tangencial com os grandes temas de Mészáros e de Kurz, como a teoria do  
valor, a supressão do estado e da relação-capital. Ou seja, não é porque se apontam  
elementos importantes do capitalismo contemporâneo que a figura atual desse modo  
de produção foi realmente compreendida.  
Não obstante os inúmeros méritos de importantes marxistas da atualidade,  
trata-se de uma teorização típica de um tempo circunscrito por um futuro ausente. É  
imprescindível que isso seja reconhecido de pronto. Trata-se do tempo das crises,  
inclusive, da crise da própria esquerda.  
Seguramente, poderíamos elencar muitos outros importantes autores marxistas  
contemporâneos, e não é possível descartar de antemão os ganhos de suas  
investigações. Porém, o tempo das crises não tem permitido que haja um efetivo  
entrelaçamento entre a crítica da economia política e o desenvolvimento de um projeto  
econômico e político socialista. Na ausência de um sujeito social interessado na  
mudança substantiva da produção social, e na medida em que se oscila entre a pressa  
na apreensão da novidade do estágio atual do desenvolvimento capitalista e o recurso  
a um passado que não nos serve mais, o marxismo e a esquerda em geral estão em  
uma posição defensiva inédita em sua história.  
É verdade que, enquanto o capitalismo perdurar, a perspectiva da esquerda  
subsiste e a imprescindibilidade de uma posição socialista é igualmente atual.  
Contudo, uma condição para que a esquerda possa voltar a ser uma força real é o  
reconhecimento de sua derrota e de sua morte, até mesmo porque tal reconhecimento  
possibilita a renúncia a reescrever em forma de pastiche a prosa do passado. Se as  
teorizações pretéritas não se prestam mais a se apoderar das massas e se os  
marxismos mais contemporâneos (o nosso e o de Chasin inclusos, por óbvio) são  
insuficientes, identificar tal circunstância é um passo somente inicial, mas  
indispensável.  
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Até agora, apontamos que o futuro está ausente e evidenciamos a  
imprescindibilidade do reconhecimento, de nossa parte, de que, ao fim e ao cabo, a  
esquerda está morta. Assim, ainda não nos posicionamos propriamente sobre nosso  
país e a miséria brasileira, o que constitui tarefa basilar para aqueles educados em  
uma tradição que se recusa a subsumir as formações sociais específicas às  
determinações mais universais de um determinado modo de produção. Em outros  
termos, deve-se apreender a posição do Brasil no tempo das crises, quando a esquerda  
está morta e, para isso, é crucial captar alguns elementos basilares da conformação  
atual da miséria brasileira.  
Nesse sentido, um elemento vital para a tese da via colonial para o capitalismo  
é ser o capitalismo brasileiro. não só incompleto, mas incompletável. Nesse sentido,  
Chasin destacou n’A miséria brasileira que, se o capitalismo tardio alemão pode  
desenvolver-se plenamente por meio da brutalidade militar imperialista, o capitalismo  
tupiniquim, híper-tardio, subordina-se tanto às potências imperialistas de via clássica  
quanto às potências de via prussiana, o que determina sua atrofia. A consequência de  
tal raciocínio é que, na via colonial para o capitalismo, a burguesia nacional possui  
tanto atributos essencialmente antidemocráticos e antipopulares quanto um ímpeto  
prático subserviente diante dos imperativos da reprodução do capital transnacional,  
da qual mendiga migalhas. E, por essas razões, o capitalismo verdadeiro, amparado  
no ciclo completo da industrialização, no incremento de forças produtivas e na  
formação de um robusto mercado interno, é inviável no Brasil.  
Uma problemática essencial sobre o tema gira em torno da persistência da via  
colonial, ou de seu eventual encerramento, como chegou a indicar Chasin em alguns  
de seus textos tardios. As seguintes questões se colocam na ordem do dia: a inserção  
do Brasil no mercado mundial a partir dos governos FHC seria uma determinação que  
tornaria anacrônica a noção de via colonial? Depois dos governos do PT e hoje, qual  
a posição da esquerda nacional diante do capitalismo do tempo das crises?  
