REVISTA VERINOTIO  
NOVA FASE  
Edição Especial  
Volume 30.1  
J. Chasin  
A miséria brasileira  
1º. semestre  
2025  
VERINOTIO - REVISTA ON-LINE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS  
ISSN 1981-061X v. 30, n. 1 - Edição Especial, 1º. semestre de 2025  
As opiniões emitidas em artigos ou notas assinadas são de responsabilidade  
exclusiva dos respectivos autores.  
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE  
Rua Recife, Lotes 1-7 - Jardim Bela Vista, Rio das Ostras - 28895-532 RJ/Brasil.  
E-mail: revistaverinotio@gmail.com  
EXPEDIENTE  
Equipe editorial  
Editora-chefe: Dra. Vânia Noeli Ferreira de Assunção, UFF  
Editora-chefe adjunta: Dra. Ester Vaisman, UFMG  
Editor-associado: Dr. Vitor Bartoletti Sartori, UFMG  
Editor-associado: Dr. Ronaldo Vielmi Fortes, UFJF  
Editora-associada: Ms. Gabriella M. Segantini Souza, UFMG  
Equipe técnica  
Gabriella M. Segantini Souza - Capista, diagramadora  
Ronaldo Vielmi Fortes - diagramador  
Roger Filipe Silva - Web designer, programador e suporte técnico  
Conselho Editorial  
Dr. Alexandre Aranha Arbia, UFJF, Brasil; Dra. Ana Laura dos Reis  
Corrêa, UnB, Brasil; Dra. Ana Selva Castelo Branco Albinati, PUC-MG,  
Brasil; Dr. Antônio José Romera Valverde, PUC-SP, Brasil; Dr.  
Antônio José Lopes Alves, UFMG, Brasil; Dr. Antônio Rago Filho,  
PUC-SP, Brasil; Dr. Carlos Eduardo O. Berriel, Unicamp, Brasil; Dr.  
Celso Frederico, USP, Brasil; Dra. Cristina Lontra Nacif, UFF, Brasil;  
Dr. Eduardo Ferreira Chagas, UFC, Brasil; Dr. Elcemir Paço Cunha,  
UFJF, Brasil; Dra. Fabiana Scoleso, UFT, Brasil; Dr. Francisco Garcia  
Chicote, Conicet/UBA, Argentina; Dr. Guilherme Leite Gonçalves, Uerj,  
Brasil; Dr. Juarez Duayer, UFF, Brasil; Dr. Leonardo Gomes de Deus,  
UFMG, Brasil; Dra. Lúcia Aparecida Valadares Sartório, UFRRJ,  
Brasil; Dr. Marco Vanzulli, Università degli Studi di Milano Bicocca, Itália;  
Dr. Mario Duayer, in memoriam; Dr. Mauro Castelo Branco de  
Moura, UFBA, Brasil; Dr. Miguel Vedda, UBA, Argentina; Dra. Mônica  
Hallak Martins Costa, PUC-MG, Brasil; Dr. Nicolas Tertulian, in  
memoriam; Dr. Paulo Henrique Furtado de Araujo, UFF, Brasil; Dr.  
Ricardo Gaspar Müller, UFSC, Brasil; Dr. Ricardo Lara, UFSC, Brasil;  
Dr. Ricardo Prestes Pazello, UFPR, Brasil; Dr. Ronaldo Rosas Reis,  
UFF, Brasil; Dr. Vinícius Gomes Casalino, PUC-Campinas, Brasil.  
SUMÁRIO  
Editorial: Essencial é enterrar os mortos ........................................................................... IX  
Vitor Bartoletti Sartori  
Edição especial  
A miséria brasileira J. Chasin  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo: uma reflexão marxista sobre  
nossa formação sócio-histórica ..................................................................................................... 1  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-  
1937)……………………………………………………………………………….............. 40  
Antonio Rago Filho  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização ................................................................. 60  
Lívia Cotrim  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império: fundamentos da subordinação  
financeira (1822-1840) ..............................................................................................................101  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro: da colônia à  
formação da classe trabalhadora livre .................................................................................... 130  
Nayara Rodrigues Medrado  
O racismo na via colonial ........................................................................................................... 154  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira ...... 184  
Leandro Theodoro Guedes  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho ........................... 216  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira: o rebaixamento  
salarial como objetivo da lei ………………………………………...………………..…. 259  
Pedro Rocha Bado  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste ……………………..………. 290  
Thiago Martins Jorge  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda:  
socialismo ou a tragédia da barbárie cotidiana ainda hoje ……………...……..……. 318  
Vitor Bartoletti Sartori  
O “pavoroso deserto ideológico”: dos fundamentos à atualidade do ideário politicista  
na miséria brasileira ………………………………………………………...…..………. 352  
Elcemir Paço Cunha  
Entrevista  
J. Chasin:  
‘A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante’ .......................................... 385  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.756  
EDITORIAL  
Essencial é enterrar os mortos: os cadáveres  
insepultos e o vampirismo da esquerda diante do  
passado  
Vitor Bartoletti Sartori*  
A presente edição vincula-se à futura republicação de A miséria brasileira, de J.  
Chasin. A opção da Verinotio de dar seguimento ao projeto de disponibilização das  
obras completas do filósofo paulista se explica pela busca por, simultaneamente,  
viabilizar a consulta a textos fundamentais para sua própria época e intervir ativamente  
no debate das ideias do presente.  
Por essa razão, a retomada de teorizações de Chasin, clássicas acreditamos –  
para o marxismo nacional, não configura uma atitude laudatória ao pensamento do  
autor de O futuro ausente, mas o destaque de possíveis pontos de partida para a  
compreensão das determinações da especificidade do capitalismo brasileiro. Em  
palavras distintas e explicitando as consequências de nosso raciocínio: ao mesmo  
tempo em que a simples transposição das posições chasinianas para o presente é  
inviável e anacrônica, devido às transformações que ocorreram no sistema capitalista  
de produção (com as consequentes mudanças na circulação, distribuição etc.) e em  
nosso capitalismo de via colonial, ignorar ou silenciar sobre o filósofo paulista deixa  
aberta uma grande oportunidade para a reiteração dos descaminhos da esquerda, em  
particular do marxismo tupiniquim.  
***  
Um tema primordial para a obra chasiniana é a derrota das revoluções que,  
* Mestre em história social pela PUC-SP, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela USP, professor  
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: vitorbsartori@gmail.com. Orcid: 0000-0001-  
9570-9968.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Vitor Bartoletti Sartori  
grosso modo, deram a tônica da história de 1848 até 1989. Assim,  
retrospectivamente, é imprescindível constatar que esses acontecimentos conformam  
o que havia de mais grandioso do passado; eles também foram dotados de um papel  
formativo vital para as gerações pregressas de intelectuais e de militantes socialistas.  
Contudo, como até mesmo os mais limitados marxistas sabem, uma revolução dos  
tempos atuais independentemente de sua conformação concreta e de suas  
determinações não pode retirar sua poesia do passado. Por conseguinte, o futuro da  
esquerda também depende de seu acerto de contas com os eventos e com as  
teorizações pretéritas. Assim, a impossibilidade de não exime pelo contrário a  
esquerda de uma investigação criteriosa sobre as razões das derrotas das lutas da  
classe trabalhadora e, particularmente, das lutas socialistas. Ademais, tal estudo não  
nos desobriga de apreender a diferença específica entre as distintas épocas,  
dessemelhança que torna inviável quaisquer transposições do passado ao tempo  
presente.  
A investigação do passado revolucionário constitui parte do entendimento  
necessário de nosso tempo, até  
o
presente momento, efetivamente  
contrarrevolucionário. E, assim, o cardápio de estudos imprescindíveis é vasto e  
poderia incluir, para que mencionemos somente acontecimentos mundiais: a retomada  
das derrotas de 1848 nos países europeus (e não só na França); os estudos sobre  
revoltas agrárias da mesma época em países como a Polônia; a análise crítica, e não a  
celebração apoteótica, da Comuna de Paris e da Internacional Comunista; o  
entendimento post festum sobre os limites da Revolução Russa e da  
interessantíssima década de 1920; a compreensão sobre a década de 1930, a derrota  
do movimento comunista, a ascensão do nazifascismo e da miséria ideológica  
irracionalista a ele relacionado; a percepção sobre a degeneração da revolução  
soviética sob Stálin e sob o stalinismo e a emergência da guerra fria; o reconhecimento  
da crise do marxismo como ideologia de massas já no último quarto do século XX,  
dentre muitos outros temas. Mencionamos esses eventos vitais porque, depois que um  
tempo tem seu termo, é factível olhar para o passado sem as ilusões que lhe eram  
características e, assim, torna-se uma tarefa indispensável identificar os mortos e os  
enterrar de modo próprio, com as devidas honras e críticas. Por conseguinte, como  
temos tentado salientar, a mirada para o passado é também parte da necessária  
retomada da perspectiva e da posição de esquerda.  
O olhar retrospectivo deve, entretanto, investigar sobretudo as (auto)ilusões e  
Verinotio  
X |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
as limitações subjetivas e objetivas que levaram às derrotas da esquerda, sem qualquer  
romantismo. Dotada do realismo daqueles que reconhecem tanto a própria miséria  
teórica e prática quanto a urgência da apreensão das contradições do presente, é  
primordial tomar uma posição declaradamente socialista após derrotas duras, que  
tornaram o capitalismo o horizonte atual. Queremos, então, como herdeiros de Chasin  
que somos, reiterar desde logo nossa profunda convicção acerca da necessidade e da  
possibilidade histórica da revolução social, posição a partir da qual são feitas as críticas  
a seguir.  
Se seguirmos as posições defendidas por Marx já na década de 1840, a perda  
das ilusões é a maior vitória que um movimento de massas pode angariar depois de  
seus revezes. Em seu Lutas de classes na França, o autor foi muito claro ao tratar das  
Jornadas de Junho. Para ele, a revolução estava morta. Ela havia sido derrotada. No  
entanto, o fruto de tal evento não estava consubstanciado somente no retrocesso do  
movimento dos trabalhadores, mas na abertura dos horizontes decorrente da perda  
das ilusões. Nesse sentido, o autor conclamou com todas as letras: “a revolução  
morreu! Viva a revolução”! O próprio Marx, portanto, foi obrigado a reconhecer de  
modo claro a derrota da classe trabalhadora na sua primeira aparição revolucionária  
na cena pública. Mais do que isso, identificar os revezes sofridos pela classe  
trabalhadora foi condição sine qua non para o desenvolvimento da prática e da teoria  
marxianas. Por conseguinte, na obra do autor, bem como na de Engels, havia uma  
incontornável unidade entre a análise conjuntural, a teorização sobre as lutas de  
classes e a política, sobre as limitações do estado e do direito e, em primeiro e principal  
lugar, sobre a crítica da economia política. A tão aclamada correlação entre teoria e  
prática teve por base a mencionada vinculação.  
Da mesma forma, na primeira geração de marxistas do movimento comunista –  
aquela de Lênin e Rosa Luxemburgo , mesmo com nuances distintas, a mesma  
unidade de teoria e prática também dá a tônica. O desenvolvimento do capitalismo na  
Rússia e Acumulação de capital são grandes obras, indissociáveis tanto dos textos de  
intervenção dos autores (como Que fazer? e Reforma ou revolução?) quanto da  
atividade política dos melhores militantes de uma geração. Ainda sobre o caráter  
primordial da crítica da economia política, podemos destacar em uma geração mais  
recente de marxistas, aquela posterior à II Guerra Mundial, obras como Capital  
monopolista e Capitalismo tardio, respectivamente de Paul A. Baran e Paul Sweezy e  
de Ernst Mandel, são vitais. Nesses casos, porém, a unidade entre a atividade prática  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XI  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
da política e a teorização das categorias econômicas da sociedade capitalista estava  
marcada por muitos matizes suplementares, se comparada com a geração de Lênin e  
de Rosa. Não buscamos elencar todos os grandes marxistas do passado, contudo, a  
simples amostragem que mencionamos acima é suficiente para expressar o quanto o  
movimento comunista foi profícuo no que diz respeito ao desenvolvimento de uma  
crítica da economia política que fundamentasse as posições políticas de seu tempo. A  
grandeza da produção teórica mencionada também chama a atenção, principalmente,  
ao adotarmos a perspectiva contemporânea do marxismo.  
A tradição marxista tem nesses autores verdadeiros clássicos da crítica da  
economia política. Trata-se de gigantes cujos ombros dão apoio às gerações seguintes.  
Porém, pelo que dissemos, a unidade da teorização desses autores com o movimento  
comunista não resultou no triunfo das revoluções que vão de 1848 a 1989. Antes, a  
vinculação do proletariado revolucionário segundo Engels, herdeiro da filosofia  
clássica alemã com a intelectualidade comunista redundou tanto em acontecimentos  
grandiosos quanto no dolorido fracasso do movimento de massas que deu a tônica da  
esquerda até pouco tempo.  
Os séculos XIX e XX foram aqueles em que o aviltamento da força de trabalho  
e, em específico, daquela pertencente ao proletariado da grande indústria trazia  
como potencialidade a superação do capitalismo. Ou seja, cada crise do capitalismo  
portava em seu ventre a possibilidade de emergência do novo, de modo que ao  
menos assim se pensava o socialismo era uma possibilidade concreta. Em outras  
palavras, a potência do movimento comunista fundamentou-se no fato de a própria  
sociedade capitalista propiciar a emergência de uma classe social interessada na  
mudança substancial do modo de produção. Tal movimento também se apoiou na  
circunstância de as crises capitalistas expressarem tanto o anacronismo da apropriação  
privada da produção quanto o surgimento de formas de produção que eventualmente  
poderiam ter por base a confluência entre o desenvolvimento das forças produtivas e  
relações de produção assentadas na organização dos trabalhadores livremente  
associados. Hoje, porém, talvez vivamos em uma época distinta, em que as crises não  
engendram de imediato tais potências, mas a reposição, em escala ampliada, dos  
pressupostos do próprio capital. Por essa razão, em oposição ao passado  
revolucionário da esquerda, Chasin denomina sua época o que, entendemos, é  
perfeitamente adequada também para o presente momento de tempo das crises, a  
época em que, momentaneamente, as contradições no sistema capitalista de produção  
Verinotio  
XII |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
deixaram de dar ensejo ao socialismo como possibilidade concreta. Nesse sentido, há  
mudanças substanciais, que precisam ser reconhecidas.  
Tal posicionamento chasiniano lança luz sobre um fato que deveria ser evidente.  
A esquerda, nós inclusos, ainda tiramos a poesia do passado. Ademais, não é raro que  
tentemos realizar o exercício pueril de buscar aquilo que poderia ter sido e que não  
foi no passado revolucionário, em especial o soviético. Somos herdeiros de grandes  
homens e mulheres, bem como de um movimento ligado a acontecimentos  
revolucionários sem igual. Contudo, vivemos sob a sombra de um passado que se foi  
e de revolucionários cujo ímpeto autocrítico nos é escasso. O movimento comunista  
do passado era profícuo na busca por programas econômicos, por mais problemáticos  
que eles tenham sido. Nós, por outro lado, ainda nem sequer conseguimos apreender  
as razões que consignaram a falência daquilo que foi entendido como economia  
socialista. Ou seja, vivemos no presente tanto eclipsados pela grandiosidade dos  
revolucionários do passado quanto pelos problemas das formulações teóricas e de  
suas práticas, as quais, como sabemos, mesmo que de modo sinuoso, redundaram em  
derrotas estarrecedoras, ainda não digeridas adequadamente por nós. A única  
vantagem dos revezes é que eles poderiam propiciar a potencial perda das ilusões,  
mas, infelizmente, não são raros entre nós os que nutrimos a ficção segundo a qual é  
possível simplesmente retomar os tempos áureos do marxismo e do movimento  
comunista.  
***  
Não se trata de reviver fatos e lutas derrotadas, mas de analisar as condições  
que levaram à derrota histórica da perspectiva do trabalho. De um lado, isso implica  
realizar uma crítica da economia política voltada à figura atual do capitalismo  
contemporâneo e, bem assim, buscar formas de organização correspondentes a tal  
investigação e que possam dar ensejo a uma adequada atividade (meta)política. De  
outro, reconhecer as insuficiências presentes mesmo nos melhores homens e mulheres  
que balizam nossas reflexões teóricas e que, inegavelmente, fizeram parte da falência  
do projeto socialista do século XX. Por todas essas razões, retirar a poesia do futuro  
significa destituir as ilusões do passado e apreender as determinações das relações  
de produção do presente de modo rigoroso para, então, poder transformá-las de  
acordo com as suas potencialidades latentes.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XIII  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Tal contatação é, no entanto, quase uma tautologia. Em verdade, ela depende  
de condições práticas e teóricas, as quais sempre conformam o essencial da questão.  
Acerca do assunto, primeiramente, é visível que já nas décadas de 1980 a 2000,  
mas ainda mais hoje o marxismo e a esquerda como tal são meras sombras do que  
já foram.  
A estatura de Lênin, Rosa, Baran, Sweezy e Mandel é incomparável com a dos  
envolvidos com a crítica da economia política de hoje. Correlacionadamente, adite-se  
a pobreza de horizontes da esquerda contemporânea, a qual, no que é fundamental,  
oscila entre procurar enterrar qualquer perspectiva emancipatória e buscar preservar  
as ilusões do passado. Ou seja, o que é crucial a ser entendido parece nos escapar.  
Reafirmar os princípios basilares do marxismo pode ser fundamental, mas seria  
demasiadamente nominalista acreditar que basta a enunciação de categorias fundantes  
da crítica à economia política para que o marxismo e a perspectiva de esquerda  
novamente se encontrem sobre os próprios pés. Ironicamente, o marxismo corre o  
risco de buscar, com Austin e pensadores dos mais idealistas possíveis, “fazer coisas  
com palavras”.  
Certamente, podemos enumerar grandes autores em tempos recentes, como R.  
Kurz e I. Mészáros, por exemplo. No entanto, é visível em suas teorizações certa pressa  
em oferecer respostas à nova situação do sistema capitalista de produção. Ambos, por  
vezes, caem em raciocínios catastrofistas, em que, por exemplo, no autor de Para além  
do capital, a chamada “crise estrutural do capital” faz crer num capitalismo em estado  
terminal. A coragem de ambos os autores é admirável, já que reafirmam reiteradamente  
a necessidade de supressão do valor, do capital e do estado. Mas, em suas obras, é  
escasso o uso de estatísticas e de análises concretas e há disposições afetivas  
extremas: de um lado, certo pessimismo incondicional de Kurz e dos membros do  
grupo Krisis e, de outro, certo wishfull thinking de Mészáros, que não deixou de render  
elogios acríticos ao chamado “socialismo de século XXI”, da Venezuela chavista. Ou  
seja, Kurz reconhece a derrota da esquerda, mas acaba quase enterrando a perspectiva  
da esquerda junto com os mortos de ontem; sob outro enfoque, são notáveis as  
dificuldades do autor húngaro de identificar que, ao fim, a esquerda de nosso tempo,  
para que se diga com Chasin, está morta e vaga como um cadáver insepulto.  
Ainda seria possível elencar os herdeiros da tradição teórica de Sweezy e Baran  
como importantes para o marxismo contemporâneo. John Bellamy Foster e Fred  
Magdoff, ao contrário de Mészáros e Kurz, são pródigos no tratamento de situações  
Verinotio  
XIV |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
concretas da economia capitalista. Porém, tal qual seus ascendentes intelectuais,  
tendem a utilizar uma terminologia keynesiana em momentos decisivos da apreensão  
das determinações da realidade. As difíceis análises da realização do mais-valor dão  
lugar à tematização sobre a demanda efetiva, por exemplo e, assim, a desenvoltura  
empírica dos autores ligados à Monthly Review convive com certa aproximação  
somente tangencial com os grandes temas de Mészáros e de Kurz, como a teoria do  
valor, a supressão do estado e da relação-capital. Ou seja, não é porque se apontam  
elementos importantes do capitalismo contemporâneo que a figura atual desse modo  
de produção foi realmente compreendida.  
Não obstante os inúmeros méritos de importantes marxistas da atualidade,  
trata-se de uma teorização típica de um tempo circunscrito por um futuro ausente. É  
imprescindível que isso seja reconhecido de pronto. Trata-se do tempo das crises,  
inclusive, da crise da própria esquerda.  
Seguramente, poderíamos elencar muitos outros importantes autores marxistas  
contemporâneos, e não é possível descartar de antemão os ganhos de suas  
investigações. Porém, o tempo das crises não tem permitido que haja um efetivo  
entrelaçamento entre a crítica da economia política e o desenvolvimento de um projeto  
econômico e político socialista. Na ausência de um sujeito social interessado na  
mudança substantiva da produção social, e na medida em que se oscila entre a pressa  
na apreensão da novidade do estágio atual do desenvolvimento capitalista e o recurso  
a um passado que não nos serve mais, o marxismo e a esquerda em geral estão em  
uma posição defensiva inédita em sua história.  
É verdade que, enquanto o capitalismo perdurar, a perspectiva da esquerda  
subsiste e a imprescindibilidade de uma posição socialista é igualmente atual.  
Contudo, uma condição para que a esquerda possa voltar a ser uma força real é o  
reconhecimento de sua derrota e de sua morte, até mesmo porque tal reconhecimento  
possibilita a renúncia a reescrever em forma de pastiche a prosa do passado. Se as  
teorizações pretéritas não se prestam mais a se apoderar das massas e se os  
marxismos mais contemporâneos (o nosso e o de Chasin inclusos, por óbvio) são  
insuficientes, identificar tal circunstância é um passo somente inicial, mas  
indispensável.  
***  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XV  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Até agora, apontamos que o futuro está ausente e evidenciamos a  
imprescindibilidade do reconhecimento, de nossa parte, de que, ao fim e ao cabo, a  
esquerda está morta. Assim, ainda não nos posicionamos propriamente sobre nosso  
país e a miséria brasileira, o que constitui tarefa basilar para aqueles educados em  
uma tradição que se recusa a subsumir as formações sociais específicas às  
determinações mais universais de um determinado modo de produção. Em outros  
termos, deve-se apreender a posição do Brasil no tempo das crises, quando a esquerda  
está morta e, para isso, é crucial captar alguns elementos basilares da conformação  
atual da miséria brasileira.  
Nesse sentido, um elemento vital para a tese da via colonial para o capitalismo  
é ser o capitalismo brasileiro. não só incompleto, mas incompletável. Nesse sentido,  
Chasin destacou n’A miséria brasileira que, se o capitalismo tardio alemão pode  
desenvolver-se plenamente por meio da brutalidade militar imperialista, o capitalismo  
tupiniquim, híper-tardio, subordina-se tanto às potências imperialistas de via clássica  
quanto às potências de via prussiana, o que determina sua atrofia. A consequência de  
tal raciocínio é que, na via colonial para o capitalismo, a burguesia nacional possui  
tanto atributos essencialmente antidemocráticos e antipopulares quanto um ímpeto  
prático subserviente diante dos imperativos da reprodução do capital transnacional,  
da qual mendiga migalhas. E, por essas razões, o capitalismo verdadeiro, amparado  
no ciclo completo da industrialização, no incremento de forças produtivas e na  
formação de um robusto mercado interno, é inviável no Brasil.  
Uma problemática essencial sobre o tema gira em torno da persistência da via  
colonial, ou de seu eventual encerramento, como chegou a indicar Chasin em alguns  
de seus textos tardios. As seguintes questões se colocam na ordem do dia: a inserção  
do Brasil no mercado mundial a partir dos governos FHC seria uma determinação que  
tornaria anacrônica a noção de via colonial? Depois dos governos do PT e hoje, qual  
a posição da esquerda nacional diante do capitalismo do tempo das crises?  
Com o objetivo de responder a tais questões, e na esteira do que já foi lembrado  
neste Editorial, em princípio, salienta-se que a unidade entre crítica da economia  
política e elaboração de um programa econômico elemento basilar da concepção  
marxista apareceu nas principais elaborações da esquerda nacional somente de  
modo tangencial e subliminar. É possível mencionar pensadores de grande valia, como  
Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes e, complementamos, o  
Verinotio  
XVI |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
próprio Chasin, que foram responsáveis pela elucidação de aspectos notáveis do  
capitalismo nacional e da configuração econômica dessa formação social. Inobstante,  
não há neles, no geral, uma unidade consciente, explicitamente elaborada, entre  
processo imediato de produção, processo de circulação e as figuras do processo global  
de produção, para que se use a dicção de O capital de Marx. Ou seja, o patamar  
alcançado pelos melhores pensadores da crítica nacional esteve aquém dos clássicos  
do marxismo e, em especial, daqueles amparados pela teorização sobre a crítica da  
economia política. Há também autores que abordaram diretamente tal problemática,  
como Ruy Mauro Marini e os teóricos ligados à teoria marxista da dependência,  
contudo, em verdade, eles ainda estão sendo resgatados do esquecimento no qual  
estiveram lançados e ainda há, portanto, que analisar o acerto e o saldo qualitativo de  
suas análises.  
Consequentemente, ainda que consideremos os melhores marxistas nacionais,  
como os citados, as determinações mais basilares do sistema capitalista de produção  
abordadas na obra magna de Marx não puderam ser interrelacionadas  
cuidadosamente e de modo a se realizar uma leitura da peculiaridade do capitalismo  
nacional que propiciasse uma unidade sólida entre crítica da economia política,  
programa econômico e estratégia política.  
Ademais, verdadeiramente, os autores mencionados podem até mesmo ter feito  
parte de agremiações políticas, como o PCB e o PT, mas foram secundarizados nesses  
partidos, em que, não raro, prevaleciam, respectivamente, teorizações vulgares do  
marxismo e uma abordagem politicista e eclética da realidade nacional, elaborada pela  
nata da intelectualidade universitária de esquerda, alocada na Universidade de São  
Paulo. Assim sendo, os grandes autores do marxismo nacional não ditaram os rumos  
da perspectiva da esquerda nacional; antes, foram marginalizados por ela. Não é o  
caso de se realizar o exercício supérfluo e fantasioso de imaginar como a realidade  
teria sido, caso eles tivessem tido o devido reconhecimento e a devida influência. Há,  
portanto, uma dimensão intelectual na morte da esquerda no Brasil e ela está vinculada  
tanto ao caráter não hegemônico das leituras mais interessantes do marxismo nacional  
quanto ao fato de que essas interpretações foram incapazes de estabelecer a conexão  
entre programa político e crítica da economia política.  
Há algumas razões para tal constatação, que são óbvias, mas, infelizmente,  
precisam ser assinaladas. A mais basilar diz respeito à impossibilidade de se retirar a  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XVII  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
poesia do passado, ainda mais de um passado que não ocorreu. Por conseguinte, nem  
sequer é desejável tomar como modelo para hoje autores como Lênin, Rosa, Sweezy,  
Baran e Mandel, em que a unidade entre a crítica da economia política e o  
desdobramento de posições políticas consequentes é bastante factível.  
Como estipulamos, mesmo nos nossos maiores teóricos, a unidade entre a  
crítica da economia política e o desdobramento de posições políticas consequentes é  
mais tênue se comparada aos principais pensadores do marxismo mundial e, em função  
disso, os clássicos do marxismo nacional podem até mesmo oferecer pontos de partida  
ainda válidos sob aspectos específicos, mas nunca uma concepção suficiente para a  
apreensão da natureza do capitalismo contemporâneo e das determinações por meio  
das quais se atua na realidade concreta, seja no nível nacional, seja no internacional.  
Antes de tudo o mais, porque, mesmo que tais autores nacionais tivessem  
fornecido uma leitura impecável do sistema capitalista de produção, do capitalismo  
brasileiro e do que seria imprescindível para a superação do capitalismo aqui e alhures,  
os tempos atuais são outros e teorizações como as de Caio Prado Jr., Werneck Sodré,  
Florestan Fernandes e Chasin fazem parte de um momento anterior ao que vivemos.  
Mesmo Chasin, o mais contemporâneo dos pensadores marxistas elencados, é  
consciente dessa diferença entre as épocas, de que escreve no início de um tempo  
histórico, sem nos oferecer mais que indicações a nosso ver, indispensáveis sobre  
as raízes da miséria do presente. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos  
antepassados são, como não poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o  
bem e para o mal, não pode ser revivido. Como resultado, definitivamente, não  
estamos munidos da teorização necessária para a apreensão do tempo das crises e  
para o ressurgimento da esquerda no horizonte temporal.  
Também nesse sentido, é premente destacar que a esquerda, da qual somos  
parte, está morta. Há, porém, outro sentido em que tal afirmativa polêmica e  
provocadora é real. Trata-se de algo que remete ao direcionamento para a práxis  
que ainda hoje é retomado e que se destacou justamente nas organizações políticas  
da esquerda brasileira: no Brasil atual, de um lado, há certa reavaliação do stalinismo  
(e, portanto, da vertente mais influente do marxismo vulgar) que vem ganhando espaço  
na intelectualidade e nos partidos de esquerda; de outro lado, as categorias  
desenvolvidas pela intelectualidade uspiana e tomadas como parâmetro desde a  
década de 1960, como as teorias da marginalidade e da dependência e as críticas do  
Verinotio  
XVIII |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
populismo e do autoritarismo (aquilo que Chasin chamou de “quadrúpede teórico”)  
ainda possuem força no discurso teórico e político à esquerda, chegando, inclusive, a  
serem operacionalizadas na eleição de 2022. Da mesma forma, o desenvolvimentismo,  
ou seja, a crença na possibilidade histórica de completar o capitalismo nacional e  
sustentá-lo de forma autônoma, apresentou-se como tema na ordem do dia nos  
últimos anos. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos antepassados são, como não  
poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o bem e para o mal, não pode  
ser revivido ao passo que, cotidianamente, as perspectivas à esquerda intentam  
resgatar as fundamentações teóricas que foram dominantes em contraposição aos  
grandes autores do marxismo nacional e que não puderam animar as massas em um  
sentido vitorioso, antes ao contrário, as desarmaram em relação ao enfrentamento dos  
problemas concretos da nossa formação social. Em outros termos, atualmente são  
reanimadas teorias, como o marxismo vulgar, a analítica paulista e o  
desenvolvimentismo já historicamente ultrapassado, que não puderam ter vitórias  
duradouras e efetivas e, em verdade, ainda não as podem ter.  
No caso da retomada do stalinismo, internacionalmente, talvez tenha sido  
Domenico Losurdo um dos principais responsáveis pela reavaliação da figura de Stálin.  
Em textos com rigor pífio quanto ao uso das fontes históricas e com um tom pouco  
afeito ao debate teórico dos clássicos do marxismo, o autor italiano acabou por  
influenciar tanto personagens nacionais de baixíssimo quilate quanto pensadores  
sérios ligados ao PCB. No último caso, inclusive, foi visível a mudança de tom quanto  
ao stalinismo a ideologia do fracasso do socialismo de acumulação, conforme Chasin  
por parte de alguns dos principais teóricos do marxismo ligados ao partido. Deixou-  
se, desse modo, de fazer a crítica de toda uma era que terminou por representar um  
beco sem saída, dado que seus pressupostos materiais não eram suficientes para  
construir uma nova sociedade. E, assim, deparamo-nos com uma esquerda que, não  
só não assume as derrotas do passado, mas procura reavivá-las como se tivessem  
significado grandes vitórias, cujo sentido ainda nos diz respeito. Na ausência de um  
horizonte claro para o futuro, o passado dá a tônica e as ilusões agigantam-se,  
parecendo ser necessário ter algum dogma a que se apegar. A esquerda deixa de  
rasgar qualquer horizonte e pretende viver de uma representação imaginativa do  
passado, ao invés de deparar-se criticamente com as suas próprias ilusões. Soma-se a  
tal ideário sofrível a influência irrisória sobre as massas por parte da esquerda marxista  
organizada nos partidos políticos (de cuja qualidade teórica não é possível falar aqui):  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XIX  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
a resultante é que nos deparamos com um cadáver insepulto, que procura sua poesia  
no passado derrotado em que pesem heróis e batalhas memoráveis do movimento  
comunista. A necessidade de se apegar a um dogma também expressa não só  
elementos de não superação do stalinismo; em verdade, transparece que a própria  
atitude religiosa ainda marca a esquerda, que, com um nominalismo sem igual, parece  
acreditar que pode reavivar as formações pós-revolucionárias (vistas como socialistas)  
por meio de uma mudança na narrativa sobre o século XX e ao invocar ritualisticamente  
expressões e trejeitos típicos da época em que o socialismo de acumulação ainda  
conquistava o coração das massas. Ao invés de acertar as contas com o passado,  
identificando as limitações presentes inclusive nos melhores autores e militantes do  
marxismo, a esquerda nacional (e, em parte internacional) abandona sua autocrítica  
envergonhada. Ela passa a assumir o dogmatismo orgulhoso daqueles que são  
incapazes de reconhecer os próprios revezes e atuam como se o mundo se organizasse  
a partir de suas próprias cabeças. Nesse cenário, o marxismo vulgar revitalizado  
emerge como uma figura farsesca do marxismo de outrora. Em verdade, a situação é  
ainda pior, porque, nas mãos dos admiradores tardios de Stálin, está um marxismo  
carente de qualquer conteúdo que não seja a apologia justamente daquilo que  
necessita de crítica para que a esquerda e a perspectiva socialista possam ressurgir  
no horizonte histórico.  
A retomada crítica da lei do valor, da necessidade de fenecimento do estado e  
da supressão do capital são retiradas de cena em favor do orgulho revisionista  
neosstalinista.  
Ao lado de tal posição, mas dialogando explicitamente com a perspectiva  
desenvolvimentista, surge certo elogio do “socialismo de mercado” chinês. Com o  
apoio de intelectuais militantes como Elias Jabbour, tudo aquilo que foi  
problematizado (o mercado, o dinheiro, a lei do valor, a persistência do estado e do  
direito, a oposição cidade-campo e a organização hierarquizada do trabalho na  
produção) pelos mais perspicazes revolucionários da década de 1920, como Lênin,  
Pachukanis, Rubin e Preobrazhensky, é naturalizado como parte de um caminho mais  
adequado ao socialismo.  
São raciocínios que, alegando um apego à liberdade supostamente utópico no  
pensamento de Marx, defendem a alternativa chinesa e o “socialismo de mercado”. É  
um tipo de releitura objetivando fazer um acerto de contas com o marxismo e com o  
Verinotio  
XX |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
socialismo que, ao fim, redunda na apologia do mercado, do valor, do desenvolvimento  
realizado com empresas estatais e privadas, do controle de fluxos financeiros. Ou seja,  
tal interpretação é incapaz de realizar o mínimo necessário e, sob a veste da  
recuperação de um socialismo possível, é mais uma expressão fantasmal da morte da  
esquerda. A suposta esquerda do século XXI aceita todos os pressupostos da direita  
e, em verdade, defende o essencial do horizonte do modo de produção capitalista.  
Também por essa razão, longe de reestabelecer qualquer força da perspectiva de  
esquerda, ocorre o oposto e as esperanças são alocadas no destino do país que  
produz substantiva parte do mais-valor disponível na configuração atual do sistema  
capitalista de produção.  
Essas tentativas de reanimar os moribundos são, contudo, marginalizadas na  
esquerda em nossa época, quando a hegemonia do pensamento socialmente engajado  
ainda está expressa em uma teoria que remota às décadas de 1950-60, mas que  
almeja ter robustez e sustentação política a partir da força eleitoral de que ainda  
dispõe o PT.  
Em verdade, o que prevalece é uma perspectiva que nem sequer pretende uma  
crítica ao capitalismo como tal. Tal abordagem, ligada a uma posição de  
pseudoesquerda, também expressa a mencionada morte da esquerda, mas não deixa  
de movimentar aqueles mais envolvidos na conformação defensiva diante dos ataques  
da direita e da extrema-direita. Em verdade, essa abordagem obteve destaque  
novamente nas eleições de 2022, em que Lula venceu Bolsonaro com o apoio  
substantivo de intelectuais e militantes autoproclamados de esquerda. Houve a  
retomada tímida das teses da marginalidade, do autoritarismo, do populismo e da  
dependência, além da reposição de posições do desenvolvimentismo, supostamente  
crente na possibilidade de completar o capitalismo nacional; porém, isso transcorreu  
sem qualquer proposta de uma política econômica, de modo que a lembrança de Celso  
Furtado, por exemplo, foi manipulada para mobilizar alguns poucos setores  
identificados com a esquerda e a pseudoesquerda. Ou seja, o ideário político que foi  
derrotado no golpe de 1964 e que ressurgiu com uma mistura de tragédia barata e  
comédia de mau gosto na institucionalização da autocracia burguesa em 1985 e em  
1989, agora, deu as caras com tons abertamente farsescos. Sem qualquer programa  
atinente à indústria e à tecnologia, de inserção do país nas tramas produtivas do  
capitalismo avançado e com a mera pretensão de gerir o capital atrófico no horizonte  
de um capitalismo subordinado, as bases da via colonial para o capitalismo parecem  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XXI  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
ser repostas diariamente pelo governismo.  
Os motes teóricos da década de 1960 e a forma artificial pela qual eles foram  
trazidos para o final da década de 1980 e para o começo da década de 1990  
reaparecem na forma de pastiche e com um cinismo considerável, de tal maneira que  
não há crítica ao capitalismo como tal, nem à figura subordinada do capitalismo  
nacional. E, como consequência, persevera uma forma de entificação do capitalismo  
incompleta e incompletável na medida mesma em que o pensamento social brasileiro  
é paralisado e se torna uma sombra ofuscada do passado com o qual seria preciso  
acertar as contas.  
Economicamente, a inserção do país no mercado internacional significou o  
reforço de sua posição de exportador de commodities, sendo tanto o “choque de  
competitividade” dos governos FHC quanto o “neodesenvolvimentismo” dos anos mais  
engajados do governo Dilma e de Guido Mantega, como demonstrou Cláudio Katz,  
maneiras de reforçar o agronegócio monopolista e a mineração e, portanto, a produção  
ligada ao vilipêndio brutal dos recursos naturais, da fauna e da flora nacionais. Desse  
modo, passou-se longe de superar a via colonial de entificação do capitalismo. Pelo  
contrário, ela foi reforçada a partir de uma perspectiva supostamente à esquerda e  
que, ao fim, foi vista como o horizonte último do (neo)desenvolvimento nacional.  
Acreditamos que essa talvez seja a derrota mais estrondosa da perspectiva de  
esquerda no âmbito brasileiro. A posição da pseudoesquerda diante do tempo das  
crises continua sendo invocar as ilusões de outrora, como se nada novo estivesse  
acontecendo. Com isso, sem qualquer autocrítica, reiteram-se pontos de vista  
derrotados e desgastados. Dessa maneira, o campo da crítica deixa de ser o da  
esquerda e o avanço possibilitado pela perda das ilusões não aparece no horizonte, o  
qual, por seu turno, continua aquele de um futuro ausente. Entretanto, o pior  
apresenta-se nesse cenário quando as ilusões desgastadas, pueris e passadistas da  
pseudoesquerda são percebidas claramente pelas massas, as quais, diante de tal  
situação, preferem o realismo rude e cru daqueles que propagam não haver alternativa  
ao domínio brutal do capital. Em outras palavras, ainda mais duras, o grande revés da  
perspectiva de esquerda está no fato de a extrema-direita ter ocupado as ruas, ter se  
amparando na crítica às ilusões e, do mesmo modo cínico, ter reconhecido as suas  
derrotas do passado.  
O tempo das crises corresponde ao momento em que a perspectiva de esquerda  
Verinotio  
XXII |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
é mais atual no Brasil. Os horizontes do capitalismo não podem se desenvolver de  
modo autêntico e, por isso, urge eliminar as ilusões sobre a possibilidade de um  
caminho para o capitalismo não subordinado ao capital transnacional e à divisão  
internacional do trabalho. No entanto, um primeiro passo para que a perspectiva de  
esquerda possa ressurgir encontra-se no reconhecimento da morte da esquerda no  
mundo, e em solo nacional em específico. Sem isso, as ilusões reproduzem-se,  
conjuntamente com a recolocação dos pressupostos da reprodução do capital em sua  
especificidade na via colonial. E, nesse processo, aqueles que professam a perda das  
ilusões civilizatórias do capital ganham espaço ao defender não a necessidade de  
supressão do capital, mas da civilização. A barbárie cotidiana ganha espaço e as  
massas são parcialmente tomadas por um realismo cínico daqueles que só conseguem  
criticar as ilusões de ontem ao descartar quaisquer perspectivas e horizontes que não  
sejam inerentemente brutais. Uma grande contradição de nosso tempo é que a  
perspectiva de esquerda é tão atual quanto está distante da esquerda e, enquanto  
esta última não conseguir enterrar os mortos, a situação permanecerá dessa maneira.  
Sob o cadáver insepulto da esquerda, crescem os vermes da extrema-direita, os quais  
não possuem ilusões, mas também são destituídos de horizontes.  
Hoje, enterrar mortos torna-se uma condição para a reorganização da  
perspectiva de esquerda e para que sejamos mais que grupelhos de diferentes matizes.  
Enquanto nos mantivermos nessa conformação, não conseguiremos romper horizontes  
e exercer qualquer influência na consciência das massas populares e o resultado será  
tanto a expansão da extrema-direita quanto a reprodução diuturna da barbárie  
cotidiana que procura extirpar tudo o que existe de minimamente civilizado. Restamos  
como cadáveres insepultos que se alimentam de glórias passadas, as quais, em  
verdade, nem sequer são tão incontestáveis quanto aparentam ser à primeira vista. E,  
enquanto o cinismo da extrema-direita avança, mantemos ilusões pueris que somente  
afastam a perspectiva de esquerda daqueles que vêm sendo afetados diretamente pelo  
caráter antipopular, autocrático e subordinado do capitalismo de via colonial. Também  
por isso, a derrota avassaladora da esquerda precisa ser reconhecida com a finalidade  
de romper o círculo vicioso de uma esquerda iludida, sem base social e socialmente  
insignificante.  
A via colonial de entificação do capitalismo persiste no Brasil de modo claro,  
inclusive, na medida em que o governismo petista somente faz jogo de cena com a  
pseudoesquerda, procurando tornar-se um mero gestor do capital atrófico. A gestão  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XXIII  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
econômica, quase empresarial, do ex-professor e ministro Fernando Haddad,  
verbalmente remete às categorias desgastadas da analítica paulista e do  
desenvolvimento. Entretanto, não há qualquer programa econômico em sua gestão  
tecnocrática e, portanto, inexistem tentativas de realizar reformas minimamente ligadas  
às aspirações populares.  
Não só a pseudoesquerda petista está morta e continua vagando como um  
cadáver insepulto; sob o pretexto de barrar o avanço da extrema-direita, ela paralisa  
todas as iniciativas à esquerda e procura implementar o projeto da direita de modo  
civilizado.  
Economicamente, isso efetiva-se afastando o apoio das massas; politicamente,  
deparamo-nos com as acomodações espúrias e frágeis do chamado presidencialismo  
de coalização. Ao invés de os autoproclamados representantes da esquerda  
aproximarem-se de movimentos sociais e da população afetada pela inflação e pelo  
desalento, em nome da governabilidade e em decorrência da acomodação diante de  
um capitalismo incompleto e incompletável, vinculam-se ao fisiologismo mais grotesco  
e tornam-se reféns da gestão supostamente competente do capital atrófico no tempo  
das crises.  
Ademais, além de uma política econômica herdada da direita e do fisiologismo  
típico de uma esfera pública essencialmente autocrática, o terceiro governo Lula  
expressa de modo explícito o esgotamento das ilusões bem-intencionadas  
desenvolvidas pela analítica paulista. Primeiramente, porque o mesmo líder histórico  
das greves de 1978-80 e político que disputa a presidência desde 1989 ainda figura  
como o único líder à esquerda com algum respaldo eleitoral contra o avanço da  
extrema-direita. Em segundo lugar, devido à espiral descendente dos governos  
petistas, os quais, hoje, somente com muita boa-vontade poderiam remeter a uma  
gestão “de centro-esquerda” e, também por isso, Lula é um pastiche e uma sombra  
do que já foi. Por fim, há a impotência petista diante dos golpistas confessos de ontem,  
com a aproximação entre o governismo e camadas importantes dos militares. A  
consequência desse cenário é o vampirismo da pseudoesquerda, a qual sobrevive  
fazendo um jogo de cena quanto ao seu passado supostamente glorioso e se  
conformando como um parasita de todas as possibilidades do futuro. Enquanto o  
horizonte colocado contra a extrema-direita tiver essa conformação, o futuro  
continuará ausente e a barbárie cotidiana ganhará força. Por essas razões, a  
Verinotio  
XXIV |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
republicação de A miséria brasileira de J. Chasin pode prestar um serviço importante  
no presente momento, em que é necessário reconhecer as derrotas da esquerda e  
extirpar as ilusões. Os textos publicados neste número da Verinotio, em torno d’A  
miséria brasileira, buscam aprofundar, problematizar e/ou desenvolver algumas das  
suas conclusões, de maneira que também eles apresentam uma oportunidade para  
refletir sobre os dilemas deste tempo de crises e contribuir para abrir horizontes à  
poesia do futuro.  
Belo Horizonte, maio de 2025  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XXV  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.757  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do  
capitalismo: uma reflexão marxista sobre nossa  
formação sócio-histórica1  
J. Chasin and the colonial path of capitalism: a Marxist  
reflection on our socio-historical formation  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção*  
Resumo: Apresentam-se nesse texto os  
principais lineamentos da via colonial de  
objetivação do capitalismo, tal como elaborados  
pelo filósofo paulistano J. Chasin. Expomos,  
assim, as principais determinações que Chasin  
encontrou nessa forma específica de objetivação  
capitalista, como seu caráter autocrático,  
incompleto e excludente, a subordinação ao  
capital estrangeiro e o que o autor qualificou de  
encerramento deste caminho histórico, bem  
como os dilemas postos às esquerdas nesse  
quadro.  
Abstract: This text presents the main outlines of  
the colonial path of capitalism, as elaborated by  
the philosopher from São Paulo J. Chasin. We  
expose the main determinations that Chasin  
found in this specific form of capitalism, such as  
its autocratic, incomplete and exclusionary  
character, the subordination to foreign capital  
and what the author called the closure of this  
historical path, as well as the dilemmas posed  
to the left in this context.  
Keywords: Colonial path; Brazilian socio-  
historical formation; J. Chasin (1937-1998);  
Bonapartism; autocracy.  
Palavras-chave: Via colonial; formação sócio-  
histórica brasileira; J. Chasin (1937-1998);  
bonapartismo; autocracia.  
Aqui, tudo parece que é ainda construção  
E já é ruína  
Caetano Veloso, sobre Claude Lévi-Strauss  
O paulistano J. Chasin (1937-98) foi um filósofo e professor universitário  
marxista. Pesquisador do tema da marxologia, da politicidade e da ontologia,  
comparece nesta coletânea pela sua elaboração da noção de via colonial de entificação  
do capitalismo, apresentada em artigos publicados dos anos 1970 aos 1990 e  
1
Resultante de curso oferecido pelo canal no YouTube do Grupo de Estudos Marxistas da UFF Rio  
das Ostras durante o período da pandemia, este texto foi publicado originalmente na coletânea  
Pensando o Brasil (ASSUNÇÃO; MELO; JIMENEZ, 2023). A autora agradece imensamente a Ângela Maria  
Sousa e Ester Vaisman pelos argutos comentários a versões anteriores deste texto.  
*
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br. Orcid: 0000-0003-  
4119-9987.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
posteriormente coligidos no livro A miséria brasileira (1964-1989): do golpe militar à  
crise social, lançado após seu falecimento precoce. Infelizmente muito pouco  
conhecido no Brasil do século XXI, o autor em pauta é um pensador fundamental para  
a compreensão deste país.  
Chasin dedica sua vida a duas tarefas complementares, indissociáveis e  
retroalimentadas: a redescoberta de Marx em particular, a recuperação do estatuto  
ontológico da sua obra e a determinação ontonegativa da politicidade (cf. CHASIN,  
2000a) e a compreensão da particularidade da entificação capitalista no Brasil. Neste  
texto, trataremos apenas do último tema, ou seja, nosso objetivo é expor as suas  
principais descobertas sobre a formação social brasileira. Tal será feito de forma  
introdutória, mas completa, permitindo ao leitor ter uma visão geral da reflexão  
chasiniana sobre a matéria.  
Assinale-se que, bem distante de resultar de uma mera curiosidade  
enciclopédica, a aproximação chasiniana do tema da via colonial deveu-se a embates  
prático-teóricos efetivos, no interior dos quais se fazia necessária análise e tomada de  
posição em face de cenários específicos. Desta maneira, o assunto é tratado em  
variados textos, escritos no decorrer de aproximadamente 30 anos e nos quais houve  
níveis de aproximação diferentes e significativas mutações do próprio objeto, a  
realidade brasileira. Sem acompanhar em detalhe as mudanças socioeconômicas e o  
amadurecimento teórico de Chasin no trato do assunto, optamos aqui pela exposição  
apenas dos principais momentos relativos ao tema em tela, tomando como ponto de  
partida seu momento mais desenvolvido.  
Chasin, inspirando-se em Marx, busca entender o caminho específico pelo qual  
o capitalismo se objetivou no Brasil, concluindo que este tinha sido diferente daquele  
dos países ditos clássicos (a exemplo de França e Inglaterra) e dos chamados países  
retardatários (como Alemanha e Itália, de via prussiana), dessemelhanças que  
obrigavam à destilação de uma nova categoria: a via colonial de entificação do  
capitalismo, assunto deste texto.  
Antes, porém, de adentrar no tema propriamente dito, apresentamos ao leitor  
alguns momentos importantes da vida de Chasin. Em seguida, introduzimos o assunto  
com um brevíssimo apontamento preliminar acerca da questão das formas de  
objetivação do capitalismo e da relação entre universal e particular. Por fim, nos  
tópicos seguintes discutimos aspectos da via colonial (que são inextricáveis, separados  
aqui apenas para fins didáticos): a industrialização e a constituição de um capital  
Verinotio  
2 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
atrófico, as formas de dominação burguesa, a incompletude das classes e as  
dificuldades da esquerda e, por fim, o encerramento da via colonial no processo de  
globalização.  
1. J. Chasin: momentos biográficos de uma trajetória ímpar  
A formação universitária de José Chasin (nascido em São Paulo, no dia 6 de  
janeiro de 1937) se iniciou em 1959, quando ingressou no curso de filosofia da antiga  
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde foi aluno  
de professores como João Cruz Costa, José Arthur Giannotti, Gilles-Gaston Granger e  
Michel Debrun. Ali, teve uma inserção no Partido Comunista (PCB), ainda que pontuada  
por divergências, e participou do movimento estudantil, inclusive tornando-se vice-  
presidente da Campanha pela Defesa da Escola Pública (presidida por Florestan  
Fernandes), enquanto representante da União Nacional dos Estudantes (UNE). Pouco  
antes de concluir a graduação, em 1962, aos 25 anos, coordenou uma pesquisa acerca  
do I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas ocorrido em Belo  
Horizonte (1961). Neste período, Chasin estava próximo de Caio Prado Jr., que o  
influenciou decisivamente na compreensão da formação sócio-histórica brasileira.  
Chasin se tornou professor na Escola de Sociologia e Política de São Paulo em  
1972. Por esse período, tomando como inspiração A destruição da razão de G. Lukács,  
passou a estudar um dos fenômenos ideológicos típicos do Brasil, o integralismo.  
Numa pesquisa que rastreou e fez a análise imanente de toda a obra do líder  
integralista Plínio Salgado, incluindo a literária e os discursos políticos, o filósofo  
paulistano buscou compreender a gênese, a determinação e a função sociais do  
pensamento pliniano no Brasil dos anos 1930. Neste trabalho ele se afastava da  
análise tradicional, que tomava (com base em semelhanças no plano da aparência) o  
integralismo por uma mera cópia do fascismo europeu, demonstrando que não só o  
discurso integralista pliniano tinha características completamente diferentes daquelas  
do nazi-fascista como as suas raízes sociais eram totalmente díspares. A ausência do  
elemento racial e o distanciamento da agressividade conquistadora imperialista –  
substituída pela regressividade a um passado idílico e por uma postura anticapitalista  
romântica típicas de um país colonizado e com forte presença da grande propriedade  
rural eram duas das maiores diferenças entre o ideário do líder integralista e o nazi-  
fascista. A tese O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no  
capitalismo hiper-tardio (1999), orientada por Mauricio Tragtenberg (um amigo leal  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 3  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
durante toda a vida de Chasin), foi defendida em 1977 na Escola de Sociologia e  
Política. A banca julgadora, da qual participou Antonio Candido, reconheceu o rigor e  
o brilhantismo do trabalho.  
Após um autoexílio de quase dois anos em Moçambique, aonde foi por ser  
então sua única oportunidade de trabalho, em 1980 Chasin se tornou professor na  
recém-fundada Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ali, foi presidente da  
Associação dos Docentes (Adufpb) e membro do comando nacional da greve de 1980,  
a primeira grande greve das instituições federais de ensino superior. Contribuiu para  
a estruturação na região Nordeste da Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas  
(Seaf), entidade que era um importante fórum de debates à época. Também participou,  
em 1983, em Diamantina, da criação da Associação Nacional de Pós-Graduação em  
Filosofia (Anpof), de cuja diretoria foi membro duas vezes.  
No final dos anos 1980, já trabalhando na Universidade Federal de Minas Gerais  
(UFMG), criou o grupo de pesquisa Marxologia: Filosofia e Estudos Confluentes e veio  
a orientar pesquisas sobre a formação e o amadurecimento do pensamento marxiano,  
num projeto coletivo de grande envergadura.  
A busca de estudar e compreender a realidade brasileira e o marxismo o levou  
à editoria diversas vezes durante sua vida. Ele acreditava que o desenvolvimento de  
pesquisas rigorosas e a sua divulgação deveriam ser feitas simultaneamente e por  
canais próprios. Daí que tenha criado, juntamente com seu irmão, a editora Senzala2,  
que acabou falindo em 1968. Em 1977, junto com Nelson Werneck Sodré e outros  
teóricos significativos, fundou a revista Temas de Ciências Humanas.  
Já em 1984 veio à luz a Ensaio, um movimento de ideias articulado em três  
fundamentos: a produção teórica rigorosa, com a recusa e a crítica das objetivações  
materiais e espirituais do capital, do marxismo vulgar e da nova esquerda; a divulgação  
do resultado das pesquisas; e a orientação teórico-prática metapolítica, que tomava  
como norte a emancipação revolucionária do gênero humano (e poderia, futuramente,  
dar origem a um agrupamento partidário). O coletivo de pesquisas, a editora3 e a  
Revista Ensaio eram, assim, elementos de um mesmo projeto, em prol da compreensão  
2 Por esta editora foram publicados Marxismo ou existencialismo (1967), de G. Lukács, Navalha na carne  
(1967), de Plínio Marcos, e Hai-kais (1968), de Millôr Fernandes, entre outros títulos.  
3 A Ensaio publicou obras de István Mészáros (Filosofia, ideologia e ciência social, O poder da ideologia  
e outros); Ernest Mandel (A crise do capital), Victor Serge (O ano I da Revolução Russa), Heinrich Mann  
(A juventude do rei Henrique IV) e Goethe (Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister), entre muitos  
outros.  
Verinotio  
4 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
rigorosa e da transformação radical da realidade. Nesse período, articulou-se em torno  
de Chasin um grupo de pesquisas de fôlego sobre o movimento operário-sindical e  
sobre vertentes do pensamento conservador aqui existente (em particular, os que  
foram elaborados durante a última ditadura), o que contribuiria para a compreensão  
da formação sócio-histórica brasileira, bem como sobre o legado ontológico de Marx  
Em 1997, depois da inviabilização da Editora Ensaio, Chasin criou a Estudos e  
Edições Ad Hominem e a revista Ensaios Ad Hominem, às quais se dedicava quando  
faleceu precocemente, em 31 de dezembro 1998, em Belo Horizonte, vítima de um  
ataque cardíaco.  
2. A relação das sociedades locais com o sistema capitalista global4  
Argumentando que o reconhecimento e o estudo das formas particulares de  
objetivação do capitalismo estiveram presentes em Marx da juventude às últimas  
obras, Chasin, em sua busca de desvendar o Brasil, faz um movimento de retorno ao  
filósofo alemão. Para este, em sua época, nos países europeus e nos por estes  
colonizados, a sociedade era capitalista, em estágios mais ou menos desenvolvidos,  
conforme uma série de processualidades históricas; e o estado, embora mudasse de  
fronteira para fronteira, era sempre determinado pela sociedade civil. De forma que “a  
sociedade pode se apresentar mais ou menos desenvolvida do ponto de vista  
capitalista, mais ou menos expurgada de elementos pré-capitalistas, mais ou menos  
modificada pelo processo histórico particular de cada país” (CHASIN, 2000, p. 38).  
Fundamenta, assim, a ideia de que não há um só caminho de efetivação do capitalismo,  
de que este modo de produção não é um estêncil do qual se faz uma nova cópia numa  
folha em branco, idêntica ou com apenas pequenas alterações, mas é “uma totalidade  
anatomicamente ordenada e em processo, apta e obrigada a colher o particular  
concreto” (CHASIN, 2000, p. 38). Dessa maneira, “há modos e estágios de ser, no ser  
e no ir sendo capitalismo, que não desmentem a universalidade de sua anatomia, mas  
que a realizam através de objetivações específicas” (CHASIN, 2000, p. 13).  
Ele também critica duramente as tentativas marxistas de apreensão da  
especificidade do capitalismo brasileiro até então existentes que ora generalizavam  
acriticamente as características universais do capitalismo aqui como alhures, ora  
4
Dado o caráter introdutório deste texto, não nos deteremos nos fundamentos filosóficos do debate  
sobre a relação universal, particular e singular, senão que apenas abordaremos os elementos  
estritamente necessários para a compreensão do tema que nos propusemos a expor (cf. CHASIN, 2021).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 5  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
superevidenciavam as singularidades, negligenciando os liames com a universalidade.  
Afasta-se, por isso, dessas interpretações, nas quais “a relação entre universal e  
singular (...) se mostra[va] como uma relação entre categorias exteriores uma à outra”,  
que confundiam singularidade concreta com dado empírico, não compreendiam o que  
é o universal concreto e desprezavam os caracteres ontológicos por desconhecerem  
a categoria da particularidade, que faz a mediação real entre universal e singular  
(CHASIN, 2000, p. 12-3).  
O autor em pauta desenvolve, a partir de Marx, a ideia de que o capital industrial  
era até então a forma matrizadora do regime capitalista, era o motor das  
transformações nas sociedades havia mais de 150 anos e o seu domínio é que  
instaurava o “verdadeiro capitalismo”. As vias de objetivação do capitalismo são  
justamente formas específicas pelas quais este se pôs, alavancado pelo processo de  
industrialização. De maneira que se atingem os nódulos centrais de cada formação  
social capitalista quando se analisa como se deu seu processo de industrialização, ou  
seja, seu ritmo e intensidade ao longo do tempo, seus vínculos com outras esferas da  
produção da vida e o modo como procederam os diferentes agentes sociais diante de  
tais demandas. Enfim, trata-se de avaliar o modo e a cadência do desenvolvimento das  
forças produtivas a partir do momento em que emerge o capital em sua forma  
“verdadeira”, a industrial.  
Apenas para ilustrar aqui o mais fundamental da questão (cujo aprofundamento,  
embora necessário, ultrapassa os objetivos deste texto), lembremos as muitas  
comparações feitas por Marx no tocante à história de países como Inglaterra, França e  
Estados Unidos, de um lado, e a alemã, de outro. Nos primeiros, países que  
percorreram a via clássica5 ao capitalismo, a burguesia assumira o papel de  
representante dos interesses universais das classes subjugadas sob o feudalismo e  
realizara uma revolução, e seu triunfo significara não a vitória de uma classe específica  
sobre o antigo sistema político, mas a instituição de todo um novo sistema social. A  
5
Conforme Chasin, tais caminhos são clássicos “porque mais coerentes, mais congruentes ou  
consentâneos, no plano da sua própria totalidade, enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas  
partes fundamentais imbricam entre si e em relação ao todo de forma mais amplamente orgânica”  
(CHASIN, 2000, p. 43). Por isso, em suas obras econômicas Marx se ocupou mais detalhadamente da  
forma de objetivação do capitalismo que se pode denominar clássica muito especialmente, a do  
capitalismo inglês , tendo em vista o desenvolvimento normal do capitalismo que ocorreu ali, quer  
dizer, no qual não houve obstáculos ou impedimentos postos externamente e que o tivessem impedido  
ou deturpado. A classicidade de uma fase de desenvolvimento se refere, pois, a que tal transcurso tenha  
se dado de forma mais pura e nítida, sem que houvesse a contaminação por elementos a ele estranhos,  
o que possibilita levar a configuração de tais processos e das suas relações a sua máxima potência.  
Verinotio  
6 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
burguesia efetivara suas tarefas históricas ainda nos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII  
(França), com a realização concreta de uma economia e uma sociedade capitalistas,  
mutuamente articuladas, organicamente estruturadas em sua interdeterminação e na  
integralidade de sua condição (CHASIN, 2000, p. 216), estabelecendo sua dominação  
econômica e política “na identidade formal da soberania popular” (CHASIN, 2000, p.  
158).  
Coisa distinta ocorreu em países retardatários, como Alemanha, Itália e Japão,  
típicos da via prussiana. Chasin toma por base principalmente a análise feita por Marx  
do seu país natal, a Alemanha, cujos dilemas o filósofo de Trier sintetizou na expressão  
miséria alemã. Aborda, dessa maneira, o atraso do processo histórico alemão (sua  
industrialização se iniciou já em meados do século XIX e só se acelerou com a  
unificação, em 1871), a ausência de revoluções e, portanto, o seu caráter conciliador  
com a antiga ordem, engendrando uma situação que era a combinação de novos e  
velhos males, de regressão e desenvolvimento. Chasin recorre também aos estudos  
acerca da via prussiana feitos por Engels, que salientava como a burguesia prussiana  
se impôs sem um processo revolucionário, tendo renunciado ao poder político,  
estabelecendo-se por meio de concessões e acordos com as classes representantes da  
antiga ordem e excluindo as grandes massas, dominadas pela força. Ainda assim, foi  
capaz de dar acabamento às suas tarefas econômicas, completando a industrialização,  
com uma importante indústria de base. Em suma, a “burguesia prussiana é  
antidemocrática, porém autônoma”, quer dizer, “realiza um caminho econômico  
autônomo, centrado e dinamizado pelos seus próprios interesses” (CHASIN, 2000, p.  
104). Nosso autor remete, ainda, a Lênin no que diz respeito às diferentes formas de  
resolução da questão agrária, para comentar a manutenção da grande propriedade  
rural alemã na transição para o capitalismo. E sintetiza os principais caracteres da via  
prussiana, segundo os autores clássicos: desenvolvimento do capitalismo de forma  
tardia, lenta, resistente ao progresso e conciliada entre os representantes da sociedade  
nascente e os daquela em desaparição, portanto, na ausência de uma ruptura  
revolucionária que incluísse as categorias sociais subalternas, de maneira que a  
sociedade sofreu formas de dominação heteróclitas, que combinavam iniquidades de  
várias formas de estado.  
Chasin, como outros autores, chama a atenção para as similitudes de tais  
caracteres com o caso brasileiro. Assim, “no afã de tracejar um contorno interpretativo  
geral do caso brasileiro”, afirma, “é precisamente enquanto modo particular de se  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 7  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
constituir e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para nós importância teórica  
básica” (CHASIN, 2000, p. 15). Nunca, entretanto, como modelo, mas como uma via  
histórica concreta de objetivação do capitalismo, como a nossa, contrastante com a  
clássica. Quais eram as determinações mais gerais que aproximavam as duas formas  
não clássicas de objetivação do capitalismo mencionadas?  
(...) tanto no Brasil quanto na Alemanha, a grande propriedade rural é  
presença decisiva; de igual modo, o reformismo pelo alto”  
caracterizou os processos de modernização de ambos, impondo-se,  
desde logo, uma solução conciliadora no plano político imediato, que  
exclui as rupturas superadoras, nas quais as classes subordinadas  
influiriam, fazendo valer seu peso específico, o que abriria a  
possibilidade de alterações mais harmônicas entre as distintas partes  
do social. Também nos dois casos o desenvolvimento das forças  
produtivas é mais lento e a implantação e progressão da indústria,  
isto é, do “verdadeiro capitalismo”, como distinguia Marx, do modo  
de produção especificamente capitalista, é retardatária, tardia,  
sofrendo obstaculizações e refreamentos decorrentes da resistência  
de forças contrárias e adversas (CHASIN, 2000, p. 15-6).  
Temos, pois, que há importantes traços comuns entre as formações sócio-  
históricas que objetivaram o capitalismo pela via prussiana e o Brasil. É, contudo, pela  
via do contraponto que Chasin avança na reflexão sobre o caso brasileiro. Isso porque,  
inobstante os avizinhamentos entre os dois caminhos, havia dessemelhanças que os  
distanciavam radicalmente. De fato, as características apontadas como análogas  
referem-se a abstrações razoáveis, que nos aproximam dos objetos de estudo,  
destacando e fixando elementos comuns, mas não esgotam o seu entendimento. Isto  
porque estes são “um conjunto complexo, um conjunto de determinações diferentes e  
divergentes”, “síntese de várias determinações”, tornando-se decisivo para sua  
apreensão conhecer a forma como se singularizam em formações específicas.  
Nesse mister, Chasin frisa as grandes distinções entre os casos prussiano e  
brasileiro tão grandes que mais os distanciam dos casos clássicos do que os  
aproximam entre si. Assim, a gênese da grande propriedade mencionada é totalmente  
distinta (na Alemanha, o latifúndio feudal; no Brasil, a empresa colonial, numa  
economia mercantil). Bem assim, se ambos passaram a trilhar o caminho da  
industrialização tardiamente em comparação aos países clássicos, a industrialização  
germânica ocorreu ainda no século XIX, foi rápida e completa, alçando o país ao  
panteão imperialista; em Terra Brasilis, por sua vez, a industrialização ocorreu  
tardiamente em relação à própria Alemanha, já num contexto de guerras imperialistas  
(a partir de 1930). E a burguesia prussiana manteve-se autônoma neste processo, bem  
Verinotio  
8 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
ao contrário do que ocorreu no caso brasileiro. De sorte que, insiste Chasin, não há  
justificativa possível para equiparar a situação de países como Alemanha, Itália e Japão  
– “elos débeis da cadeia imperialista, portanto fenômenos do capitalismo altamente  
avançado, entidades da fase superior do capitalismo” – à do Brasil na mesma quadra  
histórica, momento crucial do seu processo de industrialização, quando era objeto da  
disputa interimperialista (CHASIN, 2000, p. 58).  
Continuando a comparação entre Brasil e Alemanha, no caminho para o  
progresso histórico-social, palmilhado por ambos de forma irregular, intermitente e  
lenta, carregam os dois um pesado encargo, contudo, essa herança do passado era  
bastante distinta. E não se tratava de um mero atraso cronológico, que poderia ser  
superado com o tempo, antes ao contrário, em tal situação, o retardamento histórico  
significava estar em outro patamar histórico:  
Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em  
que o proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e  
práticas, e a estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado6 em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. Ainda mais, a industrialização tardia, apesar de  
retardatária, é autônoma, enquanto a híper-tardia, além de seu atraso  
no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada sem  
que estes tenham deixado de ser subordinados das economias  
centrais. (CHASIN, 2000, p. 34)  
Híper-retardatário, o capitalismo brasileiro, na sua forma propriamente  
industrial, tornou-se realidade em circunstâncias históricas nas quais as lutas de  
classes já estavam bem avançadas não só em relação às dos países clássicos, mas  
inclusive comparativamente àquelas que ocorreram no momento da industrialização  
dos países de via prussiana. Diferentemente da alemã, tardia mas completa, a  
industrialização brasileira nunca se completou, o que teve repercussões amplas e  
determinou que o capital aqui presente não tenha se posto em sua figura integral e  
organicamente articulada em seus diversos elementos. Ademais, as classes dominantes  
brasileiras nunca romperam sua subordinação aos centros hegemônicos,  
6 Trata-se, aqui, de uma situação em que o poder de estado foi reivindicado em nome da classe operária,  
mas que acabou sendo voltado contra ela. Ainda jovem, Chasin já é crítico do stalinismo. Depois atesta  
o fracasso das transições intentadas no Leste Europeu e congêneres, embora tenha tido graus diversos  
de amadurecimento em relação ao tema, ao tempo que reafirma até o fim da vida a necessidade histórica  
e a possibilidade objetiva da revolução social, em prol da emancipação humana (cf. CHASIN, 2017).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 9  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
diferentemente de sua congênere alemã.  
Chasin frisa, dessa forma, a necessidade de compreender a especificidade da  
objetivação do capitalismo nos países subordinados. Em seus termos:  
Na medida em que um país de economia subordinada não é distinto  
dos países subordinantes simplesmente em grau; na medida em que  
sua estrutura e seu processo histórico são de natureza apropriada e  
decorrente à sua condição de subordinado, seus fenômenos  
particulares não podem ser simplesmente igualizados aos fenômenos  
de aspecto semelhante que se verificam nos países dominantes.  
(CHASIN, 1977a, p. 134)  
Dessa maneira, em face das abissais discrepâncias entre os países de via  
prussiana e o Brasil, ressalta Chasin, é forçoso reconhecer não uma, mas ao menos  
duas formas particulares não-clássicas de objetivação do capitalismo, a via prussiana  
e aquela percorrida pelo Brasil, que ele denomina via ou caminho colonial. Nesta  
expressão que combina a dimensão histórico-genética (relativa às origens da  
formação social brasileira) e as interdeterminações categoriais , o adjetivo “colonial”  
diz respeito à subordinação estrutural, e não à política ou cultural. Chasin destaca,  
ainda, que, tal como cunhada, ou seja, como particularidade da objetivação do  
capitalismo quer dizer, enquanto mediação objetiva entre a universalidade do  
capitalismo e sua efetivação singular –, a via colonial segue o oposto da “‘criação’ de  
novos universais, tal como se dá quando, a colonial, se antepõe modo de produção”  
(CHASIN, 2000, p. 17).  
Por fim, observa, identidade nacional é algo distinto de aspectos pitorescos no  
campo cultural ou social, está associada à “equação relativa à produção e reprodução  
das categorias sociais que a integram(CHASIN, 2000, p. 220-1). Para compreender  
a identidade nacional brasileira, vamos, então, perscrutar a produção e reprodução  
social efetivada em seu seio.  
3. Contradições, intermitências e incompletude da objetivação do capitalismo  
industrial no Brasil7  
A industrialização brasileira foi um processo que teve vários adventos e surtos  
desde o século XIX, os quais inicialmente não prosperaram, depararam-se com diversos  
óbices e foram objeto de desacordos e oposições. Ademais de híper-tardia, a  
7 Neste item, esperamos desfazer confusões e restabelecer a especificidade do pensamento chasiniano  
em relação a outros autores que trataram do tema da formação nacional, indo, portanto, em direção  
diferente daquela que tomamos em texto anterior (“Constituição do capitalismo industrial no Brasil: a  
via colonial”, publicado em 2002).  
Verinotio  
10 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
entificação do capital industrial no Brasil “atravessou toda a primeira metade deste  
século [XX] em tentativas e contramarchas” e permaneceu incompleta (CHASIN, 2000,  
p. 34). Tais dificuldades deitam raízes na configuração econômica existente no país,  
de caráter agroexportador.  
Recorrendo a Francisco de Oliveira e Caio Prado Jr., Chasin explica que o Brasil  
havia se especializado na produção de algumas poucas mercadorias agrárias, e dentre  
estas daquelas exportáveis, cujo valor se realizava externamente. Aprofundando-se  
essa opção, com base na falácia da “vocação agrária” do país, gerou-se um círculo  
vicioso, segundo o qual a realização do valor na economia agroexportadora dependia  
do financiamento externo, e este implicava a manutenção da mesma forma de  
produção do valor, agroexportadora. Era necessária a reiteração do círculo vicioso da  
intermediação comercial e financeira externa para que o processo pudesse ter  
continuidade, implicando, por exemplo, a desatenção ao mercado interno. O que foi  
levado a tal ponto que as exigências desse mecanismo passaram a corroer todo o valor  
produzido pelo sistema agroexportador, consumido no processo de intermediação  
comercial e financeira estrangeira, porquanto, na distribuição do mais-valor entre  
lucros internos e lucros e juros externos, estes últimos foram largamente favorecidos  
(CHASIN, 2000, p. 56).  
Gastava-se, nesse mister, a maior parte do excedente social produzido pela  
totalidade do sistema econômico, na medida em que se transferiam recursos e rendas  
dos demais setores econômicos para o agroexportador. De maneira que os princípios  
da economia agroexportadora a inviabilizavam e, concomitantemente, bloqueavam o  
avanço da divisão do trabalho na direção do capitalismo industrial e, por conseguinte,  
o desenvolvimento das forças produtivas. Em síntese, a economia agroexportadora  
estava estruturada em prol dos interesses das burguesias subordinantes e direcionada  
para o exterior, de maneira que não houve uma acumulação interna revertida para a  
consubstanciação das bases necessárias à industrialização. Assim, as duas fases, a do  
auge e a da inviabilização da economia agroexportadora, significaram um bloqueio ao  
avanço do capitalismo industrial no Brasil, num quadro de subordinação ao  
imperialismo, mormente o inglês.  
O grande período de expansão da ordem agroexportadora havia sido  
subitamente interrompido e descambado em crise acelerada a partir de 1930. Apenas  
nesse contexto de auge e crise subsequente da economia agroexportadora (e do  
desequilíbrio crônico das contas externas do país) é que se tornaram necessárias  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 11  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
atividades econômicas alternativas, uma das quais veio a ser a indústria (CHASIN,  
2000, p. 56-7). Ou seja, o fim da hegemonia agroexportadora só veio a se pôr no  
horizonte na terceira década do século XX, quando se deu início definitivo à (várias  
vezes intentada) industrialização, e nos anos 1950, à predominância da estrutura  
produtiva urbano-industrial. Trata-se, pois, de um processo ultrarretardatário mesmo  
com relação aos países de capitalismo tardio, que naquela quadra já estavam  
envolvidos em contendas imperialistas. O Brasil, que ainda estava em estágio  
incipiente no tocante ao modo de produção estritamente capitalista, fazia parte  
justamente do território em disputa.  
A modernização da economia brasileira antes agroexportadora, agora  
industrial não alterou, entretanto, a lógica da produção determinada pelo exterior, a  
associação subordinada da burguesia nacional à estrangeira e a produção para um  
mercado interno restrito, com base na superexploração do trabalho. Exemplifique-se  
com o (mal) chamado “milagre econômico”, um “surto” econômico de crescimento dos  
que (como as ditaduras), longe de serem excepcionais, “fazem parte, lamentavelmente,  
do que há de mais característico, profundo e dominante da nossa formação histórica”  
(CHASIN, 2000, p. 59). Centrado na produção de produtos para exportação e/ou  
consumo das classes médias urbanas, em condições de carência de bases internas que  
lhe permitissem crescer autonomamente, implicou “concomitante, irreversível e  
determinantemente” a importação dos bens de produção e outros não produzidos  
internamente (CHASIN, 2000, p. 65). De fato, aduz Chasin, com uma boa dose de  
ironia, a formação e estrutura coloniais do país foram conservadas sob diferentes  
formas, com maior ou menor grau de complexificação, desde o “milagre” da exploração  
açucareira colonial, passando pelo da mineração, do café e, finalmente, o “milagre” da  
industrialização de 1968-73, o mais curto de todos, que alcançou muito rapidamente  
a inviabilização com os próprios pressupostos (CHASIN, 2000, p. 60).  
A via colonial de objetivação do capitalismo é marcada, antes de tudo o mais,  
pelo “estabelecimento da existência societária do capital sem interveniência de  
processo revolucionário constituinte”, característica que “é responsável por traços  
fundamentais do modo de ser e de se mover da formação nacional” (CHASIN, 2000,  
p. 220). “Toda revolução para ele é temível, toda transformação uma ameaça, até  
mesmo aquelas que foram próprias de seu gênero.” (CHASIN, 2000, p. 169) Sem a  
organicidade proporcionada por um processo revolucionário, o que constituiu o Brasil  
foi uma unidade territorial e linguística cuja subsunção formal ao capital se deu por  
Verinotio  
12 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
meio de uma sociedade escravista, radicalmente excludente e exploradora, inorgânica,  
desagregada, sem identidade econômica ou cultural, a que unia apenas uma ilusória  
autonomia política. Inserida nos processos de universalização do capital, foi  
experimentando o cosmopolitismo ao tempo que se mantinha provinciana,  
subnacional.  
Saliente-se, em acréscimo, a essência parasitária do capital atuante no país, “um  
aventureiro que abomina riscos e nunca os assume, e se acredita sempre no direito de  
ser financiado”, “sempre disposto (...) a se apropriar dos lucros e a impor a socialização  
dos prejuízos” (CHASIN, 2000, p. 170). Consoante tal inclinação íntima, este capital  
atribuiu frequentemente ao estado a realização dos pressupostos ao capitalismo,  
adquirindo o péssimo sestro de transferir para o estado os investimentos mais pesados  
e as atividades que não gerassem lucro líquido e certo num prazo relativamente curto,  
incluindo aí a indústria de base. As burguesias que se objetivaram pela via colonial,  
acomodadas à mesquinhez de sua situação, não realizaram as tarefas econômicas que  
as burguesias clássicas e prussianas levaram a cabo. Foi, pois, o estado que aqui atuou  
para firmar os fundamentos de uma economia capitalista, socializando eventuais  
prejuízos e privatizando lucros.  
Chasin adita um importantíssimo elemento, lembrado por Florestan Fernandes:  
na periferia, a acumulação se dá pela articulação da sucção da riqueza e dos recursos  
naturais e humanos ali existentes levada a efeito por mecanismos complexos e  
estrategicamente localizados nos setores e estruturas mais avançados e produtivos –  
com a institucionalização de taxas de mais-valor altíssimas. Estas são necessárias  
porque o excedente econômico passa por uma apropriação dual, qual seja, precisa  
abastecer simultaneamente as burguesias externa e interna sendo que para esta  
última resta uma parcela muito menor do espólio. De maneira que o ônus da  
acumulação de capital é carregado pelos países periféricos, enquanto os efeitos  
multiplicadores são absorvidos pelas economias centrais (CHASIN, 2000, p. 167).  
Entretanto, longe de se revoltar com tal situação, amplas frações burguesas do capital  
atrófico perceberam a própria fraqueza e subsumiram conscientemente ao estrangeiro,  
aceitando seu papel de sócio menor.  
No Brasil, de fato, a burguesia nasceu e cresceu à sombra de suas congêneres  
metropolitanas e “não é capaz de perspectivar, efetivamente, sua autonomia  
econômica, ou o faz de um modo demasiado débil”, é “incapaz, por iniciativa e força  
próprias, de romper com a sua subordinação ao imperialismo(CHASIN, 2000, p. 103-  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 13  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
4). Em suma, a incompletude do capital perfaz também a tibieza conata das categorias  
sociais que engendra, a qual se manifesta especialmente mas não se limita a ela –  
na burguesia, “classe que em seu bojo supostamente deveria ocupar o espaço  
hegemônico” (CHASIN, 2000, p. 34).  
Nesse cenário, em que “a evolução nacional é reflexa, desprovida  
verdadeiramente de um centro organizador próprio, está implicada a “própria  
excludência do progresso social” (CHASIN, 2000, p. 221). De fato, dinâmica a ponto  
de estar entre as maiores economias do mundo o que é antes um “índice da pobreza  
da maioria das nações” –, a economia brasileira também é campeã em miséria social  
(CHASIN, 2000, p. 167). Aqui, as categorias sociais não foram organicamente inseridas  
num projeto de integração nacional proveniente do capital, pelo contrário, a própria  
constituição deste implicava a exclusão de vastos contingentes populacionais. Sua  
própria compleição levava o capital atrófico ao pagamento de salários abaixo do seu  
valor histórico, à superexploração do trabalho que acarretava o pauperismo  
generalizado. Em outros termos, a exclusão social, que se ampliava na mesma medida  
em que a economia se tornava mais moderna e complexa (já que esta atualizava as  
mesmas características essenciais enquanto crescia e se complexificava), era  
consequência inevitável desse mecanismo. Os assim chamados excluídos são, portanto,  
produto genuíno da produção brasileira, do capital atrófico, “que reitera de modo  
particularmente agigantado a lógica intrínseca de todo capital: a produção em paralelo  
de imensa riqueza e de imensa miséria” (CHASIN, 2000, p. 166).  
Sintetizando em poucas palavras, à via colonial de efetivação do capitalismo é  
inerente o estrangulamento da potência autorreprodutiva do capital, a limitação  
acentuada da sua capacidade de reordenação social e a redução drástica da sua força  
civilizatória”, mantendo em irresolução crônica as questões mais elementares, a  
contradição estrutural entre o capital e o trabalho” (CHASIN, 2000, p. 221). Muitos  
dos que se debruçaram sobre a extrema desigualdade social brasileira deixam de  
apreendê-la como resultante da prática fundante da superexploração do trabalho e  
propuseram como solução mecanismos distributivos, desconsiderando a inter-relação  
dialética entre produção, distribuição, circulação e consumo (que tem na produção seu  
momento preponderante). A reprodução ampliada da miséria brasileira é, porém,  
resultante da forma como a produção se organiza e é esta que precisa ser desmontada  
(CHASIN, 2000, p. 174).  
A subordinação, a exclusão social (e a autocracia, como veremos) não eram,  
Verinotio  
14 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
portanto, superficiais e externos, mas efetivamente formas de existência típicas do  
capital aqui constituído que Chasin designou, a certa altura de suas pesquisas, de  
atrófico, justamente por essa sua má formação congênita, cujos caracteres sintetizou  
assim:  
na particularidade a que pertence o caso brasileiro, acumulação  
moderna e dinâmica e pauperismo estrutural ou superexploração do  
trabalho perfazem os membros contraditórios de uma mesma equação  
unitária do capital. Amálgama que reproduz, com toda sorte de  
tensões e desequilíbrios, junto com a modernização e o pauperismo,  
a subordinação estrutural do “hospedeiro”, e nesta a figura da  
incompletude de classe do capital que o caracteriza, a saber, sua  
fraqueza econômica (e política) relativa e sua falta de autonomia, sem  
as quais a associação desigual seria impossível (CHASIN, 2000, p.  
167).  
Este conjunto de mazelas “é o território precípuo de nossas categorias  
dominantes”, “não abstraídas suas equações modernizadoras e nem mesmo seus  
eventuais e pretensos arroubos menos acanhados” (CHASIN, 2000, p. 160). Não se  
tratava, dessa forma, simplesmente de modernizar a economia e a sociedade  
brasileiras para que se alçassem a novo patamar, num percurso que teria sido outrora  
percorrido pelos países centrais e no decorrer do qual seriam corrigidas as suas piores  
mazelas. Chasin frisa que o capital atrófico era estruturalmente incompleto e  
incompletável e que, pela sua forma de existir e de se mover, reiterava  
permanentemente sua condição de subalternidade no seu processo de constituição e  
modernização  
que se tornava “imediatamente reafirmação de sua  
incontemporaneidade”, isto é, “modernização sem ruptura é meramente a reciclagem  
do arcaico” (CHASIN, 2000, p. 214).  
Do exposto, resta evidenciado que à incompletude de classe de nossos  
proprietários estão emaranhadas sua subordinação às burguesias estrangeiras, seu  
congraçamento com os capitais mais atrasados, sua incapacidade de cumprir suas  
tarefas históricas já que promoveu a transferência das propriamente econômicas para  
o estado, enquanto deixou irrealizadas as políticas, como se abordará no próximo item.  
4. Autocracia e bonapartismo: formas de dominação burguesa na via colonial  
Vimos que o traço mais marcante da sociabilidade forjada pelo capital no Brasil,  
que objetivou hiper-retardatariamente a configuração social capitalista em sua fase  
industrial (que exige e impulsiona o desenvolvimento de todo um conjunto orgânico  
aqui nunca plenamente posto), é a inexistência de um processo revolucionário. A  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 15  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
burguesia colonial abandonou qualquer veleidade revolucionária, que implicaria  
ampliar os processos decisórios pela participação popular e, igualmente, a  
disseminação de ideologias e esforços práticos de instituir a democracia e o  
liberalismo, tal como observou Carlos Nelson Coutinho, citado por Chasin.  
Nesta forma de ser específica, os proprietários estão impedidos de  
desempenhar o papel de representantes dos interesses conjuntos da sociedade, como  
fizeram as classes burguesas ascendentes na aurora do capitalismo, função que aqui  
dá lugar à conciliação com os representantes da economia agroexportadora. Após  
1848, as burguesias clássicas acabaram também, por fim, renunciando a todo elã  
revolucionário, tornando-se conservadoras, mas antes disso haviam forjado toda uma  
sociabilidade nova, como já mencionado. Já o ultrarretardatário capital industrial  
brasileiro foi encarnado em personae que, além de surgidas numa era  
contrarrevolucionária, nunca chegaram a empunhar as bandeiras humanistas,  
racionalistas e liberais clássicas da burguesia revolucionária, antes ao contrário:  
tiveram seus objetivos e atuação estreitamente delimitados, objetiva e subjetivamente,  
sempre estiveram mesquinhamente voltadas para seus próprios interesses  
particulares. Em poucas palavras, “para algumas burguesias a democracia chegou a  
ser um objetivo, enquanto outras jamais cogitaram tal possibilidade” (CHASIN, 2000,  
p. 131), sendo esta a situação daquela presente no Brasil.  
Como o caso concreto em terras tupiniquins muito se distancia daqueles nos  
quais nasceu a democracia moderna, em vez de tomá-la como regime político natural  
nos mais diversos tipos de capitalismo, seria necessário indagar da possibilidade  
objetiva do seu advento, das condições reais de sua efetivação, bem como dos sujeitos  
coletivos que a poderiam sustentar e, é claro, de quem seriam seus inimigos. A  
análise das possibilidades concretas de nascimento e consolidação, dos protagonistas  
e dos antagonistas de um regime democrático é fundamental, porquanto, de outra  
forma, “corre-se o risco de reduzir a luta pela democracia, pelo recurso sempre  
arbitrário da dilatação das ‘autonomias relativas’, a um pobre ato de vontade, e a  
resvalar do pretendido caráter estratégico para uma estiolada taticidade politicista”  
(CHASIN, 2000, p. 104).  
Deixando de lado o dever-ser e analisando realisticamente a formação social  
brasileira, o que se percebe é uma repulsa à democracia os liberais eram  
representados, no Brasil, por algumas poucas individualidades por parte da  
burguesia, cuja incompletude de classe entrelaça-se com sua “inapetência congênita  
Verinotio  
16 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
para a democracia liberal” (CHASIN, 2000, p. 156). Sua subserviência ao capital  
estrangeiro a impedia de desempenhar o papel centrípeto que o foi o das burguesias  
outrora e alhures. No Brasil, os interesses mais íntimos das massas implicavam, antes  
de tudo, mudanças na estrutura produtiva e na política econômica, a fim de que estas  
se voltassem ao atendimento de suas necessidades, passando, em primeiro e principal  
lugar, pelo fim da superexploração do trabalho (o que, por sua vez, implicava a  
eliminação da apropriação dual do mais-valor para remuneração das burguesias  
externa e, em menor escala, interna). Ou seja, sinteticamente, os interesses das massas  
só se realizariam com a mudança na estrutura produtiva e com o fim da subordinação  
ao capital estrangeiro, que encaixilhava as ações dos proprietários brasileiros. Ora,  
como poderiam as personae do capital brasileiro ceder espaço à soberania política  
popular se elas, além de estarem cativas de sua própria estreiteza orgânica, eram  
súditos das burguesias dos países centrais?  
Donde capital vassalo e soberania popular não se integrarem, sendo  
incapazes de efetivar, de modo minimamente coerente e estável, o  
círculo mágico e vicioso do “circuito institucional do capital, que  
consta da totalização recíproca entre sociedade civil e estado”,  
quando se trata da democracia liberal, ou seja, da democracia dos  
proprietários. (CHASIN, 2000, p. 156)  
A dominação material limitada, seu capital não autocentrado, nem autônomo,  
nem completável portanto, atrófico , bem como a época em que surgiu e se tornou  
hegemônico no consórcio no poder, implicava potência política acochada da burguesia  
tupiniquim, o que a compelia ao monopólio do poder.  
Desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de  
promover a malha societária que aglutine organicamente seus  
habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o  
quadro brasileiro da dominação proprietária é completado cruel e  
coerentemente pelo exercício autocrático do poder político. (CHASIN,  
2000, p. 221)  
Aqui a burguesia era obrigada, pois, a tomar distância, a um tempo, de uma  
solução orgânica e autônoma para a sua acumulação capitalista, e das equações  
democrático-institucionais, que lhe são geneticamente estranhas e estruturalmente  
insuportáveis, na forma de um regime minimamente coerente e estável” (CHASIN,  
2000, p. 124). Daí que se mantivesse em permanente conflito aberto com as  
categorias sociais dominadas, com maior ou menor grau de violência e repressão,  
enquanto mansamente se subordina ou concilia com aquelas que se emparelham na  
sua própria altura ou estão acima dela” (CHASIN, 2000, p. 128).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 17  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
É por isso que, quando se investiga a história brasileira, fazendo dobradinha  
com os ciclos econômicos de crescimento subitâneo e efêmero que se sucederam  
continuamente, encontravam-se as formas autocráticas de dominação. Salta aos olhos,  
com efeito, a inexistência de uma democracia no país, mesmo nos moldes liberais,  
durante a quase totalidade de sua história (levando-se em conta, evidentemente, que  
estado de direito e democracia não são idênticos). Durante o período monárquico, a  
maior parte da população brasileira era escravizada, e na vigência da escravidão a  
existência de uma democracia moderna é uma absurdidade. Já na república, a “política  
dos governadores” dos seus primeiros 40 anos era, sob fachada liberal-democrática,  
uma “real ditadura das oligarquias rurais” (CHASIN, 2000, p. 60). Ainda nos anos  
1930, viu-se a ascensão do bonapartismo de Vargas. Em 1946, fim do Estado Novo,  
um militar na presidência, no espírito da guerra fria, reprimiu fortemente a sociedade  
em geral e os comunistas em particular, inclusive cassando os mandatos dos seus  
parlamentares e relegando o partido novamente à ilegalidade. Uma incipiente  
democracia teve lugar apenas, de acordo com Chasin, no curto período de menos de  
15 anos entre o segundo governo Vargas e o golpe de 1964 nos quais houve  
o suicídio de um presidente, a renúncia de um outro e a derrubada  
pela força de um terceiro; e tudo isto já sem contar com um pequeno  
enxame de golpes e contragolpes, e com o fato de que exclusivamente  
um único presidente da república conseguiu exercer, até o fim, o  
mandato que recebera em eleições diretas (CHASIN, 2000, p. 103).  
Foi, portanto, uma fase de menos “de década e meia, através da qual a  
democracia vigente, com todas as suas limitações, foi várias vezes duramente atacada,  
e ao cabo da qual não se conseguiu firmar” (CHASIN, 2000, p. 60). Por tudo isso,  
assevera, trata-se de conquistar a democracia, de fato, dado que ela não existiu de  
modo permanente e efetivo no país: “a democracia é o vir a ser, o historicamente novo,  
tendo, pois, de ser conquistada e construída, e não simplesmente reconquistada, dado  
que, num sentido legítimo e concreto, nunca a tivemos em nosso país [até este ano de  
1980]” (CHASIN, 2000, p. 103).  
Como nunca instituiu e nem mesmo desejou a democracia liberal, a burguesia  
da via colonial pôde, no máximo, comedir sua natureza autocrática e moldar  
civilizadamente o seu conservantismo (CHASIN, 2000, p. 153). Anuiu e se amoldou ao  
liberalismo econômico, mas nunca aspirou a ser democrática: “a ‘democracia’ possível  
da hiper-retardatária burguesia brasileira se resume na legalização, na  
institucionalização da sua insuperável negação da própria democracia” (CHASIN, 2000,  
Verinotio  
18 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
p. 132). Donde, por estas terras, as formas da dominação capitalista genuína oscilaram  
entre dois polos: o da truculência de classe manifesta(o bonapartismo, forma de  
dominação burguesa “em tempos de guerra”, expressão armada do politicismo) e o da  
imposição de classe velada ou semivelada(a autocracia institucionalizada, forma de  
dominação burguesa “em tempos de paz”, expressão jurídica do politicismo), tipos de  
soberania do mesmo capital atrófico (CHASIN, 2000, p. 128). Tal alternância bloqueou,  
obviamente, a possibilidade de uma hegemonia burguesa de viés integracionista e  
com participação de todas as categorias sociais, quer dizer, as classes dominantes  
brasileiras “estão impedidas de conceber e exercitar a forma menos perversa de sua  
dominação, que é a democracia de classe dos proprietários” (CHASIN, 2000, p. 153).  
Chasin conclui que, no Brasil, a burguesia pode ser arrastada ou compelida à  
democracia, esta pode ser feita à sua revelia, mas ela própria não é nunca o seu  
agente” (CHASIN, 2000, p. 131).  
Nos países clássicos, o capital protege o modo de produção capitalista de  
qualquer impugnação radical (teórica e prática), mas nesse mister tolera  
questionamentos que proponham soluções reformistas. Este capital, posto de forma  
mais orgânica e coerentemente articulada, tem condições de suportar tais  
contestações, o que explica, segundo Chasin, a importante presença da social-  
democracia nos países de via clássica. Nos países subordinados, por sua vez, não há  
espaço para nenhuma indulgência:  
o capitalismo subordinado da periferia, como o brasileiro, não  
possuindo a folga daquele, sempre roído pelo seu subordinante, e  
compelido a roer superlativamente seus subalternos, não só preserva  
na generalidade o modo de produção, mas nega qualquer gênero de  
questionamento econômico, pois não pode lhe escapar que, dentro  
da realidade de sua estreiteza capitalista, toda alteração significativa  
só pode provir da angulação das massas, implicando, mesmo quando  
não fere seu arcabouço fundamental, uma parcela de sua  
desmontagem, algo, portanto, em seu detrimento, no prejuízo  
imediato e na abertura de uma perigosa perspectiva (CHASIN, 2000,  
p. 133-4).  
Premida por amarras tão apertadas, a burguesia encontrou uma forma de se  
preservar de críticas e pressões transformadoras: o politicismo. De fato, em suas  
análises concretas da história brasileira, Chasin percebe uma politicização dos  
processos e debates8, ou seja, neles se promovia, em detrimento da determinação  
8
Bem entendido, não se está falando aqui da “consideração de que todo grande problema é um  
problema político, no sentido de que as grandes questões sociais têm sempre a magnitude dos negócios  
públicos”; nem de politizar, já que este ato “implica partir de uma equação da totalidade,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 19  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
econômica, o isolamento e a supervalorização do político, “o desossamento do todo”  
(CHASIN, 2000, p. 8), que ficava esvaziado, desenraizado e sem concretude (isso para  
não falar dos que adstringiam ainda mais o campo, reduzindo o próprio debate político  
aos seus aspectos político-institucionais). Uma compreensão politicista reduz a  
totalidade social, articulada e complexa, exclusivamente a um dos seus elementos o  
político, ou seja:  
Considera, teórica e praticamente, o conjunto do complexo social pela  
natureza própria e peculiar de uma única das especificidades (política)  
que o integram, descaracterizando com isto a própria dimensão do  
político, arbitrariamente privilegiada. (CHASIN, 2000, p. 123)  
Dissolvendo-se a complexa realidade concreta em uma sopa política,  
transformava-se a “totalidade estruturada e ordenada do real complexo repleto de  
mediações – num bloco de matéria homogênea”, promovia-se a hipertrofia do político,  
que, além de constituir uma falsificação intelectual, “configura para a prática um objeto  
irreal”, resultado do desprezo das dimensões social, política, ideológica e,  
especialmente, das relações e fundamentos econômicos que constituem o ente  
concreto (CHASIN, 2000, p. 123).  
Tal procedimento secciona política e economia, tornando o segundo um  
epifenômeno ou uma derivação da primeira, desconsiderando suas interdeterminações  
e negando o caráter fundante, ontologicamente matrizador, do econômico (CHASIN,  
2000, p. 124). Ato contínuo, de forma despolitizada, propõe o debate (e põe,  
portanto, a possibilidade de aperfeiçoamento) do político, enquanto trancafia o  
econômico em minudências e tecnicalidades. É um modo de proceder tipicamente  
liberal, cujos princípios remetem a economia à vida privada vista como o ambiente  
dos interesses egoístas desbragados e conflituosos , enquanto a política, inchada  
formalmente, é dada como coisa pública, esfera dos debates e decisões públicos, do  
bem viver coletivo, da resolução dos conflitos.  
O politicismo implica a perda de potência e eficácia da atuação política, já que  
esta, autonomizada da economia (em que se deve buscar a anatomia da sociedade  
civil), é voluntarista e, assim, condenada à impotência. Com o apelo ao politicismo,  
restava protegida a espinha dorsal da dominação burguesa de via colonial, lastreada  
na economia (e, em particular, na superexploração do trabalho), a cujo debate  
enquanto importante assunto público se esquivava. O politicismo funcionava, pois,  
conceitualmente elaborada” (CHASIN, 2000, p. 8). O politicismo é, na verdade, um fenômeno simétrico  
ao economicismo e antípoda da politização.  
Verinotio  
20 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
como protetor da estreiteza econômica e política da burguesia” e, na medida em que  
efetivamente subtrai o questionamento e a contestação à sua fórmula econômica e  
aparentemente expõe o político a debate e a ‘aperfeiçoamento’”, “atua como freio  
antecipado, que busca desarmar previamente qualquer tentativa de rompimento deste  
espaço estrangulado e amesquinhado” (CHASIN, 2000, p. 124). É por isso que o  
politicismo não era meramente um recurso ideológico do conservantismo civilizado,  
senão que “é resultante primeira da obra prática de sua dominação de classe” (CHASIN,  
2000, p. 153). Ou seja, a burguesia brasileira tinha no politicismo sua “forma natural  
de procedimento”, estava “na forma de sua irrealização econômica (ela não efetiva, de  
fato e por inteiro, nem mesmo suas tarefas econômicas de classe) a determinante do  
seu politicismo. E este integra, pelo nível do político, sua incompletude geral de classe”  
(CHASIN, 2000, p. 124).  
Impedidas por natureza de efetivar sua autoedificação (porque vazias de  
identidade transformadora, apavoradas das revoluções), as personae do capital  
punham-se como figuras transformistas, termo que Chasin usa como sinônimo de uma  
forma de manipulação. Esta não era, assegura, atributo exclusivo das burguesias  
periféricas: em verdade, toda a burguesia de sua época estava trespassada pela  
“inteligência da manipulação”, sendo, porém, que nas burguesias do centro capitalista,  
esta veio depois que foi abandonada sua centelha revolucionária. O distintivo das  
burguesias subordinadas residia justamente em que nunca tiveram interesse ou  
condições de efetivar transformações, que substituíram pela manipulação (CHASIN,  
2000, p. 174). Não havia, na atuação manipuladora, espaço para transformação ou  
mudança qualitativa: toda alteração mantinha e reiterava as condições estruturais  
prévias e os lugares ocupados pelas categorias sociais, o que salientava desde logo  
sua eficiência, inobstante sua falsidade (CHASIN, 2000, p. 174). Muito mais importante  
que a mera trapaça ou engodo, subjazia aí a dispensa do senso e dos critérios  
objetivos de aferição do real e a substituição da verdade por fins utilitaristas, cuja  
perseguição imediatista orientava a prática.  
Obstada a transformação pela atuação das categorias sociais que  
personificavam o capital, dada sua incompletude, poder-se-ia abrir o espaço às que  
encarnavam a lógica do trabalho, que, diferentemente da burguesia, tinham a  
potencialidade universal de integralização (CHASIN, 2000, p. 164). O que quer dizer,  
na miséria brasileira: a irresolubilidade crônica do capital atrófico abriria possibilidades  
de transformação da perspectiva do trabalho. Nesse sentido, caberia ao proletariado  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 21  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
arrastar a burguesia para a democracia e não ser arrastado por ela ao campo dos  
formalismos liberais ou submetido sem subterfúgios a alguma forma de opressão  
despótica. Em suma, dada a particularidade da formação nacional, caracterizada pelo  
itinerário da via colonial, aqui “a construção democrática é possibilidade concreta  
apenas enquanto resultante das lutas sociais nucleadas pela ótica do trabalho”  
(CHASIN, 2000, p. 145) e “até mesmo os mais formais dos valores da democracia  
política” real e estável estariam associados à lógica e à ação do trabalho, então  
centradas na perspectiva operária (CHASIN, 2000, p. 105).  
O fato de o agente histórico do processo democrático (que pressuporia a  
ruptura com a via colonial) ser a massa trabalhadora, empuxada pelos trabalhadores  
da indústria em particular, denotaria necessariamente que “a motivação e o  
direcionamento não permanecem voltados, pura e simplesmente, para a objetivação  
de formas institucionais”, “mas implica necessariamente a democracia econômica, a  
democracia social, a democracia cultural”, ou seja, a totalidade concreta da vida em  
sociedade (CHASIN, 2000, p. 76; 131). Seria necessário efetivar medidas para superar  
a via colonial, cuja ruptura ainda que não se desse inicialmente enquanto superação  
do modo de produção, mas apenas do sistema produtivo alicerçado no arrocho  
salarial, o que não era pouco na realidade brasileira só era possível pela sua ação  
(CHASIN, 2000, p. 221). Em vez de garantir avanços institucionais para depois  
assegurar outros direitos (como os materiais), tratar-se-ia desde logo de articular as  
franquias legais com outras, mais substantivas: condições de salário e de trabalho sob  
as quais os trabalhadores produziam e reproduziam sua existência material, ou seja,  
modificar sensivelmente o enquadramento econômico do sistema e romper, assim, com  
o politicismo. A “desarrumação” e “desmontagem” de aspectos do aparato produtivo  
o impediria de reproduzir a superexploração do trabalho, abrindo espaço para uma  
democracia verdadeira, fundada na soberania dos trabalhadores (CHASIN, 2000, pp.  
132; 164).  
Similarmente à burguesia, a classe trabalhadora também foi, porém, afetada  
pelas condições históricas que presidiram o seu nascimento. Com isso, para Chasin, os  
representantes teórico-político-ideológicos da perspectiva do trabalho estiveram  
igualmente aquém de sua tarefa histórica, como se verá a seguir.  
5. Nascimento e morte das esquerdas no capital atrófico  
Chasin debate, embasado nos elementos formativos da realidade brasileira, não  
Verinotio  
22 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
só as características antiliberais da burguesia endógena como as graves deficiências  
das esquerdas. Também em relação a tal temática sua análise se distingue das mais  
corriqueiras, pois ressalta que as insuficiências e equívocos da esquerda dos países de  
via colonial estão diretamente ligados à incompletude de classe do capital. Assim, tais  
debilidades (“antes um indicador de qualidade do que um índice quantificador de  
força”, cf. CHASIN, 2000, p. 152) não são meramente devidas a incapacidades  
pessoais ou gremiais, mas remetem aos próprios segmentos da sociedade brasileira –  
os quais, por sua vez, têm sua forma de ser explicada pela atrofia da instituição  
histórica do capitalismo no país, consubstanciada por um capital atrófico. Inobstante,  
se “na débil torrente democrática do processo brasileiro, fraca é também a corrente  
proletária que nele atua”, em face da “incompletude de classe, que também atinge o  
proletariado no Brasil”, ela acabou sendo “superenfraquecida pela desorientação a que  
é submetida, sistematicamente, pelos partidos que o querem representar e conduzir”  
(CHASIN, 2000, p. 140).  
Para melhor compreendê-lo, façamos uma rápida referência comparativa aos  
países clássicos. Ali, o novo sistema social, o mundo burguês, um circuito orgânico  
formado pela economia capitalista e pela sociedade burguesa, foi instituído pelas  
revoluções burguesas, das quais as massas participaram e nas quais puderam,  
portanto, influir, introduzindo algumas das suas demandas sob o signo dos interesses  
universais. De tal maneira que, quando as revoluções de 1848 proclamaram a  
autoemancipação do proletariado, “a emersão social e política, prática e teórica, desta  
nova categoria social fez-se, lá onde alcançou seu significado mundial, contra a figura  
integralizada da burguesia(CHASIN, 2000, p. 157). Foi, pois, por sobre as  
reivindicações e realizações históricas progressistas da burguesia, retomadas e  
elevadas até o nível da ruptura revolucionária, que a perspectiva do trabalho se  
assentou em países clássicos. Com isto, ali, a crítica prática e teórica encetada pelos  
agrupamentos e ideologias representantes da perspectiva do trabalho teve início  
precisamente onde se estancou a crítica prática e teórica revolucionária dos  
proprietários. Não à toa, “a primeira aparição de um partido comunista  
verdadeiramente atuante se dá no seio da revolução burguesa” (CHASIN, 2000, p.  
158). Nessas condições, “a revolução do trabalho nasce como o melhor dos produtos  
da revolução do capital. Os trabalhadores retomam e elevam as bandeiras decaídas  
das mãos dos proprietários”, sua própria obra “começa por onde aquela termina”  
(CHASIN, 2000, p. 158).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 23  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Radicalmente distinta era a situação da esquerda na via colonial, porque nesses  
países jamais houve uma revolução burguesa. “A crítica prática e teórica dos  
trabalhadores, aqui, não principiou por onde os proprietários haviam concluído. Estes  
não só não haviam terminado, como não podiam terminar nunca.(CHASIN, 2000, p.  
159) Relembremos, com Chasin, a gênese do PCB, agora centenário: “ressalvada meia  
dúzia de anos da década de [19]20 (sem entrar no mérito do elaborado), já ao final  
desta, com a adoção das teses genéricas sobre o mundo colonial do VI Congresso da  
III Internacional, engendra-se a postura deplorável da cópia intelectual bisonha”  
(CHASIN, 2000, p. 157). Esta inanição teórica tornou-se crônica e foi elevada à  
tragédia no período stalinista e à farsa pelo neosstalinismo, com o pragmatismo e a  
dissimulação que lhe são típicos. A existência de transições tencionadas cuja falência  
não foi reconhecida por longo tempo no Leste europeu e a consequente crise do  
movimento comunista internacional agravaram o problema. Da divisão do PCB  
resultaram um grupo atraído para o viscoso pântano do eurocomunismo (com o  
abandono da perspectiva revolucionária) e outro atracado ao lamentável referencial  
(sino)albanês (apegado a uma suposta sociedade de transição inexistente), na prática  
deixando aberto o caminho à instrumentalização do neoconservadorismo e à tomada  
de espaço pela nova esquerda.  
Tomou forma no Brasil, por conseguinte, uma esquerda (a tradicional, ligada às  
tradições comunistas) esquartejada entre duas opções: a busca por completar como  
acreditava que poderia , via revolução democrática, as tarefas burguesas  
abandonadas pela própria burguesia e que não poderiam jamais ser as suas; e a de  
realizar a (possibilidade genérica tomada abstratamente) própria revolução proletária  
ou, nos dizeres de Chasin, “dar início ao processo de integralização categorial dos  
trabalhadores(cf. CHASIN, 2000, p. 159). Não havia, evidentemente, condições  
objetivas (nem subjetivas) para uma revolução socialista no Brasil dos anos 1960-80,  
um solo em que o capitalismo mais avançado nem existia efetivamente. Entre esta  
revolução incogitável, posta apenas idealmente, e a força muito concreta, com seus  
conflitos e exigências efetivos, de um capital incompleto e incompletável, a esquerda  
tradicional do capital atrófico acabou se dobrando a esta última. Insipiente do papel e  
das tarefas que lhe cumpria realizar, do seu lócus de nascimento e tempo histórico,  
“toma os parâmetros abandonados desta [burguesia clássica] como se fossem os  
supostos de itinerário e de projeto da burguesia de extração colonial, dos quais nem  
esta nem ela própria poderiam pretensamente escapar” (CHASIN, 2000, p. 159).  
Verinotio  
24 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
Labutou, assim, por um projeto de capitalismo nacional que “supunha, em última  
análise, a reprodução do padrão integral do capital desenvolvido, autonomizado pela  
ruptura com o capital metropolitano, de modo que seria alcançado o traçado clássico  
do sistema do capital, abstraídas distinções quantitativas” – acreditava ser possível um  
“sistema capitalista internacional formado pela justaposição de parcelas similares”  
(CHASIN, 2000, p. 215).  
Ao fim e ao cabo, “o devaneio de principiar a integralização de classe dos  
trabalhadores reduz-se a miserável voto piedoso” e “a empresa impossível de levar à  
completude o capital incompletável se amesquinha, progressivamente, em simples e  
melancólico ativismo caudatário” (CHASIN, 2000, p. 160). A esquerda tradicional  
passou, então, a atuar a reboque de uma suposta burguesia “nacional”, em prol de  
uma revolução democrático-burguesa que cumpriria uma etapa necessária para só  
depois se bater pela revolução socialista, a ser atingida posteriormente e  
necessariamente – a esta. Assim, ficou “entravada entre o revolucionarismo abstrato e  
o ativismo caudatário” e “neste movimento pendular consumiu quase toda sua  
capacidade teórica” (CHASIN, 2000, p. 161).  
Ademais, desacerto no imo do equívoco, a esquerda dita marxista deixou-se  
seduzir pelo ideário liberal (ao qual já havia abdicado a própria burguesia ali onde  
outrora fora revolucionária) que configurava, naquele momento, uma subsunção aos  
supostos anseios do conservantismo civilizado, que parecia liberal comparativamente  
à autocracia burguesa instituída em 1964. Aqui como alhures, estas foram  
enclausuradas na hegemonia ideológica burguesa e presas, junto com os defensores  
ideológicos do sistema, ao politicismo que “corresponde à faixa de segurança onde se  
movem em terreno próprio” (CHASIN, 2000, p. 125). Apropriaram-se e reproduziram,  
sob parâmetros dos ideários neoliberais internacionais, “os diagnósticos de realidade  
e os projetos de ação do conservantismo civilizado nacional” (CHASIN, 2000, p. 156).  
Manifestava-se, nessa mimese, sua astenia, mas também sua renúncia à independência  
teórica que, como sua tibieza, não era nova, tampouco involuntária. Assim, a  
esquerda tradicional, com diagnósticos equivocados e práticas desorientadas e  
desorientadoras, teve um lastimável papel na perda de uma importante oportunidade  
histórica, as lutas envidadas no pré-64. Reboquista, etapista, determinista e atrelada  
ao estado, acabou não estando à altura do desafio que foi o golpe de 1964 e o  
bonapartismo que se seguiu a este.  
Crítica à esquerda tradicional, surgiu no final dos anos 1970, no bojo das  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 25  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
greves operárias do ABC paulista, uma “nova esquerda”, assumidamente não marxista.  
Chasin analisa muito diversamente aqueles movimentos, pelo menos em sua  
potencialidade, e a esquerda dali originada. As greves traziam “em seu bojo o  
direcionamento histórico da conquista e da construção democráticas, das quais o  
programa econômico alternativo é a vertebração” (CHASIN, 2000, p. 102). Ressalva  
que os trabalhadores grevistas em nenhum momento punham em causa o próprio  
capitalismo e nem mesmo tinham um programa econômico alternativo mais ou menos  
desenvolvido (como outrora foram as reformas de base), mas ao politicismo proposto  
pelo sistema contrapuseram, na prática, conteúdos relativos às bases, à economia,  
quais sejam, a liquidação da política econômica sobre a qual se sustentava a ditadura  
(a política salarial do arrocho). Pugnando por reivindicações econômicas, acabaram  
também tendo conquistas políticas (como a derrubada factual da lei antigreve). Como  
“democracia minimamente efetiva e arrocho salarial não coexistem, nem podem  
coexistir, a não ser na ‘democracia’ da autocracia burguesa institucionalizada” (CHASIN,  
2000, p. 132), punha-se, então, a possibilidade de uma verdadeira objetivação da  
democracia, sob a égide dos trabalhadores. O que implicava o rompimento com o  
politicismo, tendo por eixo um amplo desmantelamento de aspectos do aparato  
produtivo, impedindo-o, desta forma, de reproduzir a superexploração do trabalho e,  
assim, possibilitando a transformação das relações sociais.  
O que houve, porém, foi a perda de outra oportunidade histórica de romper  
com os mais danosos aspectos da via colonial, pois o sistema tratou de “encaminhar  
o desenho de outra forma de sustentar a mesma dominação”, efetivando uma  
passagem politicista do bonapartismo à autocracia institucionalizada (CHASIN, 2000,  
p. 127). E teve nas esquerdas um cúmplice voluntário ou não , tendo em vista que  
aquele percurso proposto pelas massas foi sustado pelas suas representações, que  
atuaram apenas no campo de segurança proposto pelo sistema e sucumbiram ao  
politicismo. As massas que, de moto próprio, não podem determinar os processos e  
direcionar os movimentos rumo a conteúdos presentes espontaneamente em algumas  
das suas iniciativas foram subordinadas e desfibradas pelas oposições ao regime  
bonapartista (CHASIN, 2000, p. 125). Para Chasin, “A dinâmica da construção  
democrática pelas bases não é, simplesmente, ter as massas em movimento, mas dotar  
o movimento das massas, ao mesmo tempo, da arma programática que reordena a  
sistemática da produção” (CHASIN, 2000, p. 132). Mas se deu exatamente o contrário  
no final dos anos 1970 e início da década seguinte, com as esquerdas pelejando para  
Verinotio  
26 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
redirecionar as lutas sociais que se davam nas fábricas, principalmente, mas também  
em comitês de apoio, nas ruas etc. para o campo institucional, quando, na verdade,  
as lutas sociais é devem determinar a ação parlamentar, “de modo que atualizassem  
sua potência de forçar a representação parlamentar (...), vindo assim a conferir a ela  
conteúdo e direção” (CHASIN, 2000, p. 145). Assim, “depois de uma longa trajetória,  
à qual não se nega o valor de resistência e até momentos de pesado sacrifício”, as  
esquerdas sucumbiram ao ardil do politicismo porque “mantiveram e reproduziram a  
ignorância prática da centralidade operária, desconheceram a necessidade de romper  
o politicismo, e não compreenderam o imperativo de um programa econômico de  
transição democrática(CHASIN, 2000, p. 133).  
Transitou-se, pois, sem transformação, num processo conduzido pelo sistema,  
que continuou mantendo fora de perigo seu cerne, a política econômica, mesmo que  
reformando alguns dos seus aspectos, com vistas à manutenção do poder. Na medida  
em que se limitaram à reivindicação (e de forma abstrata) das franquias democráticas  
e, no máximo, a uma irresolutiva redistribuição de renda, as oposições à ditadura  
militar, esquerdas incluídas, levadas de roldão pelo politicismo, não atenderam para o  
fato de que o projeto global do bonapartismo era antes de tudo econômico. Donde,  
não conseguiram entender e denunciar os esteios do projeto econômico da ditadura  
e suas consequências necessárias.  
Faceta não desprezível da obsequiosidade teórica da esquerda e da penúria de  
seus padrões de reflexão é o conjunto de conceitos do qual se valia, que em muitos  
casos emprega ainda hoje, para entender a realidade e combater suas mazelas.  
Sintetizado nas teorias da dependência e da marginalidade e nas críticas ao populismo  
e ao autoritarismo9, foi forjado nos altos-fornos da epistemologia liberal mas,  
inobstante, passou a ser identificado como interpretação oficial do marxismo para o  
Brasil. A esquerda tradicional, carente de um diagnóstico e um prognóstico da  
realidade nacional próprios, em vez de lhes dirigir a crítica radical e rigorosa que  
mereciam, assimilou elementos dessas teorias, amalgamando-as a suas antigas  
posições; e a nova esquerda as considerava sua essência, tomando-as como “aspectos  
válidosdo marxismo dos quais se valeria para fazer a crítica da esquerda tradicional.  
Ao fazer essa necessária – crítica, a proclamada “nova esquerda” perdeu-se  
nas brenhas de outro tipo de tentativa de finalização, a do poder liberal ininstaurado  
9 Não há espaço, aqui, para reproduzir as críticas a esse quarteto teórico feitas por Chasin. Remetemos  
os interessados aos textos originais deste (especialmente, CHASIN, 1989).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 27  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
e inistaurável” (CHASIN, 2000, p. 161), ou seja, a questão da soberania política  
burguesa num país onde o liberalismo era impossível. É por isso que, tomando  
igualmente para si fósseis liberais, impôs-se uma escolha simplória entre  
democratismo e autoritarismo explicitando que sua diferença para com a esquerda  
tradicional era de acento, não de qualidade. No âmago de seu democratismo, um  
“participacionismo” – degeneração da participação, que reduz a força dos agentes à  
presença física e à quantidade, totalmente imerso no espontaneísmo que toma a  
política como o campo da vontade ou da invenção. Para Chasin, participar é estar  
jungido de forma consciente à política concreta pelas “demandas finitas de um  
momento histórico dado, no processo verdadeiramente infinito da autoedificação  
humana e de sua emancipação”, quer dizer, atua-se dentro de circunstâncias históricas  
determinadas, que impõem escolhas possíveis, mas sempre tendo como fim a  
emancipação humana. Já participacionar implica “servir como número à manipulação  
politicista, destituído de classe, consciência e individuação, sem vínculo concreto com  
a construção do humano e de sua liberdade”, é “a participação sem consciência  
participante ou a presença participante sem consciência”, tornada puro testemunho e  
cedida à instrumentalização em seus mais variados níveis(CHASIN, 2000, p. 161).  
No início dos anos 1980, em suma, o diagnóstico da situação das esquerdas  
no Brasil era bastante negativo. Estas não tinham independência teórico-ideológica  
nem autonomia política, eram “raquíticas em número e anacrônicas nas formas de  
organização” e não obstante haver “mártires e sacrificados, ofendidos e humilhados”,  
verdadeiros “heróis no equívoco e vítimas de todas as regressões” aos quais a mais  
digna homenagem “é a coragem de recomeçar” – acabaram conduzindo sua ação de  
uma forma “que atinge e desencanta, limita e desorienta o conjunto dos trabalhadores  
do país” (CHASIN, 2000, p. 160). A união entre o “embrião maldito do capital  
incompletável” e a “insubstancialidade teórica e prática” da esquerda é que determina  
a miséria brasileira, expressão que diz da gênese, processo e consequências da  
objetivação do capital no país.  
Segundo Chasin, na sua acepção desenvolvida historicamente, direita e  
esquerda são “campos políticos de natureza diversa, compreendidos pela dinâmica  
excludente entre as lógicas do capital e do trabalho e suas respectivas formas  
societárias”, e, assim, o que qualifica o campo da esquerda é ser figura organizada  
pela lógica humano-societária do trabalho” (CHASIN, 2000, p. 229). Diante da  
derrocada da União Soviética e outros países pós-revolucionários (que se deveram,  
Verinotio  
28 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
antes de tudo, a problemas internos) e do estabelecimento incontestado do domínio  
global do capital, houve um retraimento da esquerda até seu completo  
desaparecimento enquanto esfera de atuação política da perspectiva do trabalho. Num  
fenômeno que manteve similitudes com o que ocorreu no restante do mundo, no Brasil,  
a esquerda, enquanto representante da lógica onímoda do trabalho, após dissensões  
e dissidências e um agudo empobrecimento teórico, cedeu passo a representantes  
postos no lado esquerdo do campo do capital, que em solo não revolucionado soam  
como radicais.  
Restaram ou sugiram alguns organismos partidários, de portes  
distintos, que, perdidos em suas pobres diferenças, desvalidos para  
tudo que não sejam disputas irrelevantes de caráter bizantino, se  
igualizam como organizações políticas que ocupam posições na  
esquerda do arco político do capital. (CHASIN, 2000, p. 231)  
De tal maneira que, a partir do final dos anos 1980, o campo da esquerda foi  
o grande ausente10, existindo, no máximo, individualidades e agrupamentos “situados  
no polo da radicalidade burguesa, espaço que o capital subordinado nunca preencheu,  
dado o caráter autocrático de sua dominação, que implica a exclusão dos de baixo,  
isto é, do povo e do princípio de sua soberania” (CHASIN, 2000, p. 233).  
A morte da esquerda se somou à extensão da utilidade histórica do sistema do  
capital para proliferar os obstáculos e dilemas da via colonial. A extraordinária  
transformação imposta pela globalização determinou o fim de todas as possibilidades  
de romper com a via colonial a partir das condições dadas no próprio país, como se  
verá a seguir.  
6. Via colonial: encerramento sem ruptura  
Desde meados dos anos 1970 Chasin aponta os equívocos e limites da atuação  
das esquerdas, especialmente a não apresentação de um projeto econômico, pensado  
da perspectiva do trabalho, alternativo ao do sistema. Mas não só: considera parte da  
tarefa da crítica fixar alguns marcos acerca de elementos que jamais poderiam deixar  
de estar incluídos neste. Assim, com diferentes graus de formulação, por meio de  
10 Constatar a morte da esquerda não significa abdicar da revolução social e desacreditar da perspectiva  
do trabalho: esta não foi extinta nem pode sê-lo, pois persiste enquanto houver trabalho, ou seja,  
humanidade. Bem ao contrário de derrotismo ou pessimismo, trata-se de reconhecer objetivamente a  
situação histórica e, por sobre um balanço da produção teórico-ideológica e da atuação prática, embasar  
um possível renascimento da esquerda, desta vez, quiçá, efetivamente assentada sobre a autêntica  
perspectiva do trabalho, que forje os diversos instrumentos organizacionais necessários e adequados  
às lutas social, sindical e política no momento de sua gênese (CHASIN, 2000, p. 201).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 29  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
aproximações sucessivas (que aqui não há espaço para reproduzir11), ele traz à tona  
transformações que seriam necessárias e factíveis para que houvesse a ruptura  
com os mais danosos caracteres da via colonial. Tais medidas subentendem um  
combate realizado no campo adequado, e justamente aquele que tem sido  
resguardado e protegido pelo capital atrófico, qual seja, o econômico. Trata-se, pois,  
de “fundir luta econômica com luta política”, procedendo-se à substituição da política  
econômica vigente por outra, elaborada da perspectiva do trabalho. Seria alcançado,  
dessa forma, um crescimento verdadeiro e resolutivo, que articulasse progresso social  
a evolução nacional. Assim, se alguns momentos da primeira transição aqui  
apresentada se transformaram conforme a conjuntura, foi mantida sua ossatura.  
O conjunto de medidas apresentado por Chasin não se esgotaria em si mesmo,  
antes ao contrário, faria parte de um movimento mais amplo constituiria a primeira  
etapa de um processo articulado de superação do capital, o qual ele chamou de dupla  
transição. As disposições que apresentamos constituem justamente o seu momento  
inicial, a primeira transição, de ruptura com um capital induzido, subordinado e  
excludente, de maneira a transformar o perfil do sistema produtivo mas sem querer  
saltar imediatamente, por sobre as condições (in)existentes, para outro modo de  
produção. A primeira transição tomaria como arena de luta justamente a incompletude  
econômica e política do capital atrófico, a qual combateria não no sentido de completá-  
la, mas de desmontar os pressupostos do sistema produtivo (ainda defensivamente,  
no âmbito do mesmo modo de produção) para, assim, abrir caminho para uma segunda  
transição, esta sim já no terreno próprio da lógica do trabalho (CHASIN, 2000, p. 281-  
2). Em síntese, a primeira transição está vinculada em sua distinção à transição  
socialista, consubstancia as transformações imediatamente possíveis e abre  
estruturalmente para a transição última, que projeta para além do capital(CHASIN,  
2000, p. 219).  
Sua propositura se caracterizava, em primeiro lugar, justamente por não supor  
uma constituição ideal do capitalismo no país, mas ser realista, partir da configuração  
do capital particularmente instituído por estas plagas. Tal significa não pleitear, por  
11 Não cabe, aqui, o acompanhamento do programa proposto para cada momento histórico, tampouco  
o deslindamento da densa elaboração de Chasin acerca dos diversos temas nos muitos artigos e  
editoriais que escreveu (muitos deles, vale lembrar, realizados a quente, durante os acontecimentos e  
para embasar posicionamentos que julgava importantes). Dados os objetivos deste texto, apenas  
apresentamos os aspectos mais importantes de um percurso possível e o itinerário realmente percorrido,  
tomando por parâmetro a primeira transição pensada nos primórdios da globalização.  
Verinotio  
30 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
exemplo, a tentativa de chegar a alguma forma de capitalismo modernizado que  
desconsideraria sua real constituição e seus nexos visceralmente subordinados, bem  
como a crença algo ingênua num distributivismo redentor autônomo com relação às  
estruturas produtivas subordinadas e excludentes mas a tentativa de superá-las.  
Chasin não se deixa, assim, engolfar nem pelo fatalismo (pois a primeira transição não  
se tratava de destino inelutável), nem pelo caudatarismo (de vez não era o caso de ela  
tomar para si as tarefas incompletas e incompletáveis da burguesia), nem pelo  
etapismo (já que não era uma etapa necessária e inescapável para se chegar a outro  
patamar). Bem entendida, estava posta no gradiente das possibilidades concretas, era  
uma “alternativa real da perspectiva do trabalho, inscrita no campo dos possíveis da  
atualidade brasileira(CHASIN, 2000, p. 282). A processualidade da dupla transição  
também permitiria escapar do maniqueísmo que contrapunha abstratamente reforma  
a revolução, já que reafirma o socialismo ao mesmo tempo que reconhece a  
impossibilidade de sua realização imediata, sem conduzir ao imobilismo e sem permitir  
que a afirmação socialista seja transformada em discurso melancólico da mais nobre  
volição ou da mais tacanha teimosia” (CHASIN, 2000, p. 219).  
A proposição passava, antes de tudo, por levar a cabo tarefas para promover  
uma grande transformação qualitativa no campo das relações internacionais do  
capital12, para o rompimento das relações subordinantes, de que depende toda  
alteração interna (CHASIN, 2000, p. 282-3). Chasin realça que uma estreita inter-  
relação no âmbito das relações econômicas internacionais fez parte de todo o  
incompleto processo de constituição do Brasil enquanto nação. Com tal histórico, e  
sendo um país de grande porte e complexidade econômico-produtiva, sua dissociação  
da revolução tecnológica e do mercado global era impossível (e indesejável, pois  
equivaleria a isolar-se, estagnar e regredir num mundo cada vez mais universal). De  
forma que se tratava de discutir a qualidade da inserção.  
Umbilicalmente vinculada, e como ponto fulcral da proposta, a redefinição do  
12  
As propostas contidas na primeira transição mantiveram uma coerência interna fundamental, para a  
qual foi necessário ir ajustando medidas concretas às mudanças históricas pelas quais passou o país.  
Nesse sentido, o papel do estado, p.ex., foi bastante modificado dos anos 1970 para meados dos anos  
1990, bem como a importância da transformação das relações internacionais. Nessa mesma direção,  
nos anos 1970 e 80, Chasin realça a importância da plataforma de luta pela democracia, que deveria  
articular e potencializar, a seu tempo, a anistia, a convocação de uma assembleia constituinte e todas  
as diversas prerrogativas democráticas, sempre cuidando de avançar do plano institucional para as  
efetivas condições de vida e trabalho da imensa maioria da população. Já nos anos 1990, ele salienta  
a conquista de certa estabilidade democrática, sem que os mourões da via colonial tivessem sido  
derribados.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 31  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
aparato produtivo por meio de medidas de curto, médio e longo prazos para inativar  
as dimensões mais perniciosas do capital atrófico mormente a superexploração do  
trabalho para, então, eliminar pela raiz a causa da exclusão social endêmica no país  
(CHASIN, 2000, p. 74; 237) , no interior de  
um programa econômico de recomposição da malha dos setores  
produtivos, do redirecionamento de prioridades e da alocação de  
recursos (privados e públicos), de maneira que o aparato de produção  
e reprodução material da vida seja posto a serviço da sociedade  
global (CHASIN, 2000, p. 283).  
O enfrentamento da questão agrária também era inescapável (“a estrutura no  
campo é a matriz histórica [da] excludência”, cf. CHASIN, 2000, p. 284), com especial  
atenção às reivindicações trabalhistas dos assalariados do campo, tão desatendidas  
historicamente e tão desapercebidas pelas esquerdas. No mesmo bojo, deveriam ser  
tomadas providências variadas, de maneira a dar conta da diversidade do campo  
brasileiro, prevendo propriedades de tipos e caracteres diferentes (incluída a  
propriedade social, de contornos comunais, não estatal), voltadas ao atendimento de  
necessidades e especificidades de distintos setores, considerando-se a permanência  
do empreendimento diante do desmonte dos mecanismos da superexploração do  
trabalho, a sua viabilidade econômica e os avanços de produtividade (CHASIN, 2000,  
p. 286).  
E, finalmente, a formação dos blocos econômicos internacionais, com a  
promoção da integração econômica latino-americana o que subentenderia a  
desmontagem das relações subordinantes com as economias centrais , que teria um  
grande peso sobre o sistema mundial (CHASIN, 2000, p. 286). Se deixado a sua  
própria lógica, o capital atrófico poderia, no máximo, reiterar sua subalternidade  
estrutural ao capital metropolitano, em vez de empreender a formação de um mercado  
único latino-americano capitaneado pelas nações mais fortes articuladas aos demais  
países (forma de alcançar algum poder de pressão no cenário global). Nesse sentido,  
o início dos anos 1990 trazia amplas perspectivas ao Brasil, país que fazia parte do  
pequeno agrupamento de países periféricos (com Argentina e México) para os quais a  
inserção na nova forma de acumulação ampliada do capital poderia ser mais proveitosa  
(para além de ser inescapável, sob pena de retrocesso) (CHASIN, 2000, p. 286).  
O perfil inicialmente defensivo das transformações econômicas fazia parte da  
visão objetiva que, ao mesmo tempo, era talhada de molde a induzir uma ampla  
reconfiguração econômico-societária, desordenar a lógica do capital atrófico, se não  
Verinotio  
32 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
extinguindo, ao menos moderando a (des)ordem social posta por ele, ao controlá-lo  
socialmente (e não politicamente, como tem sido a regra no campo da pseudoesquerda  
voluntarista). Tais medidas, por desorganizarem aspectos centrais da estruturação do  
capitalismo no país, ainda que pudessem resultar em “fortalecimento do capital local  
e da continuidade da exploração do trabalho, é inverossímil que seja muito dificilmente  
seria operada, agora ou depois, sob a égide do capital atrófico(CHASIN, 2000, p.  
164; 169): somente poderiam ser consumadas por uma frente político-eleitoral  
articulada a partir das massas, fortemente estacada nas necessidades populares, tendo  
por eixo a aliança entre trabalhadores urbanos e rurais, mas articulando em torno de  
si a pequena e média burguesias, interessadas na ampliação do mercado interno.  
A possibilidade concreta de ruptura com os caracteres mais perniciosos da via  
colonial esteve presente especialmente em alguns momentos da história brasileira,  
como mencionado, com destaque para as lutas do imediato pré-64, para as greves do  
final dos anos 1970 e para as eleições presidenciais de 1989, as primeiras após o  
bonapartismo instituído pelo golpe em 1964). Em nenhuma delas houve o rompimento  
desejado, graças a diversos fatores (os quais, por sua vez, se devem a diversas  
questões das quais já mencionados algumas); vários dos descaminhos trilhados pelo  
país se devem a equívocos da autointitulada esquerda lamentavelmente, diz Chasin,  
no Brasil, “as melhores forças têm primado em perder oportunidades” (CHASIN, 2000,  
p. 294).  
Durante quase todo o século XX, a produção de mercadorias no plano  
internacional tinha gradações ainda despretensiosas, e sua circulação dava-se quase  
sempre por meio de relações bilaterais em mercados controlados pelas potências  
centrais restritos ou cativos. A partir dos anos 1990, com a globalização, tudo isso  
desapareceu em face da “produção ampliada a grandezas sem limites e [d]o  
intercâmbio comercial elevado ao primado das trocas infinitas e superpostas, sem  
embaraços de fronteira” (CHASIN, 2000, p. 304). Certos capitais, antes circunscritos,  
ultrapassaram seus antigos limites à busca de lócus mais amplos para sua reprodução  
ampliada, alçando-se ao nível global, entre nações dispostas em graus diferentes e  
hierarquizados agregadas em blocos também desigualmente constituídos e que  
competem entre si e internamente. Com as imensas implicações da revolução  
tecnológica, as fronteiras se tornam mais dúcteis, mas não são eliminadas, bem como  
as relações de subsunção e o desenvolvimento desigual e combinado típicos dos  
movimentos do capital.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 33  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Nos novos marcos da revolução tecnológico-produtiva, há apenas um capital  
social global e os mercados interno e externo não mais se distinguem. Essa “nova  
(des)ordem internacional do capital” é “o mundo real a ser vivido por todos, embora  
sob a diversidade com que os países estejam habilitados a participar dele por efeito  
do desenvolvimento desigual que os enforma” (CHASIN, 2000, p. 304). Crescer agora  
é ocupar nichos na infinitude da malha produtiva e no mercado único globais,  
certamente com contradições (muitas delas inimagináveis) inéditas e em proporções  
gigantescas das quais já foi possível ter algumas amostras. Mercado mundial e novo  
patamar produtivo que não são opções ideológicas ou conspirações bem elaboradas  
e insidiosas, mas uma realidade inelutável, uma nova forma de existência humana,  
ainda sob o capital.  
A existência nacional, sob os influxos de uma nova realidade, passa, então, a se  
conformar pela “lógica sem precedentes da nova fase de acumulação ampliada do  
capital, ou seja, pelos nexos operantes do novo patamar tecnológico e da  
mundialização do mercado” (CHASIN, 2000, p. 302). Nesse sentido, só integrado a  
esta seria possível existir civilizadamente a partir de então inclusive para, no futuro,  
labutar pela ultrapassagem do mundo regido pela lógica do capital.  
A nova configuração do capital, à qual o Brasil está atrelado, põe em patamar  
diferente todos os parâmetros de debate e de atuação possíveis. Este novo estágio  
produtivo global reformula completamente o quadro no qual se desenrolam os  
processos internos a cada país, impossibilitando alternativas resolutivas que em algum  
momento haviam se posto no interior das fronteiras nacionais. A revolução tecnológica  
elimina os vestígios de uma lógica do capital (já esgotado havia muitas décadas) que  
nutria a ilusão da possibilidade de autonomia do capital nacional, que no Brasil se  
encarnou até na “esquerda”. A via colonial encontra seu fim num processo que significa  
o fechamento de ciclos que se deram internamente ao país ainda apenas parcialmente  
inserido nas relações internacionais (em comparação com a globalização) e, no mesmo  
passo, inviabiliza soluções no âmbito nacional. Trata-se, enfatize-se, do fim de um  
longo ciclo da história brasileira, no decorrer do qual se cristalizaram determinados  
aspectos da nossa sociabilidade sem que fossem enfrentados revolucionariamente e  
que encontraram um encerramento “natural”, coerente com sua existência. Tomar em  
conta essa nova realidade, afirma Chasin, é imprescindível para compreender o tempo  
histórico e prospectivar o futuro.  
Verinotio  
34 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
Considerações finais  
Nos seus aspectos mais gerais, a via colonial de objetivação do capitalismo  
descoberta por Chasin foi a instituição da economia e da sociedade burguesas que  
não teve um processo revolucionário por parteiro. Marcada pela grande propriedade  
rural já empresarial, de origem colonial , resistiu ao processo de industrialização,  
que só se afirmou após muitas intermitências, resistências e recomeços, híper-  
tardiamente, em condições de subordinação aos interesses das burguesias dos países  
centrais, tendo o estado por um dos seus principais agentes e sem nunca se completar  
totalmente. Tratava-se de um capital atrófico, porque incompleto e incompletável, que  
deixou irresolvidas suas mais elementares questões estruturais, ademais (e em  
consequência) de nunca romper com sua condição subserviente aos polos  
hegemônicos da economia internacional.  
Ausente a revolução burguesa que instituiu a sociabilidade do capital nos países  
de via clássica, objetivou-se uma formação que dissociava a evolução nacional (aqui,  
determinada desde o exterior) do progresso social, quer dizer, em que a sociedade  
evoluiu e se modernizou sem que sua classe dominante encarnasse o papel de  
representante universal dos interesses das classes dominadas, enjeitadas e mantidas  
à margem, excluídas e/ou reprimidas pela violência abertamente bonapartista ou  
institucionalizada. Na via colonial o progresso só se pôs por meio de acertos e  
acomodações com os representantes da ordem agroexportadora, instituindo-se um  
reformismo pelo alto impeditivo de uma hegemonia burguesa em moldes liberal-  
democráticos, integracionista. Assim, por estas plagas o fenômeno da exclusão social,  
os graus abissais de desigualdade e a dominação autocrática que frequentemente  
resvalava para a ditadura não se deviam ao atraso, mas eram uma forma de ser e ir  
sendo do capital na qual a classe dominante, embrionariamente contrarrevolucionária,  
abandonou suas tarefas históricas e sujeitou-se docilmente às burguesias estrangeiras.  
Totalmente dedicada aos próprios interesses mesquinhos, servil às classes dominantes  
estrangeiras, selvagem com as classes dominadas, a burguesia dominou com mão de  
ferro “em tempos de guerra” e impôs-se com concessões desconfiadas “em tempos de  
paz”.  
Em síntese, a via colonial  
particulariza formações sociais economicamente subordinadas,  
socialmente inconsistentes e desastrosas, politicamente instáveis em  
sua natureza autocrática e culturalmente incapacitadas de olhar para  
si com os próprios olhos e traçar um horizonte para seus dilemas  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 35  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
específicos na universalidade dos impasses mundiais. Sob os influxos  
e refluxos do capital metropolitano, produzem e reproduzem a miséria  
de sua incontemporaneidade, armada sobre a incompletude de seu  
capital incompletável e, por isto, sobre a natureza invertebrada de  
suas categorias sociais dominantes e, por decorrência, sobre a  
inorganicidade de suas categorias sociais subalternas (CHASIN, 2000,  
p. 212).  
Como a classe dominante não efetivou seu papel histórico, as classes  
dominadas não puderam concretizar suas próprias tarefas partindo do patamar de um  
mundo já transformado pela revolução burguesa a incompletude de classe é a ferida  
supurante do capital atrófico. Assim, as classes dominadas, superexploradas e  
reprimidas, e vendo tolhido o conflito que é o demiurgo das classes, não tiveram  
condições de exercitar sua organização política independente e desenvolver-se teórica  
e ideologicamente de forma autônoma. Seus representantes teóricos, desatentos às  
específicas características da nossa sociabilidade, gastaram rios de tinta em querelas  
abstratas e embrenharam-se pelo cipoal de rematar as tarefas que foram outrora  
efetivadas pelas burguesias clássicas, fossem elas as econômicas (caso da esquerda  
tradicional) ou as políticas (caso na esquerda não marxista). Nesse processo, as  
esquerdas foram se confundindo, cindindo e apequenando até a desaparição. Restam  
representações que ocupam o arco à esquerda do capital, que na via colonial aparece  
como radical. Mas, frise-se, para Chasin, a morte da esquerda realmente existente não  
significa o fim da perspectiva do trabalho.  
Até os anos 1990, Chasin afirma que a eliminação pela raiz da miséria brasileira  
era tarefa dos trabalhadores em geral, então empuxados pelo proletariado industrial.  
A imensa transformação promovida pela revolução tecnológica e pela globalização,  
que engolfa (subordinadamente) o capital atrófico, modifica a configuração geral13 e  
reenquadra as possibilidades de cada país. De acordo com Chasin, as economias  
nacionais têm de se adequar a determinados protocolos do sistema de produção  
global nos quais estão profunda e desigualmente imersas. No caso brasileiro, isso  
significa que as inviabilidades típicas da via colonial são transpostas para um quadro  
de universalização da produção capitalista que é o único no qual poderiam ser  
solucionadas. Inexequível agora qualquer transformação substancial nos estreitos  
marcos da nacionalidade; dado o novo patamar de determinação internacional do  
13  
E, nesta, o agente revolucionário deixou de ser a classe operária, ultrapassada com a perda de  
importância da indústria, cabendo investigar quem é o mais lídimo representante da lógica onímoda do  
trabalho em sua mais nova e revolucionária configuração histórica (cf. CHASIN, 2000).  
Verinotio  
36 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
capital, verifica-se que se encerra todo um período histórico no qual o país poderia ter  
escolhido o caminho a percorrer, ou a velocidade da marcha, ou ao lado de quem  
avançaria, ou ainda quem carregaria as tralhas de viagem e quem aproveitaria as  
delícias da paisagem. Findo o percurso, põe-se, antes de mais, o desafio de entender  
a nova realidade dada e de manter a lucidez, ato revolucionário em tempos obscuros.  
Do início ao fim de sua vida teórica, Chasin se dedica à crítica teórica e prática  
da sociabilidade brasileira, corrigindo, aprofundando, atualizando, especificando  
suas reflexões sobre o tema, num processo ininterrupto e infinito de aproximação de  
um objeto também ele em constante movimento. Importante salientar que, como  
intentamos demonstrar, ele não faz uma “teoria da história” brasileira, abstrata, mas  
decanta categorias a partir da própria concretude. Distancia-se dos modelos teórico-  
metodológicos e típico-ideais, bem como das interpretações que ora destacavam as  
mazelas internas, ora salientavam a subordinação ao exterior, quebrando a estreita  
dialética que unia as duas pontas da miséria brasileira. Ao se debruçar sobre a  
realidade brasileira, ele captura por sobre os caracteres culturais, linguísticos e  
outros suas principais determinações sócio-históricas, da produção e reprodução  
material da vida tal como possível no processo efetivo pelo qual se objetivaram as  
categorias do capital no contexto sócio-histórico dado no país.  
Como o próprio autor frisou, que não se tratava de uma teoria plenamente  
desenvolvida, mas de uma tematização em processo, que impunha “sucessivas  
aproximações cada vez mais concretizantes” (CHASIN, 2000, p. 12) e da qual  
algumas críticas e caracterizações foram menos desenvolvidas que outras, que  
restaram, assim, mais abstratas. A colaboração de pesquisadores de áreas diversas  
havia, inclusive, sido expressada como necessária para o aprofundamento e o  
desenvolvimento das análises, mas acabou em larga medida não sendo concretizada.  
Adite-se que, dado o encaminhamento da sociabilidade brasileira (inserida no mundo  
global) nesses quase 25 anos desde sua morte, é nossa a tarefa urgente de avaliar  
a pertinência, a atualidade e a necessidade de aprofundamento dos diversos elementos  
de sua análise, cujo rigor, de resto, esperamos ter demonstrado.  
Referências bibliográficas  
ASSUNÇÃO, V. N. F. de; MELO, Wanderson F. de; JIMENEZ, Juan Retana. Pensando o  
Brasil: bases teóricas para a análise da miséria brasileira. Intérpretes da formação  
sócio-histórica brasileira no século XX. São Paulo: Edições Nojosa, 2023.  
CHASIN, J. A politicização da totalidade: oposição e discurso econômico. Revista Temas  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 37  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
de Ciências Humanas, São Paulo, Grijalbo, n. 2, p. 145-78, 1977.  
______. Sobre o conceito de totalitarismo. Revista Temas de Ciências Humanas, São  
Paulo, Grijalbo, n. 1, p. 121-34, 1977a.  
______. Conquistar a democracia pela base. Revista Temas de Ciências Humanas, São  
Paulo, n. 6, p. 153-75, 1979.  
______. As máquinas param, germina a democracia! Escrita/Ensaio, São Paulo, Ed.  
Escrita, p. 107-32, 1980.  
______. Lukács: vivência e reflexão da particularidade. Ensaio, São Paulo, Ed. Ensaio,  
n. 9, p. 55-69, 1982.  
______. “¿Hasta cuando?” A propósito das eleições de novembro. Ensaio, São Paulo,  
Ed. Escrita, ano IV, n. 10, p. 5-29, 1982.  
______. Nota do editor. Revista Ensaio, São Paulo, Ed. Ensaio, n. 13, 1984.  
______. A esquerda e a nova república. Revista Ensaio. São Paulo, Ensaio, n. 14, 1985.  
______. A miséria da república dos cruzados. Revista Ensaio, São Paulo, Ensaio, n.  
15/16, 1986.  
______. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo  
híper-tardio. Santo André/Belo Horizonte: Ed. Ensaio/Una Editoria, 1999.  
______. A miséria brasileira (1964-1994): do golpe militar à crise social. Santo André:  
Ad Hominem, 2000.  
______. Especial J. Chasin: a determinação ontonegativa da politicitidade. Revista  
Ensaios Ad Hominem, Santo André, Estudos e Edições Ad Hominem, n. 1, t. III,  
2000a.  
______. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
______. Excertos sobre revolução, individuação e emancipação humana. Verinotio, Rio  
das Ostras, v. 23, n. 1, p. 10-105, abr. 2017. Disponível em:  
<https://verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/301/289>.  
______. Da teoria das abstrações à crítica de Lukács. Verinotio, Rio das Ostras, v. 27,  
n.  
1,  
p.  
157-239,  
jan./jun.  
2021.  
Disponível  
em:  
<https://verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/609/521>.  
COTRIM, Lívia C. A.; RAGO FILHO, Antonio. Em memória de José Chasin: luta pela  
autenticidade humana. Crítica Marxista, São Paulo, Xamã, v. 1, n. 8, 1999.  
Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/  
nota15Nota2.pdf>.  
RAGO FILHO, Antonio. A teoria da via colonial de objetivação do capital no Brasil: J.  
Chasin e a crítica ontológica do capital atrófico. Verinotio Revista on-line de  
Educação e Ciências Humanas, Ano VI, n. 11, abr./2010. Disponível em:  
<https://verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/98/88>.  
______. “Posfácio”. In: CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. Santo André/Belo  
Horizonte: Ad Hominem/Una Editorial, 1999.  
SILVA, Sabina. J. Chasin: para a crítica da razão política. Ensaios Ad Hominem, n. 1, t.  
III, Santo André, Estudos e Edições Ad Hominem, 2000. Disponível em:  
<http://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/154/144>.  
VAISMAN, Ester. O projeto Ensaio e um “novo marxismo” brasileiro. Canal Tinta  
Verinotio  
38 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
Vermelha, set. 2021. Disponível em:  
<https://www.youtube.com/watch?v=LzXhe5tGy_g>.  
Como citar:  
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. J. Chasin e a via colonial de objetivação do  
capitalismo: uma reflexão marxista sobre nossa formação sócio-histórica. Verinotio,  
Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 1-39, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025 | 39  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.758  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e  
fascismo europeu (1922-1937): formas de  
regressividade na via colonial e na via prussiana  
de objetivação do capital1  
Historical differences between Brazilian integralism and  
European fascism (1922-1937): forms of regressivity in  
the colonial path and in the Prussian path of  
objectification of capital  
Antonio Rago Filho*  
Abstract: In this article, we discuss the  
Resumo: Neste artigo, discutimos a diferença  
difference between Brazilian integralism and  
entre o integralismo brasileiro e o fascismo  
European fas-cism, two ideologies that are  
europeu, duas ideologias que são radicalmente  
radically regressive but not identical. They differ  
regressivas, mas que não são idênticas. Elas se  
in several aspects based on the distinct social  
dife-renciam em diversos aspectos com base no  
ground in which they were generated: the  
chão social distinto no qual foram geradas: a via  
Prussian path, in the case of fascism, and the  
prussiana, no caso do fascismo, a via colonial, no  
colonial path, in the case of integralism. We also  
do integralismo. Ainda, a apresentamos algumas  
present some of the traditional interpretations  
das interpretações tradicionais do fenômeno do  
of the phenomenon of integralism in Brazil,  
integralismo no Brasil, as quais se desenvolvem  
which are developed in the field of culturalism,  
no campo do culturalismo, e lhes opomos aquela  
and we oppose them with the one that aims to  
que objetiva apreender a gê-nese ontológica e a  
under-stand the ontological genesis and the  
função social cumprida por esta ideologia  
social function fulfilled by this reactionary  
reacionária, desenvolvida no Brasil por J. Chasin.  
ideology, developed in Brazil by J. Chasin.  
Palavras-chave: Fascismo; integralismo; via  
Keywords: Fascism; integralism; colonial path; J.  
colonial; J. Chasin; via prussiana; G. Lukács.  
Chasin; Prussian path; G. Lukács.  
O século XX assistiu à irrupção de vários movimentos de massa que  
empunharam as bandeiras do nacionalismo expansionista, de natureza imperialista, a  
fim de aniquilar os movimentos revolucionários e controlar o movimento dos  
trabalhadores que ameaçavam a ordem do capital. O fascismo e o nazismo foram  
1 Este texto se vale de parte das reflexões desenvolvidas em minha dissertação de mestrado intitulada  
A crítica romântica da miséria brasileira: o integralismo de Gustavo Barroso (1989). [Uma versão  
bastante estendida deste texto foi publicada como “Posfácio” à 2. ed. do livro de J. Chasin O  
integralismo de Plínio Salgado (1999). NE]  
* Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-  
SP. Coordenador do Núcleo de Estudos de História do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-  
SP. E-mail: aragofilho@pucsp.br. Orcid: 0000-0002-2643-2798.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
expressões geradas a partir de um solo histórico específico, num período de partilha  
do mundo colonial e subordinado, mas que se sentem ameaçadas pela revolução da  
classe trabalhadora, a Revolução Russa de 1917. Nasceram na particularidade histórica  
da objetivação do capital que Lukács denominou de via prussiana, cujo processo de  
modernização foi tardio, sinuoso, reacionário, onde o historicamente novo paga  
altíssimo tributo ao historicamente velho. Conservando as estruturas de dominação e  
exploração do antigo regime, a solução da conciliação pelo alto, o compromisso entre  
as classes dominantes, imprime um caráter autocrático à dominação dos proprietários,  
reprimindo e manietando camponeses e operários. Essas formações históricas que  
desconhecem processos revolucionários constituintes, no entanto, alçam-se ao estágio  
do imperialismo, num mundo já partilhado e que coloca suas burguesias com ambições  
desmedidas de praticarem guerras para anexação de povos, territórios, economias,  
áreas dependentes. Lukács advertia que o fascismo não poderia ser pensado como um  
abcesso separado do capitalismo tardio: “O fascismo é a atrocidade, a desumanidade,  
de uma forma de capitalismo altamente desenvolvido.” (LUKÁCS, 1969, p. 136) A  
relação entre os grandes capitais e os esforços de guerra revela a sua íntima conexão,  
particularmente na Alemanha, como salienta Alejandro Cieri: “La gran novedad que  
aportaban las exigencias del esfuerzo de guerra era la implicación directa de los  
principales grupos económicos privados en los organismos estatales responsables del  
esfuerzo productivo bélico que superaba lo alcanzado en la I Guerra Mundial.” (CIERI,  
2004, p. 387, n. 672)2  
Lukács, em seu El asalto a la razón, detectou que o atraso alemão não foi  
interdição para o salto ao capitalismo monopolista, forjando um imperialismo  
altamente voraz, num novo estágio do desenvolvimento das forças produtivas  
materiais. Nesse sentido, a Alemanha se converterá na campeã das ideologias  
reacionárias3:  
Não é casual que o antidemocratismo se tenha constituído pela  
primeira vez como concepção de mundo naquela Alemanha atrasada,  
2 Recorde-se que, para este autor: “El mito nazi se construyó a partir de la convicción de la primacía del  
cuerpo como organismo biológico, frente al nacimiento de la inteligencia, como determinante de la  
essencia humana. Por lo tanto y de manera primordial eran las leyes naturales que regían a ese sistema  
biológico las que también imponían las condiciones de existencia del intelecto y la razón, por eso era  
vano para ellos el intento que se produce desde la Ilustración de trascender esos límites férreos que  
impone la biología, ese intento de distanciamiento con que el hombre cree que es libre.” (CIERI, 2004,  
p. 361)  
3
Segundo Karl Mannheim: “Na realidade, a Alemanha fez com a ideologia do conservantismo o que a  
França fez com o Iluminismo. Explorou-a até o limite das suas conclusões lógicas.” (cf. COHN, 1979, p.  
10)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 41  
nova fase  
   
