Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.759  
Determinações da punição no capitalismo de via  
colonial brasileiro: da colônia à formação da classe  
trabalhadora livre  
Punishment in Brazil's Colonial Way Capitalism: From  
Colony to the Formation of Free Labor  
Nayara Rodrigues Medrado*  
Abstract: This study seeks to delineate, from  
Resumo: Este trabalho pretende traçar, desde  
reasonable theoretical abstractions, the general  
determinations of punishment within the  
Brazilian colonial way (via colonial). It  
specifically highlights the roles played by the  
penal system in shaping its particular mode of  
capitalist development. Spanning different  
moments in national history, from the colonial  
period until the mid-1930s, we aim to  
demonstrate that the Brazil’s colonial-way penal  
system way functioned as an instrument of  
extra-economic violence, permanent preventive  
abstrações razoáveis, determinações gerais da  
punição na via colonial brasileira, apontando os  
papeis desempenhados pelo sistema penal na  
conformação  
dessa  
via  
própria  
de  
desenvolvimento capitalista. Passando por  
diferentes momentos da história nacional, desde  
o período colonial até meados da década de  
1930, buscamos sustentar o sistema penal de via  
colonial como instrumento de violência  
extraeconômica, de contrarrevolução preventiva  
permanente e de garantia da modernização  
excludente no Brasil. Partimos, para isso, da  
interpretação de dados produzidos pela  
Historiografia nas últimas décadas desde as  
lentes da Teoria da Via Colonial de José Chasin,  
complementada por outros intérpretes da  
formação social brasileira. O trabalho também se  
ocupa de contextualizar o sistema penal de via  
colonial em meio ao debate das vias de  
objetivação capitalista, trazendo comparações,  
ainda que pontuais, com as vias clássica e  
prussiana.  
counter-revolution, and  
a
guarantor of  
exclusionary modernization in Brazil. Drawing  
upon historiographical data produced in recent  
decades, our analysis is informed by José  
Chasin's Theory of the Colonial Way (Teoria da  
Via Colonial), complemented by other  
interpreters of Brazilian social formation. This  
paper also contextualizes the penal system of  
colonial way within the broader debate on  
capitalist  
objectification  
ways,  
offering  
comparative insights, albeit punctual, with the  
classical and Prussian ways.  
Palavras-chave: Sistema penal; via colonial;  
formação social brasileira.  
Keywords: Penal system; colonial way; brazilian  
social formation.  
Introdução  
Neste artigo, fruto de reflexões mais profundamente desenvolvidas em pesquisa  
de doutorado, buscamos analisar as determinações das formas punitivas no processo  
histórico de objetivação do capitalismo brasileiro. O objetivo é sustentar que o sistema  
*
Doutora em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Universidade  
Federal de Juiz de Fora (UFJF) campus Governador Valadares. E-mail: nayaramedrado@gmail.com.  
Orcid: 000-0003-1408-3276.  
Verinotio  
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nova fase  
 
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
penal no Brasil atuou, em diversos momentos da história nacional, no sentido de  
assegurar e de reproduzir os caracteres próprios de uma via colonial de  
desenvolvimento capitalista, na definição de J. Chasin. Isso se daria sob a forma tanto  
de violência extraeconômica quanto de uma contrarrevolução preventiva permanente,  
e, ainda, a partir da gestação e da propagação de ideologias que servem de  
sustentação à ordem burguesa no particular modo como ela se objetiva no Brasil.  
Passamos, para isso, por diferentes momentos da formação nacional, desde o  
Brasil-colônia, marcado pela vigência de relações escravistas, até meados da década  
de 1930, com a consolidação de uma classe trabalhadora livre no país. Nesse percurso,  
sublinhamos a continuidade da repressão correcional por meio das contravenções  
penais, e a progressiva sofisticação do aparato repressivo do estado, com o  
surgimento da pena privativa de liberdade e a consolidação de um aparato público de  
repressão institucional, composto por uma miríade de instituições.  
A análise é feita em um razoável grau de abstração, partindo de dados já  
produzidos, especialmente nos campos da história social e do direito, e os lendo a  
partir das lentes da teoria da via colonial de J. Chasin, conjugado com outros  
intérpretes marxistas da realidade brasileira. Referências pontuais a outras vias de  
objetivação capitalista, em especial a via clássica inglesa e americana e a via prussiana  
alemã, são utilizadas como estratégia de contextualização, por semelhanças e  
contrastes, que auxiliam na tarefa de traçar os delineamentos gerais caracterizadores  
do sistema penal da via colonial brasileira, nos momentos históricos que elegemos  
como objeto da exposição.  
Modernização atrófica, subordinação e superexploração da força de trabalho  
J. Chasin chamou de via colonial o específico modo de concreção do capitalismo  
no Brasil e em outros países da América Latina, da África e de regiões da Ásia. Em  
meio ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, a via colonial, embora  
compondo a universalidade de um capitalismo global, aparece como forma particular  
de concreção com características contrastantes com a chamada via clássica de  
objetivação capitalista, típica de países como Inglaterra, França, Holanda e Estados  
Unidos.  
Os ditos capitalismos clássicos vivenciaram um processo precoce, acelerado,  
autônomo e completo de industrialização, favorecido pela colonização do “novo  
mundo” e concomitante a movimentos revolucionários encabeçados por uma  
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burguesia progressista que se reivindicava representante de interesses gerais,  
rompendo com a ordem feudal e afirmando uma visão jurídica de mundo. Essas  
“revoluções de tipo europeu” assumem caráter de verdadeira ruptura com o velho e  
de afirmação de uma nova ordem social, ou de uma “ordem política para a nova  
sociedade europeia”:  
Nelas triunfou a burguesia; mas o triunfo da burguesia foi então o  
triunfo de uma nova ordem social, o triunfo da propriedade burguesa  
sobre a propriedade feudal, da nacionalidade sobre o provincialismo,  
da concorrência sobre o corporativismo, da partilha sobre o morgado,  
do domínio do proprietário de terra sobre a dominação do  
proprietário através da terra; do esclarecimento sobre a superstição,  
da família sobre o nome da família, da indústria sobre a preguiça  
heroica, do direito burguês sobre os privilégios medievais. A  
revolução de 1648 foi o triunfo do século XVII sobre o século XVI, a  
revolução de 1789 o triunfo do século XVIII sobre o século XVII. Essas  
revoluções exprimiam ainda mais as necessidades do mundo de então  
do que das partes do mundo onde tinham ocorrido, Inglaterra e  
França. (MARX, 2020, pp. 323-4)  
A formação do capitalismo nos países dessa via se deu com base em saltos e  
rupturas, tanto no plano econômico, com momentos de revolucionamento das técnicas  
produtivas que elevaram o desenvolvimento industrial a outro patamar, como no  
político, com as revoluções liberais afirmadoras de uma nova ordem social e, com ela,  
de uma visão jurídica de mundo. São casos clássicos, nesse sentido, “porque mais  
coerentes, mais congruentes ou consentâneos, no plano da sua própria totalidade,  
enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas partes fundamentais imbricam  
entre si e em relação ao todo de forma mais amplamente orgânica, de maneira que o  
real se mostra como racional, no nível da máxima racionalidade historicamente  
possível” (CHASIN, 2000, p. 43).  