Com o objetivo de responder a tais questões, e na esteira do que já foi lembrado  
neste Editorial, em princípio, salienta-se que a unidade entre crítica da economia  
política e elaboração de um programa econômico elemento basilar da concepção  
marxista apareceu nas principais elaborações da esquerda nacional somente de  
modo tangencial e subliminar. É possível mencionar pensadores de grande valia, como  
Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes e, complementamos, o  
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próprio Chasin, que foram responsáveis pela elucidação de aspectos notáveis do  
capitalismo nacional e da configuração econômica dessa formação social. Inobstante,  
não há neles, no geral, uma unidade consciente, explicitamente elaborada, entre  
processo imediato de produção, processo de circulação e as figuras do processo global  
de produção, para que se use a dicção de O capital de Marx. Ou seja, o patamar  
alcançado pelos melhores pensadores da crítica nacional esteve aquém dos clássicos  
do marxismo e, em especial, daqueles amparados pela teorização sobre a crítica da  
economia política. Há também autores que abordaram diretamente tal problemática,  
como Ruy Mauro Marini e os teóricos ligados à teoria marxista da dependência,  
contudo, em verdade, eles ainda estão sendo resgatados do esquecimento no qual  
estiveram lançados e ainda há, portanto, que analisar o acerto e o saldo qualitativo de  
suas análises.  
Consequentemente, ainda que consideremos os melhores marxistas nacionais,  
como os citados, as determinações mais basilares do sistema capitalista de produção  
abordadas na obra magna de Marx não puderam ser interrelacionadas  
cuidadosamente e de modo a se realizar uma leitura da peculiaridade do capitalismo  
nacional que propiciasse uma unidade sólida entre crítica da economia política,  
programa econômico e estratégia política.  
Ademais, verdadeiramente, os autores mencionados podem até mesmo ter feito  
parte de agremiações políticas, como o PCB e o PT, mas foram secundarizados nesses  
partidos, em que, não raro, prevaleciam, respectivamente, teorizações vulgares do  
marxismo e uma abordagem politicista e eclética da realidade nacional, elaborada pela  
nata da intelectualidade universitária de esquerda, alocada na Universidade de São  
Paulo. Assim sendo, os grandes autores do marxismo nacional não ditaram os rumos  
da perspectiva da esquerda nacional; antes, foram marginalizados por ela. Não é o  
caso de se realizar o exercício supérfluo e fantasioso de imaginar como a realidade  
teria sido, caso eles tivessem tido o devido reconhecimento e a devida influência. Há,  
portanto, uma dimensão intelectual na morte da esquerda no Brasil e ela está vinculada  
tanto ao caráter não hegemônico das leituras mais interessantes do marxismo nacional  
quanto ao fato de que essas interpretações foram incapazes de estabelecer a conexão  
entre programa político e crítica da economia política.  
Há algumas razões para tal constatação, que são óbvias, mas, infelizmente,  
precisam ser assinaladas. A mais basilar diz respeito à impossibilidade de se retirar a  
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poesia do passado, ainda mais de um passado que não ocorreu. Por conseguinte, nem  
sequer é desejável tomar como modelo para hoje autores como Lênin, Rosa, Sweezy,  
Baran e Mandel, em que a unidade entre a crítica da economia política e o  
desdobramento de posições políticas consequentes é bastante factível.  
Como estipulamos, mesmo nos nossos maiores teóricos, a unidade entre a  
crítica da economia política e o desdobramento de posições políticas consequentes é  
mais tênue se comparada aos principais pensadores do marxismo mundial e, em função  
disso, os clássicos do marxismo nacional podem até mesmo oferecer pontos de partida  
ainda válidos sob aspectos específicos, mas nunca uma concepção suficiente para a  
apreensão da natureza do capitalismo contemporâneo e das determinações por meio  
das quais se atua na realidade concreta, seja no nível nacional, seja no internacional.  
Antes de tudo o mais, porque, mesmo que tais autores nacionais tivessem  
fornecido uma leitura impecável do sistema capitalista de produção, do capitalismo  
brasileiro e do que seria imprescindível para a superação do capitalismo aqui e alhures,  
os tempos atuais são outros e teorizações como as de Caio Prado Jr., Werneck Sodré,  
Florestan Fernandes e Chasin fazem parte de um momento anterior ao que vivemos.  
Mesmo Chasin, o mais contemporâneo dos pensadores marxistas elencados, é  
consciente dessa diferença entre as épocas, de que escreve no início de um tempo  
histórico, sem nos oferecer mais que indicações a nosso ver, indispensáveis sobre  
as raízes da miséria do presente. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos  
antepassados são, como não poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o  
bem e para o mal, não pode ser revivido. Como resultado, definitivamente, não  
estamos munidos da teorização necessária para a apreensão do tempo das crises e  
para o ressurgimento da esquerda no horizonte temporal.  