Antonio Rago Filho  
nem que no período imperialista a Alemanha tenha ocupado o  
primeiro lugar na função de produzir ideologias reacionárias. Porém  
o decisivo é que logo a grande velocidade de desenvolvimento do  
capitalismo tardio na Alemanha fez do Reich um estado imperialista  
de primeira ordem. Um estado imperialista, contudo, cujas possessões  
coloniais  
e
cujas esferas de  
interesses mostravam-se  
desproporcionadamente pequenas, comparadas com sua força e com  
as pretensões de seu capitalismo. Este é o fundamento último de que  
a Alemanha tenha tentado por duas vezes forçar uma nova divisão do  
mundo mediante guerras totais. (LUKÁCS apud CHASIN, 1999, p. 51)  
Numa situação histórica distinta, as formações sociais que se desenvolveram  
por meio da via colonial de objetivação do capital foram conquistadas por estrangeiros  
que impuseram suas maneiras particulares de ser, que tentaram aniquilar, constranger,  
impedir povos inteiros de manifestarem livremente suas próprias culturas. A forma  
particular de instauração do processo de modernização pela destruição das sociedades  
conquistadas, com o legado do escravismo, matrizou um espaço induzido de  
objetivação do capital, cuja reprodução atrófica reitera a subalternidade do arcaico.  
Estas entificações produziram formações economicamente subordinadas,  
sociabilidades profundamente desiguais, modos autocráticos de dominação dos  
proprietários, que praticam o liberalismo excludente e abusam dos métodos contra-  
revolucionários.  
Na década de 20 do século passado, na sociedade brasileira, vários movimentos  
sociais, políticos, artísticos marcam a cena histórica. O movimento anarquista faz  
tremer a sociedade liberal com suas greves operárias nos centros industriais mais  
desenvolvidos de então: São Paulo e Rio de Janeiro. A Semana de Arte, na cidade de  
São Paulo, marca a presença vigorosa do modernismo, entretanto, compartilhando em  
seu seio tendências nacionalistas, que mais adiante se aglutinaram numa frente de  
direitas: a Ação Integralista Brasileira (AIB). Em 1922, é criado o Partido Comunista do  
Brasil (PCB) por dissidentes anarquistas que miram os feitos dos operários russos.  
Aglutinando vários segmentos e movimentos da direita, em outubro de 1932  
é criada a AIB (1932-1937). Após a vitória da Frente Liberal comandada por Getúlio  
Vargas, na denominada “Revolução de 1930”, Plínio Salgado, nacionalista católico e  
escritor romântico, propõe-se a fundar um movimento político para influir nos  
acontecimentos que considerava imponderáveis. Nesse ano, estivera em Roma com  
Benito Mussolini e já divisara a criação da AIB. O fundador da AIB, analisando as  
diferenças entre o nazismo e o integralismo, dirá: “Dessa maneira, surgiu um  
movimento de exterioridades brasileiras opostas a exterioridades estrangeiras, quer  
do imperialismo nazista, quer do imperialismo soviético. Não se tratava de imitação  
Verinotio  
42 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
nem de subordinação. Era um fogo de encontro, manifestando a vontade decidida de  
defender o Brasil para que não se sujeitasse ao predomínio de qualquer nação.”  
(SALGADO apud CAVALARI, 1999, p. 213)  
Entende-se, pois, a natureza social dessa forma de regressividade que luta  
desesperadamente contra o maquinismo e o materialismo da ordem social burguesa,  
mirando um retorno à terra: “Nós, caboclos dos trópicos, proclamamos, em face de  
uma civilização que nos quer deprimir, os sagrados direitos do homem brasileiro”,  
escrevia Salgado no Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, a janeiro de  
1931. Ideologia reacionária que busca atingir aquilo que considera a raiz dos males  
que afetam a nação brasileira. Verdadeiro engendrador dos conflitos e dos contrastes  
sociais, “o estado liberal democrático é um estado opressor”. Por isto, no jornal A  
Razão de 17 de julho de 1931, Salgado condena: “A luta de classes tem a sua origem  
na concepção desse estado que exerce, através de sua força armada e do seu judiciário,  
apenas o papel de esbirro.”  
A visão integralista do mundo se constitui numa visão romântica de oposição  
ao capital industrial e que ancorada num catolicismo rústico, vislumbra uma totalidade  
social espiritualmente coesa, sem grandes transformações materiais, almejando, com  
isso, barrar o desenvolvimento de uma civilização urbano-industrial na formação social  
brasileira. Esta civilização industrial e materializada é tomada como forma corruptora  
do verdadeiro destino espiritual que se vinca às tradições históricas do povo brasileiro.  
Esta construção fantasmagórica idealiza um ser social próprio e harmônico às  
finalidades da vocação histórica nacional: a figura do homem do campo, autêntico  
portador do sentimento telúrico e cristão do povo brasileiro. O integralismo vê o  
mundo em ruínas, as singularidades humanas, com o advento do capitalismo,  
tornaram-se abstratas e fragmentadas, sem personalidade própria. O elemento nodal  
desse ideário gira em torno do repúdio das formas sociais da civilização urbano-  
industrial, manifestações que são do espírito burguês. A possibilidade de um  
reequilíbrio nesse mundo sem espírito reside na esperança de um renascimento de  
uma nova cultura a cultura integral. Esta, por sua vez, é entendida,  
fundamentalmente, como forma superior do espírito. Toda a oposição ao capitalismo  
se assenta nessa arma da revolução subjetiva: a restauração da cristandade. O  
cristianismo foi a maior de todas as revoluções, por esta razão, o integralismo tem  
como centro o pensamento cristão tradicional. Só, por essa via é possível a salvação  
das consciências individuais.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 43  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
Um dos principais ideólogos do integralismo, Gustavo Barroso, exprimiu todos  
os males que afligiam a civilização cristã, frutos de uma inteligência do mal: as filosofias  
do liberalismo e do Iluminismo que, afirmando a vontade e a razão, a liberdade de  
consciência, potencializavam a destruição da religião e da hierarquia social. O  
individualismo, sob a máscara da emancipação humana, conduzia à dissolução do  
sentimento social e da comunitariedade solidária; o liberalismo, com suas teorias  
democráticas, subverte por inteiro o conceito de poder divinizado com o sufrágio  
universal; a industrialização, com suas técnicas modernas, traz o materialismo  
mecanicista, matriz básica do ateísmo moderno; o imperialismo econômico, com a  
crescente monopolização dos setores produtivos, destrói a pequena propriedade e,  
com isso, produz a proletarização e miserabilidade das massas. Finalmente, com o  
domínio universal do capital, surge o internacionalismo marxista, obra de um mesmo  
espírito, a fim de efetuar e coroar todo um plano de subversão do mundo cristão: a  
religião do anticristo.  
A ideologia integralista, em que pese seus matizes, visava à construção de um  
grande movimento ascético de massas, uma frente contra o materialismo moderno. O  
reino das máquinas e a civilização materializada destruíam a concepção de uma  
sociedade harmônica, orgânica e hierarquicamente estruturada. A resposta do  
integralismo para a crise do nosso tempo, da falência do liberalismo e da ameaça do  
comunismo, segundo sua perspectiva reacionária, era a reação espiritualista: a  
revolução subjetiva. O mundo invertido, sem centro espiritual, tinha abandonado o  
critério fundamental da regência ordenadora do social: Deus. O homem, que o substitui  
pela humanidade, mais adiante, pelo homem individualizado, agora é obrigado a  
reconhecer: só o espírito do bem pode recompor o equilíbrio perdido com o advento  
da revolução capitalista.  
O integralismo surge como a derradeira esperança na luta entre civilizações,  
que pode combater os desígnios traçados no “plano judaico”. É, segundo esta  
ideologia, o verdadeiro “espírito do século XX”, a verdadeira síntese, que vem para  
superar os seus contrários: o liberalismo e o marxismo, produtos do espírito judaico.  
O liberalismo dominou o século XVIII. O marxismo, o século XIX. O integralismo restitui  
a verdadeira composição do homem: a dimensão espiritual, a dimensão racional e a  
dimensão cívica. Numa época de indefinições espirituais, numa crise de valores, o  
integralismo reascende a ideia segundo a qual cabe “à Providência conservar e  
governar o mundo”. O raciocínio é bastante simples: “Não há, pois, moral sem Deus.  
Verinotio  
44 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
Não havendo moral, não pode haver justiça social, e, se não há justiça social, não há  
pão para todos.” (BARROSO apud RAGO FILHO, 1989, p. 36) A proposta integralista  
visualiza a instauração de um estado forte, protetor e ético, que determina direitos e  
deveres, tendo por base a moral cristã.  
Daí surge a proposta de um estado integral que conteria as componentes  
básicas do espírito nacional: o sentimento cristão e a ideia de unidade nacional. Como  
as formas do presente devem se modelar ao espírito do passado, o integralismo  
barrosiano recupera “o idealismo de três raças”. Da comunidade tupi, o sonho de um  
paraíso terrestre. Dos povos escravizados, o sonho de libertação. Dos conquistadores  
e dos bandeirantes, o sonho de glória e heroísmo. Por esta razão, “o sangue de todos  
os uniu no mesmo destino. O seu culto é a cruz que junta as três raças e os três  
sonhos” (BARROSO apud RAGO FILHO, 1989, p. 38).  
Nessa perspectiva, que se inscreve numa distopia reacionária, o estado integral  
deveria defender os interesses comuns e solidários entre capital e trabalho, por esse  
motivo, as corporações não deveriam ser entendidas como instrumentos de lutas  
sociais, mas sim caminhar “no sentido da fraternidade e solidariedade espiritual”. O  
estado forte, aprumado pelos valores cristãos, seria o instrumento necessário para se  
alcançar a coesão nacional.  
Durará isso para sempre? Será esse o nosso trágico destino? Seremos  
servos humildes do judaísmo capitalista de Rotschild ou escravos  
submissos do judaísmo de Trotsky, pontos extremos de oscilação do  
pêndulo judaico no mundo? Ou encontraremos no fundo da alma  
nacional aquele espírito imortal de catequizadores, descobridores,  
bandeirantes e guerreiros, único que nos poderá livrar de ambos os  
apocalipses? (BARROSO, 1989)  
Os embates historiográficos acerca do fenômeno do integralismo  
Diante desse legado e dessas evidências empíricas, a crítica acadêmica do  
integralismo jamais se questionou acerca da possibilidade ontológica desta  
identificação com o fascismo. É possível que mesmo se reconhecendo a distância  
entre o desenvolvimento histórico da Alemanha e Itália e o do Brasil em contextos  
históricos distintos possam brotar fenômenos ideológicos idênticos? Segundo a  
analítica convencional, a resposta é indiscutível: o integralismo é uma cópia brasileira  
do fascismo europeu.  
Grosso modo, a historiografia do integralismo passa após o terremoto  
chasiniano a ser polarizada por duas vertentes, radicalmente contrapostas, uma de  
natureza culturalista e outra ontológica; a que considera o discurso integralista “fora  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 45  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
de lugar” e, posta numa formulação sintética, não encontrando as mesmas condições  
históricas: “Copia-se (sic!) os módulos políticos e culturais da Europa, mas vocifera-se  
ao mesmo tempo contra o mimetismo eis a contradição que atormentou os  
integralistas.” (VASCONCELLOS, 1979, p. 193) E, do primado ontológico, a captura  
da particularidade concreta feita por J. Chasin que considera a diversidade entre os  
fundantes das objetivações ideológicas em causa. Nesse sentido:  
Ostensivamente, e até mesmo de forma acusada por adeptos do  
fascismo, as bases fundantes do integralismo e do fascismo são  
distintas e perfeitamente discerníveis, repercutindo isto, no nível do  
conjunto dos dois ideários, e de forma decisiva. Diríamos melhor, que  
necessidades de objetivação social diferentes, em condições diversas,  
levaram a reflexões de naturezas distintas, determinando ideologias  
que de modo algum podem ser confundidas. De fato, entre ter, como  
suposto último, uma concepção que se identifica com o catolicismo  
tradicional ou o racismo biológico vai uma grande distância. (CHASIN,  
1978, p. 650)  
Ao contrário das teses consagradas, que vão apontar a identidade fascista do  
integralismo pela via do mimetismo ideológico a assimilação do fascismo dar-se-ia  
no terreno da idealidade ao copiar-se o “modelo europeu” –, Chasin faz ver que,  
precisamente, pela particularidade da objetivação capitalista num caso e noutro, o  
fascismo e o integralismo, reconhecidos como realidades históricas distintas no  
universo do capital, conformaram, concretamente, fenômenos diferentes que não  
podem ser reduzidos à uma mesma configuração histórica. Daí, a tese central desta  
obra: “Ontológica e teleologicamente, fascismo e integralismo se põem como  
objetivações distintas.”  
Revelando sua enorme sensibilidade, pois se coloca como um não-especialista  
do tema, Antônio Candido aponta suas concordâncias e dissonâncias em relação à  
obra chasiniana e, permanecendo ainda no terreno da generalidade abstrata, detecta  
as possíveis similitudes entre os dois fenômenos históricos:  
Por exemplo: o fato de fascismo e integralismo serem formas de falso  
anticapitalismo, mas na verdade funcionarem como defesa deste, seja  
ele pleno, “tardio” ou “híper-tardio”. O fato de ambos insistirem nos  
direitos dos operários e na iniquidade da burguesia, mas, ao mesmo  
tempo, preconizarem todas as medidas necessárias para o domínio  
desta e oferecerem àqueles uma espécie de miragem de  
aburguesamento. Com efeito, assim como os nazistas e fascistas, os  
integralistas pregavam a substituição da luta de classes pela ascensão  
dos melhores, para renovar as camadas dirigentes gastas e continuar  
estrutural e funcionalmente o seu papel na sociedade. (CANDIDO in  
CHASIN, 1978, p. 17)  
Mesmo não descartando a identidade fascista atribuída ao integralismo, e já  
Verinotio  
46 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
mediatizando sua maneira de interpretar esse movimento político por parâmetros  
postos pela tese chasiniana, o crítico Antônio Candido inferiu:  
Estejamos ou não de acordo com a premissa de Chasin (o integralismo  
não é um fascismo), o fato é que não será mais possível ver o  
fenômeno integralista com os mesmos olhos, porque ele realizou um  
dos feitos mais difíceis para um estudioso: alterar as noções  
dominantes e transformar em problema o que era considerado fato  
estabelecido. Se pessoalmente não aceito a sua premissa, sinto que  
não poderei mais falar do assunto sem passar por ela e sem que ela  
me leve a matizar o meu ponto de vista. (CANDIDO in CHASIN, 1978,  
p. 20)  
Nada mais justo, nada mais próximo da verdade histórica, todavia, do que esta  
autêntica apreciação de “alterar as noções dominantes”, as quais simplesmente  
anularam as especificidades históricas, tornando-as indistintas, porque, de fato, a  
crítica chasiniana do fenômeno integralista se alça a um verdadeiro divisor de águas,  
que nos obriga a repensá-lo em sua integridade ontológica. De outra parte, Antonio  
Candido reclamará um certo exagero no intento de Chasin, uma “certa prolixidade”  
própria à sua obsessão de não deixar escapar nenhuma determinidade que pudesse  
gerar alguma dúvida, que abrisse alguma brecha para o debate desqualificador. Daí  
a força probante da tese chasiniana, levada à saturação. O combate deveria ser travado  
no domínio da objetividade histórica. Se a tese punha de modo cabal a importância da  
crítica ontológica da ideologia para o desvelamento dos produtos espirituais e da  
particularidade histórica da objetivação capitalista em nosso país, da natureza de suas  
classes sociais, da variedade das formas de nacionalismo e da especificidade da  
oposição romântica à miséria brasileira , a recepção da tese à esquerda, no entanto,  
foi um rotundo fracasso. Mesmo um autor do porte de Florestan Fernandes foi  
categórico na rejeição de tal empreitada. “O que me põe de quarentena é o assunto.”  
Comenta, ao prefaciar a obra A ideologia curupira de Vasconcellos: “Hoje está na moda  
dizer-se que se deve estudar o integralismo. Não compartilho dessa opinião. Nem  
mesmo devemos nos preocupar com destruí-lo. [...] O que nos coube, na ‘virada  
fascista’ da história recente, merece mais a novela picaresca que a investigação  
sociológica séria.” (FERNANDES in VASCONCELLOS, 1979, p. 13) Todavia, a sua  
argumentação se insere na mesma lógica da análise convencional, uma vez que,  
segundo Florestan, os integralistas teriam forjado uma consciência social, com a  
aparência de autonomia ao capital estrangeiro, mas que, na verdade, buscava “fixar a  
consciência burguesa” em nosso país. “Eles se adaptaram a um fascismo destituído de  
visibilidade fascista”, portanto, apresentam-se com o ardil do engodo deliberado.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 47  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
No campo da analítica convencional, outros intérpretes tentaram explicar a  
ideologia integralista como estruturada no mimetismo dos fascismos europeus, fora  
do lugar, e cujo comportamento é ditado pela tática do engodo deliberado. Seguindo  
o viés culturalista de Helgio Trindade, Gilberto Vasconcellos abre sua obra A ideologia  
curupira com o alvo pretendido: “A busca da especificidade do integralismo enquanto  
discurso fascista que se insere numa sociedade capitalista periférica”. Nesse sentido,  
tenta buscar e precisar a “especificidade” da cópia do fascismo europeu: “embora de  
ponta a ponta mimético, o discurso integralista ostenta um traço que o diferencia de  
seus congêneres europeus, e cuja razão de ser nasce da resposta equivocada (mas  
sociologicamente compreensível) à heteronomia de país periférico, a saber: a  
fantasmagoria de uma utopia autonomística em relação às nações capitalistas  
hegemônicas”. Pois, como deseja o autor, tendo como base os resultados da analítica  
paulista: “o pano de fundo: mostrar que o contexto da dependência, no qual se moviam  
os camisas-verdes, acabou por afetar (independentemente de sua consciência) a  
apropriação dos fascismos europeus” (VASCONCELLOS, 1979, p. 17). Vasconcellos  
tenta provar que aqui não ocorre uma relação orgânica entre ideologia e estrutura  
social tal como se verifica em países capitalistas dominantes, pois estes não sofrem da  
“heteronomia estrutural da dependência” ao imperialismo, proporcionando, desta  
forma, aos países periféricos uma espécie de “indeterminação social” do pensamento,  
caindo assim no campo das ideologias “de segundo grau”. Com isso, tenta  
consubstanciar “as ideias fora do lugar” do movimento integralista, pois, “em outros  
termos, é justamente através da ausência de organicidade entre superestrutura  
ideológica e a base material da sociedade que se realiza o modo particular de as ideias  
se produzirem socialmente na periferia”. Concluindo que, no discurso do “fascismo  
caboclo”,  
transparece o timbre característico da vida ideológica na periferia: o  
funcionamento dessa não se autoimpulsiona em conexão com a  
estrutura social que lhe corresponde, permanece mais à mercê dos  
influxos externos. Em suma, ele se enquadra perfeitamente naquilo  
que Schwarz denomina ideologia de “segundo grau”, ou seja,  
ideologias que “não descrevem falsamente a realidade, e não gravitam  
segundo uma lei que lhes seja própria! Um discurso fora do lugar, a  
expressão que aqui se justifica (VASCONCELLOS, 1979, p. 190).  
Como Vasconcellos se propôs à compreensão da “especificidade” das formas  
do “irracionalismo fascista”, todavia, as determinações essenciais próprias à via  
colonial de objetivação capitalista são descartadas, ainda que o autor se esforce em  
apontar que os conflitos sociais não se encontravam sob o mesmo plano de  
Verinotio  
48 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
radicalidade que no capitalismo avançado. Por isso, reconhece:  
Tendo em mira o contexto brasileiro dos anos 30, a emergência de  
um irracionalismo fascista do tipo camisa-verde não corresponde a um  
resultado da evolução social. Noutras palavras, se o discurso  
integralista segue os parâmetros das doutrinas fascistas europeias,  
concluindo que há no Brasil um nítido descompasso entre ele e a  
estrutura social. Falta a base social fundamental que acompanha a  
reação fascista e que faz desta um discurso eminentemente  
contraconceitual (oposição ao liberalismo e ao marxismo), a saber:  
organização política da classe operária. A perspectiva de uma  
revolução proletária era uma quimera dos anos 30; e nem mesmo  
havia o “desafio do bolchevismo” (E. Nolte), pré-requisito essencial  
dos movimentos fascistas. (VASCONCELLOS, 1979, p. 182)  
Comparando as formas históricas distintas, o capitalismo tardio ao capitalismo  
subordinado brasileiro, Vasconcellos aponta que aqui os “fascistas caboclos” não  
encontraram uma classe operária altamente organizada disputando o poder; as classes  
médias não se sentiam ameaçadas com a destruição da ordem que as “educam” para  
o fascismo; aqui, o liberalismo não se põe como um inimigo político, tal qual no mundo  
europeu. Assim, com a varinha mágica na mão, é possível afirmar que, como há  
correspondência, no mundo europeu, entre grande capital e fascismo (obviamente,  
esta única generalização é abstrata), no caso brasileiro, como “as ideias estão fora do  
lugar”, não encontram sua determinação social (a sua burguesia monopolista  
imperialista no confronto com a classe operária organizada), resta a Vasconcellos  
aderir à proposta de Trindade.  
Eis uma outra via que desemboca no núcleo deste ensaio: ao contrário  
do que sucede com o fascismo europeu, cujo laço com o capitalismo  
monopolista salta aos olhos, a demanda que solicitaa emergência  
do discurso integralista nos anos 30 não se localiza no plano da  
estrutura social. [...] Como se vê, do ponto de vista das condições  
ideológicas internas, a busca da gênese do discurso integralista se  
afasta da estrutura social propriamente dita; ela tem mais a ver,  
conforme sugerem as conclusões de Trindade, com a esfera cultural:  
é sobretudo o filão nacionalista que o informa. Ora, esse não esteve  
imune à glosa das ideias hegemônicas do Ocidente. É decisivo,  
portanto, o peso dos influxos ideológicos externos. (VASCONCELLOS,  
1979, pp. 189-90)  
É interessante observar que, ao considerar o “peso externo”, não levando em  
conta a significação interna do discurso ideológico integralista, Vasconcellos não se  
detém objetivamente em sua estrutura interna, determinação social e finalidade no  
âmbito de seu complexo histórico, e com isso acaba por desqualificar a expressão e o  
protesto do projeto integralista. O próprio autor atualmente assumindo de peito  
aberto as cores do nacionalismo trabalhista, que renuncia a qualquer conciliação com  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 49  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
a analítica paulista –, em seu estudo, focaliza mais intensamente o “nacionalismo  
verde-amarelo” do que a doutrina integralista propriamente dita.  
Desse modo, a “utopia reacionária” ou o “paraíso rural”, a barragem e combate  
às formas da “civilização urbano-industrial”, à “materialização da vida”, à acumulação  
ampliada do capital que o integralismo tentou promover como realização das  
“verdades eternas da raça e da terra”, contra o domínio do “banqueirismo  
internacional”, ganham uma total inversão: regressivismo econômico vira, nessa leitura,  
expansionismo, pois nesse condão  
a utopia integralista pode ser vista como um ensaio de realizar, no  
plano imaginário, as condições plenas da acumulação de capital.  
Noutras palavras, ele espelha ainda que ao avesso a própria  
impotência da burguesia brasileira em realizar o desenvolvimento  
capitalista autossustentado. [...] A saída para essa situação seria a  
“Independência do Brasil de toda e qualquer influência estrangeira”,  
única maneira de escapar à “civilização artificial” (VASCONCELLOS,  
1979, p. 59).  
Em seu ensaio “Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30”, Helgio  
Trindade tentou a desqualificação da obra chasiniana apontando para o fato de que  
esta era teoricamente monolítica (modo de imputar arbitrariamente a um marxista  
como estreito e dogmático), uma vez que centrada apenas nos discursos plinianos,  
descuidou-se de tratar os “mais fascistas”, tais como o secretário nacional de doutrina,  
Miguel Reale, e poderíamos dizer na mesma linha de argumentação, o “mais nazista”,  
por causa do seu propalado antissemitismo, Gustavo Barroso, o chefe nacional da  
milícia. O fato de Chasin se centrar no principal formulador do integralismo, ter  
mostrado a linha de continuidade de seu pensamento dado que a constituição de  
sua ideologia já estava delineada bem antes da existência da AIB, presente na estrutura  
interna de O estrangeiro, o conhecido romance de 1926, e ter destacado a coerência  
ideológica de Plínio Salgado para além da extinção do movimento , é visto como uma  
arte retórica e manipulatória de Chasin. Trindade chega ao desplante de afirmar que  
Chasin desconhece a chicana de Salgado, que se valeria de adulterações de seus  
próprios textos e manifestos. Porque, conclui, “o chefe integralista, no afã de  
escamotear a linguagem fascista do seu discurso ideológico (menos enfático deve-se  
reconhecer do que transparece nas obras de Miguel Reale), provocou deliberadamente  
adulterações nos textos originais dos documentos oficiais transcorridos” (TRINDADE,  
1981, p. 311). Acusando Chasin de não ter apoio documental suficiente para sua tese,  
Trindade reafirma o recurso ao mimetismo ideológico como sendo a determinante  
fundamental da existência do fascismo no solo brasileiro, em suma, o integralismo  
Verinotio  
50 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
nasce pela força do discurso fascista. Não é a existência social que determina a  
consciência, mas a formação ideal que gera a vida.  
Em sua principal obra, intitulada Integralismo: o fascismo brasileiro na década  
de 30, Helgio Trindade opera com construtos subjetivos típicos do viés  
psicocomportamental que subsumem amplo material empírico coletado por meio de  
depoimentos, a fim de encaixar as opiniões e posições dos integralistas como produtos  
de dissimulação tática. O paradoxo entre as declarações integralistas, de que eram  
diferentes e superiores à concepção fascista e a imputação de “fascistas” por seus  
adversários, será resolvida da forma a mais tópica. Segundo a analítica convencional,  
os integralistas passaram o tempo todo dissimulando a sua verdadeira face: cópias  
emprestadas ao fascismo. Quando eles se proclamam como originais e autônomos com  
respeito às formulações estrangeiras, a analítica convencional vê um engodo  
deliberado, um ato em permanente estado de mistificação, sem jamais se questionar  
acerca da validade ontológica de tal recurso gnosiológico.  
O que deveria ser posto como um problema a ser investigado, por uma  
abstração irrazoável, torna-se uma arbitrariedade. Nada mais evidente do que a  
rejeição ao empenho à objetividade, ao respeito à lógica imanente do objeto histórico,  
uma vez que Trindade é explícito quando diz sem titubear:  
O fenômeno fascista [...] teria podido se desenvolver no Brasil, nesta  
época, com um discurso ideológico e uma organização nacionais. A  
realidade, porém, foi outra. [...] A análise da Ação Integralista nos leva  
a concluir que sua natureza, organização hierárquica, estilo do chefe  
e rituais não se podem explicar sem levar em consideração a influência  
do modelo de referência externo. (TRINDADE, 1974, p. 289)  
Como se pode notar, o autor é obrigado a se esforçar ao máximo para  
fundamentar o seu ponto de partida, o empréstimo ideológico condiciona a vida, a  
referência ao modelo externo é a determinante, própria ao viés culturalista de sua  
construção, acabam por compor o objeto da investigação. Como demonstrar, porém,  
que em meios históricos diferentes, em realidades econômicas historicamente  
desiguais, em categorias sociais diferentes, brote uma mesma ideologia por um  
processo de cópia, por influxos externos que condicionam o comportamento  
ideológico? A sua resposta, diretamente dirigida a Chasin, tropeça mais uma vez em  
seus limites idealistas e especulativos:  
Não seria o caso de questionar se a viabilidade de um mimetismo  
ideológico não suporia que as ideias estivessem fora de lugar, e que  
o objeto de explicação deveria, justamente, em se tratando de  
sociedades econômica e socialmente diferentes, como estas ideias  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 51  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
conseguem ser importadas e reelaboradas não só pelas elites  
intelectuais, mas também como penetram em segmentos mais amplos  
da sociedade? (TRINDADE, 1981, p. 313)  
Com esta resposta à pergunta chasiniana, o autor ainda permanece na mesma  
tecla, adicionando que a cópia não é igual ao original. É o movimento em torno do  
mesmo círculo.  
Dentre as ambiguidades do culturalismo, vamos encontrar a afirmação de que  
o equívoco da maioria dos críticos do integralismo está em que parte de uma posição  
apriorística, configurando a realidade por meio de ideias preconcebidas, tais como as  
de “vazio, atraso, tardio, desigual, imaturo, importado”, relevando com isso o  
indeterminado do movimento histórico: “Assim em lugar de assumirmos a  
indeterminação inicial pela qual haverá processo, supomos que no ponto de partida  
do caminho histórico e do trabalho teórico tudo já está determinado, restando-nos  
apenas a tarefa de articular os dados esparsos para recuperar o caráter plenamente  
determinado da situação.” (CHAUÍ, 1978, p. 29)  
Em sua primeira posição em face do fenômeno do integralismo, Chauí se  
mantém presa às formulações da analítica convencional, esforçando-se em demonstrar  
“que essa importação é determinada pelo ritmo internamente necessário do  
capitalismo brasileiro para ajustar-se ao compasso da música internacional, é coisa de  
que não duvidamos”, sem se colocar que permanece no mesmo terreno problemático  
do formalismo dos intérpretes. Não se põe em discussão, desse modo, se a doutrina  
integralista é produto ou não de um mimetismo ideológico, mas que “no caso  
específico do pensamento autoritário, a importação de ideias possui um sentido  
peculiar” (CHAUÍ, 1978, pp. 35-6). Assim, a filósofa busca justificar o empréstimo de  
ideias produzidas em solo europeu, na determinante do “autoritarismo”, porque aqui  
sua forma vazia foi devidamente preenchida por “conteúdos locais”. O engodo  
deliberado ocorre na medida em que “o pensar autoritário tem a peculiaridade de  
precisar recorrer a certezas decretadas antes do pensamento e fora dele para que  
possa entrar em atividade” (CHAUÍ, 1978, p. 37),  
A engenhosidade epistemológica monta agora seu fundamento no quadro da  
“cultura autoritária”, que permite enquadrar e interpretar qualquer fenômeno político  
desta época. Desvendar as razões que permitem a ideologia comandar as operações  
de ocultamento e dissimulação. Tal como no caso do conceito de totalitarismo, este  
construto subjetivo não nasce desprovido de determinação social, uma vez que, como  
especifica a crítica ontológica, “a noção de totalitarismo nada mais reflete que o  
Verinotio  
52 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
liberalismo com sinal trocado” (CHASIN, 1978, p. 49). Referindo-se ao vigor da crítica  
chasiniana, que denuncia a improcedência da equalização entre fenômenos históricos  
distintos, Antonio Candido observa que:  
O seu principal ponto de apoio teórico talvez seja a discussão sobre  
o conceito de totalitarismo, que funcionaria, para os que os  
identificam, como denominador comum de ambos os movimentos.  
Mas é claro que a sua veemente discussão mira mais longe; visa ao  
próprio conceito, que serve à crítica liberal para operar a assimilação  
mais grave entre fascismo e comunismo, na medida em que ambos  
seriam afastamentos de um modelo ideal, suprassumo da filosofia e  
da organização política o do liberalismo. (CANDIDO in CHASIN,  
1978, pp. 13-4)  
Este obnubilamento criado pela conceituação liberal se serve de universais  
abstratos para tentar descrever o real e, com isso, tal conceituação fica impossibilitada  
exatamente pela determinação social de sua perspectiva de apropriar-se dos  
universais concretos por meio das mediações e particularizações concretas. Este  
procedimento formalista, de natureza politicista, além de tornar equivalentes  
fenômenos históricos, por mais distintos que possam ser, acaba por reduzir a história  
a uma construção eventista. Assim sendo, ao contrapor a todo monopólio de poder, a  
todo estado totalitário, os valores do estado liberal, a análise convencional oculta a  
questão da própria hegemonia de classe, operando-se, assim, a própria eternização  
do estado e da dominação de classe.  
Confundindo manifestações históricas concretas, e reduzindo-as à sua  
expressão política, o conceito de totalitarismo opera simplesmente  
uma sorte de tautologia ao determinaro fascismo, o nacionalismo e  
tantos outros eventos que ele se permite englobar e que de algum  
modo contrariam o perfil liberal. [...] Com isto não estamos querendo  
confundir ou dissolver as distintas formas de hegemonia; pelo  
contrário, queremos ressaltá-las, afirmando que ela, a hegemonia,  
sempre está presente ao fenômeno do poder, ao contrário do que a  
análise liberal pressupõe. (CHASIN, 1978, pp. 53-4)  
Submersa ao conceito de autoritarismo, de corte liberal, na interpretação de  
Chauí, a ideologia integralista, como todo “pensar autoritário”, reduz-se a uma “região  
das consequências sem premissas, [que] precisa localizar em algum ponto externo,  
anterior e fixo um conjunto de afirmações protocolares graças às quais entra a pensar”  
(CHAUÍ, 1978, p. 38). O passo subsequente desse ato especulativo, que se transforma  
em seu novo ponto de partida, está em assinalar que a peculiaridade desse  
pensamento “é o de operar com imagens em lugar de trabalhar com conceitos” (CHAUÍ,  
1978, p. 40). O que faculta a operação da ideologia autoritária, transformando os  
integralistas em peritos na arte de manipular, em produzir imagens, algumas por meio  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 53  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
de “livre associação”, sem nenhum espelhamento com o real. Como se vê, Chauí que  
transita num ecletismo sofisticado, que começa com Marx e acaba nas reflexões de  
Claude Lefort, age como se estivesse num mesmo campo teórico. Com isso, jamais  
poderá responder acerca da determinação social do pensamento integralista. Qual é a  
posição e o sentido da utopia reacionária ou do paraíso rural no integralismo de Plínio  
Salgado? Em seu empreendimento intelectual não poderemos encontrar essa resposta.  
Ainda mais porque estamos diante de uma analítica que, elidindo a objetividade da  
produção histórica de uma subjetividade determinada, propõe-se a “não tomar como  
critério a adequação ou inadequação entre o texto e o real, mas a representação do  
real veiculada pelo texto e, então, interpretar as diferenças e os conflitos entre os  
documentos segundo as representações que oferecem do social, do político e da  
história e, consequentemente, segundo os destinatários que elegem” (CHAUÍ, 1978,  
p. 34).  
Esta postura dará margem para imputações as mais diversas aos  
comportamentos dos integralistas como se eles fossem governados pelo poder de  
manipular de acordo com o destinatário a que se dirigem , promovendo uma autêntica  
autonomização do pensamento em relação ao sujeito histórico que o produziu. Mesmo  
Salgado sendo católico assumido, tecendo a sua concepção com a doutrina social da  
Igreja Católica e escrevendo sobre a vida de Jesus, Chauí acredita estar revelando um  
segredo: “Sem dúvida, um texto como o Sofrimento universal, ciclo de conferências de  
Salgado para os católicos portugueses, é prova de que o catolicismo é um elemento  
tático e ideológico de grande envergadura, porém, é preciso não ignorarmos a  
natureza do público a que era destinado: salazaristas convictos.” (CHAUÍ, 1978, pp.  
76-7)  
Marilena Chauí, que identifica ideologia com representação imaginária, passa  
por cima da pertinência da afirmação marxiana, acerca da natureza ontológica da  
consciência social: “Se a expressão consciente das relações reais dos indivíduos é  
ilusória, se em suas representações põem a realidade de cabeça para baixo, isto é  
consequência de seu modo de atividade material limitado e das suas relações sociais  
limitadas que daí resultaram.” (MARX in FERNANDES, 1983, p. 192) Comentando esta  
problemática, Chasin esclarece:  
Vincadas à sociabilidade, dela nascendo, as formas do pensamento  
“são a expressão consciente – real ou ilusória de relações e  
atividades efetivas”. Em outras palavras, verdadeiras ou falsas, as  
representações dos indivíduos, os únicos dotados de capacidade  
Verinotio  
54 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
espiritual, brotam sempre do terreno comum do intercâmbio social.  
Correta ou fantasiosa, efetiva reprodução ideal de um objeto, ou  
rombudo borrão mental, as ideações não são autoengendradas,  
variando de um polo a outro em função do potencial societário em  
que se manifestam. (CHASIN, 1995, p. 406)  
A chave está na especificação da natureza do ser social, que se estrutura no  
“sujeito decifrado como atividade sensível, do qual o espírito é inerência reiterada na  
própria confirmação objetiva daquele”. Como não encontramos as premissas efetivas  
nos textos do “imaginário integralista”, com sua liberdade de associar imagens, trata-  
se de encontrar o destinatário representado para o qual devem convergir os interesses  
das classes dominantes e, consequentemente, as suas manipulações. Esta será,  
inclusive, considerada a causa do fracasso da corrente integralista, a saber, a ideologia  
integralista peca por estar direcionada às “classes médias”, pois o sucesso do  
getulismo foi o de dirigir-se aos operários. Não é exagero dizer que toda a sua análise  
está ancorada nessa concepção de ideologia como arte de ocultar e mistificar, que em  
seu movimento apresenta “ofertas” e “promessas” às necessidades mais “sensíveis”  
do destinatário.  
Se o integralismo se vale de uma “história imaginária”, uma ficção típica do  
“pensar autoritário”, tal como é supostamente construído por seus ideólogos, sem  
nexo com a realidade histórica, trata-se, então, de apontar mais uma vez, pelo viés  
politicista se o determinante externo ainda convém à análise do fenômeno  
integralista. O recurso ao mimetismo ideológico torna-se, assim, descartável:  
Nessa medida, torna-se de menor importância saber se houve  
importação dos fascismos europeus, pois o que interessa  
compreender é que, importando ou não ideias que não poderiam  
espelhar a situação brasileira, as formulações integralistas exprimiram,  
na forma da construção pura, a verdade do nacionalismo como política  
autoritária, mesmo quando os militantes aderiam à AIB pelo medo ao  
comunismo ou pelo antiliberalismo, na esperança de ver realizados  
ideais que, de outra maneira, permaneceriam como simples  
desiderato. (CHAUÍ, 1978, pp. 117-8).  
A grande novidade da análise de Chauí, segundo suas próprias palavras ao  
contrário do “lugar-comum da historiografia brasileira, isto é, a afirmação do  
atrelamento da classe média à classe dominante”, que supõe o fato de seus dirigentes  
e militantes terem se transformado em massa de manobra de Vargas –, é que “sob a  
bandeira do combate ao comunismo, a classe média desse período serve de ponta de  
lança para a repressão exercida contra o proletariado”. Getulismo e integralismo se  
articulam com a finalidade de barrar o movimento operário, nesse sentido, “não se  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 55  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
trata sequer da suposta convergência político-ideológica entre integralistas e o golpe  
de 37, nem se trata do suposto fascismo de uns e de outros, mas sim de que, por  
motivos diferentes, o autoritarismo e a ditadura surgem para dominantes e classe  
média integralista como freio indispensável quando se tem em mira a paralisia  
operária” (CHAUÍ, 1978, p. 108). Chauí aos poucos vai se livrando da importação das  
ideias fascistas e, portanto, do preenchimento integralista das formas vazias  
emprestadas do mundo europeu fascistizado, para garantir que, em certo sentido, o  
integralismo estaria mais próximo de um “populismo” de Jânio Quadros ao invés do  
mimetismo, “oposto ao paternalismo e ao clientelismo do líder, em nome da  
moralidade, da autoridade e da burocratização estatal, pelos quais o chefe deve ser  
responsável”. Completando, por fim:  
O integralismo pode ser tido como fenômeno político-ideológico local,  
prenúncio de um populismo falhado, diverso do de Vargas, e que não  
se ocuparia com o povo operário, mas como o povo-classe média.  
Sob este prisma é possível supor que o fracasso da AIB tenha algo a  
ver com o sucesso de Vargas, não porque este teria estado mais à  
altura da grande política, mas sim porque não permaneceu cego à  
prática operária, enquanto o movimento do Sigma, estabelecendo  
uma cisão entre o monstro comunistae o mísero obreiro,  
aprisionou-se nas imagens pequeno-burguesas do social e do político,  
permanecendo apenas à altura do destinatário de seu discurso.  
(CHAUÍ, 1978, p. 112)  
Ora, precisamente num momento histórico em que se processa a transição de  
uma ordem agroexportadora para a ordem urbano-industrial na sociedade brasileira,  
graças a uma “conciliação pelo alto”, recomposição das frações dominantes no estado  
autocrático dos proprietários, é que surge um movimento político de tolhimento (ou  
melhor, de tentativa ilusória) do avanço das forças produtivas materiais contra os “reis  
da finança” ou o “espírito judaico”. Em virtude de o integralismo apresentar uma larga  
dimensão retórica em seu discurso, fez com que os intérpretes convencionais o  
caracterizassem como uma forma permanente de dissimulação e mistificação. Como  
esta analítica deixa de lado a parte residual desse discurso, deixa de lado a  
objetividade do corpo ideológico, os conteúdos significativos que expressam o ser  
social limitado de natureza ruralista, a debilidade de sua manifestação ideológica,  
forma de regressividade posta num momento histórico específico da constituição do  
capital industrial em nossa formação histórica.  
Para o teórico da via colonial, o discurso pliniano por ser basicamente  
persuasivo, retórico, está longe de construir uma argumentação articulada por nexos  
racionais no sentido de convencer, uma vez que a apropriação do verdadeiro só se dá  
Verinotio  
56 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
pela intuição ou pela revelação. É precisamente aqui, na porção residual da doutrina,  
em que se revela por inteiro o sentido histórico do integralismo, que Chasin divisa os  
dois limites teleológicos da oposição romântica à miséria brasileira, que escaparam  
inteiramente à versão hegemônica do integralismo, a saber:  
O limite máximo, que designamos por utopia reacionária ou  
regressiva, que visiona a conversão do país numa pletora de pequenas  
propriedades, quase que exclusivamente rurais, e que, pela sua total  
inviabilidade, e até mesmo absurdidade, jamais é inteiramente  
explicitada. O limite mínimo, também de solução ruralista, mas que,  
por assim dizer, se conforma em transigir um pouco, busca pelo  
menos frear ou estancar a acumulação capitalista. (CHASIN, 1979, p.  
607)  
Chasin desvenda, portanto, o devido lugar, a condição e a finalidade a  
necessidade histórica – dessa utopia reacionária, capta “o sentido do desesperado  
esforço pliniano de persuasão, cegando-se para a evidência de que, se não podia  
convencer, isto não seria razão suficiente, nem muito menos, para Salgado deixar de  
querer e de propor exatamente aquilo pelo qual se esforçaria decididamente por  
persuadir” (CHASIN, 1979, p. 607).  
É só a partir daí, uma vez efetuada a crítica ontológica da ideologia integralista  
de Salgado, a captura de sua destinação histórica por seus significados imanentes,  
articulados à sua determinação social na via colonial de objetivação capitalista, que  
Chasin pode partir para uma comparação ontologicamente posta entre os dois  
fenômenos históricos distintos.  
Nesse sentido, adotar a tese de que integralismo e fascismo são entes concretos  
que se distinguem historicamente, implica também distinguir a via prussiana, como  
forma não-clássica de objetivação capitalista, que propiciou às formações capitalistas  
singulares, como a Itália e, principalmente, a Alemanha, um salto sem precedentes de  
uma condição de atraso histórico para posição de um capitalismo monopolista já no  
estágio imperialista. O fenômeno do fascismo, portanto, é produto dessa lógica  
particular do desenvolvimento do capitalismo avançado. O fascismo é considerado,  
assim, como expressão do grande capital, que busca expandir-se por meio de uma  
ideologia de mobilização para a guerra interimperialista, a fim de forçar uma redivisão  
das esferas já dominadas pelos polos hegemônicos do grande capital. A via prussiana  
é tomada não como modelo, mas como exemplaridade histórica. O integralismo, muito  
ao contrário, põe-se como utopia reacionária no interior dos condicionamentos de  
outra forma não-clássica, a via colonial de objetivação do capital, subordinado ao  
imperialismo, como movimento que buscou estancar o desenvolvimento do capital  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 57  
nova fase  
Antonio Rago Filho  
industrial em nossa singularidade histórica.  
Em suma, o fenômeno do integralismo por meio da analítica regrada pelo  
estatuto ontológico dos entes históricos põe-se objetivamente como uma crítica  
romântica ao capitalismo de fundo ruralista. Com isso, ilumina-se a destinação histórica  
da ideologia integralista, o centro de onde se ramificam os principais nódulos  
ideológicos do fenômeno do integralismo. A distopia reacionária do paraíso rural, o  
núcleo ideológico diretor, que passou inteiramente despercebido pelos intérpretes da  
análise convencional. Do prisma de uma ontologia estatutária, especificamos que do  
capitalismo tardio nasce uma práxis e ideologia de mobilização social para a guerra,  
com a finalidade imperialista de expansão do seu “espaço vital”. O integralismo se põe  
objetivamente como nacionalismo defensivo do capitalismo híper-tardio. A ideologia  
integralista se configura como uma “utopia reacionária” para frear o desenvolvimento  
das forças produtivas materiais e, com isso, o próprio capitalismo, a industrialização  
in limine levaria ao comunismo, o materialismo e o fim da religião. Um dos primevos  
partidos de massa, a Ação Integralista Brasileira constituiu-se numa frente de direitas,  
que ambicionava a instauração de um estado forte e orgânico, por meio de uma  
revolução espiritualista. Episódio significativo se deu com a constituição de uma frente  
de esquerdas, anarquistas, trotskistas e comunistas reunidos na Frente Única  
Antifascista, para por fim às movimentações da extrema-direita. Na praça pública, a 7  
de outubro de 1934, no centro da cidade de São Paulo, circundando a imponente  
Catedral da Praça da Sé, os dois movimentos se enfrentaram num combate armado.  
Referências bibliográficas  
BARROSO, Gustavo. Brasil colônia de banqueiros. História dos empréstimos de 1824  
a 1934. Rio de Janeiro: Revisão, 1989.  
CAVALARI, Rosa Maria F. Integralismo: ideologia e organização de um partido de  
massa no Brasil (1932-1937). Bauru/SP: Edusc, 1999.  
CHAUÍ, M. “Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira”. In: FRANCO,  
M. Sylvia de Carvalho; CHAUÍ, M. (Org.). Ideologia e mobilização popular. Rio de  
Janeiro: Paz e Terra/Cedec, 1978.  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. Forma de regressividade no capitalismo  
híper-tardio. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978. [Segunda edição:  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. Forma de regressividade no  
capitalismo híper-tardio. 2. ed. Santo André/Belo Horizonte: Ad Hominem/Una  
Editorial, 1999.]  
CHASIN, J. “Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica”. In: SOARES, F.  
Teixeira. Pensando com Marx. São Paulo: Ensaio, 1995.  
CIERI, Alejandro A. “Arbeit Macht Frei”. El trabajo y su organización em el fascismo  
(Alemania e Italia). Barcelona: El Viejo Topo, 2004.  
COHN, Gabriel. Crítica e resignação. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.  
Verinotio  
58 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
LUKÁCS, G. Conversando com Lukács. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.  
MARX, K. Feuerbach. In: FERNANDES, Florestan (Org.). Marx & Engels: História. São  
Paulo: Ática, 1983. Coleção Grandes Cientistas Sociais n. 36.  
RAGO FILHO, A. A crítica romântica da miséria brasileira: o integralismo de Gustavo  
Barroso. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo  
(PUC-SP), São Paulo, 1989.  
RAGO FILHO, A. A ideologia 1964: os gestores do capital atrófico. Tese (Doutorado)  
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1998.  
TRINDADE, H. O integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel,  
1974.  
TRINDADE, H. “Integralismo: teoria e prática política nos anos 30”. In: FAUSTO, B. O  
Brasil republicano t. III. São Paulo: Difel, 1981.  
VASCONCELLOS, G. A ideologia curupira. São Paulo: Brasiliense, 1979.  
Como citar:  
RAGO FILHO, Antonio. Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo  
europeu (1922-1937): formas de regressividade na via colonial e na via prussiana  
de objetivação do capital. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 40-59, Edição  
Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 59  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.752  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
Atrophic capital: from the colonial path to globalization  
Lívia Cotrim*  
Resumo: Este texto, escrito como apresentação à  
primeira edição do livro de J. Chasin A miséria  
brasileira, objetiva chamar a atenção para  
aqueles que são, no entender da autora, as  
principais conquistas do pensamento chasiniano  
expressas naquele livro. Assim, a categoria de via  
colonial e seu encerramento, a proposta da  
“dupla transição”, a crítica ao politicismo e à  
analítica paulista são destacados e é esclarecida  
sua relevância para o entendimento do país.  
Abstract: This text, written as an introduction to  
the first edition of J. Chasin's book Brazilian  
poverty, aims to draw attention to what the  
author believes to be the main achievements of  
Chasin's thought expressed in that book. Thus,  
the category of the colonial path and its  
conclusion, the proposal of the “double  
transition”, the critique of politicism and the  
paulista analytics are highlighted and their  
relevance for understanding the country is  
clarified.  
Palavras-chave: J. Chasin; miséria brasileira; via  
colonial; politicismo.  
Keywords: J. Chasin; Brazilian poverty; colonial  
path; politicism.  
"A conjunção entre o embrião maldito do capital  
incompletável e a insubstancialidade teórica  
e prática da esquerda organizada é a determinação  
da miséria brasileira, determinação particularizadora,  
para o capital e capitalismo de extração colonial,  
da fórmula marxiana de 'miséria alemã’".  
J. Chasin  
A publicação deste volume, composto do conjunto de artigos produzidos por  
J. Chasin a respeito da problemática brasileira, é a execução de um projeto formulado  
pelo autor, um entre os vários que sua morte prematura deixou inacabados.  
Projeto que não visava somente reeditar trabalhos há muito fora de circulação,  
o que já por si seria legítimo e importante, mas sim oferecer o conjunto de uma análise,  
desdobrada e enriquecida ao longo de mais de vinte anos, envolvendo o essencial de  
todo um ciclo da história brasileira.  
O material que compõe este volume foi organizado por Chasin; mas não lhe  
restou o tempo necessário à elaboração do estudo que deveria abri-lo, no qual  
*
Lívia Cotrim (1959-2019) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de  
São Paulo; mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas; graduada em Ciências  
Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Foi professora do Centro  
Universitário Fundação Santo André.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
pretendia fazer um balanço do período histórico recém-encerrado e de seus momentos  
de inflexão mais significativos, bem como tracejar os contornos do novo momento que  
mal começamos a viver.  
Entretanto, os trabalhos aqui reunidos falam por si, e nos falam tanto do evolver  
da realidade quanto da trajetória de um intelectual que, insubmisso à maré montante  
da produção do falso e indiferente aos aplausos fáceis, sejam acadêmicos ou  
partidários, debruçou-se sobre a tarefa, que aliás sempre entendeu coletiva, de "tomar  
por centro o resgate da obra marxiana e se pautar por seus lineamentos ao facear  
crítica e praticamente os temas nacionais"1.  
Desde a década de 70, Chasin se dedicou concomitantemente a esse duplo  
esforço: recuperação do pensamento próprio de Marx e análise da realidade brasileira,  
em suas conexões com a situação mundial. Esforço que resultou no reconhecimento  
do estatuto ontológico do pensamento marxiano e, no interior dessa problemática, da  
questão dos modos particulares de objetivação do capitalismo.  
A descoberta da forma particular de objetivação do capitalismo industrial  
brasileiro que denominou de via colonial constitui a plataforma de acesso à  
compreensão essencial das últimas décadas da história brasileira, décadas em que a  
via colonial deu seus passos finais, tanto por suas próprias forças e impulsos, quanto  
pela ausência efetiva de ações que a barrassem ou infletissem, encerrando seu caminho  
pela consolidação de uma forma específica de capitalismo. Caminho intimamente  
vinculado as transformações do panorama mundial, já que as diferenças nacionais se  
forjam continuamente no interior de sua interrelação recíproca.  
É desse percurso que tratam os textos incluídos neste volume, abarcando a  
gênese e o desenvolvimento histórico das categorias societárias que compõem e  
forjam a formação social brasileira, a apreensão das possibilidades concretas de  
infletir, a partir da perspectiva do trabalho, a lógica perversa da via colonial, bem como  
as condições objetivas e subjetivas que condicionaram a perda daquelas  
oportunidades. O que implicou a avaliação crítica tanto da esquerda tradicional, que  
floresceu no pré-64, quanto da assim chamada "nova esquerda", de cunho não  
marxista, nascida nos entornos do golpe militar. Essa crítica incidiu, fundamentalmente,  
na denúncia da subordinação de ambas, em que pesem os modos diferentes com que  
o fizeram, ao arco de possibilidades, teóricas e práticas, do capital, de sorte que,  
1 I. "Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista", in. Ensaios Ad Hominem I, Tomo II - Politica, São Paulo,  
Ad Hominem, 2000.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 61  
nova fase  
 