Via prussiana e via colonial são, ao contrário, formações não-clássicas, que se  
aproximam justamente na condição de particulares contrastantes. Como na via  
prussiana, pela qual passaram países como Alemanha, Itália e Japão, o caminho  
colonial é marcado pela presença da grande propriedade, pelo atraso no  
desenvolvimento capitalista e pela ausência de uma revolução burguesa nos moldes  
clássicos, substituída por uma tendência ao reformismo estreito e pelo alto, afirmadora  
do novo sempre em conciliação com o velho.  
Mas, diferentemente do caso alemão debatido amplamente por Marx, a grande  
propriedade brasileira tem origem não no feudo, mas na colônia. E a industrialização  
de via colonial é não apenas tardia, mas híper-tardia, e se põe, lentamente e em meio  
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a surtos, refreios e obstaculizações, de forma subordinada ao capital estrangeiro,  
redundando em um capitalismo atrófico, pois incompleto e incompletável (CHASIN,  
2000, pp. 14-6). O atraso, por sua vez, não tem apenas uma dimensão cronológica –  
os diferentes contextos históricos e as diversas condições sob as quais se dá esse  
desenvolvimento conduzem a expressões também muito próprias. Se a Alemanha se  
põe, embora tardiamente, como elo débil na cadeia imperialista, o Brasil se  
industrializa enquanto território semicolonial disputado pelas potências imperialistas:  
Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em  
que o proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e  
práticas, e a estruturação dos impérios colonial já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. (CHASIN, 2000, p. 34)  
Esse caráter hiperatrasado, atrófico e subordinado do desenvolvimento imprime  
características próprias nas classes sociais brasileiras, que não se desenvolvem  
plenamente e, em especial quando tratamos da burguesia, há uma falência no  
desempenho de suas missões históricas. Diante dessa lacuna, o estado de via colonial  
é chamado a cumprir papéis próprios, inexistentes no mesmo grau em outras  
realidades históricas, especialmente o de promover uma industrialização subordinada  
e baseada na superexploração da força de trabalho, recorrendo frequentemente, para  
isso, a um expediente bonapartista, oscilante na história nacional, com períodos de  
afirmação de uma autocracia burguesa institucionalizada. Já a missão política, de  
afirmação de direitos humanos fica a cargo da própria classe trabalhadora, uma vez  
que, na via colonial, a evolução nacional está desatada, e frequentemente em oposição,  
ao progresso social. Essa evolução nacional seria “reflexa”, na medida em que do  
capital “não emana nem pode emanar um projeto de integração nacional de suas  
categorias sociais, a não ser sob a forma direta da própria excludência do progresso  
social, até mesmo pela nulificação social de vastos contingentes populacionais”  
(CHASIN, 2000, p. 221).  
O sentido da gênese do Brasil enquanto formação social, como aponta Caio  
Prado Jr. (1961), é o de uma empresa colonial voltada a atender a interesses  
estrangeiros colocados no contexto de um capitalismo mercantil. O estatuto colonial,  
por ao menos três séculos e apenas parcialmente superado, baseou-se, de um lado,  
na exploração de recursos nacionais para produção e exportação de gêneros de  
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interesse do comércio europeu, e, de outro, na importação de produtos  
manufaturados, como mercado consumidor potencializado pelo exclusivo comercial.  
A independência política do Brasil em 1822, embora afirmando uma autonomia  
formal, não rompeu com esse estatuto em sua totalidade. O Brasil migrou da posição  
de colônia para a de semicolônia, ainda subordinada aos interesses de países centrais,  
com destaque, no período, para a Inglaterra e, posteriormente, para os Estados Unidos  
da América. A tríade latifúndio-agroexportação-escravidão ainda daria o tom do  
caminho colonial ao menos até a abolição formal da escravidão, ocorrida tardiamente  
em 1888, o que alçou o Brasil à posição de último país das Américas a decretá-la.  
Ambos os eventos históricos independência e abolição , e o mesmo se pode  
dizer da subsequente Proclamação da República em 1889, longe de uma revolução  
de tipo europeu, representaram reformas empreendidas mediante conciliação da  
anômala burguesia brasileira com setores do capital internacional. A independência  
realiza-se em um momento de esgotamento do capitalismo comercial: o exclusivo  
metropolitano era um entrave à expansão do mercado consumidor demandado pelas  
indústrias em ascensão, principalmente na Inglaterra. Já a abolição, após décadas de  
resistência da elite brasileira na exploração do trabalho escravo até a última gota,  
aparece como imperativo de um capitalismo industrial que tornou a própria escravidão  
obsoleta. No resumo de Chasin:  
A via colonial da objetivação do capitalismo, em uma de suas  
determinações mais gerais, significa o estabelecimento da existência  
societária do capital sem interveniência de processo revolucionário  
constituinte. [...] Sem revolução burguesa, o Brasil vem a ser a herança  
de uma unidade territorial e linguística constituída na subsunção  
formal ao capital, através de uma sociedade escravista. Herança, por  
consequência, de uma forma desagregada, sem dimensão de  
sociabilidade nacional, identidade econômica ou cultural, a não ser a  
ficção de autonomia política. (CHASIN, 2000, p. 220)  
O sentido de nossa formação é, desde sua gênese, atender a interesses  
estranhos aos nacionais, seja sob a forma de colônia que serve à acumulação capitalista  
no período manufatureiro, seja sob a condição de semicolônia subordinada  
economicamente ao capital internacional, mas que segue marcada pela apropriação  
dual do excedente do trabalho, voltado a abastecer tanto as burguesias internas  
quanto as dos países subordinantes.  
No caminho colonial, a tríade latifúndio-agroexportação-escravidão deu o tom  
das relações sociais por quase quatro séculos e, mesmo com a abolição da escravidão,  
o apego a uma propagada “vocação agroexportadora” persistiu como freio ao  
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desenvolvimento industrial. Em meio a impulsos de curta duração e contramarchas,  
esse desenvolvimento se dá ultratardiamente apenas na década de 1930, com o fim  
da hegemonia agroexportadora.  
Ainda assim, permaneceu a relação de subordinação de nosso capitalismo  
atrofiado em relação a potências globais, o que tem como consequência a  
superexploração da força de trabalho e, com ela, um esquema de modernização  
excludente, viabilizado por um estado de natureza autocrática que eleva os níveis da  
violência política a patamares bastante próprios.  
Isso não significa dizer que em outras vias de desenvolvimento capitalista a  
violência política não seja elemento relevante ou, mesmo, central. Basicamente, não há  
capitalismo sem violência. Mas há graus e formas diferentes de exercício da repressão  
oficial, conforme o modo específico de desenvolvimento das relações produtivas em  
uma dada formação social e os vários momentos desse desenvolvimento:  
A análise marxiana do estado não opera, pois, a disjunção entre direito  
e violência (comum nas concepções liberal-democráticas da  
democracia e uma das bases dos conceitos de totalitarismo e  
autoritarismo); ao contrário, mostra que mesmo o estado mais  
democrático tem a violência como seu conteúdo mais central, uma vez  
que é a outra face do capital, relação de produção centrada na  
contínua e ampliada usurpação da essência genérica dos homens e na  
concorrência. Mas os patamares da violência não são idênticos em  
todas as formas de estado. A análise marxiana do estado bonapartista  
evidencia que a violência se acentua conforme as reivindicações da  
classe trabalhadora põem em risco a existência do capital, ou seja, à  
medida que essa forma social se torna uma base estreita demais para  
as necessidades e possibilidades do desenvolvimento humano.  