Também nesse sentido, é premente destacar que a esquerda, da qual somos  
parte, está morta. Há, porém, outro sentido em que tal afirmativa polêmica e  
provocadora é real. Trata-se de algo que remete ao direcionamento para a práxis  
que ainda hoje é retomado e que se destacou justamente nas organizações políticas  
da esquerda brasileira: no Brasil atual, de um lado, há certa reavaliação do stalinismo  
(e, portanto, da vertente mais influente do marxismo vulgar) que vem ganhando espaço  
na intelectualidade e nos partidos de esquerda; de outro lado, as categorias  
desenvolvidas pela intelectualidade uspiana e tomadas como parâmetro desde a  
década de 1960, como as teorias da marginalidade e da dependência e as críticas do  
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populismo e do autoritarismo (aquilo que Chasin chamou de “quadrúpede teórico”)  
ainda possuem força no discurso teórico e político à esquerda, chegando, inclusive, a  
serem operacionalizadas na eleição de 2022. Da mesma forma, o desenvolvimentismo,  
ou seja, a crença na possibilidade histórica de completar o capitalismo nacional e  
sustentá-lo de forma autônoma, apresentou-se como tema na ordem do dia nos  
últimos anos. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos antepassados são, como não  
poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o bem e para o mal, não pode  
ser revivido ao passo que, cotidianamente, as perspectivas à esquerda intentam  
resgatar as fundamentações teóricas que foram dominantes em contraposição aos  
grandes autores do marxismo nacional e que não puderam animar as massas em um  
sentido vitorioso, antes ao contrário, as desarmaram em relação ao enfrentamento dos  
problemas concretos da nossa formação social. Em outros termos, atualmente são  
reanimadas teorias, como o marxismo vulgar, a analítica paulista e o  
desenvolvimentismo já historicamente ultrapassado, que não puderam ter vitórias  
duradouras e efetivas e, em verdade, ainda não as podem ter.  
No caso da retomada do stalinismo, internacionalmente, talvez tenha sido  
Domenico Losurdo um dos principais responsáveis pela reavaliação da figura de Stálin.  
Em textos com rigor pífio quanto ao uso das fontes históricas e com um tom pouco  
afeito ao debate teórico dos clássicos do marxismo, o autor italiano acabou por  
influenciar tanto personagens nacionais de baixíssimo quilate quanto pensadores  
sérios ligados ao PCB. No último caso, inclusive, foi visível a mudança de tom quanto  
ao stalinismo a ideologia do fracasso do socialismo de acumulação, conforme Chasin  
por parte de alguns dos principais teóricos do marxismo ligados ao partido. Deixou-  
se, desse modo, de fazer a crítica de toda uma era que terminou por representar um  
beco sem saída, dado que seus pressupostos materiais não eram suficientes para  
construir uma nova sociedade. E, assim, deparamo-nos com uma esquerda que, não  
só não assume as derrotas do passado, mas procura reavivá-las como se tivessem  
significado grandes vitórias, cujo sentido ainda nos diz respeito. Na ausência de um  
horizonte claro para o futuro, o passado dá a tônica e as ilusões agigantam-se,  
parecendo ser necessário ter algum dogma a que se apegar. A esquerda deixa de  
rasgar qualquer horizonte e pretende viver de uma representação imaginativa do  
passado, ao invés de deparar-se criticamente com as suas próprias ilusões. Soma-se a  
tal ideário sofrível a influência irrisória sobre as massas por parte da esquerda marxista  
organizada nos partidos políticos (de cuja qualidade teórica não é possível falar aqui):  
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a resultante é que nos deparamos com um cadáver insepulto, que procura sua poesia  
no passado derrotado em que pesem heróis e batalhas memoráveis do movimento  
comunista. A necessidade de se apegar a um dogma também expressa não só  
elementos de não superação do stalinismo; em verdade, transparece que a própria  
atitude religiosa ainda marca a esquerda, que, com um nominalismo sem igual, parece  
acreditar que pode reavivar as formações pós-revolucionárias (vistas como socialistas)  
por meio de uma mudança na narrativa sobre o século XX e ao invocar ritualisticamente  
expressões e trejeitos típicos da época em que o socialismo de acumulação ainda  
conquistava o coração das massas. Ao invés de acertar as contas com o passado,  
identificando as limitações presentes inclusive nos melhores autores e militantes do  
marxismo, a esquerda nacional (e, em parte internacional) abandona sua autocrítica  
envergonhada. Ela passa a assumir o dogmatismo orgulhoso daqueles que são  
incapazes de reconhecer os próprios revezes e atuam como se o mundo se organizasse  
a partir de suas próprias cabeças. Nesse cenário, o marxismo vulgar revitalizado  
emerge como uma figura farsesca do marxismo de outrora. Em verdade, a situação é  
ainda pior, porque, nas mãos dos admiradores tardios de Stálin, está um marxismo  
carente de qualquer conteúdo que não seja a apologia justamente daquilo que  
necessita de crítica para que a esquerda e a perspectiva socialista possam ressurgir  
no horizonte histórico.  