Lívia Cotrim  
"esquerdas só no nome", mais confundiram do que esclareceram, mais deprimiram do  
que elevaram a categoria societária que pretensamente representavam. Como e por  
que o fizeram, são as perguntas que Chasin buscou responder.  
O que se evidencia mais imediatamente ao percorrermos os escritos chasinianos  
é sua rigorosa e estrita subsunção aos nexos concretos do real a ser apreendido,  
subsunção determinada pela consciência de que a efetivação da perspectiva do  
trabalho exige ações práticas racionalmente orientadas e fundadas nas tendências e  
potencialidades objetivamente existentes. Esse rigor no acompanhamento do evolver  
da realidade evitou a armadilha de transformar quaisquer das aquisições de sua análise  
em uma sorte de modelo supostamente capacitado a explicar toda e qualquer situação.  
Ao contrário, permitiu e exigiu o reconhecimento das mudanças que se foram  
efetivando ao longo do período analisado, e portanto a alteração das posições práticas  
demandadas. Assim, o encerramento da via colonial a finalização do processo de  
objetivação do capitalismo industrial brasileiro e o desaparecimento das  
possibilidades anterior mente presentes para sua superação, a forma atual da lógica  
do capital mundializado, bem como a morte da esquerda e suas múltiplas irradiações  
constituem os temas que ocupam a atenção de Chasin em seus últimos escritos,  
visando sempre a recuperar, pela análise da realidade, as novas possibilidades de sua  
superação derivadas da lógica do trabalho.  
A via colonial  
O empenho de Chasin em apreender o modo como se objetivou e vem se  
reproduzindo o capitalismo industrial brasileiro se apóia na recuperação, mediada pela  
obra madura de Lukács, do que designou como o estatuto ontológico do pensamento  
marxiano.  
O esforço de encetar a análise ontológica da realidade brasileira implicou a  
crítica e superação das abordagens que tomam o caráter universal do modo de  
produção capitalista e os traços singulares de cada formação social como categorias  
exteriores uma à outra, de sorte que o primeiro se reduz a um conjunto de "atributos  
e leis genéricas" que, em seu isolamento, se enrijecem e autonomizam, adquirindo as  
feições de modelo, enquanto os segundos, também graças ao isolamento, reduzem-se  
a dados imediatos, cujo efetivo significado resta inalcançável. A intelecção adequada  
da realidade exige a dissolução desses coágulos enrijecidos pela mediação de suas  
formas específicas de existência: a particularidade, "ou, realçando a dimensão  
Verinotio  
62 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
ontológica, à verificação de que há modos e estágios de ser, no ser e no ir sendo  
capitalismo, que não desmentem a universalidade de sua anatomia, mas que a realizam  
através de objetivações específicas"2.  
Ou seja, à medida que os universais existem apenas na malha objetiva das  
relações sociais, as formas concretas de sua existência constituem a mediação real  
entre os atos e relações singulares de que é tecida e os traços comuns a um conjunto  
de modos de ser específicos isto é, o universal. À simplicidade das abstrações  
enrijecidas a que são limitados universais e singulares quando remetidos  
imediatamente um ao outro, substitui-se, assim, a riqueza da "síntese de muitas  
determinações" que caracteriza, de acordo com Marx, o concreto real, e que deve ser  
apanhada e reproduzida nesta riqueza pelo pensamento.  
A aproximação da forma particular de objetivação do capitalismo brasileiro tem  
por parâmetro os contornos, traçados por Marx, da "miséria alemã", mostrando que o  
caráter lento e tardio da constituição do capitalismo extrapola em muito a referência  
cronológica, gestando uma forma de ser específica que afeta todas as relações e  
categorias societárias.  
Lentidão determinada pela ausência de processos revolucionários de transição,  
substituídos pela conciliação entre atraso e progresso sociais, entre o modo de  
produção capitalista, que forceja por se desenvolver e impor, e modos de produção  
arcaicos, cuja sobrevivência, assim possibilitada, emperra e restringe o  
desenvolvimento do primeiro. De sorte que "a emersão do novo paga alto tributo ao  
historicamente velho", alterando de modo substancial diversos aspectos da  
organização social, desde o ordenamento econômico, passando pelo caráter,  
perspectivas e limites da classe que está na ponta daquele processo de transição a  
burguesia , e atingindo as formas de exercício do poder político.  
O tratamento a que tanto Marx quanto Engels e Lenin submeteram o caso  
alemão, distinguindo a forma clássica da forma tardia de objetivação do capitalismo,  
toma para Chasin o caráter de "referencial exemplar" para a apreensão da  
particularidade brasileira, não só pela indicação das diferenças que o atraso no  
desenvolvimento capitalista gera em relação aos casos clássicos, mas sim por  
evidenciar que o percurso da análise concreta é o de extrair do próprio objeto as  
determinações que o configuram. Posto desta maneira o problema, fica consignada  
2 cf. "A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico".  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 63  
nova fase  
 
Lívia Cotrim  
uma crítica à subsunção do caso brasileiro aos contornos da miséria alemã, ou via  
prussiana, procedimento que a toma como modelo, "contorno formal aplicável a  
ocorrências empíricas", e reedita, assim, o estiolamento dos universais.  
Chasin principia a evidenciar os lineamentos da particularidade brasileira  
atentando para a inserção do país na acumulação primitiva de capital européia, na  
condição de empresa mercantil colonial. Esta é a origem histórica e o sentido da  
grande propriedade agrária brasileira, diversa da propriedade agrária feudal alemã,  
forma que o processo de industrialização defrontará pela via da conciliação pelo alto,  
denegando os caminhos revolucionários e conservando, assim, um pilar fundamental  
da subordinação ao capital metropolitano. De sorte que, enquanto a Alemanha inicia  
sua industrialização autonomamente em fins do século XIX e alcança a condição  
imperialista, a brasileira se afirma já no período das guerras imperialistas do século  
XX, e sem romper a subordinação ao imperialismo.  
De maneira que também no Brasil está presente a conciliação entre novo e  
velho, mas com "um velho que não é, nem se põe como o mesmo", assim como a  
industrialização também não se põe do mesmo modo que na Alemanha, configurando-  
se o verdadeiro capitalismo brasileiro como hiper-tardio e subordinado.  
Em textos subsequentes, os contornos da via colonial, oferecidos ainda de  
forma abstrata nos dois primeiros artigos deste volume, são concretizados e  
enriquecidos. Tendo por objeto da análise o andamento da história brasileira recente,  
os nexos da situação atual evidenciam em si as determinações e atualizações da via  
colonial, em seu desdobramento histórico concreto, iluminando o sentido dos  
acontecimentos e situações anteriores.  
Em Conquistar a Democracia pela Base, de 1978, examinando criticamente o  
processo de "abertura" política que então se iniciava e o "milagre" econômico e sua  
crise, Chasin avança na compreensão da particularidade da burguesia e do capitalismo  
brasileiros, tal como se põem objetivamente nos planos socioeconômico e político, e  
ilumina também a questão da democracia em seu enraizamento e contornos concretos.  
O texto abre com uma determinação central da via colonial: toda a história  
brasileira é "rica" em ditaduras e "milagres", e pobre em soluções democráticas  
efetivas. Identifica, nos "ciclos" econômicos que marcaram tanto as atividades mais  
estritamente agroexportadoras quanto a acumulação industrial, outros tantos  
"milagres econômicos", capazes de propiciar, durante períodos mais ou menos curtos,  
uma larga acumulação (cuja maior parte é de apropriação e realização externa),  
Verinotio  
64 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
esgotando-se em seguida e sendo substituídos, mais ou menos rapidamente, por outro  
"milagre" (ou ciclo). De sorte que o "milagre" econômico que se desenvolveu entre  
1968 e 1973 o "mais curto deles" tanto quanto sua crise, iniciada em 74, não  
se mostram como uma novidade na história brasileira, mas, ao contrário, como a  
reiteração de uma forma de ser que, gestada no período colonial, evidencia suas  
características à luz da configuração mais complexa e desenvolvida. Do mesmo modo  
que a presença dos "milagres", também a das ditaduras se impõe à observação, desde  
as formas políticas assentadas sobre a mão de obra escrava, até o último século,  
republicano, de nossa história, cuja maior parte também decorreu debaixo de formas  
ditatoriais de poder político, mais claras umas (o Estado Novo e a última ditadura  
militar), mal veladas outras (a da Primeira República).  
Mais do que a mera constatação da presença simultânea de ditaduras e  
"milagres", Chasin aponta o entrelaçamento de ambos, explicitando a determinação  
das formas políticas pela ordenação e andamento socioeconômicos. É o  
desvendamento das bases do "milagre" econômico e de sua crise que permite  
compreender os alicerces sobre os quais se erigia a ditadura militar e os motivos que  
a levaram a desencadear a "abertura" política. Simultaneamente, à medida que se põe  
como momento do processo de industrialização objetivado no interior da via colonial,  
sua dilucidação abre para a compreensão de traços fundamentais desta última  
A análise chasiniana do "milagre" voltou-se à compreensão dos mecanismos  
que, se sustentaram o sucesso, para o capital, daquele ciclo de acumulação,  
determinaram também seu duplo fracasso: em primeiro lugar, enquanto plataforma de  
resolução dos problemas econômico-sociais que afetam os trabalhadores, e em  
segundo lugar, após curto período, como ciclo de acumulação. A compreensão desse  
duplo fracasso é fundamental, seja para o entendimento do capitalismo forjado pela  
via colonial, seja para o estabelecimento de uma plataforma de lutas fundada na  
perspectiva do trabalho.  
A análise do "fracasso geral" do "milagre" se beneficia de aquisições marxianas,  
nomeadamente a do nexo entre produção e distribuição, recuperando a determinação  
da primeira sobre a segunda, tanto no sentido de que só pode ser distribuído o  
produto da produção, quanto no de que a produção contém e implica uma específica  
distribuição dos meios de produção e dos homens que a realizam, condicionando o  
modo como os indivíduos participam na distribuição final do produto. Produção e  
distribuição deixam, assim, de ser tomadas como duas esferas desvinculadas, uma das  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 65  
nova fase  
Lívia Cotrim  
quais a produção seria regida por "leis naturais", enquanto a outra a  
distribuição poderia ser objeto de alterações dependentes da vontade, ou da  
política. Esta forma inadequada de as apreender vem se mantendo, até os dias atuais,  
como apanágio negativo das oposições, que descartam, assim, a crítica a base material  
da existência, ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem sua vida, e  
sustentam a suposição de que seja possível acoplar, à estrutura da produção existente,  
uma política de distribuição de renda, de sorte que a própria renda a ser distribuída é  
tomada de modo inteiramente abstrato, tanto no que diz respeito à especificidade dos  
produtos que a constituem, quanto no que se refere aos critérios de sua apropriação.  
A desconsideração daqueles nexos restringia o combate à ditadura ao campo  
estritamente político.  
Contrapondo-se a isto, Chasin mostra que o esquema produtivo responsável  
pelo "milagre" centrado nos bens de consumo duráveis, capitaneado por empresas  
monopólicas majoritariamente estrangeiras, e complementado pelo "esforço  
exportador", basicamente de produtos agrários tinha como pilar fundamental o  
rebaixamento salarial: a superexploração do trabalho. A forma retardatária,  
subordinada e conciliada com o historicamente velho do evolver da industrialização  
brasileira mostra a manutenção, devidamente modernizada e "desenvolvida", de sua  
face mais perversa a miserabilização das amplas massas trabalhadoras, que se põe,  
não como produto de uma "lacuna" distributivista, mas como base e sustentáculo da  
própria forma de desenvolvimento. E esta não poderia jamais gerar uma distribuição  
de renda adequada para as classes trabalhadoras tanto o que era produzido não  
se voltava para elas, quanto sua inserção social se fazia pelo critério do arrocho  
salarial, indissociável da lógica daquele ordenamento da produção. De modo que  
desde sua gênese, e ao longo de seus anos de "sucesso" em que propiciou uma  
larga acumulação, prioritariamente para o capital monopolista, nacional e internacional  
, o "bolo" confeccionado pelo "milagre", por mais que crescesse, "jamais poderia  
render para as massas trabalhadoras".  
O " fracasso restrito" do "milagre", o fim desse ciclo de acumulação de capital,  
mostra também a estreiteza da plataforma sobre a qual se erigiu e, portanto, do capital  
e da burguesia que o encabeçaram, à medida que seu rápido esgotamento deveu-se  
às mesmas bases que garantiram seu curtíssimo sucesso, e cuja manutenção impôs  
como "solução" o desaquecimento econômico.  
O desvendamento dos mecanismos do "milagre" vem acompanhado, tanto  
Verinotio  
66 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
neste texto como em As Máquinas Param, Germina a Democracia! (que tem por tema  
principal as greves de 1978 e 79 no ABC), da explicitação das razões do golpe de 64  
e do caráter autocrático da burguesia e do estado gestados pela via colonial. Chasin  
demonstra que a ditadura militar teve por suposto e objetivo a garantia de uma  
determinada organização produtiva, que vinha sendo questionada pelos movimentos  
populares. A industrialização subordinada ao capital externo, capitaneada pela  
produção de bens de consumo duráveis, conciliada com a estrutura agrária herdada  
da colônia e assentada na superexploração do trabalho, portanto na exclusão  
econômica dos trabalhadores, é a marca da estreiteza econômica da burguesia  
brasileira, determinante de sua estreiteza política: incapaz de dominar sob forma  
efetivamente democrática porque impossibilitada de lutar ou sequer perspectivar  
sua autonomia econômica, e, assim, de se por à frente de um projeto de cunho  
nacional, apto a incluir, embora nos limites do capitalismo, as classes a ela  
subordinadas , a burguesia brasileira só pode exercer seu poder político sob forma  
autocrática.  
A ditadura bonapartista, "expressão armada" da autocracia, evidencia-se em seu  
significado real: a forma institucional, sem perder sua especificidade, perde "qualquer  
aparência de autonomia" (Marx), e mostra as relações concretas sociais que a  
determinam. Ilumina-se, assim, o campo no qual deveria se dar a luta contra a ditadura  
o campo das condições materiais de produção e reprodução da vida, o campo das  
relações sociais, no qual deitam raízes os problemas políticos, que não desaparecem  
nem se diluem, ao contrário, adquirem sua real fisionomia. Ficam impugnadas as  
análises que, restritas ao campo do político, privilegiam as formas políticas desligadas  
de suas reais condições de existência, e vêm como seu fundamento a vontade.  
Do mesmo modo que a ditadura, o processo de "abertura", incorretamente  
denominado de processo de "redemocratização", é abordado a partir de seus  
fundamentos socioeconômicos efetivos: a crise do "milagre", isto é, a crise da  
organização econômica em função da qual fora dado o golpe em 64. Com a crise, já  
evidenciada em 1974, desfaz-se o bloco aparentemente monolítico que sustentara o  
estado bonapartista: os setores burgueses que o compunham têm agora necessidade  
de discutir e influenciar mais diretamente os rumos da política econômica  
governamental, a fim de disputar quais setores pagariam o ônus da crise, e como se  
desenharia uma nova rodada de acumulação. Sem, entretanto, que fossem  
questionados os fundamentos da organização econômica vigente a superexploração  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 67  
nova fase  
Lívia Cotrim  
do trabalho, a subordinação ao capital externo, a estrutura agrária, o privilegiamento  
do setor de bens de consumo duráveis como carro-chefe do desenvolvimento  
industrial , o que implicava deixar em pé o caráter autocrático do estado, mantendo  
excluídos do debate da questão essencial a econômica os trabalhadores.  
De sorte que a "abertura", iniciada pelos próprios sustentáculos da ditadura,  
buscando "abrir" institucionalmente para a participação mais direta dos setores  
burgueses, não visava à democracia, mas sim a institucionalização da autocracia,  
substituindo sua fisionomia abertamente ditatorial por traços mais abrandados. A  
transição pelo alto, plenamente alcançada tanto pelos méritos da situação, quanto  
pelos deméritos da oposição preserva, assim, as linhas essenciais tanto do "modelo"  
econômico quanto do estado autocrático.  
A apreensão dos determinantes da autocracia abre para o entendimento de  
outra característica da burguesia de via colonial: o politicismo. Se em seu fundamento  
último a determinação ontopositiva da politicidade3, cujo núcleo é a consideração  
do estado e da política como necessidades permanentes da humanidade e expressões  
de suas melhores qualidades o politicismo é comum a todo o pensamento burguês,  
sua manifestação no Brasil não deixou de ter traços peculiares, determinados pela  
estreiteza da burguesia aqui constituída. A debilidade objetiva de um capital induzido,  
incapaz de perspectivar sua autonomia, incompleto e incompletável, e assentado na  
superexploração da força de trabalho, impossibilitando a incorporação das classes  
subalternas, torna vital para a burguesia a negação do debate sobre o ordenamento  
econômico à classe trabalhadora, resultando daí o seccionamento entre o plano da  
produção e reprodução da vida e as questões políticas. De maneira que estas são  
postas para a discussão independentemente daquele, considerado, no máximo, como  
um problema "técnico". Essa autonomização e hipertrofia do plano político o esvazia  
de seu real sentido, formaliza-o, e simultaneamente impede sua efetiva transformação.  
Desse modo, o politicismo atua "como freio e protetor" da estreiteza econômica da  
burguesia, uma vez que freia antecipadamente qualquer discussão sobre sua fórmula  
econômica, relegada à "esfera intangível do privado", e, assim, a protege em seus  
interesses centrais.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro4, Chasin desdobra  
3
Ver o Tomo III - Política, da revista Ensaios Ad Hominem I, coletânea de trabalhos em que J. Chasin  
examina a determinação ontonegativa da politicidade em Marx.  
4
Texto publicado originalmente em 1982, em que Chasin examina as primeiras eleições diretas para  
governadores depois do golpe militar.  
Verinotio  
68 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
amplamente esta questão, demonstrando as interligações entre o modo de objetivação  
do capitalismo brasileiro, o caráter autocrático do estado, em suas diversas formas, e  
o politicismo. Este, "forma natural de procedimento" da burguesia brasileira, passa a  
ser utilizado conscientemente, a partir de 64, como estratégia política.  
Autocracia e politicismo, longe de serem contingentes ou restritos a um  
momento histórico singular, são determinados pela atrofia histórica e estrutural do  
capital e da burguesia de via colonial, retardatária, conciliadora e subordinada,  
economicamente liberal mas sem aspirações democráticas. Estreiteza econômica e  
consequentemente política que lhe inviabilizam o exercício da hegemonia sob forma  
democrática que exigiria a integração e participação de todas as categorias sociais  
e deixam-lhe apenas duas alternativas para sua dominação: a "truculência de classe  
manifesta" o bonapartismo, expressão armada do politicismo , ou a "imposição  
de classe velada ou semivelada" a autocracia institucionalizada, expressão jurídica  
do politicismo. A alternância entre estes dois pólos pode ser observada tanto na última  
ditadura militar e sua posterior "abertura", quanto na sucessão do Estado Novo pela  
assim chamada "redemocratização" de 1945/46.  
O desvendamento das bases sociais do estado brasileiro reconfigura totalmente  
a questão da democracia, iluminando suas condições de possibilidade, as quais  
apontam para outro sujeito histórico o trabalho, ao invés do capital e, portanto,  
para outro conteúdo, não limitado as franquias institucionais, embora sem as  
desprezar. Elucidando a fonte efetiva dos males sociais a sociedade civil, na  
particularidade histórica de sua objetivação, recusa o seccionamento, característico da  
concepção liberal, entre as "partes" componentes da existência humana, e abre  
caminho para a crítica radical da política, concomitantemente à crítica radical do capital  
em suas diversas entificações, inclusive aquela derivada das tentativas frustradas de  
transição socialista5. Em outros termos, essa abordagem substitui a perspectiva  
quimérica, hoje dominante, do aperfeiçoamento do estado e da domesticação do  
capital pela da superação do capital e da política, com vistas à emancipação humana.  
5
Não por acaso Chasin publica, em 1983, ano do centenário da morte de Marx, Da Razão do Mundo  
ao Mundo Sem Razão (Revista Ensaio n° 11/12. São Paulo, Ensaio, 1983), primeiro trabalho em que  
alcança a determinação das formas societárias pós-capitalistas como formas que. abolindo a  
propriedade e os proprietários privados, não atingem, entretanto, a apropriação e gestão sociais dos  
meios de existência, mantendo o capital em uma configuração inusitada: o capital coletivo/não social,  
gerido, embora não apropriado, pelo estado - razão da permanência e ampliação deste parasita que  
sufoca o corpo social. O mesmo tema será retomado, com amplos desdobramentos, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, incluído neste volume.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 69  
nova fase  
 
Lívia Cotrim  
Não se deixando embair por aquela quimera, e tendo por horizonte a emancipação  
humana, tornou-se possível, a partir da análise das condições objetivamente  
existentes, visualizar os passos concretos que permitiriam vincular a solução das  
carências mais prementes ao percurso em direção àquele objetivo.  
Trata-se de questão nodal, para a qual, entretanto, as esquerdas não haviam  
ainda atentado, e que permanece, ainda hoje, desconsiderada por elas. O que vem  
levando à perda constante de oportunidades históricas de encetar um caminho menos  
desfavorável às massas subordinadas.  
O trânsito do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa, em  
seus passos políticos assim como em seu fundamento efetivo a crise econômica e  
a busca de uma nova equação nesse plano que permitisse a retomada da acumulação  
em ritmo mais intenso , foram cuidadosamente acompanhados, sempre mantido o  
eixo de que a ruptura com o politicismo e com este trajeto adstringente é uma tarefa  
das forças do trabalho, e não do capital.  
Nesse sentido foram tratados a campanha pelas Diretas-Já, a eleição indireta  
de Tancredo Neves, sua morte às vésperas da posse e o estabelecimento da Nova  
República sob a égide de Sarney e do Plano Cruzado. No âmbito deste penúltimo  
passo da reconversão do bonapartismo à autocracia institucionalizada, o Plano  
Cruzado6 é lapidarmente determinado como "o segredo desvendado da democracia  
de proprietários no Brasil". E fundamental atentar para o fato de que sua debilidade  
não dizia respeito a este ou aquele problema técnico, e sim a defasagem entre, de um  
lado, a grandeza dos desafios que deviam ser enfrentados para o capital,  
estabelecer as bases de uma nova fase de acumulação, e para o trabalho, eliminar a  
superexploração e a mesquinhez do programa adotado. Defasagem, grifava Chasin,  
de caráter qualitativo, uma vez que a resolução efetiva desses desafios exigiria uma  
alteração profunda no padrão de produção, embora não estivesse em jogo,  
imediatamente, uma transformação no modo de produção.  
Esse diagnóstico tomava por base a já aludida crise do "milagre", para a qual o  
capital e seus prepostos ainda não haviam sido capazes de encontrar uma alternativa.  
Uma vez que os mecanismos que engendraram os elevados índices de acumulação do  
"milagre" foram também os responsáveis por seu esgotamento, qualquer alternativa  
demandaria uma reformulação da equação econômica existente, sinteticamente pela  
6 Cf. A Miséria da República dos Cruzados.  
Verinotio  
70 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
redefinição das relações com o imperialismo e reordenamento do padrão monopólico  
interno de acumulação reformulação incompatível com o modo de existência do  
capital atrófico: uma burguesia que "assumiu sua miséria" vê na mera perspectiva de  
transformação uma dupla ameaça: teme o "mais forte, que lhe deu a vida", e os "de  
baixo, que podem toma-la". Nesse quadro, e "já que só admite transformações na  
ordem e pelo alto, aos cochichos com seus pares, num rodeio autocrático", a resposta  
ao desafio foi o Plano de Estabilização Econômica, que buscava apenas reequilibrar o  
quadro já existente, sem tocar em seu perfil estrutural. O problema vital do  
financiamento dos investimentos que abririam para uma expansão prolongada não foi  
sequer aflorado. Financiamento que, dado o caráter parasitário do capital atrófico,  
deveria ser garantido pelo estado ou pelo capital externo, alternativas inviabilizadas  
pelo crescente endividamento, que, desde os estertores do "milagre", atingira níveis  
alarmantes.  
Embora não tenha passado disso, o Plano Cruzado foi, entretanto, para o  
capital, uma "compressa reconfortante". Já para o trabalho, foi a "configuração perversa  
do esbulho de sempre". Mantida intacta a organização produtiva, o congelamento dos  
preços no pico (logo convertido em ágios e desabastecimento) e dos salários na "média  
semestral de cinco meses" perpetuou as perdas salariais anteriores. Em outras  
palavras, tratou-se da consolidação do arrocho: "este é o coração concreto da  
democracia de proprietários no Brasil'' ou seja, uma "democracia" assentada sobre  
a manutenção da exclusão.  
Chasin levanta ainda, em torno da análise do Plano Cruzado, um problema  
crucial, que se manifestará com maior evidência e clareza alguns anos depois, na  
campanha sustentada por Collor de Mello quando das eleições diretas para a  
presidência da república: o problema da manipulação. Abrangendo muito mais do que  
a mera demagogia, ou do que um mero ato ou posição subjetivos, já havia sido  
aflorado por ocasião da eleição indireta e posterior morte de Tancredo Neves, elevado  
naquele momento a "mito mudancista", quando não era senão a expressão do  
conservantismo civilizado e da transição pelo alto. Indo além, em todos esses casos,  
da superfície imediata do problema, Chasin alcança a dilucidação de seu fundo  
objetivo: a incapacidade do capital atrófico de se pôr como agente transformador,  
motivo pelo qual a transformação se converte em seu contrário, a manipulação. Esta,  
reduzindo a prática ao sentido da imediaticidade, "opera o rearranjo tópico eficiente  
dos fatores em presença", do que resulta uma "mudança que sustenta e reafirma a  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 71  
nova fase  
Lívia Cotrim  
natureza da estrutura e os fatores que a integram, reproduzindo os lugares sociais dos  
atores no complexo".  
A "inteligência da manipulação" é comum a toda a burguesia contemporânea,  
entretanto importa frisar que, para as burguesias centrais, tal inteligência substitui hoje  
a inteligência da transformação que teve anteriormente, enquanto "para as burguesias  
periféricas é a expressão de sua única inteligência", na exata medida em que estas  
jamais puderam se por como agentes de transformação. A manipulação é a inteligência  
possível do capital atrófico, não uma debilidade ou defeito de caráter deste ou daquele  
indivíduo ou organização, mas sim uma determinação social da incompletude de classe  
do capital atrófico, cujo processo de objetivação não se dá por transformações  
superadoras do historicamente velho, mas por sucessivas modernizações do arcaico.  
Essa constituição do capitalismo brasileiro pela via colonial vai dando seus  
últimos passos em fins da década de 80, em conformidade, mais uma vez, com as  
alterações que se verificavam no plano internacional. Esses passos finais, bem como  
as alternativas ainda presentes de infletir seus rumos, foram exaustivamente  
examinados por Chasin às vésperas das eleições presidenciais de 1989, em A  
Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda. Trabalho que sintetiza e se apóia sobre os  
resultados do intenso esforço analítico realizado nos anos anteriores, tanto no sentido  
de dilucidar a realidade brasileira, quanto no de recuperar o pensamento de Marx, e  
que abrange das determinações objetivas às manifestações ideológicas, nos planos  
interno e internacional.  
O texto abre com a indicação de que estávamos, então, vivendo uma situação  
histórica muito diversa daquela em que haviam se dado as últimas eleições  
presidenciais diretas. A situação brasileira é abordada no interior do complexo de  
problemas postos pela crise nos dois subsistemas do capital o capitalismo, que  
enfrentava a crise do capital super-produzido, e o capital coletivo/não social, que, já  
em seus estertores, exibia a crise do capital estagnado , bem como pela morte da  
esquerda. Chasin investiga a crise planetária, objetiva e subjetiva, vivida pela  
humanidade tendo por suposto a perspectiva da emancipação humana, o que obriga  
e permite trazer à luz as necessidades históricas que determinaram sua gênese e  
desenvolvimento, as contradições que a permeavam e as alternativas para a lógica do  
trabalho que abrigava.  
O exame das eleições presidenciais de 1989 e das circunstâncias em que  
ocorreram evidencia que configuravam o último passo tanto da reconversão da  
Verinotio  
72 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
ditadura bonapartista em autocracia institucionalizada, quanto do percurso da via  
colonial.  
Interessa, aqui, ter claro o sentido dessas afirmações. Ou seja, de uma parte,  
entender que a finalização da transição pelo alto significava a vitória das forças  
conservadoras que haviam engendrado o golpe militar e a própria transição (em que  
pese o fato de terem sido afastadas suas componentes mais truculentas), vitória que  
se desenhava primordialmente pela manutenção da estrutura econômica que as  
sustentava, a qual, entretanto, deveria ser devidamente modernizada para poder,  
diante das transformações internacionais que se punham, continuar se reproduzindo  
como receptor do capital subordinante. Em outros termos, Chasin aponta que esse  
último passo na direção da autocracia institucionalizada, assim como toda a caminhada  
que levara até aí, tinha caráter eminentemente social, e não estritamente político.  
Retomando uma das determinações centrais da via colonial, a ausência de processos  
revolucionários para a objetivação do capitalismo verdadeiro, e a ojeriza às  
transformações que ela engendra, Chasin mostra a vinculação entre o acabamento da  
transição à autocracia e do próprio processo de constituição do capitalismo no Brasil,  
indicando que, nesses seus passos finais, a burguesia brasileira abandona  
definitivamente qualquer ilusão ou veleidade de autonomia que pudesse ter  
alimentado antes, para aspirar exclusivamente à "boa parceria" com o capital externo,  
em outros termos, para assumir plenamente sua condição subordinada.  
De maneira que, se o golpe de 64 fora dado para barrar movimentos e  
propostas de mudança, o percurso da ditadura bonapartista à autocracia  
institucionalizada não trouxe de volta, nem poderia fazê-lo, um quadro semelhante de  
propostas de transformação. Ao contrário, pôs na ordem do dia somente a  
modernização do arcaico, sua manutenção sob outra roupagem, adaptada às novas  
formas e necessidades do capital mundial.  
É justamente a reviravolta no panorama internacional que marca e induz os  
momentos finais da via colonial, ou do processo de objetivação do capitalismo  
brasileiro. Reviravolta que tem por eixo o movimento de mundialização do capital, que  
já então se evidenciava. A análise chasiniana da dupla crise do capital o capital  
superproduzido no ocidente e o capital estagnado no leste constitui a base para a  
compreensão da especificidade do momento brasileiro. No que se refere ao capital  
superproduzido, importa frisar aqui que o alargamento constante de sua reprodução  
ampliada, alavancada pelo desenvolvimento tecnológico acelerado e já então exigindo  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 73  
nova fase  
Lívia Cotrim  
uma forte concentração de capital, impôs a este a necessidade premente de expansão  
de seus próprios espaços em outros termos, impôs a necessidade da mundialização,  
cujas primeiras manifestações, ao longo da década de 80, foram as aventuras do  
capital financeiro. O neoliberalismo, seja enquanto prática efetiva do capital, seja  
enquanto ideologia, se confunde com este período em que a superprodução de capital  
aparece como superabundância de capital financeiro, que, em busca de espaço de  
reprodução, arrebenta os limites que o constrangem, para isto rompendo as barreiras  
comerciais e políticas que pudessem emperrá-lo. A desregulamentação e a restrição  
do papel econômico dos estados nacionais foram suas manifestações mais evidentes.  
A derrocada, já então iminente, do capital estagnado do leste veio completar o  
processo de mundialização que então se desenvolvia, ao mesmo tempo em que, no  
plano ideológico, e graças a sua identificação com a transição socialista, reforçou a  
aparentemente inexpugnável vitória do capital, e jogou a última pá de cal sobre a  
sepultura da esquerda.  
É sob o influxo da mundialização do capital que a via colonial vive seu  
encerramento. A vitória de Collor em 89 significou a vitória dos ideais profundos de  
64. Apesar de seu fracasso em realizar os ajustes necessários para a "modernização"  
requerida pela nova etapa de integração subordinada, o panorama que se desenha  
poucos anos depois revela uma realidade bastante distinta, marcando o encerramento  
de um período de seis décadas, ao longo do qual, com todas as vicissitudes, o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
O avanço da mundialização, com a derrocada definitiva do capital coletivo/não  
social, a aceleração do desenvolvimento tecnológico e a quebra das barreiras nacionais  
à circulação do capital, integra muito mais estreitamente do que em qualquer momento  
anterior os espaços nacionais sob a égide do capital, de tal forma que a não integração  
se torna sinônimo de retrocesso e degradação humanos, inviabilizando qualquer  
encaminhamento de soluções no âmbito nacional. O encerramento da via colonial pela  
trilha de suas próprias determinações, e não pela ruptura com elas, deu-se, assim como  
todas as anteriores alterações significativas na vida nacional, por influxo e sob o  
domínio dos movimentos dos capitais subordinantes.  
A dupla transição  
A intelecção da constituição do capitalismo brasileiro expõe as alternativas nele  
presentes para a perspectiva do trabalho. A compreensão de cada momento desse  
Verinotio  
74 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
processo em seu vínculo com as raízes históricas que o engendraram e de cada  
acontecimento com os nexos da totalidade na qual se insere permite evitar tanto o  
escolho de brandir apenas com críticas e propostas abstratas quanto o de deixar-se  
afogar pela imediaticidade, gerando reações que não visualizam nem encaminham para  
o horizonte mais generoso da emancipação humana. Ao contrário, Chasin sempre  
buscou apontar caminhos que unissem intrinsecamente esse horizonte à solução das  
demandas mais imediatas das massas trabalhadoras.  
Assim, tanto A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico  
quanto Conquistar a Democracia pela Base apresentam os lineamentos fundamentais  
da realidade brasileira à época (e a crítica às oposições, por sua incapacidade de  
apreendê-los), expondo a determinação de que a democracia, no Brasil, só poderia ser  
visualizada da perspectiva do trabalho, o que implicava ultrapassar os estreitos limites  
políticos em que a confina o pensamento liberal e ascender a seus fundamentos sociais  
a esfera da produção e reprodução da vida, a organização socioeconômica. Esses  
artigos foram produzidos no momento em que eram lançados, pela própria ditadura,  
os primeiros sinais da "abertura", e imediatamente antes do ressurgimento do  
movimento sindical na cena política do país. Momento em que Chasin volta sua atenção  
para os limites de uma abertura que, comandada pelos mesmos agentes sociais que  
haviam forjado a ditadura, apoiados pelas mesmas classes, não ultrapassava os  
contornos de alterações estritamente político-institucionais, e mantinha intacta a base  
econômica e o caráter autocrático do estado. Das oposições legais e clandestinas  
cobrava-se a ultrapassagem desses limites pelo desenvolvimento de uma crítica  
teórica e prática que ferisse a ditadura militar em seus alicerces, opondo-lhe um  
programa econômico alternativo que, desmontando a lógica do desenvolvimento  
nacional contraposto ao progresso social, reestruturasse o conjunto da vida nacional  
a partir da perspectiva do trabalho, de sorte a integrar as massas populares  
tradicionalmente excluídas, em todos os planos. Os pontos centrais de um programa  
dessa natureza, capaz de aglutinar e cativar para a luta política as massas  
trabalhadoras, são indicados, negativamente, por aqueles suportes da organização  
produtiva vigente que deveriam ser desmontados, por serem a base da exclusão social,  
e positivamente pelas carências mais prementes da classe operária: ampliação da  
produção de bens de consumo populares, investimento estatal e privado nacional na  
indústria de base, reforma agrária que combinasse a tradicional distribuição de  
pequenas glebas para os casos em que a produção assim o permitisse com a criação  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 75  
nova fase  
Lívia Cotrim  
de grandes empresas públicas (não necessariamente estatais) exemplares pela  
produtividade e pela relação salarial, e redefinição das relações com o capital externo  
(o que, frise-se, não implicava qualquer isolacionismo). Os sujeitos históricos de uma  
transformação dessa ordem só poderiam ser os trabalhadores, que, entretanto,  
arrastariam consigo amplas parcelas da classe média e mesmo setores da pequena e  
média burguesia, excluindo os monopólios nacionais e internacionais. Esse caminho  
exigiria e possibilitaria a derrota do mando autocrático em todas as suas formas,  
ditatorial ou institucionalizada. Simultaneamente, por reordenar o conjunto das  
relações sociais sob a perspectiva do trabalho, abriria caminho para a superação do  
capital. E este processo que Chasin denominou de "dupla transição": a classe  
trabalhadora, premida por carências básicas que podem ser resumidas pelo  
imperativo de resgatar da fome organizada em torno de um programa que atinja e  
transforme as raízes geradoras desta, ao mesmo tempo em que rearranja o  
desenvolvimento nacional e o centra no progresso social, ainda sob o modo de  
produção capitalista, acumula forças, objetivas e subjetivas, para a superação deste  
último.  
Uma tal proposição supera o equívoco de propor a completação do capital, seja  
pela busca de um capitalismo nacional autônomo, seja pelo aperfeiçoamento da  
política. As oposições, no entanto, foram incapazes de se alçar a esta altura, mantendo-  
se no nível rasteiro da luta estritamente político-institucional.  
Panorama que não se alterou quando do ressurgimento do movimento sindical  
a partir de 1978, no qual as oposições não viram nada além do que o acréscimo de  
"mais um" setor social ao caudal oposicionista. Em contrapartida, As Máquinas Param,  
Germina a Democracia!, artigo de 1979, saúda aquela retomada com a afirmação de  
que a história finalmente retomava o curso que o golpe de 64 havia interrompido, bem  
como com uma análise acurada do plano e das condições em que a luta operária se  
movera em 1978 e 79 e um balanço das forças do movimento e de suas debilidades  
ainda não superadas.  
Se nos textos anteriores Chasin já indicava que a presença popular seria a  
virtualidade do novo, neste artigo fica consignada a retomada do curso da história  
pela reemergência deste, que se repõe após longo período 14 anos de lenta  
recuperação e acumulação de forças, tocando de imediato no cerne do problema que  
avassala os trabalhadores: a fome, em cuja raiz encontramos o arrocho salarial, ou a  
superexploração da força de trabalho.  
Verinotio  
76 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
As greves de 78 e 79, vitoriosas já pelo simples fato de terem acontecido, eram  
a negação viva de algumas concepções que grassavam no interior das oposições: as  
"especulações sobre o espontaneísmo" e a separação entre luta econômica e luta  
política, já que, tendo a reivindicação salarial por alvo, o movimento paredista obteve  
resultados políticos em diversos níveis: derrubou de fato a lei de greve e alterou a  
correlação de forças, até então francamente favorável à ditadura e sua transição pelo  
alto, ao pôr em xeque um de seus pilares: o arrocho salarial, a superexploração da  
força de trabalho. Ultrapassando em muito os partidos políticos, o movimento dos  
trabalhadores questionou o sistema de produção responsável tanto pela iníqua  
distribuição de renda, quanto pela autocracia.  
O exame chasiniano desvenda as condições específicas que, aproveitadas pelo  
movimento operário, possibilitaram sua reemergência e afirmação, geradas pela crise  
do "milagre econômico" e o consequente esgarçamento do tecido social pelas lutas  
entre as frações do capital, incapazes, até então, de encontrar uma alternativa que  
permitisse um novo ciclo de acumulação, determinando a redução do teor bonapartista  
do poder. De sorte que duas componentes, de sentidos opostos, determinaram a  
dilatação do tecido social: "o desencontro dos setores do capital" e o "encontro dos  
setores do trabalho". A reação brutal dos governos Geisel e Figueiredo às greves, em  
pleno processo de "abertura política", confirmou a defesa da política econômica como  
o principal objetivo e sustentáculo da ditadura.  
Os trabalhadores, retomando seu movimento, perspectivaram e demandavam a  
"recomposição completa da equação do sistema produtivo brasileiro", atacando-o pela  
raiz e apontando para a ultrapassagem da fronteira de seus interesses corporativos na  
direção da luta contra a equação econômica da ditadura e, portanto, contra a própria  
existência dela. Em outros termos, pela sua atuação concreta os trabalhadores  
evidenciaram a "indissolubilidade da ligação entre as questões nacional e  
democrática". A resolução desta última não poderia apoiar-se apenas na afirmação  
genérica de sua importância e validade, mas demandava a pergunta por suas  
condições de possibilidade. Ancorado na compreensão de que, no Brasil, a democracia  
é o historicamente novo e que deveria ser criada, não recuperada, Chasin mostra que  
seu sujeito histórico também não é aquele que classicamente a gerou a burguesia,  
já que sua encarnação brasileira jamais teve condições e disposição para isso; aqui, o  
sujeito histórico da democracia só poderia ser o proletariado, razão pela qual esta  
deixa de se reduzir a um conjunto de franquias e instituições políticas, para se  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 77  
nova fase  
Lívia Cotrim  
consubstanciar na integração dos trabalhadores em todos os planos. Donde a posição  
central ocupada por um programa econômico alternativo, que vertebraria uma ampla  
frente nucleada pelo operariado e que agregaria outros setores da população,  
excluídas as encarnações do historicamente velho: o latifúndio voltado à exportação,  
o imperialismo e a modernização monopolística.  
A volta à cena das forças do trabalho abriu as portas e deu o passo inicial  
naquela direção. Entretanto, os movimentos grevistas não deixaram de apresentar  
debilidades, em parte próprias de períodos de crescimento e maturação, em parte,  
entretanto, indicativas da interferência e assimilação pelo operariado de concepções  
vesgas. Estas últimas vieram a se manifestar de forma aguda nos embates de 1980,  
assim como na figura de sua maior liderança, já cindida em Lula liderança sindical,  
figura essencialmente positiva e Luís Inácio da Silva militante partidário, cujos  
traços problemáticos fazem-se notar ainda no decorrer da campanha salarial daquele  
ano, e se acentuam cada vez mais daí em diante: a assimilação de "uma certa maneira  
de ver e contar a história brasileira", que desemboca na desconsideração da  
experiência das lutas sindicais e operárias anteriores a 78, especialmente as do pré-  
64; a defesa de um basismo incongruente com sua própria experiência como líder  
sindical; a incapacidade de compreender a necessidade de ampliação da base social e  
política das greves, insistindo em dizer que na greve não há como evitar o isolamento  
político, ao mesmo tempo em que afirma como objetivo da greve de 80 desbancar a  
política salarial vigente, assentando a possibilidade de vitória numa fé tecnicista na  
excelência da organização; finalmente, o desconhecimento de que, além de  
independência sindical e política, a classe trabalhadora necessita de independência  
ideológica.  
Chasin encontra a raiz desses traços no desencontro entre o movimento de  
massas que ressurgia e os descaminhos das teses e propostas político-partidárias,  
sempre inferiores às possibilidades daquele. Estas, uma vez assimiladas pela parcela  
mais organizada da classe operária, o que já se patenteava nos equívocos da  
campanha de 1980 e nas concepções expressas por Lula, serão as principais  
responsáveis pelo rápido descenso de um movimento que surgira com tanta pujança  
e abrira tantas possibilidades. Refluxo visível já na campanha salarial de 81, que se  
consolida a partir de 82, juntamente, e não por acaso, com a ascensão do A  
retração do movimento sindical, arrastado pela emergência do PT na condição de  
"esquerda não marxista", incapaz, como os demais partidos posicionados à esquerda,  
Verinotio  
78 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
de enxergar o que Chasin então designava como a "centralidade operária na questão  
democrática", e de vincular esta última com a questão nacional, ou de apreender a  
determinação da organização da produção sobre a estrutura política, fez com que  
perdêssemos a maior das oportunidades surgidas desde 64 para infletir os o  
progresso social.  
Das eleições para governadores em 1982 (as primeiras eleições diretas para  
esse cargo desde a implantação da ditadura), passando pela campanha das Diretas-Já,  
pelo posicionamento dos congressistas do PT na eleição indireta para a presidência  
em 84 e sua perplexidade diante do Plano Cruzado, assistimos à cristalização daquelas  
debilidades, de sorte que um partido nascido da demanda de um pujante movimento  
operário, ao invés de atende-la, instrumentaliza-o para as finalidades muito mais  
mesquinhas de aperfeiçoamento da esfera político-institucional. Ou, em termos mais  
gerais, assistimos à substituição da velha perspectiva pecebista de completar o capital  
no plano econômico pela de completá-lo no plano político, buscando o  
aperfeiçoamento do estado e da democracia, desconsiderando, mais uma vez, a  
pergunta sobre as condições de possibilidade desta no Brasil, e limitando o horizonte  
posto para a classe trabalhadora aquele aperfeiçoamento, isto é, abandonando, ou não  
reconhecendo, a meta da superação do capital e do estado.  
Nesse quadro de doloroso retrocesso, Chasin insiste na proposta da dupla  
transição, devisando as possibilidades concretas ainda presentes para isso, embora já  
bastante mais estreitas em relação as que se haviam mostrado no período anterior de  
avanço dos trabalhadores. Quadro que desemboca nas primeiras eleições diretas para  
a presidência da república, em 1989, momento no qual Chasin, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, submete a um amplo exame assim a situação nacional  
como a internacional, demarcando-a como crucial para os rumos que, daí por diante,  
assinalariam a história brasileira.  
Chasin vê naquela ocasião a última oportunidade de encetar o desmonte dos  
pilares mais gravosos, para as massas populares, do ordenamento produtivo ainda  
vigente, e para cuja defesa fora estabelecida a forma bonapartista da autocracia e  
vinha sendo encaminhada, já há quase quinze anos, a transição pelo alto para sua  
forma institucionalizada, passagem da qual as eleições de 89 eram o último ato.  
Aquela oportunidade, ainda que desgastada em relação à de dez anos antes,  
tinha seus fundamentos tanto na permanência da mesma organização econômica  
assentada sobre a superexploração do trabalho. quanto na irresolução, até aquela  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 79  
nova fase  
Lívia Cotrim  
data, da crise que ela própria gerara, e para a qual as frações do capital não haviam  
ainda encontrado uma solução de sua ótica. Nessas condições, a ocorrência de um  
pleito presidencial, pondo em jogo encaminhamentos de âmbito nacional, abria um  
espaço importantíssimo para a atuação política da perspectiva do trabalho.  
Considerando, já agora, o processo acelerado de mundialização do capital, e o novo  
fôlego então obtido pela proposta de integração subordinada, representada, na  
campanha sucessória, fundamentalmente por Collor, mas também, em sua versão mais  
civilizada, pelo PSDB. Chasin reexpõe os nódulos essenciais da primeira transição,  
ainda viável, nucleada pelas forças do trabalho que, em sua afirmação defensiva,  
estabeleceriam uma sociedade moldada pelo capital socialmente controlado: 1)  
redefinição positiva das relações internacionais, superando a falsa dicotomia entre  
subsunção a relações subordinantes e reclusão autárquica da economia, pela via da  
redefinição do aparato produtivo; 2) mudança do sistema de produção, eixo central da  
primeira transição: também aqui não se tratava de optar entre as disjunções economia  
exportadora versus economia de mercado interno, e/ou estatismo versus privatismo, e  
sim de desenvolver as forças produtivas de acordo com as necessidades humano-  
societárias, impondo restrições ao capital externo e interno, com vistas a desativar as  
relações desiguais e subordinantes e a superexploração do trabalho, e dessacralizar a  
propriedade privada, iniciando o longo processo de sua substituição pela propriedade  
social; 3) resolução da questão agrária, ultrapassando a estreiteza das propostas de  
reforma agrária estritamente parcelária pela combinação de fórmulas diversas, de  
acordo com cada situação: parcelamento, ajustamento das disposições relativas a  
salário e condições de trabalho, e introdução germinal da propriedade social, nos  
casos em que o parcelamento significasse retrocesso na produtividade ou a  
superexploração do trabalho não pudesse ser desmontada sob a forma privada. Frise-  
se que propriedade social não deve ser confundida nem com propriedade estatal, em  
que o estado é proprietário e gestor da produção, nem com cooperativa, em que os  
trabalhadores são proprietários; trata-se de uma forma de apropriação comunal, em  
que o estado teria somente a obrigação do investimento, cabendo a gestão, mas não  
a propriedade, aos trabalha-dores; deveria distinguir-se pela excelência das condições  
tecnológicas e de trabalho e salário; 4) a globalização do capital e a formação de  
blocos regionais impunham-se como mudanças significativas no panorama das  
relações internacionais, mas, ressalta Chasin, não significavam abolição de fronteiras  
ou supressão das unidades nacionais, nem eliminavam a objetivação de vínculos  
Verinotio  
80 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
desiguais entre elas. Entretanto, nessa nova realidade mundial, mesmo a primeira  
transição só seria viável se desencadeada, não no âmbito estritamente nacional, mas  
sim em um plano ao menos regional, por um bloco centrado em um pequeno grupo  
de países latino-americanos Argentina, Brasil e México que, atravessando todos  
a objetivação do capitalismo pela via colonial, haviam alcançado um nível significativo  
de industrialização e de capacidade produtiva em geral, bem como de experiência de  
lutas sindicais e políticas e de densidade de produção teórica, e poderiam atrair para  
sua órbita as demais nações do subcontinente. Apenas a intervenção da lógica do  
trabalho tornaria viável essa integração latino-americana, possibilitando não apenas  
iniciar a ruptura mas prosseguir pelo caminho da primeira transição, cujo andamento  
repercutiria nos planos continental e internacional, sacudindo a monotonia dos cantos  
de sereia da vitória e eternidade do capital e contribuindo para reabrir, portanto, não  
apenas para si, mas para a humanidade, a alternativa da emancipação humana.  
Se a ausência de uma esquerda real, demonstrada por Chasin pela análise dos  
vários partidos que se reivindicavam essa posição, e de um movimento operário de  
peso limitavam e estreitavam os caminhos que levavam à primeira transição, estes  
entretanto não deixavam de existir. Distinguindo a posição de esquerda alicerçada  
na potência onímoda da lógica do trabalho e perspectivando a superação da  
sociabilidade do capital das posições na esquerda postadas no pólo mais  
progressista no interior da lógica do capital , Chasin esclarece a relação virtualmente  
complementar dos principais partidos de oposição que então concorriam  
PDT, PT, PSDB no que tange tanto a suas bases sociais quanto às  
propostas que cada qual enfatizava, visto que fincavam os pés na esquerda do  
gradiente possibilitado pela lógica do capital.  
Propugnando por uma confluência eleitoral na esquerda já no primeiro turno  
das eleições, Chasin consigna as qualidades de cada um dos partidos, insuficientes,  
em seu isolamento, mesmo apenas para vencer a pugna eleitoral, e com maior razão  
ainda para encaminhar a ruptura com o velho e direcionar os rumos do país pela senda  
do historicamente novo, mas cuja conjunção, pela multiplicação das forças que  
engendraria e pelo potencial de mobilizar e elevar a consciência e a organização das  
massas populares, abriria aquela alternativa. Assim, somar-se-iam: o vigor da proposta  
nacional-popular, defendida por Brizola, com sua ênfase na necessidade de "quebrar  
as pernas" do modelo econômico redefinindo as relações com o capital externo e  
reordenando a produção industrial; a parcela mais combativa do movimento sindical,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 81  
nova fase  
Lívia Cotrim  
representada pelo PT, que vertebraria e especificaria, pela centralidade das demandas  
e da posição dessa classe, a proposta brizolista, ao mesmo tempo que a amplitude  
desta permitiria a superação das reivindicações estritamente corporativas dos  
trabalhadores ou estreitamente político-institucionais do PT; por último, e como a  
parcela mais débil, agregar-se-iam a classe média e parcelas do empresariado nacional,  
representados pelo PSDB.  
A análise chasiniana esclarece, seja negativamente, pela especificação das  
debilidades próprias de cada um desses candidatos, seja positivamente, pela  
clarificação de suas forças e grandezas próprias, que a confluência eleitoral na  
esquerda, efetivada em torno de um programa econômico alternativo e congregando  
a maioria da população brasileira, seria a única chance, ainda que mais frágil do que  
outras já perdidas, de infletir favoravelmente aos trabalhadores o curso da história  
brasileira nos marcos ainda da proposta da "dupla transição", ou seja, da ruptura com  
o processo de objetivação do capitalismo pela via colonial, este já em seus momentos  
finais.  
No momento em que Chasin escrevia esse artigo (meados de 1989), já estava  
fora de dúvidas que a confluência eleitoral na esquerda fora descartada, com  
resultados perversos para as massas populares. Boa parte desse trabalho é dedicada  
à dilucidação das razões que a impediram, iluminando os percalços teóricos e práticos  
das "esquerdas" no Brasil, seja a do pré-64, seja a assim chamada "nova esquerda".  
Perdida em todos os planos aquela eleição, perpetrados os descalabros  
conhecidos durante o exercício da presidência por Collor, desaguando no  
impeachment, desenhou-se pela última vez, embora desta feita com muito menor  
densidade, uma proposição que ecoava a necessidade de ruptura com o historicamente  
velho: Itamar Franco representante mais frágil da mesma tendência de que Brizola  
foi o herdeiro mais robusto reacende o debate econômico sugerindo redirecionar a  
produção industrial para bens de consumo populares. Proposta que,  
compreensivelmente, não encontrou eco entre as facções da burguesia brasileira, nem  
o que pode ser compreendido, mas nunca justificado entre as "esquerdas", de  
sorte que Itamar Franco ficou, como aponta Chasin em A Resistência ao Neoliberalismo,  
paradoxalmente isolado no interior da mais ampla confluência de forças já montada  
na história brasileira, responsável pela deposição de Collor e por sua própria ascensão  
à presidência, com o que também essa ocasião foi, tal como as demais, malbaratada.  
Verinotio  
82 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
A crítica ao politicismo e à analítica paulista  
Indicamos acima que boa parte do artigo A Sucessão na Crise e a Crise na  
Esquerda se volta para a análise das razões que impossibilitaram a confluência eleitoral  
na esquerda, deixando campo livre para que o lento, gradual e seguro trânsito do  
bonapartismo à autocracia burguesa institucionalizada pudesse chegar a seu final. E  
nesse texto que Chasin desdobra mais detalhadamente a crítica a certos ramos da  
analítica paulista as teorias da dependência, do populismo, do autoritarismo e do  
marginalismo. Entretanto, a denúncia de seus limites e das consequências desastrosas  
de seu predomínio, bem como do politicismo, no âmbito das esquerdas, data dos  
primeiros trabalhos incluídos neste volume.  
A burguesia forjada pela via colonial é politicista por força de sua atrofia, de  
sua impossibilidade, tanto maior quanto mais avança em sua objetivação, de alcançar  
a completude e a autonomia; incapaz de propor alterações superadoras do  
historicamente velho e que integrem as classes subalternas, forceja por separar os  
planos político e econômico, resguardando as definições sobre o último à esfera  
restrita de seu próprio círculo, e constituindo o primeiro sob forma autocrática. A  
medida que amadureceu historicamente, a burguesia passou a utilizar conscientemente  
o politicismo como tática política, restringindo o debate público às mudanças  
institucionais, a fim de garantir a imutabilidade do plano econômico e, por esse meio,  
seu projeto global.  
Entretanto, as constantes vitórias que as forças do capital vêm obtendo desde  
o golpe militar de 64 não se devem somente a seus próprios méritos em levar adiante  
esta tática, mas fundamentalmente à subordinação das oposições a ela. Chasin vem  
chamando a atenção para este fenômeno desde 1977, quando publica A Politicização  
da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico. Assumindo uma posição politicista,  
restringindo sua discussão ao plano estritamente político, as oposições vêm sendo  
arrastadas ao campo ideológico da burguesia. Desligando-a e autonomizando-a  
arbitrariamente em relação ao metabolismo social em que mergulha suas raízes, a  
esfera política é ao mesmo tempo hiperacentuada e esvaziada de seus significados  
concretos, de sorte que, ao tomar as formas político-institucionais como o plano  
privilegiado da discussão, e desconsiderar os fundamentos socioeconômicos da  
ditadura, as oposições são de antemão derrotadas. Essa derrota se evidencia desde o  
início da ditadura militar pelo abandono do debate, que marcou o período pré-64, em  
torno de projetos econômicos, e se torna mais clara pela ausência de crítica à  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 83  
nova fase  
Lívia Cotrim  
organização produtiva que gerou o "milagre", silêncio ainda mais estridente quando  
este mostra os sinais inequívocos de seu esgotamento.  
À época em que o texto supracitado foi produzido, as forças oposicionistas  
tinham como campo legal de atuação política, no interior do sistema bipartidário  
imposto, apenas o MDB. Que este, composto majoritariamente por representantes de  
segmentos da própria burguesia, não escapasse do politicismo próprio dessa classe  
não é fenômeno que possa espantar. Entretanto, lembramos que, sob a bandeira do  
MDB, agrupavam-se também individualidades que se pretendiam associadas a uma  
perspectiva mais generosa. É primordialmente a estas que Chasin se dirige, e é o seu  
politicismo que causa espécie.  
Em Conquistar a Democracia pela Base o problema vem novamente à tona, no  
que se refere especificamente à ausência de uma avaliação crítica do "milagre"  
econômico, diante de cujo "sucesso" tanto as forças mais generosas da oposição legal  
quanto as da oposição clandestina se mostraram perplexas, incapazes de compreender  
tanto seu fracasso geral quanto seu fracasso restrito, bem como de encaminhar uma  
crítica global à ditadura, malgastando suas forças no campo delimitado pelo próprio  
inimigo.  
Também já nestes primeiros textos Chasin menciona o predomínio das teorias  
da dependência e do populismo como óbices seja para a apreensão da realidade, seja  
para o encaminhamento de uma ação prática eficiente de combate à ditadura,  
indicando que a primeira "desarmou para a compreensão do imperialismo", e a  
segunda para as "concretas equações políticas". De sorte que esses braços de um  
conjunto teórico que, anos mais tarde, abrangeu sob a denominação de "analítica  
paulista" aparecem já aqui em estreita vinculação com o politicismo, componente  
significativo daquelas teorias.  
À reemergência do movimento sindical a partir de 1978, centrado no combate  
ao arrocho salarial e desnudando, assim, um dos pilares básicos do ordenamento  
econômico da ditadura, ao tempo que evidenciava o laço indissolúvel e determinante  
entre os planos socioeconômico e político, despertou a esperança de que "aqueles que  
tentam, há 15 anos, reinventar o mundo", os que buscaram "apagar com esponja de  
conceitos vesgos" a realidade do anos 45-64, sairiam finalmente de foco. Entretanto,  
lastimavelmente não foi o que ocorreu. Ao contrário, o próprio movimento operário  
nascente foi, em curto tempo, engolfado e instrumentalizado pelo politicismo e pela  
analítica paulista, em sua versão já mais rebaixada. E o veículo desse processo foi, não  
Verinotio  
84 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
os representantes da situação, nem apenas os antigos integrantes do velho MDB, mas  
o partido que nasceu da necessidade da própria classe trabalhadora de ir além do  
movimento sindical, restrito à defesa de interesses corporativos, e alcançar a condição  
de movimento operário o PT.  
O descompasso entre a vitalidade do movimento dos trabalhadores e a  
fragilidade das teorias predominantes sobre a realidade brasileira já se fazia sentir ao  
longo da campanha salarial de 1980, e em 1982 já se consolidara o suficiente para  
causar o refluxo do movimento sindical e mergulhar o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores no mesmo politicismo que caracterizara as oposições antes de 1978.  
Daí para frente, o PT vem perdendo substância, na medida em que se torna  
representante e espaço privilegiado da chamada "nova esquerda", ou esquerda não  
marxista, herdeira do politicismo e das teorias do populismo, da dependência e do  
autoritarismo, que enformam suas análises e sua prática política, restritas ambas,  
assim, aos limites próprios do capital. Ou seja, a debilidade, detectada por Chasin em  
Luís Inácio da Silva, de desconsiderar a necessidade de independência ideológica, e  
não somente organizacional e política, dos trabalhadores aprofundou-se não apenas  
na figura do ex-líder sindical, mas engolfou o partido, ou talvez fosse mais correto  
dizer que aquele subordinou-se à falta de independência ideológica que marcou o PT  
desde suas origens.  
Os artigos de Chasin acompanham a trajetória dessa agremiação desde sua  
formação até suas manifestações mais recentes. Em todos os momentos cruciais da  
história brasileira, as posições tomadas pelo PT têm sido marcadas pelo politicismo,  
de modo que um partido nascido das necessidades da classe trabalhadora, e  
pretendendo superar os equívocos da esquerda tradicional, descendeu à condição de  
esquerda meramente nominal, ou, mais especificamente, de fantasma da esquerda  
ausente.  
A fim de não alongar por demais esta apresentação, aludimos aqui somente a  
alguns textos em que esta problemática aparece de modo mais desdobrado, e com  
referência a momentos extremamente significativos.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro, Chasin mostra que,  
independentemente dos resultados numéricos, aquelas eleições já estavam de  
antemão perdidas para os trabalhadores, enquanto instrumento para derrotar a  
ditadura, graças à sua politicização, levada a cabo por iniciativa do sistema e pela  
submissão ideológica das oposições. Ignorando a necessidade de solapar a ditadura  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 85  
nova fase  
Lívia Cotrim  
em suas bases pela crítica da organização produtiva que a sustentava e  
consequente proposição de um programa econômico alternativo da perspectiva do  
trabalho , as esquerdas "desembocam na condição de colaboracionistas da  
politicização das eleições", e portanto colaboracionistas do processo de auto-reforma  
da ditadura, em direção à institucionalização da autocracia, determinada como a  
legalização da negação da democracia. Enquanto, como já dissemos, a situação utiliza  
conscientemente o politicismo como tática para garantir a manutenção de seu nódulo  
central o ordenamento produtivo , as oposições, subsumindo-se ao politicismo,  
"afastam a questão econômica para 'garantir as eleições' e 'conquistar a democracia'.  
Com o que confundem e desarmam, desorganizam e desmobilizam o movimento de  
massas".  
Este, pondo-se na prática à frente dos partidos, ferira o cerne da ditadura: o  
arrocho salarial, e com ele pusera em xeque toda a base econômica daquela, portanto  
sua própria existência. As oposições partidárias, inclusive o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores, não souberam, entretanto, sintetizar os interesses sociais e econômicos  
da maioria da população brasileira, e levar às eleições a perspectiva delas. Ao  
contrário, voltadas às lutas estritamente políticas, abandonam o movimento operário,  
e tratam mesmo de o brecar, na suposição de que este poderia gerar tensões que  
viessem a impedir ou obstaculizar a "abertura" política e a "conquista da democracia".  
Após seu refluxo, as oposições canalizaram-no para as eleições, convertendo o  
movimento de massas em "pletora dos eleitores da massa". Em suma, e nas palavras  
de Chasin, "em vez de levar às eleições a perspectiva das massas, levaram às massas  
a perspectiva das eleições", politicizando-as; adiando a luta por um programa  
econômico de transição democrática, afastaram e desmobilizaram as massas, e,  
paradoxalmente apenas para as próprias oposições, não alcançaram reverter o  
processo de auto-reforma do bonapartismo.  
Embora a crítica ao politicismo recaia sobre todos os partidos de oposição,  
incide mais fortemente sobre aquele que pretendia ser o representante de uma  
novidade histórica: o PT, determinado como o "encontro infeliz entre o melhor do  
movimento operário do pós-64" e um "produto ideológico de baixa qualidade",  
"resíduo da crise ideológica de nossos tempos", que configura um "salto ideológico  
para trás", recusando a razão e a história "e, em última análise, o próprio proletariado",  
redundando numa sorte de liberal-radicalismo. Resulta daí uma obsessão pelas formas  
de organização e procedimento, já que, assumindo uma concepção basista e  
Verinotio  
86 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
espontaneista, supõe que o conteúdo seria secretado pelas próprias massas, eximindo-  
se da responsabilidade de reconhecer e suprir as carências, manifestadas pela classe  
trabalhadora, de orientação e esclarecimento.  
A negatividade dessa concepção fez sentir seu peso desde os primórdios da  
formação do PT, levando a greve de 1980 "ao impasse e à derrota", e chegando, em  
82, a uma campanha eleitoral sem a vertebração de um programa econômico de  
transição democrática, de cuja necessidade nem sequer suspeita, desvinculada do  
movimento de massas, não escapando da inversão acima apontada de levar a este a  
perspectiva das eleições. "O PT sucumbiu quando, posto entre viabilizar-se pela rota  
do movimento de massas ou através da via eleitoral, não soube articular os dois,  
embaraçando-se no jogo eleitoral e sucumbindo a este", de sorte que, em seu  
nascedouro, contribuiu para manter um traço negativo da história dos movimentos de  
massa no Brasil: sua subordinação à ideologia burguesa pelos partidos que pretendem  
representa-los.  
Três anos depois, derrotado o movimento de 1984 pelas eleições diretas para  
a presidência, derrota devida, novamente, à continuidade do politicismo, vem à luz a  
assim chamada "Nova República", com a eleição indireta de Tancredo Neves e, dada  
sua morte inesperada, a ascensão de José Sarney à presidência; nessa ocasião, em A  
Esquerda e a Nova República, Chasin volta a tratar da subordinação ideológica das  
esquerdas, ampliando significativamente a análise ao abordar sua gênese histórica,  
lançando luz, assim, sobre as determinantes daquela subordinação, relacionadas à  
incompletude de classe do capital.  
Diferentemente dos países em que o capitalismo se objetivou pela via clássica,  
revolucionária, nos quais a esquerda nasceu contra a figura integralizada, material e  
espiritualmente, da burguesia, no Brasil e nos demais países em que a objetivação  
capitalista se deu pela via colonial, sem qualquer tipo de revolução, em que o capital  
e a burguesia são incompletos e incompletáveis, a esquerda nasceu em face de um  
inacabamento; diante deste, desconhecendo a especificidade da burguesia e do  
capitalismo brasileiros, e portanto não atinando para as tarefas que esta demandaria,  
a esquerda se converte em empreiteira do acabamento do capital, acreditando em sua  
necessidade e possibilidade. Com o que se submete "aos nexos mortos do que fora a  
lógica do capital concluso", "à lógica extinta do ideário liberal".  
Presa a esses nexos, a esquerda tradicional oscilou entre o revolucionarismo  
abstrato e o ativismo caudatário, assentado este último na crença na conclusibilidade  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 87  
nova fase  
Lívia Cotrim  
do capital, e tomando a forma teórica do economicismo; enquanto a nova esquerda se  
mantém a braços com a defesa do democratismo e a crítica ao autoritarismo, fundada  
na crença na totalização do poder liberal ininstaurável, expressa pelo politicismo e  
participacionismo. Ambas, pois, empenhadas em completar, em níveis distintos, um  
capitalismo incompletável.  
A crença na vontade, tomada como fundante do ato político, é o traço que hoje  
as une na confluência pela democracia, de modo que nenhuma das vertentes da  
esquerda organizada oferece alternativa à política econômica, descaindo todas para a  
vala comum do politicismo.  
De sorte que, se no Brasil o capital é incompleto, o trabalho também não se  
integralizou; entretanto, se o primeiro é incompletável, o mesmo não ocorre com o  
segundo. Mas iniciar sua integralização exige a ultrapassagem do universo teórico do  
capital e a compreensão de que se trata, não de buscar finalizá-lo, em qualquer nível,  
mas de principiar sua desmontagem. E o que a esquerda organizada brasileira jamais  
compreendeu, e é o que a tornou incapaz de oferecer alternativas concretas e  
aproveitar as oportunidades históricas.  
Em A Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda, Chasin retoma a investigação  
das raízes históricas e teóricas dos partidos especialmente PT e PSDB , que,  
ocupando posições de radicalidade no arco do capital, transgrediram a lógica de  
realidade e suas próprias funções partidárias ao se negarem à confluência eleitoral na  
esquerda.  
Uma vez que a esquerda tradicional, pela crença na possibilidade de alcançar  
um capitalismo nacional autônomo, desemboca em um ativismo caudatário centrado  
na defesa da aliança de classes, a reação a tais práticas, iniciada nos entornos do golpe  
de 64 e fundada na exigência de recuperar a radicalidade operária, incidirá,  
fundamentalmente, em dois núcleos problemáticos: a crítica à busca de um capitalismo  
nacional autônomo, implicando o reexame do desenvolvimento brasileiro, em especial  
em suas relações com o imperialismo, e a crítica à política de aliança de classes, vista  
como responsável pela submissão da classe operária às finalidades burguesas.  
Entretanto, a questão central que mobilizou a reação a busca da radicalidade  
operária , questão que só faz sentido na esfera da esquerda e só pode ser resolvida  
no âmbito do marxismo, foi respondida com a incorporação de um conjunto de  
conceitos oriundos do ideário liberal, consubstanciados nas teorias da dependência,  
do populismo, do autoritarismo e do marginalismo, recuando a resposta para o interior  
Verinotio  
88 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
do arco político do capital.  
Traço comum ao que Chasin denomina ironicamente, neste artigo, de  
"quadrúpede teórico", base da reflexão da "nova esquerda" e portanto de seus  
descaminhos práticos, é o seccionamento entre a matriz da produção e reprodução da  
vida humana e a esfera política, que ganha, assim, não apenas autonomia, mas a  
condição de determinante das relações sociais, em outras palavras, o politicismo.  
Construída cada uma de suas pernas como um tipo ideal fundado naquela  
disjunção e tendo por paradigma e objetivo prático a democracia, cujas condições de  
possibilidade não são objeto de investigação, já que é apreendida na forma de seu  
arquétipo liberal, fundado na concepção do "homem justo e racional", o quadrilátero  
teórico em questão desarmou para a compreensão da particularidade brasileira e para  
a visualização do que fora seu próprio impulso inicial: a recuperação da radicalidade  
dos trabalhadores.  
A teoria da dependência, no justificado afã de elucidar a lógica interna da  
formação brasileira, faz desaparecer da análise o nexo da relação desigual entre as  
formações capitalistas, suprimindo, além do imperialismo, a "identidade do capitalismo  
como sociedade erigida sobre a contradição estrutural entre capital e trabalho",  
entendendo-a como "a interatividade dos homens moldada pelo engenho tecnológico,  
cuja feição social passa a ser uma questão política", esfera da qual ficam também  
eliminadas as clivagens de classe. Sobre tal base se erige a secção entre os planos da  
produção da vida material, reduzido aos limites do egoísmo racional, e da política,  
entendido como o âmbito da vontade ativa; é o que sustenta a luta pela democracia,  
identificada, sem mais, à liberdade.  
A teoria do autoritarismo tem por fundamento os mesmos pressupostos: a  
autonomização do âmbito político e o arquétipo liberal da democracia como critério  
de verdade e como finalidade, bases para o enquadramento classificatório do  
totalitarismo a negação absoluta da democracia e do autoritarismo a ausência,  
em graus diversos, porém não absoluta, da liberdade política. Democracia,  
totalitarismo e autoritarismo desvendam-se como tipos ideais estritamente formais,  
incapazes tanto de dizer ou de acolher os conteúdos concretos relativos as formas  
particulares de dominação em cada formação capitalista específica, como de orientar  
quanto às condições de possibilidade de instauração da democracia pretendida.  
A teoria do populismo, por sua vez, oferecendo-se, tal como a teoria da  
dependência, como uma teoria do desenvolvimento do capitalismo brasileiro entre  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 89  
nova fase  
Lívia Cotrim  
1930 e 1964, mas incapacitada, por seus pressupostos os mesmos acima aludidos  
de apreender a particularidade brasileira, supõe ter apanhado a causa da falta de  
radicalidade do movimento operário, num quadro de ausência de hegemonia da  
burguesia industrial, numa suposta "artimanha" o populismo urdida por esta  
para atar a si as massas. Artimanha configurada pela aliança de classes, ou pacto  
policlassista, no interior do qual a classe trabalhadora, manipulada pelo partido ou  
líder "populista", se torna incapaz de reconhecer a clivagem da sociedade em classes,  
substituídas pelos conceitos de povo ou nação e, portanto, pela identidade de  
interesses. A esquerda, por sua vez, teria sido igualmente aprisionada pelo "ardil do  
populismo", reforçando-o e impedindo o desenvolvimento de uma política de classe,  
revolucionária.  
Ora, sendo a aliança de classes entendida como forma em que  
necessariamente o trabalho é manipulado pelo capital a consubstanciação do ardil  
do populismo, o grande vilão a ser combatido, a solução redunda na mera afirmação  
da necessidade da independência política do movimento operário, reduzida à "arte e  
vontade do isolamento". Tanto a problemática relativa à independência teórica dos  
trabalhadores, quanto a questão concreta das alianças e frentes, tão fundamental na  
história brasileira, são totalmente malbaratadas.  
Ao longo de seu desenvolvimento, a teoria do populismo, assim como os  
demais ramos da analítica paulista aqui aludidos, distancia-se da preocupação com o  
resgate da radicalidade operária, para ajustar-se a seus próprios fundamentos: já que  
o "populismo", enquanto período de desenvolvimento capitalista e forma de  
dominação política, é também um tipo ideal construído a partir do arquétipo da  
democracia, esta se torna cada vez mais o horizonte e o objetivo a atingir, e a teoria  
do populismo cede espaço à teoria do autoritarismo para explicar o período pós-64  
quando o "colapso do populismo" dá lugar ao "estado autoritário"  
A teoria da marginalidade, última e mais frágil perna do "quadrúpede", não vai  
além da constatação da existência de uma massa de excluídos, não atinando para a  
necessidade de entendê-la como resultado da impotência do capital atrófico,  
reduzindo, politicisticamente, sua origem ao fracasso de uma política econômica. Não  
percebe que a exclusão é resultado de um modo de objetivação capitalista incapaz de  
integrar, de sorte que a solução desse problema estaria, não na alteração tópica de  
uma política econômica, mas na desmontagem daquela forma.  
A "nova esquerda" é a herdeira dos princípios teóricos destes ramos da analítica  
Verinotio  
90 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
paulista. Em suas vertentes teoricamente mais sofisticadas ou mais rústicas, PSDB e  
PT têm neles o esteio de sua prática política. Prática desarmada para enfrentar tanto  
o desafio de um desenvolvimento nacional balizado pelo progresso social, o que  
implicaria um projeto econômico alternativo que iniciasse a desmontagem da forma  
restringida do capitalismo, quanto o de uma efetiva aliança ou frente que pudesse  
viabilizá-la.  
O PSDB, assumidamente social-democrata, zelando pela "independência"  
política e repelindo o "populismo", configura a versão mais racionalística e tecnocrática  
do politicismo, com sua "megavalorização do partido e culto ao egoísmo racional", e  
anseia pela modernização capitalista, por elevar o país à condição de nação moderna  
e competitiva, racionalmente eficiente, para o que propugna a "boa parceria" com o  
capital metropolitano.  
O PT, embora posto, por seu perfil prático e ideológico, "na radicalidade política  
do capital", permite-se conviver com "a condição fantasiosa e hipotética de santuário  
possível da radicalidade do trabalho", tornando-se o "fantasma idolatrado da esquerda  
ausente". Originado do encontro entre a combatividade sindical de fins dos anos 70 e  
os representantes e a teoria do quadrilátero teórico mencionado, submerge no  
politicismo. Seu extremismo, que não ultrapassa o âmbito da radicalidade subjetiva,  
do voluntarismo, consubstanciado na "revolução dos procedimentos" e no  
participacionismo, expressões da radicalidade burguesa em sua forma plebéia, ressoa  
tanto mais radical pela ausência, no Brasil, da radicalidade burguesa propriamente  
dita, de sorte que o PT, na qualidade de fantasma da esquerda ausente, pode se  
"embrechar no oco político do capital atrófico, assumindo as vestes da esquerda sem  
abandonar sua posição na esquerda".  
Não tendo jamais aludido a um programa econômico alternativo, o PT  
desenvolve uma crítica moralista contra as "injustiças da riqueza" e a "ganância",  
redundando na proposição de um capitalismo "mais justo" e "honesto", realizável por  
atos de vontade política, com o que "sucumbe ao ardil de completar o sistema do  
capital, sob a peculiaridade do compromisso com o distributivismo". Este, conforme já  
mencionamos, fundamenta-se na desconsideração do vínculo determinante entre a  
produção e a distribuição, de sorte que propugnar por uma melhor distribuição de  
renda sem tocar nas alterações da produção que isso demandaria, assentando sua  
possibilidade apenas na vontade política, é não apenas inócuo como confunde e  
desmobiliza os trabalhadores. De sorte que o PT, "de negação de um projeto de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 91  
nova fase  
Lívia Cotrim  
esquerda, se converte em obstáculo principal até para uma solução eleitoral na  
esquerda".  
Diferenciando-se fortemente tanto do PSDB quanto do PT, Chasin destaca a  
figura de Leonel Brizola. Destaque que se impõe, de imediato, pelo seu apelo, ao qual  
PT e PSDB não deram ouvidos, de uma aglutinação das forças progressistas, apelo  
que fez desde o início da campanha sucessória e manteve até seu final. Tanto sua  
insistência na confluência eleitoral quanto a negação dela pelos demais partidos na  
esquerda decorrem da consistência e dos méritos históricos e políticos de Brizola, os  
quais constituem "parte essencial da matéria prima desfigurada pela teoria do  
populismo". Brizola é o herdeiro mais radical das batalhas do pré-64, travadas em  
torno do duplo desafio que se põe desde 1930: "entificar o verdadeiro capitalismo (o  
capitalismo industrial) e assimilar à ordem nascente multidões cada vez maiores". A  
teoria do populismo sequer atinou para essa questão de fundo, restringindo-se  
politicisticamente a apanhar pela superfície apenas a manifestação política mais tópica  
dela.  
O resultado do processo de objetivação do capitalismo industrial, desenvolvido  
entre os anos de 1930 e 1990 "uma sociedade urbano-industrial incontemporânea  
e excludente", não deve empanar a descontinuidade efetiva real e ideológica que  
atravessa essas seis décadas, especialmente quando se trata do desafio da integração  
social, a respeito do qual o gradiente vai do "abandono e desprezo furioso pela  
questão até sua elevação a critério político básico". Brizola se tornou a expressão mais  
radical da vertente, gestada no âmbito das lutas em torno dos dois pólos daquele  
desafio, que se distancia do projeto de capitalismo nacional autônomo e passa a  
enfatizar a integração social, ou seja, toma o progresso social como princípio  
ordenador do desenvolvimento, ou como critério de identificação nacional. E é como  
tal que apresenta sua candidatura, buscando "retomar o fio condutor atalhado por 64",  
atualizando a "plataforma política de identificação nacional centrada no estatuto  
popular, ou no progresso social". Seus traços mais nítidos são as propostas de  
redefinição das relações económicas externas e reordenamento do aparato capitalista  
interno, responsabilizados pela produção da miséria e denunciados em sua crise  
terminal. E no que se constitui a plataforma popular-nacional, que, não projetando  
para além do capital, é também, e assumidamente, uma plataforma na esquerda, e não  
de esquerda. Assim como não mistifica sua plataforma política, também não incorre,  
diferentemente de PT e PSDB, na mistificação do partido.  
Verinotio  
92 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
O caráter nacional-popular de sua plataforma, a não mistificação do partido e  
sua capacidade de liderança são alvos da "crítica do populismo", que não vê aí nada  
além da suposta substituição das contradições de classes pela nação, e do partido  
pela relação direta entre o líder e a massa. Tal tipo de crítica manifestou-se ao longo  
de toda a campanha, e fundamentou a não aceitação da confluência eleitoral na  
esquerda, garantindo, assim, a vitória de Collor representante da continuidade do  
projeto da ditadura militar e da associação subordinada ao capital externo e  
deixando passar a última oportunidade para iniciar a primeira transição, da qual a  
plataforma de Brizola se aproximava, embora não tivesse os pressupostos ou a  
intenção de abrir caminho para a superação do capital.  
Perdida esta oportunidade, pela miopia das esquerdas organizadas,  
especialmente do PT (que, enquanto partido que se propõe representar os  
trabalhadores, tinha a responsabilidade maior de pôr os interesses destes em primeiro  
lugar), a história que passamos a viver possui já outras características, que tornam  
inviável o caminho da dupla transição.  
E isso fundamentalmente porque, dadas tanto as condições internas ao país  
quanto o avanço da mundialização do capital, a internacionalização econômica  
subordinada foi definitivamente imposta, alterando todo o perfil estrutural do Brasil,  
pela finalização de um processo que, frise-se novamente, vem se pondo desde 30,  
mas não se constituiu como fatalidade. Se o seu resultado é este que vivenciamos,  
devemo-lo não apenas aos méritos das forças que o impulsionaram, mas em grande  
medida aos deméritos e incapacidades daquelas que deviam e podiam tê-lo inflectido.  
O encerramento da via colonial  
O entendimento da situação atual do Brasil, bem como o dos passos que  
conduziram a ela, supõe a compreensão do processo histórico das últimas sete  
décadas, e mais especificamente, do período 1930-1990, ao longo do qual o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
Consignamos acima a tensão em torno da qual se deram as lutas por aquela  
entificação. E importante atentar para os dois elementos aí presentes: a existência de  
choques entre propostas distintas de encaminhamento da industrialização (sem  
mencionar as tendências anti-industrialistas que, embora derrotadas, não deixaram de  
influenciar o processo posterior, já que sua derrota não se deu por via revolucionária.  
e sim pela conciliação), e o duplo desafio a que tais propostas buscaram responder:  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 93  
nova fase  
Lívia Cotrim  
entificar o capitalismo industrial e integrar a massa da população trabalhadora.  
Se atentamos para esse duplo desafio e para os diversos momentos desse  
andamento longo e contraditório, salta à vista que a tendência mais forte, determinada  
pela própria dinâmica da via colonial, era a efetivação da industrialização subordinada  
ao capital externo, o que implicava a "resolução" da questão agrária pela manutenção  
de sua estrutura básica forma e objetivos da produção e a necessidade da  
superexploração do trabalho, bem como as dificuldades assim antepostas à  
integralização da classe trabalhadora. Entretanto, que esta era apenas uma das  
tendências objetivamente presentes, que não havia qualquer fatalidade no curso da  
história, também se torna claro pela diversidade de respostas intentadas: desde as  
posições assumidas pelos setores dominantes da burguesia, que desnudavam sua  
atrofia, incapacidade e inapetência para o desenvolvimento de uma industrialização  
que integrasse as massas trabalhadoras, passando pelas manifestações práticas destas  
que, independentemente do nível de clareza alcançado por elas a respeito de sua  
própria situação, iluminavam as transformações socioeconômicas que suas  
necessidades exigiam e sua condição de único sujeito histórico capaz de as realizar,  
até as propostas, de graus de radicalidade distintos e apresentadas por setores  
societários diversos, que buscavam responder aquele desafio a partir de uma  
perspectiva mais generosa.  
As esquerdas organizadas, tanto a esquerda nominal do pré-64 quanto a  
pseudo-esquerda atual, se mostraram incapazes de apreender esta realidade,  
sucumbindo, como já indicamos, à veleidade de completar o capital, seja pelo nível  
econômico, seja pelo nível político. Essa incapacidade deita raízes num conjunto  
complexo de determinações: o caráter atrófico do capital e da burguesia brasileiros,  
que obstaculiza objetiva e subjetivamente a integralização das forças do trabalho, o  
desconhecimento e múltiplas distorções da obra marxiana, que as esquerdas  
brasileiras partilharam com a esquerda mundial, e o desenvolvimento da analítica  
paulista, dominante na reflexão nacional ao longo das últimas décadas, que tergiversou  
e acabou por eliminar até mesmo a simples menção aquele desafio e às lutas que  
gerou, contribuindo não pouco para a forma particular pela qual se deu a morte da  
esquerda no Brasil e para a vitória da tendência de desenvolvimento própria da via  
colonial. O encerramento desta é, pois, antes de mais nada, a finalização do processo  
de objetivação subordinada do capitalismo industrial.  
Em 1994, quando da eleição presidencial que assegurou a vitória de Fernando  
Verinotio  
94 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
Henrique Cardoso, o quadro internacional, e por decorrência o nacional, já era bastante  
distinto daquele configurado em 1989. Em O Poder do Real, Chasin delineia os  
contornos do novo panorama, balizado pela mundialização do capital. A  
universalização das relações dos homens entre si sob a égide do capital, portanto sob  
a forma da alienação, é a realização de uma tendência intrínseca ao capitalismo, já  
detectada por Marx há um século e meio: a globalização é a atualização da lógica do  
modo de produção capitalista a extensão planetária da acumulação ampliada de  
capital, impulsionada e exigida pelo desenvolvimento das forças produtivas. Como os  
anteriores momentos de inflexão no percurso dessa forma societária, também este traz  
consigo modificações em todos os âmbitos da vida humana.  
É fundamental ter em mente, como indica Chasin7, que "a determinação  
estruturante da sociabilidade provém das forças produtivas", de sorte que o  
desenvolvimento destas "ocasiona mudanças na organização do trabalho e na  
apropriação dos produtos, ou seja, na propriedade privada". O desenvolvimento sem  
precedentes das forças produtivas portanto das capacidades genéricas da  
humanidade e a quebra das barreiras à circulação do capital em todas as suas  
formas compõem o perfil da fase que estamos vivendo, a qual não realiza apenas uma  
"nova etapa da acumulação capitalista, mas, na vigência da ordem do capital e de suas  
contradições, se manifesta uma nova forma de existência humana".  
Nessa "nova (des)ordem internacional do capital", "mundo real a ser vivido por  
todos", as antigas formas imperialistas das relações internacionais, conformadas a uma  
escala de produção comparativamente modesta, e de circulação restrita ao âmbito  
bilateral de mercados cativos, são amplamente reconfiguradas. Longe de ser uma  
política, a globalização, pelo desenvolvimento das relações materiais entre os homens  
que está em sua base, expõe mais claramente do que nunca a determinação do estado  
e da política pela sociedade civil; ou, em outros termos, evidencia o estado como  
agente do capital, agente que se esvazia com a perda de muitas de suas anteriores  
funções, nomeadamente aquelas relativas à imposição, por forças extra-econômicas —  
políticas das relações econômicas capitalistas, seja no plano interno seja no das  
relações internacionais. O que não significa o desaparecimento das relações desiguais  
e da subordinação, entre países e no interior de cada um, mas sim uma metamorfose  
em seu modo de existência, que, entre outras consequências, relega ao nível de  
7 Cf. Rota e Prospectiva de um Projeto Marista, in. Ensaios All Hominem I - Tomo III - Política. São Paulo.  
Ad Hominem, 2000.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 95  
nova fase  
 