(COTRIM, 2024, p. 10)  
Interessa-nos analisar a particularidade do exercício da violência política e  
mais propriamente daquela violência exercida pelas instituições oficiais do estado por  
meio de seu sistema penal no desenvolvimento do caminho colonial brasileiro.  
Façamos esse exercício passando por alguns dos momentos fundamentais da história  
nacional.  
O sistema penal da escravidão: violência extraeconômica e contrarrevolução  
preventiva permanente  
As práticas judiciais do Brasil colônia eram regidas por uma multiplicidade de  
fontes, em uma mescla embaralhada e não-sistematizada da legislação metropolitana  
com normas e tradições locais, mediadas por uma concepção religiosa de mundo e  
aplicadas de forma discricionária, casuística e discriminatória. Mesmo sob a vigência  
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do temido Livro V das Ordenações Filipinas, descrito como um verdadeiro catálogo de  
monstruosidades que previa açoitamento e pena de morte a crimes como feitiçaria,  
sodomia e mexericagem, a intervenção penal da justiça secular era pontual e  
esporádica. Chegava-se a admitir perdão, graça ou fiança para quase metade dos  
processos julgados, já que a eficácia da justiça “residia em se fazer temer ao ameaçar  
e se fazer amar ao não cumprir” (ARAÚJO; VALLE, 2019, p. 43).  
Concretamente, no período colonial e, de forma mais ampla, durante todo o  
período de vigência da escravidão, o sistema penal esteve situado nos quintais da  
casa-grande. Isso significa dizer que o exercício mais relevante, cotidiano e vigoroso  
do poder punitivo se dava no âmbito do justiçamento privado dos senhores sobre  
seus escravos, com base em castigos corporais.  
Atuando como violência extraeconômica, esse exercício punitivo contribuiu para  
a máxima exploração do trabalho escravo, primeiro indígena e depois negro. A  
escravidão, especialmente a negra, é considerada uma atividade mais onerosa, por  
envolver, na compra do trabalhador, a inversão inicial de capital, que se torna  
esterilizado, e por redundar em um mais elevado risco de fuga e de morte do  
trabalhador cativo, além de um maior custo de vigilância. Era o sobretrabalho dos  
escravizados o responsável por repor essa inversão inicial e garantir lucros  
compensadores aos senhores de terras, também afetados pelo estatuto colonial, que  
fazia com que a eles restasse apenas uma pequena fatia do produto do trabalho,  
apropriado parcialmente pela metrópole. Nesse sentido, a inversão inicial de aquisição  
do escravo “assegura ao escravista o direito de dispor de uma força de trabalho como  
sua propriedade permanente e simultaneamente esteriliza o fundo adiantado neste  
puro ato de aquisição, reposto à custa do excedente a ser criado pelo mesmo escravo”  
(GORENDER, 2016, p. 223).  
Daí porque a escravidão envolve um grau de exploração do trabalho que chega  
ao limite literal da reificação e que só pode ser garantido pela confluência da coerção  
econômica com a coerção extraeconômica: “os troncos, os pelourinhos, a gonilha, o  
bacalhau, a máscara de flandres, o vira-mundo, o anjinho, o libambo, as placa de ferro  
com inscrições infamantes, as correntes, os grilhões, as gargalheiras” aparecem como  
ferramentas de um “aparelho de tortura ou aviltamento através do qual as leis eram  
executadas como medida de normalidade social” (MOURA, 2019, p. 276).  
Essa é a face da incipiente e anômala fração da burguesia brasileira que seria  
hegemônica ao menos até a década de 1930 e que nunca deixaria de ter influência  
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relevante, se não decisiva, nos rumos do país. Não é uma burguesia progressista, que,  
como reivindicada representante de interesses gerais, lidera revoluções afirmadoras  
de direitos humanos; é, ao contrário, uma classe dominante que já nasce subordinada  
e voltada à exploração do trabalho até a última gota, e para isso se valendo de toda  
sorte de violências que a escravidão historicamente encarnou uma violência que é,  
ao mesmo tempo, coerção extraeconômica e contrarrevolução preventiva permanente.  
A justiça pública respaldava o poder doméstico dos senhores e tinha, no geral,  
um tratamento conivente com os castigos aplicados no âmbito doméstico. Intervinha  
rara e pontualmente na arbitragem dessa relação, no sentido de garantir uma  
administração da escravaria baseada em um ethos da disciplina “rígida mas sem  
excessos”, em que não eram bem-vindos nem os frouxos nem os sádicos (SCHWARTZ,  
1988, p. 221). A intervenção punitiva sobre os escravizados também era incomum,  
dada a prioridade conferida aos senhores no exercício punitivo em relação a suas  
propriedades:  
Uma das particularidades da violência no escravismo era o direito  
privado do senhor de julgar o escravo e de submetê-lo a castigos  
físicos. Nos domínios rurais, onde o aparelho judicial não se fazia  
presente, muito raramente o senhor entregaria o escravo criminoso ou  
indisciplinado à autoridade do estado, uma vez que isto significaria  
perder ou desvalorizar uma propriedade. O comum era o castigo do  
escravo no interior da plantagem. (GORENDER, 2016, p. 42)  
Esse nascente estado autocrático brasileiro tinha, entretanto, uma atuação  
relevante na complementação do poder doméstico dos senhores em casos de  
insubordinações mais graves dos escravizados, como em fugas coletivas, na formação  
de quilombos, nas insurreições urbanas ou no engajamento em movimentos políticos  
mais amplos. Clóvis Moura enumera diversas repressões sanguinárias, promovidas  
pelo estado autorizado por cartas régias e alvarás, a quilombos do Norte ao Sul do  
país e que levaram incontáveis pessoas, de crianças a idosos, à morte ou à prisão nas  
cadeias públicas da época (MOURA, 2020). Também destaca o tratamento  
distintamente rigoroso conferido aos negros que tiveram engajamento em movimentos  
como a Revolução Pernambucana de 1817 e as inconfidências Mineira e Baiana,  
quando comparado à repressão aos participantes brancos (MOURA, 2021, p. 224).  
Para além disso, já a partir do século XVIII temos registros dos chamados calabouços,  
prisões especificamente destinadas a escravizados, em que os senhores poderiam  
terceirizar ao estado, mediante o pagamento de uma taxa, a aplicação de castigos a  
escravizados insubmissos (ARAÚJO, 2017, p. 2019).  
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A participação do estado na coerção aos escravizados foi gradativamente  
aumentando à medida que cidades brasileiras, e com elas as variadas formas de  
escravidão urbana, ganhavam projeção, especialmente a partir da vinda da família real  
para o Brasil e a formalização da independência. Na escravidão urbana, diferentemente  
da rural, o feitor estava ausente e tinha sua atuação em algum grau substituída pelo  
próprio poder público, “altamente interessado em manter a ordem da cidade e evitar  
aglomerações perigosas de negros”, de modo que “entre o escravo e o senhor  
interpunha-se uma nova figura: o estado e seus agentes” (ALGRANTI, 1983, p. 47).  