A retomada crítica da lei do valor, da necessidade de fenecimento do estado e  
da supressão do capital são retiradas de cena em favor do orgulho revisionista  
neosstalinista.  
Ao lado de tal posição, mas dialogando explicitamente com a perspectiva  
desenvolvimentista, surge certo elogio do “socialismo de mercado” chinês. Com o  
apoio de intelectuais militantes como Elias Jabbour, tudo aquilo que foi  
problematizado (o mercado, o dinheiro, a lei do valor, a persistência do estado e do  
direito, a oposição cidade-campo e a organização hierarquizada do trabalho na  
produção) pelos mais perspicazes revolucionários da década de 1920, como Lênin,  
Pachukanis, Rubin e Preobrazhensky, é naturalizado como parte de um caminho mais  
adequado ao socialismo.  
São raciocínios que, alegando um apego à liberdade supostamente utópico no  
pensamento de Marx, defendem a alternativa chinesa e o “socialismo de mercado”. É  
um tipo de releitura objetivando fazer um acerto de contas com o marxismo e com o  
Verinotio  
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socialismo que, ao fim, redunda na apologia do mercado, do valor, do desenvolvimento  
realizado com empresas estatais e privadas, do controle de fluxos financeiros. Ou seja,  
tal interpretação é incapaz de realizar o mínimo necessário e, sob a veste da  
recuperação de um socialismo possível, é mais uma expressão fantasmal da morte da  
esquerda. A suposta esquerda do século XXI aceita todos os pressupostos da direita  
e, em verdade, defende o essencial do horizonte do modo de produção capitalista.  
Também por essa razão, longe de reestabelecer qualquer força da perspectiva de  
esquerda, ocorre o oposto e as esperanças são alocadas no destino do país que  
produz substantiva parte do mais-valor disponível na configuração atual do sistema  
capitalista de produção.  
Essas tentativas de reanimar os moribundos são, contudo, marginalizadas na  
esquerda em nossa época, quando a hegemonia do pensamento socialmente engajado  
ainda está expressa em uma teoria que remota às décadas de 1950-60, mas que  
almeja ter robustez e sustentação política a partir da força eleitoral de que ainda  
dispõe o PT.  
Em verdade, o que prevalece é uma perspectiva que nem sequer pretende uma  
crítica ao capitalismo como tal. Tal abordagem, ligada a uma posição de  
pseudoesquerda, também expressa a mencionada morte da esquerda, mas não deixa  
de movimentar aqueles mais envolvidos na conformação defensiva diante dos ataques  
da direita e da extrema-direita. Em verdade, essa abordagem obteve destaque  
novamente nas eleições de 2022, em que Lula venceu Bolsonaro com o apoio  
substantivo de intelectuais e militantes autoproclamados de esquerda. Houve a  
retomada tímida das teses da marginalidade, do autoritarismo, do populismo e da  
dependência, além da reposição de posições do desenvolvimentismo, supostamente  
crente na possibilidade de completar o capitalismo nacional; porém, isso transcorreu  
sem qualquer proposta de uma política econômica, de modo que a lembrança de Celso  
Furtado, por exemplo, foi manipulada para mobilizar alguns poucos setores  
identificados com a esquerda e a pseudoesquerda. Ou seja, o ideário político que foi  
derrotado no golpe de 1964 e que ressurgiu com uma mistura de tragédia barata e  
comédia de mau gosto na institucionalização da autocracia burguesa em 1985 e em  
1989, agora, deu as caras com tons abertamente farsescos. Sem qualquer programa  
atinente à indústria e à tecnologia, de inserção do país nas tramas produtivas do  
capitalismo avançado e com a mera pretensão de gerir o capital atrófico no horizonte  
de um capitalismo subordinado, as bases da via colonial para o capitalismo parecem  
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ser repostas diariamente pelo governismo.  