Lívia Cotrim  
propostas regressivas todos os tipos de nacionalismos, já esgotados e vencidos nas  
distintas variantes sob as quais se manifestou ao longo do século. Pensar a partir do  
nacionalismo é, hoje, pôr-se contra a lógica do movimento histórico, é deixar-se "guiar  
pela lógica esgotada do passado, e não pela perspectiva de futuro".  
Geradora de "contraditoriedades sem precedentes, tanto por seu conteúdo  
quanto pelo gigantismo de seus efeitos", a globalização contém a potencialidade de  
repor na ordem do dia a necessidade de superação do capital, em condições objetivas  
mais favoráveis do que em outros momentos históricos. Resta, no entanto, por  
consubstanciar a subjetividade revolucionária, problema já bastante antigo, cuja  
irresolução não tem sido o menor obstáculo à realização da emancipação humana, e  
que hoje assume também um perfil distinto, dada a evidência de que o operariado  
industrial não se constitui mais na vanguarda do trabalho, e a nova vanguarda ainda  
não se configurou.  
É no quadro desse panorama mundial, extremamente complexo e ainda não  
desdobrado em sua plenitude, e por seu influxo, que o perfil histórico da vida nacional  
cobra novas características, encerrando-se o período iniciado em 1930 pela imposição  
definitiva da integração subordinada ao sistema mundializado do capital. Não se trata  
apenas de mais uma passada na mesma trilha anteriormente percorrida, embora o  
trânsito atual decorra dela, mas sim do fechamento de "um longo ciclo, cujas  
características dominaram a maior parte do cenário brasileiro neste século". Ciclo que  
fica definitivamente para trás, e com ele os contornos específicos dos desafios que  
gerou e das alternativas que abriu. Aquela inserção tornou-se agora uma necessidade  
inelutável (na ausência de condições para uma revolução do trabalho) sob pena de  
enfrentar tragédias humanas ainda mais graves do que as dela advindas. É importante  
ter em mente que o Brasil sempre esteve subordinado à dinâmica do capital externo,  
de sorte que, embora sua integração, nas condições atuais, demande, sem dúvida,  
ajustes e regulagens, não configura uma "reviravolta na essência das coisas". Ou seja,  
considerado o processo formativo do capitalismo brasileiro, o momento atual é "o  
desfecho imanente que perfaz seu pleno acabamento". Esse desfecho, efetivado no  
interior da mundialização do capital, implica o desaparecimento de quaisquer  
possibilidades de desenvolvimento capitalista autônomo, "mesmo como simples  
modernização subordinada, se restrito à dinâmica no interior das fronteiras nacionais";  
se mesmo a "simples modernização subordinada", para se efetivar, exige a integração  
do país ao processo de globalização, é evidente que qualquer alternativa da ótica do  
Verinotio  
96 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
trabalho não poderá ser sequer visualizada se restrita ao âmbito nacional. Se este  
continua sendo palco do "latejamento dos problemas", não mais podemos encontrar  
nele a "dinâmica das soluções".  
Não é ocioso ressaltar mais uma vez que para Chasin "o sistema produtivo  
nacional, desde sempre, encarnou seus perfis e o teor de suas modernizações  
subordinado aos empuxos dos pólos hegemônicos mundiais. Não é diverso o que se  
passa agora, diante da mais radical das revoluções tecnológicas, combinada ao quadro  
da globalização econômica. Todavia, dada a qualidade e a envergadura destas e o  
próprio grau de desenvolvimento material alcançado no país, as margens de manobra  
nos ajustes e seus efeitos possíveis também se diferenciam, ao mudarem de natureza".  
De modo que o "fim da via colonial" se deu em função da ultrapassamento da lógica  
do capital que a enformava, pois esta se realizava no interior de "contornos de uma  
produção de mercadorias ainda delimitada ou de escala relativamente modesta, cuja  
circulação era efetivada, em regra, no âmbito bilateral de mercados mais ou menos  
cativos, sob a regência das potências centrais". Agora, em face da "produção ampliada  
a grandezas sem limites e o intercâmbio comercial elevado ao primado das trocas  
infinitas e superpostas, sem embaraços de fronteiras", "crescer passou a supor a  
capacidade de ocupar nichos na infinitude da malha da produção atualizada, universo  
no qual os mercados interno e externo não mais se distinguem: ao capital social global  
corresponde agora o Mercado Único das trocas levadas ao paroxismo". Trata-se, pois,  
de importante determinação visualizada por Chasin já em 1994, cujos contornos ainda  
não totalmente evidentes alteram de modo fundamental, como já frisamos, a própria  
"dinâmica das soluções".  
Nessas condições, a perspectiva, anteriormente viável, de avançar para além do  
capital pela rota da dupla transição se tornou obsoleta, uma vez que esta pressupunha  
um nível de integração mundial muito inferior, e portanto a possibilidade, já agora  
inexistente, de percorrer ao menos os passos iniciais no caminho da superação do  
capital a primeira transição no âmbito nacional ou regional. Agregue-se ainda  
outro elemento fundamental: assim como a globalização foi a saída para a crise em  
que o capital vinha se debatendo há um quarto de século, o processo mesmo da  
mundialização e a integração do Brasil a ela, alicerçada e possibilitada pelo sucesso  
do Plano Real, bases da candidatura vitoriosa de FHC, significaram também o início da  
superação da longa crise iniciada com o fracasso restrito do "milagre" econômico, vinte  
anos antes. Ou seja, se até então as frações do capital não haviam encontrado o  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 97  
nova fase  
Lívia Cotrim  
caminho para uma nova rodada de acumulação, este agora se abria diante delas (aliás,  
entremostrara-se já em 89, mas a solução aventureira representada por Collor, então  
a única que haviam podido encontrar, adiara sua efetivação). De sorte que essas  
facções não se uniram em torno do vazio (nem muito menos em torno de uma abstrata  
democracia ou de um ainda mais abstrato clamor pela "ética na política") quando da  
deposição de Collor, e mais claramente ainda quando da eleição de FHC, mas  
confluíram em torno de uma nova alternativa, finalmente encontrada, para, de sua  
própria ótica, superar os óbices postos pelos mecanismos do "milagre", geradores da  
crise, e embicar num novo ciclo de crescimento e acumulação.  
A campanha sucessória de 94, realizada sob os novos parâmetros mundiais e  
nacionais, caracterizou-se pela "contenda entre a potência multiforme de FHC e a  
inferioridade polimorfa de Luís Inácio da Silva". Este e o PT evidenciaram a acentuação  
de suas piores debilidades e sua crescente inconsistência ideológica, desprezando os  
critérios objetivos de verdade e agudizando seu "feitio subjetivista" de atuação política.  
Incapazes de compreender a marcha dos acontecimentos, vêm se apegando à defesa  
extemporânea de um nacionalismo regressivo, estreito, reduzido ao estatismo e ao  
corporativismo; verberando contra um suposto complô ideológico neoliberal  
responsável pela globalização, dão as costas ao presente, "não distinguindo a atuação  
material das lógicas de realidade" desenvolvimento tecnológico e mundialização do  
mercado da mera "propositura maquiada de interesses". Ancorados nesse olhar  
regressivo, esquivam-se à efetivação mesmo das tarefas mais imediatas, as de procurar  
as alternativas para a inserção na economia mundializada menos penosas para as  
massas trabalhadoras.  
Em contrapartida, FHC, assumindo sua condição social-democrata, não  
pretendendo transgredir a ordem do capital, nem alimentando quaisquer ilusões nesse  
sentido, estabeleceu sua plataforma e vem efetivando seu governo, sobre a base do  
Plano Real, com vistas à inserção da economia nacional na globalização. Proposta  
coerente com a concepção exposta em toda sua obra sociológica, em que a solução  
para o desenvolvimento brasileiro é cifrada pela associação ao capital externo, sem  
que jamais emerja qualquer alternativa fundada na perspectiva do trabalho. Como  
Chasin explicita, as novas tendências, nacionais e mundiais, vieram ao encontro das  
convicções de FHC, "cujo senso de realidade e pertinência prática" se destacam sobre  
o pano de fundo da inconsistência das "esquerdas" e da veemência da globalização.  
O caráter ilusório de sua convicção de que a solução da miséria e da exclusão sociais  
Verinotio  
98 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
decorreriam da inserção na economia internacional, com a consequente modernização  
tecnológica, controlada e corrigida por um estado igualmente moderno e aperfeiçoado,  
se evidencia e materializa na "derrota honrosa" que vem sofrendo nesse campo.  
O drama da miséria brasileira salta à vista quando consideramos a recorrente  
perda de oportunidades históricas concretas, e mais ainda que um longo período se  
encerrou sem que tenha sido sequer compreendido pela esmagadora maioria das  
individualidades e organizações que pretenderam representar as forças do trabalho.  
Incompreensão que obstaculiza o entendimento do novo período que se abre, e  
decorrentemente a visualização das novas alternativas existentes ou que venham a se  
por.  
Repor no horizonte a revolução social, e desentranhar da realidade os caminhos  
a percorrer em sua direção sintetizam o desafio multiforme a enfrentar. Mas para isso  
é preciso olhar para a frente, para o futuro, e não para trás, para o passado. Pois,  
"quando a esquerda não rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita ocupa o  
espaço e draga as perspectivas: é então que a barbárie se transforma em tragédia  
cotidiana".  
***  
Este volume inclui, ainda, um Apenso Arqueológico, composto de uma série de  
artigos abordando temas diversos, que se estendem dos princípios da década de 60  
aos meados da década de 80.  
Os quatro primeiros artigos deste Apenso datam do período em que Chasin era  
ainda estudante da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. No primeiro  
deles, debruça-se sobre a figura de Jânio Quadros, esboçando-lhe o perfil ideológico  
e o percurso político, pondo a nu o conservantismo e a inconsistência que o  
caracterizaram. Os dois artigos seguintes abordam o movimento estudantil, e nos  
oferecem uma análise que abrange desde os traços essenciais de sua gênese e  
configuração desde 1945, até a avaliação de sua situação naquele momento e a  
determinação de sua tarefa primordial: a luta ideológica. Decorridos quase quarenta  
anos, e em que pesem todas as alterações da realidade, essas análises ainda guardam  
em grande medida sua validade, especialmente na denúncia do isolamento das cúpulas  
em relação à massa do estudantado e na ênfase posta na luta ideológica. E importante  
lembrar que, ainda enquanto estudante, Chasin participou ativamente na luta contra a  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025 | 99  
nova fase  
Lívia Cotrim  
privatização da educação nacional, assumindo a vice-presidência da Campanha pelo  
Ensino Público, ao lado de seu amigo Florestan Fernandes, então presidente.  
O último trabalho desse período é o resultado de uma ampla pesquisa,  
coordenada por Chasin, com vistas à obtenção de dados sobre a situação dos  
trabalhadores rurais, e levada a cabo no Primeiro Congresso Nacional dos Lavradores  
e Trabalhadores Agrícolas, realizado em novembro de 1961, em Belo Horizonte-MG.  
Por este trabalho, é o único autor citado em A Revolução Brasileira, de Caio Prado  
Júnior, a cujo grupo de intelectuais, articulado na Revista Brasiliense, vinculou-se,  
buscando aprimorar a herança positiva de nosso historiador e criticando o dogmatismo  
e sectarismo das facções comunistas, que ironizavam a antevisão do golpe de estado,  
que de fato ocorreria em 64.  
Os demais artigos versam fundamentalmente sobre o movimento dos  
professores, no âmbito do qual Chasin chegou a ocupar a vice-presidência da seção  
nordestina da Andes Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, que  
ajudou a fundar. São textos que avaliam momentos significativos do movimento  
docente, sempre em conexão com o quadro mais amplo da vida nacional, e tendo em  
vista a necessidade para as forças do trabalho, das quais os professores são um  
segmento, da ampliação qualitativa e quantitativa da pesquisa e do ensino.  
A leitura dos materiais incluídos neste Apenso Arqueológico nos mostra, por  
um lado, que a preocupação chasiniana em apreender a realidade brasileira data de  
seus tempos de estudante; e, por outro, nos dá a conhecer sua inserção na política  
estudantil e, mais tarde, no movimento docente. Em ambos os casos, e guardados os  
distintos graus de maturidade pessoal e intelectual, evidencia-se a permanente  
preocupação em exercer uma prática racionalmente orientada para a superação da  
sociabilidade regida pelo capital, prática que o desenvolvimento de seus estudos sobre  
Marx e a mundaneidade contemporânea demonstrou que só pode ser metapolítica.  
Como citar:  
COTRIM, Lívia. O capital atrófico: da via colonial à mundialização. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 60-100, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
100 |  
ISSN 1981 - 061X v. 30 n. 1, pp. 60-100 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.750  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império:  
fundamentos da subordinação financeira  
(1822-1840)  
Brazilian Fiscal Misery and the Imperial Public Fund:  
Foundations of Financial Subordination (18221840)  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende*  
Resumo: O artigo analisa a formação do fundo  
público brasileiro entre 1822 1840,  
Abstract: This article analyzes the formation of  
the Brazilian public fund between 1822 and  
1840, highlighting how the logic of the colonial  
path shaped a fiscally dependent state, oriented  
toward the reproduction of agrarian-commercial  
elites and foreign capital. Despite administrative  
and financial reforms, the Empire did not break  
with the extractivist and anti-national logic.  
Public debt was consolidated as a mechanism of  
spoliation. In the formation of the Brazilian  
state, one can observe the foundations of a  
regressive and rentier structure that persists,  
with high interest payments to public debt  
creditors, low taxation on the wealthy, and  
subordination to financial capital.  
e
destacando como a lógica da via colonial moldou  
um estado fiscalmente dependente, voltado à  
reprodução de elites agrário-comerciais e ao  
capital externo. Mesmo com reformas  
administrativas e financeiras, o Império não  
rompeu com a lógica extrativista e antinacional.  
A dívida pública consolidou-se como mecanismo  
de espoliação. Na formação do estado brasileiro  
é possível observar as bases para uma estrutura  
regressiva e rentista que se mantém, com altos  
juros pagos aos credores da dívida pública, baixa  
tributação sobre os ricos e subordinação ao  
capital financeiro.  
Palavras-chave: fundo público; dívida pública;  
capital financeiro; via colonial; miséria brasileira.  
Keywords: public fund; public debt; financial  
capital; colonial path; Brazilian misery.  
I - Via colonial e miséria brasileira: a particularidade do fundo público brasileiro  
Em A esquerda e a Nova República, Chasin (1985) elucida de forma sintética  
que a miséria brasileira é uma particularização do desenvolvimento do capital no  
contexto do capitalismo de extração colonial. Diferente do capitalismo europeu, que  
passou por um processo histórico de desenvolvimento industrial e consolidação  
burguesa, o Brasil vivenciou um atraso estrutural em sua formação capitalista,  
permanecendo subordinado ao capital hegemônico mundial. Essa condição de  
dependência moldou uma burguesia local que não se estruturou como classe dirigente  
*
Doutor em política social (UnB). Professor da Universidade do Distrito Federal (UnDF) e consultor  
técnico-legislativo  
da  
Câmara  
Legislativa  
do  
Distrito  
Federal  
(CLDF).  
E-mail:  
thiago.rezende@undf.edu.br. Orcid: 0000-0003-4464-0408.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
autônoma, mas sim como intermediária dos interesses do grande capital internacional.  
O resultado é um capitalismo inconcluso, sustentado por formas arcaicas de  
exploração, como a superexploração do trabalho, e por uma modernização que não  
rompe com os pilares da desigualdade social, mas os reforça.  
Essa miséria estruturante da vida social também define os limites da política  
nacional e a configuração do arcabouço estatal, onde tanto a burguesia quanto a  
esquerda organizada operam dentro das margens impostas pelo capital incompleto. A  
classe dominante se alimenta da reprodução dessa miséria, garantindo sua  
sobrevivência a partir da precarização do trabalho e da transferência de riqueza para  
os detentores do grande capital. Já a esquerda, historicamente, oscilou entre uma  
revolução abstrata e uma crença na finalização do capital, sem formular um projeto  
concreto de superação da miséria brasileira. Assim, enquanto o país repete ciclos de  
modernização econômica excludente e instabilidade política, a verdadeira ruptura  
exigiria uma integralização de classe dos trabalhadores, colocando suas necessidades  
e organização como eixo de uma nova política econômica e social.  
A via prussiana foi um processo específico de transição para o capitalismo  
caracterizado pela conciliação entre elementos feudais e burgueses, em vez de uma  
ruptura revolucionária. Diferente das vias clássicas francesa ou inglesa, onde a  
burguesia emergente destruiu as estruturas feudais por meio de revoluções políticas,  
ainda que com acordos pontuais, na Alemanha a modernização econômica ocorreu  
sem a supressão total da aristocracia latifundiária. Nesse processo, o capitalismo se  
desenvolveu de maneira tardia e conciliadora, mantendo a grande propriedade rural e  
incorporando gradualmente elementos da produção industrial. O estado teve um papel  
central, promovendo reformas controladas “pelo alto” para evitar transformações  
abruptas e preservar os interesses das elites agrárias e industriais emergentes,  
resultando em um capitalismo marcado por um desenvolvimento induzido das forças  
produtivas e um caráter político autoritário.  
O caso brasileiro apresenta semelhanças com a via prussiana, as quais foram  
salientadas por Carlos Nelson Coutinho (1974), mas também diferenças significativas,  
as quais foram apuradas e demonstradas por Chasin (1978). Assim como na Alemanha,  
a transição para o capitalismo no Brasil ocorreu sem uma revolução burguesa que  
eliminasse as antigas estruturas de poder. A grande propriedade rural permaneceu  
dominante e se articulou com a modernização econômica de forma gradual e  
conciliatória. Contudo, ao contrário da Alemanha, que se tornou uma grande potência  
Verinotio  
102 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
industrial no final do século XIX, o Brasil seguiu um ritmo ainda mais lento e  
dependente, sendo incorporado ao mercado mundial prioritariamente como  
fornecedor de matérias-primas e produtos agrícolas. Além disso, enquanto a via  
prussiana representou um compromisso entre aristocracia e burguesia industrial  
dentro de uma potência em ascensão, o Brasil permaneceu subordinado aos polos  
centrais do capitalismo, sem consolidar um setor industrial robusto antes da primeira  
metade do século XX.  
A via colonial, proposta por Chasin (1978) como uma adaptação do conceito  
prussiano ao contexto brasileiro (“referencial exemplar”), destaca a transição para o  
capitalismo em países de origem colonial, onde as estruturas herdadas da economia  
mercantil escravista condicionaram o desenvolvimento econômico. Diferente da  
Alemanha, onde havia uma aristocracia feudal que se modernizou sem ser eliminada,  
no Brasil o latifúndio já nasceu integrado ao mercado mundial e permaneceu  
dominante, retardando a industrialização e limitando o protagonismo da burguesia  
nacional. Esse processo manteve a economia voltada para a exportação e consolidou  
um estado que operava como mediador dos interesses das elites agrárias e financeiras,  
sem romper a dependência externa. Assim, a via colonial representa um tipo de  
modernização conciliada em que o novo não apenas paga tributo ao velho, mas se  
submete a ele, impedindo uma transformação estrutural que permitisse uma  
industrialização autônoma e uma inserção soberana no capitalismo mundial.  
O capital industrial é a forma fundamental do capitalismo porque é nele que o  
capital se movimenta de maneira completa através do ciclo (aqui simplificado) dinheiro  
mercadoria (meios de produção e força de trabalho) produção nova  
mercadoria mais dinheiro. Diferente do capital comercial, que apenas circula  
mercadorias, e do capital usurário, que obtém lucro pela exploração de juros, o capital  
industrial é o único que efetivamente gera mais-valor ao transformar matérias-primas  
em produtos acabados. Como resultado, todas as demais formas de capital acabam  
subordinadas ao capital industrial, que impõe suas dinâmicas sobre a economia e a  
sociedade. A consolidação do capitalismo como modo de produção ocorre quando o  
capital industrial se torna dominante, deslocando as formas pré-capitalistas e  
moldando a estrutura social, política e econômica.  
Nos países de via clássica de entificação capitalista, a burguesia comercial e o  
estado desenvolveram, historicamente, uma relação de interdependência, na qual o  
poder estatal muitas vezes funcionou como um instrumento para expandir os  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 103  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
interesses da classe mercantil. Durante o mercantilismo, por exemplo, o estado  
promoveu políticas protecionistas, monopólios comerciais e incentivos fiscais,  
garantindo à burguesia comercial vantagens estratégicas na acumulação de capital. Em  
troca, a burguesia financiava o estado por meio de impostos e empréstimos,  
fortalecendo sua influência sobre a administração pública e a formulação de políticas  
econômicas.  
A política mercantilista desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das  
indústrias nativas, pois os estados adotaram medidas protecionistas para fortalecer a  
produção interna e reduzir a dependência de importações. Entre essas medidas,  
destacavam-se altas tarifas alfandegárias, subsídios governamentais, monopólios  
estatais e restrições às importações de manufaturas estrangeiras, garantindo que a  
demanda interna fosse direcionada para os produtos nacionais. Além disso, o controle  
sobre colônias fornecia matérias-primas baratas e mercados cativos para as  
mercadorias produzidas pelas indústrias locais, estimulando sua expansão. Embora  
esse modelo tenha incentivado a industrialização incipiente em algumas nações,  
também gerou distorções, como a falta de inovação devido à ausência de concorrência  
e a concentração da riqueza nas mãos de elites mercantis aliadas ao estado, já que o  
custo do desenvolvimento industrial era repassado aos trabalhadores tributados e que  
vivenciavam condições de exploração facilitadoras da acumulação de capital, conforme  
Marx (1975) demonstra em sua crítica a List.  
Essa forma de aliança, no entanto, começou a se tensionar à medida que a  
burguesia industrial emergiu como uma nova força econômica e política, reivindicando  
maior liberdade de mercado e um estado menos intervencionista, o que culminaria em  
conflitos políticos, como as revoluções burguesas do final do século XVIII e início do  
XIX.  
A industrialização tardia está intimamente ligada à forma política dos estados  
que a vivenciam, pois, ao contrário dos países que passaram por revoluções burguesas  
clássicas, esses processos ocorrem sob forte presença de estruturas sociais e políticas  
pré-capitalistas, exigindo soluções conciliatórias entre o novo e o velho. Nessas  
formações, como na Alemanha de Bismarck, na Itália pós-unificação e no Japão Meiji,  
o desenvolvimento industrial foi conduzido “pelo alto”, com um estado forte  
promovendo reformas que garantiam a modernização econômica sem permitir grandes  
rupturas políticas. Isso frequentemente resultou em regimes autoritários, repressivos  
e corporativos, pois a burguesia nacional, incapaz de liderar uma transformação  
Verinotio  
104 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
democrática, aliava-se às elites agrárias e militares para manter a ordem social  
enquanto impulsionava o crescimento industrial. A industrialização tardia  
frequentemente gerou formas políticas conservadoras e centralizadoras, que tentavam  
equilibrar a necessidade de modernização com a preservação das hierarquias sociais  
tradicionais.  
A dependência externa na particularidade brasileira manifesta-se historicamente  
pela subordinação da economia nacional ao mercado internacional, estruturada desde  
o período colonial na lógica agroexportadora. Esse vínculo externo condicionou o  
desenvolvimento capitalista do país, restringindo a diversificação produtiva e  
mantendo a necessidade de importação de bens manufaturados e tecnologia. No  
século XX, mesmo com a industrialização impulsionada pela crise do modelo  
agroexportador, a dependência persistiu na forma de endividamento externo, controle  
de setores estratégicos por capitais estrangeiros e vulnerabilidade às oscilações do  
capitalismo global. Esse quadro impediu a formação de um capitalismo autônomo e  
reforçou a posição periférica do Brasil na divisão internacional do trabalho.  
No mercantilismo e no imperialismo, o estado nos países de via clássica do  
capitalismo desempenhou um papel ativo na defesa dos interesses da burguesia  
nacional, promovendo a acumulação primitiva de capital, protegendo mercados e  
assegurando a expansão imperialista. Desde o século XVI, adotou políticas  
protecionistas e expansionistas que favoreceram a industrialização e consolidaram o  
poder econômico das classes dominantes. Em contraste, nos países de capital atrófico  
e inserção subordinada no mercado mundial, como o Brasil, o estado atuou  
predominantemente como mediador da dependência, garantindo a reprodução das  
relações assimétricas com os centros capitalistas. Em vez de impulsionar uma  
acumulação interna robusta, manteve a economia voltada para a exportação de  
produtos primários e para a captação de investimentos estrangeiros, limitando a  
autonomia da burguesia local e reforçando a condição periférica dessas formações  
sociais.  
Dilucidar o caráter particular e específico do estado brasileiro erigido pela via  
colonial é interessante para compreender os desafios contemporâneos impostos pela  
financeirização e os limites da ação fiscal do estado. O modelo tributário primitivo  
estabelecido durante a colonização tinha como princípio central a extração de riquezas  
para atender aos interesses da metrópole, sem preocupação com o desenvolvimento  
interno ou a equidade na distribuição da carga tributária. Esse traço estrutural  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 105  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
permaneceu ao longo da história, gerando um sistema fiscal regressivo, onde os  
tributos indiretos incidem desproporcionalmente sobre as camadas mais pobres,  
enquanto grandes fortunas e rendas financeiras são pouco tributadas. Com a ascensão  
da financeirização, o estado brasileiro passou a atuar prioritariamente como garantidor  
da valorização do capital financeiro, restringindo sua capacidade de investimento em  
políticas públicas e aprofundando desigualdades.  
A formação fiscal do Brasil, desde os tempos coloniais até os primeiros anos  
do Império, revela uma trajetória marcada pela continuidade de práticas extrativistas,  
dependência externa e privilégios concentrados nas mãos de uma elite agrário-  
escravista. Longe de representar uma ruptura com a lógica colonial, a Independência  
de 1822 e a estruturação do estado imperial consolidaram mecanismos de  
subordinação econômica que já estavam em curso, agora sob a roupagem de uma  
soberania formal. Este texto analisa, a partir de dados históricos, documentos oficiais  
e interpretações críticas, como o sistema fiscal brasileiro foi concebido em seus  
primeiros passos para sustentar os interesses das classes dominantes locais e do  
capital estrangeiro, em detrimento da construção de um projeto nacional autônomo. A  
chamada miséria fiscal brasileira não é fruto de improvisos ou ineficiências  
administrativas, mas expressão concreta de um modelo de estado moldado para gerir  
a dependência e tentar preservar os privilégios herdados da ordem colonial.  
II - Economia de extração e miséria fiscal durante a formação do estado  
brasileiro no I Reinado  
O sistema fiscal durante o período colonial foi marcado pela exploração  
econômica, arbitrariedade na cobrança de tributos e privilégios para a elite agrária. A  
tributação tinha caráter extrativista, visando a maximizar a arrecadação para a Coroa  
portuguesa sem considerar a capacidade contributiva dos colonos como realmente  
se espera de uma colônia. A diversidade de impostos, como o Quinto, a Dízima e os  
direitos alfandegários, refletia a ausência de um planejamento estruturado, resultando  
em uma carga tributária pesada e desigual. A arrecadação era frequentemente  
corrompida por donatários e funcionários fiscais, o que agravava a ineficiência do  
sistema. A dependência da economia colonial das exportações e a ausência de uma  
estrutura produtiva interna consolidada perpetuaram um modelo fiscal que beneficiava  
poucos e sobrecarregava a maioria da população, especialmente os pequenos  
produtores e escravizados.  
A abertura dos portos em 1808 marcou o início de um novo ciclo econômico  
Verinotio  
106 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
no Brasil, impulsionando significativamente o comércio exterior. Entre 1812 e 1822,  
observou-se um expressivo aumento nas exportações e importações, refletindo o  
impacto direto da liberdade comercial sobre a economia nacional. Mesmo com a  
desvalorização da moeda que poderia relativizar os valores nominais , os dados  
demonstram que o crescimento do intercâmbio foi efetivo, indicando um verdadeiro  
processo de integração do Brasil ao mercado internacional (PRADO JR., 2008).  
A sociedade brasileira passou a consumir muito mais do que era capaz de  
produzir internamente. Esse descompasso levou a um desequilíbrio estrutural na  
balança comercial, com o Brasil acumulando déficits quase constantes entre 1821 e  
1860. A situação era ainda mais grave do que os números indicavam, pois não incluíam  
os altos custos com a importação de pessoas escravizadas, que drenavam recursos e  
agravavam o desequilíbrio. O país, antes economicamente modesto, passou a  
depender de importações em larga escala sem contar com uma base produtiva interna  
capaz de sustentar esse novo padrão de consumo.  
Para compensar os déficits crescentes, o Brasil recorreu intensamente ao capital  
estrangeiro, principalmente britânico, através de empréstimos públicos. Essa solução  
paliativa aumentou a dependência externa e impôs à economia nacional o peso de  
juros, dividendos e amortizações, comprometendo parte significativa das receitas do  
estado, conforme veremos a seguir. A consequência direta foi a fuga do ouro e o  
esgotamento das reservas metálicas, substituídas por moedas de cobre desvalorizadas  
e um papel-moeda instável, que agravava ainda mais o quadro inflacionário e impedia  
a formação de um sistema monetário sólido. Esse ciclo de endividamento e fragilidade  
financeira marcaria profundamente a economia brasileira ao longo do século XIX.  
Ainda em 1812, documento elaborado por Manoel Jacintho Nogueira da Gama  
(Marquês de Baependy) descrevia a caótica e crítica situação financeira do país que  
ainda figurava como colônia portuguesa. De acordo com Gama (1851), havia uma  
grave crise financeira do Real Erário, com atrasos nos pagamentos das repartições  
públicas civis, eclesiásticas, militares e da marinha. Ele destacava a impossibilidade de  
quitar empréstimos e letras de câmbio nos prazos de vencimento, além da  
dependência do Banco do Brasil, que foi forçado a realizar operações acima de sua  
capacidade, colocando-o em risco de falência (liquidação que eventualmente ocorreria  
em 1829).  
Medidas emergenciais foram adotadas, como a apropriação de bens de  
falecidos e ausentes para arrecadação de fundos, mas a situação permaneceu crítica,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 107  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
levando até mesmo funcionários públicos a pedirem esmolas para sobreviver. Gama  
(1851) enfatizava a necessidade de reformas drásticas para evitar uma bancarrota  
vergonhosa e perigosa.  
Para resolver essa crise, propôs um método financeiro rigoroso, baseado na  
arrecadação precisa das rendas públicas sem aumentar tributos, antecipar receitas ou  
recorrer à emissão de papel-moeda. A partir da análise das receitas e despesas do  
estado, considerava que, se administradas corretamente, as rendas ordinárias  
poderiam cobrir os custos governamentais, garantindo a pontualidade dos  
pagamentos. Gama sugeriu a criação de um planejamento financeiro estruturado em  
quatro partes: identificação das fontes de arrecadação, controle das despesas públicas,  
comparação entre receitas e gastos e, por fim, a definição de um método para garantir  
que todos os pagamentos sejam feitos dentro dos prazos estabelecidos. O plano  
propunha medidas concretas para restaurar a estabilidade fiscal, como o  
estabelecimento de consignações fixas e inalteráveis para despesas prioritárias, o uso  
rigoroso de balanços financeiros e a eliminação de práticas prejudiciais como a  
cunhagem excessiva de moeda provincial. Gama argumentava que, se adotadas com  
firmeza e imparcialidade, essas soluções permitiriam a recuperação do crédito público  
e a normalização das finanças do estado. Essa visão bem-intencionada enfrentava  
resistência na luta por interesses das classes que disputavam o poder político no  
momento da emancipação política da colônia. Os balanços levantados por Gama  
(1851) sobre os anos de 1810 e 1811 revelam a relevância dos impostos sobre o  
comércio exterior para o Erário, sendo responsáveis por 52,55% e 53,15% das rendas  
ordinárias naqueles anos, respectivamente.  
A proposta de Gama partia de uma leitura estritamente técnica e moralizante  
da crise fiscal colonial, confiando que a racionalidade administrativa e a disciplina  
financeira seriam suficientes para restaurar a solvência do estado. Seu plano, baseado  
no rigor contábil, na eficiência arrecadatória e na eliminação de práticas como a  
cunhagem desordenada de moeda, ignora as determinações estruturais que  
configuravam a economia política da colônia. Ao propor o saneamento fiscal sem  
aumento de tributos nem emissão de papel-moeda, Gama revela uma fé excessiva na  
neutralidade da administração pública, desconsiderando o fato de que o estado  
colonial e mesmo o que viria a ser o estado imperial não era um instrumento  
técnico a serviço do bem comum, mas sim um aparato de classe, moldado para garantir  
os privilégios da aristocracia fundiária, mercantil e escravista.  
Verinotio  
108 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
A grande falha de Gama reside no politicismo estreito de sua abordagem, que  
reduz uma crise estrutural a um problema de gestão. Ao ignorar que mais da metade  
das receitas provinha dos impostos sobre o comércio exterior ou seja, da própria  
inserção subordinada da colônia no sistema mercantil internacional , sua proposta  
negligencia o essencial: a dependência externa, a concentração de propriedade, a  
ausência de uma base produtiva diversificada e a natureza colonial do estado que  
pretendia salvar.  
A crise financeira também tinha elementos contingentes no processo de  
afastamento entre colônia e metrópole. Fleius (1925) destaca que o retorno da Corte  
portuguesa à Europa em 1821 provocou um verdadeiro esvaziamento econômico no  
Brasil. Cerca de quatro mil pessoas pertencentes à elite lusa, incluindo fidalgos,  
grandes comerciantes e capitalistas, partiram levando consigo seus bens e capitais,  
provocando uma súbita drenagem de riquezas e agravando a já delicada situação  
financeira da colônia. Como consequência imediata, o Banco do Brasil entrou em  
falência e o Tesouro foi deixado completamente vazio. A falência do Banco do Brasil e  
o esvaziamento do Tesouro apontam para uma fragilidade estrutural da economia  
colonial: não havia acúmulo interno de capital nem instituições sólidas capazes de  
sustentar a soberania econômica. O fato de a retirada da elite lusa ter causado um  
colapso econômico imediato revela o quanto o Brasil estava inserido numa lógica  
extrativista e subordinada, sem autonomia política ou econômica real.  
A escassez de numerário se intensificou: o ouro e a prata desapareceram da  
circulação monetária, restando apenas pequenas quantidades de cobre. A prata  
chegou a atingir um ágio de 7% a 8%, enquanto os bilhetes emitidos pelo banco  
perdiam rapidamente seu valor, tornando-se praticamente inúteis. Em carta ao pai, D.  
Pedro relatava o cenário de insegurança econômica e retenção de metais preciosos:  
“Quem tem dinheiro em prata ou em ouro, guarda-o... os bilhetes valem muito pouco  
ou quase nada” (FLEIUSS, 1925, p. 114). A gravidade da crise se refletia não apenas  
na desvalorização da moeda, mas também na falência institucional. O próprio  
tesoureiro do Banco do Brasil fugiu para os Estados Unidos com fundos pertencentes  
a uma companhia de seguros, e três dos quatro diretores da instituição faliram, muitos  
deles tentando proteger seus bens sob falsas alegações de tutela. O episódio expôs  
de forma contundente a fragilidade das finanças públicas e a vulnerabilidade das  
instituições brasileiras às vésperas da Independência.  
Medidas de inspiração liberal e racionalização fiscal foram adotadas com o  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 109  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
objetivo de amenizar a crise econômica e fortalecer a legitimidade do governo. Em um  
contexto de severa escassez de recursos, tais iniciativas buscavam não apenas aliviar  
o peso tributário sobre a população e os comerciantes, mas também conferir maior  
racionalidade à administração pública.  
D. Pedro aplicou dispositivos do Alvará de 25 de abril de 18181, que previam  
a redução das tarifas sobre mercadorias portuguesas e a isenção de impostos para  
produtos que, já despachados em uma alfândega, fossem novamente apresentados em  
outra, evitando, assim, a bitributação. Em nome da economia de recursos, o governo  
também suspendeu comissões militares anteriormente criadas, limitando gastos com  
estruturas administrativas desnecessárias.  
Essas medidas evidenciam uma tentativa de modernização do estado e de  
aproximação entre o poder central e os interesses das classes dominantes locais, numa  
fase em que o país ainda buscava definir seu caminho político e institucional. Ao adotar  
princípios de racionalidade econômica, D. Pedro procurava sustentar sua autoridade e  
preparar o terreno para transformações mais profundas, que culminariam na  
independência.  
O Decreto de 30 de dezembro de 1822 marcou uma inflexão importante na  
política econômica do recém-independente Império do Brasil. Com a ruptura dos laços  
políticos e comerciais com Portugal, o decreto revogou os privilégios aduaneiros que  
beneficiavam os produtos portugueses, igualando-os aos das demais nações e  
impondo uma tarifa de 24% sobre gêneros de indústria, manufatura, pesca e produção  
portuguesa. Além disso, o texto autorizou a importação do rapé estrangeiro,  
estabelecendo taxas diferenciadas conforme a origem, e fixou valores específicos para  
a entrada de produtos líquidos como vinhos, aguardentes, licores, azeites e vinagres,  
encerrando de vez a lógica fechada da era colonial. A medida teve forte simbolismo  
político, pois consolidava a autonomia econômica do Brasil e sua desvinculação da  
antiga metrópole, além de representar uma adesão inicial aos princípios do liberalismo  
comercial. Produtos ingleses, como o rapé, continuavam a usufruir de condições mais  
vantajosas, com imposto de apenas 15%, conforme estabelecido no tratado de 1810.  
1 O Alvará de 25 de abril de 1818, expedido por D. João VI, teve como objetivo principal aumentar as  
receitas do estado e financiar a reconstrução do Reino após a guerra, estabelecendo a obrigatoriedade  
do pagamento de direitos alfandegários sobre todos os produtos que entrassem ou saíssem dos portos  
do Reino Unido, inclusive os destinados à Casa Real, com poucas exceções. Determinou tarifas mais  
elevadas para vinhos e aguardentes estrangeiros no Brasil, favorecendo os vinhos portugueses, e  
instituiu uma nova taxa sobre a entrada de escravos, com parte da arrecadação voltada para a  
manutenção da ordem e incentivo à colonização de brancos.  
Verinotio  
110 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
Essa medida evidencia o privilégio comercial concedido à Inglaterra nas relações com  
o Brasil recém-independente, que continuaria vigente por alguns anos, consolidando  
a posição inglesa como a principal beneficiária do tratamento de nação mais  
favorecida.  
A Constituição de 1824, outorgada após a dissolução da Assembleia  
Constituinte, trouxe um princípio tributário avançado em seu artigo 179, nº 15, ao  
estabelecer que todos deveriam contribuir com impostos de forma proporcional aos  
seus haveres. Essa norma se aproximava de modelos europeus como a Constituição  
Francesa de 1791. No entanto, o preceito permaneceu inaplicado. Longe de ser ver  
algo minimamente reminiscente de um pacto nacional, representativo dos diversos  
setores sociais, o que se viu foi a imposição de um arranjo institucional do alto para  
baixo, preservando os interesses da elite latifundiária e mercantil que orbitava em  
torno do trono.  
Por meio do Decreto de 5 de janeiro de 1824, o governo imperial reconheceu  
a incapacidade das rendas ordinárias para cobrir as despesas urgentes e  
extraordinárias, especialmente as relacionadas à defesa, segurança e estabilidade do  
Império. Um empréstimo de £3.000.000 foi autorizado para ser contratado na Europa,  
com o objetivo de financiar os compromissos imediatos do Império Brasileiro. O  
decreto hipotecou a receita de todas as alfândegas do Brasil, com especial destaque  
para a alfândega do Rio de Janeiro, como fonte de pagamento dos juros e do principal  
do empréstimo. O empréstimo junto à praça de Londres, foi um símbolo contundente  
da dependência estrutural que caracterizou o nascimento do estado imperial brasileiro.  
Longe de representar uma medida soberana ou um passo autônomo rumo ao  
desenvolvimento de uma certa autonomia nacional, o empréstimo evidencia a  
continuidade da lógica de subordinação ao capital externo agora sob nova  
roupagem, mas com o mesmo conteúdo colonial. O fato de o governo imperial declarar,  
já em 1824, a incapacidade de sustentar suas despesas com receitas próprias mostra  
que o estado nascente não se estruturou sobre uma base produtiva autônoma, mas  
sobre uma lógica de endividamento externo, em especial com a praça financeira  
londrina o centro do capitalismo mundial na época. A hipoteca da receita  
alfandegária, sobretudo da alfândega do Rio de Janeiro uma das mais lucrativas –  
como garantia do pagamento do empréstimo, reforça a crítica de que o estado  
brasileiro emergente funcionava como correia de transmissão dos interesses do capital  
britânico. Isso não apenas limitava a autonomia fiscal do Império, mas subordinava sua  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 111  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
principal fonte de receita à lógica da exploração financeira imperialista.  
O contrato2 com as casas bancárias inglesas previa: deságio elevado (até 25%);  
juros fixos de 5% ao ano; comissões de até 4%, além de outros custos operacionais;  
administração externa do fundo de amortização e cláusulas pró-credores inclusive em  
casos de guerra. Diante do insucesso na contratação das duas parcelas restantes do  
empréstimo firmado em 1824 com os bancos ingleses Bazeth, Tarquhard, Crawford &  
Co., cujos motivos específicos não foram registrados, o governo brasileiro se viu  
obrigado a buscar uma nova alternativa de financiamento externo. A urgência em obter  
recursos para custear as despesas do império levou à celebração de um novo contrato,  
em 12 de janeiro de 1825, com o influente banqueiro londrino Nathan Mayer  
Rothschild. Esse acordo visava suprir a parte do empréstimo anteriormente frustrado  
e assegurar a continuidade da política financeira do governo imperial. O novo contrato  
(cf. CARREIRA, 1889, pp. 107-13) estabeleceu um empréstimo de £2.000.000, com  
emissão de certificados no valor de £2.352.900 e juros anuais de 5%. O pagamento  
seria feito em 12 parcelas mensais de £166.660, e estava previsto um fundo de  
amortização de 1% ao ano para garantir o resgate progressivo da dívida. Rothschild  
assumiu a administração dos pagamentos dos juros e do fundo de amortização,  
recebendo em contrapartida uma comissão de 4% sobre o valor do empréstimo, 1%  
sobre os juros pagos e ½% sobre as compras realizadas para o fundo. Os  
plenipotenciários brasileiros, Felisberto Caldeira Brant e Manoel Rodrigues Gameiro  
Pessoa, receberam cada um ¼ da comissão principal. Além disso, Rothschild ficou  
autorizado a adiantar até £300.000 ao governo brasileiro com juros de 3% ao ano e  
podia aceitar diamantes ou produtos como forma alternativa de pagamento, mediante  
comissão sobre a venda. O contrato foi ratificado por decreto imperial em 28 de  
fevereiro de 1825. Com um déficit de mais de 3,6 milhões de mil-réis em 1825, uma  
diferença de quase 80% entre despesas e receitas, o estado imperial não possuía base  
fiscal autônoma, pois sua economia seguia centrada no agrarismo exportador,  
escravocrata e dependente do comércio exterior. Em vez de reformar essa base e  
organizar um sistema fiscal progressivo ou produtivo, o Império opta por aprofundar  
a via da subordinação financeira externa, recorrendo ao capital londrino.  
Em vez de reformar essa base e organizar um sistema fiscal, o Império opta por  
aprofundar a via da subordinação financeira externa, recorrendo ao capital londrino.  
2 A íntegra do contrato pode ser lida em Carreira (1889), pp. 100-6.  
Verinotio  
112 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
O reconhecimento oficial da independência do Brasil por Portugal ocorreu com  
o tratado de paz e aliança assinado em 29 de agosto de 1825, que restabeleceu as  
relações comerciais entre os dois países, fixando uma tarifa de 15% sobre as  
mercadorias de ambas as partes. De acordo com Deveza (2004), em seguida, a França  
também firmou um tratado com o Brasil em 8 de janeiro de 1826, complementado em  
junho do mesmo ano, garantindo a entrada de seus produtos com o mesmo imposto  
de 15%, embora sem reciprocidade. A política de tarifas uniformes foi estendida em  
1827 a outras nações europeias como Áustria, Prússia e as Cidades Hanseáticas, e no  
ano seguinte a Dinamarca, Países Baixos e Estados Unidos sendo estes últimos os  
primeiros a reconhecer oficialmente a independência brasileira, em 1824. Apesar  
dessa aparente liberalização comercial, a economia brasileira permaneceu fortemente  
dependente da Grã-Bretanha, que seguia como seu principal fornecedor externo.  
Tudo isso indica que o Brasil recém-independente ingressa no circuito  
capitalista mundial como nação devedora e dependente, sem controle efetivo sobre os  
próprios mecanismos de financiamento e gasto público. Isso se dá sem contrapartida  
produtiva, ou seja, não se trata de investimento em infraestrutura ou indústria nacional,  
mas de endividamento para sustentar a máquina estatal e os compromissos das elites  
locais. Essa elite não propôs uma ruptura com a lógica colonial, mas a sua continuação  
sob a forma de um estado independente que se estruturou para servir aos antigos e  
novos centros de poder internacional.  
A dívida ativa do Império, conforme o relatório apresentado em 1826  
(CARREIRA, 1889), foi estimada em 5.364:363$543, abrangendo créditos do Tesouro  
originados entre os anos de 1817 e 1825. No entanto, a comissão da câmara dos  
deputados destacou a carência de informações precisas sobre esses valores, o que  
impedia a determinação do que de fato poderia ser recuperado. Essa falta de clareza  
comprometia o planejamento financeiro e a avaliação real da capacidade de  
arrecadação do estado, gerando incertezas sobre a efetividade do controle fiscal e da  
cobrança de créditos devidos à Fazenda Pública.  
Já a dívida passiva, ou seja, os compromissos financeiros assumidos pelo  
estado, foi avaliada em 14.900:682$643 e apresentava graves irregularidades. A  
comissão identificou que boa parte dessa dívida se concentrava na província do Rio  
de Janeiro, derivando de diversas origens, como empréstimos e seus respectivos juros,  
papéis correntes a serem pagos, gêneros e efeitos adquiridos, bens sequestrados de  
portugueses, além de ordenados, pensões e vencimentos de funcionários. A  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 113  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
complexidade e a fragmentação dessa composição evidenciavam a urgência de uma  
reestruturação administrativa e contábil, bem como a necessidade de uma política clara  
de consolidação e amortização da dívida pública.  
A situação da dívida ativa do Império em 1826, marcada pela ausência de  
dados confiáveis e pela incapacidade de saber o que de fato seria recuperável, expõe  
a deformação estrutural do estado brasileiro, nascido sob a lógica da via colonial. Essa  
lógica impôs um modelo estatal voltado não à racionalidade administrativa ou ao  
interesse público, mas à manutenção da ordem social herdada do colonialismo –  
fundiária, escravista e dependente. A desorganização fiscal e a baixa capacidade de  
cobrança não são meras ineficiências técnicas, mas reflexo da falta de um projeto de  
soberania fiscal, uma vez que o estado não se construiu para tributar os setores  
dominantes ou organizar as finanças públicas com vistas ao desenvolvimento interno,  
mas sim para reproduzir uma elite que se eximia de qualquer sacrifício contributivo.  
A análise da dívida passiva, com seu valor quase três vezes superior ao da  
dívida ativa, reforça esse diagnóstico. A concentração da dívida na província do Rio de  
Janeiro centro do poder político e da aristocracia imperial , sua composição  
fragmentada e a origem em compromissos que incluem empréstimos, papéis  
desvalorizados, benefícios a funcionários e indenizações pela perda de bens coloniais  
mostram que a máquina pública operava como um mecanismo de redistribuição de  
recursos em favor da elite estatal e rentista, e não como promotora de algum projeto  
nacional, ainda que excludente. Essa realidade escancara o caráter antinacional e  
antipopular do estado brasileiro, cuja estrutura administrativa e contábil não visava à  
emancipação financeira, mas à continuidade da subordinação interna (às classes  
dominantes locais) e externa (ao capital estrangeiro). A “reestruturação administrativa”  
e a “política de amortização” de que falava a comissão de deputados seriam (e foram)  
insuficientes enquanto não houvesse uma ruptura com a lógica de vilipêndio colonial  
que sustentava o funcionamento do próprio estado.  
A Lei de 15 de novembro de 1827 representou um marco na organização  
financeira do Império do Brasil ao instituir formalmente a dívida pública. Ela consolidou  
todas as dívidas contraídas pelo governo até o final de 1826, reconhecendo como  
legítimos os títulos legais e verídicos, tanto da dívida interna quanto da externa. Para  
garantir o controle e a transparência, foi criado o Grande Livro da Dívida do Brasil,  
com registros centralizados no Tesouro e livros auxiliares em cada província. Todos os  
credores deveriam inscrever seus títulos nesses registros, o que possibilitava o  
Verinotio  
114 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
pagamento dos juros e a administração das obrigações do estado de forma  
centralizada.  
A lei também estabeleceu a Caixa de Amortização, uma instituição que se  
pretendia independente e era encarregada de gerenciar o pagamento dos juros, a  
amortização anual de 1% e as transferências das apólices. A Caixa de Amortização  
viria a existir até 1967, sendo um elemento fundamental da forma de transferência de  
recursos públicos para os detentores destes títulos, que tinham 5 representantes entre  
os 7 responsáveis por administrar a Caixa. Foi emitido um capital fundado de  
12.000:000$000 em apólices com juros fixos de 5% ao ano, garantido por uma  
prestação mensal de 60:000$000 proveniente da receita das alfândegas do Rio de  
Janeiro. As apólices gozavam de proteção legal contra sequestros, estavam isentas de  
impostos sobre heranças e sucessões, e contavam com regras detalhadas sobre sua  
emissão, circulação e resgate, buscando fortalecer a credibilidade da nova estrutura  
da dívida pública.  
Essa tentativa era essencial tendo em vista que se tratava de um estado  
endividado em moeda estrangeira e internamente, que contava com déficits fiscais  
recorrentes. Além do empréstimo de £3.000.000 junto ao capital inglês diretamente,  
somava-se mais £1.400.000 oriundos de uma dívida assumida junto a Portugal por  
meio da Convenção Adicional ao Tratado de Amizade e Aliança de 29 de agosto de  
1825, firmada entre D. João VI e D. Pedro I. Ambos os valores somados equivaliam a  
cerca de 17 milhões de réis, sendo que a receita da fazenda imperial em 1827 foi de  
12 milhões de réis. A dívida interna já chegava a quase 30 milhões de réis.  
O que se viu foi esforço do estado brasileiro em consolidar juridicamente a sua  
condição de dependência e subordinação financeira. A criação do Grande Livro da  
Dívida e da Caixa de Amortização institucionalizou um mecanismo permanente de  
transferência de recursos públicos para os credores do estado, majoritariamente  
membros da elite interna e do capital estrangeiro. O fato de que cinco dos sete  
administradores da Caixa representavam diretamente os credores comprova o caráter  
privatista da gestão estatal, operando como um comitê gestor dos interesses da classe  
dominante e do capital internacional, e não como instrumento de promoção do  
desenvolvimento ou da soberania nacional.  
O estado imperial, ao formalizar uma dívida pública que superava com folga a  
sua capacidade de arrecadação, não buscava superar a lógica colonial, mas  
institucionalizá-la sob a forma do endividamento contínuo. As garantias especiais às  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 115  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
apólices como a isenção de impostos sobre heranças e a proteção contra sequestros  
evidenciam uma estrutura estatal voltada à reprodução de rendas para setores  
rentistas, em detrimento de qualquer projeto redistributivo ou produtivo. Em vez de  
enfrentar a estrutura fiscal regressiva, ampliar a base tributária ou investir em  
infraestrutura e serviços, o estado compromete receitas estratégicas (como as das  
alfândegas do Rio de Janeiro) para honrar compromissos assumidos no contexto da  
submissão diplomática a Portugal e do atrelamento ao capital britânico. Assim, a lei  
de 1827, longe de representar uma modernização fiscal autônoma, reforça a via  
colonial em sua forma financeira e contábil, institucionalizando a dependência como  
norma de funcionamento do estado brasileiro.  
Dada a situação crítica das finanças públicas imperiais, em 1829, o governo  
brasileiro firmou mais contratos de empréstimo em Londres, destacando-se dois  
principais: um com Nathan Mayer Rothschild, no valor de £200.000, e outro com a  
firma Thomas Wilson & Comp., no valor de £199.940. Ambos os contratos foram  
assinados pelo Visconde de Itabayana, como plenipotenciário do Império, com base  
na autorização do art. 7º da Lei de 8 de outubro de 1828. As condições desses  
empréstimos foram bastante onerosas: os títulos foram emitidos com juros anuais de  
5% e amortização de 1% ao ano. O pagamento seria feito em prestações mensais, e  
as apólices foram negociadas com deságio ou seja, o governo recebia menos do que  
o valor nominal emitido, agravando o custo da operação.  
A principal destinação dos recursos obtidos nesses contratos foi a cobertura de  
obrigações remanescentes do empréstimo de 1824, contratado em melhores  
condições, mas que ainda pesava significativamente sobre as finanças do Tesouro. Os  
contratos de 1829, no entanto, impuseram encargos adicionais ao Brasil: além dos  
altos juros, incluíam comissões de até 2% sobre o capital, corretagens sobre a  
amortização e restrições sobre o uso dos recursos que ficavam sob controle dos  
banqueiros até sua aplicação nos pagamentos estipulados. Com isso, apesar de aliviar  
momentaneamente o caixa do governo, os novos empréstimos aprofundaram a  
dependência financeira do Império e comprometeram receitas futuras com encargos  
externos.  
A Lei de 8 de outubro de 1828 era a lei orçamentária para o ano de 1829.  
Além de autorizar os empréstimos no exterior, ela também autorizava despesas e fazia  
a previsão de receitas, bem como expressava outro aspecto da miséria brasileira, o  
caráter hipertardio do desenvolvimento capitalista no Brasil. Do valor total de  
Verinotio  
116 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
10.679:590$376 autorizados, mais da metade se destinava às forças armadas com  
2.561:000$000 destinados ao Ministério da Marinha e 3.200:000$000 ao Ministério  
da Guerra. A outra maior soma, 4.293:934$776, era destinada ao Ministério da  
Fazenda, responsável pela amortização e pagamento de juros das dívidas interna e  
externa. Pagamento de burocratas, gastos militares e serviço da dívida resumiam a  
maior parte da destinação do fundo público imperial, sendo ausente qualquer  
investimento público ou destinação de recursos para a industrialização do país. Apesar  
das visitas à Londres para assinar novos contratos de empréstimos, a elite local parecia  
não se importar muito com as transformações que aconteciam naquela ilha.  
Na verdade, a miséria fiscal brasileira expressa com nitidez a permanência da  
lógica colonial sob novas formas, revelando um estado nacional que se organiza não  
para superar a condição periférica, mas para administrar sua dependência e garantir  
os interesses da elite agrário-escravista. Os empréstimos de 1829, com condições  
ainda mais onerosas do que os anteriores, foram utilizados para rolar dívidas antigas,  
num ciclo de endividamento autofágico, típico das formações sociais subordinadas ao  
capital financeiro internacional. A alocação orçamentária voltada quase  
exclusivamente ao gasto militar, custeio da burocracia estatal e serviço da dívida –  
evidencia que o fundo público era apropriado para sustentar o aparato de coerção e  
a reprodução das elites rentistas, sem qualquer compromisso com o investimento  
produtivo ou com a construção de uma base econômica autônoma. A ausência de  
políticas voltadas à industrialização ou à infraestrutura reforça o diagnóstico  
chasiniano de que o Brasil seguia atrelado aos interesses externos e dominado  
internamente por uma classe que não se identificava com os imperativos de uma  
modernização capitalista, mas sim com a conservação de privilégios herdados da  
ordem colonial.  
No início do exercício de 1829, o Brasil encontrava-se em uma situação  
financeira profundamente crítica. O país enfrentava um grande déficit orçamentário,  
agravado pela superabundância de moeda de cobre, altamente depreciada. Para  
contornar a escassez de numerário e a perda de confiança na moeda, o governo  
recorreu à imposição do curso forçado das notas do Banco do Brasil, comprometendo-  
se a garantir seu valor. Essa medida, no entanto, não impediu a queda acentuada do  
câmbio nem conteve o aumento generalizado dos preços dos gêneros de consumo, o  
que afetou de forma especialmente dura os funcionários públicos, cuja remuneração  
perdeu poder de compra em meio à inflação.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 117  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
A Lei de 23 de setembro de 1829 determinou a liquidação do Banco do Brasil,  
marcando uma tentativa do governo de reorganizar o sistema monetário em meio à  
crise financeira. Para conduzir o processo, foram nomeadas comissões compostas por  
representantes dos acionistas e do estado, responsáveis por verificar a situação  
financeira da instituição e criar um novo padrão de notas. Essas novas cédulas,  
emitidas com maior segurança, seriam garantidas pela própria nação e  
obrigatoriamente aceitas nas repartições públicas. A lei ainda impunha a obrigação de  
resgatar anualmente 5% das notas em circulação, estabelecendo que propriedades  
públicas não essenciais ao serviço do estado poderiam ser vendidas para financiar  
essa amortização, tarefa atribuída à Caixa de Amortização.  
O país enfrentava um déficit elevado em 1830, agravado pela desvalorização  
da moeda em circulação, especialmente o papel-moeda e as moedas de cobre. O  
câmbio despencara a níveis críticos, comprometendo todas as transações externas.  
Além disso, o sistema de contabilidade pública era precário, com classificações  
inadequadas de receitas, o que comprometia a clareza e a transparência das finanças  
estatais.  
De acordo com Fleiuss (1925), em 12 de fevereiro de 1830, D. Pedro I decretou  
a criação de uma comissão encarregada de organizar um novo sistema monetário,  
evidenciando a crescente preocupação com a estabilidade econômica do Império. Essa  
iniciativa refletia a tentativa do governo de responder à crise de confiança no papel-  
moeda, agravada pela já determinada liquidação do Banco do Brasil. Além disso, o  
cenário político turbulento e a fragilidade da economia exigiam medidas urgentes para  
restaurar a credibilidade financeira do estado e dinamizar as atividades comerciais,  
tanto internas quanto externas. A comissão surgiu, portanto, como um esforço do  
governo imperial para conter os efeitos da instabilidade e tentar recuperar a ordem  
monetária em meio à crise.  
Entre 1829 e 1831, o Império do Brasil mergulhou numa crescente crise  
política que culminaria na abdicação de D. Pedro I. A impopularidade do imperador se  
intensificou com nomeações de portugueses naturalizados para cargos de destaque,  
em detrimento de brasileiros natos, alimentando a percepção de favoritismo e exclusão  
nacional. Sua contínua ingerência nos assuntos de Portugal, especialmente após a  
morte de D. João VI, levantou dúvidas quanto ao seu verdadeiro compromisso com o  
Brasil. A criação de um gabinete secreto, o uso de tropas estrangeiras e os termos do  
tratado de reconhecimento da independência também minaram sua legitimidade. No  
Verinotio  
118 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
Congresso, a maioria liberal rompeu com o imperador, enquanto a imprensa liderada  
por vozes como a de Evaristo da Veiga e o povo exigiam reformas. O estopim veio  
com os protestos de 6 e 7 de abril de 1831 no Campo de Sant’Anna, que mobilizaram  
tropas e civis contra o chamado “Gabinete dos Medalhões”. Incapaz de conter a  
pressão popular e militar, D. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho, o futuro  
D. Pedro II, encerrando o I Reinado.  
A criação de uma comissão para reformar o sistema monetário em 1830, diante  
da crise econômica e da liquidação do Banco do Brasil, revela o caráter reativo e de  
superfície das tentativas do estado imperial de lidar com os impasses estruturais  
gerados pela via colonial. Em vez de promover uma ruptura com a lógica rentista,  
dependente e antinacional, o governo de D. Pedro I limitava-se a remendos  
institucionais, enquanto mantinha uma estrutura econômica e política voltada à  
reprodução dos interesses das elites locais e do capital estrangeiro. A instabilidade  
monetária, a desconfiança no papel-moeda e o colapso do Banco do Brasil não podem  
ser compreendidos fora do contexto de um estado que concentra seus esforços na  
manutenção da ordem e na contenção de crises, sem jamais enfrentá-las em sua raiz  
histórica. A crise política que levou à abdicação de D. Pedro I expressa, portanto, os  
limites de um projeto de estado moldado para mediar conflitos entre frações  
dominantes, enquanto as camadas populares e os interesses nacionais eram  
sistematicamente excluídos. O esgotamento do I Reinado foi, nesse sentido, o  
esgotamento de uma tentativa fracassada de conciliar formas modernas de dominação  
(princípios econômicos liberais) com estruturas coloniais profundamente arcaicas.  
III. Modernização sem ruptura: a Regência como gerência da dependência  
A herança do Primeiro Reinado para o fundo público brasileiro foi uma dívida  
total (interna, externa e flutuante) de 55.980:344$643, para uma receita orçada para  
1832-1833 de 11.573:002$000, contra uma despesa orçada de 11.698:759$187  
(Carreira, 1889). No período regencial (1831-1840), o Império passou por uma  
significativa reforma administrativa com a criação do Tribunal do Tesouro Público  
Nacional e de tesourarias nas províncias. Essa reestruturação visava centralizar,  
racionalizar e moralizar a administração das finanças públicas, conferindo maior  
controle à arrecadação e aplicação dos recursos. Durante o período regencial,  
começaram a se delinear os dois grandes partidos políticos do Império: o Partido  
Conservador e o Partido Liberal. Os conservadores reuniam magistrados, burocratas,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 119  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
grandes comerciantes muitos deles portugueses e proprietários rurais das  
províncias mais tradicionais, como Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Já os liberais  
agregavam a pequena classe média urbana, alguns padres e proprietários rurais das  
áreas menos tradicionais, especialmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do  
Sul.  
De acordo com Fleiuss (1925), a partir de 1831, o Brasil mergulhou numa  
grave crise econômica que afetou diretamente os principais setores produtivos do país.  
Comércio, indústria e agricultura apresentavam sinais visíveis de declínio, refletindo o  
ambiente de instabilidade política que se seguiu à abdicação de D. Pedro I. A produção  
nacional enfraquecia diante das incertezas quanto ao futuro do regime e das disputas  
entre facções políticas, provocando retração nas atividades econômicas e  
comprometendo a arrecadação do estado.  
Como consequência, verificou-se uma significativa fuga de capitais e de mão de  
obra qualificada, drenando recursos do Império para o exterior, sobretudo para a  
Europa. A confiança pública desmoronou: o crédito tanto do governo quanto dos  
particulares praticamente desapareceu, o câmbio despencou (de 50 para cerca de  
20), e as apólices da dívida pública perderam valor, passando de 90% para apenas  
30% na Bolsa. Até o mercado imobiliário entrou em colapso, com prédios sem valor  
venal nem procura para aluguel, enquanto a terra se desvalorizava drasticamente em  
relação ao período anterior. Esses elementos compunham um cenário alarmante que  
exigia respostas urgentes do governo regencial.  
No campo fiscal, foram abolidos diversos impostos específicos das províncias,  
substituídos por taxas padronizadas de alcance nacional, o que buscava simplificar o  
sistema tributário e torná-lo mais equitativo. As medidas também incluíram o estímulo  
à arrecadação eficiente e a eliminação de práticas de corrupção, como a cobrança de  
impostos sem respaldo legal ou o favorecimento de determinados grupos. Novas  
regras foram estabelecidas para a apresentação e fiscalização dos orçamentos e  
balanços, impondo ao estado o dever de organizar, publicar e justificar suas receitas  
e despesas, o que representou um avanço importante no controle público das finanças.  
A Lei de 4 de outubro de 1831 reorganizou profundamente a administração  
fazendária do Império do Brasil ao extinguir o antigo Erário Régio e o Conselho da  
Fazenda e criar o Tribunal do Tesouro Público Nacional e as Tesourarias das Províncias.  
Seu objetivo central foi estabelecer um sistema mais racional, centralizado e fiscalizado  
de arrecadação, controle e despesa das finanças públicas, com base em princípios de  
Verinotio  
120 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
legalidade, transparência e responsabilidade administrativa. A nova estrutura previa  
funções específicas para cada autoridade como o presidente do Tesouro, o inspetor-  
geral, o contador-geral e o procurador fiscal e determinava a forma de prestação de  
contas, organização da escrituração por partidas dobradas, controle de patrimônio  
público e dos contratos, além de instituir concursos para ingresso no serviço  
fazendário.  
A concentração das nomeações nas mãos do Imperador, representado pela  
Regência, e do núcleo da administração fazendária, todos indicados dentro de uma  
lógica de confiança pessoal e vínculos políticos, revela que o objetivo também era  
preservar o controle da elite imperial sobre os fluxos financeiros do estado, reforçando  
sua capacidade de gerir a dívida pública, cobrar tributos regressivos e manter a  
máquina estatal a serviço de uma ordem social excludente. Essa arquitetura  
institucional, longe de promover transparência ou eficiência, reproduzia a lógica  
herdada do período colonial, na qual o poder público serve como extensão dos  
interesses privados da classe dominante, perpetuando o caráter antinacional e  
dependente do estado brasileiro.  
A Lei nº 16 de 1834 (Ato Adicional de 1834) promoveu uma mudança  
significativa no modelo de Regência ao substituir a Regência Trina Permanente,  
estabelecida pela Constituição de 1824, por um Regente Único, eleito e temporário,  
com mandato de quatro anos (art. 26). Essa alteração buscou conferir maior unidade  
e estabilidade ao governo durante a menoridade de D. Pedro II, ao mesmo tempo em  
que ampliava o caráter representativo do regime, já que o novo regente seria escolhido  
por votação secreta dos colégios eleitorais provinciais. A medida também respondeu  
às pressões descentralizadoras do período, marcando uma inflexão importante na  
trajetória do Império rumo à consolidação de uma estrutura política mais flexível e  
adaptada às demandas das províncias.  
O Ato Adicional de 1834 também promoveu uma reforma de grande impacto  
na organização político-administrativa do Império ao instituir as Assembleias  
Legislativas Provinciais em substituição aos Conselhos Gerais. Essas novas instâncias  
legislativas passaram a ter competência para propor e deliberar sobre temas  
fundamentais à administração local, como impostos provinciais, instrução pública,  
obras, justiça e orçamentos municipais e provinciais. Além disso, foram-lhes atribuídos  
poderes para tratar de desapropriações, autorizar empréstimos, organizar estatísticas,  
fomentar a catequese indígena e se manifestar sobre autoridades públicas. Suas  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 121  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
decisões estavam sujeitas à sanção do presidente da província, com possibilidade de  
veto, e seus membros passaram a gozar de inviolabilidade pelas opiniões emitidas no  
exercício do mandato, dispondo ainda de regimento interno próprio para regular seus  
trabalhos.  
Esta reforma, embora aparente sinalizar um avanço no sentido da  
descentralização e da ampliação do poder representativo nas províncias, deve ser  
compreendido como uma reforma conservadora e funcional à manutenção da ordem  
oligárquica e dependente herdada da via colonial. A eleição de um Regente Único e a  
criação das Assembleias Legislativas Provinciais não romperam com a lógica de  
exclusão social e de concentração de poder nas mãos das elites locais e nacionais. Ao  
contrário, tais medidas buscavam acomodar as pressões regionais sem alterar a  
estrutura de dominação, preservando a centralidade do estado imperial como  
garantidor dos interesses dos grandes proprietários e das frações do capital  
associadas ao comércio externo. É importante ressaltar que a década da Regência foi  
um período de transição importante economicamente e politicamente para as  
oligarquias brasileiras, já que estava em ascensão a economia cafeeira, que passou de  
menos de 20% de representação nas exportações brasileiras para mais de 40%.  
Portanto, as novas instituições políticas, ainda que formalmente mais autônomas,  
atuavam dentro de um arcabouço legal e fiscal subordinado ao núcleo central do  
Império, reproduzindo a lógica de uma representação seletiva, censitária e controlada,  
em que os dispositivos de descentralização não significavam democratização, mas a  
reorganização do poder para manter a mesma ordem social excludente e subordinada  
ao capital externo.  
Em 1834, a dívida pública brasileira apresentava um quadro significativo de  
comprometimento das finanças do estado. De acordo com Carreira (1889), a receita  
ordinária do exercício foi de 12.787:523$015, mas a receita extraordinária, de  
2.032:099$093, revelava uma dependência crescente de mecanismos financeiros,  
especialmente da emissão de apólices da dívida pública, que compunham grande parte  
desses recursos. A dívida total do estado ultrapassava os 85 mil contos, somando os  
compromissos internos, externos e a dívida flutuante. Os juros pagos no exercício  
alcançaram 2.580:977$437, dos quais 1.527:136$875 se referiam à dívida externa  
e 1.053:840$562 à interna.  
A crescente emissão de apólices como receita extraordinária e o peso  
insustentável dos juros especialmente os vinculados à dívida externa demonstram  
Verinotio  
122 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
que o fundo público imperial foi capturado por mecanismos de transferência  
sistemática de recursos para o capital financeiro, nacional e internacional. O estado  
atuava como agente da reprodução da ordem oligárquica e do pagamento de  
compromissos assumidos com a elite rentista e os credores estrangeiros, em especial  
britânicos. Com mais de 20% da receita ordinária comprometida apenas com o serviço  
da dívida, a estrutura fiscal se confirmava como instrumento de espoliação e bloqueio  
do desenvolvimento autônomo, reafirmando o diagnóstico chasiniano de que o Brasil  
do século XIX permaneceu preso a uma ordem antinacional, financeirizada e  
subordinada às exigências externas e aos interesses de sua própria elite.  
A receita geral do Império em 1835 era composta por um amplo conjunto de  
58 rubricas, refletindo a diversidade e confusão das fontes de arrecadação estatal.  
Entre os principais itens, destacavam-se os direitos de importação e exportação,  
impostos sobre mineração (como o ouro e os diamantes), rendas provenientes das  
alfândegas, taxas sobre a escravidão (incluindo meia siza3 e taxa de escravos), venda  
de bens nacionais, foros de terrenos de marinha, e rendas da exploração diamantina.  
Também integravam essa receita os juros de apólices da dívida pública, taxas postais,  
direitos de chancelaria, rendimento da tipografia nacional, e diversas outras  
contribuições e emolumentos vinculados à administração e à justiça imperial.  
Essa estrutura de financiamento evidencia um estado que, longe de se organizar  
para promover o desenvolvimento nacional, operava de forma caótica e  
patrimonialista, refletindo os limites estruturais da via colonial. A predominância de  
fontes como os direitos alfandegários, as taxas sobre a escravidão e a exploração  
mineral mostra que o estado se sustentava sobre rendas parasitárias e excludentes,  
ligadas à manutenção da ordem escravista, da dependência comercial externa e da  
espoliação de recursos naturais. A presença de itens como juros de apólices da dívida  
pública entre as receitas reforça a ideia de um sistema fiscal autofágico, em que o  
próprio estado se torna refém de um circuito de endividamento que apenas realimenta  
a sua dependência, uma vez que não se tratava de emissões de dívidas para promover  
algum tipo de investimento público produtivo ou indutor de desenvolvimento. Assim,  
em vez de indicar diversidade e solidez, a multiplicidade de rubricas revela a ausência  
de um projeto nacional coerente, substituído por um emaranhado fiscal que servia,  
3 Imposto de 5% sobre o valor de compra e venda de escravos ladinos (escravos não recém-chegados  
da África), criado pelo Alvará de 3 de junho de 1809. Já a siza cheia era o imposto de 10% sobre o  
valor de compra, venda e arrematação de bens de raiz (imóveis).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 123  
nova fase  
 