Ao lado dos castigos aplicados pelos senhores, que poderiam ser terceirizados  
à polícia, entravam as punições aplicadas pelo estado contra infrações das leis das  
cidades e por crimes ordinários perpetrados pelos escravizados. As punições  
consistiam geralmente em açoites, prisões com alguns meses de duração, galés  
(trabalho para o estado) ou o isolamento, por degredo, para o interior ou o exterior  
do país, podendo envolver também, embora mais raramente, pena de morte  
(ALGRANTI, 1983, pp. 236-9).  
Decretos e posturas municipais foram editados prevendo infrações: vadiagem,  
embriaguez, desordens, jogos de azar, brigas de rua, insultos a policiais, porte de facas  
ou navalhas, desobediência ao recolhimento domiciliar noturno e à obrigação de portar  
passaportes no trânsito entre distritos, ou mesmo o “ajuntamento” de escravizados  
para danças ou jogos: “os negros eram presos em pleno dia por assobiarem como  
capoeiras, usarem um casquete com fitas amarelas e encarnadas símbolos dos  
capoeiras e por carregarem instrumentos musicais utilizados nos seus encontros”  
(ALGRANTI, 1983, p. 201).  
Em alvará de 1816, do Rio de Janeiro, a capoeiragem era punida com 300  
chibatadas e três meses de trabalho forçado. Na prisão carioca, 80% dos internos  
eram escravos e 32% respondiam por crimes contra a ordem pública. Do universo de  
cinco mil casos analisados, não havia um homicídio consumado sequer e apenas 20  
internos haviam sido presos por agressão (ALGRANTI, 1983, p. 198).  
Mesmo após a sistematização penal trazida pelo Código Criminal de 1830,  
normativas desse tipo continuaram sendo editadas, como aponta a pesquisa de Mario  
Barbosa relativa a diferentes cidades. Posturas municipais proibiam o ajuntamento de  
negros e vadios, o porte de arma, a embriaguez ou a prática de jogos ou de lutas  
como a capoeira em espaços públicos, as “vozerias e a exposição de palavras, gestos,  
vestimentas, quadros ou figuras imorais” (2021, pp. 61-5). As infrações eram punidas  
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com açoites e prisão, no caso de escravizados, e com prisão e multa, no caso de  
pessoas livres.  
É justamente esse o contexto de surgimento das instituições que dariam origem  
às modernas forças policiais: a Intendência-Geral da Polícia da Corte e do Estado do  
Brasil e sua subordinada Guarda Real de Polícia são instauradas em 1808 e 1809,  
respectivamente, com o papel de repressão da criminalidade e de garantia da ordem  
pública, desde seu nascedouro com vocação particular para a repressão da população  
negra, submetida à ou recém-liberta da escravidão. A polícia se tornaria, naturalmente,  
elemento central de um estado que não só já nasce autocrático, a partir de um pacto  
conciliatório que exclui grandes contingentes populacionais do exercício de direitos,  
como assume por tarefa fundamental a repressão brutal e preventiva a qualquer  
questionamento desse mesmo caráter. Na aplicação das leis e posturas municipais, a  
polícia garante o controle e a disciplina da população negra e/ou pobre circulante nas  
cidades, além de garantir a disponibilidade de trabalhadores e de obstar eventuais  
formas de organização política desses contingentes.  
A prisão-pena é prevista no Brasil a partir do Código Criminal de 1830 em  
quatro modalidades: prisão simples, com ou sem trabalho, e prisão perpétua, também  
com ou sem trabalho. Essa legislação, dita liberal por abarcar preceitos do direito penal  
moderno em voga nas reformas penais europeias, como a legalidade e a humanidade  
das penas, não teve qualquer embaraço em seguir respaldando o poder punitivo  
privado dos senhores, além das penas de açoite, galés e de morte, esta última  
reforçada em 1835, para pessoas escravizadas, a quem também eram reservados  
crimes específicos, como os de rebelião e de insurreição.  
É no turbulento contexto da década de 1830, em meio a revoltas como a  
Sabinada, a Balaiada, a Cabanagem, a Farroupilha, a dos Malês, a de Carrancas, dentre  
outras, que as primeiras casas de correção brasileiras, como instituições voltadas ao  
cumprimento da pena de prisão, começam a ser idealizadas e projetadas. A inspiração  
dos debates intelectuais e políticos é o penalismo ilustrado do movimento codificador  
europeu, aliado a práticas prisionais de países como os Estados Unidos: a prisão  
moderna, útil, que, tal como no modelo implementado em Auburn, une privação de  
liberdade noturna em celas individuais com trabalho comum em oficinas internas à  
prisão durante o dia. O trabalho penitenciário aparecia discursivamente como “a  
antítese do ócio, da vadiagem, do crime”, razão pela qual “todo criminoso deveria  
aprender um ofício, qualificado ou não, a ser exercido diariamente fora da cela, sob  
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silêncio, em horário definido, que lhe trouxesse garantias do retorno à sociedade como  
cidadão laborioso e útil” (SANT’ANNA, 2017, p. 296).  
Se na colônia o encarceramento “foi uma prática social regulada mais pelo  
costume do que pela lei, e destinada simplesmente a armazenar detentos, sem que se  
tenha implementado um regime punitivo institucional que buscasse a reforma dos  
delinquentes” (AGUIRRE, 2017, p. 38), sob o Império, e especialmente a partir dos  
movimentos de massa da década de 1830, ele assume um papel de contenção de  
parcelas da população, cumulando com uma aposta de modernização das instituições  
oficiais do estado e, com ela, na afirmação de uma ética do trabalho. No entanto,  
apesar dos arrojados projetos arquitetônicos e dos minuciosos regulamentos  
penitenciários, a primeira casa de correção brasileira apenas foi inaugurada, com a  
construção ainda inacabada, duas décadas depois, em 1850, no Rio de Janeiro, sendo  
seguida por experiências semelhantes em outras localidades.  
De modo geral, apesar da centralidade do trabalho carcerário na idealização da  
prisão-pena dos oitocentos, com direta inspiração em países europeus, sobretudo os  
de via clássica, na prática as oficinas de trabalho ou não foram construídas, ou o foram  
de forma extremamente precária, ou não persistiram para além do curtíssimo prazo,  
não sendo capazes, ressalvadas exceções, de gerarem lucros significativos. Mais  
comum era o trabalho em obras públicas, embora também este tenha permanecido  
aparentemente distante das dimensões do sistema de arrendamento [convict leasing  
system] estadunidense, que chegou a responder por parcela relevante da economia de  
alguns estados sulistas. Além disso, as casas de correção aprisionavam um número  
muito pequeno de pessoas se comparado aos números das casas de detenção, ou  
mesmo das colônias correcionais, que seriam criadas posteriormente. A regra histórica  
no Brasil é, então, não a prisão definitiva após o devido processo legal, mas a prisão  
correcional, determinada sem processo e frequentemente mesmo sem a identificação  
legal do fato que motivou a prisão.  