Os motes teóricos da década de 1960 e a forma artificial pela qual eles foram  
trazidos para o final da década de 1980 e para o começo da década de 1990  
reaparecem na forma de pastiche e com um cinismo considerável, de tal maneira que  
não há crítica ao capitalismo como tal, nem à figura subordinada do capitalismo  
nacional. E, como consequência, persevera uma forma de entificação do capitalismo  
incompleta e incompletável na medida mesma em que o pensamento social brasileiro  
é paralisado e se torna uma sombra ofuscada do passado com o qual seria preciso  
acertar as contas.  
Economicamente, a inserção do país no mercado internacional significou o  
reforço de sua posição de exportador de commodities, sendo tanto o “choque de  
competitividade” dos governos FHC quanto o “neodesenvolvimentismo” dos anos mais  
engajados do governo Dilma e de Guido Mantega, como demonstrou Cláudio Katz,  
maneiras de reforçar o agronegócio monopolista e a mineração e, portanto, a produção  
ligada ao vilipêndio brutal dos recursos naturais, da fauna e da flora nacionais. Desse  
modo, passou-se longe de superar a via colonial de entificação do capitalismo. Pelo  
contrário, ela foi reforçada a partir de uma perspectiva supostamente à esquerda e  
que, ao fim, foi vista como o horizonte último do (neo)desenvolvimento nacional.  
Acreditamos que essa talvez seja a derrota mais estrondosa da perspectiva de  
esquerda no âmbito brasileiro. A posição da pseudoesquerda diante do tempo das  
crises continua sendo invocar as ilusões de outrora, como se nada novo estivesse  
acontecendo. Com isso, sem qualquer autocrítica, reiteram-se pontos de vista  
derrotados e desgastados. Dessa maneira, o campo da crítica deixa de ser o da  
esquerda e o avanço possibilitado pela perda das ilusões não aparece no horizonte, o  
qual, por seu turno, continua aquele de um futuro ausente. Entretanto, o pior  
apresenta-se nesse cenário quando as ilusões desgastadas, pueris e passadistas da  
pseudoesquerda são percebidas claramente pelas massas, as quais, diante de tal  
situação, preferem o realismo rude e cru daqueles que propagam não haver alternativa  
ao domínio brutal do capital. Em outras palavras, ainda mais duras, o grande revés da  
perspectiva de esquerda está no fato de a extrema-direita ter ocupado as ruas, ter se  
amparando na crítica às ilusões e, do mesmo modo cínico, ter reconhecido as suas  
derrotas do passado.  
O tempo das crises corresponde ao momento em que a perspectiva de esquerda  
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é mais atual no Brasil. Os horizontes do capitalismo não podem se desenvolver de  
modo autêntico e, por isso, urge eliminar as ilusões sobre a possibilidade de um  
caminho para o capitalismo não subordinado ao capital transnacional e à divisão  
internacional do trabalho. No entanto, um primeiro passo para que a perspectiva de  
esquerda possa ressurgir encontra-se no reconhecimento da morte da esquerda no  
mundo, e em solo nacional em específico. Sem isso, as ilusões reproduzem-se,  
conjuntamente com a recolocação dos pressupostos da reprodução do capital em sua  
especificidade na via colonial. E, nesse processo, aqueles que professam a perda das  
ilusões civilizatórias do capital ganham espaço ao defender não a necessidade de  
supressão do capital, mas da civilização. A barbárie cotidiana ganha espaço e as  
massas são parcialmente tomadas por um realismo cínico daqueles que só conseguem  
criticar as ilusões de ontem ao descartar quaisquer perspectivas e horizontes que não  
sejam inerentemente brutais. Uma grande contradição de nosso tempo é que a  
perspectiva de esquerda é tão atual quanto está distante da esquerda e, enquanto  
esta última não conseguir enterrar os mortos, a situação permanecerá dessa maneira.  
Sob o cadáver insepulto da esquerda, crescem os vermes da extrema-direita, os quais  
não possuem ilusões, mas também são destituídos de horizontes.  