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
sobretudo, à reprodução de uma elite rentista, escravista e subordinada ao capital  
externo.  
Entre 1836 e 1840, o Império do Brasil passou por importantes reformas na  
administração fiscal e na política monetária, diante de um cenário de instabilidade  
cambial, desorganização do meio circulante e crescente endividamento. Chegou-se a  
propor a extinção progressiva do papel-moeda. De acordo com Carreira (1889), em  
1838, o conselheiro Miguel Calmon propôs a conversão da dívida externa em apólices  
da dívida interna, como forma de reduzir as remessas de divisas ao exterior e  
estabilizar o câmbio. O estado enfrentava um endividamento significativo, com uma  
dívida total superior a 54 mil contos de réis, valor cinco vezes maior que sua receita.  
Ao mesmo tempo, o papel-moeda em circulação ultrapassava os 36 mil contos de réis.  
Para lidar com esse quadro, sugeriram-se medidas legislativas que impedissem  
falsificações, incentivassem a cooperação entre interesses públicos e privados no  
resgate das notas e estimulassem o fortalecimento do mercado interno de capitais. A  
introdução de cédulas falsas vindas dos Estados Unidos agravava ainda mais o  
problema da confiança na moeda.  
Em 1839 e 1840, o debate sobre a política monetária ganhou ainda mais  
centralidade. O conselheiro Cândido Baptista de Oliveira enfatizou a urgência de  
resolver a questão da circulação fiduciária, propondo a criação de um novo banco e a  
transformação da moeda de papel em moeda com valor real. Chegou a sugerir a  
"provincialização" das notas, para facilitar a circulação nas regiões com maior atividade  
comercial. Já em 1840, Manoel Alves Branco (que se consagraria em uma tarifa alguns  
depois), novo ministro da Fazenda, propôs medidas estruturantes: ampliar a  
negociação das apólices nas províncias, criar um fundo específico para juros e  
amortizações e valorizar o papel-moeda mediante a aquisição de metais preciosos.  
Em 1839, diante da dificuldade de vender apólices da dívida pública, o governo  
regencial recorreu a mais um empréstimo externo com a casa Samuel & Phillips, de  
Londres, no valor de £2.500.000. O contrato previa juros anuais de 5% e amortização  
de 1% ao ano, revelando o esforço do estado em manter seus compromissos  
financeiros e contornar a escassez de liquidez no mercado interno. A operação visava  
principalmente a atender aos compromissos do Tesouro no exterior, especialmente o  
pagamento de juros e amortizações de dívidas externas, cuja regularidade era  
fundamental para a credibilidade financeira do Império.  
Além desse financiamento externo, o governo foi autorizado, por meio do  
Verinotio  
124 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
decreto de 23 de outubro, a emitir papel-moeda conforme as necessidades do  
Tesouro. Também foi aberta a possibilidade de empréstimos internos junto a cofres  
públicos e instituições de “mão morta”, como irmandades e instituições religiosas, com  
juros limitados a 6% ao ano. Essas medidas integravam um conjunto emergencial de  
ações para suprir o elevado déficit orçamentário de 1839, que alcançou a cifra de  
9.020:725$177, resultado de uma receita de 15.947:936$183 frente a uma despesa  
de 24.968:661$360.  
A proposta de conversão da dívida externa em apólices internas, a criação de  
fundos de amortização e o recurso constante a empréstimos externos revelam um  
esforço de racionalização contábil sem enfrentamento estrutural das causas do  
endividamento crônico ou seja, a dependência do capital estrangeiro, a fragilidade  
da base produtiva nacional e a captura do fundo público pelas elites rentistas. A  
emissão de papel-moeda para cobrir déficits e a busca de crédito interno junto a  
instituições de “mão morta” demonstram a precariedade do sistema financeiro  
nacional, resultado direto da ausência de um mercado interno desenvolvido e de  
indícios de um processo de industrialização. Ainda que travestidas de modernização,  
tais reformas operaram dentro da mesma racionalidade de um estado que não  
promoveu o desenvolvimento, mas gerenciou a crise permanente que perdurou  
durante a maior parte do século XIX. A progressão do café e seu estímulo ao  
desenvolvimento logístico, bem como o lento e sofrível processo de definhamento da  
escravidão melhorariam o quadro econômico do país, embora sem alterar o caráter de  
classe do estado brasileiro.  
IV - Via colonial e a miséria fiscal brasileira: permanências e contradições do  
fundo público  
Esta breve análise histórica do fundo público brasileiro em seus anos de  
constituição evidencia que a particularidade do estado nacional está profundamente  
marcada pela lógica da via colonial. O modelo fiscal erigido no Brasil desde o período  
colonial não teve como finalidade o desenvolvimento autônomo, mas sim a  
transferência sistemática de recursos para elites agrário-comerciais e para os centros  
do capitalismo mundial. A perpetuação dessa lógica extrativista moldou um estado  
incapaz de construir um projeto nacional soberano, pois sua arquitetura institucional  
foi concebida para mediar interesses dominantes, internos e externos, em detrimento  
da maioria da população.  
Durante o I Reinado e a Regência, a tentativa de organizar o sistema fiscal não  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 125  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
rompeu com os fundamentos coloniais, mas os reorganizou sob a roupagem de uma  
modernização formal. A centralização administrativa, a criação de mecanismos  
contábeis e a institucionalização da dívida pública foram medidas tomadas não para  
democratizar o estado aos moldes dos conhecidos e já passados exemplos de  
revoluções e ideologias nos séculos XVIII e XIX, mas para garantir o pagamento de  
compromissos com credores estrangeiros e manter o funcionamento da máquina  
burocrática que servia aos interesses da aristocracia imperial. Mesmo os avanços  
formais em termos de racionalização orçamentária revelam, em seu conteúdo, um  
projeto de estado moldado pela submissão ao capital externo e pela conservação da  
ordem social excludente, o que não surpreende em um país de economia escravocrata.  
As reformas regenciais, muitas vezes interpretadas como tentativas de  
moralização ou descentralização administrativa, também devem ser compreendidas  
dentro dessa estrutura. O Ato Adicional de 1834, ao mesmo tempo em que ampliava  
a representação provincial, reforçava a lógica censitária e o controle das oligarquias  
locais sobre os recursos públicos. As assembleias legislativas provinciais não  
significaram democratização real, mas antes um reordenamento do poder para  
acomodar as tensões regionais sem alterar os fundamentos da dominação social. O  
fundo público, nesse contexto, continuou a servir como instrumento de sustentação da  
elite rural-escravista e da dependência externa.  
O endividamento crônico do estado brasileiro, alimentado por empréstimos  
externos e pela emissão de apólices, consolidou um sistema fiscal autofágico. Longe  
de ser um instrumento de financiamento do desenvolvimento capitalista, o fundo  
público imperial passou a operar como mecanismo de espoliação de longo prazo,  
canalizando parcelas crescentes da arrecadação para o pagamento de juros e  
amortizações. As reformas monetárias e os debates sobre a circulação fiduciária, por  
mais sofisticados que parecessem, não enfrentaram as causas estruturais da crise,  
limitando-se a estratégias de contenção emergencial. O estado brasileiro, portanto, se  
especializou em gerir sua própria miséria, não em superá-la.  
A particularidade do fundo público brasileiro não pode ser compreendida como  
mero problema técnico ou administrativo, mas como expressão de uma forma histórica  
de inserção dependente no capitalismo mundial. A miséria fiscal brasileira é a face  
financeira da via colonial, reproduzida em novas formas ao longo do século XIX e em  
diante. Avançando no tempo, apesar dos avanços tecnológicos e institucionais na  
gestão fiscal e financeira do Brasil contemporâneo como os sofisticados sistemas  
Verinotio  
126 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
eletrônicos de arrecadação, controle orçamentário, transparência fiscal e leilões  
automatizados de títulos públicos , a lógica de fundo do estado permanece  
estruturalmente vinculada à reprodução de privilégios para uma elite rentista. O  
Tesouro Direto, o Sistema Integrado de Administração Financeira, os mecanismos de  
meta fiscal e o controle da dívida pública são, sem dúvida, instrumentos modernos de  
administração estatal. Contudo, esses dispositivos operam dentro de um arcabouço  
que privilegia a acumulação financeira em detrimento do investimento social. O Brasil  
paga uma das mais altas taxas de juros reais do mundo, destinando parte substancial  
do orçamento à rolagem da dívida pública, cuja maior parte está nas mãos de bancos,  
fundos de investimento e grandes aplicadores. Ao mesmo tempo, a estrutura tributária  
segue regressiva, com elevada carga sobre o consumo e baixíssima incidência sobre  
patrimônios e nenhuma incidência sobre lucros, dividendos e grandes fortunas. Assim,  
a modernização institucional não rompeu com a lógica de fundo da via colonial: apenas  
aperfeiçoou seus mecanismos de subordinação ao capital financeiro e de espoliação  
dos trabalhadores e setores populares.  
Essa permanência estrutural se evidencia na própria forma como o estado  
brasileiro lida com as crises fiscais contemporâneas. Em momentos de ajuste, como os  
que marcaram as últimas décadas, as políticas predominantes consistem em cortes nos  
gastos sociais, congelamento de investimentos públicos e reformas regressivas como  
a trabalhista e a previdenciária –, sempre justificadas em nome da “responsabilidade  
fiscal”. No entanto, essas medidas não tocam nos principais beneficiários do fundo  
público: os detentores da dívida mobiliária, os grandes conglomerados financeiros e  
os setores rentistas. O equilíbrio orçamentário é buscado sacrificando as camadas  
populares, enquanto os verdadeiros centros de apropriação de excedente permanecem  
intocados.  
Compreender a trajetória do fundo público brasileiro exige romper com as  
ilusões tecnocráticas e politicistas que reduzem a política fiscal a uma questão de  
gestão eficiente. O orçamento público é, antes de tudo, um campo de disputa de  
classes, e sua forma atual expressa o domínio do capital financeiro sobre as decisões  
estatais e a forma como os recursos são distribuídos na sociedade. A herança da via  
colonial se atualiza hoje na dependência do mercado de capitais, na prioridade  
absoluta ao pagamento de juros da dívida e na manutenção de um sistema tributário  
regressivo. Como já iluminava a crítica chasiniana, não se trata de “melhorar” a  
administração estatal, mas de transformar radicalmente o projeto de estado e de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 127  
nova fase  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
sociedade, superando a subordinação estrutural que faz do fundo público brasileiro  
uma ferramenta de reprodução das desigualdades e da dependência. Sem esse  
enfrentamento político, qualquer reforma fiscal permanecerá confinada aos limites da  
ordem vigente que, como no século XIX, segue gerindo a miséria em vez de enfrentá-  
la.  
Referências bibliográficas  
BRASIL. Alvará de 3 de junho de 1809. Crêa o imposto do siza da compra e venda  
dos bens de raiz e meia siza dos escravos ladinos. Disponível em:  
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/atos/alv/1809/alv-3-6-1809.html>.  
Acesso em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Alvará de 25 de abril de 1818. Regula os direitos que devem pagar os  
diversos generos e mercadorias que entrarem nos portos de Reino Unido.  
Disponível  
em:  
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/alvara/anterioresa1824/alvara-39297-25-  
abril-1818-569205-publicacaooriginal-92450-pe.html>. Acesso em: 30 mar.  
2025.  
BRASIL. Decreto de 30 de dezembro de 1822. Manda sujeitar os gêneros de indústria  
e manufactura portugueza ao pagamento de direitos de 24% de importação; admite  
a despacho o rapé estrangeiro; e estabelece taxas fixas para os gêneros  
denominados  
molhados.  
Disponível  
em:  
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/anterioresa1824/decreto-  
39073-30-dezembro-1822-568614-publicacaooriginal-91947-pe.html>. Acesso  
em: 31 mar. 2025.  
BRASIL. Decreto de 5 de janeiro de 1824. Manda contrahir na Europa um emprestimo  
de  
tres  
milhões  
de  
libras  
esterlinas.  
Disponível  
em:  
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/DIM-5-1-1824.htm.  
Acesso em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Constituição política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824.  
Disponível  
em:  
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso  
em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Convenção Adicional ao Tratado de Amizade e Aliança de 29 de agosto de  
1825, entre El-Rei D. João VI e D. Pedro I, Imperador do Brasil. Rio de Janeiro, 29  
ago. 1825. Disponível em: <https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento-  
acordo/12>. Acesso em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Lei de 15 de novembro de 1827. Do reconhecimento e legalisação da divida  
publica, fundação da divida interna e estabelecimento da Caixa de Amortização.  
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-  
38438-15-novembro-1827-566772-publicacaooriginal-90262-pl.html>. Acesso  
em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Lei de 8 de outubro de 1828. Orça a receita e fixa a despesa do Tesouro  
Público nesta Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano de 1829. Legislação  
Federal, Câmara dos Deputados,  
8
out. 1828. Disponível em:  
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38285-8-outubro-  
1828-566377-publicacaooriginal-89950-pl.html>. Acesso em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Lei de 23 de setembro de 1829. Sobre a extinção do Banco do Brasil e mais  
disposições a ele tendentes. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/  
Verinotio  
128 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
lei_sn/1824-1899/lei-38033-23-setembro-1829-565776-publicacaooriginal-  
89502-pl.html>. Acesso em: 30 mar. 2025.  
BRASIL. Lei de 4 de outubro de 1831. Dá organização ao Tesouro Público Nacional e  
às  
Tesourarias  
das  
Províncias.  
Disponível  
em:  
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-4-10-1831.htm>. Acesso em:  
30 mar. 2025.  
BRASIL. Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adições à  
Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832.  
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leimp/1824-1899/lei-16-  
12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em: 30 mar.  
2025.  
CARREIRA, L. C. História financeira e orçamentária do Império do Brazil desde a sua  
fundação. Precedida de alguns apontamentos acerca da sua Independência. Rio de  
Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo  
híper-tardio. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978.  
CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. Revista Ensaio, São Paulo, Editora Ensaio,  
n. 14, 1985.  
COUTINHO, C. N. O significado de Lima Barreto na literatura brasileira. In: COUTINHO,  
C. N. et al. Realismo e antirrealismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e  
Terra, 1974.  
DEVEZA, G. Política tributária no período imperial. In: HOLANDA, S. B; CAMPOS, P.  
M. (Org.). História geral da civilização brasileira t. II: O Brasil monárquico v. 6.  
Declínio e queda do Império. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.  
FLEIUSS, Max. História administrativa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos,  
1925.  
GAMA, Manoel Jacintho Nogueira da Gama. Exposição do actual estado das rendas  
e despezas publicas do Real Erario do Rio de Janeiro, e do Methodo que se deve  
seguir, para que todos os pagamentos se possão fazer em moeda corrente no  
preciso dia dos seus vencimentos. In: ROCHA, Justiniano José. Biographia de  
Manoel Jacintho Nogueira da Gama Marquez de Baependy. Rio de Janeiro:  
Typographia Universal de Laemmert, 1851.  
MARX, K. “Draft of na article on Friedrich List’s book Das nationale System der  
politischen Oekonomie. In: MARX, K; ENGELS, F. Collected Works v. 4. London:  
Lawrence and Wishart, 1975.  
PRADO JR., C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.  
Como citar:  
REZENDE, Thiago Dutra Hollanda de. Miséria fiscal brasileira e fundo público no  
Império: fundamentos da subordinação financeira (1822-1840). Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 101-129, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 101-129 jan.-jun., 2025 | 129  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.759  
Determinações da punição no capitalismo de via  
colonial brasileiro: da colônia à formação da classe  
trabalhadora livre  
Punishment in Brazil's Colonial Way Capitalism: From  
Colony to the Formation of Free Labor  
Nayara Rodrigues Medrado*  
Abstract: This study seeks to delineate, from  
Resumo: Este trabalho pretende traçar, desde  
reasonable theoretical abstractions, the general  
determinations of punishment within the  
Brazilian colonial way (via colonial). It  
specifically highlights the roles played by the  
penal system in shaping its particular mode of  
capitalist development. Spanning different  
moments in national history, from the colonial  
period until the mid-1930s, we aim to  
demonstrate that the Brazil’s colonial-way penal  
system way functioned as an instrument of  
extra-economic violence, permanent preventive  
abstrações razoáveis, determinações gerais da  
punição na via colonial brasileira, apontando os  
papeis desempenhados pelo sistema penal na  
conformação  
dessa  
via  
própria  
de  
desenvolvimento capitalista. Passando por  
diferentes momentos da história nacional, desde  
o período colonial até meados da década de  
1930, buscamos sustentar o sistema penal de via  
colonial como instrumento de violência  
extraeconômica, de contrarrevolução preventiva  
permanente e de garantia da modernização  
excludente no Brasil. Partimos, para isso, da  
interpretação de dados produzidos pela  
Historiografia nas últimas décadas desde as  
lentes da Teoria da Via Colonial de José Chasin,  
complementada por outros intérpretes da  
formação social brasileira. O trabalho também se  
ocupa de contextualizar o sistema penal de via  
colonial em meio ao debate das vias de  
objetivação capitalista, trazendo comparações,  
ainda que pontuais, com as vias clássica e  
prussiana.  
counter-revolution, and  
a
guarantor of  
exclusionary modernization in Brazil. Drawing  
upon historiographical data produced in recent  
decades, our analysis is informed by José  
Chasin's Theory of the Colonial Way (Teoria da  
Via Colonial), complemented by other  
interpreters of Brazilian social formation. This  
paper also contextualizes the penal system of  
colonial way within the broader debate on  
capitalist  
objectification  
ways,  
offering  
comparative insights, albeit punctual, with the  
classical and Prussian ways.  
Palavras-chave: Sistema penal; via colonial;  
formação social brasileira.  
Keywords: Penal system; colonial way; brazilian  
social formation.  
Introdução  
Neste artigo, fruto de reflexões mais profundamente desenvolvidas em pesquisa  
de doutorado, buscamos analisar as determinações das formas punitivas no processo  
histórico de objetivação do capitalismo brasileiro. O objetivo é sustentar que o sistema  
*
Doutora em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Universidade  
Federal de Juiz de Fora (UFJF) campus Governador Valadares. E-mail: nayaramedrado@gmail.com.  
Orcid: 000-0003-1408-3276.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
penal no Brasil atuou, em diversos momentos da história nacional, no sentido de  
assegurar e de reproduzir os caracteres próprios de uma via colonial de  
desenvolvimento capitalista, na definição de J. Chasin. Isso se daria sob a forma tanto  
de violência extraeconômica quanto de uma contrarrevolução preventiva permanente,  
e, ainda, a partir da gestação e da propagação de ideologias que servem de  
sustentação à ordem burguesa no particular modo como ela se objetiva no Brasil.  
Passamos, para isso, por diferentes momentos da formação nacional, desde o  
Brasil-colônia, marcado pela vigência de relações escravistas, até meados da década  
de 1930, com a consolidação de uma classe trabalhadora livre no país. Nesse percurso,  
sublinhamos a continuidade da repressão correcional por meio das contravenções  
penais, e a progressiva sofisticação do aparato repressivo do estado, com o  
surgimento da pena privativa de liberdade e a consolidação de um aparato público de  
repressão institucional, composto por uma miríade de instituições.  
A análise é feita em um razoável grau de abstração, partindo de dados já  
produzidos, especialmente nos campos da história social e do direito, e os lendo a  
partir das lentes da teoria da via colonial de J. Chasin, conjugado com outros  
intérpretes marxistas da realidade brasileira. Referências pontuais a outras vias de  
objetivação capitalista, em especial a via clássica inglesa e americana e a via prussiana  
alemã, são utilizadas como estratégia de contextualização, por semelhanças e  
contrastes, que auxiliam na tarefa de traçar os delineamentos gerais caracterizadores  
do sistema penal da via colonial brasileira, nos momentos históricos que elegemos  
como objeto da exposição.  
Modernização atrófica, subordinação e superexploração da força de trabalho  
J. Chasin chamou de via colonial o específico modo de concreção do capitalismo  
no Brasil e em outros países da América Latina, da África e de regiões da Ásia. Em  
meio ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, a via colonial, embora  
compondo a universalidade de um capitalismo global, aparece como forma particular  
de concreção com características contrastantes com a chamada via clássica de  
objetivação capitalista, típica de países como Inglaterra, França, Holanda e Estados  
Unidos.  
Os ditos capitalismos clássicos vivenciaram um processo precoce, acelerado,  
autônomo e completo de industrialização, favorecido pela colonização do “novo  
mundo” e concomitante a movimentos revolucionários encabeçados por uma  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 131  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
burguesia progressista que se reivindicava representante de interesses gerais,  
rompendo com a ordem feudal e afirmando uma visão jurídica de mundo. Essas  
“revoluções de tipo europeu” assumem caráter de verdadeira ruptura com o velho e  
de afirmação de uma nova ordem social, ou de uma “ordem política para a nova  
sociedade europeia”:  
Nelas triunfou a burguesia; mas o triunfo da burguesia foi então o  
triunfo de uma nova ordem social, o triunfo da propriedade burguesa  
sobre a propriedade feudal, da nacionalidade sobre o provincialismo,  
da concorrência sobre o corporativismo, da partilha sobre o morgado,  
do domínio do proprietário de terra sobre a dominação do  
proprietário através da terra; do esclarecimento sobre a superstição,  
da família sobre o nome da família, da indústria sobre a preguiça  
heroica, do direito burguês sobre os privilégios medievais. A  
revolução de 1648 foi o triunfo do século XVII sobre o século XVI, a  
revolução de 1789 o triunfo do século XVIII sobre o século XVII. Essas  
revoluções exprimiam ainda mais as necessidades do mundo de então  
do que das partes do mundo onde tinham ocorrido, Inglaterra e  
França. (MARX, 2020, pp. 323-4)  
A formação do capitalismo nos países dessa via se deu com base em saltos e  
rupturas, tanto no plano econômico, com momentos de revolucionamento das técnicas  
produtivas que elevaram o desenvolvimento industrial a outro patamar, como no  
político, com as revoluções liberais afirmadoras de uma nova ordem social e, com ela,  
de uma visão jurídica de mundo. São casos clássicos, nesse sentido, “porque mais  
coerentes, mais congruentes ou consentâneos, no plano da sua própria totalidade,  
enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas partes fundamentais imbricam  
entre si e em relação ao todo de forma mais amplamente orgânica, de maneira que o  
real se mostra como racional, no nível da máxima racionalidade historicamente  
possível” (CHASIN, 2000, p. 43).  
Via prussiana e via colonial são, ao contrário, formações não-clássicas, que se  
aproximam justamente na condição de particulares contrastantes. Como na via  
prussiana, pela qual passaram países como Alemanha, Itália e Japão, o caminho  
colonial é marcado pela presença da grande propriedade, pelo atraso no  
desenvolvimento capitalista e pela ausência de uma revolução burguesa nos moldes  
clássicos, substituída por uma tendência ao reformismo estreito e pelo alto, afirmadora  
do novo sempre em conciliação com o velho.  
Mas, diferentemente do caso alemão debatido amplamente por Marx, a grande  
propriedade brasileira tem origem não no feudo, mas na colônia. E a industrialização  
de via colonial é não apenas tardia, mas híper-tardia, e se põe, lentamente e em meio  
Verinotio  
132 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
a surtos, refreios e obstaculizações, de forma subordinada ao capital estrangeiro,  
redundando em um capitalismo atrófico, pois incompleto e incompletável (CHASIN,  
2000, pp. 14-6). O atraso, por sua vez, não tem apenas uma dimensão cronológica –  
os diferentes contextos históricos e as diversas condições sob as quais se dá esse  
desenvolvimento conduzem a expressões também muito próprias. Se a Alemanha se  
põe, embora tardiamente, como elo débil na cadeia imperialista, o Brasil se  
industrializa enquanto território semicolonial disputado pelas potências imperialistas:  
Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em  
que o proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e  
práticas, e a estruturação dos impérios colonial já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. (CHASIN, 2000, p. 34)  
Esse caráter hiperatrasado, atrófico e subordinado do desenvolvimento imprime  
características próprias nas classes sociais brasileiras, que não se desenvolvem  
plenamente e, em especial quando tratamos da burguesia, há uma falência no  
desempenho de suas missões históricas. Diante dessa lacuna, o estado de via colonial  
é chamado a cumprir papéis próprios, inexistentes no mesmo grau em outras  
realidades históricas, especialmente o de promover uma industrialização subordinada  
e baseada na superexploração da força de trabalho, recorrendo frequentemente, para  
isso, a um expediente bonapartista, oscilante na história nacional, com períodos de  
afirmação de uma autocracia burguesa institucionalizada. Já a missão política, de  
afirmação de direitos humanos fica a cargo da própria classe trabalhadora, uma vez  
que, na via colonial, a evolução nacional está desatada, e frequentemente em oposição,  
ao progresso social. Essa evolução nacional seria “reflexa”, na medida em que do  
capital “não emana nem pode emanar um projeto de integração nacional de suas  
categorias sociais, a não ser sob a forma direta da própria excludência do progresso  
social, até mesmo pela nulificação social de vastos contingentes populacionais”  
(CHASIN, 2000, p. 221).  
O sentido da gênese do Brasil enquanto formação social, como aponta Caio  
Prado Jr. (1961), é o de uma empresa colonial voltada a atender a interesses  
estrangeiros colocados no contexto de um capitalismo mercantil. O estatuto colonial,  
por ao menos três séculos e apenas parcialmente superado, baseou-se, de um lado,  
na exploração de recursos nacionais para produção e exportação de gêneros de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 133  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
interesse do comércio europeu, e, de outro, na importação de produtos  
manufaturados, como mercado consumidor potencializado pelo exclusivo comercial.  
A independência política do Brasil em 1822, embora afirmando uma autonomia  
formal, não rompeu com esse estatuto em sua totalidade. O Brasil migrou da posição  
de colônia para a de semicolônia, ainda subordinada aos interesses de países centrais,  
com destaque, no período, para a Inglaterra e, posteriormente, para os Estados Unidos  
da América. A tríade latifúndio-agroexportação-escravidão ainda daria o tom do  
caminho colonial ao menos até a abolição formal da escravidão, ocorrida tardiamente  
em 1888, o que alçou o Brasil à posição de último país das Américas a decretá-la.  
Ambos os eventos históricos independência e abolição , e o mesmo se pode  
dizer da subsequente Proclamação da República em 1889, longe de uma revolução  
de tipo europeu, representaram reformas empreendidas mediante conciliação da  
anômala burguesia brasileira com setores do capital internacional. A independência  
realiza-se em um momento de esgotamento do capitalismo comercial: o exclusivo  
metropolitano era um entrave à expansão do mercado consumidor demandado pelas  
indústrias em ascensão, principalmente na Inglaterra. Já a abolição, após décadas de  
resistência da elite brasileira na exploração do trabalho escravo até a última gota,  
aparece como imperativo de um capitalismo industrial que tornou a própria escravidão  
obsoleta. No resumo de Chasin:  
A via colonial da objetivação do capitalismo, em uma de suas  
determinações mais gerais, significa o estabelecimento da existência  
societária do capital sem interveniência de processo revolucionário  
constituinte. [...] Sem revolução burguesa, o Brasil vem a ser a herança  
de uma unidade territorial e linguística constituída na subsunção  
formal ao capital, através de uma sociedade escravista. Herança, por  
consequência, de uma forma desagregada, sem dimensão de  
sociabilidade nacional, identidade econômica ou cultural, a não ser a  
ficção de autonomia política. (CHASIN, 2000, p. 220)  
O sentido de nossa formação é, desde sua gênese, atender a interesses  
estranhos aos nacionais, seja sob a forma de colônia que serve à acumulação capitalista  
no período manufatureiro, seja sob a condição de semicolônia subordinada  
economicamente ao capital internacional, mas que segue marcada pela apropriação  
dual do excedente do trabalho, voltado a abastecer tanto as burguesias internas  
quanto as dos países subordinantes.  
No caminho colonial, a tríade latifúndio-agroexportação-escravidão deu o tom  
das relações sociais por quase quatro séculos e, mesmo com a abolição da escravidão,  
o apego a uma propagada “vocação agroexportadora” persistiu como freio ao  
Verinotio  
134 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
desenvolvimento industrial. Em meio a impulsos de curta duração e contramarchas,  
esse desenvolvimento se dá ultratardiamente apenas na década de 1930, com o fim  
da hegemonia agroexportadora.  
Ainda assim, permaneceu a relação de subordinação de nosso capitalismo  
atrofiado em relação a potências globais, o que tem como consequência a  
superexploração da força de trabalho e, com ela, um esquema de modernização  
excludente, viabilizado por um estado de natureza autocrática que eleva os níveis da  
violência política a patamares bastante próprios.  
Isso não significa dizer que em outras vias de desenvolvimento capitalista a  
violência política não seja elemento relevante ou, mesmo, central. Basicamente, não há  
capitalismo sem violência. Mas há graus e formas diferentes de exercício da repressão  
oficial, conforme o modo específico de desenvolvimento das relações produtivas em  
uma dada formação social e os vários momentos desse desenvolvimento:  
A análise marxiana do estado não opera, pois, a disjunção entre direito  
e violência (comum nas concepções liberal-democráticas da  
democracia e uma das bases dos conceitos de totalitarismo e  
autoritarismo); ao contrário, mostra que mesmo o estado mais  
democrático tem a violência como seu conteúdo mais central, uma vez  
que é a outra face do capital, relação de produção centrada na  
contínua e ampliada usurpação da essência genérica dos homens e na  
concorrência. Mas os patamares da violência não são idênticos em  
todas as formas de estado. A análise marxiana do estado bonapartista  
evidencia que a violência se acentua conforme as reivindicações da  
classe trabalhadora põem em risco a existência do capital, ou seja, à  
medida que essa forma social se torna uma base estreita demais para  
as necessidades e possibilidades do desenvolvimento humano.  
(COTRIM, 2024, p. 10)  
Interessa-nos analisar a particularidade do exercício da violência política e  
mais propriamente daquela violência exercida pelas instituições oficiais do estado por  
meio de seu sistema penal no desenvolvimento do caminho colonial brasileiro.  
Façamos esse exercício passando por alguns dos momentos fundamentais da história  
nacional.  
O sistema penal da escravidão: violência extraeconômica e contrarrevolução  
preventiva permanente  
As práticas judiciais do Brasil colônia eram regidas por uma multiplicidade de  
fontes, em uma mescla embaralhada e não-sistematizada da legislação metropolitana  
com normas e tradições locais, mediadas por uma concepção religiosa de mundo e  
aplicadas de forma discricionária, casuística e discriminatória. Mesmo sob a vigência  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 135  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
do temido Livro V das Ordenações Filipinas, descrito como um verdadeiro catálogo de  
monstruosidades que previa açoitamento e pena de morte a crimes como feitiçaria,  
sodomia e mexericagem, a intervenção penal da justiça secular era pontual e  
esporádica. Chegava-se a admitir perdão, graça ou fiança para quase metade dos  
processos julgados, já que a eficácia da justiça “residia em se fazer temer ao ameaçar  
e se fazer amar ao não cumprir” (ARAÚJO; VALLE, 2019, p. 43).  
Concretamente, no período colonial e, de forma mais ampla, durante todo o  
período de vigência da escravidão, o sistema penal esteve situado nos quintais da  
casa-grande. Isso significa dizer que o exercício mais relevante, cotidiano e vigoroso  
do poder punitivo se dava no âmbito do justiçamento privado dos senhores sobre  
seus escravos, com base em castigos corporais.  
Atuando como violência extraeconômica, esse exercício punitivo contribuiu para  
a máxima exploração do trabalho escravo, primeiro indígena e depois negro. A  
escravidão, especialmente a negra, é considerada uma atividade mais onerosa, por  
envolver, na compra do trabalhador, a inversão inicial de capital, que se torna  
esterilizado, e por redundar em um mais elevado risco de fuga e de morte do  
trabalhador cativo, além de um maior custo de vigilância. Era o sobretrabalho dos  
escravizados o responsável por repor essa inversão inicial e garantir lucros  
compensadores aos senhores de terras, também afetados pelo estatuto colonial, que  
fazia com que a eles restasse apenas uma pequena fatia do produto do trabalho,  
apropriado parcialmente pela metrópole. Nesse sentido, a inversão inicial de aquisição  
do escravo “assegura ao escravista o direito de dispor de uma força de trabalho como  
sua propriedade permanente e simultaneamente esteriliza o fundo adiantado neste  
puro ato de aquisição, reposto à custa do excedente a ser criado pelo mesmo escravo”  
(GORENDER, 2016, p. 223).  
Daí porque a escravidão envolve um grau de exploração do trabalho que chega  
ao limite literal da reificação e que só pode ser garantido pela confluência da coerção  
econômica com a coerção extraeconômica: “os troncos, os pelourinhos, a gonilha, o  
bacalhau, a máscara de flandres, o vira-mundo, o anjinho, o libambo, as placa de ferro  
com inscrições infamantes, as correntes, os grilhões, as gargalheiras” aparecem como  
ferramentas de um “aparelho de tortura ou aviltamento através do qual as leis eram  
executadas como medida de normalidade social” (MOURA, 2019, p. 276).  
Essa é a face da incipiente e anômala fração da burguesia brasileira que seria  
hegemônica ao menos até a década de 1930 e que nunca deixaria de ter influência  
Verinotio  
136 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
relevante, se não decisiva, nos rumos do país. Não é uma burguesia progressista, que,  
como reivindicada representante de interesses gerais, lidera revoluções afirmadoras  
de direitos humanos; é, ao contrário, uma classe dominante que já nasce subordinada  
e voltada à exploração do trabalho até a última gota, e para isso se valendo de toda  
sorte de violências que a escravidão historicamente encarnou uma violência que é,  
ao mesmo tempo, coerção extraeconômica e contrarrevolução preventiva permanente.  
A justiça pública respaldava o poder doméstico dos senhores e tinha, no geral,  
um tratamento conivente com os castigos aplicados no âmbito doméstico. Intervinha  
rara e pontualmente na arbitragem dessa relação, no sentido de garantir uma  
administração da escravaria baseada em um ethos da disciplina “rígida mas sem  
excessos”, em que não eram bem-vindos nem os frouxos nem os sádicos (SCHWARTZ,  
1988, p. 221). A intervenção punitiva sobre os escravizados também era incomum,  
dada a prioridade conferida aos senhores no exercício punitivo em relação a suas  
propriedades:  
Uma das particularidades da violência no escravismo era o direito  
privado do senhor de julgar o escravo e de submetê-lo a castigos  
físicos. Nos domínios rurais, onde o aparelho judicial não se fazia  
presente, muito raramente o senhor entregaria o escravo criminoso ou  
indisciplinado à autoridade do estado, uma vez que isto significaria  
perder ou desvalorizar uma propriedade. O comum era o castigo do  
escravo no interior da plantagem. (GORENDER, 2016, p. 42)  
Esse nascente estado autocrático brasileiro tinha, entretanto, uma atuação  
relevante na complementação do poder doméstico dos senhores em casos de  
insubordinações mais graves dos escravizados, como em fugas coletivas, na formação  
de quilombos, nas insurreições urbanas ou no engajamento em movimentos políticos  
mais amplos. Clóvis Moura enumera diversas repressões sanguinárias, promovidas  
pelo estado autorizado por cartas régias e alvarás, a quilombos do Norte ao Sul do  
país e que levaram incontáveis pessoas, de crianças a idosos, à morte ou à prisão nas  
cadeias públicas da época (MOURA, 2020). Também destaca o tratamento  
distintamente rigoroso conferido aos negros que tiveram engajamento em movimentos  
como a Revolução Pernambucana de 1817 e as inconfidências Mineira e Baiana,  
quando comparado à repressão aos participantes brancos (MOURA, 2021, p. 224).  
Para além disso, já a partir do século XVIII temos registros dos chamados calabouços,  
prisões especificamente destinadas a escravizados, em que os senhores poderiam  
terceirizar ao estado, mediante o pagamento de uma taxa, a aplicação de castigos a  
escravizados insubmissos (ARAÚJO, 2017, p. 2019).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 137  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
A participação do estado na coerção aos escravizados foi gradativamente  
aumentando à medida que cidades brasileiras, e com elas as variadas formas de  
escravidão urbana, ganhavam projeção, especialmente a partir da vinda da família real  
para o Brasil e a formalização da independência. Na escravidão urbana, diferentemente  
da rural, o feitor estava ausente e tinha sua atuação em algum grau substituída pelo  
próprio poder público, “altamente interessado em manter a ordem da cidade e evitar  
aglomerações perigosas de negros”, de modo que “entre o escravo e o senhor  
interpunha-se uma nova figura: o estado e seus agentes” (ALGRANTI, 1983, p. 47).  
Ao lado dos castigos aplicados pelos senhores, que poderiam ser terceirizados  
à polícia, entravam as punições aplicadas pelo estado contra infrações das leis das  
cidades e por crimes ordinários perpetrados pelos escravizados. As punições  
consistiam geralmente em açoites, prisões com alguns meses de duração, galés  
(trabalho para o estado) ou o isolamento, por degredo, para o interior ou o exterior  
do país, podendo envolver também, embora mais raramente, pena de morte  
(ALGRANTI, 1983, pp. 236-9).  
Decretos e posturas municipais foram editados prevendo infrações: vadiagem,  
embriaguez, desordens, jogos de azar, brigas de rua, insultos a policiais, porte de facas  
ou navalhas, desobediência ao recolhimento domiciliar noturno e à obrigação de portar  
passaportes no trânsito entre distritos, ou mesmo o “ajuntamento” de escravizados  
para danças ou jogos: “os negros eram presos em pleno dia por assobiarem como  
capoeiras, usarem um casquete com fitas amarelas e encarnadas símbolos dos  
capoeiras e por carregarem instrumentos musicais utilizados nos seus encontros”  
(ALGRANTI, 1983, p. 201).  
Em alvará de 1816, do Rio de Janeiro, a capoeiragem era punida com 300  
chibatadas e três meses de trabalho forçado. Na prisão carioca, 80% dos internos  
eram escravos e 32% respondiam por crimes contra a ordem pública. Do universo de  
cinco mil casos analisados, não havia um homicídio consumado sequer e apenas 20  
internos haviam sido presos por agressão (ALGRANTI, 1983, p. 198).  
Mesmo após a sistematização penal trazida pelo Código Criminal de 1830,  
normativas desse tipo continuaram sendo editadas, como aponta a pesquisa de Mario  
Barbosa relativa a diferentes cidades. Posturas municipais proibiam o ajuntamento de  
negros e vadios, o porte de arma, a embriaguez ou a prática de jogos ou de lutas  
como a capoeira em espaços públicos, as “vozerias e a exposição de palavras, gestos,  
vestimentas, quadros ou figuras imorais” (2021, pp. 61-5). As infrações eram punidas  
Verinotio  
138 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
com açoites e prisão, no caso de escravizados, e com prisão e multa, no caso de  
pessoas livres.  
É justamente esse o contexto de surgimento das instituições que dariam origem  
às modernas forças policiais: a Intendência-Geral da Polícia da Corte e do Estado do  
Brasil e sua subordinada Guarda Real de Polícia são instauradas em 1808 e 1809,  
respectivamente, com o papel de repressão da criminalidade e de garantia da ordem  
pública, desde seu nascedouro com vocação particular para a repressão da população  
negra, submetida à ou recém-liberta da escravidão. A polícia se tornaria, naturalmente,  
elemento central de um estado que não só já nasce autocrático, a partir de um pacto  
conciliatório que exclui grandes contingentes populacionais do exercício de direitos,  
como assume por tarefa fundamental a repressão brutal e preventiva a qualquer  
questionamento desse mesmo caráter. Na aplicação das leis e posturas municipais, a  
polícia garante o controle e a disciplina da população negra e/ou pobre circulante nas  
cidades, além de garantir a disponibilidade de trabalhadores e de obstar eventuais  
formas de organização política desses contingentes.  
A prisão-pena é prevista no Brasil a partir do Código Criminal de 1830 em  
quatro modalidades: prisão simples, com ou sem trabalho, e prisão perpétua, também  
com ou sem trabalho. Essa legislação, dita liberal por abarcar preceitos do direito penal  
moderno em voga nas reformas penais europeias, como a legalidade e a humanidade  
das penas, não teve qualquer embaraço em seguir respaldando o poder punitivo  
privado dos senhores, além das penas de açoite, galés e de morte, esta última  
reforçada em 1835, para pessoas escravizadas, a quem também eram reservados  
crimes específicos, como os de rebelião e de insurreição.  
É no turbulento contexto da década de 1830, em meio a revoltas como a  
Sabinada, a Balaiada, a Cabanagem, a Farroupilha, a dos Malês, a de Carrancas, dentre  
outras, que as primeiras casas de correção brasileiras, como instituições voltadas ao  
cumprimento da pena de prisão, começam a ser idealizadas e projetadas. A inspiração  
dos debates intelectuais e políticos é o penalismo ilustrado do movimento codificador  
europeu, aliado a práticas prisionais de países como os Estados Unidos: a prisão  
moderna, útil, que, tal como no modelo implementado em Auburn, une privação de  
liberdade noturna em celas individuais com trabalho comum em oficinas internas à  
prisão durante o dia. O trabalho penitenciário aparecia discursivamente como “a  
antítese do ócio, da vadiagem, do crime”, razão pela qual “todo criminoso deveria  
aprender um ofício, qualificado ou não, a ser exercido diariamente fora da cela, sob  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 139  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
silêncio, em horário definido, que lhe trouxesse garantias do retorno à sociedade como  
cidadão laborioso e útil” (SANT’ANNA, 2017, p. 296).  
Se na colônia o encarceramento “foi uma prática social regulada mais pelo  
costume do que pela lei, e destinada simplesmente a armazenar detentos, sem que se  
tenha implementado um regime punitivo institucional que buscasse a reforma dos  
delinquentes” (AGUIRRE, 2017, p. 38), sob o Império, e especialmente a partir dos  
movimentos de massa da década de 1830, ele assume um papel de contenção de  
parcelas da população, cumulando com uma aposta de modernização das instituições  
oficiais do estado e, com ela, na afirmação de uma ética do trabalho. No entanto,  
apesar dos arrojados projetos arquitetônicos e dos minuciosos regulamentos  
penitenciários, a primeira casa de correção brasileira apenas foi inaugurada, com a  
construção ainda inacabada, duas décadas depois, em 1850, no Rio de Janeiro, sendo  
seguida por experiências semelhantes em outras localidades.  
De modo geral, apesar da centralidade do trabalho carcerário na idealização da  
prisão-pena dos oitocentos, com direta inspiração em países europeus, sobretudo os  
de via clássica, na prática as oficinas de trabalho ou não foram construídas, ou o foram  
de forma extremamente precária, ou não persistiram para além do curtíssimo prazo,  
não sendo capazes, ressalvadas exceções, de gerarem lucros significativos. Mais  
comum era o trabalho em obras públicas, embora também este tenha permanecido  
aparentemente distante das dimensões do sistema de arrendamento [convict leasing  
system] estadunidense, que chegou a responder por parcela relevante da economia de  
alguns estados sulistas. Além disso, as casas de correção aprisionavam um número  
muito pequeno de pessoas se comparado aos números das casas de detenção, ou  
mesmo das colônias correcionais, que seriam criadas posteriormente. A regra histórica  
no Brasil é, então, não a prisão definitiva após o devido processo legal, mas a prisão  
correcional, determinada sem processo e frequentemente mesmo sem a identificação  
legal do fato que motivou a prisão.  
O liberalismo clássico encontra a escravidão, e um “panoptismo-tropical-  
escravista” (KOERNER, 2001) se mostraria, de fato, impossível no Brasil. A realidade  
continuou sendo, seguindo a tendência verificada desde os tempos de Brasil colônia,  
a de um cárcere extremamente precário, autoritário e mortífero. Os dados de  
mortalidade na Casa de Correção do Rio de Janeiro variavam entre 20% e 50%,  
dependendo do tempo de privação de liberdade (BRETAS, 2017, p. 189), enquanto,  
em São Paulo, dados mais genéricos apontam para ao menos 10%, 20 vezes maior,  
Verinotio  
140 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
mesmo nessa projeção mais otimista, que os índices de morte nas casas de trabalho  
(workhouses) inglesas do mesmo período (SALLA, 2006, p. 109).  
Estivemos longe, então, de uma espécie de “cárcere-fábrica”, com a dupla faceta  
de unidade produtiva subalterna à fábrica e de conformadora de trabalhadores  
qualificados e disciplinados, como parecem ter experenciado os países de via clássica  
durante o capitalismo comercial, com as casas de trabalho e as casas de correção. Não  
só não tivemos casas de trabalho no Brasil, como nossas casas de correção tinham  
não uma natureza declaradamente assistencial, mas punitiva, de prisão-pena, que  
surge tardiamente, já no contexto global de um capitalismo industrial, mas ainda sob  
a vigência de relações escravistas no Brasil. Tampouco tivemos, nesse período, um  
cárcere que concorria, pelo princípio da menor elegibilidade, para a exploração do  
trabalho livre, ainda minoritário no país.  
O central parece ter sido um cárcere que atuou, desde seus primórdios, como  
violência extraeconômica asseguradora da forma das relações sociais vigentes sob a  
escravidão: aplicando punições aos escravizados mediante pagamento dos seus  
proprietários; reprimindo violentamente qualquer indício de insubmissão coletiva;  
dificultando a conformação de laços de solidariedade e a organização política da  
população negra e da população pobre em geral. Em outras palavras: garantindo a  
administração política da pobreza e a contrarrevolução preventiva ou autodefensiva  
por parte de uma elite agrária desprovida de inspirações humanitárias ou democráticas  
e que encontra no estado seu próprio feitor.  
Formação da classe trabalhadora livre e movimento pendular da República  
autocrática brasileira  
Ainda que pressionada pelas variadas formas de resistência dos escravizados e  
por diferentes setores sociais abolicionistas, a abolição formal da escravidão aparece,  
no Brasil de via colonial, como mais uma reforma empreendida a partir de um  
movimento conciliatório pelo alto, visando a uma modernização excludente que afirma  
o novo sem ruptura decisiva com o velho. O direcionamento do processo é dado pelos  
interesses de frações da anômala burguesia nacional e, especialmente, à pressão de  
uma Inglaterra imperialista. A burguesia agrária, que resistiu por décadas à abolição  
mesmo após a proibição do tráfico negreiro, admite no trabalho assalariado uma saída  
para a escassez de braços, com o agudo encarecimento do trabalho escravo, que  
passara a se concentrar na região Sudeste.  
A Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, não tinha mais que duas frases  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 141  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
e não empreendeu qualquer acerto de contas com o passado escravista, não prevendo  
qualquer tipo de política compensatória aos recém-libertos, relegados, ao contrário, à  
condição de despossuídos pela Lei de Terras de 1850. O caráter foi, novamente, de  
conciliação pelo alto:  
A abolição no Brasil não foi resultado de uma revolução como ocorrera  
no Haiti, nem de uma guerra civil como nos Estados Unidos. Os  
proprietários de escravos não tiveram de enfrentar um governo  
imperial metropolitano como as colônias do Caribe, Jamaica ou Cuba,  
por exemplo. No Brasil, os fazendeiros puderam controlar a transição,  
sobretudo depois que a Monarquia foi substituída pela República  
Federativa em 1889 e os estados ganharam maior autonomia.  
(COSTA, 2008, pp. 133-4)  
Ainda que seja difícil identificar esse episódio como sendo de uma revolução  
social, fato é que a abolição da escravidão, como marco final de um progressivo  
desgaste das relações escravistas diante da consolidação e da generalização de um  
capitalismo industrial, representou um marco importante na história nacional, com um  
impulsionamento das indústrias nascentes, a liberação de significativo vulto de capitais  
esterilizados, a formação de um mercado interno e, especialmente, a constituição de  
uma autêntica classe trabalhadora livre.  
Mas não houve, nesse esquema, plena integração da população recém-liberta à  
nova sociedade do trabalho assalariado. Parte desses trabalhadores passou a ocupar  
aqueles cargos mais precarizados do subemprego, enquanto outra parcela significativa  
passou a compor o exército industrial de reserva ou, como prefere Gorender (2017,  
pp. 123-4), a “reserva da reserva” ou a “reserva de segunda linha dos discriminados”.  
A aposta central foi em uma política de branqueamento a partir da imigração  
subvencionada de trabalhadores europeus, principalmente italianos, responsáveis por  
formar, eles mesmo, uma primeira linha da reserva.  
Nessa concorrência entre diferentes grupos de trabalhadores, o racismo  
assegura que os negros, submetidos às posições mais precárias e constituindo uma  
enorme reserva da reserva, contribuam para o rebaixamento dos salários dos  
trabalhadores em geral, ao mesmo tempo em que garantem a ocupação de postos  
dificilmente atribuíveis a um trabalhador valorizado. A população negra servia, nesse  
sentido, como “massa de pressão em processo de marginalização sobre os imigrantes  
trabalhadores, criando uma ameaça latente contra os mesmos, na medida em que eles  
procurassem levantar reivindicações mais avançadas” (MOURA, 2021, p. 52).  
O sistema penal contribuiu para essa dinâmica. As prisões correcionais  
permaneceram em pleno vigor, direcionando-se majoritariamente à população negra.  
Verinotio  
142 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
De fato, o Código Penal de 1890 deixou de prever crimes específicos para  
escravizados e aboliu definitivamente penas infamantes, como os açoites e as galés.  
Por outro lado, generalizou a pena de prisão para uma maior gama de crimes e  
incorporou, nas suas previsões, infrações de disposições preventivas de leis e de  
regulamentos (como as previstas nas posturas municipais), chamadas no novo código  
de “contravenções penais”. Assim eram a vadiagem, a mendicância, a capoeiragem e  
a embriaguez, além de jogos, apostas, loterias e rifas.  
Em muitos sentidos, o Código endurece o tratamento das contravenções. A  
vadiagem, por exemplo, tem sua pena agravada e recebe uma definição mais ampla,  
abarcando, além da recusa ao emprego, a ausência de domicílio certo, e não mais  
exigindo prévia advertência por juiz de paz. Além disso, o Código passa a prever a  
assinatura de um tempo de ocupação (ou “de bem viver”), em que o apenado se  
compromete a comprovar fonte de autossustento e domicílio certo no prazo de 15  
dias após deixar a prisão, sob pena de ser considerado reincidente e ser enviado para  
uma colônia correcional, onde permaneceria de um a três anos. As colônias  
correcionais representam uma novidade da nova legislação. Situadas em localidades  
distantes ilhas marítimas ou zona rural , destinavam-se inicialmente a  
contraventores persistentes, principalmente vadios e capoeiras, passando  
gradativamente a acolher, entretanto, presos políticos.  
As contravenções, já muito relevantes nas dinâmicas do exercício punitivo desde  
a colônia, representaram o carro chefe da aplicação do sistema penal na I República.  
Em 1890, 60% das pessoas levadas à Casa de Detenção do Rio de Janeiro foram  
detidas por embriaguez, vadiagem e comportamento desordeiro. E das 489 pessoas  
presas em agosto de 1911, a grande maioria era acusada de vadiagem (CHAZKEL,  
2017, p. 15). Só no ano de 1907, passaram pela unidade 3.061 pessoas presas por  
vadiagem e mais 112 presas por “vadiagem reincidente”, além de 122 por  
“embriaguez e vadiagem”, o que significa mais que o triplo de todas as outras infrações  
somadas (NEDER, 1994, p. 86).  
Em São Paulo, apesar de também contar com a ampla prevalência de  
contravenções, a ordem se alterava: vadiagem era a terceira maior motivação das  
prisões, superada por desordem e embriaguez, o que acontecia de forma similar em  
Minas Gerais (SILVA, 2006, p. 99). O mais comum, em todos esses casos, era que a  
prisão fosse desacompanhada de um correspondente processo penal (FAUSTO, 1984,  
pp. 41-4).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 143  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
A punição à capoeiragem, mais diretamente relacionada à criminalização da  
população negra, também permaneceu tendo papel de destaque: respondeu por  
28,5% do total de prisões em São Paulo entre 1904 e 1916 (SANTOS, 2004, p. 52).  
Ao mesmo tempo, os negros tinham mais que o dobro de chance de condenação  
criminal que as pessoas brancas (SANTOS, 2004, p. 236) e eram comuns  
considerações explícitas sobre a cor da pele do acusado, da vítima ou da testemunha  
como elemento de apreciação dos casos criminais em geral.  
Outras práticas culturais ligadas majoritariamente à população negra também  
foram criminalizadas pela legislação extravagante ou, na sua ausência, pela prática  
concreta de uma polícia com pouco apego às previsões legais. Se a escravidão envolvia  
o esforço contínuo de destruição da identidade negra, o pós-abolição vai se esforçar  
para frear as tentativas associativas das novas gerações, como ocorria nos terreiros,  
nos grêmios carnavalescos, nas festas religiosas populares, que constituíam os novos  
“ajuntamentos” de que a legislação do Império, como vimos, tanto se ocupou. Por isso,  
“as diversas manifestações culturais das populações negras, exatamente aquelas que  
engendravam novos laços de sociabilidade e reforçavam convívios comunitários, eram  
sistematicamente perseguidas: a roda de samba, as festas religiosas, as maltas de  
capoeira, os blocos carnavalescos e batuques diversos”. Na marca de uma ruptura que  
conciliava com o velho, sem fazer concessões e recusando qualquer compromisso  
democrático, “os terreiros de macumba foram sistematicamente reprimidos e a posse  
de um pandeiro era suficiente para a polícia enquadrar o sambista na lei de repressão  
à vadiagem” (SIMAS, 2016).  
Para isso também concorreu a ampla difusão de teorias raciais, em especial do  
positivismo criminológico de matriz italiana, com autores como Cesare Lombroso e  
Enrico Ferri. Raymundo Nina Rodrigues, o principal representante do positivismo no  
Brasil, fará uma clara equiparação entre tipo racial e tipo criminoso. Negros, mestiços  
e indígenas seriam raças bárbaras e selvagens, inferiores aos europeus, e que  
formariam o grosso contingente do crime no país: “o negro crioulo conservou vivaz os  
instintos brutais do africano: é rixoso, violento nas suas impulsões sexuais, muito dado  
à embriaguez e esse fundo de caráter imprime o seu cunho na criminalidade colonial  
atual” (RODRIGUES, p. 2011, p. 49).  
Lukács (2020, p. 580) argumentou que a primeira fase da teoria das raças,  
tendo Gobineau como expoente central, renovou o velho antidemocratismo da  
aristocracia feudal, só podendo ser bem aceita no contexto dos séculos XVIII e XIX por  
Verinotio  
144 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
uma burguesia reacionária como a do Sul dos Estados Unidos. Já a segunda fase, a  
das teorias modernas da raça, dentre as quais se destaca o darwinismo social de  
Spencer, renovou o velho antidemocratismo próprio da burguesia, do capitalismo  
vitorioso, tendendo a ter aceitação, já no século XX, em países como a Alemanha, que  
não vivenciaram uma revolução burguesa prévia à dominação econômica e que  
tentavam se inserir tardiamente na corrida imperialista. Não por acaso, o Brasil teve  
ampla aceitação de ambas as teorias da raça, tanto da versão tradicional quanto da  
moderna: para uma burguesia que, como a prussiana, surge conciliatória, de  
tendências bonapartistas e incapaz de maiores empreendimentos revolucionários, e  
que, como a burguesia reacionária, agrária e escravista do Sul dos Estados Unidos, já  
surge reacionária, ambas as influências são palatáveis. A obra de Nina Rodrigues  
representa a síntese da influência de Lombroso, que tem justamente Gobineau como  
referência importante para equiparar tipo racial e tipo criminoso, e de Enrico Ferri, que  
tem seu multifatorialismo fortemente embasado no darwinismo social de Spencer.  
Assim há a recepção da ideologia de uma burguesia reacionária e decadente das vias  
clássica e prussiana por uma burguesia de via colonial que já nasce reacionária e  
decadente.  
Com base em todas essas ferramentas, o sistema penal do pós-abolição, a partir  
da centralidade da repressão às contravenções, direcionada sobretudo à população  
negra e à população pobre em geral, aparece novamente como violência  
extraeconômica que ajuda a forjar os termos do assalariamento no Brasil. Em um  
contexto em que a industrialização ainda se colocava de forma incipiente, de modo  
que a relação-capital ainda não conseguia se firmar sobre seus próprios pés e segundo  
suas próprias leis, a coerção jurídico-penal serve à garantia da disponibilidade de  
trabalhadores e à superexploração da força de trabalho livre, isto é, à determinação  
do valor dessa força de trabalho em níveis mais baixos comparativamente aos países  
clássicos, por vezes até em níveis abaixo de seu limite mínimo ou físico. Isso se dá,  
sob a República, por meio da formação de um exército de reserva, composto, pelo  
racismo, de uma “reserva da reserva” ou de uma “reserva de segunda ordem dos  
discriminados” (GORENDER, 2016), composta justamente pela população negra, que  
impõe a esse grupo social o subemprego ou o desemprego, e faz com que ele  
pressione o exército ativo de trabalhadores a aceitar, com resiliência, as condições de  
trabalho impostas.  
Além disso, por meio da repressão rigorosa da recusa ao trabalho, a partir das  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 145  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
contravenções penais de vadiagem, alcoolismo e mendicância, que perdurariam ainda  
por um século, contribui para consolidar uma ética do trabalho e promove a  
administração política da pobreza, separando aptos e inaptos a trabalhar e isolando  
aquelas ameaças de perturbação à nova ordem. Ainda, mina as possibilidades de  
organização da nascente classe trabalhadora livre, tanto pela proibição das novas  
formas de “ajuntamento” da população negra, quanto, em um sentido mais literal, na  
violenta repressão às greves e a outros “crimes contra a liberdade de trabalho”,  
geralmente enquadráveis como “distúrbios” ou “algazarras” (NEDER, 1994). Nesse  
último aspecto destaca-se o crescente combate ao anarquismo, que justificou prisões  
arbitrárias, espancamentos, confisco de jornais, invasão de residências operárias e  
envio de operários para colônias correcionais (FAUSTO, 2016, pp. 215-6).  
De forma subsidiária e menos relevante, a precária introdução do trabalho no  
cárcere, tanto nas casas de correção quanto nas colônias correcionais e, mesmo, nas  
casas de detenção, pode ter contribuído em algum grau para a qualificação profissional  
de pessoas com tempo de aprisionamento mais longo e para o fornecimento de certos  
produtos artesanais ou manufaturados ao estado, além da disponibilização de braços  
para trabalho em obras públicas.  
O essencial, parece-nos, é como, em um momento ainda prévio à afirmação do  
verdadeiro capitalismo brasileiro e no qual são dados passos ainda incipientes em um  
sentido modernizador, o aparelho repressivo do estado, como operador de uma  
violência extraeconômica e de uma contrarrevolução autodefensiva, busca assegurar  
que essa modernização se dê de forma excludente e que sejam replicados os  
caracteres próprios de uma via colonial: atraso, atrofia, subordinação, superexploração  
do trabalho e progresso nacional sem evolução social.  
Mas o impulso mais relevante à industrialização brasileira, que insere o país em  
um cenário de desenvolvimento mais coeso e estável, é dado pela Revolução de 1930,  
que assegura a hegemonia urbano-industrial em detrimento da agrário-exportadora.  
Temos a ascensão de um estado intervencionista, que arroga para si a tarefa básica  
que a burguesia nacional, subordinada e inorgânica, não conseguiu efetivar: a  
industrialização brasileira. Tem-se a intervenção do estado em setores estratégicos da  
economia, com a criação de grandes empresas estatais no setor das indústrias de base  
e de órgãos destinados a direcionar investimentos em setores específicos, além da  
criação de regulações que interferem nas inclinações naturais da economia.  
Paralelamente a esse empenho do estado em subvencionar o desenvolvimento  
Verinotio  
146 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
das forças produtivas, destaca Mazzeo, tem-se, no plano político, a “repressão ao  
movimento operário e popular, representado pela legislação trabalhista autocrática e  
corporativista e pelo aparelho repressivo de uma polícia política violenta e brutal”  
(MAZZEO, 1995, pp. 33-4). Na esfera penal, cresce a repressão aos crimes contra a  
economia popular, com a criação de novos tipos penais em leis especiais com penas  
não desprezíveis, e aos crimes propriamente políticos, com uma ampla reforma  
reforçadora do aparato policial do estado e com a edição de leis repressivas, com  
destaque para a Lei de Segurança Nacional de 1935, alcunhada de “lei monstro”, e  
para a criação do Tribunal de Segurança Nacional, em 1936, responsável por condenar  
mais de 4.000 pessoas durante sua vigência (BISI, 2016, p. 270). Com isso, preparava-  
se uma antecipação de instrumentos jurídico-políticos do Estado Novo (RAGO FILHO,  
1998, p. 325).  
Ainda sobre o período, Nilo Batista (2003, pp. 464-7) e Gabriela Cavalcanti  
sustentam um arrefecimento da atuação do estado em relação às contravenções penais  
dos períodos antecedentes. O argumento levantado por Gabriela Cavalcanti é no  
sentido de que à medida que o capitalismo industrial brasileiro se firma sobre seus  
próprios pés, “a compulsão econômica torna-se ela mesma a polícia, o juiz e o  
carcereiro” (2018, pp. 296-7). A alegação faz sentido, mas parece contrastante com  
os dados da realidade.  
No estado de São Paulo, entre 1934 e 1939, houve não redução, mas aumento  
em 60% do número absoluto de detenções correcionais por vadiagem, e a redução se  
dá apenas em momento posterior, entre 1939 e 1943 (TEIXEIRA; SALLA; MARINHO,  
2016, pp. 394-6). Ainda assim, dados da cidade de São Paulo apontam para um  
aumento vertiginoso mesmo nesse último período: as detenções por “ócio ou  
vadiagem” mais que triplicaram entre 1943 e 1951 e octuplicaram entre 1943 e  
1960, enquanto as prisões por mendicância quintuplicaram entre 1943 e 1951,  
reduzindo vertiginosamente em seguida. De modo geral, as prisões correcionais quase  
dobraram, em um crescimento bem maior comparativamente às “prisões legais”,  
decorrentes de processo criminal.  
Disso se extrai que houve, na verdade, uma intensificação da perseguição à  
vadiagem e a outras contravenções durante a Era Vargas, inclusive no Estado Novo.  
Isso aponta para a persistência do desempenho de certas funções: a administração  
política do pauperismo e da disponibilidade de trabalhadores; a superexploração da  
força de trabalho, pela continuidade de uma reserva da reserva; um constrangimento  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 147  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
ao trabalho precário, convivente com a afirmação de uma ética do labor; a consolidação  
de um planejamento urbano higienista; e a garantia de uma modernização excludente.  
A isso se acresceria uma tendência de reforço do papel de violência  
propriamente política, com o recurso ao bonapartismo do Estado Novo. Daí em diante,  
o Brasil experimentaria, como aponta Chasin, um movimento pendular entre  
bonapartismo, forma da dominação burguesa em tempos de guerra, e autocracia  
burguesa institucionalizada, forma da dominação burguesa em tempos de paz. As  
formas de dominação são intercambiáveis sem que se desnature o caráter em si  
autocrático do estado brasileiro e a centralidade que nele assume o aparato repressivo  
institucional. Mas, pela limitação de espaço deste artigo, fica a análise desses passos  
posteriores para momento oportuno.  
Conclusão  
Buscamos apontar, na caracterização da via colonial brasileira, desde o período  
colonial até meados da década de 1930, os papéis desempenhados pelo seu sistema  
penal na reprodução dos caracteres próprios deste caminho de objetivação do  
capitalismo. Destacamos, especialmente, o sistema penal como violência  
extraeconômica, como contrarrevolução preventiva permanente e como garantidor do  
caráter autocrático do estado brasileiro.  
Como violência extraeconômica, contribuiu para a máxima exploração do  
trabalho. Em um primeiro momento, do trabalho escravo (indígena e depois negro): a  
máxima exploração, que nesse caso tinha o sentido literal de redução desses seres  
humanos à condição de coisa, era viabilizadora de lucros compensadores aos senhores  
de terras, considerando o investimento de capital (que se torna esterilizado) na compra  
do escravo e o estatuto colonial, que fazia com que ao senhor restasse apenas uma  
pequena fatia do produto do trabalho. Nesse contexto, durante toda a vigência da  
escravidão, o poder punitivo esteve concentrado nas mãos dos senhores de terra: os  
açoites, o pelourinho, os grilhões, a máscara de flandres, o anjinho, o bacalhau e as  
variadas formas de castigo e tortura aparecem como violência extraeconômica voltada  
a assegurar essa forma específica das relações produtivas.  
Depois, com a abolição, o sistema penal serve à superexploração da força de  
trabalho livre, isto é, à determinação do valor dessa força de trabalho em níveis mais  
baixos, por vezes até em níveis abaixo de seu limite mínimo ou físico. Isso se dá, sob  
a República, por meio da formação de um exército de reserva, composto, pelo racismo,  
Verinotio  
148 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
de uma reserva da reserva ou de uma reserva de segunda ordem dos discriminados,  
composta justamente pela população negra, que impõe a esse grupo social o  
subemprego ou o desemprego, e faz com que ele pressione o exército ativo de  
trabalhadores a aceitar com resiliência as condições de trabalho impostas; além disso,  
por meio da repressão rigorosa da recusa ao trabalho, a partir das contravenções  
penais de vadiagem, alcoolismo e mendicância, que perduram por séculos. E, por fim,  
por meio da repressão às lutas dos trabalhadores na reivindicação de melhores  
condições de trabalho, especialmente pela pecha do anarquismo e, posteriormente, a  
partir do Estado Novo, pelo recurso ao bonapartismo.  
Como contrarrevolução preventiva ou autodefensiva permanente, que reprimiu  
as variadas formas de resistência à escravidão e as lutas políticas que visavam a  
questionar mais profundamente a ordem social, o sistema penal brasileiro assegurou  
o prolongamento no tempo de um estatuto colonial baseado na tríade latifúndio-  
agroexportação-escravidão, e um daí decorrente capitalismo híper-tardio, atrófico,  
subordinado, incompleto e incompletável. E, quando essa realidade admitiu o novo –  
uma dita modernização, o sistema penal foi chamado a assegurar que isso se desse  
sob a forma de uma modernização excludente. Longe de revoluções do tipo europeu,  
o que se teve foi uma história movida por acordos pelo alto, conciliações entre as  
classes dominantes, que afirmam o novo pagando alto tributo ao velho, sem qualquer  
acerto de contas com seu passado e reprimindo com violência atroz qualquer  
insurgência a um modelo de superexploração do trabalho ou, mesmo, tentativas de  
afirmação democrática, e excluindo parcelas majoritárias da população, sobretudo a  
negra, das decisões sobre os rumos do país. No caminho colonial, não foi possível  
construir uma democracia burguesa, preponderando um estado autocrático burguês,  
variável, ao longo da história republicana, entre autocracia burguesa institucionalizada,  
forma da dominação burguesa em tempos de paz, e bonapartismo, modo da  
dominação burguesa em tempos de guerra.  
Por outro lado, o caráter atrofiado e subordinado de nosso capitalismo, para  
que concorre esse estado de contrarrevolução preventiva permanente, impõe certas  
particularidades no desenvolvimento das instituições penais brasileiras. É certo que  
foram reproduzidos aqui diversos caracteres do desenvolvimento do sistema penal das  
outras vias. Houve leis de repressão à vadiagem e à mendicância, uma confusão entre  
assistência, repressão e tratamento, com um conjunto de instituições intercambiáveis  
voltadas para um mesmo público e com um modo de funcionamento similar (casas de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 149  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
correção, casas de detenção, asilos de mendicidade, hospitais de alienados, colônias  
correcionais, escolas premonitórias, conventos etc.), e uma invenção penitenciária que  
tenta copiar o modelo clássico. Mas, ao mesmo tempo, o modo específico da  
objetivação brasileira traz particularidades: longe de um panoptismo de inspiração  
clássica, o que se teve foram dados de mortalidade sem precedentes e trabalho  
escasso, artesanal ou com manufaturas de baixíssima expressão, que não perduravam  
por muito tempo.  
Um exercício comparativo com outras vias de desenvolvimento capitalista,  
partindo de abstrações razoáveis, permite sustentar proximidades e afastamentos  
especialmente com a via clássica estadunidense e com a via prussiana alemã.  
Quanto à primeira, há como semelhanças um passado colonial, com a presença  
da plantation e da escravidão, e, por consequência, um sistema penal que tem no  
racismo, histórica e ainda atualmente, uma de suas principais determinações. Como  
diferenças ligadas à ausência de uma revolução burguesa e de um capitalismo capaz  
de se desenvolver plenamente, rompendo com a subordinação, é possível apontar: 1)  
uma tendência estadunidense de exercício da dominação burguesa nos moldes de uma  
democracia burguesa, sem maiores demandas de ruptura, em contraste com a  
tendência autocrática da via colonial, marcada por um movimento pendular entre  
bonapartismo e autocracia burguesa institucionalizada, que reclama formas  
particularmente selvagens de dominação burguesa, para o qual o uso do sistema  
penal, oscilante entre a violência velada e os regimes de exceção, é elemento central;  
2) na apologia direta ao capitalismo, de que falou Lukács, os Estados Unidos tendem  
a um racismo legalista, amparado em uma ideologia segregacionista, enquanto no  
Brasil prevalece um racismo ilegalista, que tem por meios o sistema penal subterrâneo  
e o frequente recurso a um sistema penal paralelo, amparados na negativa teórica do  
racismo e na ideologia da democracia racial; 3) o convict leasing system, e de forma  
mais ampla, a conexão íntima do sistema penal estadunidense com uma iniciativa  
empresarial privada voraz desde seu nascedouro, que nem de longe encontra paralelo  
nas tímidas cifras do trabalho carcerário do capitalismo hipertardio, atrófico,  
incompleto e subordinado brasileiro. No plano ideológico, as teorias modernas da raça  
tiveram aceitação tanto no Brasil quanto pelos escravocratas do sul dos Estados  
Unidos, embora aqui tenha tido um sentido mais prolongado, persistente e  
generalizado.  
No contraste com a via prussiana, tomando o exemplo alemão de base,  
Verinotio  
150 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
entendemos, desde uma abstração razoável, como semelhanças ligadas a uma  
industrialização tardia, à inexistência de processos revolucionários (ao menos nos  
termos descritos por Marx como “revoluções de tipo europeu”) e ao caráter próprio  
de suas burguesias, a tendência a formas particularmente brutais de repressão política  
e, mais especificamente, ao bonapartismo. Como diferenças, vale apontar que o  
bonapartismo alemão conduziu o país a um processo de industrialização e a seu  
ingresso como elo débil na corrida imperialista, ao passo que o bonapartismo  
brasileiro preservou e agudizou a subordinação ao capital internacional. No plano  
ideológico, como semelhança, destacamos a ampla introjeção, em ambos os países,  
das teorias modernas da raça em geral, e do positivismo criminológico em específico,  
com a diferença de que, lá, essas ideologias próprias de uma burguesia em processo  
de decadência foram mobilizadas para a guerra imperialista e culminaram na  
sustentação do fascismo, enquanto no Brasil elas conheceram uma burguesia que já  
nasce decadente e são instrumentalizadas para a perpetuidade da condição  
subordinada brasileira. Em especial, para a permanência da escravidão após a abolição  
do tráfico negreiro e, depois, para a continuidade da exclusão da população negra da  
vida nacional e para a criminalização dos trabalhadores organizados, por meio da  
pecha lombrosiana do anarquismo. Acrescenta-se a isso que o atraso brasileiro gestou  
não um Hitler, com sua agressividade imperialista, mas um Plínio Salgado, com seu  
reacionarismo e sua regressividade utópica, de modo que a escolha política do Brasil  
não foi e dificilmente seria o fascismo, mas sim o bonapartismo, cíclico na história  
nacional e que deixou o legado dos grandes aparelhos de violência institucional do  
Brasil.  
Referências bibliográficas  
AGUIRRE, Carlos. “Cárcere e sociedade na América Latina, 1800-1940”. In: MAIA,  
Clarissa Nunes et al. (Org.). História das prisões no Brasil v. 1. Rio de Janeiro:  
Anfiteatro, 2017.  
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de  
Janeiro (1808-1821). Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo, São  
Paulo, 1983.  
ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de. “Entre dois cativeiros: escravidão urbana e  
sistema prisional no Rio de Janeiro, 1790-1821”. In: MAIA, Clarissa Nunes et al.  
(Org.). História das prisões no Brasil v. 1. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.  
ARAÚJO, Danielle Woberto de; VALLE, Gabrielle Stricker do. Processo dos delitos e das  
heresias: um guia de leitura das Ordenações Filipinas (1603) e do Regimento  
Inquisitorial (1640). Porto Alegre: Editora Fi, 2019.  
BARBOSA, Mario Davi. Do absolutismo paterno e de tantos tribunaes caseiros: Direito  
Penal, castigos aos escravos e duplo nível de legalidade no Brasil (1830-1888).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 151  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,  
2021.  
BATISTA, Nilo. “História da programação criminalizante no Brasil”. In: ZAFFARONI,  
Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal  
Brasileiro v. 1: Teoria geral do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.  
BISI, Adriana. (In)justiça de segurança nacional: a criminalização do comunismo no  
Brasil entre 1935-1945. Tese (Doutorado) Faculdade de Direito de Vitória,  
Vitória, 2016.  
BORGES, Beatriz. Mais de 80 empresas colaboraram com a ditadura militar no Brasil.  
El  
país,  
8
set.  
2014.  
Disponível  
em:  
<https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/08/politica/1410204895_124898.htm  
l>. Acesso em: 4 out. 2024.  
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Brasília: CNV, 2014.  
BRETAS, Marcos Luiz. “O que os olhos não veem: histórias das prisões do Rio de  
Janeiro”. In: MAIA, Clarissa Nunes et al. (Org.). História das prisões no Brasil v. 2.  
Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.  
CAVALCANTI, Gabriela Rigueira. Alicerces do projeto jurídico-penal no capitalismo  
híper-tardio brasileiro: uma análise a partir de Nelson Hungria. Anais do Seminário  
Crítica da Economia Política e do Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.  
Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2018.  
CHASIN, J. A miséria brasileira: 1964-1994 - do golpe militar à crise social. Santo  
André: Ad Hominem, 2000.  
CHAZKEL, Amy. “Uma perigosíssima lição: a Casa de Detenção do Rio de Janeiro na  
Primeira República”. In: MAIA, Clarissa Nunes et al. (Org.). História das prisões no  
Brasil v. II. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.  
COSTA, Emília Viotti. A Abolição. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora UNESP, 2008.  
COTRIM, Lívia. Violência política e formas particulares de objetivação do capitalismo.  
Anais do Congreso Nacional de Estudios de los Movimientos Sociales, 1,  
Universidad Autónoma Metropolitana, Ciudad de México, 2016. Disponível em:  
<https://www.marxists.org/portugues/cotrim/2016/10/90.pdf>. Acesso em: 12  
out. 2024.  
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). 2. ed. São Paulo:  
Companhia das Letras, 2016.  
GONZALEZ, Lélia. “O movimento negro na última década”. In: GONZALEZ, Lélia;  
HASENBALG. Lugar de negro. Editora Marco Zero Limitada. Rio de Janeiro, 1982.  
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2016.  
KOERNER, Andrei. O impossível “panóptico tropical-escravista”: práticas prisionais,  
política e sociedade no Brasil do século XIX. Revista Brasileira de Ciências Criminais,  
v. 35, jul. 2001.  
LUKÁCS, Georg. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota,  
Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
MARX, Karl. Nova Gazeta Renana. Trad. Lívia Cotrim. São Paulo: Expressão Popular,  
2020.  
MAZZEO, Antônio Carlos. Burguesia e capitalismo no Brasil. São Paulo: Editora Ática,  
1995.  
MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? 2. ed. São Paulo: Editora  
Dandara, 2021.  
MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Expressão Popular,  
2020.  
MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019.  
NEDER, Gizlene. Instituição policial e estratégias de controle social no Rio de Janeiro.  
Verinotio  
152 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro  
Revista Arquivo e História, Niterói, n. 1, 1994.  
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 6. ed. São Paulo: Editora  
Brasiliense, 1961.  
RAGO, Antônio. A ideologia 1964: os gestores do capital atrófico. Tese (Doutorado) –  
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998.  
RODRIGUES, Raymundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil.  
Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2011.  
SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. 2. ed. São Paulo: Annablume,  
2006.  
SANT’ANNA, Marilene Antunes. “Trabalho e conflitos na Casa de Correção do Rio de  
Janeiro”. In: MAIA, Clarissa Nunes et al. (Org.). História das prisões no Brasil v. 1.  
Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017.  
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A prisão dos ébrios, capoeiras e vagabundos no início  
da Era Republicana. Topoi, v. 5, n. 8, jan./jun. 2004.  
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial –  
1550-1835. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.  
SILVA, Karla Leal Luz de Souza. A atuação da justiça e dos políticos contra a prática  
da vadiagem: as colônias correcionais agrícolas em Minas Gerais (1890-1940).  
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2006.  
SIMAS, Luiz Antonio. Dos arredores da Praça Onze aos terreiros de Oswaldo Cruz.  
Revista Z Cultural, ano XI, n. 01, 2016.  
TEIXEIRA, Alessandra; SALLA, Fernando; MARINHO, Maria Gabriela. Vadiagem e prisões  
correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da República.  
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 58, mai./ago. 2016.  
TEXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo  
sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. São Paulo: FFLCH/USP,  
2015.  
Como Citar:  
MEDRADO, Nayara Rodrigues. Determinações da punição no capitalismo de via  
colonial brasileiro: da colônia à formação da classe trabalhadora livre. Verinotio, Rio  
das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 130-153, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 130-153 jan.-jun., 2025 | 153  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.755  
O racismo na via colonial  
Racism in the colonial way  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho*  
Resumo: Este texto busca mostrar que as bases  
objetivas, materiais espirituais, da  
discriminação e da violência estatal contra o  
povo negro estão delineadas naquilo que J.  
Chasin denominou via colonial de objetivação do  
capitalismo. Trazendo à tona a inseparabilidade  
Abstract: This text seeks to show that the  
objective, material and spiritual bases of  
discrimination and state violence against black  
people are outlined in what J. Chasin called the  
colonial path of objectification of capitalism.  
Bringing to light the inseparability between  
capital, slavery and racism and, especially, the  
most significant moments in the historical  
evolution of the colonial path, it demarcates the  
social determinations of Brazilian racism, which  
fulfills the function of being one of the most  
effective instruments of the autocratic  
bourgeoisie to enable super-exploitation and  
control of the labor force.  
e
entre capital, escravidão  
e
racismo e,  
especialmente, os momentos mais significativos  
do evolver histórico da via colonial, demarca as  
determinações sociais do racismo brasileiro, que  
cumpre a função de ser um dos instrumentos  
mais eficazes da burguesia autocrática para  
viabilização da superexploração e o controle das  
forças do trabalho.  
Palavras-chave:  
Racismo;  
via  
colonial;  
Keywords:  
Racism;  
colonial  
route;  
superexploração; autocracia burguesa.  
superexploitation; bourgeois autocracy.  
Sou um ser humano e é todo o passado do mundo que tenho a resgatar [...]. Não  
quero celebrar o passado à custa do meu presente e do meu futuro [...]. Não é o mundo  
negro que dita a minha conduta. Minha pele negra não é depositária de valores específicos.  
Frantz Fanon  
O racismo brasileiro já não se ampara na difusão de teorias explicitamente  
racistas e eugenistas, como aquelas que tiveram lugar entre os estertores da  
escravidão e as primeiras décadas da República, no entanto, ele subsiste e a realidade  
social imediata o confirma: a maioria da população brasileira, formada por pretos e  
pardos, continua sendo a mais profunda e violentamente discriminada e excluída da  
riqueza material e espiritual da nação. Num país construído e mantido por meio do  
genocídio dos povos originários e da população afrodescendente, e que ocupa o  
quinto lugar no ranking mundial de feminicídio, não deixa de ser sintoma desses graves  
problemas o fato de alguns setores autodenominados progressistas se ocuparem com  
* Pesquisadora do Nehtipo (PUC-SP). E-mail: mgjsobrinho@gmail.com. Orcid: 0000-0002-8166-2756.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O racismo na via colonial  
a crítica ao chamado identitarismo1, e não propriamente com essa monstruosa  
realidade.  
Há que se reconhecer, sem dúvidas, que as derrotas do movimento operário  
desde o século passado, o antimarxismo, o abandono da perspectiva de revolução  
social, a reiteração na crença no estado, na sua suposta possibilidade de resolução  
dos problemas e desafios humano-societários, entre outros, contribuíram para o  
predomínio de concepções cada vez mais irracionalistas e de proposições que  
reduzem o racismo a uma questão de representatividade, a ser atendida no interior da  
mesma forma social que o engendra e o torna necessário. O capital e a burguesia  
agradecem. Também é notória a instrumentalização de proposições como essas e da  
questão racial pela burguesia brasileira e seus porta-vozes midiáticos2, aliás, por meio  
da demagogia, da prática da razão manipulatória e do politicismo (CHASIN, 2000) com  
que essa classe tem historicamente obstruído o progresso social, denegado o racismo,  
dissimulado e mantido as bases materiais do seu poder autocrático. Mas também é  
verdade que as oposições de esquerda no Brasil, com exceções valiosas, é parte desses  
enormes problemas e pavimentaram um caminho bastante fértil para a penetração e o  
predomínio de concepções e propostas conservadoras, inclusive para o rebaixamento  
do padrão crítico alcançado por figuras como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e  
Clóvis Moura, entre outros, em relação à complexidade do racismo. Em virtude de  
determinadas insuficiências, entre elas, e principalmente, a de não atinar para a  
particularidade e os desafios do chão social do qual emana, a esquerda  
tradicionalmente compartilhou e ainda compartilha, sob formas e graus variados, das  
opressões raciais e de gênero, malbaratou e secundarizou o racismo, quando não o  
instrumentalizou para fins partidários; pouco fez, assim, para esclarecer e combater o  
fundamento socioeconômico do racismo e a classe social que o sustenta.  
O presente texto não visa, contudo, a polemizar essa negligência, tampouco as  
diversas interpretações sobre o racismo, ou historiar a trajetória de luta do povo negro,  
das diferentes vertentes dos movimentos negros do país (que não se resumem aos  
chamados identitários) e as contribuições de seus intelectuais. Movimentos e  
1 A respeito do tema ver Haider (2019); Neiman (2024).  
2
Como lembra Carlos Eduardo Martins, “a visão liberal tem sido fortemente difundida pelo Banco  
Mundial, pelas fundações norte-americanas, por grupos políticos que querem reformas moderadas no  
capitalismo dependente e pela Rede Globo. Pretende-se negar o genocídio dos trabalhadores pretos  
ou quase pretos de tão pobres e periféricos, com exemplos exitosos pontuais de ascensão à ordem  
burguesa. Para estabelecê-la tenta-se camuflar as diferenças, calar o debate e impor um modelo único  
que é o da integração à ordem burguesa, sob o conceito de empoderamento” (MARTINS, 2025).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 155  
nova fase  
   
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
intelectuais que, não obstante erros e acertos e o desafio premente de construir um  
horizonte projetivo de transformação efetiva da realidade na qual vive e padece a  
população afrodescendente, sempre foram os principais responsáveis por denunciar o  
racismo, por forçar o debate daquilo que tem sido historicamente escamoteado, e não  
apenas pela burguesia autocrática.  
Buscamos mostrar que as bases objetivas da discriminação e da violência  
estatal contra o povo negro estão delineadas naquilo que J. Chasin denominou via  
colonial de objetivação do capitalismo brasileiro. É certo que este pensador não se  
debruçou sobre as opressões específicas do povo negro, da parcela majoritária e mais  
oprimida da classe trabalhadora brasileira, ainda que não tenha deixado de reconhecer  
a importância do movimento negro, principalmente após sua experiência de autoexílio  
em Moçambique durante a ditadura militar3. Vale lembrar de uma questão por ele  
colocada, em 1982, a seu entrevistado, D. José Maria Pires (D. Zumbi), que continua  
sendo a pedra de toque da esquerda, o divisor de águas dos movimentos sociais. Em  
determinado momento, D. Zumbi chama a atenção para o fato de que somente há  
poucos anos, ao ser interpelado por um grupo negro, tomara consciência das suas  
“obrigações como negro”: “Sou negro, descendente de africanos e nunca tive  
participação em nenhuma luta e, antes, mesmo sendo negro participei dos  
preconceitos contra o negro”. O entrevistado discorre sobre o compromisso da Igreja  
Católica com a escravidão e o racismo no Brasil, sobre a repressão às alas  
progressistas da Igreja, que se opunham ao preconceito racial, e afirma que “assumir  
um compromisso em lutar em defesa dos direitos dos negros” está em consonância  
com a opção da Igreja pelos pobres. Chasin, então, comenta: “Realmente, a  
discriminação racial no Brasil aparece de forma camuflada”; em seguida, pergunta ao  
prelado negro: “Qual é o seu pensamento sobre a relação que se estabelece, de fato  
e para efeito de libertação das chamadas ‘minorias raciais’, entre uma luta de ‘minoria’  
e a dimensão de classe desta minoria? Em última análise, como é que o senhor  
relaciona a questão das minorias raciais com a questão da luta de classes no Brasil?”  
(CHASIN, 1982)4.  
3
Para mais informações, ver a biografia de Chasin no seu livro O futuro ausente, disponível em:  
<https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/VERINOTIOLIVROS>.  
4
A rigor, essa questão faz parte da história de lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores. Ela não  
escapou, ainda que com limites, dados pelo seu tempo histórico, às preocupações de Marx. A respeito  
ver, por exemplo, Anderson (2019); Goldman (2014); e sobre como Trotsky e os trotskistas enfrentaram  
a questão racial, ver Pablito (2019).  
Verinotio  
156 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
O racismo na via colonial  
Embora em seu duplo esforço, mutuamente potencializado, de recuperação do  
pensamento marxiano e de apreensão da realidade brasileira, Chasin não tenha escrito  
sobre o racismo, demarcou as determinações da particularidade da formação social  
brasileira e do modo específico de ser e ir sendo capitalismo brasileiro cujos traços  
essenciais são consubstanciados na profunda exclusão socioeconômica, cultural e  
política da maioria da população, na qual se encontram a trabalhadora negra e o  
trabalhador negro , determinações estas que, a nosso ver, revelam as bases objetivas  
do racismo brasileiro.  
A discussão dessa questão pressupõe recuperar a inseparabilidade entre  
capital, escravidão e racismo.  
O racismo contemporâneo é um fenômeno produzido pela modernidade, um  
problema social engendrado pelo capital. Deriva da escravidão direta, que, conforme  
Marx, foi crucial para a acumulação originária do capital e a indústria moderna, que,  
por sua vez, esteve baseada em uma dupla escravidão: na escravização direta e na  
escravização indireta, no trabalho assalariado5.  
A escravização dos povos originários da América e dos africanos não foi  
resultado da suposta inferioridade destes, tampouco esta foi sua primeira justificativa  
(moral/religiosa) (cf. BREITMAN in PABLITO; ALFONSO; PARKS, 2019). Como mostra o  
clássico trabalho de Williams (2021), a escravidão direta, esta categoria econômica  
fundamental, segundo Marx (1985), não foi determinada pelos traços fenotípicos dos  
povos africanos, suas supostas características “sub-humanas” tão amplamente  
difundidas. Estas foram racionalizações posteriores para justificar a escravização, que  
se mostrara mais lucrativa para viabilizar os empreendimentos coloniais e para  
legitimar a dominação sobre os povos não europeus, ambos fundamentais para o  
desenvolvimento do capitalismo industrial.  
O racismo contra os povos africanos, a criação do “Negro” pelo branco (FANON,  
2020; 2022), nasceu da escravidão moderna, mas sobreviveu à fase de acumulação  
originária do capital, sendo reproduzido com roupagens pseudocientíficas e  
mecanismos específicos pelo processo de expansão desigual e combinado do capital,  
conforme cada particularidade em que este se objetivou.  
A ideia de que os povos não brancos estavam predestinados à escravidão, à  
colonização, de que eram atavicamente bárbaros, inatamente incapazes de atingir a  
5
“Em geral, a escravidão disfarçada dos trabalhadores assalariados na Europa necessitava, como  
pedestal da escravidão sans phrase, do Novo Mundo.” (MARX, 2017, p. 829)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 157  
nova fase  
 
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
maioridade humana e a civilização, o que justificaria serem tutelados e dominados pelo  
homem branco europeu – a única “raça” digna de história, responsável pelas  
conquistas materiais e espirituais da humanidade , foi postulada pela teoria moderna  
das raças, em suas diversas versões e atualizações reacionárias do período  
imperialista. As determinações sociais e funcionalidades destas estão diretamente  
associadas ao contexto já avançado de decadência ideológica da burguesia, que, ao  
defrontar-se com o novo sujeito histórico, com a crítica teórica e prática do operariado,  
a partir de 1848, abandona suas ilusões heroicas, transformando-se em  
contrarrevolucionária, antidemocrática e reacionária. Seu ponto de partida não era  
mais o da transformação do mundo, mas o da apologia ao capital, o da preservação  
deste mundo, o que compromete sua capacidade de apreensão das contradições  
sociais (LUKÁCS, 2016).  
Como assinala Lukács em A destruição da razão, na qual analisa o pensamento  
irracionalista e as determinações da agressividade do imperialismo alemão, a teoria  
das raças adentra um terreno fértil da ideologia burguesa, que já “se vê totalmente  
absorvida por formas e conteúdos reacionários, o agnosticismo e a mística dominam  
inclusive o pensamento de ideólogos burgueses que politicamente, e no fundamental,  
se orientam na direção do progresso” (2020, pp. 626; 642)6.  
Num contexto social de recrudescimento da luta de classes, de intensificação  
das contradições e limitações da democracia burguesa, de ameaça real da perspectiva  
socialista e de acirramento das disputas imperialistas, nas quais o caráter retardatário  
do capitalismo alemão impõe dilemas e desafios específicos para sua burguesia, a  
teoria das raças, que emergira no século XVIII como demanda ideológica da reação  
feudal na defesa pseudobiológica dos seus privilégios de classe, foi gradativamente  
sendo renovada e se convertendo “na ideologia dominante da reação extrema”, para  
“atender às finalidades interna e externa do imperialismo alemão”, isto é, convertendo-  
se em arma ideológica da burguesia alemã reacionária. De sorte que, em sua forma  
mais moderna, a teoria das raças expressa a defesa dos privilégios da “raça” europeia,  
dos povos germânicos, frente aos povos não brancos, “e principalmente do povo  
6
Lukács destaca o caráter a-histórico e irracionalista da teoria das raças, presente em Gobineau e  
preservado pelos teóricos racistas posteriores. A postulação da “desigualdade de princípio dos  
homens”, a ideia de que só existe a história da raça branca, que fundamenta o orgulho racial do  
colonizador sobre os povos não brancos, é a negação “de uma das mais altas conquistas da ciência dos  
tempos modernos: a ideia do desenvolvimento dos homens como uma unidade e legalidade”, de modo  
que “ao negar a história como processo unitário, nega-se ao mesmo tempo a igualdade dos homens, o  
progresso e a razão” (2020, p. 589).  
Verinotio  
158 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O racismo na via colonial  
alemão sobre os demais povos da Europa”; passa a expressar, então, “uma ideologia  
da dominação mundial alemã” (LUKÁCS, 2020, p. 591).  
É preciso lembrar que a bestialidade do imperialismo alemão é uma das formas  
da desumanidade extremada inerente ao capital, que já nasce escorrendo sangue e  
lama por todos os poros, da cabeça aos pés” e sempre lançando “mão do poder do  
estado, da violência concentrada e organizada da sociedade civil(MARX, 2017, pp.  
830-1), de que a escravidão direta, a colonização da América, o neocolonialismo na  
África, as guerras imperialistas e o genocídio do povo palestino são testemunhos7.  
A racialização, a discriminação, a segregação e o genocídio de determinadas  
populações são, pois, constitutivos do processo de universalização e consolidação do  
capital e, não por acaso, recrudescidos em seu estágio atual de (des)ordem humano-  
societária.  
O presente texto ocupa-se, contudo, do racismo engendrado pela escravidão,  
num país inserido no mundo moderno na condição subordinada de colônia de  
exploração, e por uma forma particular de objetivação capitalista. Discorre, pois, sobre  
o racismo no capitalismo híper-tardio, que nasceu em condições histórico-sociais,  
externas e internas, muito mais estreitas e desfavoráveis atrasado mesmo em relação  
ao capitalismo do tipo prussiano , cujo desenvolvimento ocorreu sem processos  
revolucionários, por conciliações pelo alto entre as formas arcaicas e o “novo”,  
estruturalmente subordinado ao imperialismo e sustentado na superexploração da  
força de trabalho. O capitalismo de via colonial foi constituído por uma burguesia que  
nasceu num contexto em que o capitalismo deixara de ser expressão do progresso  
humano e a classe burguesa tornara-se conservadora e reacionária,  
tão  
impossibilitada, pelas condições objetivas que lhe deram origem, de realizar as tarefas  
de classe a completude e autonomia do seu capital e a construção de um estado  
democrático quanto desprovida dos atributos espirituais que tais empreendimentos  
exigem, traços estes que se determinam mutuamente. Essa forma específica de capital  
e a classe burguesa que o constitui são incompletos e incompletáveis, demandando  
seu complemento pelo exercício do poder autocrático, que oscila entre as formas  
bonapartista e a autocracia institucionalizada, ambas expressões práticas do  
7 Por outras vias, o poeta e político martinicano, Aimé Césaire (1913-2018), fez lembrar, em 1950, aos  
europeus: “[...] no fundo, o que não é perdoável em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem,  
não é a humilhação do homem em si, senão o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem  
branco, e haver aplicado na Europa procedimentos colonialistas que até agora só concerniam aos árabes  
da Argélia, aos coolies da Índia e aos negros da África” (CÉSAIRE, 2010, pp. 21-2).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 159  
nova fase  
 
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
politicismo da burguesia brasileira, que necessita expulsar do debate público qualquer  
tipo de questionamento econômico.  
Determinadas pelas condições objetivas do capitalismo de via colonial,  
ultrarretardatário, pelos seus impedimentos e possibilidades, a racialização e  
discriminação da classe trabalhadora negra vêm a ser como o presente texto busca  
mostrar a expressão prática e subjetiva de uma burguesia autocrática, na  
manutenção dos seus privilégios e interesses exclusivos e mesquinhos, de uma classe  
que nasce caudatária das burguesias que estão acima dela e já amedrontada com a  
potencialidade do vir a ser das classes que estão abaixo, cujas energias só são  
suficientes para excluir e reprimir as forças populares, jamais para incluí-las, ainda que  
nos estreitos limites do capital e da democracia burguesa, razões pelas quais o racismo  
da via colonial de objetivação capitalista não cumpre, não pode cumprir,  
evidentemente, a função de justificativa ideológica imperialista, mas cumpre a função  
de ser um dos instrumentos mais eficazes da burguesia autocrática para viabilização  
da superexploração e o controle das força do trabalho.  
Escravidão e racismo na formação social brasileira  
Os traços essenciais da particularidade da formação social brasileira foram  
constituídos desde logo pela condição subordinada em que o país foi inserido no  
capitalismo europeu em formação: como colônia de exploração, uma empresa mercantil  
organizada para o abastecimento de gêneros necessários ao capital metropolitano, da  
qual se origina a estrutura agrária latifundiária, intocada em seus traços essenciais pelo  
desenvolvimento do capitalismo industrial. Subordinação esta consubstanciada pelas  
relações de produção: pelo que, o como e o para que se produz, portanto, também  
pela subordinação de suas classes sociais.  
Tal estrutura, que colaborou para a acumulação originária e o desenvolvimento  
capitalista, esteve alicerçada, até o final do século XIX, naquilo que Marx chamou da  
“mais cruel e despudorada forma de escravizar homens” (MARX apud ANDERSON,  
2019, p. 155), na escravidão direta, inicialmente dos povos originários e depois dos  
africanos, que os reduziu a mercadoria: um ser socialmente coisificado e explorado até  
o limite da morte (MARX, 2017, pp. 310; 338-40). Se essa forma de extração do  
trabalho excedente implicou a desarticulação e o esfacelamento das famílias,  
comunidades, línguas e culturas dos negros africanos, estes afirmaram sua  
humanidade criando toda sorte de resistência e rebeldia, que traduzem as lutas de  
Verinotio  
160 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
classes de todo o período escravocrata (MOURA, 1983; 1992). Engendradas por essas  
condições objetivas e em resposta às suas contradições, temos as concepções, de  
natureza religiosa, pseudocientífica, política ou ideológica, que negavam ao negro a  
sua universalidade humana, assim como todo o arsenal de coerção e repressão  
(MOURA, 2021a), tão necessário quanto aquelas à reprodução desse universo  
societário.  
Afora as relações subordinantes entre a economia brasileira, que chega ao final  
do século XIX ainda baseada no trabalho escravo e predominantemente  
agroexportadora, e os centros metropolitanos capitalistas, já em pleno capitalismo  
industrial, recorde-se que a partir da interrupção do tráfico internacional (1850), que  
onerou ainda mais o investimento no trabalho compulsório, e ao passo que este se  
tornou um obstáculo ao capital, ampliaram-se, sobretudo nas regiões mais prósperas,  
os investimentos no trabalho livre (COSTA, 1967), mediante a imigração europeia.  
Tiveram também lugar as leis protetoras que culminaram com a Abolição (1888), que,  
vale ressaltar, libertou um número já bastante reduzido de negros escravizados, os  
quais engrossaram a grande massa de mão de obra livre disponível no país,  
majoritariamente não branca, despojada de seus meios de subsistência e  
profundamente excluída e marginalizada.  
A aprovação da Lei de Terras, em 1850, foi particularmente decisiva para uma  
transição pelo alto, “‘sem a perturbação da ordem pública e da produção agrícola’”  
(apud MOURA, 2021a, p. 147), como a traduziu Campos Salles pouco antes da  
consumação da abolição. Visando à legalização das grandes ocupações de terras  
feitas pelos fazendeiros de café, a manutenção do monopólio da terra e, pois, a oferta  
de mão de obra, tal lei decretou que a aquisição de terras devolutas somente poderia  
ocorrer por meio de compra (COSTA, 1999), obstruindo, assim, uma futura lei  
abolicionista radical que incluísse, via estado, a doação de terras aos libertos (MOURA,  
2021a). A política de imigração, por sua vez, justificada pela suposta carência de  
braços no país e pelo ideal de branqueamento da nação, que norteará a renovação do  
racismo, das ideias e práticas discriminatórias, agora contra os egressos da escravidão  
e os seus descendentes, atendeu tanto aos interesses dos grupos de imigração, que  
obtiveram volumosos lucros com a importação de mão de obra branca europeia,  
quanto das classes proprietárias sempre interessadas em obter “braços baratos,  
sóbrios e submissos” (COSTA, 1967, p. 165).  
As propostas de reforma agrária, perseguidas por grupos populares e por  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 161  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
alguns abolicionistas8, que visavam à integração da futura população liberta, assim  
como da mão de obra livre já existente e não aproveitada, foram rechaçadas pelas  
classes latifundiárias e pela incipiente burguesia industrial. Ao preservar a velha  
estrutura agrária, a abolição produziu, assim, uma superpopulação relativa para o  
capital, tanto para a produção agrária quanto para a indústria nascente, e as  
“premissas da marginalização social” do negro (MOURA, 2021a, p. 106). A República,  
proclamada igualmente pelo alto, não rompe com a herança colonial, não cria, pois, as  
condições objetivas para a integração socioeconômica e cultural dos egressos da  
escravidão.  
Por conseguinte, segundo Moura, o negro, ex-escravo, é atirado como sobra  
na periferia do sistema de trabalho livre, o racismo é remanipulado criando  
mecanismos de barragem para o negro em todos os níveis da sociedade(MOURA, p.  
1992, p. 62)9. A reformulação “dos mitos raciais reflexos do escravismo” no contexto  
do capitalismo, “alimentou as classes dominantes do combustível ideológico capaz de  
justificar o peneiramento econômico-social, racial e cultural” a que o negro está  
submetido por “uma série de mecanismos discriminatórios” (2019, p. 39). A difusão  
posterior do mito da democracia racial, ao identificar o processo miscigenatório,  
biológico, com democratização das relações socioeconômicas, servirá igualmente para  
escamotear uma realidade social profundamente desigual, antagônica e discriminatória  
(MOURA, 2019; 2021a).  
Qual foi, então, a resposta que a classe dominante e as elites intelectuais deram  
para a existência de uma população que, nas primeiras décadas após a abolição, vivia  
em completo desalento, sobretudo nas regiões mais prósperas, onde era preterida  
pela mão de obra imigrante; que se encontrava numa “condição extrema de isolamento  
cultural e de marginalização socioeconômica” (FERNANDES, 1976, p. 84) e, vale  
ressaltar, era punida por sua exclusão social?  
Entre os estertores da escravidão e as primeiras décadas da República, período  
em que foram difundidas no país concepções racistas e eugenistas e de intensa  
8 Para o abolicionista André Rebouças: “‘A verdadeira interpretação da frase oficial carência de braços  
é que o Império necessita de reformas sociais, econômicas e financeiras importantíssimas que  
permitam o aproveitamento de milhares de indivíduos que vegetavam em nossos sertões, e ao mesmo  
tempo atraiam a imigração espontânea da população superabundante da Europa”’ (apud MOURA,  
2021b, p. 41).  
9 “O ex-escravo foi abandonado à sua própria sorte. Suas dificuldades de ajustamento à novas condições  
foram encaradas como prova da incapacidade do negro e da inferioridade racial. Chegou-se a dizer que  
ele era mais feliz na situação de escravo do que na de homem livre, pois não estava apto a conduzir a  
própria vida” (COSTA, 1967, pp. 187-8).  
Verinotio  
162 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
O racismo na via colonial  
imigração europeia, a situação dos egressos da escravidão não foi atribuída ao caráter  
conservador da abolição, ao modo específico de produção e reprodução da vida do  
país, que a lei de 13 de maio e os eventos subsequentes preservaram, mas ao próprio  
povo brasileiro e, em especial, à população negra e miscigenada. Esta, que alicerçara  
a produção de riqueza no país10 e, portanto, o desenvolvimento e acumulação  
capitalista nos centros metropolitanos, era apresentada pelas elites e as classes  
dominantes como indisciplinada, delinquente, perigosa, expressões depreciativas da  
rebeldia do negro escravizado ao qual foi associada a classe trabalhadora negra. Esta  
passa a ser vista também como congenitamente propensa a degenerações físicas,  
psíquicas e morais, desprovida de condições subjetivas e de habilidades para o  
trabalho livre e qualificado, incapaz, pois, de integração social e de atender aos  
desafios de desenvolvimento do país, cujas tarefas estariam reservadas aos exemplares  
da raça superior: o homem branco europeu.  
Ou seja, a profunda exclusão socioeconômica dos egressos da escravidão, os  
desafios de superação do atraso e da subordinação do país, de construção da unidade  
nacional e de integralização dos elementos que compõem a nação foram  
transformados num problema racial, a ser resolvido pelo branqueamento da  
população, via importação de mão de obra branca, “superior”, cujo cruzamento com  
os mestiços eliminaria progressivamente ou anularia os atavismos bárbaros e  
degenerescentes das raças inferiores, com o que se atribuíam ao negro a expressão  
negativa das virtudes que foram atribuídas ao homem branco, como também a  
responsabilidade por sua própria exclusão. Essa concepção e suas variantes, que  
inferiorizavam o negro e o culpavam por sua exclusão e marginalização sociais, foi  
assimilada e difundida por vários expoentes do pensamento social brasileiro, até  
mesmo por uma figura progressista como Celso Furtado (1961, pp. 161-2).  
Foge ao intento deste trabalho discutir as adaptações realizadas pelas elites  
intelectuais, entre o fim da escravidão e as primeiras décadas da República, das  
concepções evolucionistas, racistas e eugenistas produzidas nos países centrais, da  
recuperação de Gobineau, das influências de Vacher de Lapouge e Gustave Le Bon,  
entre outros adaptações essas que teriam produzido, segundo Schwarcz, a chamada  
originalidade da cópia, qual seja, de modo geral, mantiveram o princípio biológico das  
10  
Vale destacar que os trabalhadores negros escravizados atuavam em diversas atividades, rurais e  
urbanas, trabalhando, inclusive, ao lado dos trabalhadores livres e assalariados, nas indústrias de  
manufaturas, especialmente na segunda metade do século XIX (MOURA, 2019).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 163  
nova fase  
 
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
raças, da hierarquia natural, mas não radicalizaram a ideia de mestiçagem como fator  
de degeneração. A nação brasileira em construção poderia ser conduzida ao caminho  
da civilização se injetasse mais brancos na sua população mestiça. Também não se  
trata de trazer à tona a forma como os ideólogos das frações burguesas, a exemplo  
de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral (cf. RAGO, 2019), articularam suas concepções  
racistas e eugenistas e a defesa pseudobiológica dos privilégios das classes  
proprietárias com suas proposituras de cunho autocrático. Se é certo que as  
concepções racistas difundidas na realidade brasileira não foram mera mimetização de  
ideias produzidas na Europa, torna-se, contudo, necessário reconhecer as  
necessidades sociais destas concepções e de suas variantes, que deram novas  
roupagens pseudocientíficas ao racismo brasileiro, uma vez que as ideias são  
socialmente determinadas, quer falsas ou verdadeiras, não configuram um campo  
autônomo em relação à base material, social, não estão desvinculadas do chão social  
a partir do qual e em resposta ao qual elas se desenvolvem (VAISMAN, 1999). Nessa  
direção, e enfatizando os propósitos deste texto, é na particularidade do processo,  
aberto com a abolição, de emergência ultrarretardatária do modo de produção  
capitalista e, no seu desdobramento, do capitalismo verdadeiro (industrial), assim  
como nas respostas conciliatórias que as frações burguesas deram aos problemas e  
desafios da realidade brasileira que se encontram tanto as determinações da exclusão  
socioeconômica, política e cultural da maioria da população brasileira quanto as  
determinações sociais do racismo.  
Por ora, é importante chamar a atenção para algumas consequências objetivas  
do racismo.  
De um lado, o preconceito racial, presente inclusive no próprio  
comportamento da classe trabalhadora, que já nasce cindida pelo racismo, as práticas  
e os mecanismos discriminatórios sub-reptícios de seletividade étnico-racial, operantes  
no mercado de trabalho, nos processos educacionais, nos aparatos jurídicos e  
institucionais, em todos os âmbitos das relações sociais, restringem as possibilidades  
sociais da população negra precisamente porque ela é barrada e sujeitada a uma maior  
exploração, sobretudo a mulher negra, que sofre uma tríplice opressão (racial, de  
gênero e de classe), que ocupa os postos mais subalternos, recebe os salários mais  
baixos e apresenta as maiores taxas de desemprego do país. De outro, essas opressões  
específicas da classe trabalhadora negra aprofundam sua exclusão socioeconômica e  
cultural, que é produzida diretamente pela estrutura agrária e a industrialização  
subordinadas. A classe trabalhadora negra brasileira está submetida, assim, a diversas  
Verinotio  
164 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
formas de subalternização engendradas pela via colonial de objetivação capitalista –  
, que se interpenetram e se reforçam mutuamente, por conseguinte, é a mais  
penalizada (material e espiritualmente) pela rígida e violenta hierarquização das  
categorias sociais que caracteriza a particularidade brasileira de objetivação capitalista.  
Por essas razões, é fundamental trazer à tona as condições de existência da  
população egressa da escravidão e de suas futuras gerações.  
De fato, a importação de mão de obra branca, intensificada nas primeiras  
décadas após a abolição, e as práticas discriminatórias, manipuladas pelas classes  
dominantes, expulsaram de chofre a classe trabalhadora negra do mercado de  
trabalho, sobretudo nas regiões onde ela teve que competir com o trabalhador  
imigrante. Isto se deu notadamente na zona cafeeira, pioneira na introdução do  
trabalho assalariado no país, financiadora da imigração europeia e em franco  
aburguesamento com a generalização do trabalho livre (OLIVEIRA, 1989), assim como  
na incipiente indústria, cuja classe operária era, ao menos, até as primeiras décadas  
do século XX, predominantemente imigrante (RODRIGUES, 1966) e vale lembrar que  
a imprensa anarquista da época, em São Paulo e Rio de Janeiro, “não refletia nenhuma  
simpatia ou desejo de união com os negros, mas, pelo contrário, chegava mesmo a  
estampar artigos nos quais era visível o preconceito de cor” (MOURA, 2019, pp. 93-  
4). No entanto, a imigração de mão de obra branca não é o único elemento que explica  
a exclusão socioeconômica e cultural da classe trabalhadora negra nas primeiras  
décadas após a abolição, tampouco sua suposta incapacidade para o trabalho  
assalariado. Recorde-se que, nas zonas de agricultura decadente ou em estagnação  
econômica relativa (especialmente Nordeste), as classes proprietárias que não haviam  
contado com capital para investir na mão de obra imigrante ou em condições de  
investir no trabalho livre continuaram com os trabalhadores egressos da escravidão,  
submetendo-os praticamente ao mesmo tratamento de outrora, valendo-se de  
dispositivos que os atavam aos locais de trabalho, assim como de diversas  
modalidades de relações de trabalho nas quais eram superexplorados. Esses  
elementos remetem a discussão das condições de existência da classe trabalhadora  
negra a alguns traços da estrutura agroexportadora de origem colonial e eixo central  
da subordinação e do atraso brasileiro até 1930 (COTRIM, 1999), que freou e retardou  
o avanço da divisão social do trabalho rumo ao capitalismo industrial e que foi por  
este preservada em seus traços essenciais.  
Tal estrutura, dependente da “intermediação comercial e financeira externa”  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 165  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
(OLIVEIRA, 1989, pp. 9-38), caracteriza-se por uma forma de organização da produção  
em que a maior parte da mais-valia (mais-valor) gerada internamente é de apropriação  
e realização externa, o que exige elevar ao máximo a massa de trabalho não pago com  
o menor custo possível, isto é, impõe a superexploração da força de trabalho, que, por  
sua vez, é viabilizada pela outra face da alta concentração da propriedade fundiária: a  
imensa massa de trabalhadores destituídos dos meios de produção, a grande oferta  
de mão de obra disponível no país. Como insistiu Caio Prado, essa forma de  
organização da estrutura agrária é incapaz de oferecer condições de subsistência e de  
trabalho regulares para as grandes massas de trabalhadores do campo, visto que é  
subordinada ao capital externo, sempre movida pela dinâmica, os influxos e as  
necessidades do capital internacional, em oposição às necessidades internas do país,  
sobretudo, às carências da maioria da população, cujo papel é tão somente fornecer  
mão de obra barata efetiva ou potencial (PRADO JR., 1987a; 1987b).  
Mas quem é essa população disponível para o capital? É majoritariamente  
aquela formada pela escravidão e liberada pela abolição. Os trabalhadores rurais são,  
em sua maioria, pretos e pardos11, entre os quais despontam lideranças que denunciam  
a continuidade da escravidão por outros meios12. São, assim, os descendentes de  
negros escravizados, na condição de agregados, posseiros, arrendatários, meeiros,  
foreiros, itinerantes, assalariados, boias-frias, assim como na condição forçada de  
migrantes, que vão ampliar a oferta de mão de obra barata nos centros urbanos e  
industriais onde serão denominados por novos estereótipos: os “baianos”. São, em  
suma, trabalhadores submetidos a formas de exploração análogas à escravidão ou a  
longas jornadas de trabalho, cujos rendimentos, quer sob a forma monetária, quer sob  
a forma de parte do produto do seu trabalho ou pela concessão do direito de produzir  
suas culturas de subsistência, estão sempre aquém de suas necessidades básicas. Por  
conseguinte, vivem em profunda miséria material e cultural e são constantemente  
acossados pela repressão patronal e estatal (CHASIN, 2000; PRADO JR., 1987a;  
1987b).  
11  
Segundo o Censo Agropecuário de 2017 do IBGE (o primeiro a incluir pergunta sobre cor ou raça),  
52% dos produtores são negros (pretos e pardos). No entanto, a relação é inversa quanto ao tamanho  
da propriedade. Quanto maior a extensão da propriedade, menor é a participação dos negros, que são  
maioria somente entre as propriedades com até cinco hectares (IBGE, 2024).  
12 A respeito ver, Max Fellipe Cezario Porphirio “A identidade negra como instrumento de luta entre os  
trabalhadores rurais, 1954-64” (PORPHIRIO, 2019). Importante ressaltar que a escravidão por dívida  
ou “peonagem” é um recurso aplicado por empresas modernas, em várias atividades e regiões do país  
e que se revitalizou sobretudo a partir da ditadura militar (MARTINS, 1995).  
Verinotio  
166 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
O racismo na via colonial  
A respeito, vale recordar que a legislação social-trabalhista de Vargas visava a  
cercear a luta de classes e controlar o movimento operário urbano, e não incluía  
inicialmente os trabalhadores rurais. Exclusão esta que, como mostra Cotrim, estava  
estruturalmente relacionada à especificidade da conciliação pelo alto que traduzia o  
projeto Vargas, que buscava um desenvolvimento industrial autônomo, voltado para  
as necessidades internas do país, sem, contudo, romper com a velha estrutura agrária  
subordinada, “de modo que a regulamentação das condições de trabalho rural não só  
não é urgente, como, ao mesmo tempo, dificultaria a incorporação sem ruptura do  
setor agroexportador” (COTRIM, 2019, p. 251). Mas mesmo quando a legislação se  
estendeu ao campo, com a CLT (1943), ela permaneceu letra morta na realidade  
objetiva da classe trabalhadora rural. Por essas razões é que Caio Prado destacou na  
ocasião do lançamento do Estatuto do Trabalhador Rural (1963) que, embora esta lei  
não atinasse para as diversificações regionais e a complexidade das relações de  
produção e de trabalho no campo, caso fosse aplicada, “seria uma verdadeira  
complementação da lei que aboliu a escravidão em 1888” (PRADO, 1987b, p.  
143).Essas breves notas, embora tenham trazido à tona alguns elementos que  
extrapolam as primeiras décadas após a abolição, nem sequer sumarizam a totalidade  
das condições de existência da classe trabalhadora rural do país, tão mais aviltadas  
quanto mais a via colonial de objetivação do capitalismo verdadeiro prezou pela  
preservação e modernização da estrutura agrário-exportadora, subordinado ao  
imperialismo, sustentado na superexploração da força de trabalho e consolidando-se,  
nas últimas três décadas, na condição neocolonial de exportador de commodities e  
importador de bens intensivos em capital dos países imperialistas. Não deixam,  
contudo, de ilustrar como a classe trabalhadora negra é excluída e marginalizada pela  
própria estrutura agrária, como esta é responsável por sua subalternização. Essa  
exclusão socioeconômica é justificada e legitimada pelas ideias e estereótipos racistas  
e inegavelmente aprofundada pelas correlatas práticas sociais discriminatórias.  
Por outro lado, se os fundamentos socioeconômicos da violenta exclusão,  
discriminação e marginalização sociais da população negra, observadas nas primeiras  
décadas após a abolição, residem fundamentalmente na economia agroexportadora,  
com a qual o capital industrial se defronta desde o seu nascimento e com que  
conciliará, a continuidade da racialização da classe trabalhadora negra, arrimada na  
produção e difusão de ideias e estereótipos racistas, não está apenas a serviço dos  
interesses e privilégios das classes latifundiárias. A incipiente burguesia industrial, que  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 167  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
nasceu, como aquelas, subsumida ao capital externo, dada sua subordinação à  
agroexportação13, e igualmente sustentada na superexploração da força de trabalho,  
já deu seus primeiros passos compartilhando o modo de ser e pensar de suas  
congêneres arcaicas. Basta lembrar que desde o processo abolicionista dela não  
emerge nenhum posicionamento contrário ao das classes latifundiárias hegemônicas,  
que fosse favorável à reforma agrária, ao acesso à terra para a população liberta,  
tampouco em relação à mobilização popular e às reivindicações dos movimentos  
operários das primeiras décadas da República. Trata-se de uma classe que, a despeito  
da oposição efetiva entre ela e o capital agrário, já nasceu antidemocrática,  
beneficiando-se de um exército de reserva de mão de obra, sobretudo negra, isto é,  
de uma “reserva de segunda categoria do exército industrial” (MOURA, 2021, p. 148),  
que, por sua vez, contribuiu para viabilizar a superexploração da classe operária  
nascente, predominantemente branca.  
Os primeiros passos da burguesia industrial foram dados, assim, por meio da  
exclusão socioeconômica e da discriminação do povo negro. O racismo, que teve lugar  
no processo abolicionista, na República Velha, assim como em todo o processo  
subsequente de constituição e consolidação do capitalismo de via colonial, é a forma  
pela qual se revestem não apenas os interesses e as necessidades das velhas classes  
latifundiárias escravocratas e os da burguesia agrária, que se consolida após a abolição  
e termina “por se constituir numa oligarquia antiburguesa” (OLIVEIRA, 1989, p. 29).  
Também expressa o caráter antidemocrático, a debilidade e a incapacidade da  
burguesia industrial, cujas oposições e conflitos com aquela fração do capital não serão  
resolvidos por processos revolucionários, mas por meio da conciliação pelo alto, que  
alija a classe trabalhadora.  
As velhas classes latifundiárias, ao negarem o acesso à terra aos libertos, ao  
abandoná-los à própria sorte, traduziram sua ojeriza pelo povo negro; lhes era  
completamente estranha a consecução de um projeto de preparação, educação e  
habituação dos negros escravizados para as relações de trabalho capitalistas, a  
realização de reformas que, enfim, garantissem as condições de subsistência da  
população egressa da escravidão. Por outro lado, a incipiente burguesia industrial já  
se mostrava conservadora e conciliatória, descompromissada com uma efetiva inserção  
13 O capital industrial nasceu atrelado ao capital externo por sua subordinação ao setor agroexportador,  
uma vez que suas necessidades de importações de bens de produção dependiam das divisas geradas  
por aquele setor, com o qual, ademais, competia por uma política cambial que a protegesse da  
concorrência externa (OLIVEIRA, 1989, pp. 9-38).  
Verinotio  
168 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O racismo na via colonial  
socioeconômica, cultural e política da maioria da população, na qual se situa o povo  
negro, uma vez que isso significaria, como aponta Cotrim, “aliar-se à classe que se lhe  
opõe e voltar-se contra uma fração de sua própria classe”, implicaria, pois, a realização  
de tarefas as quais não somente esteve impedida de como nunca se dispôs a realizar.  
O desenvolvimento de um capitalismo industrial autônomo pressuporia alterar  
profundamente a estrutura agrária, “a forma de propriedade, relações de trabalho, tipo  
e destino da produção” (COTRIM, 2019, pp. 241-2), isto é, romper com uma estrutura  
subordinada ao capital externo e sustentada na superexploração, a fim de que essa  
estrutura atendesse às necessidades de matérias-primas da indústria e os bens  
necessários à reprodução da força de trabalho rural e urbana. Dessa forma, dinamizaria  
o desenvolvimento do mercado de consumo interno da produção industrial,  
favorecendo, portanto, o desenvolvimento e a completude do capitalismo, assentado  
no incremento da capacidade produtiva do trabalho e na redução do valor real da  
força de trabalho, não na superexploração da força de trabalho.  
O capitalismo industrial híper-tardio somente despontou “no bojo contraditório  
do auge e concomitante desequilíbrio do sistema agroexportador [...]. E assim mesmo  
como uma das possibilidades, na diferenciação de atividades buscada como alternativa  
em face da crise do café” (CHASIN, 2000, p. 56), período no qual emergiram respostas  
e propostas variadas às necessidades e aos desafios da realidade brasileira, quer do  
interior não homogêneo e contraditório das classes proprietárias e exploradoras, quer  
do ponto de vista da classe trabalhadora. Como assinala Cotrim, “estavam em jogo  
diferentes alternativas de desenvolvimento capitalista, com ou sem progresso social,  
que afetavam e interessavam diretamente, portanto, a classe trabalhadora. Com  
maiores ou menores acertos e erros, as organizações que a representavam abordavam  
essa questão em seus programas” (COTRIM, 2019, p. 225).  
Quanto a essas organizações, vale acrescentar que, embora a primeira década  
do Partido Comunista tenha sido marcada pela negação do racismo no Brasil (cf. LIMA,  
2015; CHADAREVIAN, 2012), este problema foi contemplado pela Aliança Nacional  
Libertadora, em seu programa (1935)14, que, ao propor uma “frente única anti-  
imperialista e antilatifundiária, iniciou uma trajetória de avanço do movimento de  
massas que, de fato, ameaçava pôr em questão a conciliação pelo alto” conduzida por  
14 “Com a Aliança estarão todos os homens de cor do Brasil, os herdeiros das tradições gloriosas dos  
Palmares, porque só uma ampla democracia, de um governo popular, será capaz de acabar para sempre  
com todos os privilégios de raça, de cor ou de nacionalidade’.(Apud CHADAEVIAN, p. 266)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 169  
nova fase  
 