O liberalismo clássico encontra a escravidão, e um “panoptismo-tropical-  
escravista” (KOERNER, 2001) se mostraria, de fato, impossível no Brasil. A realidade  
continuou sendo, seguindo a tendência verificada desde os tempos de Brasil colônia,  
a de um cárcere extremamente precário, autoritário e mortífero. Os dados de  
mortalidade na Casa de Correção do Rio de Janeiro variavam entre 20% e 50%,  
dependendo do tempo de privação de liberdade (BRETAS, 2017, p. 189), enquanto,  
em São Paulo, dados mais genéricos apontam para ao menos 10%, 20 vezes maior,  
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mesmo nessa projeção mais otimista, que os índices de morte nas casas de trabalho  
(workhouses) inglesas do mesmo período (SALLA, 2006, p. 109).  
Estivemos longe, então, de uma espécie de “cárcere-fábrica”, com a dupla faceta  
de unidade produtiva subalterna à fábrica e de conformadora de trabalhadores  
qualificados e disciplinados, como parecem ter experenciado os países de via clássica  
durante o capitalismo comercial, com as casas de trabalho e as casas de correção. Não  
só não tivemos casas de trabalho no Brasil, como nossas casas de correção tinham  
não uma natureza declaradamente assistencial, mas punitiva, de prisão-pena, que  
surge tardiamente, já no contexto global de um capitalismo industrial, mas ainda sob  
a vigência de relações escravistas no Brasil. Tampouco tivemos, nesse período, um  
cárcere que concorria, pelo princípio da menor elegibilidade, para a exploração do  
trabalho livre, ainda minoritário no país.  
O central parece ter sido um cárcere que atuou, desde seus primórdios, como  
violência extraeconômica asseguradora da forma das relações sociais vigentes sob a  
escravidão: aplicando punições aos escravizados mediante pagamento dos seus  
proprietários; reprimindo violentamente qualquer indício de insubmissão coletiva;  
dificultando a conformação de laços de solidariedade e a organização política da  
população negra e da população pobre em geral. Em outras palavras: garantindo a  
administração política da pobreza e a contrarrevolução preventiva ou autodefensiva  
por parte de uma elite agrária desprovida de inspirações humanitárias ou democráticas  
e que encontra no estado seu próprio feitor.  
Formação da classe trabalhadora livre e movimento pendular da República  
autocrática brasileira  
Ainda que pressionada pelas variadas formas de resistência dos escravizados e  
por diferentes setores sociais abolicionistas, a abolição formal da escravidão aparece,  
no Brasil de via colonial, como mais uma reforma empreendida a partir de um  
movimento conciliatório pelo alto, visando a uma modernização excludente que afirma  
o novo sem ruptura decisiva com o velho. O direcionamento do processo é dado pelos  
interesses de frações da anômala burguesia nacional e, especialmente, à pressão de  
uma Inglaterra imperialista. A burguesia agrária, que resistiu por décadas à abolição  
mesmo após a proibição do tráfico negreiro, admite no trabalho assalariado uma saída  
para a escassez de braços, com o agudo encarecimento do trabalho escravo, que  
passara a se concentrar na região Sudeste.  
A Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, não tinha mais que duas frases  
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e não empreendeu qualquer acerto de contas com o passado escravista, não prevendo  
qualquer tipo de política compensatória aos recém-libertos, relegados, ao contrário, à  
condição de despossuídos pela Lei de Terras de 1850. O caráter foi, novamente, de  
conciliação pelo alto:  
A abolição no Brasil não foi resultado de uma revolução como ocorrera  
no Haiti, nem de uma guerra civil como nos Estados Unidos. Os  
proprietários de escravos não tiveram de enfrentar um governo  
imperial metropolitano como as colônias do Caribe, Jamaica ou Cuba,  
por exemplo. No Brasil, os fazendeiros puderam controlar a transição,  
sobretudo depois que a Monarquia foi substituída pela República  
Federativa em 1889 e os estados ganharam maior autonomia.  
(COSTA, 2008, pp. 133-4)  
Ainda que seja difícil identificar esse episódio como sendo de uma revolução  
social, fato é que a abolição da escravidão, como marco final de um progressivo  
desgaste das relações escravistas diante da consolidação e da generalização de um  
capitalismo industrial, representou um marco importante na história nacional, com um  
impulsionamento das indústrias nascentes, a liberação de significativo vulto de capitais  
esterilizados, a formação de um mercado interno e, especialmente, a constituição de  
uma autêntica classe trabalhadora livre.  
Mas não houve, nesse esquema, plena integração da população recém-liberta à  
nova sociedade do trabalho assalariado. Parte desses trabalhadores passou a ocupar  
aqueles cargos mais precarizados do subemprego, enquanto outra parcela significativa  
passou a compor o exército industrial de reserva ou, como prefere Gorender (2017,  
pp. 123-4), a “reserva da reserva” ou a “reserva de segunda linha dos discriminados”.  
A aposta central foi em uma política de branqueamento a partir da imigração  
subvencionada de trabalhadores europeus, principalmente italianos, responsáveis por  
formar, eles mesmo, uma primeira linha da reserva.  
Nessa concorrência entre diferentes grupos de trabalhadores, o racismo  
assegura que os negros, submetidos às posições mais precárias e constituindo uma  
enorme reserva da reserva, contribuam para o rebaixamento dos salários dos  
trabalhadores em geral, ao mesmo tempo em que garantem a ocupação de postos  
dificilmente atribuíveis a um trabalhador valorizado. A população negra servia, nesse  
sentido, como “massa de pressão em processo de marginalização sobre os imigrantes  
trabalhadores, criando uma ameaça latente contra os mesmos, na medida em que eles  
procurassem levantar reivindicações mais avançadas” (MOURA, 2021, p. 52).  
O sistema penal contribuiu para essa dinâmica. As prisões correcionais  
permaneceram em pleno vigor, direcionando-se majoritariamente à população negra.  
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De fato, o Código Penal de 1890 deixou de prever crimes específicos para  
escravizados e aboliu definitivamente penas infamantes, como os açoites e as galés.  
Por outro lado, generalizou a pena de prisão para uma maior gama de crimes e  
incorporou, nas suas previsões, infrações de disposições preventivas de leis e de  
regulamentos (como as previstas nas posturas municipais), chamadas no novo código  
de “contravenções penais”. Assim eram a vadiagem, a mendicância, a capoeiragem e  
a embriaguez, além de jogos, apostas, loterias e rifas.  
Em muitos sentidos, o Código endurece o tratamento das contravenções. A  
vadiagem, por exemplo, tem sua pena agravada e recebe uma definição mais ampla,  
abarcando, além da recusa ao emprego, a ausência de domicílio certo, e não mais  
exigindo prévia advertência por juiz de paz. Além disso, o Código passa a prever a  
assinatura de um tempo de ocupação (ou “de bem viver”), em que o apenado se  
compromete a comprovar fonte de autossustento e domicílio certo no prazo de 15  
dias após deixar a prisão, sob pena de ser considerado reincidente e ser enviado para  
uma colônia correcional, onde permaneceria de um a três anos. As colônias  
correcionais representam uma novidade da nova legislação. Situadas em localidades  
distantes ilhas marítimas ou zona rural , destinavam-se inicialmente a  
contraventores persistentes, principalmente vadios e capoeiras, passando  
gradativamente a acolher, entretanto, presos políticos.  
As contravenções, já muito relevantes nas dinâmicas do exercício punitivo desde  
a colônia, representaram o carro chefe da aplicação do sistema penal na I República.  