Hoje, enterrar mortos torna-se uma condição para a reorganização da  
perspectiva de esquerda e para que sejamos mais que grupelhos de diferentes matizes.  
Enquanto nos mantivermos nessa conformação, não conseguiremos romper horizontes  
e exercer qualquer influência na consciência das massas populares e o resultado será  
tanto a expansão da extrema-direita quanto a reprodução diuturna da barbárie  
cotidiana que procura extirpar tudo o que existe de minimamente civilizado. Restamos  
como cadáveres insepultos que se alimentam de glórias passadas, as quais, em  
verdade, nem sequer são tão incontestáveis quanto aparentam ser à primeira vista. E,  
enquanto o cinismo da extrema-direita avança, mantemos ilusões pueris que somente  
afastam a perspectiva de esquerda daqueles que vêm sendo afetados diretamente pelo  
caráter antipopular, autocrático e subordinado do capitalismo de via colonial. Também  
por isso, a derrota avassaladora da esquerda precisa ser reconhecida com a finalidade  
de romper o círculo vicioso de uma esquerda iludida, sem base social e socialmente  
insignificante.  
A via colonial de entificação do capitalismo persiste no Brasil de modo claro,  
inclusive, na medida em que o governismo petista somente faz jogo de cena com a  
pseudoesquerda, procurando tornar-se um mero gestor do capital atrófico. A gestão  
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econômica, quase empresarial, do ex-professor e ministro Fernando Haddad,  
verbalmente remete às categorias desgastadas da analítica paulista e do  
desenvolvimento. Entretanto, não há qualquer programa econômico em sua gestão  
tecnocrática e, portanto, inexistem tentativas de realizar reformas minimamente ligadas  
às aspirações populares.  
Não só a pseudoesquerda petista está morta e continua vagando como um  
cadáver insepulto; sob o pretexto de barrar o avanço da extrema-direita, ela paralisa  
todas as iniciativas à esquerda e procura implementar o projeto da direita de modo  
civilizado.  
Economicamente, isso efetiva-se afastando o apoio das massas; politicamente,  
deparamo-nos com as acomodações espúrias e frágeis do chamado presidencialismo  
de coalização. Ao invés de os autoproclamados representantes da esquerda  
aproximarem-se de movimentos sociais e da população afetada pela inflação e pelo  
desalento, em nome da governabilidade e em decorrência da acomodação diante de  
um capitalismo incompleto e incompletável, vinculam-se ao fisiologismo mais grotesco  
e tornam-se reféns da gestão supostamente competente do capital atrófico no tempo  
das crises.  
Ademais, além de uma política econômica herdada da direita e do fisiologismo  
típico de uma esfera pública essencialmente autocrática, o terceiro governo Lula  
expressa de modo explícito o esgotamento das ilusões bem-intencionadas  
desenvolvidas pela analítica paulista. Primeiramente, porque o mesmo líder histórico  
das greves de 1978-80 e político que disputa a presidência desde 1989 ainda figura  
como o único líder à esquerda com algum respaldo eleitoral contra o avanço da  
extrema-direita. Em segundo lugar, devido à espiral descendente dos governos  
petistas, os quais, hoje, somente com muita boa-vontade poderiam remeter a uma  
gestão “de centro-esquerda” e, também por isso, Lula é um pastiche e uma sombra  
do que já foi. Por fim, há a impotência petista diante dos golpistas confessos de ontem,  
com a aproximação entre o governismo e camadas importantes dos militares. A  
consequência desse cenário é o vampirismo da pseudoesquerda, a qual sobrevive  
fazendo um jogo de cena quanto ao seu passado supostamente glorioso e se  
conformando como um parasita de todas as possibilidades do futuro. Enquanto o  
horizonte colocado contra a extrema-direita tiver essa conformação, o futuro  
continuará ausente e a barbárie cotidiana ganhará força. Por essas razões, a  
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EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
republicação de A miséria brasileira de J. Chasin pode prestar um serviço importante  
no presente momento, em que é necessário reconhecer as derrotas da esquerda e  
extirpar as ilusões. Os textos publicados neste número da Verinotio, em torno d’A  
miséria brasileira, buscam aprofundar, problematizar e/ou desenvolver algumas das  
suas conclusões, de maneira que também eles apresentam uma oportunidade para  
refletir sobre os dilemas deste tempo de crises e contribuir para abrir horizontes à  
poesia do futuro.  
Belo Horizonte, maio de 2025  
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