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
Vargas (COTRIM, 1999, p. 82). Ou seja, ameaçava tanto os interesses da burguesia  
agrária quanto os da burguesia industrial, que pelejava em se afirmar, e justamente  
por esta razão foi rapidamente reprimida pela Lei de Segurança Nacional. É também  
digno de nota que a primeira grande organização do povo negro, após a abolição, a  
Frente Negra Brasileira, criada em 1931, a despeito de um tanto confusa, em termos  
ideológicos, segundo Moura, foi desmantelada com a repressão do Estado Novo, assim  
como “tudo aquilo que tinha uma essência e representatividade popular” (1983, pp.  
57-8). Desnecessário dizer que uma alternativa de desenvolvimento capitalista com  
progresso social dizia respeito ao povo negro, já que poderia inflectir a via colonial e,  
pois, os fundamentos socioeconômicos de sua exclusão, marginalização e  
discriminação. A alternativa vitoriosa, contudo, foi a da conciliação pelo alto.  
Capital atrófico, superexploração, autocracia e racismo  
Aos óbices e retardamento que a velha forma socioeconômica, de origem  
colonial, impôs ao desenvolvimento do capitalismo industrial no país se acrescem,  
como aludido, as adversidades advindas das condições históricas gerais em que este  
ocorreu, em pleno século XX, quando já havia ocorrido uma revolução anticapitalista  
que, embora não tenha transitado para além do capital, era suficiente para sinalizar à  
burguesia brasileira as possibilidades da classe trabalhadora. Nesse contexto, a  
constituição do capitalismo industrial cujos primeiros passos, como vimos, estiveram  
assentados na discriminação e subalternização do povo negro se processou sem  
rupturas revolucionárias, conciliando-se com a velha estrutura latifundiária,  
estruturando um sistema subordinado ao imperialismo, sustentado na superexploração  
da força de trabalho e no racismo que, por seu turno, é um dos instrumentos que  
viabiliza aquela.  
O capitalismo industrial somente conseguiu avançar a partir dos anos 1950,  
sob os influxos do capital imperialista e de uma nova divisão internacional do trabalho  
desenhada por aquele polo subordinante, que lhe reservou o papel de produtor dos  
chamados bens de consumo duráveis (que, dada a prevalência da superexploração, só  
poderiam ser consumidos por uma minoria da população, as classes média e alta) e  
importador de bens de capital que aqueles exigiam, obstruindo, assim, a completude  
do setor de bens de capital e colocando em segundo plano o aumento da força  
produtiva sobre os bens necessários à reprodução da força de trabalho do país.  
Um novo passo de modernização pelo alto foi dado pelo estado bonapartista  
Verinotio  
170 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
erigido com o golpe de 1964, tramado pelas frações monopolistas, estruturalmente  
vinculadas ao capital externo, e pelos militares precisamente contra as forças sociais  
em movimento em torno das famosas reformas de bases: a reforma agrária, que  
atentava contra aquelas estruturas de dominação no campo e nas quais reside um dos  
fundamentos socioeconômicos da exclusão e discriminação do povo negro; a  
reorientação da indústria e das relações com o capital externo; e as reformas  
educacional, administrativa, financeira e tributária propostas estas que punham em  
risco a continuidade desse modo específico de ordenamento econômico contraposto  
ao progresso social, não o capital em geral. Com a repressão e o desmantelamento  
dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais, cujas propostas colocavam no  
horizonte a possibilidade de uma efetiva democratização, por meio do reordenamento  
do aparato produtivo interno e de suas relações externas, as frações burguesas  
autocráticas se reorganizaram econômica e politicamente, mantendo-se no caminho  
da industrialização subordinada ao capitalismo monopólico internacional. Preservado  
este caminho, a ditadura criou as condições indispensáveis à aceleração da acumulação  
interna, num momento de fartura de capital externo: os subsídios e dispositivos que  
privilegiavam as frações monopólicas locais e internacionais e a remessa de lucros  
destes; os instrumentos de repressão e controle sobre os trabalhadores, entre eles a  
lei de greve, a coibição dos sindicatos e a substituição da estabilidade no emprego  
pelo FGTS, o que colaborou para a fixação do salário abaixo do seu real valor.  
O chamado milagre econômico (1969-73), a principal bandeira de “sucesso”  
dos gestores do capital atrófico (RAGO, 2021), aprofundou o ordenamento econômico  
iniciado nos anos JK, cuja acumulação foi liderada pela produção de bens de consumo  
duráveis e intermediários, a maioria de origem externa (voltados para o consumo das  
classes médias e altas para as quais foi dirigida toda sorte de créditos e subsídios),  
que demandavam importações crescentes de bens de capital e ampliação das remessas  
de lucros. Para o pagamento de tais despesas contou-se com um velho expediente, o  
“esforço exportador”, ainda mais subsidiado, sobretudo de bens primários. Manteve-  
se em segundo plano a produção industrial de gêneros de subsistência, o que, somado  
à modernização da velha estrutura agroexportadora, manteve elevado o valor da força  
de trabalho, sem que fosse necessário aumento salarial compatível, uma vez que não  
era esta a produção nem o segmento do mercado interno que liderava a acumulação.  
Ou seja, tanto a velha estrutura produtiva quanto a industrialização excludente não se  
baseavam na expansão do consumo da classe trabalhadora, mas, ao contrário,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 171  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
assentavam-se na superexploração de sua força de trabalho.  
Como reiteradamente denunciado por Chasin, o “milagre” foi, tal como os  
demais “milagres” brasileiros, um sucesso especialmente para o capital monopólico  
internacional, mas para a grande massa da população brasileira (majoritariamente  
negra) só poderia ser, como foi, um estrondoso fracasso, já que, como mencionado, a  
expansão da produção não somente não atendeu às suas necessidades básicas como  
esteve alicerçada na institucionalização do arrocho salarial. E, para o capital, o  
“milagre” foi também um fracasso, pois em poucos anos o esforço exportador mostrou-  
se insuficiente para a obtenção de divisas e recorreu-se, então, aos crescentes  
empréstimos externos, que, por sua vez, aumentaram as despesas das transações  
correntes do país, o que levou à desaceleração e à crise do voo de curta duração do  
capital atrófico. Tratou-se, assim, da modernização do arcaico, do aprofundamento da  
subordinação do capital atrófico ao imperialismo, da exacerbação dos seus limites  
estruturais, em suma, da conjugação de duas faces da mesma moeda: ditadura e  
“milagre”, que traduzem a pobreza de “soluções econômicas de resolução nacional e  
carente de verdadeira tradição democrática” (CHASIN, 2000, p. 60).  
Com a crise do milagre, desencadeou-se o processo de autoreforma da ditadura  
bonapartista, precisamente para preservação do seu ordenamento socioeconômico. Os  
gestores do capital atrófico foram forçados a abrir espaço de debate para as frações  
burguesas, preocupadas em saber quem pagaria o ônus da crise que se abria e quem  
se beneficiaria de uma nova fase de acumulação, afastando, entretanto, a classe  
trabalhadora do debate econômico. A burguesia autocrática lançou mão, assim, do  
modo de agir e pensar que lhe é próprio: o politicismo, pôr a público somente a  
discussão política, reduzida à esfera institucional, e manter a questão central a  
econômica longe do debate das massas populares, as únicas efetivamente  
interessadas na construção da democracia. Ou seja, o capital subordinado e  
excludente precisou negar qualquer tipo de questionamento econômico porque, como  
afirma Chasin, “não pode lhe escapar que, dentro da realidade de sua estreiteza  
capitalista, toda alteração significativa só pode provir da angulação das massas,  
implicando, mesmo quando não fere seu arcabouço fundamental, uma parcela de sua  
desmontagem, algo, portanto, em seu detrimento, no prejuízo imediato e na abertura  
de uma perigosa perspectiva(CHASIN, 2000, pp. 133-4).  
A essa altura da consolidação do capitalismo industrial subordinado ao  
imperialismo, a situação do negro no país já não era mais aquela de total desolação  
Verinotio  
172 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
na qual se encontrara nas primeiras décadas após a abolição, mas também não a que  
fora imaginada pelos desenvolvimentistas do pré-1964, que supunham que a  
aceleração do desenvolvimento industrial pudesse resolver as desigualdades sociais  
do país e, pois, integrar o negro. Houve um aumento da participação da classe  
trabalhadora negra no mercado de trabalho, a formação de uma reduzida classe média  
e de alguns ricos, que enfrentam preconceitos e discriminações, mas a grande massa  
negra continua sendo a mais penalizada, vivendo em favelas, no desemprego aberto  
ou disfarçado, discriminada até mesmo para os postos de trabalho mais subalternos  
(FERNANDES, 2017; GONZALEZ, 2020; MOURA, 2021).  
Segundo Lélia Gonzalez, a classe trabalhadora negra não foi beneficiada pelo  
“milagre” econômico, em nome do qual os militares impuseram a necessidade da  
“‘pacificação da sociedade civil’ [...], o silenciamento, a ferro e fogo, dos setores  
populares e de sua representação política”, assim como “o arrocho salarial”. A  
presença da mão de obra negra era pequena “num tipo de polo industrial como o ABC,  
uma vez que o nível tecnológico das indústrias ali concentradas exigia um tipo de  
especialização que a maioria dos trabalhadores negros não possuía” (1982, pp. 11-  
5).  
O fato é que, conforme vimos, independentemente do quão prolongado fosse,  
as bases e os mecanismos nos quais se assentava o “milagre” não poderiam levar à  
participação da maior parte das forças populares, à integração socioeconômica do  
povo negro, excluído, superexplorado e discriminado.  
Mas em que medida o estado bonapartista e a superexploração da força de  
trabalho se apoiam no racismo contra a parcela majoritária da força de trabalho no  
país?  
A superexploração da força de trabalho pode se valer de vários mecanismos (cf.  
MARINI, 2000) ou da aplicação direta da redução salarial ou da combinação desta com  
diversas modalidades, ultimamente cada vez mais complexas, de exploração do  
trabalho, mas ela consiste essencialmente numa remuneração da força de trabalho  
abaixo do seu valor real. Redução esta que “transforma, dentro de certos limites, o  
fundo necessário de consumo do trabalhador em fundo de acumulação de capital”  
(MARX, 2017, p. 675). No Brasil, a superexploração da força de trabalho não é uma  
categoria econômica que diz respeito a este ou aquele segmento de trabalhadores,  
mas ao conjunto da classe trabalhadora. Este instrumento, do qual se valem as  
distintas frações do capital em competição, é traduzido no país por uma média  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 173  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
salarial15 aquém daquilo que é histórico-socialmente definido como o mínimo  
necessário16 para a satisfação das necessidades materiais e espirituais do trabalhador  
(MARX, 2017, p. 114). O que significa que os rendimentos daqueles trabalhadores  
que recebem acima dessa média salarial vigente no país são constantemente  
empurrados para baixo, e que aqueles que recebem abaixo dessa média salarial da  
força de trabalho, que já é inferior ao histórico-socialmente definido como necessário,  
nem sequer suprem suas necessidades mínimas de subsistência física17.  
Assim como a existência de uma massa sempre crescente de trabalhadores  
obrigada a se candidatar à morte18 permite ao capital impor um regime de exploração  
cada vez mais violento em relação à classe trabalhadora, valendo-se, inclusive, de  
formas de trabalho análogas à escravidão, a parcela racializada da força de trabalho,  
discriminada e marginalizada no mercado de trabalho19, é um dos elementos que  
contribuem para a superexploração do conjunto da classe trabalhadora, quer por sua  
expulsão para o exército de desempregados, cuja expansão aumenta a pressão do  
capital sobre as condições de trabalho e de remuneração, quer por sua baixa  
remuneração (que, por sua vez, também incide sobre o salário médio no país). De  
modo que a discriminação sobre a classe trabalhadora negra, exercida inclusive pela  
mão de obra branca que se julga superior e com mais direitos que aquela, amplia as  
condições que permitem ao capital impor a superexploração da força de trabalho ao  
conjunto da classe trabalhadora, a fim de maximizar a massa de trabalho não pago ao  
menor tempo e custo possíveis. Assim sendo, o racismo também é um problema que  
diz respeito ao conjunto da classe trabalhadora no Brasil20.  
15  
Na apuração do segundo trimestre 2024, a média salarial nacional ficou em torno de R$ 3.187,00,  
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia  
e Estatística (Pnad Contínua/IBGE). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-  
16 Segundo o Dieese, em dezembro de 2024, o salário mínimo necessário para uma família de quatro  
pessoas deveria ser de R$ 7.067,68, para atender às necessidades de alimentação, moradia, vestuário,  
educação,  
saúde,  
lazer  
e
transporte.  
Disponível  
em:  
17  
“9,3% da população brasileira em 2023, em torno de 20,0 milhões de pessoas, viviam com até o  
valor de 14 de salário mínimo per capita mensal (R$ 330) e 27,1%, aproximadamente 58,5 milhões de  
pessoas, com até 12 salário mínimo per capita (cerca de R$ 660)” (IBGE 2024, pp. 44-5).  
18 “Ouvimos como o sobretrabalho dizima os padeiros em Londres, e ainda assim o mercado de trabalho  
londrino está sempre abarrotado de alemães e outros candidatos à morte nas padarias. A olaria, como  
vimos, é um dos ramos industriais em que a vida é mais curta. Faltam, por isso, oleiros?” (MARX, 2017,  
p. 339)  
19  
“Em 2023, a população ocupada de cor ou raça branca ganhava, em média, 69,9% mais do que a  
de cor ou raça preta ou parda e os homens, 26,4% mais que as mulheres” (IBGE, 2024, p. 20).  
20  
Marx, em carta de 1870, dirigida a dois membros da Internacional em Nova York, usa expressão  
racista, defendendo, no entanto, uma posição antirracista: “O trabalhador inglês comum odeia o  
trabalhador irlandês como um concorrente que rebaixa seu padrão de vida. Em relação ao trabalhador  
Verinotio  
174 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
           
O racismo na via colonial  
As relações de produção e de trabalho no Brasil, sustentadas na  
superexploração da força de trabalho, são, assim, as bases materiais do racismo e, na  
medida em que esta forma de opressão específica da classe trabalhadora negra se  
objetiva em todos os âmbitos da sociedade, ela não apenas colabora para a  
viabilização desse instrumento vital para acumulação do capital atrófico subordinado  
como se constitui também num dos principais instrumentos de divisão da classe  
trabalhadora, de repressão e controle do estado autocrático.  
Recorde-se que a partir de meados dos anos 1970, ante as diversas formas de  
manifestações culturais e de valorização da identidade negra, de reestruturação  
política de vários grupos e entidades negras, da qual resultou, em 1978, o Movimento  
Negro Unificado (MNU), no contexto das greves operárias do ABC paulista, o estado  
bonapartista (1964-1984) respondeu com a repressão e o cinismo da “democracia  
racial”.  
Enquanto os gestores do capital atrófico, já em sua crise de acumulação,  
projetavam, interna e internacionalmente, a imagem do Brasil como modelo de  
integração e harmonia raciais, sua mão de ferro perseguia e encarcerava  
arbitrariamente, torturava e exterminava a população negra e pobre e tratava os  
eventos dos movimentos negros e suas denúncias contra o racismo como incentivo à  
luta racial ou “investidas dos adeptos da esquerda, tentando atrair os elementos de  
cor negra para as hostes comunistas”21. Ora, esse temor de que o movimento negro  
se transformasse num amplo movimento de massa e engrossasse a luta de classes no  
país22, pautada pelo movimento grevista do ABC Paulista, manifestou-se justamente  
quando já estava em curso o processo de autorreforma do estado bonapartista, cuja  
consumação, em 1989, foi facilitada pelas oposições politicistas23.  
Sem entrarmos aqui no mérito da potencialidade operária do ABC Paulista  
(1978-1980) e a do MNU, tampouco nas diferentes perspectivas de luta contra o  
irlandês, ele se sente um membro da nação dominante [...]. Ele nutre preconceitos religiosos, sociais e  
nacionais contra si. Sua atitude em relação a si mesmo é mais ou menos a dos brancos pobres para  
com os niggers nos antigos estados escravistas da União Americana. O irlandês lhe paga de volta com  
juros em seu próprio dinheiro. Ele vê no trabalhador inglês o cúmplice e a ferramenta estúpida do  
domínio inglês na Irlanda” (apud ANDERSON, 2019, pp. 228-9).  
21  
Conforme Relatório Especial de Informações, n. 04/82, Centro de informações do Ministério do  
Exército, Gabinete do ministro, referindo-se às palestras de Florestan Fernandes, Clóvis Moura e Abdias  
do Nascimento. Disponível em:  
22  
Conforme documento n. 1401, Ministério do Exército, 1 nov. 1978, intitulado Racismo negro no  
Brasil, Abdias do Nascimento”. Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/  
23 Sobre politicismo e o passo a passo da crítica chasiniana às oposições politicistas, ver Chasin (2000).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 175  
nova fase  
     
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
racismo presentes na fundação desta organização ou na sua atuação posterior  
(SANTOS, 2005; MOURA, 2021a), é inegável que ambas as manifestações  
representavam naquele momento as principais forças sociais interessadas em uma  
efetiva democracia. De um lado, os metalúrgicos, ao reivindicarem ajustes salariais,  
punham em xeque a política econômica da ditadura, assentada na superexploração,  
que produzira a fome e a miséria, contra as quais os operários se rebelaram, assim  
como sua própria crise de acumulação; de outro, o MNU denunciava o racismo e  
reivindicava o atendimento das necessidades mais prementes do povo negro: melhores  
condições de vida, emprego, saúde, educação, habitação, fim das perseguições e  
violência policiais e liberdade de organização e expressão do povo negro24.  
A recomposição do movimento sindical do país, ao atacar a base da ditadura,  
poderia constituir uma possibilidade de escapar do ardil politicista armado pelo estado  
autocrático e, por conseguinte, empreender uma crítica à totalidade do seu  
ordenamento sociopolítico e econômico. As denúncias de racismo e as reivindicações  
feitas pelo movimento negro também exigiam uma crítica a essa mesma totalidade, às  
bases objetivas da exclusão socioeconômica, da marginalização e racialização da classe  
trabalhadora negra. Contudo, as agremiações partidárias e suas lideranças não se  
colocaram à altura desses desafios, não apresentaram uma proposta econômica da  
perspectiva do trabalho, um programa econômico alternativo à política econômica na  
qual se assentava a ditadura. Dissociando produção e distribuição, apartando a  
política, assim como o racismo, da economia e das demais instâncias da vida social,  
levaram às massas populares tão somente a perspectiva político-institucional e  
distributivista25, deixaram, pois, de combater a ditadura e o racismo em suas raízes  
socioeconômicas, com o que sucumbiram ao ardil politicista da burguesia autocrática.  
Em 1989 houve o encerramento da transição pelo alto do estado autocrático  
de feição bonapartista para uma autocracia institucionalizada (esta erroneamente  
chamada de democracia), que fora desencadeada justamente “em razão e benefício de  
24  
Carta  
de  
Princípios  
do  
MNU.  
Disponível  
em:  
Movimento Negro Unificado, 1978. Arquivo Nacional: BR DFANBSB VAZ.0.0.24451 Dossiê.  
Disponível em:  
25 Segundo Moura, o MNU, que se estruturou durante a ditadura militar, apresentando “inicialmente a  
proposta mais radical em termos de mudança social [...], irá se fragmentar, paradoxalmente, com a  
chamada redemocratização lenta e gradual [...], passa a articular-se em grupos menores e algumas vezes  
hostis, com objetivos eleitorais imediatos divergentes(2021, pp. 296-7).  
Verinotio  
176 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
O racismo na via colonial  
seu fundamento a perversa sociedade civil do capital inconcluso e subordinado”  
(CHASIN, 2000, p. 223). Também se deu a reinserção do país no bojo da  
mundialização do capital, e com isso o capitalismo de via colonial, longe de resolver o  
desafio sempre premente de alçar o progresso social como critério de desenvolvimento  
nacional, consolidou-se, aprofundando seus traços nevrálgicos, o caráter incompleto e  
incompletável do seu capital, sua subordinação ao imperialismo, superexploração e  
racialização da classe trabalhadora e, pois, o caráter autocrático da dominação  
burguesa.  
Nos últimos 35 anos assiste-se à mais completa e obscena vassalagem do que  
restou da chamada burguesia nacional, da burguesia que é mero entreposto do capital  
internacional, da burguesia que se conformou com sua associação subordinada ao  
imperialismo, com sua posição neocolonial de exportadora de commodities e,  
evidentemente, dos seus gestores à frente do estado aos interesses e às ações cada  
vez mais depredatórias do capital monopólico/financeiro interno e, sobretudo, externo.  
Os gestores do capital atrófico, em meio às políticas de ação afirmativa e aos parcos  
programas sociais de renda, institucionalizaram de vez a superexploração da força de  
trabalho e a exclusão de vastas parcelas da população brasileira, de que as reformas  
trabalhista e previdenciária, a apropriação privada dos serviços e do orçamento  
públicos e o colossal serviço da dívida pública são exemplos. De sorte que o  
aprofundamento da subordinação e o estreitismo ainda maior do capital atrófico, da  
altíssima concentração do capital e, pois, da profunda exclusão e misérias sociais,  
exigem o aperfeiçoamento dos dispositivos autocráticos, cada vez mais voltados,  
exclusivamente, à repressão, ao encarceramento em massa e ao aniquilamento das  
forças do trabalho, por meio da violência extremada, policial e econômico-jurídica.  
Nesse sentido, convém ressaltar a natureza do estado autocrático,  
particularmente seu caráter racista.  
O aprofundamento da exclusão econômica da maioria da população, na qual se  
encontra o povo negro, resultado de uma configuração socioeconômica e política que  
se opõe continuamente ao progresso social, exige a extrema violência estatal, que é a  
outra face da violência do capital. Sem negarmos as diferenças nada desprezíveis entre  
a forma bonapartista e a forma institucionalizada, mas também sem esquecermos que  
são variações “de poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo  
de ser capitalista [...], figuras ambas do mesmo domínio antidemocrático que a tipifica”  
(CHASIN, 2000, pp. 127; 223), é inegável que a extrema violência que as caracteriza  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 177  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
é exercida continuamente sobretudo sobre os povos originários e a classe trabalhadora  
negra. Para a grande massa negra, a mais penalizada pelas atrocidades do  
ordenamento econômico-social da via colonial, marginalizada em favelas, mocambos,  
alagados e periferias e enclausurada, a perseguição e a violência policial e paramilitar,  
a tortura, as execuções sumárias, o medo e o terror não são prerrogativas do estado  
bonapartista, mas de ambas as formas que a dominação autocrática assumiu ao longo  
da história republicana do país. Toda a classe trabalhadora brasileira vive sob a mira  
e o controle do estado autocrático, mas não deixa de ser um privilégio não estar entre  
aqueles que têm quatro vezes mais chances de serem eliminados pela violência  
estatal26: ao menos há a chance de não abreviar sua vida mais do que a  
superexploração da sua força de trabalho já encurta. A extrema violência estatal é,  
assim, o traço central e permanente da autocracia burguesa no Brasil, exercida  
especialmente contra a parcela mais excluída, marginalizada e discriminada da  
população brasileira, a classe trabalhadora negra.  
O racismo é uma das faces mais perversas da dominação burguesa autocrática,  
que, na impossibilidade de integralização do conjunto das categorias, precisa racializar  
a classe trabalhadora para justificar a profunda exclusão social e se alimentar de todas  
as consequências concretas das práticas discriminatórias, constituindo-se, assim, num  
dos instrumentos mais eficazes do estado autocrático, que consiste na sistemática  
obstaculização do progresso social, em barrar, por meio do terror cotidiano, qualquer  
ameaça real ou potencial das forças do trabalho. De modo que o racismo, em todas as  
suas expressões, sobreviveu (renovado) às condições objetivas que lhe deram origem  
(a escravidão) porque as condições dadas pela via colonial o possibilitam e o tornam  
socialmente necessário.  
Considerações finais  
O preconceito e a discriminação contra a população negra, legitimados tanto  
pelos ideólogos da burguesia quanto pelo silenciamento e subserviência de outros,  
que associam a humanidade e suas virtudes ao branco, à classe dominante branca, e  
ao negro atribuem a expressão do oposto e negativo daquele, entre outros construtos  
e estereótipos, têm, sem dúvida, consequências concretas, materiais e subjetivas, sobre  
26 Sobre a letalidade policial, sobretudo contra jovens negros, o feminicídio e a violência contra mulheres  
e crianças, ver 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, pp. 20-35; 137-144. Disponível em:  
Verinotio  
178 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O racismo na via colonial  
a mesma sociabilidade que os engendra, sobre o mundo e os indivíduos que produzem  
o mundo. Eles demarcam os lugares e as posições sociais específicos para brancos e  
negros e seus respectivos privilégios e desvantagens sociais, estruturam relações de  
dominação e subordinação, incidem no conjunto das relações sociais, de trabalho,  
afetivas, familiares, institucionais, em suma, na vida vivida produzida e reproduzida  
em determinadas condições objetivas na qual os indivíduos são constantemente  
educados e formados.  
Conforme Chasin, sob as condições de existência geradas pela via colonial, dada  
a incompletude e subordinação do capital, do qual não emana nem pode emanar um  
projeto de integração nacional de suas categorias sociais, a não ser sob a forma direta  
da própria excludência do progresso social, até mesmo pela nulificação social de  
vastos contingentes populacionais” (CHASIN, 2000, p. 221), há uma exacerbação  
ainda maior das contradições inerentes ao capital, consubstanciada na violenta  
excludência entre evolução nacional e progresso social. Esse capital profundamente  
excludente não pode se reproduzir sem seu complemento autocrático. A burguesia  
autocrática necessita afastar das forças populares qualquer questionamento  
econômico, tendo, assim, no politicismo “sua forma natural de procedimento”, que  
atua como “freio e protetor” de sua “estreiteza econômica e política” (2000, p. 124).  
A nosso ver, devido a essas mesmas determinações apreendidas por Chasin, a  
burguesia autocrática necessita também discriminar a maioria da população, que é  
superexplorada e excluída do ordenamento econômico, e ao mesmo tempo escamotear  
o racismo, ou o negando cinicamente ou o instrumentalizando, inclusive por meio das  
políticas de ação afirmativa e dos ministérios de representatividade o que não elimina  
a batalha dos movimentos sociais e a importância de suas conquistas para a grande  
massa negra. O racismo contra o povo negro tanto expressa e justifica as debilidades  
e incapacidades estruturais da burguesia de via colonial quanto é a forma concreta  
pela qual o capital e a burguesia inconclusos (e, pois, subordinados ao capital externo)  
aniquilam física, material e espiritualmente a maior parte da população brasileira. A  
violenta exclusão socioeconômica da classe trabalhadora é, assim, a matriz de sua  
exclusão política e da racialização e discriminação violenta de sua parcela majoritária.  
As condições objetivas de existência da burguesia brasileira determinam o modo pelo  
qual ela realiza o conjunto de suas atividades, materiais e espirituais. Uma classe  
genética e estruturalmente servil às burguesias externas, incapaz de e desinteressada  
em integrar econômica e politicamente as categorias sociais, em sua diversidade étnica  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 179  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
e cultural, mesmo no interior das contradições e limites inerentes ao mundo burguês,  
que sustenta seus interesses e privilégios mesquinhos e exclusivos no aviltamento de  
suas categorias subordinadas, é a mesma classe que se regozija com sua aversão  
genocida às massas populares, como têm feito os seus gestores, a grande maioria  
inominável.  
O racismo brasileiro não está, pois, desvinculado das condições  
socioeconômicas e políticas do país, da posição da população negra na sociedade civil,  
esfera esta das relações materiais de produção e reprodução da vida, o que remete às  
classes sociais que constituem esta sociedade, bem como suas relações de dominação  
e subordinação, as que caracterizam a via colonial de objetivação capitalista. É em  
torno desse ordenamento socioeconômico, assentado na superexploração e  
racialização da classe trabalhadora, que se dão as lutas de classes, que são tomadas  
as decisões sobre “quem vive e come, material e espiritualmente, e de que maneira”  
(CHASIN, 2000, p. 221).  
O racismo não é, portanto, um fenômeno autossustentado, ou uma sorte de  
“estrutura” indeterminada que se moveria por si mesma. Tal como as demais formas  
da atividade, entre elas a política e as maneiras de pensar e sentir, o racismo não está  
apartado do “complexo da produção e reprodução da base material da existência  
humana(CHASIN, 1999, p. 17), não é uma subjetivação ou prática social desvinculada  
do capital e, em particular, da via colonial, mas um fenômeno inextrincável dessa forma  
social, tem bases objetivas, materiais e espirituais, que o engendram, o retroalimentam  
e o tornam socialmente necessário. O racismo engendrado pelas condições de  
existência da via colonial se objetiva, por uma série de mediações sociais, em sua  
complexidade, na totalidade das relações sociais e entrelaçado com as demais  
condições de subalternização das forças do trabalho, de formas de  
alienação/estranhamento, inerentes ao capital e exacerbadas na via colonial, que o  
reforçam e são por ele reforçadas.  
Há, pois, que recuperar os nódulos centrais da via colonial a fim de  
compreender os desafios para o enfrentamento do racismo e dos demais dilemas do  
conjunto da classe trabalhadora no Brasil.  
O reconhecimento de que o racismo é inseparável do capital, dessa forma social,  
que ele tem um caráter de classe, que a racialização e a discriminação da classe  
trabalhadora são expressões práticas e subjetivas da burguesia autocrática, não  
significa secundarizar as “exigências diferenciais” da classe trabalhadora negra e seus  
Verinotio  
180 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
desafios em face do capital (FERNANDES, 2017, p. 84), muito menos sugerir que o  
racismo não deva ser combatido pela valorização e afirmação do ser social que ele  
nega e sujeita, ou que não deva ser enfrentado por meio de instrumentos jurídicos e  
institucionais. Mas a luta travada somente neste campo político-institucional, no  
universo dos procedimentos ou da educação, sob a crença na possibilidade de civilizar  
o capital e suas personae e no aperfeiçoamento do estado, já demonstrou à exaustão  
os seus limites e nulidade para a resolução dos problemas e desafios humano-  
societários, entre os quais se encontra o fenômeno do racismo.  
Resolução que pressupõe um horizonte projetivo, ainda não descortinado pelas  
lutas sociais, no qual se visualizem os passos concretos e as mediações necessárias  
que vinculem a solução das necessidades específicas e mais imediatas da população  
negra com as das demais forças do trabalho em direção ao itinerário da emancipação  
humana. De sorte que combater o racismo, a rígida e violenta hierarquização das  
categorias sociais que caracteriza a via colonial, implica atacar suas raízes  
socioeconômicas, isto é, enfrentar esse modo específico da produção e reprodução  
material da vida sustentado na superexploração e na racialização da classe  
trabalhadora, universo este gerador das diversas formas de alienação/estranhamento,  
de opressões e subalternidades sociais e produtor dos verdadeiros algozes do povo  
negro, das forças do trabalho, da classe social que é negada pela sociedade civil.  
Não se desprezam aqui as diversas formas de padecimentos sociais, físicos,  
psíquicos e subjetivos que a sistemática discriminação e violência raciais tem imposto  
às sucessivas gerações afrodescendentes no Brasil, às quais se vinculam questões tão  
caras a Fanon, como a desalienação do branco e do negro que, todavia, como ele  
mesmo postulou, “implica uma reestruturação do mundo” (FANON, 2020, p. 95).  
Se, como insistia Moura, “o problema do negro brasileiro não é apenas o do  
racismo existente contra ele, como pretendem alguns segmentos da comunidade  
negra(2021, p. 304), por outro lado, a necessidade de apreensão das diferentes,  
mas entrelaçadas, condições de subalternidades em que se encontram as  
trabalhadoras e os trabalhadores, de enfrentar o desafio de recolocar no horizonte a  
perspectiva de revolução social, da autoconstrução humana, que permita projetar a  
supressão efetiva do racismo, assim como do patriarcado, no caminho da realização  
plena e autêntica da identidade humana, na sua diversidade, e o de encontrar as  
mediações necessárias entre as demandas e as necessidades do presente e as de  
médio e longo prazos essas não são tarefas de responsabilidade exclusiva da  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 181  
nova fase  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
população negra e de suas organizações. Em suma:  
Só o potencial emancipatório da lógica humano-societária do trabalho  
mais importante hoje do que em qualquer momento do passado –  
pode estabelecer tais diretrizes e só o trabalho oferece a estrutura  
estratégica para todos os movimentos particulares na defesa com  
sucesso de seus alvos específicos. (CHASIN, 1999, p. 58)  
Referências bibliográficas  
ANDERSON, K. Marx nas margens: nacionalismo, etnia e sociedade não ocidentais. São  
Paulo: Boitempo, 2019.  
CÉSAIRE, A. Discurso sobre o colonialismo. Florianópolis: Letras Contemporâneas,  
2010.  
CHADAREVIAN, P. Raça, classe e revolução no Partido Comunista do Brasil (1922-  
1964). Política & Sociedade, v. 11, n. 20, abr. 2012.  
CHASIN, J. et al. Entrevista: de D. Pelé a D. Zumbi. Nova Escrita Ensaio, n. 10, 1982.  
CHASIN, J. Ad Hominem Rota e perspectiva de um projeto marxista. Ensaios Ad  
Hominem, t. 1, 1999.  
CHASIN, J. A miséria brasileira 1964-1994. Do golpe militar à crise social. Santo  
André: Ad Hominem, 2000.  
COTRIM, L. O ideário de Getúlio Vargas no Estado Novo. Dissertação (Mestrado)  
apresentada à Universidade Federal de Campinas (Unicamp), Campinas, 1999.  
COTRIM, L. Industrialização e bonapartismo o ideário de Getúlio Vargas (1935-  
1945). Verinotio, v. 25, n. 2, pp. 220-52, nov. 2019.  
COSTA, E. V. “Da escravidão ao trabalho livre”. In: História geral da civilização brasileira  
t. II: Brasil Monárquico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.  
COSTA, E. V. Da monarquia à República: momentos decisivos. Araraquara: Unesp,  
1999.  
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu, 2020.  
FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.  
FERNANDES, F. Circuito fechado. São Paulo: Hucitec, 1976.  
FERNANDES, F. Significado do protesto negro. São Paulo: Expressão Popular/  
Fundação Perseu Abramo, 2017.  
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.  
GOLDMAN, W. Mulher, estado e revolução. São Paulo: Boitempo, 2014.  
GONZALEZ, L. “A juventude negra brasileira e a questão do desemprego (1979)”. In:  
Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.  
GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.  
HAIDER, A. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. 2. ed. São Paulo:  
Veneta, 2019.  
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pretos ou pardos são minoria na  
direção dos grandes estabelecimentos agrícolas.  
Disponível em:  
estabelecimentos-agricolas>. Acesso em: 13 abr. 2025.  
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais:  
uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE,  
2024.  
Disponível  
em:  
abr. 2025.  
LIMA, A. S. Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de integração de  
Verinotio  
182 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O racismo na via colonial  
classe no Brasil e nos Estados Unidos. Tese (Doutorado) apresentada à Universidade  
de São Paulo (USP), São Paulo, 2015.  
LUKÁCS, G. “Marx e o problema da decadência ideológica”. In: ______. Marx e Engels  
como historiadores da literatura. São Paulo: Boitempo, 2016.  
LUKÁCS, G. A destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
MARTINS, C. E. Marxismo, liberalismo e a questão racial no Brasil. Blog Boitempo. 30  
jul.  
2020.  
Disponível  
em:  
abr. 2025.  
MARTINS, J. S. M. A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da  
escravidão no Brasil. Tempo Social, n. 6, 1995.  
MARINI, R. “Dialética da dependência”. In: SADER, E. (Org.) Dialética da dependência:  
uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. São Paulo: Vozes, 2000.  
MARX, K. Miséria da filosofia. São Paulo: Global, 1985.  
MARX, K. O capital (Livro 1). São Paulo: Boitempo, 2017.  
MOURA, C. Raízes do protesto negro. São Paulo: Global, 1983.  
MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1992.  
MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 2019.  
MOURA, C. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita Garibaldi, 2021a.  
MOURA, C. O negro, do bom escravo ao mau cidadão? São Paulo: Dandara, 2021b.  
NEIMAN. S. A esquerda não é woke. Belo Horizonte: Âyiné, 2024.  
OLIVEIRA, F. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Edições Graal,  
1989.  
PABLITO, M.; ALFONSO, D.; PARKS, L. A revolução e o negro. São Paulo: Edições Iskra,  
2019.  
PORPHIRIO, F. M. C. A identidade negra como instrumento de luta entre os  
trabalhadores rurais, 1954-64. Diálogos, 23(3), 241258, 2019.  
PRADO JR., C. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987a.  
PRADO JR., C. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987b.  
RAGO. A. Sob esse signo vencerás! A estrutura ideológica da autocracia burguesa.  
Cadernos AEL, v. 8, n. 14/15, 2001.  
RAGO, M. A. Paula O demiurgo da construção nacional: o pensamento industrialista de  
Azevedo Amaral. Verinotio, v. 25, n. 2, 2019.  
RODRIGUES, Leôncio Martins. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo:  
Difusão Europeia do Livro, 1966.  
SANTOS, G. “Comentários”. In: IANNI, O. et al. O negro e o socialismo. São Paulo:  
Perseu Abramo, 2005.  
SCHWARCZ, L. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil  
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.  
VAISMAN, E. A usina ontossocietária do pensamento. Ensaios Ad Hominem, n. 1, t. I,  
São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.  
WILLIAMS, E. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Cia das Letras, 2012.  
Como citar:  
JUVENCIO SOBRINHO, Maria Goreti. O racismo na via colonial. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 154-183, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 183  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.749  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento  
isebiano na miséria brasileira  
A philosophy for accumulation: the Iseb’s thought in the  
Brazilian poverty  
Leandro Theodoro Guedes*  
Resumo: O presente artigo teve por objetivo  
realizar uma análise sobre a natureza do  
pensamento isebiano, especialmente seu aspecto  
nacional-desenvolvimentista. Tratou-se de um  
pensamento nascido para resolver uma questão  
renitente e irresolvível: a autonomia da burguesia  
nacional. Seus autores sustentaram a missão  
social de se criar uma filosofia para aceleração da  
acumulação capitalista. Conformou-se sob uma  
teoria do conhecimento perspectivista, apoiada  
na fenomenologia e no agnosticismo e defendeu  
da aliança de classes em nome do  
“desenvolvimento nacional”. Tais pontos  
inviabilizaram o vislumbre de novas alternativas,  
resultando nas velhas soluções conciliatórias.  
Examinar esses aspectos torna-se contributivo  
sobretudo com a voltada influência do nacional-  
Abstract: This paper aimed to analyze the nature  
of Iseb's thought, especially its national-  
developmentalist aspect. It was a thought born  
to resolve a stubborn and irresolvable issue: the  
autonomy of the national bourgeoisie. Its  
authors supported the social mission of creating  
a
philosophy  
accumulation. It conformed to a perspectivist  
theory of knowledge, supported by  
to  
accelerate  
capitalist  
phenomenology and agnosticism, and defended  
the alliance of classes in the name of "national  
development". Such points made it impossible  
to glimpse new alternatives, resulting in the old  
conciliatory solutions. Examining these aspects  
becomes useful, especially given the influence  
of national-developmentalism in the current  
public debate.  
desenvolvimentismo  
atualmente.  
no  
debate  
público  
Keywords: Iseb’s thought; theory of knowledge;  
nationalism; developmentalism.  
Palavras-chave: Pensamento isebiano; teoria do  
conhecimento; nacionalismo; desenvolvimen-  
tismo.  
1. Introdução  
O chamado nacional-desenvolvimentismo foi a consolidação de um processo de  
forte expressão intelectual, que conduziu o Brasil na tentativa de aceleração da  
acumulação de capital nos dois primeiros terços do último século. Tratava-se de uma  
preocupação que colocava a questão econômica como central, ainda que cerceada  
pelo politicismo. Atualmente, não tem sido incomum certa retomada desse  
*
Doutor em administração pela Universidade Federal de Viçosa. Professor no curso de tecnologia em  
logística da Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro. E-mail:  
ltheodoroguedes@yahoo.com. Orcid: 000-0001-6529-2188.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira, v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
pensamento. Há, por exemplo, o entendimento de que “o Brasil do século XXI teria  
muito a aprender com esse capítulo do seu passado” (FONSECA; SALOMÃO, 2022, p.  
283). Não seria surpreendente que a remodelação de fórmulas antigas reaparecesse  
num país cuja formação híper-tardia do capital e o estágio de subordinação segue  
reiterado.  
Nesse itinerário intelectual, um importante exemplar foi o pensamento isebiano.  
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) se consolidou como uma espécie de  
think tank institucional voltado para uma produção intelectual municiadora de ideias  
capazes de dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico, com a  
consolidação do capitalismo industrial, ancorado por uma aliança classista.  
Trata-se este de um objeto ideológico razoável, pois ele se constrói após um  
certo estágio de consolidação do “estado planejador” varguista, ao mesmo tempo em  
que o capitalismo brasileiro crescia aceleradamente, mesmo que ainda carregando as  
marcas inelimináveis da marcante “incompletude econômica da nossa burguesia”  
(CHASIN, 1982, p. 11). O próprio Chasin notou como mesmo a entrada do Brasil no  
capitalismo industrial em seus momentos mais maduros não foi capaz de superar a  
miséria brasileira, entendida como “conjunção entre o embrião maldito do capital  
incompletável agora já de engorda monopólica e a insubstancialidade teórica e  
prática, até hoje, da esquerda organizada” (CHASIN, 1985, p. xi). Se as expressões  
teóricas dessa miséria se apresentaram mais acabadas no ao longo da metade final do  
século XX, seus precursores podem se encontrar no período pré-64, do qual o  
pensamento isebiano é um dos expoentes.  
Também é importante ressaltar como esse ideário foi uma das últimas tentativas  
de posicionar o problema econômico em primazia, na medida em que, como  
constatado por Chasin (2000), no período ditatorial e na nova república, a  
preocupação da esquerda foi dominada pela questão da organização partidária e da  
institucionalidade, que relegou o econômico ao segundo plano.  
O Iseb já foi tematizado criticamente por variadas pesquisas que apontaram seu  
caráter ideológico, no sentido de promover análises inconsistentes (TOLEDO, 1979).  
Alguns aspectos, como um certo idealismo, ou mesmo um autoritarismo também já  
foram ressaltados (LEBRUN, 1963; IANNI, 2004). Entendemos que há ainda a  
possibilidade de investigá-lo indo além do unilateralismo quanto à sua natureza  
específica. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo compreender a natureza  
do pensamento isebiano de 1952 a 1958. Este período abrange um intervalo que vai  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 185  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
além da instituição da organização, em 1955, justamente porque Hélio Jaguaribe  
(2018), principal autor isebiano, ressaltou que textos publicados nos Cadernos do  
Nosso Tempo entre 1952 e 1956 foram fundamentais para conformar a posição do  
pensamento isebiano. Por outro lado, exclui-se dessa análise textos posteriores por  
conta da mudança de posição e da própria composição, havendo um certo  
distanciamento do nacional-desenvolvimentismo. Para realizar este objetivo,  
empreende-se a determinação social do pensamento, buscando identificar a gênese  
histórica e a missão social, bem como os aspectos caracterizadores desse pensamento  
realizando a análise imanente (LUKÁCS, 2020; CHASIN, 1978; VAISMAN, 2010; PAÇO  
CUNHA, 2023).  
2. As condições objetivas para o surgimento do pensamento isebiano: a  
encruzilhada do capitalismo atrófico  
As consequências do imperialismo no Brasil são certamente um ponto de  
arranque importante para o pensamento isebiano. Uma primeira aproximação do  
problema da influência do imperialismo no Brasil pode ser obtida com a caracterização  
dada por Chasin (1978) à formação do capitalismo nacional. Tendo como parâmetro  
de análise as grandes potências que se transformaram nos grandes impérios  
capitalistas, o autor destacou a via clássica, por meio da qual se entificou o capitalismo  
de países como Inglaterra e França, onde além de um desenvolvimento industrial  
robusto, houve uma revolução política que desencadeou o estabelecimento de uma  
democracia liberal e o rompimento com o passado feudal.  
Por esse ponto de partida, o autor traçou as características de outras formações  
sociais capitalistas. Trata-se, por exemplo, dos casos de Itália, Alemanha e Japão que  
“não são acompanhadas pelo progresso social que marca os casos clássicos, mas que  
atingem o estágio imperialista no alvorecer do século XX ou muito pouco depois”  
(CHASIN, 1978, p. 633). Além de um descompasso com o desenvolvimento das  
formações clássicas, nesses países também se deu uma formação política conturbada,  
marcada pela transição autoritária, que não rompeu definitivamente com o passado.  
Nesse sentido, houve, na formação alemã, a conciliação do velho e do novo por meio  
da autocracia de Bismarck, o que configurou a chamada via prussiana.  
Em comparação com o caso alemão, por exemplo, “no Brasil a industrialização  
principia a se realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da  
época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua condição de país  
subordinado aos polos hegemônicos da economia internacional” (CHASIN, 1978, p.  
Verinotio  
186 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
628). A inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho na entrada do século  
XX, portanto, se deu sem que o país conseguisse desenvolver seu capitalismo  
autonomamente e sequer tivesse formado uma burguesia nacional industrial.  
O fato de ser ainda mais retardatária fez com que a industrialização nacional  
não fosse apenas débil em termos de aceleração e diversificação do crescimento.  
Afinal, ela  
se realiza já no quadro da acumulação monopolista avançada, no  
tempo em que guerras imperialistas já foram travadas, e numa  
configuração mundial em que a perspectiva do trabalho já se  
materializou na ocupação do poder de estado em parcela das  
unidades nacionais que compõem o conjunto internacional. Ainda  
mais, a industrialização tardia, apesar de retardatária é autônoma,  
enquanto a híper-tardia, além de seu atraso no tempo, dando-se em  
países de extração colonial, é realizada sem que estes tenham deixado  
de ser subordinados das economias centrais (CHASIN, 1977, p. 176).  
O estágio imperialista não pode ser deixado de lado para se conhecer os  
caracteres mais determinantes da formação do capitalismo brasileiro. Considerando  
assim a formação da burguesia nacional, disse Chasin (1977, p. 177) que ela “teve  
que se contentar com fatias de reinado no colegiado dos pactos, e acumular sob a  
proteção do estado e o olho guloso do capital estrangeiro”, sendo incapaz de realizar  
“seus precípuos deveres econômicos”. Em suma, a via colonial “engendra uma  
burguesia que não é capaz de perspectivar, efetivamente, sua autonomia econômica,  
ou o faz de um modo demasiado débil, conformando-se, assim, em permanecer nas  
condições de independências neocolonial ou de subordinação estrutural ao  
imperialismo” (CHASIN, 1980, p. 128). Desenhou-se, portanto, de um cenário em que  
se estabeleceu um capitalismo dependente em relação às grandes potências, por isso  
também subordinado, cuja liderança econômica é representada por uma burguesia que  
se associou minoritariamente aos países desenvolvidos.  
A propósito de alguns elementos históricos, pode-se dizer que na formação  
dessa classe dominante, em setores nos quais houve alguma autonomização de uma  
burguesia local, como nos de bens de consumo mais básicos a exemplo do têxtil, e da  
produção de calçados ou de alimentos (especialmente carnes e cereais), sempre houve  
a dependência externa para a importação de maquinaria e de matérias-primas que  
canalizava o mais-valor extraído para os países imperialistas. E mesmo com incentivos  
governamentais, eventos como as guerras mundiais e as grandes crises econômicas  
do fim do século XIX e de 1929 bloqueavam o acesso a esses insumos, obstruindo o  
avanço da acumulação nessas indústrias (SUZIGAN, 1986).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 187  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
Em outros setores, como na indústria de base, a exemplo da siderurgia, a  
indústria química, a indústria de cimento e outras mais, a dependência se dava pelo  
fato de terem sido iniciativas do próprio capital estrangeiro no Brasil. O país, por meio  
do estado, garantia, através de políticas como isenções tarifárias e a exploração por  
monopólio, as condições de estabelecimento dessas empresas. Tratou-se de uma  
tentativa da troca da dependência da importação geral desses bens pela dependência  
da produção estrangeira no Brasil (SUZIGAN, 1986). Essas medidas, contudo, eram  
sopesadas pela baixa demanda da produção desses materiais. Pelo menos até a  
década de 1930, as tentativas de estabelecimento de indústria de cimento no Brasil  
foram bastante errantes e não antes da década de 1940 o mesmo problema ocorria  
com a siderurgia.  
Em outros casos ainda mais acentuados, como o de transportes e fornecimento  
de energia elétrica, o estabelecimento do capital estrangeiro se deu mesmo em meio  
a debates com as resistências nacionalistas, exatamente porque não havia no Brasil  
qualquer possibilidade técnica de fornecimento desses serviços no início do século XX,  
sendo concedidas licenças a empresas estrangeiras. No caso dos transportes, houve  
algum desenvolvimento mais rápido por conta das necessidades da burguesia  
agroexportadora e do aporte de capital inglês na construção de ferrovias, operação  
das linhas e também na operação de navegação marítima. No caso da energia elétrica,  
foi necessária a entrada de uma empresa canadense para provimento de redes de  
transmissão nas grandes cidades (CASTRO, 1976). Esses setores eram também  
fundamentais para dinamizar a economia nacional, seja para escoar mercadorias, ou  
melhorar as condições energéticas para produção industrial. Esse setor de serviços  
básicos, que agregava transportes, fornecimento de gás, iluminação, entre outros,  
representou cerca de 62% de todo investimento estrangeiro direto no Brasil entre  
1903 e 1913 (CASTRO, 1976). Nas décadas finais do século XIX, de afluxo se  
direcionou para o setor de infraestrutura brasileiro, especialmente a produção e  
operação de ferrovias (CASTRO, 1976). Esse afluxo se intensificou com a crise mundial  
de 1875, que afetou especialmente a Inglaterra. Como os capitais estrangeiros  
destinados ao Brasil vinham do país britânico, a crise foi uma oportunidade para a  
burguesia inglesa recuperar-se com a captura de lucros no Brasil. O investimento em  
atividades logísticas de apoio à exportação de matérias-primas, como o café, fazia com  
que esses capitais britânicos se apropriassem de parte do mais-valor produzido pela  
atividade agroexportadora. Além de se dedicarem à operação das ferrovias, os capitais  
Verinotio  
188 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
estrangeiros também se ocupavam das atividades de navegação.  
As rendas obtidas com a exportação do café no início do século XX foram  
essenciais para impulsionar algumas iniciativas industrializantes, como os  
empreendimentos industriais no interior do país (STEIN, 1980; SUZIGAN, 1986), mas  
eram igualmente um entrave, na medida em que o direcionamento da política  
econômica visava atender aos interesses dos produtores de café e retardavam a  
autonomia industrial. Além disso, o próprio processo de endividamento externo, usado  
para subsidiar a produção cafeeira, fazia com que as rendas obtidas  
internacionalmente sequer retornassem satisfatoriamente para o Brasil, uma vez serem  
elas menores que os juros a serem pagos a serviço da dívida. Segundo Oliveira (1977,  
p. 33) era “uma forma de produção de valor que se autoconsumia no seu  
financiamento”.  
A dependência do setor agroexportador mantinha inviabilizada a transição para  
o capitalismo industrial e acentuava a subordinação ao capital financeiro estrangeiro,  
ao mesmo tempo em que mantinha o país concentrado em um setor que não se  
sustentava. Em outras palavras, “a intermediação comercial e financeira externa própria  
da economia agroexportadora representou uma restrição ao avanço da divisão social  
do trabalho interno ao próprio tempo em que se negava” (OLIVEIRA, 1977, p. 33).  
Essa contradição foi um entrave para o avanço do capitalismo nacional.  
A consolidação da independência política de países como o Brasil ao longo do  
século XIX interrompeu esse fluxo ininterrupto de exportação direta de lucros. Com a  
formação de uma burguesia agroexportadora e comercial, ainda que incipiente, o mais-  
valor extraído não era mais exportado totalmente. Ademais, o estado nacional se  
colocava como um agente importante, atraindo financiamento estrangeiro para obras  
de infraestrutura, manipulando a política fiscal e cambial em favor dessa burguesia  
comercial e agrária nascente, mantendo a massa salarial rebaixada. Esses processos  
modificaram, não somente o Brasil, mas os mecanismos de atuação internacional do  
imperialismo. Com a independência de novos países, “A troca desigual é agora uma  
das principais formas de exploração colonial; a produção direta de superlucros nas  
colônias tem papel secundário” (MANDEL, 1982, p. 245).  
Os movimentos que buscavam conter a influência imperialista na economia  
nacional puderam a ser vistos mais fortemente ao longo das primeiras décadas do  
século XX, ainda que de forma embrionária, pois nesse período não havia políticas  
econômicas sistemáticas para além do controle cambial e fiscal. Exemplo de política  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 189  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
fiscal se verificou com as indústrias têxteis sendo favorecidas com impostos sobre os  
bens de consumo importados ao longo da década de 1910 (LUZ, 1978). De acordo  
com Carone (1978), com o câmbio desvalorizado, havia o favorecimento da  
agroexportação, o que fortalecia a relação de trocas desiguais, contudo, isso era  
positivo para a indústria nacional porque dificultava a entrada de produtos importados;  
com o câmbio valorizado, as empresas estrangeiras se beneficiaram porque enviavam  
mais ouro com menos quantidade de dinheiro nacional auferido nos lucros dessas  
empresas.  
Capital agrário e industrial também tinham discordâncias claras, sobretudo  
quanto à imposição de taxas sobre a importação e ao controle inflacionário.  
Ocasionalmente, o estado também se opunha aos interesses industriais, pois as tarifas  
alfandegárias eram sua principal fonte de receita, chegando a 67% em 1898, por  
exemplo. Para conter os danos, o estado atuava na cessão de empréstimos para as  
indústrias (LUZ, 1978). Ainda assim, eram comuns as queixas de que as ações  
protecionistas executadas pelo estado não tinham o efeito esperado, seja pela sua  
estreiteza de alcance, seja pela posição do Brasil na divisão internacional do trabalho.  
Nos anos 1920, mesmo conseguindo a redução de tarifas aduaneiras para a  
importação de máquinas, os industriais têxteis reclamavam da facilidade de entrada  
dos produtos têxteis estrangeiros, superiores em qualidade, dificultavam a inserção  
dos produtos nacionais no próprio mercado interno (SUZIGAN, 1986). Essas disputas,  
contudo, se estendiam sem rupturas, uma vez que a estrutura econômica nacional  
acomodava tanto essas frações da burguesia nacional quanto a burguesia imperialista.  
O ano de 1930 é um marco na condução da economia nacional porque o estado  
passa a “proteger ou estimular os setores econômicos já instalados na economia  
nacional; formalizar o mercado de fatores de produção; e, também, controlar as  
relações sociais de produção” (IANNI, 1971, p. 7). Os primeiros anos do governo  
varguista viram a formulação de determinados órgãos, como a criação da Secretaria  
de Comércio Exterior. Através dela, passou-se a dar maior atenção para a necessidade  
de nacionalização da produção de bens de capital ligados à indústria de base, diante  
do diagnóstico de que não era vantajoso para o Brasil exportar minério de ferro e  
importar trilhos ferroviários. Nas palavras de Oliveira, nesse período,  
assiste-se à emergência e à ampliação das funções do estado, num  
período que perdura até os anos Kubitschek. Regulando o preço do  
trabalho, já discutido anteriormente, investindo em infraestrutura,  
impondo o confisco cambial ao café para redistribuir os ganhos entre  
Verinotio  
190 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
grupos das classes capitalistas, rebaixando o custo de capital na forma  
do subsidio cambial para as importações de equipamentos para as  
empresas industriais e na forma da expansão do crédito a taxas de  
juros negativas reais, investindo na produção (Volta Redonda e  
Petrobras, para exemplificar), o estado opera continuamente  
transferindo recursos e ganhos para a empresa industrial, fazendo  
dela o centro do sistema (OLIVEIRA, 2003, pp. 40-1).  
Ainda assim, a atuação mais destacada do estado nesse momento foi a  
execução da política trabalhista, que arrefeceu as mobilizações dos trabalhadores e  
controlou politicamente os sindicatos e o aumento salarial1 (VIANNA, 1978). Além  
desse movimento necessário, havia o recurso ao comércio exterior, no qual o Brasil  
exportava gêneros primários e importava bens manufaturados de consumo e de capital  
para dar marcha ao processo industrializante. Em 1933, a balança comercial brasileira  
apontava para a seguinte categorização:  
Tabela: 1 Principais classes de produtos no comércio exterior brasileiro em 1933  
Produtos exportados  
Vegetais e seus produtos  
Animais e seus produtos  
Minerais e seus produtos  
Valor (em libras)  
32, 5 milhões  
2,8 milhões  
500 mil  
Produtos importados  
Artigos manufaturados  
Matérias-primas  
Valor (em libras)  
15,3 milhões  
7 milhões  
Produtos alimentícios  
5,8 milhões  
Fonte: Brasil (1935)  
Na medida em que a atuação predatória do imperialismo estava clara desde os  
anos iniciais do século XX e que os efeitos dessa atuação eram inescapáveis no período  
em que o Brasil se consolidou como nação capitalista, as vias de desenvolvimento  
possíveis do capitalismo subordinado também estavam dadas no interior do  
imperialismo e isso também restringia o efeito das medidas nacionalizadoras, tais  
como  
As leis e os organismos criados para a energia elétrica, ferro, bancos  
de deposito, carvão etc., ou o decreto de 1933 que acaba com a  
cláusula permitindo que as companhias estrangeiras cobrem parte das  
tarifas elétricas em ouro, são sintomas dessa tendência  
nacionalizadora. (CARONE, 1978, p. 90)  
Nessa direção, com a Constituição de 1937 houve o estabelecimento do Código  
das Águas que buscava “nacionalizar” a indústria de energia elétrica, o que significava  
1
Segundo Ianni (1979), entre 1914 e 1952 o índice de salário real foi rebaixado, para o operário  
comum, de 100 para 84, mas essa redução foi vista para diversas categorias. Segundo Oliveira, a  
“regulamentação das leis do trabalho operou a reconversão a um denominador comum de todas as  
categorias, com o que, antes de prejudicar a acumulação, beneficiou-a [...] não era necessário que  
houvesse rebaixamento de salários anteriormente pagos, mas apenas equalização dos salários dos  
contingentes obreiros incrementais, isto é, da média dos salários” (OLIVEIRA, 2003, p. 39).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 191  
nova fase  
 
Leandro Theodoro Guedes  
a necessidade de acionistas brasileiros para as empresas operarem no Brasil (IANNI,  
1971). Embora fosse uma tentativa de favorecer o capital nacional, não se tratou de  
uma lei tão efetiva, porquanto ela não provocou a retirada das empresas estrangeiras  
do setor: “para obedecer a lei, as companhias estrangeiras põem um brasileiro como  
diretor, simples testa de ferro e com funções honoríficas: é o caso da Light, com o  
engenheiro Edgard de Souza, ou de Mario Gama, a frente de 16 ramificações das  
Empresas Elétricas Brasileiras” (CARONE, 1978, p. 90). Quer dizer, entre a elaboração  
das leis e sua implementação, havia um certo hiato entre o objetivo pretendido e os  
resultados.  
Por outro lado, mesmo quando a dinâmica econômica internacional favorecia o  
Brasil, as consequências eram negativas. No período da II Guerra, o Brasil teve  
resultados positivos na balança comercial: aproveitou-se do aumento da demanda de  
gêneros primários e houve a impossibilidade de manter o nível quantitativo das  
importações. O país adquiriu créditos internacionais em moeda estrangeira, mas  
quando os dólares entraram no Brasil, desencadeou-se um processo inflacionário e o  
aumento súbito das taxas de lucros, respondidos com um decreto, aprovado pelas  
representações da burguesia, que instituiu um imposto sobre esses lucros, com a  
promessa de que ele seria restituído ao final da guerra. Ao mesmo tempo, o  
endividamento público passou por sucessivas renegociações que aumentaram os juros  
devidos (CARONE, 1976). Ou seja, o intervencionismo estatal através do planejamento  
foi executado, mas as condições impostas a uma economia internacionalmente  
subordinada insistiam em conduzir a resultados indesejados.  
Com a crise inflacionária da II Guerra, o governo varguista também lançou mão  
da “Lei sobre atos contrários à ordem moral e econômica”2 em 1945. Esta lei tentava  
controlar a formação de carteis e monopólios, vistos como irradiadores do processo  
inflacionário, por controlarem mercados inteiros. Na prática, o decreto atacava mais  
fortemente o capital estrangeiro instalado no Brasil, cujas empresas dominavam mais  
amplamente alguns setores (CARONE, 1976). A burguesia nacional então manifestou-  
se contrariamente à norma. Em uma manifestação enviada diretamente à presidência,  
as “classes produtoras” reclamavam que “em um país cujo progresso está na estreita  
dependência de formação de capital, a discriminação contra o capital estrangeiro, cujas  
empresas passaram a ser logo passíveis de desapropriação sem a justa indenização  
2
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-7666-22-  
junho-1945-416494-publicacaooriginal-1-pe.html>.  
Verinotio  
192 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
pelo simples ato de uma comissão administrativa” (O ESTADO DE S. PAULO, 1945, p.  
8). A burguesia nacional não hesitava inclusive em conclamar sua sintonia orgânica  
com o capital estrangeiro questionando a intervenção demasiada do estado na  
economia.  
Outro aspecto limitador dessa tentativa de frear o capital imperialista estava no  
próprio estado brasileiro que realizava alianças com o capital imperialista para reunir  
as condições de estruturação das capacidades e realizar as decisões políticas. De tal  
maneira que “o projeto de capitalismo nacional não só foi pouco elaborado  
politicamente, mas já surgiu num contexto histórico dominado pela redefinição da  
hegemonia econômica, política, militar e cultural dos Estados Unidos” (IANNI, 1979, p.  
71).  
Essa influência direta dos Estados Unidos marcou o direcionamento para o  
liberalismo do governo Dutra. Com ele, o aparelhamento do estado orientado para a  
planificação e o direcionamento da economia se desfaz. A principal medida econômica  
foi a liberalização do câmbio que tinha como objetivo a atração de investimento  
estrangeiro para o Brasil e o aumento da capacidade de importação para a indústria  
nacional. A aposta na atração de investimentos estrangeiros já havia sido frustrada  
desde o fim da II Guerra com o Plano Marshall, que direcionou o capital estadunidense  
para a Europa. Inicialmente, essa política de Eugenio Gudin não trouxe os resultados  
esperados e inclusive resultou em déficits na balança comercial brasileira, além de não  
evitar a fuga de capitais internacionais (SKIDMORE, 1983). Somente em 1948 houve  
um direcionamento para controlar o câmbio e reter alguns recursos internacionais, de  
modo a reequilibrar a balança comercial e garantir a capacidade de importação de  
maquinaria pela burguesia industrial. Embora a política tenha sido entendida como  
equivocada, os ganhos da burguesia foram garantidos com a repressão salarial (IANNI,  
1979).  
Durante o segundo governo varguista, retomou-se as estratégias ainda mais  
próximas do que poderia ser entendido como planificação econômica: além da reunião  
das capacidades estatais para o desenvolvimento (com órgãos técnicos, empresas  
estatais e bancos públicos), houve a formação de planos econômicos.  
Os últimos tinham a execução travada por conta da dependência e dificuldade  
de obtenção do financiamento estrangeiro (CARONE, 1978; IANNI, 1979). Foi o  
exemplo dos projetos elaborados pela Comissão Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU).  
Segundo Gomes (2022, p. 4) “Os custos estimados de todos os projetos eram de US$  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 193  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
387,4 milhões e aproximadamente Cr$ 14 bilhões em despesas locais. No entanto, o  
total de financiamentos recebidos foi de US$ 181, 9 milhões”. A criação da Petrobrás  
fora importante, mas não nacionalizou definitivamente aquele mercado: “derivados  
continuaram a ser comercializados pelas empresas estrangeiras e suas subsidiárias no  
Brasil” (IANNI, 1979, p. 127).  
O governo Kubitschek partiu de um diagnóstico, feito tanto pela CMBEU quanto  
pelo BNDE-Cepal, de que a associação com o capital estrangeiro era incontornável  
para o salto necessário da economia brasileira. Esses dois estudos viam isso de  
maneira diferente quanto às medidas a serem empregadas e à qualidade dessa  
participação, mas concordavam quanto à associação necessária para que a economia  
brasileira se apropriasse dos elementos técnicos necessários para dar as condições do  
salto industrial (IANNI, 1979). O que se conhece como substituição de importações,  
capacidade de produção de bens manufaturados para o mercado interno, dependia de  
uma diversificação da produção nacional acessível pelas associações com o capital  
estrangeiro, especialmente com a entrada de filiais de multinacionais para a produção  
de bens de consumo no Brasil.  
De modo que a tônica do governo Kubitscheck em relação ao capital  
estrangeiro sempre foi a de uma relação de aproximação. Com a Instrução 113 da  
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) foi incentivada a entrada de capital  
estrangeiro por meio de bens de capital, sendo essas importações compensadas com  
participações acionárias em empresas brasileiras. Com a Instrução, “o capital  
internacional internalizava máquinas e equipamentos que já eram obsoletos em seus  
países de origem, superfaturando valores de importação e amortizando os custos fixos  
de seus bens de capital, ou mesmo ganhando desconto no imposto de renda”  
(CAMPOS, 2017, p. 119). Ao mesmo, tempo não havia tanta reação do capital nacional  
a esse movimento,  
graças ao ide, o capital privado nacional seria atendido pela ampliação  
do parque industrial, no qual as possibilidades de crescer sob o efeito  
dinâmico que o oligopólio externo criaria eram imprescindíveis para  
sua existência. Essa associação subordinada e ao mesmo tempo  
“virtuosa” – do capital nacional com a empresa estrangeira  
possibilitou, em companhia de certas frações de classe, setores  
estatais e do exército, a constituição de uma espécie de “complexo  
multinacional” (CAMPOS, 2017, p. 119).  
De forma geral, foi relevante a magnitude dessa medida pois “mais de 50% do  
total de investimento externo direto que ingressou no Brasil entre 1955 e 1960, ou  
US$ 401 milhões, o fizeram sob a égide daquela Instrução” (GIAMBIAGI, 2011, p. 32).  
Verinotio  
194 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
Destacando-se os setores de veículos, mecânica e elétrica e química e farmacêutica  
quase 75% do montante investido (CAMPOS, 2017). A respeito dessa entrada  
massiva, houve apenas uma reação de representantes do capital nacional, por meio da  
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O projeto proposto pela  
Fiesp se apoiava “no capital nacional e estrangeiro, não se tratando, portanto, de um  
projeto para o capital nacional, mas de um projeto onde o capital nacional determine  
as condições de participação do capital estrangeiro” (TREVISAN, 1986). Contudo,  
apesar de algumas concessões em relação a mudanças na instrução, a comissão de  
empresários nacionais pleiteada para a escolha dos projetos não foi formada.  
A despeito do caráter passivo da burguesia nacional e da dependência estatal,  
a via de associação com o capital estrangeiro era elementar, e cada vez mais simbiótica.  
Por essa razão, afirma Ianni (1979, p. 168) “ao mesmo tempo em que se promovia  
(de modo deliberado ou não) a substituição de importações, criavam-se novas  
exigências de importação de máquinas implementos acessórios, know-how e matérias  
primas para instalar os novos empreendimentos ou para dar continuidade ao seu  
funcionamento”.  
Para resumir as consequências do processo que se iniciou em 1930, é possível  
acompanhar o quadro de transferências internacionais do Brasil na Tabela 2:  
Tabela 2: Transferências internacionais do Brasil com o exterior (1930-1958)  
Rendas de capitais  
Transações correntes  
Capitais  
Superavit (+) ou deficit (-)  
1930  
1931  
1932  
1933  
1934  
1935  
1936  
1937  
1938  
1939  
1940  
1941  
1942  
1943  
1944  
1945  
1946  
-123,4  
-98,9  
-45,5  
-28,3  
-45,9  
-67,6  
-76,5  
-81,5  
0
-79  
4,1  
54,4  
-9,5  
-25,9  
-20,9  
-12,6  
0,5  
-116,1  
15,8  
35,7  
-11,5  
-12  
23,9  
14  
30,3  
-32,8  
10  
22,9  
-51,2  
0
0,5  
-63,3  
4,4  
0
0
75,1  
-0,8  
-11,7  
-26,8  
-34,4  
-40,8  
-53,7  
-68,5  
-62,5  
-65  
28,4  
-12,3  
91,7  
201,3  
198,5  
185,8  
248,2  
188  
-0,3  
-23,5  
-35,9  
-29,1  
45,6  
-20,5  
-32,6  
-3  
4,4  
60,3  
149,6  
252,8  
157,4  
61,7  
96  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 195  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
1947  
1948  
1949  
1950  
1951  
1952  
1953  
1954  
1955  
1956  
1957  
1958  
-36  
-63  
-151  
-2  
12  
-51  
-74  
-65  
-11  
35  
-182  
-24  
-62  
-82  
140  
-403  
-624  
55  
-74  
-74  
52  
-90  
-291  
-615  
16  
-36  
-127  
-97  
59  
-195  
2
-18  
3
-203  
17  
-78  
-127  
-122  
-108  
57  
151  
255  
184  
-14  
-264  
-248  
-171  
-189  
Fonte: Brasil (1990). Nota: Rendas de capitais se refere a lucros, dividendos e juros auferidos por capital  
estrangeiro no Brasil; Transações correntes são o saldo total de entradas e saídas de recursos e capitais  
são o saldo de entradas e saídas em transações financeiras  
Até o período do início da II Guerra houve o predomínio de resultados negativos  
na Balança de pagamentos que são explicados pelos recursos usados para amortização  
da dívida externa (na coluna capitais) que superam o saldo positivo de exportações  
sobre as importações. Em todos os anos, o saldo negativo de rendas de capitais é  
superior ao resultado total de superávit ou déficit e também supera a entrada de  
capitais estrangeiros no país.  
Posteriormente, houve a melhora da balança comercial com o aumento das  
exportações que superaram a fuga de capitais privados e a amortização da dívida  
pública, mas conviveram com o fluxo de saída de renda de capitais. Tais processos  
resultaram na tentativa fracassada do governo varguista de controlar os lucros e os  
movimentos da burguesia. No período posterior a 1945, as amortizações da dívida  
pública superaram a entrada de capitais estrangeiros e, mesmo com resultados  
amplamente positivos na balança comercial, a saída de renda de capitais deteriorou o  
resultado total, efeito das políticas liberalizantes do governo Dutra. Durante a década  
de 1950, a fuga de rendas de capitais reduziu os resultados positivos da balança  
comercial que se mantiveram negativos mesmo após a entrada de maiores  
investimentos diretos (coluna Capitais), após a Instrução 113 da Sumoc.  
Retomando as considerações de Mandel acerca das trocas desiguais, esses  
resultados mostram como o Brasil se mantinha dependente das nações imperialistas  
mesmo com a utilização de estratégias variadas e distintas lideradas pelo estado que  
foram desde a planificação e protecionismo até a liberalização, passando pela  
combinação entre essas orientações. Mesmo quando havia a entrada massiva de  
investimento estrangeiro ou saldo positivo na balança comercial, as contas eram  
Verinotio  
196 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
sopesadas pela saída de rendas de capital (que incluía remessas de lucros) ou pela  
amortização da dívida pública, o que no geral significava a transmissão do mais-valor  
extraído nacionalmente para os países dominantes. Esses diferentes movimentos  
mostram como esse mecanismo das trocas desiguais era potente.  
De uma maneira geral, pode-se ver que a burguesia dependente que se formou  
com a via colonial foi incapaz de completar a autonomização do capitalismo não  
somente por suas incapacidades, mas pela própria dinâmica internacional que pariu  
uma classe dominante acuada na disputa internacional e obrigada a atuar  
subordinadamente, auxiliada por estado igualmente débil e limitado quanto à  
efetividade das ferramentas de gestão utilizadas. São essas as condições objetivas que  
fazem surgir o pensamento isebiano. Se o capitalismo industrial se desenvolve no  
Brasil, isso se dá em condições precárias. Portanto, um pensamento que buscava a  
autonomização da burguesia nacional num contexto de relativa consolidação do  
capitalismo, seria mais uma resposta ao persistente problema do capital atrófico.  
3. Breve introdução ao pensamento isebiano e seus antecedentes  
Todo esse processo de disputas no interior do estado na tentativa de obtenção  
de políticas econômicas favoráveis a diferentes setores da burguesia, e a disputa  
destes setores contra o capital estrangeiro produziu formações ideais que ganharam  
força nas décadas seguintes à República Velha, mas já estavam em gestação.  
Pelo lado agroexportador, os defensores mais moderados da agricultura, como  
Américo Werneck, construíram a argumentação de que o país deveria permitir somente  
o desenvolvimento da chamada “indústria natural”, a indústria que se utilizasse de  
insumos produzidos no território nacional; mas havia também o pensamento ruralista,  
defensor da agropecuária, que repelia a modernização industrial urbana, erguendo-se  
como uma reação a entrada do capital estrangeiro que financiou essa indústria. Um  
importante representante dessa corrente foi Alberto Torres. Chasin (1978) observou a  
formação de um caldo cultural ruralista que vinha desde os defensores do modelo  
agroexportador, como o moderado Werneck, passando por suas expressões mais  
reacionárias no plano social, como a hostilidade ao estrangeiro de Alberto Torres, para  
quem os imigrados, “impedindo a formação das instituições e dos costumes de  
conservação e de aperfeiçoamento, ainda mais nos desviaram do curso normal da  
formação progressiva de todas as nacionalidades” (TORRES, 1938, pp. 44-5).  
Chegando ao ponto mais alto da regressividade com o integralismo de Plínio Salgado.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 197  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
Por outro lado, o pensamento que tinha a indústria em primazia se ancorou  
muito no protecionismo e na defesa da formulação de políticas capazes de fomentar  
o desenvolvimento autônomo da indústria nacional (LUZ, 1978). Figuras como  
Serzedelo Corrêa ficaram conhecidas como os primeiros a produzir um pensamento  
protecionista da economia. Além de crítico do laissez-faire dizia que o protecionismo  
“pode fazer com que dado paiz [sic] adquira esta ou aquela manufatura, que não  
poderia possuir sem esse amparo, de modo que depois de certo tempo os seus  
produtos se vendam a preço menor que o seu similar estrangeiro” (CARONE, 1977, p.  
45).  
O nacionalismo de cunho mais industrializante aparece com mais força a partir  
de 1930, a despeito de ter ganho alguma forma nas décadas anteriores. Importantes  
nomes, como o acima citado Serzedelo Corrêa e Amaro Cavalcanti, participavam das  
lutas da burguesia no parlamento brasileiro e estavam muito alinhados com os  
interesses práticos da burguesia industrial. Por isso, o conteúdo dos seus trabalhos  
era claramente dirigido a linhas de ação (LUZ, 1978). O problema do estabelecimento  
da indústria nacional frente à agricultura, do comércio importador e da própria  
indústria imperialista, permaneceu nas décadas seguintes provocando as reflexões de  
autores como Calógeras, Simonsen e Gudin, caminhando para uma esfera mais ampla  
numa tentativa de equacionar a resolução das questões sociais e da acumulação de  
capital por meio da direção da administração política do país (planejada ou  
liberalizante).  
As respostas dadas por esses autores variaram, sempre orbitando na defesa de  
um setor da burguesia nacional, ainda que tenha desaparecido a hostilidade mais  
declarada contra o capital estrangeiro. Exatamente porque a história do  
desenvolvimento capitalista brasileiro até os anos 1950 circulou nos mesmos entraves  
diante da tarefa de destravar o processo de acumulação. A preocupação econômica  
inclusive se manifestou em formas de pensamento que não se ligavam diretamente à  
economia. Ideólogos do Estado Novo, como Azevedo Amaral e Francisco Campos, no  
plano político, defendiam um autoritarismo como alternativa para esse processo de  
evolução do capitalismo nacional (IANNI, 2004).  
O pensamento isebiano nasce também voltado para a construção, no plano das  
ciências humanas, da necessidade de instrumentos teóricos para o desenvolvimento  
nacional. Resultante da reiteração da miséria brasileira, como continuador dessas  
linhas industrializantes, procurou construir um ideário que pudesse unir vários  
Verinotio  
198 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
elementos teóricos para detectar as origens da crise brasileira e assim produzir as  
soluções adequadas, inclusive no plano da cientificidade. Em uma das primeiras  
produções do Instituto era claro o entendimento de que o país vivia uma crise  
econômica. A interpretação a este respeito era de que a indústria nacional tinha  
atingido, na década de 1950, a hegemonia interna na burguesia, mas ainda não era  
capaz de dominar a produção de bens de consumo; no plano social e cultural essa  
burguesia, dotada das melhores capacidades intelectuais, falhava ao produzir as  
soluções para as questões nacionais; e no plano político, a crise produzida pela queda  
do Estado Novo exigia uma solução que fugisse ao binômio socialismo e liberalismo  
(IBESP, 1952).  
O aspecto mais distintivo do pensamento isebiano foi uma preocupação maior  
com os aspectos “culturais”, entendidos também como fonte da crise. Segundo  
Jaguaribe, eram as seguintes linhas principais que guiavam o pensamento isebiano  
Posição  
epistemológica  
caracterizada  
por  
um  
realismo  
perspectivístico e crítico; (2) Posição histórico-sociológica orientada  
por uma tentativa de superação das limitações do positivismo  
(coisificação do evento social) e do marxismo (materialismo histórico  
e teoria do valor-trabalho) e encaminhada para um culturalismo  
intercondicionado pelos fatores reais da existência; (3) Teoria  
relativista das ideologias, considerando-as em função das condições  
estruturais e históricas de cada sociedade”. (JAGUARIBE, 2018, p.  
241)  
As preocupações com as questões políticas e econômicas deixam o indicativo  
muito claro de que se tratava de um lócus de discussão voltado para a autonomia da  
burguesia nacional, ainda que seja evidente o acento sobre as preocupações de ordem  
filosófica para a sustentação das reflexões políticas e econômicas.  
O pensamento isebiano nasce um pouco antes do próprio Instituto ser fundado.  
No início dos anos 1950 passa a se articular o Instituto Brasileiro de Sociologia,  
Economia e Política (Ibesp), que publicava os Cadernos do Nosso Tempo. Autores como  
Jaguaribe e Guerreiro Ramos publicaram importantes textos neste periódico.  
O programa econômico falava em reduzir os custos da indústria nacional,  
considerando a necessidade de soluções para os suprimentos (matérias-primas),  
energia (que à época envolvia a questão do petróleo) e a infraestrutura de transportes.  
Retomava-se assim a fórmula planificadora, sendo que a “solução mais eficaz e rápida  
desses problemas exige um planejamento geral da economia e a rigorosa execução  
dos planos” (JAGUARIBE, 1953, p. 138). Sublinhou-se a tentativa de criar uma solução  
que se distanciasse do liberalismo clássico e do socialismo. Como causas da crise  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 199  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
estavam a ausência de uma circulação de elites e a “rebelião das massas, atualmente  
se manifestando, sobretudo, em forma de um oportunismo demagógico” (JAGUARIBE,  
1953, p. 139), o que ensaiava a construção de uma teoria de aliança de classes que  
garantia a subordinação do trabalho ao capital. Também se identificava o problema de  
eficiência do chamado “estado cartorial”, que não cumpria suas funções devidamente.  
4. A concepção faseológica na apologia direta da sociologia para a acumulação  
Um importante elemento do ideário isebiano era o chamado método  
faseológico, concepção etapista que enxergava a necessidade de transição de um  
semicolonialismo subdesenvolvido para o desenvolvimento, tal qual as grandes  
potências alcançaram. Mas no caso do pensamento isebiano o problema da fase tinha  
também repercussões no plano filosófico. A ideia de fase é compreendida como “uma  
etapa do processo histórico-social de uma comunidade. A época é uma etapa do  
processo histórico-social de uma cultura ou civilização” (IBESP, 1956, p. 55). Guerreiro  
Ramos também foi o principal expoente a tratar desse aspecto. Esse inclusive é um  
ponto de contato importante entre o ideário isebiano e a filosofia irracionalista, pois  
essa ideia de época está intrinsecamente ligada com o agnosticismo, seguindo o  
entendimento de que determinados conceitos são circunscritos a uma determinada  
época e, por isso, “cada época tem sua verdade absoluta e não há como conceber, de  
maneira iluminista, uma soma permanente de verdades relativas, um aproximar  
crescente da verdade absoluta, entendida como termo culminante de um processo  
contínuo de esclarecimento” (RAMOS, 1955, p. 1). Em outro lugar, foi possível mostrar  
como esse agnosticismo adquiriu maturidade no pensamento de Ramos a partir de  
sua crítica ao materialismo (GUEDES; PAÇO CUNHA; SILVA, 2023). Mas mais do que  
isso, esse agnosticismo ganha tração na tentativa do sociólogo de construir a  
sociologia para a acumulação. Deixando claros os seus objetivos na redação d’A  
redução sociológica, a construção nacional levava o sociólogo nacional  
por um lado, integrar a disciplina sociológica nas correntes mais  
representativas do pensamento universal contemporâneo. Por outro,  
pretende formular um conjunto de regras metódicas que estimulem a  
realização de um trabalho sociológico dotado de valor pragmático,  
quanto ao papel que possa exercer no processo de desenvolvimento  
nacional (RAMOS, 1958/1996, p. 41, grifos nossos).  
O papel da sociologia é, portanto, pragmático, apoiando o desenvolvimento do  
capitalismo nacional. Tratava-se de uma posição que se alinhava com os alegados  
objetivos da burguesia industrial brasileira ainda que como se viu, a própria  
Verinotio  
200 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
burguesia nacional não compartilhava desse objetivo. Ramos deixou ainda mais claro  
esse compromisso em termos indubitáveis, ao dizer que o “trabalho sociológico em  
país periférico, muito menos do que qualquer outro, não pode permanecer  
descomprometido do processo de acumulação de capital” (RAMOS, 1957/1995, p.  
36). Considerando assim, a época como essa redoma instransponível na qual  
determinados conceitos surgem e estão aprisionados, aparece a fase como sua  
análoga no plano econômico. A fase que aspira ao desenvolvimento, portanto, poderia  
tão somente corresponder a uma sociologia a serviço da acumulação.  
O método faseológico obteve repercussão no ideário isebiano. Embora o  
conceito já tenha aparecido em obras de autores do instituto (CORBISIER, 1958;  
JAGUARIBE, 1958), foi sistematizado no documento “Para uma Política Nacional de  
Desenvolvimento” publicado nos Cadernos do Nosso Tempo em 1956. Neste texto,  
um dos fundamentos é exatamente a concepção faseológica, segundo o qual “as  
comunidades pertencentes a um mesmo processo histórico global tendem a percorrer  
as fases determinadas pelo curso desse processo” (IBESP, 1956, p. 54).  
Exemplificando com o argumento de que “a fase em que se encontra o Brasil, por  
exemplo, corresponde àquela em que se encontravam os Estados Unidos nos fins do  
século XIX, não obstante o fato de o Brasil estar vivendo, como os Estados Unidos, na  
mesma época do imperialismo mundial” (IBESP, 1956, p. 55). Sendo assim, essa  
concepção de fases fundamenta o entendimento de que era necessário promover o  
desenvolvimento do capitalismo nacional para alcançar as fases mais avançadas, ou a  
tarefa de conclusão da fase de autonomia econômico-social do país.  
Guerreiro Ramos entendeu que a industrialização era um processo necessário,  
caso os países subdesenvolvidos quisessem avançar a fase. Segundo ele,  
“considerando progresso técnico e o aumento da produtividade, seja pela utilização  
da energia mecânica, pode-se dizer que é esse progresso que promove a melhoria do  
nível de vida das populações, isto é, o seu bem-estar social” (RAMOS, 1958/1996, p.  
141).  
O autor investiu numa associação direta entre a melhora dos níveis de vida e o  
processo de acumulação. Essa é uma correlação que certamente poderia ser  
identificada nos países desenvolvidos, sendo uma posição progressista, mas acrítica,  
de modo que não apenas deixa de lado as contradições fundamentais inerentes a esse  
processo. Também deixa de lado o tensionamento provocado pelas lutas sociais nas  
conquistas de direitos sociais. Nos próprios países desenvolvidos esse é um aspecto  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 201  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
histórico muito claro, haja vista os violentos processos que levaram à acumulação  
primitiva e as várias lutas sociais que se deram ao longo do século XIX até a garantia  
dos direitos sociais (MARX, 2013). Essas lutas também foram uma exemplaridade  
histórica no Brasil, haja vista todo o processo que levou à Consolidação das Leis  
Trabalhistas (FAUSTO, 1977; PINHEIRO; HALL, 1981). O processo de transformação  
tecnológica e de industrialização inclusive foi possibilitado por um processo acentuado  
de exploração do trabalho, levando a uma série de mobilizações e greves. Mas  
processos semelhantes ocorreram em todos os países em que se desenvolveu o  
capitalismo, não havendo essa relação automática defendida pelo sociólogo brasileiro.  
Ainda assim, sendo as lutas de classes um fato concreto muito evidente, o autor  
não podia deixar de se dirigir à classe trabalhadora e fazia isso mostrando-se contrário  
às suas aspirações, na medida em que elas obstavam o processo de acumulação de  
capital. Em seus termos:  
O conhecimento dos padrões de vida dos povos desenvolvidos leva todas as  
classes sociais nos países subdesenvolvidos a pretenderem consumos  
relativamente altos, que dificultam a acumulação de capital. Nos países  
periféricos, a propensão a consumir, na escala e modalidade equivalentes as  
dos países industrializados, dificulta o seu desenvolvimento, pois desestimula  
a poupança, assumindo caráter predatório (RAMOS, 1958/1958/1996, p.  
116).  
Aos dominados, caberia sacrificar o nível de consumo de modo a favorecer o  
processo de desenvolvimento. Esse sacrifício deve ser realizado por todas as classes,  
mas caberia questionar o autor se os ganhos seriam repartidos igualmente. Defendia  
assim a conjugação de esforços em torno do processo de desenvolvimento. A busca  
por uma conciliação classista, como veremos, se consolida com a ideia de nação.  
5. Fundamentação gnosiológica no perspectivismo: a ciência a serviço da  
acumulação de capital  
É justamente uma teoria sustentadora da aliança de classes, por meio do  
nacionalismo, o que mais mobilizou o pensamento isebiano do ponto de vista  
filosófico. Por isso, é um ponto central o vínculo com o perspectivismo no plano da  
teoria do conhecimento, aspecto mais desenvolvido nos estudos de Guerreiro Ramos.  
Esse vínculo sustentava o procedimento fundamental de submeter a ciência ao  
processo de acumulação de capital. A ideia era realizar no plano teórico, o que  
acontecia na economia. Nisso cabia a possibilidade das chamadas “transplantações  
acelerativas”, assimilações estrangeiras como “máquinas, os processos fabris de alto  
rendimento, certas formas especializadas de instrução e educação” (RAMOS,  
1957/1995, p. 117). De modo que essa relação com os produtos estrangeiros não se  
Verinotio  
202 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
resumia à tecnologia:  
Nos países periféricos, é a adoção sistemática de um ponto de vista  
universal orientado para o futuro que possibilita a redução  
sociológica. É o imperativo de acelerar, de modo historicamente  
positivo, a transformação de contextos subdesenvolvidos que impõe  
ao cientista de países periféricos a exigência de assimilar não  
mecanicamente o patrimônio científico estrangeiro. (RAMOS,  
1958/1996, p. 110, itálico do autor)  
Existia, no autor, essa relação que confunde a produção científica da sociologia  
com a sua aplicação na necessidade de promoção do desenvolvimento nacional. Em  
outras palavras, a necessidade de se produzir uma sociologia para a aceleração da  
acumulação. Portanto, se por um lado há a valorização das transplantações  
acelerativas, por outro, há analogamente a assimilação do patrimônio científico não  
para contribuir com o reto esclarecimento da particularidade brasileira, mas para  
transformar o subdesenvolvimento na perspectiva da burguesia nacional.  
O perspectivismo opera na exata medida em que, ambos, objeto e consciência  
estavam interpenetrados, como se não pudessem existir de forma independente –  
embora saibamos que é possível existir o ser sem o pensar, mas não o contrário. Há  
uma interpenetração sem que haja fator determinante,  
na verdade, no domínio da realidade histórico-social, o sujeito  
pensante e o objeto se compenetram ou são faces de um mesmo  
fenômeno. Isto não quer dizer que a objetividade seja impossível  
naquele domínio. Quer dizer que ela se define em termos de  
perspectiva e que, portanto, dadas várias explicações de um mesmo  
fato, a mais objetiva é a que alcança maior número de aspectos, e  
aquela em função da qual se torna perceptível a infraestrutura e o  
caráter residual, tributário ou ideológico das outras; e aquela que  
traduz a vetorialidade ou direção tônica, ou dominante, dos  
acontecimentos (RAMOS, 1957/1995, p. 36).  
Quando o problema é colocado como se houvesse uma correlação entre a  
existência e a consciência, como coisas equivalentes, procede-se de modo a de  
“expulsar o idealismo pela porta, para fazê-lo voltar pela janela porque admitindo-se  
que a existência não pode existir sem a consciência, abandona-se o materialismo,  
segundo o qual a existência é independente da consciência” (LUKÁCS, 1979, p. 68).  
As deferências de Ramos a Mannheim em sua extensa obra não são ocasionais.  
Segundo o sociólogo magiar, o “objeto tem um significado mais ou menos diferente  
para cada um dos participantes porque se desenvolve a partir de seus respectivos  
quadros de referência” (MANNHEIM, 1986, p. 302).  
Como consequência, entendia Ramos que “a perspectiva em que estão os  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 203  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
objetos em parte os constitui. Portanto, se transferidos para outra perspectiva, deixam  
de ser exatamente o que eram. Não há possibilidade de repetições na realidade social”  
(RAMOS, 1958/1996, p. 72). Cabe notar que à diferença de autores como Mannheim,  
Ramos transpunha para o plano nacional o problema da perspectiva. Uma diferença  
que não modifica a essência da argumentação. Ramos não admitia a independência  
entre sujeito e objeto e dava à perspectiva um papel ativo. Essa renovação do  
idealismo, bem como o apelo pragmático eram essenciais para construir a sociologia  
para a acumulação.  
Aquele movimento que se formava na direção da negação da objetividade e do  
papel ativo da perspectiva é ressaltado com a fenomenologia, para a qual a  
circunstância do pesquisador também constitui o objeto. Desse modo, Ramos  
entendeu a “redução como atitude parentética, isto é, como adestramento cultural do  
indivíduo, que o habilita a transcender, no limite do possível, os condicionamentos  
circunstanciais que conspiram contra a sua expressão livre e autônoma” (RAMOS,  
1958/1996, p. 11). Em outras palavras:  
Desde que, porém, se forma, no espaço que deixa de ser colonial, a  
consciência crítica, pelo imperativo da realização de um projeto  
comunitário, de uma tarefa substitutiva no âmbito da cultura - já não  
mais se trata de importar os objetos culturais acabados, e consumi-  
los tais quais, mas, é preciso agora, pela compreensão e pelo domínio  
do processo de que resultaram, produzir outros objetos nas formas e  
com as funções adequadas às novas exigências históricas. Por isso a  
redução sociológica só ocorre e se faz necessária nos países que estão  
empenhados numa tarefa substitutiva, de que é mero detalhe a  
substituição de importações a que se referem os economistas. Neste  
estádio, é necessário produzir, de acordo com as imposições do meio,  
o que antes se importava, tanto as ideias quanto as coisas. (RAMOS,  
1958/1996, p. 88)  
É evidente que uma sociologia nacional deve se debruçar sobre as conexões  
estabelecidas na própria realidade brasileira. Contudo, a redução sociológica inverte  
esse processo e coloca a consciência, habilitadora da transcendência, como  
moderadora da realidade. Dito de outra maneira, Ramos não estava engajado na  
produção de teorias que explicassem ou refletissem o estágio de desenvolvimento do  
capitalismo brasileiro. A construção teórica da redução sociológica se deu por ser  
necessária num país que passava pelo estágio de desenvolvimento como o Brasil, no  
entendimento do autor, suspendendo as notas adjetivas, auxiliando a finalidade  
pragmática de substituição das importações no plano cultural.  
Na operação da fenomenologia, numa análise comparativa “formas de  
Verinotio  
204 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
pensamento, tão radicalmente distintas em sua relação com a realidade, ficam  
reduzidas, na investigação fenomenológica, a um mesmo denominador comum, o que  
significa dizer que são consideradas pela investigação como tendo caráter igual”  
(LUKÁCS, 2020, p. 421). Isso leva a problemas como a “questão de se o objeto, após  
a dissolução dos parênteses, é um simples construto da consciência ou imagem de um  
ente independente da consciência” (LUKÁCS, 2020, p. 421). Os objetos não são  
referidos aos seus nexos reais e são analisados a partir de uma caracterização alheia  
à qual possuem realmente. Desse modo, ao invés de “apelar ininterruptamente” à  
realidade,  
o “pôr-entre-parênteses” como método específico da fenomenologia  
significa, desde o começo, uma arbitrariedade irracionalista, idealista-  
subjetiva, um codinome que falseia a objetividade: não apenas  
gnosiologicamente, mas também do ponto de vista do conteúdo e  
concretamente, rompe-se a relação das representações com a  
realidade objetiva, criando-se um “método” que confunde e até nega  
a diferença entre o verdadeiro e o falso, o necessário e o arbitrário, o  
real e o meramente pensado (LUKÁCS, 2020, p. 422).  
A fenomenologia, nesses termos, se aproxima do que se considera o terceiro  
caminho na teoria do conhecimento que reconhece uma existência independente da  
consciência, mas persiste em seguir o antigo método idealista quanto a definição, o  
conhecimento e a interpretação dessa existência. O “terceiro caminho”, “quer manter  
intactos todos os princípios da teoria do conhecimento do idealismo subjetivo,  
escamoteia seus limites, apresentando a questão de uma maneira a parecer admitir  
implicitamente que as ideias e as noções que existem apenas na consciência são elas  
mesmas realidades objetivas” (LUKÁCS, 1979, p. 47).  
A fenomenologia e o perspectivismo foram, portanto, menos uma forma de  
analisar a realidade nacional e se convertiam numa maneira de justificar a posição da  
perspectiva do Brasil e de conclamar a intelligentsia para produzir soluções para o  
desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esse perspectivismo que tem a missão social  
de submeter a investigação científica ao processo de acumulação de capital é uma  
importante sustentação do ideário isebiano, como poderá ser visto na sequência.  
6. A construção do nacionalismo e a aliança de classes  
Uma marca importante do pensamento isebiano foi o vínculo com a filosofia  
existencialista. Isso se dava porque alguns de seus representantes eram parte  
importante do Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF), importante ressonante dessa  
filosofia, que inclusive contava com egressos do integralismo. Um elemento notado  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 205  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
por Paiva (1979) era o fato de esses autores alçarem os conceitos existencialistas do  
plano do indivíduo para o plano da particularidade nacional, o que inclusive acontece  
também com o perspectivismo.  
As marcas do existencialismo são tão fortes que, em que pese a escolha pela  
alternativa aceleracionista, havia, por exemplo, marcas do pessimismo em relação à  
superação da crise “Todos os tempos são críticos porque são tempos do homem, cuja  
condição no mundo é essencialmente crítica, no sentido mesmo da etimologia do  
tErmo, que significa separação, abismo” (IBESP, 1954, p. 4). Contudo, não se tratava  
de uma situação irremediável, de modo que pode se ler com Ramos que “eis porque  
a emergência da autoconsciência coletiva numa comunidade tem sido denominada  
‘elevação’, tem sido interpretada como um desprender-se ativo das coisas, como a  
aquisição da liberdade em face delas” (RAMOS, 1957/1995, p. 46). A autoconsciência  
nacional manifestava a “vontade da emancipação”, a conjunção de esforços em direção  
ao processo de acumulação do capitalismo brasileiro.  
A tarefa colocada era assim condicionada: “sociologia, no Brasil, será autêntica  
na medida que colaborar para a autoconsciência nacional, na funcionalidade,  
intencionalidade e, consequentemente [sic], em organicidade” (RAMOS, 1957/1995,  
p. 45). Essa tarefa se colocava à luz do dia porque “o espaço brasileiro se tornou  
teatro de um empreendimento coletivo, mediante o qual uma comunidade humana  
projeta a conquista de um modo significativo de existência na história” (RAMOS,  
1958/1996, p. 67).  
Esse procedimento não era exclusivo de Ramos. Outros autores isebianos  
também faziam essa transposição de uma discussão filosófica voltada para o indivíduo  
para a particularidade nacional. Corbisier (1958, p. 87), por sua vez, dizia que na  
superação do colonialismo “à medida que toma consciência dele e o converte em  
objeto, uma filosofia brasileira nos trará a revelação de nossa própria entidade. de  
nosso ser como destino”. Na sequência, acompanhando o mesmo autor, pode-se ler  
que  
A colônia, portanto, está para a metrópole como o instrumento para  
o sujeito que dele se utiliza. Como o escravo para o senhor. A sua  
essência é a alienação. Ora. em um contexto social globalmente  
alienado, a cultura está inevitavelmente condenada à inautenticidade.  
Se uma cultura autêntica é a que se elabora a partir e em função da  
realidade própria do ser do país que. como vimos. consiste no projeto  
ou no destino que procura realizar. a colónia não pode produzir uma  
cultura autêntica por isso mesmo que não tem "ser" ou destino  
próprio. (CORBISIER, 1958, p. 78)  
Verinotio  
206 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
Essa busca por uma autenticidade do ser transposta para a particularidade  
nacional, Corbisier evidencia com bastante ênfase o intuito, mais abertamente  
declarado por Ramos, de construir um edifício teórico voltado para a aceleração do  
processo de acumulação, mas totalmente alheio às questões objetivas. Essa utilização  
dos conceitos existencialistas desprende ainda mais os autores dos problemas reais  
ao mesmo tempo em que os submete à tarefa de encontro da nação com sua  
autenticidade.  
Certamente esse procedimento não é casual, pois ele, articulado com os já  
mencionados perspectivismo e agnosticismo, fundamenta uma ideia de nação, uma vez  
que a liberdade do ser, a autenticidade, estariam para ser alcançadas pelo Brasil. Nesse  
sentido, havia o movimento de conclamar todas as classes, ainda que antagônicas,  
para o mesmo objetivo:  
os antagonismos essenciais da sociedade brasileira são atualmente os  
que se exprimem na polaridade, “estagnação” e “desenvolvimento”,  
representados por classes sociais de interesses conflitantes, e ainda  
“nação” e “antinação”, isto é, um processo coletivo de personalização  
histórica contra um processo de alienação. Outras contradições que  
não se enquadram nestes termos são, no momento, secundarias  
(RAMOS, 1958/1996, p. 79).  
Nessa passagem é possível ver como o autor relacionava o problema real dos  
antagonismos sociais com posições a favor ou contra a “nação”. Na direção da  
construção do mito nacional, como já notado (DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1983),  
o sociólogo enxergou as categorias ligadas ao indivíduo singular como possíveis para  
explicar a particularidade nacional, que poderia chegar a uma “personalização  
histórica”3. Se havia a operação da fenomenologia, ela contribuía com a formação de  
um ideário que colocava em primeiro plano as necessidades práticas para a  
consolidação do seu objetivo fundamental do avanço industrial e da conciliação de  
classes por meio de uma “nação” que adquire personalização.  
3 Este assunto era um dos que levantou um debate entre Ramos e Vieira Pinto, outro representante do  
nacionalismo isebiano. Inclusive Ramos acusou Vieira Pinto de plagiar suas ideias. Sem querer entrar  
nesse problema, é interessante identificar que já foi observado que “essa semelhança se dá exatamente  
num plano em que eles procuram realizar algo de que a "redução" seria a expressão teórica: uma espécie  
de tentativa de "reduzir" o existencialismo do plano do indivíduo para o plano da nação” (DE  
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1983, p. 83). E uma amostra dessa semelhança se dá com esse argumento  
acerca das contradições fundamentais, que também pode ser encontrado em Vieira Pinto: “o país  
subdesenvolvido apresenta-se como uma unidade, como termo unificado, sem embargo de muitas  
outras contradições reais que lhe são interiores, mas não alcançam a mesma importância da polaridade  
internacional, sendo por isso provisoriamente desprezíveis” (VIEIRA PINTO, 1960, p. 35). Ou seja, a  
tentativa de conciliação de classes e de dirigir-se à classe trabalhadora de modo que ela assimilasse os  
objetivos da burguesia nacional era um elemento central no pensamento nacionalista.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 207  
nova fase  
 