Em 1890, 60% das pessoas levadas à Casa de Detenção do Rio de Janeiro foram  
detidas por embriaguez, vadiagem e comportamento desordeiro. E das 489 pessoas  
presas em agosto de 1911, a grande maioria era acusada de vadiagem (CHAZKEL,  
2017, p. 15). Só no ano de 1907, passaram pela unidade 3.061 pessoas presas por  
vadiagem e mais 112 presas por “vadiagem reincidente”, além de 122 por  
“embriaguez e vadiagem”, o que significa mais que o triplo de todas as outras infrações  
somadas (NEDER, 1994, p. 86).  
Em São Paulo, apesar de também contar com a ampla prevalência de  
contravenções, a ordem se alterava: vadiagem era a terceira maior motivação das  
prisões, superada por desordem e embriaguez, o que acontecia de forma similar em  
Minas Gerais (SILVA, 2006, p. 99). O mais comum, em todos esses casos, era que a  
prisão fosse desacompanhada de um correspondente processo penal (FAUSTO, 1984,  
pp. 41-4).  
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A punição à capoeiragem, mais diretamente relacionada à criminalização da  
população negra, também permaneceu tendo papel de destaque: respondeu por  
28,5% do total de prisões em São Paulo entre 1904 e 1916 (SANTOS, 2004, p. 52).  
Ao mesmo tempo, os negros tinham mais que o dobro de chance de condenação  
criminal que as pessoas brancas (SANTOS, 2004, p. 236) e eram comuns  
considerações explícitas sobre a cor da pele do acusado, da vítima ou da testemunha  
como elemento de apreciação dos casos criminais em geral.  
Outras práticas culturais ligadas majoritariamente à população negra também  
foram criminalizadas pela legislação extravagante ou, na sua ausência, pela prática  
concreta de uma polícia com pouco apego às previsões legais. Se a escravidão envolvia  
o esforço contínuo de destruição da identidade negra, o pós-abolição vai se esforçar  
para frear as tentativas associativas das novas gerações, como ocorria nos terreiros,  
nos grêmios carnavalescos, nas festas religiosas populares, que constituíam os novos  
“ajuntamentos” de que a legislação do Império, como vimos, tanto se ocupou. Por isso,  
“as diversas manifestações culturais das populações negras, exatamente aquelas que  
engendravam novos laços de sociabilidade e reforçavam convívios comunitários, eram  
sistematicamente perseguidas: a roda de samba, as festas religiosas, as maltas de  
capoeira, os blocos carnavalescos e batuques diversos”. Na marca de uma ruptura que  
conciliava com o velho, sem fazer concessões e recusando qualquer compromisso  
democrático, “os terreiros de macumba foram sistematicamente reprimidos e a posse  
de um pandeiro era suficiente para a polícia enquadrar o sambista na lei de repressão  
à vadiagem” (SIMAS, 2016).  
Para isso também concorreu a ampla difusão de teorias raciais, em especial do  
positivismo criminológico de matriz italiana, com autores como Cesare Lombroso e  
Enrico Ferri. Raymundo Nina Rodrigues, o principal representante do positivismo no  
Brasil, fará uma clara equiparação entre tipo racial e tipo criminoso. Negros, mestiços  
e indígenas seriam raças bárbaras e selvagens, inferiores aos europeus, e que  
formariam o grosso contingente do crime no país: “o negro crioulo conservou vivaz os  
instintos brutais do africano: é rixoso, violento nas suas impulsões sexuais, muito dado  
à embriaguez e esse fundo de caráter imprime o seu cunho na criminalidade colonial  
atual” (RODRIGUES, p. 2011, p. 49).  
Lukács (2020, p. 580) argumentou que a primeira fase da teoria das raças,  
tendo Gobineau como expoente central, renovou o velho antidemocratismo da  
aristocracia feudal, só podendo ser bem aceita no contexto dos séculos XVIII e XIX por  
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uma burguesia reacionária como a do Sul dos Estados Unidos. Já a segunda fase, a  
das teorias modernas da raça, dentre as quais se destaca o darwinismo social de  
Spencer, renovou o velho antidemocratismo próprio da burguesia, do capitalismo  
vitorioso, tendendo a ter aceitação, já no século XX, em países como a Alemanha, que  
não vivenciaram uma revolução burguesa prévia à dominação econômica e que  
tentavam se inserir tardiamente na corrida imperialista. Não por acaso, o Brasil teve  
ampla aceitação de ambas as teorias da raça, tanto da versão tradicional quanto da  
moderna: para uma burguesia que, como a prussiana, surge conciliatória, de  
tendências bonapartistas e incapaz de maiores empreendimentos revolucionários, e  
que, como a burguesia reacionária, agrária e escravista do Sul dos Estados Unidos, já  
surge reacionária, ambas as influências são palatáveis. A obra de Nina Rodrigues  
representa a síntese da influência de Lombroso, que tem justamente Gobineau como  
referência importante para equiparar tipo racial e tipo criminoso, e de Enrico Ferri, que  
tem seu multifatorialismo fortemente embasado no darwinismo social de Spencer.  
Assim há a recepção da ideologia de uma burguesia reacionária e decadente das vias  
clássica e prussiana por uma burguesia de via colonial que já nasce reacionária e  
decadente.  
Com base em todas essas ferramentas, o sistema penal do pós-abolição, a partir  
da centralidade da repressão às contravenções, direcionada sobretudo à população  
negra e à população pobre em geral, aparece novamente como violência  
extraeconômica que ajuda a forjar os termos do assalariamento no Brasil. Em um  
contexto em que a industrialização ainda se colocava de forma incipiente, de modo  
que a relação-capital ainda não conseguia se firmar sobre seus próprios pés e segundo  
suas próprias leis, a coerção jurídico-penal serve à garantia da disponibilidade de  
trabalhadores e à superexploração da força de trabalho livre, isto é, à determinação  
do valor dessa força de trabalho em níveis mais baixos comparativamente aos países  
clássicos, por vezes até em níveis abaixo de seu limite mínimo ou físico. Isso se dá,  
sob a República, por meio da formação de um exército de reserva, composto, pelo  
racismo, de uma “reserva da reserva” ou de uma “reserva de segunda ordem dos  
discriminados” (GORENDER, 2016), composta justamente pela população negra, que  
impõe a esse grupo social o subemprego ou o desemprego, e faz com que ele  
pressione o exército ativo de trabalhadores a aceitar, com resiliência, as condições de  
trabalho impostas.  
Além disso, por meio da repressão rigorosa da recusa ao trabalho, a partir das  
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contravenções penais de vadiagem, alcoolismo e mendicância, que perdurariam ainda  
por um século, contribui para consolidar uma ética do trabalho e promove a  
administração política da pobreza, separando aptos e inaptos a trabalhar e isolando  
aquelas ameaças de perturbação à nova ordem. Ainda, mina as possibilidades de  
organização da nascente classe trabalhadora livre, tanto pela proibição das novas  
formas de “ajuntamento” da população negra, quanto, em um sentido mais literal, na  
violenta repressão às greves e a outros “crimes contra a liberdade de trabalho”,  
geralmente enquadráveis como “distúrbios” ou “algazarras” (NEDER, 1994). Nesse  
último aspecto destaca-se o crescente combate ao anarquismo, que justificou prisões  
arbitrárias, espancamentos, confisco de jornais, invasão de residências operárias e  
envio de operários para colônias correcionais (FAUSTO, 2016, pp. 215-6).  