Leandro Theodoro Guedes  
A respeito do nacionalismo, dizia Jaguaribe tratar-se de  
um movimento provocado pelo desenvolvimento do país e que tem  
por fim acelerá-lo e racionalizá-lo. Esse fim não decorre de um  
propósito gratuito de pessoas ou grupos, mas é inerente ao processo.  
Apesar disso, pode ser assumido, consciente e deliberadamente, por  
todos os que aspirem à promoção do nosso desenvolvimento. E, como  
este corresponde aos interesses situacionais de todas as classes  
sociais com exceção, em cada uma delas, dos setores vinculados às  
nossas estruturas semicoloniais , a promoção do desenvolvimento se  
constitui no objetivo ideológico mais representativo de todas as  
classes brasileiras (JAGUARIBE, 2013, p. 68).  
A força motriz do nacionalismo era a defesa pela união de classes em torno do  
interesse “nacional”. Havia no seu discurso um aspecto conciliador, sem dar ênfase  
para as lutas de classes. Ao mesmo tempo em que defendeu a acumulação, disse,  
Guerreiro Ramos, numa resposta à crítica de Jacob Gorender a sua A redução  
sociológica, que “O ponto de vista proletário é a referência básica de nosso  
pensamento sociológico” (RAMOS, 1958/1996, p. 36). O ponto de vista proletário,  
que defendeu acriticamente o processo de acumulação de capital, somente poderia  
estar engajado numa associação entre classes. Segundo ele, de maneira muito direta:  
a luta principal não é entre capitalistas e proletários. É entre o  
capitalismo genuinamente nacional e o imperialismo. A classe dos  
empresários capitalistas tem ainda um grande papel e neste momento  
existem causas nacionais que são comuns a todas as classes.  
Naturalmente os trabalhadores devem ajustar suas reivindicações aos  
imperativos da emancipação nacional [...] A diretriz dos trabalhadores  
se define por uma mistura de união e luta. União em torno da  
emancipação, luta contínua por seus interesses (RAMOS, 1959b, p. 6).  
É importante notar como ainda que o aspecto conciliatório prevaleça, não há  
hesitação em dizer que os interesses dos trabalhadores devem ser curvados à  
liderança de uma burguesia progressista. Nesse sentido, no sentido da aquisição da  
autoconsciência nacional,  
essa fórmula só pode ser posta em prática na base de uma frente  
comum de que participem a burguesia industrial, a classe média e o  
proletariado [...] O de que se trata, agora, é de consolidar e  
desenvolver as forças produtivas do país; de completar a formação da  
nacionalidade, mediante a incorporação das massas, que permanecem  
cultural, econômica e politicamente marginais, elevando-se suas  
condições materiais e espirituais de vida e assegurando-se-lhes a  
participação na autodeterminação da comunidade; de reorganizar o  
mecanismo do estado, que permanece em estágio cartorial, ligado às  
suas origens latifundiárias, submetendo-se-o ao regime do  
planejamento científico, da execução eficiente e do controle honesto  
dos resultados. E para isto é necessário, internamente, um movimento  
de união nacional das forças de vanguarda (IBESP, 1954, p. 15).  
Verinotio  
208 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
Nessa solução politicista, tratava-se, portanto, de consolidar um projeto de  
aliança de classes voltado para o planejamento econômico modernizante. Os autores  
pensamento isebiano não negavam as contradições de classe, inclusive reconheciam  
os conflitos, na medida em que nutriam uma posição de discordância com a burguesia  
tributária do colonialismo, mas submetiam o conflito ao processo de acumulação,  
considerando este o problema central do país.  
Em outras palavras,  
os conflitos sociais existentes em nosso país, na fase em que se  
encontra, exprimem, na sua essência, menos irredutíveis lutas de  
classe do que conflitos que se travam, no âmbito de cada classe, entre  
seus setores dinâmicos e estáticos, entre as forças produtivas e as  
parasitárias. Não são, por isso, lutas de classe, mas de estruturas  
faseológicas (JAGUARIBE, 2013, p. 67).  
De modo que “a convivência pacífica de todas as classes” teria “o sentido de  
uma revolução pacífica e é a única forma de superarmos a crise social do nosso país e  
de assegurarmos o seu progresso” (IBESP, 1956, p. 126). Com efeito, não havia  
qualquer disfarce a respeito da hierarquia contida nessa aliança, não havendo dúvidas  
em mostrar a quem caberia a condução do processo “o setor industrial de nossa  
burguesia tem de assumir mais. decididamente, inclusive para fins político-sociais, a  
liderança econômica que já exerce” (IBESP, 1956, p. 151). Agora, ainda mais  
importante é o fato de que não se tratava, para aqueles autores, a liderança da  
burguesia na condução de um processo revolucionário que finalmente superasse as  
velhas oligarquias. Atinente a esse aspecto, é a ideia de que, ainda que pensasse o  
problema da autonomia do capitalismo nacional, o pensamento isebiano era incapaz  
de pensar o rompimento com o passado colonial  
Acrescente-se. por outro lado, que a convivência cooperativa das  
classes, além de implicar o comum e equitativo esforço de  
desenvolvimento, importa na necessidade do justo enquadramento de  
todas as classes dentro dessa organização para o desenvolvimento.  
Quer isto dizer, diversamente do que se verifica nos processos  
revolucionários de transformação social, realizados em termos de  
liquidação das antigas classes dirigentes, que, na superação da crise  
social pela convivência cooperativa, a passagem da antiga para a nova  
ordem social se verifica pela incorporação das forças representativas  
da velha sociedade à organização da nova mediante o reajustamento  
de tais forças às novas condições econômico-sociais (IBESP, 1956, p.  
125).  
Quer dizer, ao cabo, tratava-se de manter a estrutura social tal qual ela já estava  
estabelecida. Não se pensava, contudo, que este objetivo estava em plena contradição  
com a ambição da autonomia burguesa, ou do Brasil rumo à autoconsciência, pois essa  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 209  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
mesma estrutura condenava o país à atrofia da subordinação. Chasin mostrou que  
dentre as várias debilidades legadas pela via colonial, a associação da insurgente  
burguesia com as velhas oligarquias era um desses aspectos que atravancava o  
desenvolvimento do capitalismo. Havia no pensamento isebiano um intuito  
transformador, mas calcado numa autonomização toda burguesia tão impossível no  
plano das possibilidades objetivas, que quando suas análises desciam para o terreno  
econômico, tal transformação era ignorada em nome de meros acertos entre as frações  
de classe dominantes. O pensamento isebiano, que declaradamente levava adiante a  
busca pela autonomia da burguesia nacional, tinha como orientação exatamente a  
continuidade das velhas alianças. Não era nada mais do que a reiteração do que havia  
de mais velho.  
Não é obra do acaso a inspiração de Jaguaribe na Alemanha de Bismarck:  
“Situadas ante o desafio de uma dominação externa, a elite prussiana, com Bismarck,  
e a japonesa, com a restauração Meiji, responderam pondo em prática, com êxito, o  
que poderíamos denominar de um projeto nacional-desenvolvimentista” (JAGUARIBE,  
2013, p. 256). Ou seja, tratava-se o nacional-desenvolvimentismo isebiano uma  
espécie de busca pelas condições institucionais que puderam contribuir para países  
atrasados posteriormente lograrem a mesma configuração que, “objetivações  
capitalistas tardias – e que não são acompanhadas pelo progresso social” (CHASIN,  
1979). Em que pese a incompatibilidade da história brasileira e alemã, é interessante  
notar que a inspiração máxima que se colocava no horizonte era justamente de casos  
de desenvolvimento capitalista limitado. Diante da incapacidade de se oferecer uma  
crítica real ao processo histórico do capitalismo brasileiro e de apresentar fórmulas já  
esgotadas, essa apologia do capital atrófico, disfarçada de progressista, nada mais faz  
do que reiterar as condições que mantiveram o Brasil na periferia do capitalismo.  
É importante ressaltar que a base filosófica que costurou o perspectivismo e o  
agnosticismo em função do nacionalismo, e do processo de acumulação, acabou por  
se colocar também como obstáculo para a articulação de alternativas concretas para  
esse processo, restando o mero mimetismo de soluções já vencidas.  
Considerações finais  
O pensamento isebiano, do ponto de vista programático, pode ser considerado  
como uma reiteração de elementos que vinham fazendo parte do debate público  
nacional voltado para a autonomização da burguesia há ao menos meio século. O  
Verinotio  
210 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
problema da planificação, do favorecimento para a importação de bens de capital e a  
própria aliança de classes foram tematizadas de forma mais ou menos sistemática por  
linhas de pensamento predecessoras e foram também executadas no plano da  
administração pública. Ainda que houvesse a mobilização da questão econômica, o  
horizonte era limitado pelo tributo pago ao passado. Com ele, não se buscava a  
superação da via colonial, mas uma restauração da via prussiana no solo híper-tardio.  
Num contexto de desenvolvimento do capital ainda preso à atrofia, que não mais via  
saída real para algum desenvolvimento autônomo, o pensamento isebiano coloca para  
si uma missão social utópica, a fundamentação intelectual de uma burguesia  
emancipada.  
Era inclusive notória a pretensão de se concretizar como ideologia,  
influenciando o conflito classista. Seria uma possibilidade de investigação futura o  
sucesso ou fracasso dessa pretensão. Contudo, é importante ressaltar como o  
pensamento isebiano exerceu influência em questões objetivas importantes. O  
Programa de Metas de 1958 de Juscelino Kubitschek, por exemplo, tinha como alguns  
dos eixos principais a energia, os transportes e a indústria de base (CARONE, 1980).  
Os mesmos eixos estão na Política Nacional de Desenvolvimento publicada pelo Ibesp  
em 1956. A identificação de vínculos mais robustos e outros efeitos no plano da luta  
de classes, exigência de uma análise de função, não puderam ser desenvolvidos aqui,  
mas há indicações dessa conformação da ideologia como veículo prático.  
Com efeito, talvez o caráter mais distintivo desse pensamento seja sua imersão  
na filosofia. A transposição das categorias existencialistas para o plano da nação, o  
perspectivismo e o agnosticismo na teoria do conhecimento são alguns desses  
elementos que moldam a missão social de submeter a ciência ao processo de  
acumulação de capital. Não causa surpresa, portanto, o fato de ser essa filosofia a  
sustentação de um pensamento que flerta com o reacionarismo.  
Certamente o pensamento isebiano se acomodou nos marcos do politicismo,  
uma vez que as soluções planificadoras do Iseb nada mais eram do que concepções  
que viam o “processo econômico meramente paralelo ou derivado do andamento  
político, sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis entrelaçamentos  
reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante e matrizador do  
econômico em relação ao político” (CHASIN, 1982, p. 7).  
É ainda mais notório como o pensamento isebiano é produto direto da miséria  
brasileira, de um período que já sinalizava o esgarçamento da planificação, mas que  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 211  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
ainda impunha tarefas essenciais para o capitalismo nacional. Além de ser um  
prolongamento teórico dessa tentativa de autonomização do capitalismo no plano da  
filosofia, o pensamento isebiano também antecipou determinadas tendências que se  
ergueriam no futuro. Analisando as teorias influenciadoras da esquerda na Nova  
República, Chasin (1989) apontou para o quadrilátero teórico formado pela teoria da  
dependência, autoritarismo, populismo e marginalidade. Não seria de se surpreender  
que a fórmula do nacional-desenvolvimentismo ressoasse na teoria da dependência já  
no período pós-64, a qual segundo Chasin, era “solidária com a fantasia do capitalismo  
nacional autônomo” e também “retorna a velha quimera do superimperialismo com  
suas expectativas de felicidade planetária, através da civilização racional do capital em  
dueto com a perfectibilização dos processos representativos e operacionais do estado”  
(CHASIN, 1989, p. 75). Isso indica como o pensamento isebiano compõe uma espécie  
de prelúdio para aquelas teorias do quadrilátero. Não somente a persistência das  
mazelas da via colonial, mas a falta de sua reta apreensão mantiveram a redundância  
das soluções propostas.  
Chasin (2000), nos anos 1990, apontava para a razão manipuladora e o  
irracionalismo como aspectos do prolongamento do capital. Esses elementos eram  
mais evidentes nas faces mais cristalinas do politicismo que se desdobraram nas  
últimas décadas do século XX. Todavia, não seria exagero dizer que essas mesmas  
tendências já estavam presentes e maduras no período histórico em que o debate  
público nacional ainda tinha na economia um de seus pilares centrais.  
Uma última consideração cabe para um certo revigoramento do nacionalismo  
no que ganha presentemente novas feições à esquerda e à direita no Brasil e no  
mundo. Busca-se a retomada de medidas protecionistas, volta-se a exaltar o mito  
nacional e a hostilidade a imigrantes. Exorta-se para a nacionalidade que une todos.  
Ao mesmo tempo, tem ganhado audiência no debate acadêmico proposituras teóricas  
que defendem um certo nacionalismo epistemológico, submetendo o rigor científico à  
nacionalidade dos sujeitos. Não é preciso muito esforço para identificar as semelhanças  
como a epistemologia aristocrática do irracionalismo alemão.  
É sempre importante ressaltar como o nacionalismo instrumentalizou a recusa  
da luta de classes na tentativa de apagar as contradições e as raízes do antagonismo  
classista, sendo uma força ideológica inegável durante os séculos XIX e XX. Não se  
pode negar que as lutas nacionalistas tiveram um importante papel social para a  
libertação do colonialismo, por exemplo. Tampouco se pode negar seu papel na sanha  
Verinotio  
212 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
que contribuiu para a eclosão de guerras mundiais e civis por todo o globo. É  
fundamental, portanto, que se admita a questão nacional no seu devido papel, mas ao  
mesmo tempo não se ceda, por um lado, ao assédio politicista que reduz a questão  
ao mero arranjo organizativo e conciliatório e, por outro, ao assédio irracionalista que  
nubla o entendimento correto dos problemas concretos em nome de mitos,  
espiritualismos a reducionismos arbitrários.  
Referências bibliográficas  
BRASIL. Diretoria de Economia econômica e financeira. Comércio exterior 1930-1934.  
Rio de Janeiro. 1935.  
BRASIL. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1990.  
CAMPOS, Fabio Antonio de. Internacionalização brasileira e Instrução 113 da Sumoc.  
Am. Lat. Hist. Econ., may.-ago., 2017, p. 93-124.  
CARONE, Edgard. A Quarta República. São Paulo: Difel. 1980.  
CARONE, Edgard. A República Velha (instituições e classes sociais). São Paulo: Difel,  
1978.  
CARONE, Edgard. O Estado Novo. São Paulo: Difel, 1976.  
CARONE, Edgard. O pensamento industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro:  
Difel, 1977.  
CASTRO, Ana. Célia. As empresas estrangeiras no Brasil (1860-1913). Dissertação  
(Mestrado) Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 1976.  
CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. Revista Ensaio, São Paulo, Ensaio, n. 14,  
1985.  
CHASIN, J. A miséria brasileira: 1964-1994 do golpe militar à crise social. Santo  
André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000.  
CHASIN, J. A sucessão na crise e a crise na esquerda. Revista Ensaio, São Paulo, Ed.  
Ensaio, n. 17/18, 1989.  
CHASIN, J. As máquinas param, germina a democracia! Revista Ensaio, São Paulo, Ed.  
Ensaio, n. 7, 1980.  
CHASIN, J. A politização da totalidade: oposição e discurso econômico. Temas de  
Ciências Humanas, São Paulo, Editorial Grijalbo, n. 2, 1977.  
CHASIN, José. ¿Hasta cuando? Revista Nova Escrita Ensaio, São Paulo, Ensaio, n. 10,  
1982.  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. São Paulo: Livraria Editora Ciências  
Humanas, 1978.  
CORBISIER, Roland. Formação e problema da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Iseb,  
1958.  
DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, R. Terceiro painel Ramos e o desenvolvimento  
brasileiro. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 63-92,  
1983. Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/11128>. Acesso  
em: 3 nov. 2022.  
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro: Difel, 1977.  
FONSECA, Pedro Cezar Dutra; SALOMÃO, Ivan Colangelo. De Vargas a Sarney: apogeu  
e crepúsculo do desenvolvimentismo brasileiro. In: MARINGONI, Gilberto. A volta  
do estado planejador. São Paulo: Contracorrente, 2022.  
GIAMBIAGI, Fabio et al. Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier.  
2011.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 213  
nova fase  
Leandro Theodoro Guedes  
GOMES, Nathália Candido Stutz. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o  
Desenvolvimento Econômico (CMBEU) (1951-1953) à luz do Programa Ponto  
Quatro (1949) do governo Truman. Revista Carta Internacional, Belo Horizonte, v.  
17, n. 1, e1195, 2022.  
GORENDER, Jacob. Correntes sociológicas no Brasil. In: RAMOS, Alberto Guerreiro. A  
redução sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1958/1996.  
GUEDES, Leandro Theodoro; PAÇO CUNHA, Elcemir; XAVIER, Wescley Silva. O  
irracionalismo e sua teoria do conhecimento: reação agnóstico-relativista de  
Guerreiro Ramos ao marxismo (1939-1955). Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2,  
p. 232-258, 2023.  
IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 3. ed. Rio  
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.  
IANNI, Octavio. Ideologia e prática do planejamento durante o Estado Novo. Revista  
de Administração de Empresas [on-line], v. 11, n. 1, p. 7-15, 1971. Disponível em:  
< https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/40312>. Acesso em: 2 nov. 2022.  
IANNI, Octavio. Pensamento social no Brasil. Bauru: Edusc, 2004.  
INSTITUTO BRASILEIRO DE ECONOMIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA. A crise do nosso  
tempo e do Brasil. Cadernos do Nosso Tempo, Rio de Janeiro, Ibesp, n. 2, 1954.  
INSTITUTO BRASILEIRO DE ECONOMIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA. Para uma política  
nacional de desenvolvimento. Cadernos do Nosso Tempo, Rio de Janeiro, Ibesp. n.  
5, 1956.  
JAGUARIBE, Hélio. A crise brasileira. Cadernos do Nosso Tempo, Rio de Janeiro, Ibesp,  
n. 1, 1953.  
JAGUARIBE, Hélio. Condições institucionais do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Iseb,  
1958.  
JAGUARIBE, Hélio. Iseb um breve depoimento e uma reapreciação crítica. Cadernos  
do Desenvolvimento, v. 9, n. 14, p. 231-260, 2018.  
JAGUARIBE, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Brasília: Funag, 2013.  
LEBRUN, Gerard. A realidade nacional e seus equívocos. Revista Brasiliense, São Paulo,  
Editora Brasiliense, n. 47, 1963.  
LUKÁCS, G. A destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
LUKÁCS, Gyorgy. Existencialismo ou marxismo. São Paulo: Livraria Editora Ciências  
Humanas, 1979.  
LUZ, N. V. A luta pela industrialização no Brasil: 1808-1930. 2. ed. São Paulo: Alfa-  
Ômega, 1978.  
MANDEL, E. Capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982.  
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1986.  
O ESTADO DE S. PAULO. Memorial enviado ao Sr. Presidente da República pelas  
classes produtoras. O Estado de S. Paulo, 25 jul. 1945.  
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,  
2003.  
OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal,  
1977.  
PAÇO CUNHA, Elcemir. Problemas selecionados em determinação social do  
pensamento. Revista Verinotio, v. 28, n. 1, 2023.  
PAIVA, Vanilda. Existencialismo cristão e culturalismo: sua presença na obra de Freire.  
Síntese, v. 6, n. 16, 1979.  
PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michael. A classe operária no Brasil: condições de vida  
e de trabalho, relações com os empresários e o estado (Documentos) v. 2. São  
Paulo: Brasiliense, 1981.  
RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora da  
Verinotio  
214 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira  
UFRJ, 1958/1996.  
RAMOS, Alberto Guerreiro. Historicismo e marxismo. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out.  
1955f. Caderno Revista, p. 1-2. Disponível em: <http://memoria.bn.br/  
DocReader/110523_05/38503>. Acesso em: 13 jan. 2024.  
RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. 2. ed. Rio de  
Janeiro: Editora da UFRJ, 1957/1995.  
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.  
STEIN, Stanley. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil 1850-1950. Rio de  
Janeiro: Editora Campus, 1979.  
SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo:  
Brasiliense, 1986.  
TOLEDO, Caio Navarro. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática. 1977.  
TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro. São Paulo: Editora Nacional, 1938.  
TREVISAN. Maria José. 50 anos em 5: A Fiesp e o desenvolvimentismo. Petrópolis:  
Vozes, 1986.  
VAISMAN, Ester. A usina onto-societária do pensamento. Revista Verinotio, n. 4, p. 1-  
24. 2006. Disponível em: <https://www.verinotio.org/sistema/index.php  
/verinotio/article/view/27/17>. Acesso em: 24 nov. 2023.  
VAISMAN, Ester. Ideologia e sua determinação ontológica. Verinotio, Belo Horizonte,  
n. 12, ano VI, out. 2010.  
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra.  
1978.  
VIEIRA PINTO, Álvaro. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro: Iseb, 1960.  
Como citar:  
GUEDES, Leandro Theodoro. Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano  
na miséria brasileira. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 184-215, Edição  
Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 184-215 jan.-jun., 2025 | 215  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.760  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de  
Carlos Nelson Coutinho  
Antinomies of the “Prussian path” in the Brazilian  
context of Carlos Nelson Coutinho  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção*  
Resumo: O texto objetiva discutir o uso feito por  
Carlos Nelson Coutinho da categoria de via  
prussiana para se referir ao Brasil. Para tanto,  
abordamos a sua visão da formação sócio-  
histórica brasileira e acompanhamos a gradual  
incorporação de outros conceitos à sua análise,  
como modernização conservadora e revolução  
passiva. Abordamos, ainda, a crítica de Chasin ao  
enquadramento do Brasil na via prussiana. Por  
fim, discutimos como a visão ontopositiva da  
política e o politicismo embasam e orientam a  
reflexão coutiniana sobre o país.  
Abstract: The text aims to discuss Carlos Nelson  
Coutinho’s use of the category of the Prussian  
path to refer to Brazil. To this end, we address  
his view of Brazil’s socio-historical formation  
and follow the gradual incorporation of other  
concepts into his analysis, such as conservative  
modernization and passive revolution. We also  
address  
Chasin’s  
criticism  
of  
Brazil’s  
classification in the Prussian path. Finally, we  
discuss how the ontopositive view of politics  
and politicism underpin and guide Coutinho’s  
reflection his reflection on the country.  
Palavras-chave: Via prussiana; Carlos Nelson  
Coutinho; revolução passiva; modernização  
conservadora; politicismo; J. Chasin.  
Keywords: Prussian path; Carlos Nelson  
Coutinho; passive revolution; conservative  
modernization; politicism; J. Chasin.  
A discussão sobre a conformação da sociedade e da economia brasileiras esteve  
presente em diversas reflexões do campo do pensamento conservador e, mais tarde,  
das correntes mais progressistas do país. De fato, a busca pelo entendimento do que  
somos e como chegamos a sê-lo monopolizou atenções de sociólogos, filósofos e  
historiadores a partir dos anos 1930, momento marcante da história nacional.  
Tendo estreado no cenário intelectual, ainda bastante jovem, pouco entrado  
nos 20 anos, como um crítico literário arguto e profundo, Carlos Nelson Coutinho  
(Itabuna/BA, 1943 Rio de Janeiro/RJ, 2012) também desempenhou importante papel  
na denúncia do irracionalismo e da “miséria da razão” vicejantes nos anos 1960 e  
1970, inclusive no Brasil. Este importante marxista brasileiro também intentou uma  
renovação do marxismo que fundia correntes diversas e forjou uma imagem do Brasil  
*
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br. Orcid: 0000-0003-  
4119-9987.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
bastante peculiar, intrinsecamente relacionada a suas posições políticas, que deram  
ensejo a debates cruciais nas agremiações políticas de que participou durante sua vida  
(PCB, PT, Psol) e para além delas. Embora tenha publicado livros, escreveu, em sua  
maioria, textos esparsos e relativamente curtos, muitas vezes voltados a intervenções  
políticas, as mais das vezes, ensaios, nos quais o autor quase não fazia citações diretas  
manejava os autores mencionados com alguma liberalidade.  
Embora a noção de “via prussiana” tenha sido utilizada no Brasil desde o início  
dos anos 1960 e por diversos autores (cf. SILVA, 2012, pp. 14-9), foi na obra de  
Coutinho que teve seu tratamento mais sistemático e mais influente, motivo pelo qual  
a tomamos como objeto de estudo neste texto.  
1. Formação da sociedade brasileira em Carlos Nelson Coutinho  
Foi no interior da crítica literária que Carlos Nelson Coutinho empunhou,  
inicialmente, a categoria de “via prussiana” como forma de entender o processo de  
“modernização”1 da sociedade brasileira. Inspirando-se no filósofo húngaro György  
Lukács, em artigo escrito em 1965, ele chamava a atenção para a necessidade de  
entender a literatura no seu contexto, de “conhecer a realidade não por parcelas,  
mesmo somadas”, e sim pelo “movimento da totalidade do real” (1967, p. 147).  
Assim, dizia, para bem compreender uma obra literária, era importante atentar para “o  
desenvolvimento desigual e duplamente contraditório do nosso capitalismo”, que  
opunha, de um lado, “uma sociedade semicolonial em decadência”, com “uma  
economia semifeudal” e dependente; e, de outro, um capitalismo em distintos estágios  
de desenvolvimento, também ambíguos e contraditórios, “por força da especificidade  
de nossa formação histórica e da natureza geral do próprio capitalismo”, formando  
uma sociedade “dilacerada não só pela contradição entre o feudalismo caduco e o  
capitalismo moderno, como também pelas novas contradições internas que o  
capitalismo traz necessariamente consigo(COUTINHO, 1967, pp. 160; 171; 189).  
Tratava-se, afirmava, de um sistema cujas potencialidades haviam se esgotado  
em face da não criação de uma economia e de uma sociedade modernas, dada a  
inexistência de uma transformação radical, de vez que a “decadência de nossa  
estrutura agrária semifeudal” “não foi seguida por nenhuma renovação capitalista”  
1
“Hoje se fala em ‘modernidade’; antes se dizia, e eu gostaria que se continuasse a dizer, porque me  
parece um termo mais preciso, que em [19]30 se implantou uma ordem capitalista no Brasil.”  
(COUTINHO apud NEVES, 2019, p. 240) Isso não o impediu, porém, de usar continuamente os termos  
modernidade e modernização (base de toda uma corrente sociológica influente à época).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 217  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
(COUTINHO, 1967, pp. 140; 172-3). Daí que, conforme o autor, o “duplo caráter”  
inerente ao capitalismo nascente no Brasil, de uma parte, significou um impulso  
progressista para a saída da situação estagnada anterior; de outra, dadas sua  
debilidade e sua inaptidão para conferir organicidade a todo o complexo societário a  
partir de uma perspectiva totalizante moderna, viu-se compelido à conciliação com a  
decrepitude e a caducidade, acabando por impor empecilhos às forças de fato  
renovadoras. As consequências desse caráter duplamente contraditório eram muitas e  
profundas:  
A ausência de uma economia integrada estruturada em torno de um  
mercado interno único era causa e efeito da inexistência de uma  
classe burguesa orgânica, que estivesse em condições de promover  
uma autêntica revolução democrática. Assim, o total fracionamento de  
nossa sociedade típico de uma economia pré-capitalista impedia  
a formação de uma verdadeira comunidade humana, de uma vida  
pública democrática, afastando o povo de qualquer participação  
criadora em nossa história. (COUTINHO, 1967, pp. 140-1)  
Desta forma, para o autor, não havendo uma base econômica coesa, não se  
criou nestas plagas uma burguesia em condições de cumprir o papel revolucionário  
que desempenhou alhures. Como o capitalismo se desenvolvia no Brasil “no interior  
da economia semifeudal e dependente”, essa classe não compartilhava do élan  
revolucionário de que tal processo esteve saturado na Europa Ocidental, tendo  
renunciado, “talvez definitivamente, aos princípios democráticos e humanistas do seu  
período de ascensão revolucionária nos países hoje desenvolvidos” (COUTINHO, 1967,  
p. 156). Não havia no país o impulso e o suporte para o movimento revolucionário  
nos moldes do que fora, nos países “clássicos”, o humanismo burguês, “o máximo de  
consciência possível do gênero humano em dada etapa de sua evolução histórica”  
(COUTINHO, 1967, p. 183). Como o capitalismo brasileiro não pôde realizar uma  
revolução democrática, “jamais chegou a tentar a criação do citoyen (do homem que  
sintetiza em si a vida pública e a vida privada) ou da comunidade humana autêntica  
(na qual os interesses individuais e os interesses coletivos formam uma totalidade  
orgânica)” (COUTINHO, 1967, p. 141). Inorgânica e fracionada, a burguesia brasileira  
não se propôs a busca ideal, ao menos nem de uma autêntica comunidade humana  
nem de uma sociedade democrática, por isso mesmo mantendo o povo isolado da  
construção da sociedade e condenando-a à mediocridade e à inautenticidade. Em  
países como França e Inglaterra, ainda que a ideologia humanista tenha se revelado  
uma ilusão utópica, a sua própria existência e o impulso que deu às revoluções  
burguesas europeias de molde clássico contribuiu para a ampliação dos horizontes  
Verinotio  
218 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
das formações sociais emergentes. O Brasil não contou com nenhuma ideologia deste  
porte.  
No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou  
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma  
época de ilusões humanistas e de tentativas mesmo utópicas de  
realizar na prática o “cidadão” e a comunidade democrática. Os  
movimentos neste sentido, ocorridos no século passado [XIX] e no  
início deste século [XX], foram sempre agitações superficiais, sem  
nenhum caráter verdadeiramente nacional e popular. (COUTINHO,  
1967, p. 142)  
Assim, bem ao contrário de investir contra os preconceitos e privilégios pré-  
capitalistas, a burguesia em ascensão “se ligou organicamente à mesquinhez da  
sociedade semifeudal” e contribuiu para seu enrijecimento, dado o seu caráter  
conciliador (COUTINHO, 1967, p. 141). Desta forma, nem “os mais consequentes entre  
os nossos burgueses, os que encarnam a mais alta possibilidade de ambição e de  
progresso contida em sua classe”, conseguiram escapar do “cárcere do ‘pequeno  
mundo’”, com que conciliaram e a cujos limites restringiram seus esforços (COUTINHO,  
1967, p. 156-7). Efetivamente, denunciava o autor, no Brasil a burguesia, em vez de  
varrer a antiga ordem, aliou-se às classes que representavam a sociedade em  
decadência, conciliou com elas e se adequou à economia fraturada e antiquada.  
Consequentemente, deixou de realizar uma revolução para criar um novo mundo,  
efetuando apenas mudanças parciais efetivadas sem a participação do povo:  
Quando as transformações políticas se tornavam necessárias, elas  
eram feitas “pelo alto”, através de conciliações e concessões mútuas,  
sem que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente  
a sua vontade coletiva. Em suma, o capitalismo brasileiro, ao invés de  
promover uma transformação social revolucionária o que implicaria,  
pelo menos momentaneamente, a criação de um “grande mundo”  
democrático contribuiu, em muitos casos, para acentuar o  
isolamento e a solidão, a restrição dos homens ao pequeno mundo de  
uma mesquinha vida privada. (COUTINHO, 1967, p. 142)  
No Brasil não se encontrou historicamente uma solução alternativa à  
“prussiana” para a questão agrária, com um viés democrático-revolucionário que  
abrisse a possibilidade de uma industrialização estruturada em torno de um mercado  
interno de massas. Não havia, na sociedade brasileira da época, classes sociais que  
tornariam possível, se não o estabelecimento, pelo menos a possibilidade concreta da  
criação imediata de uma nova sociedade, de um ‘grande mundo’ humanista e  
democrático” (COUTINHO, 1967, p. 158). Dada “a ausência de uma classe social  
efetivamente (e não apenas potencialmente) revolucionária”, as perspectivas  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 219  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
revolucionárias e “as esperanças de renovação democrática da sociedade”  
desembocaram num aborto (COUTINHO, 1967, p. 140).  
O teórico baiano acentuava, porém, o “duplo caráter” do capitalismo nascente  
no Brasil, salientando a existência de um aspecto progressista em relação à estancada  
sociedade anterior, inobstante também ter conciliado com ela e só haver transitado  
para o capitalismo devido ao impulsionamento de fatores externos (FRANCO, 2018,  
p. 69). As consequências eram contraditórias e, a depender da situação, ora  
adentravam e habitavam no interior da antiga ordem estacionada, ora empuxavam em  
2
direção ao progresso , ora, ainda já que se tratava de sociedade prematuramente  
estagnada ou decadente , possibilitavam o nascer de canais que levavam, mesmo que  
abstratamente, a uma nova sociedade, a socialista. “Em suma, o capitalismo brasileiro,  
desde o seu surgimento, já se apresenta manifestações de crise estrutural,  
condicionando a abertura de perspectivas que lhe transcendem.” (COUTINHO, 1967,  
p. 156)  
Nestes trechos estão destacadas, portanto, a ausência de revolução  
democrático-burguesa, a permanência do latifúndio ao qual é atribuído um caráter  
pré-capitalista, semifeudal , o caráter conciliador e excludente dos processos de  
modernização. Coutinho ressaltava como consequência o fechamento das classes,  
especialmente as dominantes, em seu mundo mesquinho e a ausência de democracia,  
de forma que inexistiu aqui uma revolução e que os principais acontecimentos da  
história brasileira significaram conciliações pelo alto entre o historicamente novo e o  
historicamente velho. Assim, elementos da via prussiana” estavam dados, mesmo sem  
o uso do termo.  
A preocupação com a democracia, com o citoyen enquanto indivíduo que  
supera a divisão entre público e privado que embasa o capitalismo, manifestava-se na  
problematização de sua existência no Brasil e na denúncia da renúncia da burguesia  
autóctone a estes valores, que eram historicamente da sua classe. Também já  
priorizava claramente os aspectos político-culturais e apenas mencionava os  
econômicos, dos quais tratou muito pouco, de maneira que a própria revolução  
democrático-burguesa tem acento no primeiro aspecto, não mencionando o  
desenvolvimento das forças produtivas, por exemplo.  
2
Nessa quadra de sua elaboração intelectual, a menção resta apenas indicativa, já que o autor pouco  
especificava os aspectos novos ou progressistas aludidos. Entre as poucas menções dos traços  
concretos do capitalismo nascente estava o crescimento da mobilidade social (COUTINHO, 1967, p.  
153).  
Verinotio  
220 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
Nesse primeiro momento, os comentários do autor sobre a formação sócio-  
histórica brasileira, embora bastante percucientes e mirando o seu cerne, não foram  
antecedidos de uma análise desta realidade cuja compreensão apontava como  
necessária (cf. SILVA, 2012, p. 86). A demonstração dos elementos conclusivos pela  
análise da própria história brasileira não é feita, a não ser por alguns poucos momentos  
específicos como a Revolução de 1930 e de forma meramente alusiva, limitando-  
se a apontamentos bastante abstratos e genéricos. Nem mesmo o latifúndio, cerne do  
suposto modo de produção feudal, nem as formas possíveis de transformação agrária  
do país foram analisadas.  
Destaque-se o caráter pioneiro destas alocuções, especialmente num cenário  
em que reinavam interpretações dualistas. Bem assim, o manejo de Lukács para a  
crítica literária era inédito no país, propiciando insights teóricos significativos neste  
campo. Note-se, por fim, que, ainda que possamos fazer diversos reparos maiores ou  
menores a esta análise especialmente no que tange à caracterização do modo de  
produção, como veremos , e em que pese seu alto grau de abstração e generalidade,  
trata-se da postura de elementos fundamentais como ponto de partida para o  
entendimento da especificidade da realidade nacional mas não como seu  
desaguadouro, segundo pretendemos demonstrar.  
Coutinho reiterou suas reflexões em meados da década seguinte, e desta vez  
recorrendo explicitamente à noção de via prussiana: “o caminho do povo brasileiro  
para o progresso social um caminho lento e irregular ocorreu sempre no quadro  
de uma conciliação com o atraso, seguindo aquilo que Lênin chamou de ‘via prussiana’  
para o capitalismo” (1974, p. 3).  
Nessa via, radicalmente diferente daquela seguida pela França e pela Rússia –  
dois casos muito diferentes entre si, mas que, segundo Coutinho, tinham em comum a  
efetivação, por grandes movimentos populares, de transformações sociais que teriam  
destroçado a economia e a sociedade anteriores –, “a alteração social se faz mediante  
conciliações entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente  
político, mediante um reformismo ‘pelo alto’ que exclui inteiramente a participação  
popular” (COUTINHO, 1974, p. 3). A efetivação de mudanças pelas elites das classes  
dominantes, com exclusão das massas populares, é, asseverava, a modalidade de  
transformação social típica dos países de via prussiana, e portanto do Brasil  
(COUTINHO, 1974, p. 41). Era central alijar das grandes decisões histórico-políticas os  
setores sociais dominados, vistos como ignaros e indolentes, já que a ideologia  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 221  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
“prussiana” é “uma visão abertamente elitista e autoritária”, “antipopular”, e a evolução  
substitui uma revolução com participação popular (COUTINHO, 1984, p. 150).  
Nos países que traçaram uma rota democrática rumo ao desenvolvimento, “a  
contínua intervenção popular na criação da vida nacional assegura a formação de um  
amálgama sócio-humano relativamente homogêneo e unitário”; já naqueles que  
seguiram a “via prussiana”, pelo contrário, há uma  
fragmentação e uma  
“heterogeneidade sociais decorrentes da ausência de um sujeito nacional-popular  
unitário, que intervenha continuamente na criação da história” e a “ausência de tipos  
humanos exemplares que se expressem através de ações independentes e  
significativas” (COUTINHO, 1974, pp. 11-2). Desunidos assim povo e nação, criaram-  
se empecilhos quase intransponíveis à emersão “de uma autêntica consciência  
democrática” (1974, p. 3). Daí que Coutinho propugnasse uma rejeição integral do  
“‘modelo prussiano’ – tanto em suas versões agraristas quanto ‘modernizadoras’”  
(1974, p. 16; 21).  
Em sua produção posterior, Coutinho reafirmou constantemente a ideia de que,  
inexistentes as “autênticas revoluções” decorrentes de movimentos que abrangessem  
toda a população e contassem com a participação e o empuxo das massas, todos os  
grandes momentos da história recente do país, relativos à sua transição para o  
capitalismo, que constituíram possibilidades concretas de transformação, foram  
solucionados “à prussiana”, pela conciliação entre as classes dominantes, sob a forma  
política de “reformas ‘pelo alto’” (1984, p. 132).  
Mesmo com todas as críticas (ainda que abstratas) feitas à burguesia, enquanto  
classe que renunciou à revolução e que renunciou a um ponto de vista universal,  
surpreendentemente, Coutinho incluiu frações desta categoria entre os interessados  
na transformação da realidade contraditória nacional, agrupados sob o qualificativo  
nacionalista e democrático” de “povo brasileiro” (COUTINHO, 1967, p. 183), que  
reunia desde o  
nascente proletariado aos setores mais radicais da burguesia,  
passando pelo campesinato e pelas classes médias progressistas,  
estão realmente interessadas em destruir o velho Brasil, substituindo  
o cárcere do “pequeno mundo” mesquinho por uma renovação  
democrática, pelo “grande mundo” de uma comunidade autêntica  
(1967, p. 189).  
Patenteia-se o perfil abstrato de suas análises sobre o Brasil, cuja realidade não  
Verinotio  
222 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
abordou em detalhe3. Verifica-se, ainda, a manutenção da forte influência de Lukács (e  
de Lênin) no trato dos temas, incluindo a defesa da visão da totalidade, bastante  
presente no Lukács de História e consciência de classe. Se parece agora haver menor  
peso da ausência de uma revolução democrática burguesa e maior peso à forma  
prussiana de transição para o capitalismo, é interessante observar que ainda aflora a  
influência das teorias pecebistas sobre a existência de setores burgueses  
potencialmente revolucionários e a necessidade de uma revolução burguesa no país,  
entre outros temas, mesclando-se curiosamente com as censuras inspiradas por Lukács  
à burguesia nacional. Assim, inobstante tenha dado um salto ao rejeitar a identificação  
do Brasil aos casos clássicos de objetivação do capitalismo, Coutinho não ficou imune  
à influência de análises e táticas do seu partido, incluindo a crença numa suposta  
identidade de interesses entre frações burguesas “nacionais” e o povo. Pode-se  
mesmo dizer que tencionou então elaborar uma síntese conciliatória entre Lukács e o  
Partidão, que só poderia resultar num malogro, dadas as distintas fundamentações  
teóricas e políticas.  
Ao voltar seu foco para as características internas da sociabilidade brasileira,  
Coutinho findou por minimizar os obstáculos à industrialização postos pelo capital  
dominante no bojo de um sistema capitalista que, muitas vezes, concebia de forma  
abstrata (SILVA, 2012, p. 144). Talvez por isso acreditasse na possibilidade de um  
capitalismo nacional autônomo” (FRANCO, 2018, p. 69), repondo equívocos  
pecebistas. Por outro lado, mesclando-se com a defesa da democracia (que logo  
veremos), tais características levam estudiosos de sua obra a afirmar que ela é o “elo  
perdido” entre os campos nacional democrático (PCB) e democrático popular da  
esquerda brasileira (NEVES, 2019, p. 439).  
A compreensão de Coutinho sobre o modo de produção existente no Brasil  
anteriormente ao período tratado (cujos marcos temporais, aliás, não ficam claros) é  
crucial para o entendimento da especificidade do processo de transição do Brasil ao  
capitalismo, de vez que, segundo a intelecção do autor, o “historicamente velho”  
manteria sua presença no que tange a elementos nodais e legaria pesada herança ao  
capitalismo industrial que supostamente o sucede. Num primeiro momento, ainda  
estudante, ele afirmou que o Brasil era um país capitalista, inserido no capitalismo  
mercantil mundial (cf. SILVA, 2012, p. 86). Já em sua produção dos anos 1960 e  
3
O próximo que chegou de uma abordagem específica foi o cerca de um parágrafo escrito  
especificamente sobre a República Velha.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 223  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
meados dos anos 1970, qualificou o país dos anos 1930 como “semicolonial" e até  
“semifeudal”, reverberando os piores equívocos do PCB. Posteriormente, porém, ao  
republicar textos antigos, afirmou ter feito a “supressão de uma formulação que hoje  
julgo claramente equivocada (isto é, a caracterização do Brasil como ‘semifeudal’)”,  
substituindo-a por “aspectos arcaicos” e/ou “valores pré-capitalistas” (COUTINHO,  
2011, p. 12). Isso não significou, porém, que tenha chegado a uma definição sobre o  
modo de produção no Brasil no século XIX. Ele atestava que o país havia se  
conformado enquanto formação social particular e com alguma autonomia no  
momento em que o capital mercantil criava para si um mercado em nível mundial, no  
bojo do contraditório processo de acumulação primitiva do capital. Esta seria a marca  
mais forte e permanente na sociedade brasileira, na qual foi necessário engendrar do  
princípio todo um complexo de produção diretamente atrelado ao mercado em  
constituição (1984, p. 124). O teórico, porém, advertia que “o fato de que o modo de  
produção vigente na era colonial tivesse sido posto e reposto pelo movimento  
internacional do capital não significa [...] que se tratasse de um modo de produção  
capitalista, ainda que ‘imperfeito’ ou ‘incompleto’” (1984, p. 125). Ainda, rejeitava a  
atribuição de uma excessiva autonomia ao modo de produção vigente no período  
colonial, subordinado formalmente4 ao capitalismo mercantil internacional, mas  
também descartava colonial como designativo do modo de produção então existente,  
dado que não lhe atribuía novas leis (1984, p. 126).  
O teórico baiano assumiu, então, como hipótese, que se trataria de um  
escravismo, dado que “é o elemento escravista que fornece a marca determinante da  
formação econômico-social” (COUTINHO, 1984, p. 126). Seria certamente um modo  
de produção escravista com caráter peculiar, pois que articulado com o capitalismo  
mercantil no plano internacional, do qual poderia importar cultura, instituições e  
ideologias (1981, p. 99). Inobstante, naquele momento o autor também deixava aberta  
a possibilidade de feudalismo, sem que isso, no seu entender, invalidasse suas  
considerações, por estarem embasadas na manutenção de formas de exploração do  
4 No seu entender, as economias coloniais estavam subordinadas ao capital mercantil metropolitano no  
âmbito da circulação. O autor se valia “com certa liberdade” de Marx para qualificar aquele processo  
como subordinação formal momento em que o modo de produção não era ainda capitalista , no seio  
do qual permaneceria existindo o modo de produção do povo colonizado, sem que inicialmente sofresse  
intrusões mais profundas. Porém, como consequência não planejada da exploração cada vez mais  
significativa de produtos das colônias, acabou ocorrendo a transformação das bases deste modo de  
produção “num sentido mercantil e mesmo capitalista”, passando-se gradualmente “da subordinação  
formal à subordinação real” (COUTINHO, 1984, p. 124).  
Verinotio  
224 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
trabalho com base na coação não econômica (1984, p. 126).  
Segundo seu entendimento, o capitalismo teria como distintivo em relação a  
outros modos de produção a vigência do trabalho assalariado, cuja existência era  
diminuta no Brasil colonial, o que interditaria designar aquele período de capitalista.  
Quando se identifica aquele modo de produção ao capitalismo, assegurava, “se termina  
por reduzir o problema geral da transição para o capitalismo no Brasil ao problema  
mais específico da industrialização”, deixando-se escapar “a possibilidade de operar  
de modo fecundo com a categoria da ‘via prussiana’, que denota precisamente um  
processo no qual a transição para o capitalismo se dá com a conservação de elementos  
pré-capitalistas, tanto na infraestrutura quanto na sociedade civil e no estado”  
(COUTINHO, 1984, p. 125).  
Temos, pois, que o autor saltou entre as definições de capitalismo,  
semifeudalismo e escravismo sem fechar um diagnóstico sobre o modo de produção  
existente no Brasil pré-industrial. De fato, ele jamais se propôs como objetivo  
pesquisar sistematicamente a veracidade do aventado modo de produção escravista,  
“‘hipótese’” com a qual trabalhou por cerca de 40 anos sem demonstrá-la (NEVES,  
2019, p. 234). E “ao deixar aberta a possibilidade de que as pesquisas nesse campo  
pudessem verificar a existência de relações feudais, o autor previne-se quanto a esta  
constatação ser utilizada para infirmar o núcleo principal de sua construção teórica, ou  
seja, a compreensão do processo de transição ao capitalismo como sendo uma  
‘transição à prussiana’, que conserva formas de trabalho fundadas na coação  
extraeconômica” (FRANCO, 2018, p. 68). De toda forma, estranha-nos que uma  
questão de tal importância fique em aberto.  
É sempre oportuno lembrar que a categoria modo de produção5 não é um  
conjunto de predicados distintivos de uma coisa singular, mas uma “síntese de várias  
determinações” cuja lógica interna ultrapassa a mera justaposição de traços  
particulares. Modo de produção capitalista diz respeito às relações sociais que ocorrem  
numa formação econômica em que o momento preponderante do processo produtivo  
é dado pelo próprio capital, sabendo muito embora que este “se perfaz por meio de  
um círculo de círculos, que instaura e ao mesmo tempo destrói formas não-capitalistas  
de produção" (GIANNOTTI, 1976, p. 167). No caso em tela, importa como “o capital  
5 Seria, aqui, impossível reproduzir mesmo que apenas alusivamente este tema central, complexa e com  
que já se gastou muita tinta. Estamos apenas elencando aspectos que nos facultem a compreensão do  
uso coutiniano de via prussiana para o processo de formação do capitalismo brasileiro.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 225  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
demarca os bastidores, estipula as condições de existência de uma forma de  
socialização do trabalho, como se gera e perdura tal forma”; em seu percurso o capital  
está sempre criando formas de organização do trabalho desviantes em relação às  
estritas condições de extração da mais-valia, dado que parasita e usa a seu favor  
modos de produção anteriores ou periféricos (GIANNOTTI, 1976, p. 167). Como disse  
explicitamente Marx, “a própria sociedade burguesa é só uma forma antagônica do  
desenvolvimento, nela são encontradas com frequência relações de formas  
precedentes inteiramente atrofiadas ou mesmo dissimuladas” (MARX, 2011, p. 40).  
Quando se desconsidera o feixe de determinações que produz um modo de produção  
o qual se vale constantemente de elementos de modos de produção ou fases  
anteriores de desenvolvimento , deixa-se de captar exatamente a forma particular de  
objetivação da forma universal do capital, que não é abstrata, mas prenhe de  
determinações que a singularizam em cada tempo e lugar.  
De resto, o argumento sobre o enfoque na industrialização ser restritivo não  
nos parece adequado. Em primeiro lugar, porque, como Marx aponta ao estudar o  
circuito produção/distribuição/troca/consumo, “a produção é o ponto de partida  
efetivo, e, por isso, também o momento predominante [übergreifende Moment]”, “o  
ato em que todo o processo transcorre novamente”, e que marca os estágios de  
desenvolvimento social como um todo (embora o filósofo alemão sempre ressalte  
interconexão orgânica com os demais momentos, mas sempre articulados em torno do  
êxito da produção) (MARX, 2011, p. 31). A forma específica de produção do  
capitalismo era (até então) o capital industrial, o principal agente transformador das  
sociedades capitalistas, seu elemento distintivo, de maneira que sua instauração era  
idêntica ao atingimento efetivo do capitalismo. A compreensão da natureza específica  
de cada país capitalista tem, portanto, como elemento fulcral o entendimento do seu  
processo de industrialização: seu ritmo e intensidade, as modificações pelas quais  
passou ao longo do tempo, os liames que manteve com outros segmentos produtivos  
(como a agricultura) e o modo como as categorias sociais distintas e contrapostas  
lidaram com as demandas e impulsos dali advindos. Precisa ser apreendido, embora  
nunca isoladamente, porque é o momento preponderante do processo.  
A manifestação temporã de exacerbada valorização coutiniana do âmbito  
político e de invulgar apreço à democracia só se acentuaria a partir de então. No  
período seguinte, após exílio de três anos na Europa, a produção de Coutinho ficou  
cada vez mais marcada pela influência de Antonio Gramsci (1891-1937), que  
Verinotio  
226 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
paulatinamente deslocou Lukács como máxima referência. Coutinho encontrou no  
teórico sardo uma chave interpretativa crucial, que se adequou a suas inquietações  
teóricas e preocupações políticas. Embora o teórico sardo não tenha se valido da  
categoria de via prussiana, ele dissertou, segundo nosso autor, com grande  
propriedade sobre as consequências políticas deste processo.  
Da análise concreta da sociedade italiana feita por Gramsci, Coutinho se valeu  
fundamentalmente dos conceitos de “‘revolução-restauração’ (para sublinhar os dois  
lados do processo: o desenvolvimento das forças produtivas e a reprodução de  
elementos atrasados das relações de produção)” (1984, p. 86) e de “revolução  
passiva”, que qualifica aqueles “processos de transformação em que ocorre uma  
conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes, com a  
explícita tentativa de excluir as camadas populares de uma participação mais ampla”  
(COUTINHO, 2020, pp. 230-1).  
Gramsci discutiu o que chamou de “revolução passiva” nos Cadernos do cárcere,  
escritos durante sua longa prisão sob o fascismo de Mussolini. Tendo por base a  
“Introdução” à Crítica da economia política de Marx, ele afirmou:  
O conceito de “revolução passiva” deve ser deduzido rigorosamente  
dos dois princípios fundamentais da ciência política: 1) nenhuma  
formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela  
se desenvolveram ainda encontrarem lugar para um novo movimento  
progressista; 2) a sociedade não se põe tarefas para cuja solução  
ainda não tenham germinado as condições necessárias etc.  
Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro, desdobrados  
criticamente em toda a sua dimensão e depurados de todo resíduo de  
mecanicismo e fatalismo. (GRAMSCI, 2023, p. 321)  
O conceito de revolução passiva foi visto por Coutinho um critério de  
interpretaçãoimportante para a transição do Brasil à modernidade capitalista e  
também para a fase do CME, proporcionando instrumentos analíticos que destacariam  
traços decisivos da formação política e social do país. Coutinho destacou que no Brasil  
os processos “de transformações ou de revoluções, se quisermos –” ocorrem “pelo  
alto”, ao contrário das revoluções populares, feitas de baixo, de forma que, a um  
tempo, trazem mudanças (assimilando demandas populares e produzindo importantes  
modificações na composição das classes), mas igualmente conservam elementos da  
velha ordem, dado que são reações à possibilidade de uma revolução radical (2020,  
pp. 230-1; 2003, p. 198).  
Segundo Coutinho, Gramsci apontava duas causas-efeitos da revolução passiva:  
“por um lado, o fortalecimento do estado em detrimento da sociedade civil, ou, mais  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 227  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
concretamente, o predomínio das formas ditatoriais da supremacia em detrimento das  
formas hegemônicas; e, por outro, da prática do transformismo6 como modalidade de  
desenvolvimento histórico que implica a exclusão das massas populares” (2003, p.  
203). Resultaria daí domínio e não direção, uma ditadura sem hegemonia, de um grupo  
sobre outras forças, para radicalizá-lo. Paralelamente, a sociedade civil perderia força  
e autonomia, ligando-se mais intimamente ao estado, que ainda poderia apelar à  
violência aberta, segundo a fórmula gramsciana de consenso e força (1984, pp. 86-  
7).  
O processo de “via prussiana” à brasileira tem um marco na década de 1930,  
pois a partir deste período houve a transformação da economia nacional com base em  
uma monopolização precoce e no “prussianismo”, que já havia fortalecido a burocracia  
estatal. O estado foi prematuramente compelido a estar presente na economia para a  
efetivação da industrialização “forçada”, decorrendo daí um setor monopolista  
produtivo estatal. O processo conservara arredadas as massas e tornara o estado “o  
lócus privilegiado da conciliação e o instrumento executivo das transformações ‘pelo  
alto’”, além de cooptar as classes médias para o bloco no poder (COUTINHO, 1984, p.  
171).  
O golpe de 1964 um momento marcante, que se propôs a eliminar as  
resistências políticas ao “modelo” implantado, manifestas no período anterior no seio  
de correntes nacionalistas e populares. A ditadura que ele instalou, apesar de suas  
notórias contradições, efetivou modificações de tal monta que, de forma altamente  
contraditória, alçou o Brasil ao rol dos países industrializados, instituindo um modo  
de produção capitalista pleno e inclusive já na fase monopolista de estado (CME).  
Concretizou-se, então, uma “modernização conservadora” voltada a atender aos  
interesses dos monopólios e multinacionais (COUTINHO, 2020, p. 248).  
A forte burocracia estatal existente no Brasil, pressuposto da passagem para o  
CME, dificultaria a ação de contratendências que poderiam obstaculizar a concretização  
das tendências autoritárias, motivo pelo qual era quase inevitável que a implantação  
do CME por estas plagas tivesse perfil autoritário. Coutinho inicialmente qualificou o  
regime instituído em 1964 como “fascista (ou semifascista)”. Ele frisava, contudo, que  
o elo de origem não implicaria que o CME no Brasil fosse estruturalmente fascista e  
dispusesse de uma única política econômica, baseada na superexploração, já que a  
6 “O transformismo significa um método para implementar um programa limitado de reformas, mediante  
a cooptação pelo bloco no poder de membros da oposição.” (GRAMSCI, 2000, p. 396)  
Verinotio  
228 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
sua gênese não determinaria a sua estrutura (1984, pp. 172; 188). Propor algo assim,  
assegurava, seria confundir mecanicamente os níveis econômico e político, levando à  
visão de que o capitalismo no estágio do CME só seria possível no Brasil com o apelo  
ao fascismo, de forma que a derrota deste seria o fim do CME e do próprio capitalismo,  
implicando o fim do poder dos monopólios e uma transição para o socialismo – “ou,  
em última instância, uma única alternativa: fascismo ou socialismo” (COUTINHO, 1984,  
p. 189). No seu entender, haveria, assim, uma possibilidade concreta, que poderia se  
efetivar por meio da organização e da mobilização da sociedade civil, de que o CME  
brasileiro abandonasse o fardão político fascistizante que conjunturalmente vestiu,  
dado que dispunha de um variegado leque de “superestruturas políticas”, as quais  
abarcariam desde formas fascistas ou semifascistas até uma democracia mais ou menos  
consequente, como, de resto, ocorreu na Itália e na Alemanha (COUTINHO, 1984, pp.  
190-1)7.  
Num segundo momento, porém, Coutinho repensou a designação do regime  
instaurado em 1964 e afirmou ser um erro considerá-lo fascista (1984, p. 197). Ele  
compreendia o fascismo como um regime reacionário com base em massas  
organizadas, subentendendo a existência de uma sociedade civil fortalecida. O que  
houve no Brasil, de acordo com sua nova visão, foi a instauração de um “regime  
autoritário” feita pelo alto, via golpe de estado – vitorioso, em larga medida, devido à  
fragilidade da sociedade civil. Apesar de ter havido a busca (e a conquista) de consenso  
em amplas camadas da população, este seria passivo, com base na restrição da esfera  
política, ao contrário de sua “socialização totalitária” empreendida pelo fascismo  
(COUTINHO, 1984, p. 198). O regime fiou-se no baixo grau de organização e na  
despolitização da sociedade civil, na reiteração do caráter excludente da política.  
Contudo, a ditadura atuou em prol da monopolização do capital, e nesse afã acabou  
por promover a definitiva modernização conservadorado país. Com isso,  
involuntariamente pôs as bases objetivas para a “superação definitiva” do elitismo e  
da exclusão enquanto forma de se fazer política no Brasil. Assim, ao final do período:  
Além de uma numerosa e moderna classe operária, temos em nossa  
estrutura social amplos estratos de camadas médias assalariadas.  
Conhecemos, durante algum tempo, apesar de todas as limitações, um  
regime democrático-liberal, que permitiu de certo modo um início de  
7 Aqui, a inclusão do Brasil no rol dos países de via prussiana já paga seu preço, pois os países citados  
efetivamente seguiram a via prussiana e se tornaram países industrializados, dominantes e  
democráticos, diferentemente do Brasil.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 229  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
organização autônoma da sociedade civil. (COUTINHO, 1984, p. 85)  
Mas também teriam se mantido alguns traços do prussianismo:  
1) um Executivo forte em detrimento do Parlamento, ou, de modo mais  
geral, a tendência a “desequilibrar”, em favor do estado, a relação  
entre esse e a sociedade civil; 2) mecanismos transformistas, ou seja,  
a tentativa permanente de obter apoio para o governo através da  
cooptação e dos favores clientelistas; 3) formas de populismo, isto é,  
de representação política através do vínculo direto entre líder e massa  
atomizada, sem a mediação da sociedade civil, e, em particular, dos  
partidos; 4) a tutela militar, vale dizer, a atribuição de um peso político  
às forças armadas sem nenhuma relação com o balanço de forças  
efetivamente presentes na sociedade civil. (COUTINHO apud SILVA,  
2012, p. 131)  
É interessante observar que, entre os traços do “prussianismo” acima  
elencados, não pesponta a subsunção ao capital estrangeiro. Assim, inobstante o autor  
mencione eventualmente “a dependência tecnológica ao exterior, que estão na raiz do  
modelo capitalista dependente-associado que efetivamente triunfou” (COUTINHO,  
1984, p. 134), este aspecto fundamental tem pouco peso em sua análise, que se volta  
quase exclusivamente aos aspectos internos e, destes, especialmente aos político-  
ideológicos, vistos autonomamente.  
O diagnóstico do caminho brasileiro como umbilicalmente “prussiano”  
implicava um prognóstico coerente, a extirpação do “prussianismo”: “para o conjunto  
das forças populares coloca-se assim uma tarefa de amplo alcance: a luta para inverter  
essa tendência elitista ou ‘prussiana’ da política brasileira e para eliminar suas  
consequências nas várias esferas do ser social brasileiro” (COUTINHO, 1983, p. 37).  
Como o “tipo de regime autoritário” aqui instituído em 1964 não foi um fascismo  
clássico, estaria posta concretamente a possibilidade “de transição pacífica e  
negociada para a democracia”. Para que esta não se reiterasse a prática avoenga –  
modernizada ou não de alterações pelo alto, excluindo mais uma vez as massas,  
reduzidas a posição subalterna e amorfa, não era necessária nem guerra externa nem  
resistência armada interna, mas democracia: “a renovação democrática aparece assim  
como alternativa à ‘via prussiana’ de transformação social seguida por nosso país que  
marcou com seu selo profundamente antidemocrático e antipopular as várias  
esferas do ser social brasileiro” (COUTINHO, 1980, p. 15).  
Assim, a democracia é o grande objetivo a ser perseguido, a solução para os  
males do “prussianismo” identificados por ele – sem ênfase no campo econômico,  
como vimos como vigentes ainda nos anos 1980. Uma democracia tout court, sem  
adjetivações, o objetivo político que embasa a própria reflexão e orienta a  
Verinotio  
230 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
argumentação.  
1.2 As três fontes do pensamento coutiniano  
Está completado o rol dos conceitos a que Coutinho recorreria para explicar o  
processo pelo qual, segundo seu entendimento, o Brasil objetivou o capitalismo: via  
prussiana de Lênin e Lukács, revolução passiva de Gramsci e modernização  
conservadora de Moore Jr. (sem prejuízo de outras influências, como a da analítica  
paulista e das análises do próprio PCB). O que primeiro foi mencionado explicitamente  
em seus textos foi via prussiana. Foi empregado de forma prática para a elucidação  
da realidade nacional, sem ter passado por um exame mais meticuloso e sem uma  
análise mais aprofundada da história ou da formação social brasileira contemporânea  
àquelas reflexões, cujo cerne  
apresenta uma abstratividade estrutural, isto é, a possibilidade da  
interpretação coutiniana só se mantém sob a condição de não abordar  
as especificidades de nosso tipo particular de desenvolvimento. Seja  
para confirmar ou para descartar a possibilidade de interpretar a  
evolução capitalista brasileira à luz do caminho prussiano, a análise  
coutiniana formulada sob a influência de Lukács não nos fornece  
elementos suficientes. Estamos mais no campo de uma fecunda  
sugestão de semelhanças entre o itinerário histórico alemão e o nosso  
do que no de sua comprovação científica (SILVA, 2012, p. 107).  
Desta maneira, inobstante ser bastante perspicaz, enquanto primeiro passo, na  
direção do objeto analisado, houve um uso conceitual da categoria leniniana, ou seja,  
ela acabou sendo manejada como um tipo ideal, esvaziada de suas determinações  
ontológicas. Curiosamente, Coutinho posteriormente pôs reparos ao uso da categoria  
leniniana, argumentando que ela não dava conta de propiciar a compreensão da  
totalidade de uma formação social, e em particular da situação brasileira, dado que,  
supostamente, estaria focada ou mesmo restrita aos aspectos estruturais:  
na medida em que se concentra prioritariamente nos aspectos  
infraestruturais do processo, o conceito de Lênin não é suficiente para  
compreender plenamente as características superestruturais que  
acompanham e, em muitos casos, determinam essa modalidade de  
transição (COUTINHO, 2003, p. 197).  
Justificava, assim, o recurso às noções de revolução passiva e modernização  
conservadora, que teriam o condão de corrigir as deficiências e/ou suprir as alegadas  
lacunas de via prussiana.  
Na medida em que esse conceito, como todos os demais conceitos  
gramscianos, sublinha fortemente o momento superestrutural, em  
particular o momento político, superando assim as tendências  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 231  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
economicistas do marxismo de III Internacional, ele se revelou de  
inestimável utilidade para contribuir à especificação e à análise do  
caminho brasileiro para o capitalismo, um caminho no qual o estado  
desempenhou frequentemente o papel de principal protagonista.  
(COUTINHO, 2003, p. 197)  
Observa-se que houve rejeição da categoria via prussiana por supostamente  
ser insuficiente, mas o autor não demonstrou o mesmo rigor no uso de outros  
conceitos; pelo contrário, era comum nele a incorporação de noções já existentes ao  
seu próprio arsenal e o seu emprego em sentidos muito próprios e/ou desconectados  
da teoria no interior da qual foram elaboradas (como é o caso de “subordinação  
formal”, “subordinação real”, “reprodução ampliada” e outros, tomados à produção  
marxiana) ou a desconsideração da distinção imanente a noções como “exploração  
extraeconômica” em distintos modos de produção.  
De fato, se Coutinho parece por vezes padecer de pouco rigor  
filológico na incorporação dos conceitos, tal procedimento não parece  
desprovido de intencionalidade antes parece sugerir um  
procedimento orientado pela hipoteca coutiniana da integração das  
categorias de Lukács e Gramsci (FRANCO, 2018, pp. 62-3).  
De toda forma, estava amalgamada a tríade analítica, entendida por ele como  
um todo orgânico, de que se valeria a partir de então para “captar algumas  
determinações decisivas da formação do estado que se gestou em nosso país”.  
Há três paradigmas que nos ajudam a pensar essa modalidade  
peculiar pela qual o Brasil transitou para a modernidade [...]. O  
primeiro desses paradigmas é o conceito de “via prussiana”,  
elaborado por Lênin. [...] Conceito análogo aparece em Gramsci, ou  
seja, o conceito de “revolução passiva”. [...] Finalmente, há um  
conceito mais “acadêmico”, ou seja, com melhor trânsito na  
universidade, que também ajuda a pensar o caso brasileiro: o conceito  
de “modernização conservadora” (COUTINHO, 2020, pp. 230-1)  
O menos trabalhado por ele foi justamente este último, que não entendeu ser  
necessário precisar melhor. Embora “modernização conservadora” seja menos  
frequente nos seus textos, o termo aparece sem ressalvas. Neves, inclusive, localiza  
nele o elo entre as duas outras categorias: “Coutinho permuta, no texto finalizado em  
1979, as duas noções, chegando a fundi-las em uma modernização conservadora  
prussiana’”, ou seja, é o conceito sociológico de Moore Jr. que promove a identificação  
entre a via prussiana de Lênin/Lukács e a revolução passiva de Gramsci no pensamento  
coutiniano (NEVES, 2019, p. 250).  
O sociólogo estadunidense Barrington Moore Jr. (1913-2005) publicou em  
1966 sua obra clássica, Origens sociais da ditadura e da democracia (MOORE JR.,  
Verinotio  
232 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
1967), uma análise comparativa do processo de formação do capitalismo moderno no  
campo e de sua relação com a situação político-governamental que ele chamava de  
“processos de modernização” – de vários países. Sua intenção era examinar os  
métodos de resolução dos conflitos presentes nas relações sociais em transformação  
durante tais processos. Neste mister, ele divisou duas modalidades principais de  
modernização: uma que desembocou em sociedades liberal-democráticas, outra que  
levou ao que chamou de formações “totalitárias” (de diversos tipos, cujo ápice foi o  
fascismo).  
Ao observar a realidade histórica de países como a Alemanha, Moore Jr. acabou  
percebendo e destacando determinações similares às que a tradição marxista  
salientava, quais sejam, a conservação em maior ou menor medida da propriedade  
fundiária pré-capitalista e do poder dos proprietários da terra, resultando na opção da  
burguesia industrial por conciliar com os representantes do atraso, em vez de se aliar  
às classes populares. Assim, como trabalhava com a realidade histórica dos países  
selecionados, Moore Jr. identificou caracteres interessantes, corretos e que, se vistos  
com seu peso e em suas interconexões corretas, podem contribuir para a compreensão  
da formação sócio-histórica em questão8. Há que lembrar, porém, que os pressupostos  
teóricos do autor eram radicalmente diferentes daqueles dos marxistas, dado que seu  
intento era a criação de tipos ideais. Assim, se os acontecimentos históricos, dados e  
até análises trazidas pelo autor colaboram para o entendimento da realidade daqueles  
países, tomar suas conclusões ideal-típicas sobre “modernização conservadora” e usá-  
las para o caso do Brasil fere de morte os procedimentos marxistas, que estão (ou  
deveriam estar) baseados na análise concreta da situação concreta (MARX, 2011;  
CHASIN, 2009).  
Ademais, ajunte-se que a constituição (ou a ausência) da democracia era o  
ponto focal do interesse de Moore Jr., ou seja, ele partia da democracia como o  
protótipo de organização sociopolítica, tornada simultaneamente o modelo e o  
objetivo da pesquisa, a qual também acabou embasando e direcionando sua análise  
(como, aliás, faz o próprio Coutinho, como veremos). Valendo-se de uma classificação  
política, Moore Jr. arrolava autocracias como “totalitarismo” – outro tipo ideal  
classificatório, igualando, assim, o nazismo e o regime soviético, a partir da  
desconsideração completa da realidade histórica da qual emergiram (e dissociando  
8
Entendemos que foi nesse sentido que foi mencionado por Chasin, que se valeu de informações  
históricas, sem recorrer a tipos ideais do sociólogo estadunidense.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 233  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
nazismo de capitalismo) (CHASIN, 1977b).  
Quanto à origem das duas outras categorias emprestadas por Coutinho,  
passemos rapidamente por elas, para entender a apropriação feita pelo autor. Via  
prussiana apareceu primeiramente em Lênin, no interior de um debate sobre o  
programa agrário da social-democracia russa, num contexto em que discutia  
estritamente a situação agrária da Rússia comparativamente à dos Estados Unidos e  
da Alemanha. Segundo o líder revolucionário, a objetivação do capitalismo na Rússia,  
que considerava inexorável, poderia se dar de dois modos:  
O desenvolvimento burguês pode ter lugar encabeçado pela grande  
economia latifundiária, que paulatinamente se tornará cada vez mais  
burguesa, e paulatinamente substituirá os métodos feudais de  
exploração pelos burgueses; e pode ter lugar também encabeçado  
pela pequena economia camponesa, que por via revolucionária  
extirpará do organismo social a “excrescência” dos latifúndios feudais  
e se desenvolverá depois livremente sem elos pelo caminho da  
economia capitalista. [...] No primeiro caso, o conteúdo fundamental  
da evolução é a transformação da escravidão feudal em servidão e  
exploração capitalista nas terras dos grandes proprietários feudais  
Junkers. No segundo caso, o básico é a transformação do campesinato  
patriarcal em um agricultor burguês. (LÊNIN, 1973, p. 281)  
De acordo com Lênin, o primeiro caminho implicaria uma arrastada e dolorosa  
transformação da economia feudal latifundiária em uma economia burguesa junker, a  
qual se realizaria por meio da expropriação dos camponeses, convertidos em  
agricultores sem terra e cujas condições miseráveis de vida e de servidão seriam  
asseguradas, por muitas décadas e pela força, enquanto, de outro lado, seria formado  
um pequeno grupo de camponeses burgueses ricos (LÊNIN, 1973, p. 282). “Este  
caminho de desenvolvimento exige, para ser seguido com êxito, a violência geral,  
sistemática e desenfreada contra as massas camponesas e contra o proletariado.”  
(LÊNIN, 1973, p. 471) A via prussiana, de cariz reformista, opção dos latifundiários  
russos ultrarreacionários, “implica a manutenção ao máximo da sujeição e da servidão  
(modelada ao modo burguês), o desenvolvimento menos rápido das forças produtivas  
e um lento desenvolvimento do capitalismo; implica calamidades e sofrimentos,  
exploração e opressão incomparavelmente maiores para as grandes massas  
camponesas e, por conseguinte, também ao proletariado” (LÊNIN, 1973, p. 286).  
Já a outra via de desenvolvimento do capitalismo, que ele denominou de norte-  
americana, que também subentende uma destruição violenta do velho sistema de  
propriedade agrária, poderia torná-la algo benéfico para as massas camponesas. Aqui,  
a economia latifundiária ou inexiste ou teria sido destruída por uma revolução, que as  
Verinotio  
234 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
confiscou e distribuiu. Neste processo, seria liberada uma gigantesca superfície de  
terras para colonização, que poderia ser a base econômica para uma imensa expansão  
da agricultura e da produção. Pode, então, desenvolver-se uma agricultura, com base  
em camponeses livres gerados no seio da própria história econômica precedente do  
país, que seriam a base do desenvolvimento do capitalismo. O camponês é que  
predomina, tornando-se o único fator da agricultura e evoluindo até se converter em  
um agricultor capitalista (LÊNIN, 1973, p. 282). Algo deste tipo é que teria ocorrido  
nos Estados Unidos (LÊNIN, 1973, p. 320). “Este caminho permitirá que o  
desenvolvimento do capitalismo avance com muito maior amplitude, liberdade e  
rapidez, como consequência do enorme crescimento do mercado interno e da elevação  
do nível de vida, do aumento da atividade, da iniciativa, da cultura de toda a  
população.” (LÊNIN, 1973, p. 473) Em suma, essa via “implica o mais rápido  
desenvolvimento das forças produtivas e as melhores condições possíveis de  
existência das massas camponesas (sob a produção mercantil)” (LÊNIN, 1973, p. 286).  
Na Rússia, o caminho revolucionário, “de real derrubamento da antiga ordem, requer,  
inevitavelmente, como base econômica, a destruição de todas as velhas formas de  
propriedade agrária junto com todas as velhas instituições políticas” (LÊNIN, 1973, p.  
471).  
Vemos que Lênin não estava fazendo uma reflexão em geral sobre vias de  
objetivação do capitalismo, mas tinha um objetivo muito específico: argumentar pela  
total extirpação das formas de propriedade agrária na Rússia, incluindo aquelas que  
alguns social-democratas reputavam revolucionárias, mas que, segundo ele, poderiam  
significar um atraso no desenvolvimento histórico do país e trazer mais sofrimento  
para as massas camponesas. Ou seja, o autor não estava nem mesmo discutindo de  
forma mais ampla a questão econômica, senão apenas a do campo uma questão  
primordial naquele momento da história do país , ainda que tenha conseguido  
alcançar alguns dos caracteres que fundamentam as diferenças históricas entre os  
países dos quais se ocupou.  
Lukács, partindo das reflexões leninianas, foi muito além daquilo que havia sido  
apontado pelo revolucionário russo. Em textos como A destruição da razão (2023), a  
fim de bem salientar os caracteres determinantes da via prussiana, o filósofo húngaro  
os contrapôs à via clássica, caracterizada pela existência de processos revolucionários  
de massa que varreram os vestígios do antigo regime, mas seu enfoque era claramente  
o caso alemão. Lukács fez uma profunda análise da história e da economia da  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 235  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Alemanha do final da Idade Média ao período da II Guerra Mundial, a partir da qual  
demonstrou a determinação social das diversas correntes de pensamento irracionalista  
ali existentes. Portanto, Lukács se apropriou da categoria de via prussiana para estudar  
o desenvolvimento histórico concreto da mesma formação social que Lênin  
originariamente estudara, a alemã, com aprofundamento, detalhamento, saturação de  
determinações históricas e intensificação ontológica da categoria, assim enriquecida e  
concretizada (e não meramente “estendida”, como Coutinho chegou a dizer).  
Uma das características da análise levada a cabo por Lukács é que a  
interdeterminação existente entre a economia e a política, as ideologias etc. estava  
devidamente respeitada, quer dizer, embora partisse do campo econômico como  
aquele que tem prioridade ontológica e que é determinante, nem por isso obnubilava  
as produções espirituais, pelo contrário, esforçava-se, inclusive, por mostrar que há  
determinação recíproca entre eles em todos os momentos da história. Basta um relance  
na obra de Lukács para assegurar que ele não pode de forma alguma ser tachado  
como economicista e o próprio objetivo do texto, a denúncia visceral do irracionalismo  
contemporâneo, demonstra a importância da esfera político-cultural para o autor.  
Dito isso, fica totalmente invalidado o argumento coutiniano de que a categoria  
de via prussiana daria conta apenas dos aspectos infraestruturais, econômicos. É bem  
verdade que Coutinho não voltou a Lukács nessa justificativa da “incompletude” do  
termo, e não poderia fazê-lo, sob pena de se desdizer (curiosamente, o autor não  
abordou nem a sua própria produção inicial, que, inspirada naquela noção, fez uma  
análise literária, portanto, longe do setor econômico). Também não se debruçou sobre  
a realidade brasileira para, fazendo o “caminho de volta” que diferencia as categorias  
dos conceitos, averiguar pelo metro do real a adequação à formação social brasileira.  
Era-lhe mais fácil atribuir a insuficiência à análise leniniana que, vimos, tinha um  
escopo bastante específico e delimitado. Mas é claramente injustificada a atribuição de  
uma sorte de economicismo à noção de via prussiana, o que nos leva a indagar quais  
seriam as verdadeiras justificativas de Coutinho para recorrer às categorias  
gramscianas e acreditamos que a resposta está na estratégia política a ser proposta,  
a partir delas, para o movimento comunista.  
2. A crítica de Chasin ao emprego de “via prussiana” para o caso brasileiro  
J. Chasin discute o tema da via prussiana quando, em sua tese de doutorado,  
aborda o pensamento integralista de Plínio Salgado, que busca entender remetendo-  
Verinotio  
236 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
a à sociedade na qual emergiu. Neste mister, faz uma comparação com processos  
históricos assemelhados, com apoio em Marx, Engels, Lênin e Lukács, entre outros  
autores. Com base na bibliografia clássica marxista sobre o tema, Chasin sintetiza como  
principais caracteres da via prussiana: uma modalidade de objetivação do capitalismo  
tardia, lenta, com um desenvolvimento das forças produtivas vagaroso9 e que só se  
põe de forma conciliada entre os representantes da sociedade nascente e os daquela  
em desaparição, portanto, na ausência de uma ruptura revolucionária que incluísse as  
classes sociais dominadas e seus interesses. Resistente ao progresso, mas realizando  
as modificações necessárias pelo alto, efetiva, nos planos político e social, tipos  
heteróclitos de dominação, que combinam iniquidades de várias configurações de  
estado (CHASIN, 1999, pp. 571-2). Salienta, ainda, as patentes similaridades entre as  
determinações mais gerais da via prussiana e a situação brasileira: a permanência da  
questão agrária; a substituição de um processo revolucionário por um reformismo pelo  
alto excludente e exclusivista; o início tardio e o lento evolver das forças produtivas,  
que enfrentou oposição e resistência.  
Se, porém, Chasin acha plausível considerar “o caso brasileiro, sob certos  
aspectos importantes, conceitualmente determinável de forma próxima ou  
assemelhável àquela pela qual o fora o caso alemão” (1999, p. 572), pondera que  
nunca se poderia avançar ao ponto de declará-los idênticos. Mais adequado seria  
tomar “o caminho prussiano como fonte apropriada de sugestões, como referencial  
exemplar e, mais do que tudo, como um caminho histórico concreto que produziu  
certas especificidades que, em contraste, por exemplo, com os casos francês e norte-  
americano, muito se aproximam de algumas das que foram geradas no caso  
brasileiro10 (CHASIN, 1999, p. 572). De fato, salienta, a categoria via prussiana nos  
interessa de perto porque é uma via histórica concreta de objetivação do capitalismo  
diferente da clássica, um “particular contrastante aos casos clássicos, “do qual se  
avizinha o caso brasileiro, também diverso dos casos clássicos” (CHASIN, 1999, p.  
573; 2000, p. 15).  
De maneira que, ainda que constate a presença de inegáveis e expressivas  
9
Já aí percebem-se diferenças importantes com relação a Coutinho, cuja síntese do processo sublinha  
desde sempre os aspectos político-ideológicos.  
10 Chasin cita afirmativamente Coutinho, enfatizando que nele “o caminho prussiano não é tomado como  
modelo, como contorno formal aplicável a ocorrências empíricas” (1999, p. 573). Embora não volte a  
essa questão explicitamente, é bastante plausível que tenha havido uma mudança de posição, em face  
do desenvolvimento posterior do pensamento coutiniano.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 237  
nova fase  
   