De forma subsidiária e menos relevante, a precária introdução do trabalho no  
cárcere, tanto nas casas de correção quanto nas colônias correcionais e, mesmo, nas  
casas de detenção, pode ter contribuído em algum grau para a qualificação profissional  
de pessoas com tempo de aprisionamento mais longo e para o fornecimento de certos  
produtos artesanais ou manufaturados ao estado, além da disponibilização de braços  
para trabalho em obras públicas.  
O essencial, parece-nos, é como, em um momento ainda prévio à afirmação do  
verdadeiro capitalismo brasileiro e no qual são dados passos ainda incipientes em um  
sentido modernizador, o aparelho repressivo do estado, como operador de uma  
violência extraeconômica e de uma contrarrevolução autodefensiva, busca assegurar  
que essa modernização se dê de forma excludente e que sejam replicados os  
caracteres próprios de uma via colonial: atraso, atrofia, subordinação, superexploração  
do trabalho e progresso nacional sem evolução social.  
Mas o impulso mais relevante à industrialização brasileira, que insere o país em  
um cenário de desenvolvimento mais coeso e estável, é dado pela Revolução de 1930,  
que assegura a hegemonia urbano-industrial em detrimento da agrário-exportadora.  
Temos a ascensão de um estado intervencionista, que arroga para si a tarefa básica  
que a burguesia nacional, subordinada e inorgânica, não conseguiu efetivar: a  
industrialização brasileira. Tem-se a intervenção do estado em setores estratégicos da  
economia, com a criação de grandes empresas estatais no setor das indústrias de base  
e de órgãos destinados a direcionar investimentos em setores específicos, além da  
criação de regulações que interferem nas inclinações naturais da economia.  
Paralelamente a esse empenho do estado em subvencionar o desenvolvimento  
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das forças produtivas, destaca Mazzeo, tem-se, no plano político, a “repressão ao  
movimento operário e popular, representado pela legislação trabalhista autocrática e  
corporativista e pelo aparelho repressivo de uma polícia política violenta e brutal”  
(MAZZEO, 1995, pp. 33-4). Na esfera penal, cresce a repressão aos crimes contra a  
economia popular, com a criação de novos tipos penais em leis especiais com penas  
não desprezíveis, e aos crimes propriamente políticos, com uma ampla reforma  
reforçadora do aparato policial do estado e com a edição de leis repressivas, com  
destaque para a Lei de Segurança Nacional de 1935, alcunhada de “lei monstro”, e  
para a criação do Tribunal de Segurança Nacional, em 1936, responsável por condenar  
mais de 4.000 pessoas durante sua vigência (BISI, 2016, p. 270). Com isso, preparava-  
se uma antecipação de instrumentos jurídico-políticos do Estado Novo (RAGO FILHO,  
1998, p. 325).  
Ainda sobre o período, Nilo Batista (2003, pp. 464-7) e Gabriela Cavalcanti  
sustentam um arrefecimento da atuação do estado em relação às contravenções penais  
dos períodos antecedentes. O argumento levantado por Gabriela Cavalcanti é no  
sentido de que à medida que o capitalismo industrial brasileiro se firma sobre seus  
próprios pés, “a compulsão econômica torna-se ela mesma a polícia, o juiz e o  
carcereiro” (2018, pp. 296-7). A alegação faz sentido, mas parece contrastante com  
os dados da realidade.  
No estado de São Paulo, entre 1934 e 1939, houve não redução, mas aumento  
em 60% do número absoluto de detenções correcionais por vadiagem, e a redução se  
dá apenas em momento posterior, entre 1939 e 1943 (TEIXEIRA; SALLA; MARINHO,  
2016, pp. 394-6). Ainda assim, dados da cidade de São Paulo apontam para um  
aumento vertiginoso mesmo nesse último período: as detenções por “ócio ou  
vadiagem” mais que triplicaram entre 1943 e 1951 e octuplicaram entre 1943 e  
1960, enquanto as prisões por mendicância quintuplicaram entre 1943 e 1951,  
reduzindo vertiginosamente em seguida. De modo geral, as prisões correcionais quase  
dobraram, em um crescimento bem maior comparativamente às “prisões legais”,  
decorrentes de processo criminal.  
Disso se extrai que houve, na verdade, uma intensificação da perseguição à  
vadiagem e a outras contravenções durante a Era Vargas, inclusive no Estado Novo.  
Isso aponta para a persistência do desempenho de certas funções: a administração  
política do pauperismo e da disponibilidade de trabalhadores; a superexploração da  
força de trabalho, pela continuidade de uma reserva da reserva; um constrangimento  
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ao trabalho precário, convivente com a afirmação de uma ética do labor; a consolidação  
de um planejamento urbano higienista; e a garantia de uma modernização excludente.  
A isso se acresceria uma tendência de reforço do papel de violência  
propriamente política, com o recurso ao bonapartismo do Estado Novo. Daí em diante,  
o Brasil experimentaria, como aponta Chasin, um movimento pendular entre  
bonapartismo, forma da dominação burguesa em tempos de guerra, e autocracia  
burguesa institucionalizada, forma da dominação burguesa em tempos de paz. As  
formas de dominação são intercambiáveis sem que se desnature o caráter em si  
autocrático do estado brasileiro e a centralidade que nele assume o aparato repressivo  
institucional. Mas, pela limitação de espaço deste artigo, fica a análise desses passos  
posteriores para momento oportuno.  
Conclusão  
Buscamos apontar, na caracterização da via colonial brasileira, desde o período  
colonial até meados da década de 1930, os papéis desempenhados pelo seu sistema  
penal na reprodução dos caracteres próprios deste caminho de objetivação do  
capitalismo. Destacamos, especialmente, o sistema penal como violência  
extraeconômica, como contrarrevolução preventiva permanente e como garantidor do  
caráter autocrático do estado brasileiro.  
Como violência extraeconômica, contribuiu para a máxima exploração do  
trabalho. Em um primeiro momento, do trabalho escravo (indígena e depois negro): a  
máxima exploração, que nesse caso tinha o sentido literal de redução desses seres  
humanos à condição de coisa, era viabilizadora de lucros compensadores aos senhores  
de terras, considerando o investimento de capital (que se torna esterilizado) na compra  
do escravo e o estatuto colonial, que fazia com que ao senhor restasse apenas uma  
pequena fatia do produto do trabalho. Nesse contexto, durante toda a vigência da  
escravidão, o poder punitivo esteve concentrado nas mãos dos senhores de terra: os  
açoites, o pelourinho, os grilhões, a máscara de flandres, o anjinho, o bacalhau e as  
variadas formas de castigo e tortura aparecem como violência extraeconômica voltada  
a assegurar essa forma específica das relações produtivas.  
Depois, com a abolição, o sistema penal serve à superexploração da força de  
trabalho livre, isto é, à determinação do valor dessa força de trabalho em níveis mais  
baixos, por vezes até em níveis abaixo de seu limite mínimo ou físico. Isso se dá, sob  
a República, por meio da formação de um exército de reserva, composto, pelo racismo,  
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de uma reserva da reserva ou de uma reserva de segunda ordem dos discriminados,  
composta justamente pela população negra, que impõe a esse grupo social o  
subemprego ou o desemprego, e faz com que ele pressione o exército ativo de  
trabalhadores a aceitar com resiliência as condições de trabalho impostas; além disso,  
por meio da repressão rigorosa da recusa ao trabalho, a partir das contravenções  
penais de vadiagem, alcoolismo e mendicância, que perduram por séculos. E, por fim,  
por meio da repressão às lutas dos trabalhadores na reivindicação de melhores  
condições de trabalho, especialmente pela pecha do anarquismo e, posteriormente, a  
partir do Estado Novo, pelo recurso ao bonapartismo.  
Como contrarrevolução preventiva ou autodefensiva permanente, que reprimiu  
as variadas formas de resistência à escravidão e as lutas políticas que visavam a  
questionar mais profundamente a ordem social, o sistema penal brasileiro assegurou  
o prolongamento no tempo de um estatuto colonial baseado na tríade latifúndio-  
agroexportação-escravidão, e um daí decorrente capitalismo híper-tardio, atrófico,  
subordinado, incompleto e incompletável. E, quando essa realidade admitiu o novo –  
uma dita modernização, o sistema penal foi chamado a assegurar que isso se desse  
sob a forma de uma modernização excludente. Longe de revoluções do tipo europeu,  
o que se teve foi uma história movida por acordos pelo alto, conciliações entre as  
classes dominantes, que afirmam o novo pagando alto tributo ao velho, sem qualquer  
acerto de contas com seu passado e reprimindo com violência atroz qualquer  
insurgência a um modelo de superexploração do trabalho ou, mesmo, tentativas de  
afirmação democrática, e excluindo parcelas majoritárias da população, sobretudo a  
negra, das decisões sobre os rumos do país. No caminho colonial, não foi possível  
construir uma democracia burguesa, preponderando um estado autocrático burguês,  
variável, ao longo da história republicana, entre autocracia burguesa institucionalizada,  
forma da dominação burguesa em tempos de paz, e bonapartismo, modo da  
dominação burguesa em tempos de guerra.  
Por outro lado, o caráter atrofiado e subordinado de nosso capitalismo, para  
que concorre esse estado de contrarrevolução preventiva permanente, impõe certas  
particularidades no desenvolvimento das instituições penais brasileiras. É certo que  
foram reproduzidos aqui diversos caracteres do desenvolvimento do sistema penal das  
outras vias. Houve leis de repressão à vadiagem e à mendicância, uma confusão entre  
assistência, repressão e tratamento, com um conjunto de instituições intercambiáveis  
voltadas para um mesmo público e com um modo de funcionamento similar (casas de  
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correção, casas de detenção, asilos de mendicidade, hospitais de alienados, colônias  
correcionais, escolas premonitórias, conventos etc.), e uma invenção penitenciária que  
tenta copiar o modelo clássico. Mas, ao mesmo tempo, o modo específico da  
objetivação brasileira traz particularidades: longe de um panoptismo de inspiração  
clássica, o que se teve foram dados de mortalidade sem precedentes e trabalho  
escasso, artesanal ou com manufaturas de baixíssima expressão, que não perduravam  
por muito tempo.  
Um exercício comparativo com outras vias de desenvolvimento capitalista,  
partindo de abstrações razoáveis, permite sustentar proximidades e afastamentos  
especialmente com a via clássica estadunidense e com a via prussiana alemã.  
Quanto à primeira, há como semelhanças um passado colonial, com a presença  
da plantation e da escravidão, e, por consequência, um sistema penal que tem no  
racismo, histórica e ainda atualmente, uma de suas principais determinações. Como  
diferenças ligadas à ausência de uma revolução burguesa e de um capitalismo capaz  
de se desenvolver plenamente, rompendo com a subordinação, é possível apontar: 1)  
uma tendência estadunidense de exercício da dominação burguesa nos moldes de uma  
democracia burguesa, sem maiores demandas de ruptura, em contraste com a  
tendência autocrática da via colonial, marcada por um movimento pendular entre  
bonapartismo e autocracia burguesa institucionalizada, que reclama formas  
particularmente selvagens de dominação burguesa, para o qual o uso do sistema  
penal, oscilante entre a violência velada e os regimes de exceção, é elemento central;  
2) na apologia direta ao capitalismo, de que falou Lukács, os Estados Unidos tendem  
a um racismo legalista, amparado em uma ideologia segregacionista, enquanto no  
Brasil prevalece um racismo ilegalista, que tem por meios o sistema penal subterrâneo  
e o frequente recurso a um sistema penal paralelo, amparados na negativa teórica do  
racismo e na ideologia da democracia racial; 3) o convict leasing system, e de forma  
mais ampla, a conexão íntima do sistema penal estadunidense com uma iniciativa  
empresarial privada voraz desde seu nascedouro, que nem de longe encontra paralelo  
nas tímidas cifras do trabalho carcerário do capitalismo hipertardio, atrófico,  
incompleto e subordinado brasileiro. No plano ideológico, as teorias modernas da raça  
tiveram aceitação tanto no Brasil quanto pelos escravocratas do sul dos Estados  
Unidos, embora aqui tenha tido um sentido mais prolongado, persistente e  
generalizado.  
No contraste com a via prussiana, tomando o exemplo alemão de base,  
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Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
entendemos, desde uma abstração razoável, como semelhanças ligadas a uma  
industrialização tardia, à inexistência de processos revolucionários (ao menos nos  
termos descritos por Marx como “revoluções de tipo europeu”) e ao caráter próprio  
de suas burguesias, a tendência a formas particularmente brutais de repressão política  
e, mais especificamente, ao bonapartismo. Como diferenças, vale apontar que o  
bonapartismo alemão conduziu o país a um processo de industrialização e a seu  
ingresso como elo débil na corrida imperialista, ao passo que o bonapartismo  
brasileiro preservou e agudizou a subordinação ao capital internacional. No plano  
ideológico, como semelhança, destacamos a ampla introjeção, em ambos os países,  
das teorias modernas da raça em geral, e do positivismo criminológico em específico,  
com a diferença de que, lá, essas ideologias próprias de uma burguesia em processo  
de decadência foram mobilizadas para a guerra imperialista e culminaram na  
sustentação do fascismo, enquanto no Brasil elas conheceram uma burguesia que já  
nasce decadente e são instrumentalizadas para a perpetuidade da condição  
subordinada brasileira. Em especial, para a permanência da escravidão após a abolição  
do tráfico negreiro e, depois, para a continuidade da exclusão da população negra da  
vida nacional e para a criminalização dos trabalhadores organizados, por meio da  
pecha lombrosiana do anarquismo. Acrescenta-se a isso que o atraso brasileiro gestou  
não um Hitler, com sua agressividade imperialista, mas um Plínio Salgado, com seu  
reacionarismo e sua regressividade utópica, de modo que a escolha política do Brasil  
não foi e dificilmente seria o fascismo, mas sim o bonapartismo, cíclico na história  
nacional e que deixou o legado dos grandes aparelhos de violência institucional do  
Brasil.  
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Como Citar:  
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