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
similitudes entre as formações sócio-históricas que objetivaram o capitalismo pela via  
prussiana e a brasileira, Chasin busca entender as significativas diferenças específicas  
que as separam. De acordo com ele, os traços corretamente assinalados como  
equivalentes eram abstrações razoáveis11, de maneira que “estamos diante de  
singularidades distintas acolhíveis, do ponto de vista de certos aspectos abstratamente  
tomados, sob um mesmo particular, que antes os separa dos casos clássicos do que  
os identifica entre si” e, se tal proximidade não pode de forma alguma ser  
desconsiderada, enquanto abstrações razoáveis sua verdadeira importância “obriga a  
pensar no como se objetivam os predicados de e em cada uma das singularidades”  
(CHASIN, 1999, p. 574). Donde, para ele, não atentar com a devida ênfase para a  
especificidade histórica é promover uma equalização artificial, antiontológica,  
eventualmente positivista, que no máximo classifica os objetos por meio de vagas  
generalidades, mas não os apreende naquilo que efetivamente os peculiariza.  
No bojo do esforço de chamar a atenção para a importância de se entenderem  
as diferenças no interior do caminho universal não-clássico de objetivação do  
capitalismo, Chasin observa que, no lento, irregular e intermitente processo histórico  
que foi percorrido por Brasil e Alemanha, eles pagam um opressivo ônus ao passado,  
mas se trata de passados bem diferentes. A título de exemplo: a grande propriedade  
rural se manteve como força crucial naquele processo, mas, na Alemanha, era oriunda  
do feudo europeu característico, e no Brasil, um latifúndio procedente de outra  
gênese histórica, posto, desde suas formas originárias, no universo da economia  
mercantil pela empresa colonial” (1999, p. 574), com uso abrangente de trabalho  
escravo.  
Procedendo da mesma forma com relação ao desenvolvimento das forças  
produtivas, que em ambos os países foi lento e tardio comparativamente aos países  
clássicos, Chasin também pontua diferenças abissais:  
a industrialização alemã é das últimas décadas do século XIX, e atinge,  
no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e  
expressão, a ponto de a Alemanha alcançar a configuração  
imperialista, [enquanto] no Brasil a industrialização principia a se  
realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da  
época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua  
11 Estas, como se sabe, possibilitam uma primeira aproximação dos objetos, facultando-nos destacar e  
fixar elementos comuns e evitar repetições que tornam a exposição cansativa e que podem nos desviar  
dos pontos centrais. Trata-se de momento inescapável e rico da pesquisa, mas preliminar, tendo em  
vista que não esgota o entendimento dos objetos, que são “um conjunto complexo, um conjunto de  
determinações diferentes e divergentes”, “síntese de várias determinações” cuja apreensão mais  
profunda implica desvendar suas determinações singulares (MARX, 2011, pp. 23; 36).  
Verinotio  
238 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia  
internacional. De sorte que o "verdadeiro capitalismo" alemão é tardio,  
enquanto o brasileiro é híper-tardio (CHASIN, 1999, p. 574).  
Vemos que Alemanha e Brasil iniciaram seus respectivos processos de  
industrialização tardiamente em relação aos países clássicos, mas não no mesmo  
momento: no país europeu a industrialização ocorreu ainda no século XIX e, embora  
tardia, foi veloz e se concluiu por completo, possibilitando à nação germânica incluir-  
se como elo débil nos países imperialistas (condição que foi determinante para seu  
papel na deflagração das duas grandes guerras mundiais). Já no Brasil, a  
industrialização se deu a partir de 1930, sendo, portanto, tardia em relação à já  
atrasada da Alemanha, que neste período estava se batendo com outras nações em  
guerras imperialistas nas quais o Brasil, como outros países de origem colonial, era  
parte do butim. Assim, na particularidade do capitalismo não-clássico, o percurso  
singular trilhado pelo capitalismo brasileiro rumo ao predomínio da indústria é híper-  
tardio, além de incompleto e incompletável, pois nunca se integralizou nem se  
constituiu de forma orgânica e articulada aos demais setores da produção da vida  
(baste exemplificar com o peso e a atualidade, no final dos anos 1970, da questão da  
indústria de base).  
Frise-se que, segundo Chasin, a questão não resulta em mero atraso  
cronológico, passível de ser suplantado no decorrer do processo; inversamente, dizia  
respeito ao patamar histórico alcançado:  
A industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em que o  
proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e práticas, e a  
estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a industrialização  
híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação monopolista  
avançada, no tempo em que as guerras imperialistas já foram travadas,  
e numa configuração mundial em que a perspectiva do trabalho já se  
materializou na ocupação do poder de estado em parcela das  
unidades nacionais que compõem o conjunto internacional. Ainda  
mais, a industrialização tardia, apesar de retardatária, é autônoma,  
enquanto a híper-tardia, além de seu atraso no tempo, dando-se em  
países de extração colonial, é realizada sem que estes tenham deixado  
de ser subordinados das economias centrais. (CHASIN, 1977a, p. 176)  
Aqui Chasin toca em outro ponto central: a burguesia prussiana conciliou com  
os Jünker, repelindo ou excluindo as classes dominadas em sua revolução pelo alto,  
mas nunca se submeteu a uma burguesia estrangeira, ou seja, “é antidemocrática,  
porém autônoma”, “realiza um caminho econômico autônomo, centrado e dinamizado  
pelos seus próprios interesses” (2000, p. 104). Enquanto isso, no caso brasileiro, a  
burguesia industrial, mantendo também as classes dominadas reprimidas ou excluídas,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 239  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
“teve de se contentar com fatias no colegiado dos pactos e acumular sob a proteção  
do estado e o olho guloso do capital estrangeiro”, nunca rompendo sua subserviência  
às burguesias dos países do centro do capitalismo (CHASIN, 1977a, p. 177). Donde  
sua insistência na necessidade de se compreender a especificidade da objetivação do  
capitalismo nos países subordinados:  
Na medida em que um país de economia subordinada não é distinto  
dos países subordinantes simplesmente em grau; na medida em que  
sua estrutura e seu processo histórico são de natureza apropriada e  
decorrente à sua condição de subordinado, seus fenômenos  
particulares não podem ser simplesmente igualizados aos fenômenos  
de aspecto semelhante que se verificam nos países dominantes.  
Igualizá-los para efeito de análise é suprimir a distância ontológica  
que os deve separar na investigação para que se possa entendê-los  
efetivamente nos concretos que lhes correspondem. (CHASIN, 1977,  
p. 134)  
Avaliando ser ocioso ir além destes apontamentos, Chasin reitera  
conclusivamente ser injustificável equiparar, no mesmo momento histórico, a situação  
de países como Alemanha, Itália e Japão – “elos débeis da cadeia imperialista, portanto  
fenômenos do capitalismo altamente avançado, entidades da fase superior do  
capitalismo” – à do Brasil, ainda no início do seu processo de industrialização e objeto  
da disputa imperialista (2000, p. 58).  
Assim, sublinhando as notáveis discrepâncias entre os casos prussiano e  
brasileiro, abissais a ponto de mais os distanciarem dos casos clássicos do que os  
aproximarem entre si, Chasin conclui que há mais de um caminho não-clássico para o  
capitalismo; e, no caso em análise, dois casos específicos, sendo um deles o prussiano,  
e outro o brasileiro. “De maneira que ficam distinguidos, neste universal das formas  
não-clássicas, das formas que, no seu caminho lento e irregular para o progresso  
social, carregam o peso do atraso, dois particulares que, conciliando ambos com o  
historicamente velho, conciliam, no entanto, com um velho que não é nem se põe como  
o mesmo.” (1999, p. 575) Ele sublinha, ademais, as diferenças existentes no interior  
da própria via prussiana, argumentando que Itália e Alemanha, embora tenham  
seguido pelo mesmo percurso típico de objetivação do capitalismo, apresentavam  
singularidades que uma análise detida não poderia desprezar. Quanto ao caminho  
percorrido pelo Brasil, ele o denomina via colonial (cf. CHASIN, 2000).  
Observa-se que Chasin, embora se valha de referências bibliográficas  
semelhantes a Coutinho, as amplia, de uma parte, e maneja de forma diferente, de  
outra. Com base na análise imanente, a um tempo bibliográfica e histórica, Chasin  
Verinotio  
240 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
reproduz citações longas e esforça-se por respeitar a letra e a intenção do que é dito,  
e desta forma foge, segundo entendemos, das imputações e das interpretações “livres”  
ou mesmo viciosas. Como não parte de uma busca por uma identidade dada de  
antemão, mas quer estabelecer as particularidades, consegue perceber as abissais  
diferenças sob as parecenças abstratas e realiza o que chamou posteriormente de  
“intensificação ontológica”, saturando as abstrações razoáveis de determinações  
histórico-concretas, de forma a alcançar a especificação das vias prussiana e colonial  
de objetivação do capitalismo.  
Sem que possamos nos delongar na comparação, não podemos deixar de  
destacar dois pontos: Chasin, seguindo a trilha de Caio Prado Jr., partiu da certeza de  
que o modo de produção brasileiro anterior ao período industrial já era o capitalista.  
De outra parte, em sua perscrutação da formação sócio-histórica brasileira, parte do  
complexo de complexos de que se compõe essa realidade, tendo como momento  
preponderante o econômico, não a política. Não é este o caso de Coutinho, como  
veremos a seguir.  
3. Os reflexos do politicismo no entendimento coutiniano do caminho brasileiro  
Mencionamos, antes, que o pensamento de Carlos Nelson Coutinho sofreu  
injunções e apresentou contradições derivadas da visão política e da estratégia daí  
resultante. Referíamo-nos a uma visão ontopositiva da politicidade (cf. CHASIN, 2000b)  
aquela que não só identifica a política entre os atributos fundamentais dos seres  
sociais, como atribui a ela os caracteres humanos mais elevados , patente e, de resto,  
reconhecida pelo próprio Coutinho. Mais que isso: o politicismo12 é elemento  
estruturante do seu pensamento.  
Em parte, essa visão que analisa o real a partir do plano político, artificialmente  
inflado, decorre da influência de Gramsci ou, antes, pode ter sido determinante para  
a adesão de Coutinho às hostes dos seguidores do teórico sardo. Embora haja uma  
12 Politicizar é tomar e compreender a totalidade do real exclusivamente pela sua dimensão política e,  
ao limite mais pobre, apenas de seu lado político-institucional.” É um fenômeno simétrico ao  
economicismo. “O politicismo, entre outras coisas, fenômeno antípoda da politização, desmancha o  
complexo de especificidades, de que se faz e refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma  
das ‘partes’ (diversas do político) em pseudopolítica. Considera, teórica e praticamente, o conjunto do  
complexo social pela natureza própria e peculiar de uma única das especificidades (política) que o  
integram, descaracterizando com isto a própria dimensão do político, arbitrariamente privilegiada.”  
Trata-se de um procedimento tipicamente liberal, uma acentuação do princípio liberal segundo o qual  
a economia pertence à esfera do privado, enquanto a política, “formalmente estufada”, vai para o terreno  
da coisa pública. (CHASIN, 2000, p. 8)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 241  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
preocupação com a questão política (e em especial a democracia) desde os seus  
primeiros textos, como vimos, ela alcança um novo patamar a partir de meados dos  
anos 1970, quando, no exílio, ele tem contato mais direto com o eurocomunismo e  
sua leitura de Gramsci. O retorno de nosso autor ao país coincidiu com o processo de  
término da ditadura, quando houve uma grande mobilização de setores da sociedade  
civil, e com uma grande onda de difusão do pensamento gramsciano no país, o qual  
foi apropriado por algumas das forças em luta, especialmente com as da chamada  
“nova esquerda”, que disputava espaço com o PCB. Mas, em geral, afora nem sempre  
haver rigor teórico na apropriação de suas ideias, tratou-se, na verdade, de  
apropriações, de leituras díspares do teórico sardo.  
Gramsci escreveu seus textos mais célebres no cárcere fascista, sem acesso  
direto a muitos dos livros que pretendia estudar motivo pelo qual teve de apelar à  
memória ou a fontes indiretas/incompletas de trabalhos importantes e tendo de  
escrever de forma cifrada, para driblar a censura, o que torna sua linguagem por vezes  
imprecisa e sujeita a diversas interpretações. Como não pôde submeter seus textos a  
uma revisão para publicação, devido à morte precoce, os materiais elaborados por ele  
na prisão mantiveram, no geral, o caráter de anotações e planos de pesquisa. É preciso  
considerar tudo isso em relação ao pensamento gramsciano: "As tentativas de  
transformar Gramsci em um pensador 'sistemático', ao colocar lado a lado passagens  
redigidas em momentos diferentes acabam impondo uma ordem artificial e perdem de  
vista o caráter multifacetado dos conceitos que estão sendo construídos." (BIANCHI,  
2008, p. 271)  
Como ficou manifesto em várias de suas publicações, Gramsci ampliava  
excessivamente o campo da política13 nos processos sociais, chegando a identificá-la  
ao conjunto da história: “História e política estão estreitamente unidas são, aliás, a  
mesma coisa; entretanto, deve-se distinguir a avaliação dos fatos históricos e dos fatos  
e atos políticos.” (2000, p. 184) Afirmou mesmo que a política é a história em ato  
(GRAMSCI, 2000, p. 246). Estendendo-se o escopo da política, desdobra-se  
igualmente o seu campo de estudos:  
13  
Gramsci distingue entre dois níveis de atuação política: “Grande política (alta política) - pequena  
política (política do dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política  
compreende as questões ligadas à fundação de novos estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela  
conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende  
as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em  
decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política.(2000,  
pp. 21-2)  
Verinotio  
242 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
Se ciência política significa ciência do estado e estado é todo o  
complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe  
dirigente não só justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter  
o consenso ativo dos governados, é evidente que todas as questões  
essenciais da sociologia não passam de questões da ciência política.  
(GRAMSCI, 2000, p. 331)  
Evidentemente, o teórico sardo não desprezava, simplesmente, a questão  
econômica, mas ela aparece como uma plataforma, um momento dado, sobre o qual  
se desenrolam os fatos que são efetivamente importantes (ainda que ele chamasse a  
atenção para a ligação entre os dois aspectos14) e foco do seu. Mas ele acabava  
invertendo a determinação real, atribuindo ao político o protagonismo em processos  
de transformação (com um vocabulário conceitual pouco preciso):  
Protagonistas os “fatos”, por assim dizer, e não os “homens  
individuais”. Como, sob um determinado invólucro político,  
necessariamente se modificam as relações sociais fundamentais e  
novas forças políticas efetivas surgem e se desenvolvem, as quais  
influenciam indiretamente, com pressão lenta mas incoercível, as  
forças oficiais, que, elas próprias, se modificam sem se dar conta, ou  
quase. (GRAMSCI, 2023, p. 327)  
Bianchi afirma que “a formação do estado moderno era, para Gramsci, o ato de  
nascimento da própria modernidade” (2008, p. 257), ou seja, há uma enorme inversão  
entre a esfera mais ampla e a mais restrita, bem como entre a determinante e a  
determinada. Marx apontava, em primeiro lugar, a prioridade ontológica e a força  
determinante do modo de produção da vida material com relação às “formas jurídicas,  
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas” pelas quais os seres sociais se  
conscientizam acerca dos conflitos de sua época (1977, pp. 24-5). Ademais,  
sublinhava que todos os estados se assentam sobre a sociedade capitalista – “mais ou  
menos modificada pelas particularidades do desenvolvimento histórico de cada país,  
mais ou menos desenvolvida” (MARX, s/d, p. 221) – e são determinados pela  
sociedade civil. Os “diferentes estados, em que pese a confusa diversidade de suas  
formas, têm em comum o fato de que todos eles repousam sobre as bases da moderna  
sociedade burguesa, ainda que em alguns lugares esta se ache mais desenvolvida”  
(MARX, s/d, p. 221). A “anatomia da sociedade civil” é, portanto, válida universalmente,  
14  
“O fato da hegemonia pressupõe, indubitavelmente, que sejam levados em conta os interesses e as  
tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia é exercida, que se forme certo equilíbrio de  
compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas  
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que,  
se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu  
fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade  
econômica.” (GRAMSCI, 2002, p. 48)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 243  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
e o estado, uma expressão genérica daquela. Ademais, o conceito político de vontade,  
duramente criticado por Marx em suas Glosas críticas marginais, era a base do que o  
teórico sardo chamava de filosofia da práxis (ainda que visto como embasado nas  
condições objetivas, cf. GRAMSCI, 2000).  
Coutinho dizia com tranquilidade que Gramsci analisava o desenvolver da  
história italiana com “a subestimação da economia – ou sua ‘abstração’ – como  
condição para um exame agudo e detalhado das superestruturas políticas” (1984, p.  
86). Chamou, aliás, a subestimação da economia de “erro fecundo” (1984, p. 72) e a  
fez passar por idêntica ao antieconomicismo. Ainda, atribuiu à política caráter  
ontológico e localização primordial na ontologia do ser social: “a política é vista por  
ele [Gramsci] como momento privilegiado da interação intersubjetiva consensual entre  
os homens e, por conseguinte, como parte ineliminável da ontologia do ser social”  
(COUTINHO, 2011, p. 114). Assim, a política em Gramsci  
identifica-se praticamente com liberdade, com universalidade, com  
toda forma de práxis que supera a mera recepção passiva ou a  
manipulação de dados imediatos (passividade e manipulação que  
caracterizam boa parte da práxis técnico-econômica e da práxis  
cotidiana em geral) e se orienta conscientemente para a totalidade  
das relações subjetivas e objetivas (COUTINHO, 1999, p. 90).  
Coutinho afirmava que isto corresponde a um fato ontológico real”, que,  
efetivamente, “todas as esferas do ser social são atravessadas pela prática política,  
contêm a política como elemento real ou potencial ineliminável(1999, p. 91). Ele  
reiterava que, em seu sentido amplo, “a política é um elemento ineliminável de toda  
práxis humana” e que “ao afirmar que ‘tudo é política’, Gramsci não deforma o real,  
mas indica um aspecto essencial da ontologia marxista do ser social, o momento da  
articulação entre subjetividade e objetividade, entre liberdade e determinismo, entre  
particular e universal” (COUTINHO, 1999, p. 95). Concepção que se aproxima muito  
mais da filosofia hegeliana do que do pensamento de Marx (que a criticou ainda muito  
jovem), no qual a ligadura da sociedade é feita pela práxis, pela atividade sensível e a  
produção da vida tem prioridade ontológica (MARX, 2011; CHASIN, 1999).  
A ampliação da esfera de abrangência e a atribuição de ontopositividade à  
política é feita com a mediação do conceito de “catarse”, de que a política seria  
sinônimo, porque significaria a passagem do momento “meramente econômico”, visto  
como egoístico-passional, para o momento ético-político, do objetivo para o subjetivo,  
“a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência” (COUTINHO,  
1999, p. 91). Ora, a bibliografia já criticou adequadamente o salto mortal que é  
Verinotio  
244 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
contrabandear uma categoria atinente a uma esfera no caso da catarse, à arte para  
outra esfera, pirueta que possibilita as mais absurdas elucubrações (NAVES, 1981;  
MAGANE, 2007; MOARES, 1999; SARTORI, 2014; SILVA, 2012).  
O interessante é que Coutinho busca apoio em Marx cuja visão de política  
constantemente critica, por ser supostamente restrita, lacunar, focalizada e anacrônica,  
portanto, estar superada (COUTINHO, 2003, p. 140) para realizar essa translocação.  
O antigo crítico literário se baseia justamente em uma passagem de Marx sobre a  
questão da arte (MARX, 2011, pp. 62-3). Quando lido sem as deturpações da  
interpretação coutiniana, o texto deixa explícito exatamente o oposto do que ele diz:  
a relação intrínseca embora nunca determinista da obra de arte com a sociedade  
em que foi gestada, um liame estreito e inescapável, mas não mecânico e automático  
(MARX, 2011, pp. 63-4).  
A esfera da arte embora reproduzindo a mesma realidade que a ciência, a  
filosofia e a política, e de forma igualmente universal deve se caracterizar pelo  
tratamento específico daquela realidade. É que, “na arte, jamais se tem o direito de  
renunciar aos critérios propriamente artísticos”, devendo-se tratar os temas “no plano  
próprio da arte” e respeitando “a forma conveniente(LUKÁCS 1969, pp. 181-3). A  
forma deve estar adequada ao conteúdo, pois, afastada dos conflitos imediatos da  
sociedade muito diferentemente da política , a arte refere-se mais diretamente aos  
problemas humanos universais15. Donde, transferir reflexões de uma esfera do ser  
social para outra significar uma impropriedade.  
Ademais, Marx não afirmava aí (nem em outro lugar) que toda produção artística  
deve seguir uma mesma norma metodológica de validade geral, pelo contrário,  
enfatizava que, dado seu padrão altamente desenvolvido, essas obras de arte se  
mantêm como parâmetros que não podem ser repetidos, são inalcançáveis, dado que  
as sociedades em que foram gestadas não existem mais, ao tempo que nos  
proporcionam intenso desfrute estético este, sim, universal (MARX, 2011, pp. 63-4).  
Dessa forma, transferir uma reflexão do campo estético para o da política mostra-se  
completamente insustentável com base em Marx.  
15 Como demonstrou Lukács (2010), por situar-se para além da imediata unidade entre teoria e prática,  
da vida cotidiana, a grande arte expressa potências universais não efetivadas, remetendo-nos à dialética  
entre possibilidades objetivas e realidade efetiva. Por isso, no campo artístico, produções de elevado  
valor estético não estão automaticamente associadas e não correspondem mecanicamente ao nível de  
desenvolvimento socioeconômico; ao mesmo tempo, só poderiam ser produzidas naquele exato tempo  
e momento. A questão aqui é justamente especificar as contradições.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 245  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Voltando a Coutinho, ainda de Gramsci ele tomou emprestadas as noções de  
Ocidente e Oriente16, que dão ensejo a todo um debate acerca da contraposição entre  
países, com base na relação entre estado e sociedade civil (embora não só). Nesta  
compreensão, os dois hemisférios deixam de ser anotações meramente geográficas  
para se referir a construções histórico-sociais com características distintas e passíveis  
de transformações. Assim, grosso modo, o desenvolvimento das forças produtivas teria  
fortalecido a sociedade civil, ensejando uma ampliação (“socialização”) da participação  
política nas democracias modernas, o que os gramscianos chamam de ocidentalização.  
O Brasil, como causa e efeito das “revoluções passivas”, havia sido um país  
indiscutivelmente “oriental” durante boa parte da sua história, com uma sociedade civil  
frágil e um estado forte e autoritário; a partir dos anos 1930, teria se iniciado um  
processo, não linear e inconstante, de “ocidentalização”, de crescimento e  
complexificação da sociedade civil (COUTINHO, 2001, p. 110; 2020, p. 248; 2003,  
pp. 201-2). Os 20 anos que se seguiram à “revolução passiva” de 1964 haviam  
assistido à transformação completa do Brasil em uma sociedade “Ocidental”, porque  
a ditadura teve de suportar o crescimento da luta da sociedade civil pela autonomia  
em relação ao estado e, portanto, pela “pela reordenação democrática da vida  
brasileira”, estabelecendo-se entre eles uma relação equilibrada (COUTINHO, 1984, p.  
88).  
Assim, a modernização conservadora” da sociedade teria redundado no  
engendramento dos pressupostos de sua própria superação. Para efetivar tais  
possibilidades, entretanto, seria necessário ampliar o processo de “socialização da  
política”, conferindo à sociedade civil mais poder decisório sobre os rumos da  
nacionalidade. Otimista, Coutinho acreditava que o processo de “conquista da  
hegemonia das forças democráticas no âmbito da sociedade civil” estava em  
andamento no início dos anos 1980 e seria fundamental para a constituição de um  
regime político fundado no consenso, e não na coerção: uma “democracia de massas”  
que poderia ser “ponto de partida e condição para a conquista e realização progressiva  
do socialismo entre nós” (COUTINHO, 1984, p. 89). Diversos setores da sociedade  
estariam interessados nessa conquista e todos deveriam ser aliados da esquerda,  
16 “No Oriente, o estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre  
o estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o estado, podia-se imediatamente reconhecer  
uma robusta estrutura da sociedade civil. O estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da  
qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de estado para estado,  
é claro [...].” (GRAMSCI, 2000, p. 262)  
Verinotio  
246 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
independentemente de como se posicionassem sobre a conservação do CME no país.  
Toda essa análise tinha consequências significativas para a estratégia  
revolucionária proposta pelo teórico baiano. Para ele, se o Brasil era Ocidental”, seria  
inconcebível apelar a “formas de transição ao socialismo centradas na ‘guerra de  
movimento’, no choque frontal com os aparelhos coercitivos de estado, em rupturas  
revolucionárias entendidas como explosões violentas e concentradas num breve lapso  
de tempo”. A esquerda moderna emergente também no Brasil, e as forças populares  
como um todo, deveriam ter como fanal a conquista de hegemonia civil, que só se  
daria com “uma difícil e prolongada ‘guerra de posições’”, isto é, “a consolidação da  
democracia pluralista, bem como seu ulterior aprofundamento numa ‘democracia de  
massas’, devem ser considerados ponto de partida e, ao mesmo tempo, condição  
permanente de nosso caminho para um socialismo democrático” (COUTINHO, 2003, p.  
218). Ele frisava, desta forma, a necessidade de adoção de uma estratégia não  
golpista, democrática, de transição para o socialismo, baseada em reformas  
profundas, sem deixar de ter claro o objetivo final, o próprio socialismo, que entendia  
como a conquista do poder do estado pelas massas trabalhadoras.  
Há um simplismo na distinção entre ocidentalidade e orientalidade, que não dá  
conta da pletora de situações reais. Assim, o suposto processo de “ocidentalização”  
não ocorreu da mesma forma em todos os lugares do mundo de maneira que nos  
anos 2000 o Brasil continuava econômica e socialmente muito longe da Itália, da  
França ou da Alemanha, mesmo sendo todos esses países “ocidentais” segundo a  
categorização proposta. Perry Anderson (1986) criticou a homogeneização promovida  
pela contraposição Ocidente/Oriente, sob a qual aparentemente as formações sociais  
dos dois hemisférios existem na mesma temporalidade, desconsiderando sua enorme  
heterogeneidade. Entre os gramscianos há quem, como Bianchi, afirme que não havia  
positividade inerente à noção de Ocidente utilizada por Gramsci, que não a tinha como  
um programa ou um ideal, mas objetivava “expressar uma situação histórico-política:  
a existência de uma sociedade civil mais densa e, contraditoriamente, de maiores  
obstáculos à revolução socialista” (BIANCHI, 2008, p. 216). Ademais, completa:  
Conceber uma relação de identidade entre o adensamento da  
sociedade civil e o aumento da participação política só é possível  
quando se perde de vista o caráter conflitivo da própria sociedade  
civil. Uma [...] sociedade civil burguesa mais densa e complexa pode,  
também, significar (e frequentemente significa) uma expansão dos  
aparelhos privados de controle e pacificação das classes subalternas.  
(BIANCHI, 2008, p. 215)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 247  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Percebendo, porém, que “ocidentalidade” não abarcava as distinções que  
surgiram historicamente entre Brasil e outros países ditos “ocidentais” Coutinho lhes  
agregou o complemento “periférico”, tomado de empréstimo sociólogo argentino Juan  
Carlos Portantiero (1934-2007), ao qual atribuía diferentes acepções: “somos periferia  
do capitalismo e sempre estivemos envolvidos no movimento internacional do capital  
(agora talvez ainda mais) numa posição indiscutivelmente subalterna” (COUTINHO,  
2001, pp. 112-3) e porque há “a permanência entre nós de vastas zonas tipicamente  
orientais’” (COUTINHO, 2000). Tratava-se, pois, de um “Oriente” necessário para o  
funcionamento e reprodução do “Ocidente” brasileiro, de um atraso funcional ao  
progresso. “Ocidente periférico” e que carregava o peso das transformações pelo alto,  
antipopulares, mas mesmo assim “Ocidente”.  
É bastante significativo que, vendo-se diante das diferentes trajetórias entre o  
Brasil e os países tardios, de via prussiana, Coutinho não tenha se proposto a revisão  
do enquadramento do país no rol daqueles. Embora pareça que ele em alguns  
momentos percebeu as insuficiências de suas primeiras tematizações, em vez de revê-  
las a partir de um confronto com a realidade brasileira, acabou lhes aplicando  
remendos que as transformaram quase numa colcha de retalhos teórica pois, para  
além dos três conceitos citados, ele também se apropriou de noções do weberianismo  
(como patrimonialismo), e particularmente da analítica paulista, da qual tomou  
populismo, autoritarismo, dependência e outros termos.  
Por outro lado, as consequências tiradas da leitura de Coutinho a afirmação  
da guerra de posição como estratégia exclusiva no Ocidente não parecem ser  
apoiadas na visão do próprio Gramsci, para quem:  
A verdade é que não se pode escolher a forma de guerra que se quer,  
a menos que se tenha imediatamente uma superioridade esmagadora  
sobre o inimigo [...]. A guerra de posição não é de fato constituída  
apenas pelas trincheiras propriamente ditas, mas todo o sistema  
organizativo e industrial do território que está detrás do exército  
alinhado, e é imposta pelo tiro rápido dos canhões, das  
metralhadoras, dos mosquetões e pela própria concentração de armas  
em um determinado ponto, bem como pela própria abundância do  
fornecimento que permite substituir rapidamente o material perdido  
depois de uma penetração e de um recuo. (GRAMSCI, 2000, p. 72)  
Vemos, pois, que, para Gramsci, as formas de guerra não são opções, são dados  
da realidade que caberia considerar. A guerra de posição não era um programa  
positivo, mas uma exigência da realidade objetiva, imposta pela correlação de forças,  
por isso, nem sempre mais favorável às classes subalternas. Como lembrou Bianchi,  
Verinotio  
248 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
“como o nome já diz, a guerra de posição é uma forma de guerra e, portanto, está  
marcada pelo conflito, e não pela tranquila interação comunicativa dos agentes”,  
“forma de conflito imposta pelas classes dominantes, bloqueando às classes  
subalternas a intervenção ‘concentrada e simultânea da insurreição’” (BIANCHI, 2008,  
p. 295). E, de fato, para Gramsci:  
A guerra de posição exige enormes sacrifícios de massas imensas de  
população; por isto, é necessária uma concentração inaudita da  
hegemonia e, portanto, uma forma de governo mais "intervencionista",  
que mais abertamente tome a ofensiva contra os opositores e  
organize permanentemente a "impossibilidade" de desagregação  
interna [...]. Ou seja, na política subsiste a guerra de movimento  
enquanto se trata de conquistar posições não decisivas e, portanto,  
não se podem mobilizar todos os recursos de hegemonia e do estado;  
mas quando, por uma razão ou por outra, estas posições perderam  
seu valor e só aquelas decisivas têm importância, então se passa à  
guerra de assédio, tensa, difícil, em que se exigem qualidades  
excepcionais de paciência e espírito inventivo. Na política o assédio é  
recíproco, apesar de todas as aparências, e o simples fato de que o  
dominante deva ostentar todos os seus recursos demonstra o cálculo  
que ele faz do adversário. (GRAMSCI, 2000, p. 255)  
Assim, embora haja momentos no pensamento deste autor em que a questão  
foi posta em termos de cancelamento da primeira pela segunda, em muitos outros o  
sardo observava que “a luta política é mais complexa que a guerra”, diferentes formas  
de combate e táticas se sucederiam ou coexistiriam (tanto no campo militar quanto no  
político) de acordo com o momento da luta política incluindo guerra de posições e  
guerra de movimento (BIANCHI, 2008, p. 209). Evidencia-se o reducionismo a  
classificação dual comporta soluções do mesmo caráter. Oblitera-se assim a riqueza  
de determinações que o real apresenta em ambos os momentos” (SILVA, 2012, pp.  
139-40).  
Tal estratégia era aquela apontada pela corrente teórica a que Coutinho havia  
aderido em seu exílio dos anos 1970, o eurocomunismo, vertente ideológica que teve  
grande penetração nos partidos comunistas europeus nos anos 1970, em especial na  
Itália, na França e na Espanha. Pretendia-se uma terceira via entre a social-democracia  
e o que alcunhava de comunismo do Leste europeu, subjugado pelo stalinismo, mas  
foi criticado por seu viés fortemente revisionista. O ponto central para tal tendência  
político-ideológica era a conjugação de socialismo e democracia, esta vista como  
manifestado em 1977 na célebre frase do secretário-geral do PCI Enrico Berlinguer:  
“A democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado  
a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 249  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
original sociedade socialista.” Os eurocomunistas ainda tomaram posição sobre temas  
gramscianos como hegemonia e pluralismo político, advogando uma transição não  
explosiva ao capitalismo nas sociedades ocidentais(avançadas). Tratava-se, então,  
de rediscutir a relação entre o projeto socialista de transformação e a democracia, vista  
agora por parte da esquerda identificada com o eurocomunismo como valor  
universal e, portanto, defendida não apenas enquanto tática provisória, mas enquanto  
estratégia consistente. O momento mais significativo da introdução e difusão das  
ideias gramscianas no Brasil (o final da ditadura militar) coincidiu, ou antes foi  
proporcionado, pela interpretação eurocomunista do pensador sardo.  
Profundamente influenciado por essa visão, Coutinho (1984) defendeu o  
princípio da democracia como valor universal ou seja, a ser mantida e aprofundada  
(organizada, articulando pluralismo e hegemonia) no socialismo17. Ele asseverava que  
o “vínculo entre socialismo e democracia [...] é parte integrante do patrimônio  
categorial do marxismo”, não sendo “um objetivo tático imediato”, mas “o conteúdo  
estratégico da etapa atual da revolução brasileira” (1984, p. 20). De acordo com seu  
entendimento,  
democracia é sinônimo de soberania popular. Ou seja: podemos  
defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais  
que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na  
formação do governo e, em consequência, no controle da vida social  
(COUTINHO, 2020a, p. 186).  
O argumento central era o de que a dialética política levaria adiante aspectos  
decisivos da democracia, os quais seriam incompatíveis com o capitalismo e poderiam,  
num processo de longo prazo, resultar no socialismo, no qual se concretizariam  
efetivamente. A universalização da cidadania seria contraditória com a existência de  
uma sociedade de classes e por isso “não hesitaria em dizer que a ampliação da  
cidadania esse processo progressivo e permanente de construção dos direitos  
democráticos que atravessa a modernidade termina por se chocar com a lógica do  
capital” (COUTINHO, 2020a, pp. 202-3). Por isso, criticava a concepção de democracia  
como forma de dominação burguesa, taxava de “grosseiro equívoco”, nos planos  
teórico e histórico, a utilização dos termos "democracia burguesa" e pontuava que as  
17 Felipe Magane, recompondo em grandes traços o debate sobre o revisionismo no interior da social-  
democracia alemã no final do século XIX e início do século XX, demonstra como muitas das ideias  
defendidas por Coutinho já haviam sido manifestadas naquele momento; por exemplo, Kautsky propõe  
dar centralidade à luta pela democracia, bem como acredita que a revolução proletária possa ser  
realizada por “via pacífica, legislativa e moral”, sem recorrer aos “meios de força física”, em países onde  
a democracia esteja enraizada (MAGANE, 2007, p. 109 e passim).  
Verinotio  
250 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
conquistas democráticas resultaram das sociais (COUTINHO, 2020a, pp. 197-8).  
Pleiteando a diferenciação e dissociação entre liberalismo (este, sim, burguês) e  
democracia, o autor ponderava a oposição de correntes liberais à democracia, mas  
também afirmava que em relação ao liberalismo há “muitos elementos que  
transcendem esse vínculo genético com a burguesia e adquirem valor universal”  
(COUTINHO, 2020a, pp. 197-8)18.  
Ao propor uma espécie de “frente popular” no processo de encerramento da  
ditadura militar, num momento em que greves operárias no ABC Paulista punham em  
xeque a coluna vertebral do regime, Coutinho mostrava sua adesão “ao  
eurocomunismoda direção partidária do PCB, recusava a centralidade operária na  
própria conquista da democracia e num projeto alternativo da perspectiva do trabalho”  
(MAGANE, 2007, p. 16). A ideia era a de que se evitasse a agudização das  
contradições, evitando uma possível recidiva ditatorial (MAGANE, 2007, p. 24).  
O que fica evidente nesse raciocínio é que a conquista ou estabilização de um  
regime de democracia liberal era o grande objetivo político que o teórico punha para  
o país, o regime desejado e que independentemente de outros fatores (ou quase),  
incluindo a economia orientava toda a pesquisa e toda a argumentação, além da  
militância do autor (cf. SILVA, 2012, p. 141). Trata-se de um procedimento tipicamente  
politicista, o de recortar, autonomizar e inflar o campo específico do político, rompendo  
seus laços com outras áreas da vida social (mantidos, no máximo, como referências  
formais), com isso desentendendo não só a sociedade como um todo, mas o próprio  
político, que resta incompreendido na real envergadura que tem na efetividade.  
A história parece ter desmentido cabalmente o otimismo coutiniano. Enquanto  
ele argumentava acerca do poder da socialização da política e do avanço da  
democracia, o mundo enveredava pela via da reiteração das desigualdades econômico-  
sociais em níveis abissais, antepondo significativos empecilhos a uma democracia  
substantiva. As crises econômicas, a permanência do racismo e da misoginia, as  
consequências do colonialismo, a privatização de setores estatais estratégicos, a  
ascensão eleitoral da extrema-direita autocrática são algumas entre tantas outras  
evidências de que o fortalecimento da sociedade civil não necessariamente implica  
avanços em direção ao socialismo, porque a sociedade civil está impregnada de  
18  
Era o caso do mercado e da propriedade: “Estou convencido hoje de que algo de mercado poderá  
existir depois do desaparecimento do capitalismo afinal, o mercado é uma forma de interação que  
antecedeu o capitalismo. [...] Penso um socialismo em que há mercado, e em que pode haver um  
pluralismo de formas de propriedade.” (COUTINHO apud MAGANE, 2007, p. 31)  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 251  
nova fase  
 
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
conflitos que opõem os agentes entre si e ao todo. Só a renitente desconsideração  
dos vínculos entre a democracia e a reprodução das condições socioeconômicas e  
político-ideológicas para a acumulação do capital pode levar à sua afirmação enquanto  
valor universal a ser preservado no socialismo, ou seja, a desvinculação da democracia  
de sua gênese (o capitalismo) e fundamentos implica tomar os regimes e formas de  
estado como exteriores ou independentes das lutas de classes.  
Coutinho recusava a intrínseca relação entre capitalismo e democracia (e  
sociedade de classes e política), e por isso podia propor a eliminação de aspectos do  
primeiro e a manutenção da segunda, num surto proudhoniano, sem perceber que  
supressão do estado é supressão da democracia. Ademais, via a relação entre  
democracia e socialismo como de ampliação, não de ruptura. O ponto de partida é a  
ontopositividade da política, a que o autor atribui um lugar central da vida social; não  
apenas central, mas mais elevado que outros e perpétuo. Por isso, podemos dizer que  
ele considerava o complexo político desconectado da dimensão econômica, como se  
portasse uma dialética própria. Como não percebia que a política tem sua origem e  
existência assinaladas pela divisão do trabalho, a contradição entre a vida  
pública/interesses gerais e a vida privada/interesses particulares no âmbito da  
sociedade civil (cf. CHASIN, 1999b), podia lhe conferir universalidade mesmo nos  
marcos do socialismo.  
Entendemos que há uma articulação entre a crítica a insuficiência economicista  
adjudicada à categoria de via prussiana (e não a autocrítica pela sua utilização para o  
Brasil) e a posição política do autor. Para defender a democracia como valor universal,  
era necessário renunciar totalmente a Lênin e ao suposto golpismo da esquerda,  
criticar duramente a ideia de ditadura do proletariado e defender reformas estruturais  
no interior do capitalismo. Para tanto, a apropriação e releitura das ideias de Gramsci  
pelos eurocomunistas era imprescindível.  
Considerações finais  
Esperamos ter demonstrado os principais elementos teóricos que arrimam a  
noção de via prussiana estendida ao Brasil no pensamento de Carlos Nelson Coutinho.  
Vamos tocar aqui, rapidamente, apenas em pontos mais decisivos.  
Apesar de bastante inteligente no trato com a realidade e com as diversas  
teorias com as quais trabalhou, legando inúmeras elaborações que são não só  
instigantes e sugestivas como até mesmo bastante pertinentes em vários casos, nem  
Verinotio  
252 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
sempre o rigor teórico esteve presente nas elaborações coutinianas. A forma como  
escreveu boa parte de seus textos, o ensaio, está em consonância com o manejo  
bastante livre de ideias de outros autores.  
Vimos que, nas suas primeiras elaborações teóricas, embora frisasse a  
importância de se compreender global e particularizadamente a formação social  
brasileira para que fosse possível analisar a contribuição efetiva da literatura nacional,  
ele próprio não empreendeu tal tarefa, não desceu do céu das abstrações. Também  
relegou a segundo plano a discussão sobre a natureza do “velho” que a fase industrial  
do capitalismo veio substituir, bem como não assinalou as especificidades do atraso e  
da estagnação internas, questão que é central, segundo compreendemos, para a  
devida apropriação da forma específica de objetivação do capitalismo no Brasil.  
Possivelmente, uma das chaves para entender a utilização da noção de “via prussiana”  
para o país está justamente no trato descuidado com o modo de produção aqui  
existente até o início do século XX. Há nesse sentido forte assimilação com as teses  
predominantes no PCB, que qualificavam nosso modo de produção como feudal ou  
semifeudal.  
A partir de 1979, os interesses de Coutinho se desviaram do campo estético  
para estudos mais diretamente políticos; e Gramsci e os eurocomunistas italianos  
deslocaram a influência filosófica de Lukács. Nesse momento, o autor declarou o  
caráter anacrônico das tematizações de Marx e Engels acerca do estado e do processo  
de transição para o socialismo, criticou o “modelo soviético” e proclamou o valor  
universal da democracia. Também se imprimiu em seu pensamento a compreensão da  
política como esfera primordial da interação humana, ao tempo que buscou solução  
política para os impasses do “prussianismo” brasileiro. Nessa etapa, houve um esforço  
ao menos aparente de superar a abstratividade de suas primeiras elaborações  
intelectuais e trazer à tona alguns caracteres da nossa modalidade específica de  
desenvolvimento.  
Esta tentativa de particularização não ocorreu, porém, sem percalços.  
Exemplifique-se com o peso da subordinação do Brasil ao capital estrangeiro, questão  
ainda pouco enfatizada em suas reflexões. Muito embora o teórico baiano tenha  
também mencionado o caráter híper-tardio do capitalismo industrial brasileiro, acabou  
não tirando todas as devidas conclusões. Ele observou que um processo de  
desenvolvimento ocorrido no bojo desse atraso implicaria uma industrialização  
necessariamente dependente ou dependente-associada, em que as burguesias  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 253  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
nacional e estrangeira compartilhariam interesses e o estado patrocinaria (inclusive  
ditatorialmente) a realização dos capitais, mas atribuiu pouco peso analítico a esta  
questão. Pior ainda, acabou elaborando propostas políticas que incluíam frações  
burguesas como aliadas na luta pela democracia, supondo a colaboração ou ao menos  
passividade das burguesias interna e externa para serem levadas a cabo. Ele não se  
deu conta de que a subsunção ao capital internacional estreitava as perspectivas de  
atuação da burguesia interna, tolhendo as possibilidades históricas de realização de  
reformas econômicas e de inclusão no campo político.  
Coutinho também rejeitou, por impertinente, a autocracia enquanto forma de  
dominação mais conforme ao tipo de capitalismo existente na formação social  
brasileira. Para ele, o patamar de industrialização já atingido no país e uma suposta  
socialização da política constituiriam base suficiente à luta por um ordenamento  
político mais democrático. Assim, a burguesia brasileira também labutaria por  
hegemonia, não apenas por dominação, o que tornaria possível sair de uma ditadura  
para a democracia sem a exigência imediata de uma revolução socialista. A partir dessa  
visão politicista é que ele abordou as possíveis opções estratégicas, acabando por  
resumi-las ao arsenal mínimo da “guerra de posições. Contudo, o caráter caudatário  
da burguesia brasileira tem até aqui impossibilitado um capitalismo mais inclusivo e,  
portanto, uma democracia liberal substantiva. Assim, a aposta na democratização da  
sociedade brasileira se mostrou irreal, como a crença numa burguesia pluralista.  
Na sua maturidade, Coutinho asseverava ser necessária a conjunção de três  
conceitos de forma intercambiada, como sinônimos, ou complementares para falar  
do Brasil: “via prussiana”, “revolução passiva” e, em menor medida, “modernização  
conservadora”. Tal conjunção seria necessária devido a uma suposta insuficiência do  
conceito de via prussiana, que se ateria mais ao campo econômico, enquanto  
“revolução passiva” captaria melhor as transformações ocorridas no campo político em  
decorrência das mudanças econômicas. Já a noção de revolução passiva ressaltava um  
dos aspectos da objetivação do capitalismo no Brasil que Coutinho passou a valorizar  
mais em relação aos outros, qual seja, a efetivação de “transformações pelo alto”, por  
meio de uma conciliação das elites e, por conseguinte, da exclusão das massas dos  
processos políticos e o fortalecimento do estado, sua contraface. O uso de tais  
conceitos foi se ampliando paulatinamente conforme se alargavam as influências  
sofridas pelo teórico, as injunções políticas conjunturais e as evidências de equívocos  
e/ou insuficiências nas reflexões anteriores.  
Verinotio  
254 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
Parece-nos que a inexistência de determinações histórico-concretas, que  
apontamos em relação às primeiras produções teóricas, é que acabou tornando  
possível, epistemologicamente, o uso dos três conceitos mencionados. Mais: essa  
correspondência, quando ocorre, exige tais extensão e esvaziamento sob pena de que  
as especificidades que cada uma das categorias tem em sua formulação original  
obstruam a possibilidade do intercâmbio praticado por nosso autor.(NEVES, 2019,  
p. 260) Avaliamos que, longe de ser uma atualização do referencial categorial em face  
de mudanças no cenário mundial e/ou local, estamos diante de tentativas de remendar  
uma visão já viciada em suas origens a identificação do Brasil como um país de via  
prussiana , a qual já no primeiro momento não dava conta da realidade brasileira,  
obrigando à agregação de instrumentos heurísticos complementares. Assim, de um  
lado, o autor se viu diante de uma realidade que teimava em desmentir a identificação  
com vias de objetivação com as quais tem semelhanças aparentes e/ou abstratas. De  
outro, suas próprias convicções foram se modificando, inclinando-se para uma leitura  
ainda mais politicista, que levava necessariamente a estratégias políticas reformistas,  
que finalmente se impuseram ou fundiram com sua análise. Ainda assim, a realidade  
dos países que objetivaram o capitalismo pela via prussiana continuou testemunhando  
as largas diferenças entre eles e o Brasil, levando o autor a apelar ao conceito de  
ocidentalidade periférica.  
Segundo nossa avaliação, portanto, no tocante ao tema em análise neste artigo,  
Coutinho torceu a realidade para se enquadrar em suas proposições políticas. Assim,  
num plano estrito, suas análises políticas foram direcionadas pela importância que deu  
à conquista de um regime de democracia liberal, levando-o a priorizar a esfera política  
e perder o momento preponderante, desentendendo a própria realidade. Num plano  
mais amplo, pode-se mesmo dizer, como já apontou um comentador, que  
Carlos Nelson não foi um cientista social que buscou abordar o  
processo histórico da Formação Social Brasileira; foi, isto sim, um  
militante político que, ao buscar os fundamentos de análise para a  
construção de uma proposta política, viu-se obrigado a construir uma  
interpretação teórica que amparasse esta intervenção (FRANCO,  
2018, p. 54).  
Bibliografia  
ANDERSON, Perry. As antinomias de Gramsci. Crítica Marxista, n. 1, São Paulo, Ed.  
Joruês, pp. 7-74, 1986.  
BIANCHI, A. Revolução passiva: o pretérito do futuro. Crítica Marxista, n. 1, v. 23, pp.  
34-57, 2006.  
BIANCHI, A. O laboratório de Gramsci. Filosofia, história e política. São Paulo: Alameda,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 255  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
2008.  
CHAGAS, Krishna Edmur de Souza. Integralismo: fascismo ou forma de regressividade  
própria ao capitalismo brasileiro? Uma análise das teses de José Chasin e Hélgio  
Trindade. Monografia (Graduação) Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz  
de Fora, 2019.  
CHASIN, J. A “politicização” da totalidade: oposição e discurso econômico. Temas de  
Ciências Humanas, SP, Grijalbo, n. 2, pp. 145-78, 1977a.  
CHASIN, J. Sobre o conceito de totalitarismo. Temas de Ciências Humanas, São Paulo,  
Grijalbo, n. 1, p. 121-34, 1977b.  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo  
híper-tardio. Santo André/Belo Horizonte: Ed. Ensaio/Una Editoria, 1999, pp. 565-  
96.  
CHASIN, J. A miséria brasileira (1964-1994): do golpe militar à crise social. Santo  
André: Ad Hominem, 2000.  
CHASIN, J. J. Chasin: a determinação negativa da ontonegatividade. Revista Ensaios Ad  
Hominem n. 1 t. III Política. Número Especial. Santo André, Estudos e Edições Ad  
Hominem, 2000b.  
CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
CHASIN, J. O futuro ausente: para a crítica da política e o resgate da emancipação  
humana.  
Verinotio,  
Belo  
Horizonte,  
2023.  
Disponível  
em:  
<https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/VERINOTIOLIVROS>,  
acesso em 7 fev. 2023.  
COUTINHO, Carlos N. “Graciliano Ramos”. In: Literatura e humanismo. Rio de Janeiro:  
Paz e Terra, 1967, pp. 139-190.  
COUTINHO, C. N. “O significado de Lima Barreto na literatura brasileira”. In: COUTINHO,  
C. N. et al. Realismo & anti-realismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e  
Terra, 1974, pp. 1-56.  
COUTINHO, C. N. Os intelectuais e a organização da cultura no Brasil. Temas de  
Ciências Humanas, SP, Ciências Humanas, n. 10, pp. 93-110, 1981.  
COUTINHO, C. N. A democracia como valor universal e outros escritos. 2. ed. Rio de  
Janeiro: Salamandra, 1984.  
COUTINHO, C. N. “Lukács, a ontologia e a política”. In: ANTUNES, Ricardo; REGO,  
Walquíria L. (Org.) Lukács: um Galileu no século XX. São Paulo: Boitempo, 1996, pp.  
16-26.  
COUTINHO, C. N. Por que Gramsci? Teoria e Debate, n. 43, jan. /fev./mar. 2000.  
Disponível em: <https://teoriaedebate.org.br/2000/03/01/por-que-gramsci/>,  
acesso em 10 fev. 2024.  
COUTINHO, C. N. O desafio dos que pensaram bem o Brasil. Lua Nova: Revista de  
Cultura  
e
Política, n. 54, pp. 103-14, 2001. Disponível em:  
<https://www.scielo.br/j/ln/a/tWRDxghtCHdRddwpYSc5jtt/>, acesso 12 jun. 2023.  
COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre o seu pensamento político. 2. ed. rev.  
ampl. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.  
COUTINHO, C. N. Sociedade civil e democracia no pensamento liberal e marxista.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 8, n. 2, pp. 70-82, jul.-dez 2008.  
COUTINHO, C. N. “Estado brasileiro: gênese, crise, alternativas”. In: TEIXEIRA, Andréa  
M. de P.; ALVES, Gláucia L. (Org.). Carlos Nelson Coutinho: ensaios de crítica literária,  
filosofia e política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/PPG em Serviço Social, 2020, pp.  
229-59.  
COUTINHO, C. N. “Notas sobre cidadania e modernidade”. In: TEIXEIRA, Andréa Maria  
de Paula; ALVES, Gláucia Lelis (Org.). Carlos Nelson Coutinho: ensaios de crítica  
Verinotio  
256 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
literária, filosofia e política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/PPG em Serviço Social,  
2020a, pp. 187-204.  
ENGELS, Friedrich. Revolução e contrarrevolução na Alemanha. Lisboa: Nova Amadora,  
1971. (A edição atribui erroneamente a autoria a Marx.)  
ENGELS, Friedrich. As guerras camponesas na Alemanha. São Paulo: Editorial Grijalbo,  
1977.  
FRANCO, Aiman Jorge Henrique. A noção de via prussiana e de via colonial e seu  
impacto na compreensão histórica de Carlos Nelson Coutinho e José Chasin sobre  
a formação social brasileira. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Santa  
Maria (UFSM), Santa Maria, 2018.  
GIANNOTTI, José Arthur. Notas sobre a categoria “modo-de-produção” para uso e  
abuso dos sociólogos. São Paulo, Ed. Brasileira de Ciências, Novos Estudos Cebrap,  
n. 17, pp. 162-69, 1976.  
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere v. III: comentários sobre Maquiavel, a política e o  
estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.  
HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário. São Paulo/Campinas: Ensaio/Ed. Unicamp,  
1993.  
LÊNIN, Vladimir Ilitch. “El programa agrario de la socialdemocracia en la revolución  
rusa de 1905-1907”. In: ______. Obras escogidas t. II. 2. ed. rev. ampl. Buenos  
Aires: Editorial Cartago, 1973, pp. 258-481.  
LUKÁCS, G. “Literatura e vida”. In: HOLZ, Hans H.; KOFLER, Leo; ADENDROTH,  
Wolfgang. Conversando com Lukács. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.  
LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura. São Paulo: Expressão Popular, 2010.  
LUKÁCS, G. A destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
MAGANE, Felipe Toledo. Crítica ontológica à teoria da democracia como valor universal  
de Carlos Nelson Coutinho. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade  
Católica de São Paulo (PUC), São Paulo, 2007.  
MATIAS, Leandro A. Z. A particularidade histórica da “miséria brasileira”: José Chasin,  
o Movimento Ensaio e o problema nacional. Monografia (Graduação) Universidade  
Federal do Paraná, Curitiba, 2021.  
MARX, Karl. “Introdução”. In: ______. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-  
1858. São Paulo Boitempo, 2011.  
MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras escolhidas  
v. 2. São Paulo: Alfa-Ômega, s/d.  
MAZZEO, Antonio Carlos. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia  
burguesa. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez, 1997.  
MOORE JR., Barrington. “Implicações teóricas e projeções”. In: As origens sociais da  
ditadura e da democracia. Lisboa: Edições Cosmos, s/d.  
MORAES, J. Quartim de. A universalidade da democracia: esperanças e ilusões. Ensaios  
Ad Hominem, SP, Ad Hominem, n. 1, t. 1, pp. 159-174, 1999.  
NAVES, Márcio. Contribuição ao debate sobre a democracia. Temas de Ciências  
Humanas, SP Ciências Humanas, n. 10, pp. 129-146, 1981.  
NEVES, Victor. “Imagem do Brasil em Carlos Nelson Coutinho: a estratégia democrática  
da revolução brasileira”;“Nacionalismo, desenvolvimentismo e socialismo na  
revolução brasileira”. In: Democracia e socialismo: Carlos Nelson Coutinho em seu  
tempo. Marília: Lutas Anticapital, 2019.  
NETTO, José Paulo. “Introdução: sobre Lukács e a política”. In: LUKÁCS, G. Socialismo  
e democratização: escritos políticos 1956-1971. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2008.  
NETTO, José Paulo. “Posfácio”. In: COUTINHO, C. N. O estruturalismo e a miséria da  
razão. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.  
PRAIA VERMELHA v. 22, n. 2 (2012). Especial Carlos Nelson Coutinho. Disponível em:  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025 | 257  
nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
<https://revistas.ufrj.br/index.php/praiavermelha/issue/view/744>, acesso em: 6  
set. 2023.  
REGO, Walquíria L. “Questões sobre a noção de via prussiana”. In: ANTUNES, Ricardo;  
REGO, Walquíria L. (Org.) Lukács: um Galileu no século XX. São Paulo: Boitempo,  
1996, pp. 104-124.  
RIBEIRO, Ivan de Otero. A importância da exploração familiar camponesa na América  
Latina. Temas de Ciências Humanas, n. 4, São Paulo, Livraria Editora Ciências  
Humanas, pp. 143-59, 1978.  
SARTORI, Vitor B. “Estética e política: equívocos e aproximações sobre a especificidade  
de cada esfera em Marx e Lukács”. In: VAISMAN, Ester; VEDDA, Miguel (Org.) Arte,  
filosofia, sociedade. São Paulo/Brasília: Intermeios/Capes, 2014, pp. 301-336.  
SILVA, Jones Manoel da. “Introdução”; “Cap. I”; “Considerações finais”. In: Em busca da  
revolução brasileira: um estudo crítico sobre a estratégia socialista na obra de Carlos  
Nelson Coutinho. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco  
(UFPE), Recife, 2018.  
SILVA, Vladmir Luís da. “Via prussiana” e “revolução passiva” no pensamento de Carlos  
Nelson Coutinho: transposição ajustada ou decalque? Dissertação (Mestrado) –  
PUC-SP, São Paulo, 2012.  
VAISMAN, Ester; FORTES, Ronaldo Vielmi. A politicidade no pensamento tardio de  
György Lukács. Revista Estudos Políticos v. 5, n. 1, Rio de Janeiro, pp. 118 132,  
dez. 2014. Disponível em: <http://revistaestudospoliticos.com/>.  
Como Citar:  
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. Antinomias da "via prussiana" à brasileira de  
Carlos Nelson Coutinho. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 216-258, Edição  
Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
258 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 216-258 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.754  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto  
expressão da miséria brasileira: o rebaixamento  
salarial como objetivo da lei  
The 2017 labour reform as an expression of Brazilian  
misery: wage reduction as the law’s objective  
Pedro Rocha Bado*  
Resumo: A partir de uma breve avaliação do  
papel da legislação trabalhista no período  
industrializante do capitalismo brasileiro de via  
colonial, o presente artigo, em primeiro lugar,  
expõe como o direito do trabalho consolidou-se  
como instrumento de cooptação das lutas  
proletárias, conduzindo os conflitos de classe  
para dentro dos limites impostos pelo estado, o  
qual buscava garantir as condições gerais de  
acumulação capitalista. Em segundo lugar,  
partindo-se do comprovado crescimento dos  
salários nas décadas de 2000 e 2010, buscou-  
se demonstrar como o impacto negativo da  
massa salarial na parcela de mais-valor  
apropriada pelo capital parece ter sido o gatilho  
para a edição da reforma trabalhista de 2017. A  
esse respeito, são muito evidentes os  
mecanismos legais que tendem a rebaixar os  
salários e a fragilizar a estrutura sindical e o ramo  
trabalhista do judiciário. Por fim, o contraste  
entre os significados históricos da CLT varguista  
e da reforma de 2017 pôde revelar duas  
manifestações históricas distintas do mesmo  
capital atrófico, de modo que, no caso da  
reforma, tratou-se de uma tentativa de remediar  
os problemas criados pela própria natureza  
historicamente incompleta e incompletável deste  
capital, evidenciando a reprodução da miséria  
brasileira em sentido exponencial.  
Abstract: Based on a brief assessment of the  
role of labour legislation in the industrialisation  
phase of Brazilian hyper-late capitalism of  
colonial way, this article shows, firstly, how  
labour law consolidated itself as an instrument  
for co-opting proletarian struggles, leading  
class conflicts within the limits imposed by the  
state, which sought to guarantee the general  
conditions of capitalist accumulation. Secondly,  
based on the evidence of growth in wages in  
the 2000s and 2010s, it sought to demonstrate  
how the negative impact of the wage bill on the  
share of surplus value appropriated by capital  
seems to have been the trigger for the 2017  
labour reform. In this respect, the legal  
mechanisms that tend to lower wages and  
weaken the trade union structure and the labour  
branch of the judiciary are very evident. Finally,  
the contrast between the historical meanings of  
the Vargas CLT and the 2017 reform revealed  
two different historical manifestations of the  
same atrophic capital, so that, in the case of the  
reform, it was an attempt to remedy the  
problems created by the historically incomplete  
and uncompletable nature of this capital,  
highlighting the reproduction of Brazilian  
misery in an exponential sense.  
Keywords: Labor reform; wage reduction;  
colonial way of capitalist objectifying.  
Palavras-chave:  
Reforma  
trabalhista;  
rebaixamento salarial; via colonial de  
objetivação capitalista.  
*
Mestre e doutorando em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:  
pedrobado.doc@gmail.com. Orcid: 0000-0001-7214-4378.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Pedro Rocha Bado  
Introdução  
No Brasil da segunda década do século XXI, o irromper de movimentos políticos  
qualitativamente novos em relação à década anterior evidenciava que algo acontecia  
nas profundezas da sociedade. As inesperadas jornadas de junho de 2013, que  
levaram diversas classes sociais a manifestar sua insatisfação, foram sucedidas, entre  
2015 e 2016, pelo processo de deposição do governo do Partido dos Trabalhadores,  
o qual parecia inabalável depois de vencer quatro eleições presidenciais  
ininterruptamente. O governo interino de Michel Temer, posto rapidamente no lugar  
de Dilma Rousseff, encarregou-se fundamentalmente de aprovar a reforma trabalhista  
de 2017.  
A questão principal é que tais acontecimentos políticos coincidem com  
relevantes dados econômicos, como o crescimento da massa salarial durante os  
governos petistas em detrimento da produtividade do trabalho e os consequentes  
danos causados ao capital nas condições de crise na economia brasileira (MARQUETTI;  
HOFF; MIEBACH, 2017, p. 15). A este respeito, não é raro deparar-se com a hipótese  
de que, diante destas condições desvantajosas, a única alternativa prática disponível  
ao capital era a elevação da taxa de exploração do trabalho (RIBEIRO; GURGEL, 2020).  
Tomando tais dados a partir da compreensão das reciprocidades entre o  
econômico e o extraeconômico1 em nosso caso específico, o direito , levantamos a  
hipótese de que a reforma trabalhista de 2017 possa ter representado uma reação do  
capital ao aumento da massa salarial. Isso nos levou a investigar a possibilidade de  
haver uma intencionalidade por trás da reforma no sentido de promover o  
rebaixamento dos salários.  
O primeiro passo do nosso itinerário será uma breve avaliação da função  
histórica do estado e do direito trabalhista no processo de objetivação do capitalismo  
híper-tardio brasileiro. Em seguida, realizaremos uma análise propriamente dita das  
inovações legislativas da reforma, extraindo delas os mecanismos que ensejam alguma  
possibilidade de redução dos rendimentos dos trabalhadores. Ao fim, articulando  
esses dois momentos, buscaremos indicar conclusões possíveis sobre o significado  
destes recentes mecanismos jurídicos no conjunto mais geral dos conflitos de  
1 Nas palavras de Lukács, “o econômico e o extraeconômico convertem-se continuamente um no outro,  
estão numa irrevogável relação recíproca, da qual porém não deriva [...] nem um desenvolvimento  
histórico singular sem leis, nem uma dominação mecânica ‘por lei’ do econômico abstrato e puro, mas  
da qual deriva, ao contrário, aquela orgânica unidade do ser social, na qual cabe às leis rígidas da  
economia precisamente e apenas o papel de momento predominante” (LUKÁCS, 2012, p. 310).  
Verinotio  
260 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
interesses de classes no Brasil e qual parece ser o significado da nova legislação frente  
à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) dos anos 1940.  
A administração da força de trabalho por meio do direito no capitalismo de via  
colonial  
É relativamente conhecido o fato de que as chamadas legislações sociais como  
as leis trabalhistas são, em grande medida, resultado de intensas lutas das classes  
trabalhadoras por melhores condições de trabalho e de vida. Foi assim durante o  
século XIX na Inglaterra e na França, países designados por Chasin (2000, p. 34) como  
“casos clássicos de objetivação do modo de produção especificamente capitalista”,  
onde se gestou um combativo proletariado, principalmente a partir das lutas de 1848.  
É evidente que também no caso brasileiro o elemento do combate proletário  
influiu na formação da legislação social. Porém, diferentemente dos “casos clássicos”  
inglês e francês, como também dos casos alemão e italiano resultantes de um  
desenvolvimento capitalista “tardio” em relação aos “casos clássicos” –, as lutas no  
Brasil se deram com uma particular estreiteza, fruto da também particular formação  
histórica do país.  
A questão aí indicada, é óbvio, não é simplesmente cronológica.  
Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em  
que o proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e  
práticas, e a estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. Ainda mais, a industrialização tardia, apesar de  
retardatária é autônoma, enquanto a híper-tardia, além de seu atraso  
no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada sem  
que estes tenham deixado de ser subordinados às economias centrais.  
(CHASIN, 2000, p. 34)  
Constituindo uma vasta empresa colonial, a América portuguesa se desenvolveu  
a partir, inicialmente, de entrepostos comerciais na rota para a Índia e, posteriormente,  
de extensas monoculturas baseadas no trabalho escravizado (cf. PRADO JR., 1961, p.  
25). Operando desde seu surgimento como fornecedor de matéria-prima para a  
metrópole europeia, o território brasileiro seja enquanto colônia, seja formalmente  
independente se integrou ao mercado mundial de maneira subordinada.  
Esse quadro histórico grosseiramente aqui traçado por nós foi o ensejo para  
que Chasin (1978, p. 639) elaborasse teoricamente aquilo que chamou de “via colonial  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 261  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
de objetivação do capitalismo híper-tardio”. Assim, o autor reconhece a particularidade  
brasileira não apenas diante dos “casos clássicos”, como também em relação à  
particular objetivação do capitalismo na Alemanha muito bem delineada por Marx,  
Engels, Lênin e Lukács , a qual se convencionou chamar de “via prussiana”.  
Se a objetivação capitalista alemã deu-se de forma “tardia” em relação à  
Inglaterra e à França o que não impediu a Alemanha de alcançar um alto  
desenvolvimento capitalista e se lançar à disputa imperialista , no Brasil esse processo  
ocorreu de maneira “híper-tardia”. Nesse sentido, por meio de uma “sumária colocação  
do problema”, Chasin explica que  
pela via colonial da objetivação do capitalismo o receptor tem de ser  
reproduzido sempre enquanto receptor, ou seja, em nível hierárquico  
inferior da escala global de desenvolvimento. Em outras palavras, pelo  
estatuto de seu arcabouço e pelos imperativos imanentes de sua  
subordinação, tais formações do capital nunca integralizam a figura  
própria do capital, isto é, são capitais estruturalmente incompletos e  
incompletáveis. Pelo que são e vão sendo, em todo fluxo de sua  
ascensão, ponto a ponto, reiteram a condição de subalternidade do  
“arcaico”, para a qual todo estágio de “modernização” alcançada é  
imediatamente reafirmação de sua incontemporaneidade. O receptor  
é assim a desatualidade permanente, o “arcaico” é a condição de  
existência do receptor. Por consequência, a passagem deste ao  
moderno só pode ser dada pela ruptura da subordinação; se esta é  
impossível, a modernização efetiva é igualmente impossível (CHASIN,  
2000, p. 214).  
Como se vê, no plano econômico mais geral, diferentemente da via prussiana,  
o Brasil vai se reproduzindo em “nível hierárquico inferior da escala global de  
desenvolvimento” e, em sua “subordinação” aos outros países capitalistas, as  
“formações do capital nunca integralizam a figura própria do capital”. O modo de ser  
e ir sendo destes capitais no Brasil são incompletos e incompletáveis diante do  
“verdadeiro capitalismo” (CHASIN, 2000, p. 16), de modo que sua subordinação é  
sempre reatualizada.  
No contexto deste trabalho, no entanto, interessa compreender mais  
diretamente que tal constituição histórica particular legou ao Brasil também uma forma  
política que foi incapaz de romper radicalmente tal como se deu na destruição do  
feudalismo nos “casos clássicos” – com os entraves coloniais, o que, por sua vez, legou  
um tipo particular de ação do estado e de interação entre as classes sociais autóctones.  
É o próprio Chasin quem cita um ilustrativo trecho em que Carlos Nelson Coutinho  
explicita isso:  
No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou  
Verinotio  
262 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma  
época de ilusões humanistas e de tentativas mesmo utópicas de  
realizar na prática o “cidadão” e a comunidade democrática. Os  
movimentos neste sentido, ocorridos no século passado e no início  
deste século, foram sempre agitações superficiais, sem nenhum  
caráter verdadeiramente nacional e popular. Aqui, a burguesia se ligou  
às antigas classes dominantes, operou no interior da economia  
retrógrada e fragmentada. Quando as transformações políticas se  
tornavam necessárias, elas eram feitas “pelo alto”, através de  
conciliações e concessões mútuas, sem que o povo participasse das  
decisões e impusesse organicamente a sua vontade coletiva. Em suma,  
o capitalismo brasileiro, ao invés de promover uma transformação  
social revolucionária  
o
que implicaria, pelo menos  
momentaneamente, a criação de um “grande mundo” democrático –,  
contribuiu, em muitos casos, para acentuar o isolamento e a solidão,  
a restrição dos homens ao pequeno mundo de uma mesquinha vida  
privada. (COUTINHO, 1967, p. 42)  
Chasin expressa isso afirmando que a burguesia brasileira nunca “foi a cabeça  
de sua própria criação, e nunca aspirou a não ser não ter aspirações”, de modo que  
não “consumou suas luzes políticas, porque só abriu os olhos quando estas já estavam  
extintas” no resto do mundo. Diferentemente da burguesia francesa, ela nunca “teve  
que desacreditar do ideal do estado representativo constitucional, simplesmente  
porque este nunca foi seu ideal de estado” e, num sentido ideológico mais geral, nossa  
burguesia nativa “não abandonou a salvação do mundo e os fins universais da  
humanidade” justamente “porque sempre só esteve absorvida na salvação  
amesquinhada de seu próprio ser mesquinho, e seus únicos fins foram sempre seus  
próprios fins particulares” (2000, p. 159).  
Sob o signo da “objetivação pela via colonial do capitalismo”, “particulariza[m-  
se] formações sociais economicamente subordinadas, socialmente inconsistentes e  
desastrosas, politicamente instáveis em sua natureza autocrática” (CHASIN, 2000, p.  
212). Temos então a conformação de determinadas formas políticas e jurídicas que  
correspondem, por interação recíproca, aos fundamentos econômicos gestados pela  
via colonial. Se no Brasil, como afirma Coutinho, pouco expressivas foram as “ilusões  
humanistas” e as tentativas de pôr em prática a “comunidade democrática”, tendo sido  
os “movimentos neste sentido” “sempre agitações superficiais, sem nenhum caráter  
verdadeiramente nacional e popular”, nas instâncias mais práticas da sociedade isto  
se revelava também como uma profunda repulsa das classes dominantes pela ação  
das massas populares.  
A inexistência de um “ideal do estado representativo constitucional”, como  
disse Chasin, e o fato de que quando “as transformações políticas se tornavam  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 263  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
necessárias, elas eram feitas ‘pelo alto’, através de conciliações e concessões mútuas”,  
“sem que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente a sua vontade  
coletiva” (COUTINHO, 1967, p. 42), são traços fundamentais da formação social do  
Brasil. Com certo lirismo que lhe é típico, Chasin descreve tal característica de modo  
muito preciso:  
Este, filho temporão da história planetária, não nasceu da luta, nem  
pela luta tem fascínio. De verdade, o que mais o intimida é a própria  
luta, posto que está entre o temor pelo mais forte que lhe deu a vida,  
e o terror pelos de baixo que podem vir tomá-la. Toda revolução para  
ele é temível, toda transformação uma ameaça, até mesmo aquelas  
que foram próprias de seu gênero. É de uma espécie nova, covarde,  
para quem toda mudança tem de ser banida. E só admite corrigendas  
na ordem e pelo alto, aos cochichos, em surdina com seus pares. De  
si para si em rodeio autocrático. (CHASIN, 2000, p. 169)  
Assim, “sob a égide do capital atrófico” (CHASIN, 2000, p. 169), marcado pela  
conciliação e pelas transições graduais, em que o historicamente novo paga alto  
tributo ao historicamente velho, até mesmo o alvorecer industrial dos anos 1930 foi  
marcado pela transação entre a vanguarda industrialista no comando do estado e as  
antigas frações agroexportadoras. Enquanto as transições pelo alto marcaram a  
relações entres as frações das classes dominantes, a interação entre estas e as classes  
exploradas se dava pela dissuasão das demandas populares, fosse por meio da  
cooptação, fosse pela violência aberta. E assim, estando historicamente à margem dos  
decisivos eventos políticos da nação, as classes subalternas estiveram politicamente  
apartadas da formação do Brasil moderno.  
Se tomarmos como ponto de análise o citado processo de industrialização  
iniciado nos 1930, a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder do estado, é  
possível notar que “enquanto o palco político serviu à conciliação entre as classes  
dominantes (nominalmente, o capital agroexportador e o capital produtivo-urbano  
ascendente) na ausência de uma ruptura”, o “terreno jurídico mediou o conflito dessas  
classes dominantes com o proletariado em desenvolvimento” (PAÇO CUNHA, 2017, p.  
16).  
É verdade que já na primeira década do século XX, como mostra Munakata  
(1981, pp. 46-55) em uma breve digressão histórica, a pressão proletária, por meio  
de greves e reivindicações como a greve geral de 1917 , resultou em algumas leis  
concernentes ao tabelamento do valor da força de trabalho, à responsabilização por  
acidentes laborais e à criação de agências estatais reguladoras das atividades fabris.  
Nos anos 1920, importantes organizações do proletariado já sob os auspícios do  
Verinotio  
264 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
que viria a se tornar uma armadilha para o operariado foram tomadas por concepções  
institucionalistas que deram início a um processo de burocratização e  
institucionalização dos sindicatos. Sem que se interrompessem as suas principais  
formas de luta, como greves e mobilizações, o sindicalismo buscou no disciplinamento  
da classe trabalhadora uma moeda de troca para ser reconhecido pelo capital como  
interlocutor legítimo.  
Mas foi com a solidez proporcionada pela industrialização e pela gestão estatal  
centralizada, sob a forma da ditadura varguista, que o direito trabalhista adquiriu maior  
relevância. Francisco de Oliveira observa ainda que utilizando uma categoria tão  
imprecisa quanto a de “modo de acumulação” – que as novas “leis trabalhistas” faziam  
“parte de um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de  
acumulação” no país (2003, p. 37). Derivava daí o forte agrilhoamento dos sindicatos  
por meio da institucionalização, o qual devia a possibilidade de sua existência legal à  
prestação de contas ao recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio  
(MUNAKATA, 1981, p. 64).  
Com bastante propriedade, Werneck Vianna descreve a relação entre este modo  
de agir estatal e a função do direito frente às novas necessidades do capitalismo no  
Brasil:  
A intervenção do estado sobre o mercado de trabalho revestia-se,  
portanto, da força generalizadora do direito, servindo-se da coerção  
moral de uma decisão jurídica. Privado do direito de greve para  
reivindicar seus interesses no universo mercantil, o fator trabalho se  
verá obrigado a emprestar uma roupagem jurídica às suas pretensões,  
perdendo de vista seu interlocutor direto no mercado, o capital.  
(VIANNA, 1978, p. 227)  
Entrava em cena definitivamente, portanto, a “força generalizadora do direito”,  
o que obrigou o “fator trabalho” a se encaixar estritamente à “roupagem jurídica” para  
que pudesse fazer frente ao capital.  
Isto não se dava, no entanto, simplesmente por meio da proibição e da restrição  
de reivindicações. A CLT de 1943, como fruto dessa razão estatal, não se prestou a  
declarar que a lei era igual para todos, não se limitou a reconhecer a igualdade formal  
clássica do direito burguês. Tanto a CLT quanto as correntes doutrinárias do direito  
trabalhista estabeleceram o chamado “princípio da proteção”, segundo o qual  
o direito do trabalho estrutura em seu interior com suas regras,  
institutos, princípios e presunções próprias uma teia de proteção à  
parte vulnerável e hipossuficiente na relação empregatícia o obreiro  
, visando a retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 265  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
inerente ao plano fático do contrato de trabalho (DELGADO, 2019, p.  
233).  
Munakata – que vê nessa proteção um elemento do “corporativismo” da CLT,  
denotando, com certa razão, uma proximidade com a lei fascista italiana , afirma que  
entre os elaboradores das leis trabalhistas brasileiras vigorava a ideia de que “a lei  
não deve ser igual para todos, mas explicitamente favorável aos mais fracos” (1981,  
pp. 70-1). Dessa forma, ao admitir que na relação capital-trabalho há um lado  
economicamente em desvantagem, o estado não apenas buscava se legitimar entre os  
trabalhadores, como também tentava, com sua nova legislação, contornar o conflito  
de classes, principalmente as convulsões operárias tipicamente resultantes do modo  
de produção capitalista2.  
Aqui é possível notar como as leis trabalhistas do período varguista figuraram  
como uma “expressão negativa da avidez por mais-trabalho” (MARX, 2013, p. 313),  
na medida em que buscavam refrear de maneira mais ou menos eficiente o aumento  
exponencial da exploração da força de trabalho no país. Ainda que sob o protesto de  
muitos setores da burguesia brasileira, a burocracia do Estado Novo mostrou-se mais  
capaz de “ver a floresta por meio das árvores” – para usar as palavras de Panitch e  
Gindin (2012, p. 4, tradução nossa) do que a própria burguesia3. O governo Vargas  
não apenas implementou a CLT a qual compunha o acordo com a fração agrária da  
classe dominante e, por isso, não estendia a vigência dos mesmos direitos e garantias  
aos trabalhadores rurais (OLIVEIRA, 2003, pp. 30; 43) , como também desempenhou,  
em sentido mais amplo, o papel daquilo que Engels chamou de “capitalista global  
2 A esse respeito, é interessante mencionar o papel de Oliveira Vianna, um dos ideólogos da legislação  
trabalhista do Estado Novo. Uma análise imanente de suas obras, como Problemas de direito sindical,  
de 1943, revelaria elementos importantes, inclusive a respeito da alegada correlação entre a CLT e a  
Carta del Lavoro de Mussolini. A ideia de que era possível “evitar” a luta de classes por meio de uma  
legislação trabalhista parece ser uma posição muito típica de ideólogos de formações capitalistas tardias  
e híper-tardias. Afinal, na medida em que alguns dilemas sociais do capitalismo retardatário se  
expressavam tardiamente em comparação ao capitalismo avançado, de um ponto de vista dos interesses  
do capital, era possível observar de modo historicamente privilegiado as razões e os resultados das  
encarniçadas lutas de classes na Europa, permitindo que medidas preventivas fossem tomadas em  
benefício da reprodução geral do capital.  
3
No contexto das agitações políticas de 1935, Getúlio Vargas segundo relata sua filha e assessora  
Alzira , depois de expor seus planos contra os comunistas em um jantar com a alta burguesia carioca,  
recebeu uma “chuva” de “reclamações contra o Ministério do Trabalho, cuja fiscalização em favor dos  
operários só criava entraves e problemas para os donos das empresas”. As “leis trabalhistas” de Vargas  
– que já antes da CLT “mantinham os trabalhadores fora de fofocas politiqueiras” – “foram questionadas  
e combatidas pelo maior número” dos empresários presentes. Ao sair de tal jantar, já em seu carro,  
Vargas teria murmurado: “Burgueses burros! Estou tentando salvá-los e eles não entenderam”  
(PEIXOTO, 2017, pp. 339-40).  
Verinotio  
266 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
real”4, uma vez que, em diversos ramos da produção, o estado centralizou e  
administrou diretamente um conjunto de forças produtivas fundamentais para o  
desenvolvimento capitalista nacional, como nos casos da Companhia Siderúrgica  
Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce, da Fábrica Nacional de Motores e da  
Companhia Hidroelétrica do São Francisco5.  
Voltando à relação mais direta entre a legislação e os trabalhadores, temos que  
o impedimento da luta de classes se faz através da criação de canais  
competentes que absorvam os conflitos. Em outras palavras, procura-  
se exterminar a luta de classes retirando aos trabalhadores todas as  
possibilidades de controle e decisão sobre seu próprio destino,  
confinando-os ao terreno da incompetência e da passividade. Os  
operários não precisam mais fazer nada, controlar nada, decidir sobre  
nada, lutar por nada: tudo está dado, rigorosa e cientificamente  
determinado por especialistas altamente competentes (MUNAKATA,  
1981, p. 78).  
Como pode-se notar, houve um confinamento da luta operária brasileira a uma  
roupagem jurídica, isto é, um direcionamento das lutas sindicais aos limites de  
determinadas instituições já previamente aparelhadas pelo estado. A luta de classes  
não necessitava mais ser dissuadida primordialmente pela violência, mas sim  
preferencialmente regulada “através da criação de canais competentes que absorvam  
os conflitos”. Atuava-se então contra a força do proletariado não simplesmente pela  
via da repressão ampla e deliberada, mas sim conduzindo toda esta força ao estrito  
funcionamento da lei trabalhista que, é bom lembrar, declarava-se abertamente  
protetora da “parte vulnerável e hipossuficiente” –, de maneira que “tudo está dado,  
rigorosa e cientificamente determinado por especialistas altamente competentes”.  
É evidente que, neste ponto, não se trata de endossar o mito difundido pelo  
chamado novo sindicalismo dos anos 1980 ao qual Munakata presta certo tributo –  
segundo o qual toda a “história do sindicalismo brasileiro” seria uma “pura e simples  
pletora de covardias, traições e infindáveis mesquinharias, derivadas do vínculo de  
dependência que aferra a estrutura sindical brasileira ao estado”. Ainda que tais  
4 “O estado moderno, qualquer que seja sua forma, é, portanto, uma máquina essencialmente capitalista,  
é o estado dos capitalistas, é o capitalista global ideal. Quanto maior é o número de forças produtivas  
que ele assume como sua propriedade, mais ele se torna um capitalista global real, maior é o número  
de cidadãos do estado que ele espolia. Os trabalhadores permanecem trabalhadores assalariados,  
proletários. A relação com o capital não é revogada; ao contrário, é levada ao extremo. Só que, chegando  
ao extremo, ela sofre uma reversão. A propriedade estatal das forças produtivas não é a solução do  
conflito, mas abriga em si o meio formal, o manejo da solução.” (ENGELS, 2015, pp. 314-5)  
5 Como observa Chasin, “a presença do estado na economia, bem como a detenção do poder em forçosa  
companhia, é da essência mesmo do capitalismo no Brasil desde as ocorrências da década dos 30”  
(2000, p. 35).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 267  
nova fase  
   
Pedro Rocha Bado  
acusações contenham “uma porção significativa da verdade”, e que essa dependência  
do estado tenha sido e continue sendo – “um dos instrumentos mais eficazes e  
perversos de controle e sufocamento do movimento operário” (CHASIN, 2000, p. 116),  
não se deve, a partir disso, assumir qualquer concepção segundo a qual a legalização  
da luta operária equivalha, necessariamente, à sua domesticação.  
Embora a legislação trabalhista dos anos 1940 permaneça vigente até os dias  
atuais ainda que tenha passado por diversas modificações ao longo do século XX ,  
o que nos interessa aqui é analisá-la dentro de um contexto histórico mais amplo.  
Nesse sentido, observa-se que, nos momentos decisivos da vida nacional, as massas –  
ainda que, em alguns casos, brutalmente reprimidas foram arrastadas por uma  
complexa e engenhosa operação ideológica, que canaliza e limita as soluções para os  
impasses sociais aos estreitos marcos da ordem vigente, na qual todo o arcabouço da  
legislação social desempenha um papel central.  
Principalmente nos períodos chamados democráticos, o ardil ideológico  
designado por Chasin (2000, p. 123) como “politicismo” – “fenômeno antípoda da  
politização”, cabe notar – reduz a totalidade social exclusivamente a “sua dimensão  
política e, ao limite mais pobre, apenas a seu lado político-institucional”. Parece-nos  
que é neste “limite mais pobre” da dimensão política, isto é, “seu lado político-  
institucional”, que reside o campo da legislação trabalhista e a chamada luta por  
direitos.  
Ao fim, é a própria “irrealização econômica” da burguesia brasileira que dá  
origem ao politicismo como arma, o qual “atua neste contexto, enquanto produto dele,  
como freio e protetor”. Este politicismo protege justamente a “estreiteza econômica e  
política da burguesia; estreiteza, contudo, que é toda a riqueza e todo o poder desta  
burguesia estreita”. Protege subtraindo do questionamento e da contestação “sua  
fórmula econômica”, expondo, aparentemente, “o político a debate e ao  
‘aperfeiçoamento’”. Ao se antecipar às convulsões sociais, o politicismo “busca  
desarmar previamente qualquer tentativa de rompimento deste espaço estrangulado  
e amesquinhado” (CHASIN, 2000, p. 124). O politicismo compõe o rol das formas de  
dominação de classe mais eficientes da burguesia brasileira.  
E aqui, tendo em vista o esforço de Paço Cunha de compreensão da esfera  
jurídica como forma mediadora privilegiada entre classes dominantes e classes  
exploradas no Brasil, este breve histórico de formação da legislação trabalhista  
nacional demonstra o árduo esforço empregado para se evitar que o proletariado  
Verinotio  
268 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
expandisse a perspectiva de suas lutas para além dos limites da sociedade burguesa.  
Assim, deu-se principalmente pela esfera jurídica a constituição de um aparato estatal  
de proteção mínima ao trabalhador, o qual atuou como o principal instrumento de  
contenção do proletariado brasileiro, buscando sitiar suas ações entre os limites das  
condições de manutenção da reprodução do capital.  
Os fundamentos econômicos da reforma trabalhista de 2017  
O processo de reprimarização da produção brasileira durante os anos 1980 e  
1990 fez com que a economia do país voltasse a ser altamente dependente do  
chamado agronegócio (MATEO, 2018, p. 14)6. Dessa maneira, a expansão da economia  
nacional nos anos 2000 deu-se pela conjuntura internacional, a qual aumentou a  
demanda por produtos primários. Entre 2002 e 2007, estas mercadorias tiveram um  
aumento de 135% em seus preços, de modo que, internamente, o resultado foi uma  
acentuação da lucratividade nas atividades extrativistas e agropecuárias (MARQUETTI;  
HOFF; MIEBACH, 2017, p. 8).  
Empossado em 2003, o primeiro governo do PT passou a atuar no sentido da  
ampliação do consumo interno, na expectativa de que a alta lucratividade dos setores  
agroexportadores não se restringisse apenas a eles. Assim, para que aumentasse a  
demanda interna por produtos industrializados e o chamado capital produtivo se  
expandisse, o governo tomou uma série de medidas como a redução da taxa Selic,  
que chegou ao patamar de 8,25% em 2009 (JORGE, 2019, p. 100) para incentivar  
os setores do capital financeiro a ampliar as possibilidades de aquisição do crédito  
empresarial e do crédito para as famílias. Embora parte destas expectativas tenha sido  
frustrada7, as medidas alcançaram relevantes resultados. Houve uma expansão do  
consumo e uma expressiva valorização do salário mínimo, que, entre 2008 e 2010,  
“cresceu aproximadamente 270%”. Esse número, quando comparado ao período de  
1995 a 2002, representa uma valorização de cerca de 12% em relação aos oito anos  
anteriores (JORGE, 2019, p. 101). Nesse contexto, “a atuação conjunta dessas medidas  
6 “Durante a década de 1990, ocorreu uma reconfiguração da estrutura econômica no Brasil em direção  
a sua reprimarização, e a indústria de transformação perdeu metade de sua participação no PIB total,  
de 30-35% entre 1972 a 1989 para 16-18% desde 1995 [até 2008]. Em outras palavras, esse setor  
cresceu em média 8,32% durante as décadas de substituição de importações, mas apenas 1,32% entre  
1980 e 2008.” (MATEO, 2018, p. 14, tradução nossa)  
7 A bem da verdade, “esse processo foi contrarrestado por movimentos centralizadores de capital entre  
bancos, que também não enfrentavam os novos movimentos concorrenciais postos em outros países  
pela legalização do shadow banking. Os resultados efetivos, portanto, ficaram muito aquém do que  
poderia ser esperado pelos gestores políticos” (JORGE, 2019, p. 100).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 269  
nova fase  
   
Pedro Rocha Bado  
e a valorização das commodities permitiram que a taxa de lucro da economia brasileira  
rompesse a barreira dos 30%”, envolvendo “toda a economia brasileira numa espiral  
positiva” (JORGE, 2019, p. 100).  
No que se refere ao setor industrial, entretanto, o período demonstra “a  
passividade dos gestores do capital produtivo”. Embora a taxa de lucro já estivesse se  
elevando ao fim de 2002, os investimentos do capital produtivo só se intensificaram  
a partir de 2006, revelando sua prioridade em reduzir o endividamento e em ampliar  
o nível de utilização da capacidade produtiva já instalada. Entre 2008 e 2014, a  
indústria nacional operou acima da sua capacidade produtiva regular, ainda que  
“tecnologicamente muito defasada” em relação a outros países (JORGE, 2019, pp.  
102-3).  
A passividade atrófica dos gestores do capital produtivo “mostrar-se-á ainda  
mais danosa para o capital produtivo” se analisarmos “a evolução da relação lucros x  
salários” (JORGE, 2019, p. 103)8. Na “média da indústria geral”, o “salário médio real”,  
“que representava 8,9% do valor da produção em 2007, subiu para 10,1% em 2011,  
alcançando 10,8% em 2015” (IEDI, 2018, p. 163). Dessa maneira:  
Num cenário em que os gestores políticos priorizavam a valorização  
salarial, e tal medida era bem recepcionada pelo capital comercial, ao  
invés de os gestores do capital produtivo aumentarem a sua  
independência em relação às reivindicações da força de trabalho  
(aumentando a relação capital constante/capital variável, gerando  
desemprego e, assim, pressionando negativamente os salários),  
optaram por apostar largamente no emprego massivo de força de  
trabalho. (JORGE, 2019, p. 103)  
Em termos sintéticos, pode-se dizer que os governos petistas implementaram  
um conjunto de programas econômicos destinados à chamada redistribuição de  
renda9, buscando aumentar o consumo das classes subalternas, na expectativa de que  
o capital produtivo respondesse a esta demanda com intensos investimentos. No  
entanto, sob o signo “de sua subordinação”, enquanto “capitais estruturalmente  
incompletos e incompletáveis” (CHASIN, 2000, p. 214), confirma-se aqui que a  
“reprodução ampliada da miséria brasileira é todo o horizonte dos proprietários do  
8
Uma comparação entre a evolução da lucratividade e a evolução salarial revela que a parcela dos  
salários, menor que 60% em 2004, cresceu a quase 70% em 2014, enquanto a parcela do lucro, maior  
que 50% em 2004, caiu a quase 30% em 2014 (MARQUETTI; HOFF; MIEBACH, 2017, p. 7).  
9 Entre os “planos dos gestores políticos para a ampliação do mercado interno”, “aqueles que obtiveram  
melhores resultados foram os programas de redistribuição de renda Bolsa Família, Minha Casa Minha  
Vida etc. e a valorização do salário mínimo. Tais medidas, indubitavelmente, tiveram efeitos positivos  
na geração de um movimento econômico expansivo, entretanto, é importante reconhecer suas  
limitações” (JORGE, 2019, p. 101).  
Verinotio  
270 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
capital inconcluso” (CHASIN, 2000, p. 160). Frustrando as intenções dos gestores  
políticos, os gestores econômicos do capital produtivo não apresentaram respostas  
significativas e, no que tange à composição orgânica do capital, aumentaram o número  
de trabalhadores empregados e pouco investiram na substituição destes por meios  
tecnologicamente novos de produção, como novas máquinas ou em robótica. Assim,  
o aumento da parte variável do capital – expresso pelo chamado “pleno emprego”  
alcançado em 2014 (PELAJO, 2015) passa a impactar cada vez mais na lucratividade  
do capital produtivo.  
Como defendido por Marquetti, Hoff e Miebach (2017), foi a partir dessas  
condições que as complexas interações entre o estado e as frações do capital definiram  
diversos acontecimentos da vida nacional daquele momento. E não poucas vezes as  
ideias dos gestores econômicos do capital tomaram contornos mais claros, indicando  
para nós suas intenções e necessidades, como é o caso da reunião ocorrida em 2016  
entre Michel Temer e grandes empresários do país, na qual o presidente da  
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, sugeriu como  
seria conveniente o aumento da jornada de trabalho de 44 horas para 80 horas  
semanais (VIDIGAL, 2016).  
Nesse sentido, segundo Ribeiro e Gurgel (2020, p. 12), restou “ao capitalismo  
brasileiro recorrer às formas associadas à maior exploração da força de trabalho”, de  
maneira que a “combinação de elevação do grau de exploração do trabalho com a  
eventual compressão do salário abaixo de seu valor” parecia “ser o recurso presente  
no Brasil para contrarrestar a queda da taxa de lucro”. Como estes autores apontam,  
não é mera coincidência que a proposta da reforma trabalhista não surja neste  
momento. Concluído, no front político, a derrubada do governo petista por meio do  
impeachment, a formulação e a aprovação da reforma conduzidas de forma  
apressada tornaram difícil dissimular a intencionalidade por parte dos gestores  
políticos do capital de ativar mecanismos voltados à recomposição da lucratividade  
por meio do rebaixamento dos salários.  
Devemos agora, portanto, analisar alguns pontos relevantes em que essa  
intencionalidade se expressa no dispositivo legal de 2017. Começaremos pelas  
justificativas dos gestores políticos, presentes na exposição de motivos da lei e, em  
seguida, avaliaremos propriamente os artigos. Importa ressaltar, desde já, que esta  
pesquisa não contempla os eventuais mecanismos que impactam o valor dos salários  
por meio da via tributária os chamados custos trabalhistas , os quais não foram  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 271  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
objeto de análise neste estudo.  
A reforma trabalhista de 2017  
A Lei n. 13.467, proposta e aprovada na gestão do então presidente Michel  
Temer, tem uma extensa seção de motivações escrita pelo então ministro do Trabalho  
Ronaldo de Oliveira. Ao chegar à Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2017, sob  
a relatoria de Rogério Marinho, basicamente mantiveram-se os argumentos do ministro  
para motivar a aprovação do projeto. Desse modo, pudemos identificar que a defesa  
da reforma pelos seus idealizadores mais diretos baseou-se em três argumentos  
principais: o combate à insegurança jurídica das relações contratuais, a melhoria das  
condições negociais contra a rigidez da CLT e a necessidade de modernização e  
adequação da lei.  
Em relação à insegurança jurídica, o ministro Oliveira alegou que o crescente  
“diálogo social entre trabalhadores e empregadores” estava ameaçado devido ao fato  
de os “pactos laborais” terem “sua autonomia questionada judicialmente”, gerando  
“insegurança jurídica às partes quanto ao que foi negociado”. Para ele, o problema  
estava na ausência de um “marco legal claro dos limites da autonomia da norma  
coletiva de trabalho” (BRASIL, 2016, pp. 7-8). No mesmo sentido, o deputado Marinho  
mencionou em sua relatoria um “ativismo judicial” que faria “com frequência os  
tribunais trabalhistas extrapolarem sua função de interpretar a lei”, indo muitas vezes  
contra ela (BRASIL, 2017, pp. 23-4).  
Sobre as condições negociais, o ministro Oliveira afirmou que o Brasil tinha “um  
nível elevado de judicialização das relações do trabalho”, sendo a maioria das ações  
trabalhistas ligadas ao pagamento de verbas rescisórias. Sua avaliação era a de que  
faltavam “canais institucionais de diálogo nas empresas”, o que fazia com que “o  
trabalhador só venha a reivindicar os seus direitos após o término do contrato de  
trabalho” (BRASIL, 2016, p. 8). Da mesma maneira, o deputado Marinho acreditava  
que a nova legislação seria “importante para conter o avanço dessa excessiva busca  
pelo judiciário para solução dos conflitos entre as partes”, ao criar “mecanismos que  
estimulem a solução desses conflitos antes que seja necessário submetê-los ao Poder  
judiciário” (BRASIL, 2017, pp. 23-4).  
Oliveira apoiava-se em um voto de Luís Roberto Barroso ministro do Supremo  
Tribunal Federal e entusiasta da reforma – para afirmar que, “no âmbito do direito  
coletivo”, não existia a “mesma assimetria de poder presente nas relações individuais  
Verinotio  
272 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
de trabalho”. Em tal argumento subjazia a ideia de que aquele “princípio da proteção”  
à parte “hipossuficiente” da relação capital-trabalho seria, atualmente, um entrave à  
“valorização da negociação coletiva”, impedindo que houvesse “segurança ao  
resultado do que foi pactuado” (BRASIL, 2016, p. 8).  
Neste quesito, Marinho era mais contundente ao afirmar que os sindicatos  
laborais não eram “hipossuficientes” em relação ao patronato, já que “ao longo dos  
últimos 20 anos, os sindicatos negociaram aumentos salariais iguais ou superiores aos  
índices inflacionários”. Ele afirmava que em 2016, ano de uma das “piores crises  
econômicas”, “52% dos sindicatos negociaram índices de aumento superiores à  
inflação”, sendo que mesmo nas “entidades cujos reajustes foram inferiores aos índices  
inflacionários” preservaram-se “os empregos de seus representados”, sendo “um  
grande ganho em momentos de aumento do desemprego”. Causa da “insegurança  
jurídica da representação patronal”, para ele, tudo isso era “um grande empecilho à  
celebração de novas condições de trabalho mais benéficas aos trabalhadores” e, até  
mesmo, “um entrave à contratação de mão de obra” (BRASIL, 2017, p. 26).  
De modo dissimulado, o que os dois gestores políticos do capital  
argumentavam era que a chamada “hipossuficiência” dos trabalhadores teria dado aos  
sindicatos larga vantagem sobre o patronato na disputa judicial. Quanto à crítica à  
Justiça do Trabalho suavizada no texto através de eufemismos , o documento tratava  
este ramo judiciário como tendencioso, pautado pelo “ativismo judicial”, e insinuava  
que o trabalhador era incentivado a ingressar com reclamações injustas contra o  
empregador.  
No cenário montado, trabalhadores, sindicalistas e magistrados concorreriam  
para prejudicar e desestimular o empresariado, o que resultaria em seu insucesso.  
Subjaz a esse discurso a intenção de colocar em xeque a função administrativa tanto  
judiciária quanto sindical historicamente constituída pela legislação dos anos 1940.  
Se, naquele período, a proteção da parte “mais fraca”, com quadros do judiciário  
treinados para garantir esse fim, representava a estratégia estatal para equalizar e  
conter os conflitos de classe dos anos 1930 e 1940, atualmente, esta forma específica  
de administração parece ter se tornado um grande empecilho para a acumulação  
capitalista, na concepção dos gestores políticos.  
Essa lógica se explicita de forma mais direta na retórica da modernização,  
sintetizada no argumento do deputado Marinho de que o “Brasil de 1943 não é o  
Brasil de 2017”. Assim, se a CLT preparava “o país para o futuro”, garantindo “os  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 273  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
patamares mínimos de dignidade e respeito ao trabalhador”, hoje “estamos no século  
XXI, na época das tecnologias da informação”, em que, segundo ele, os celulares têm  
“mais capacidade de processamento do que toda a Nasa quando enviou o homem à  
lua”. Segundo ele, “novas profissões surgiram e outras desapareceram” e as “as leis  
trabalhistas permanecem as mesmas”. E assim, enquanto a CLT foi pensada “para um  
estado hipertrofiado, intromissivo”, com uma “tutela exacerbada das pessoas e a  
invasão dos seus íntimos”, atualmente “não podemos mais negar liberdade às  
pessoas” e o estado não deve “dizer o que é melhor para os brasileiros negando-os o  
seu direito de escolher”. Marinho rogava pela evolução que nos igualasse “ao mundo  
em que os empregados podem executar as suas atividades sem que estejam,  
necessariamente, no estabelecimento”, já que a “informatização faz com que um  
empregado na China interaja com a sua empresa no Brasil em tempo real” (BRASIL,  
2017, pp. 17-8).  
Aqui também impera a dissimulação. Afinal, tais expectativas não  
correspondiam ao Brasil, marcado por baixos investimentos em pesquisa e  
desenvolvimento e por uma limitada incorporação de alta tecnologia no processo  
produtivo. Como demonstra Jorge (2019, p. 103), a passividade atrófica dos gestores  
econômicos do capital produtivo, entre 2008 e 2014, fez com que, a despeito das  
condições favoráveis, não houvesse aumento da composição orgânica do capital. Como  
veremos, o sonho de um Brasil high-tech se concretizou como uma distopia real de  
salários comprimidos e jornadas alargadas.  
A jornada de trabalho e o salário na reforma trabalhista de 2017  
Em relação à jornada de trabalho, a primeira das alterações mais relevantes da  
CLT deu-se no § 2º do Artigo 58, o qual versa que o  
tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a  
efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno,  
caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido  
pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por  
não ser tempo à disposição do empregador (BRASIL, 2018, p. 101).  
Com a supressão do trecho que estabelecia que quando o “empregador  
fornecer a condução”, por se tratar “de local de difícil acesso ou não servido por  
transporte público”, o tempo de deslocamento, antes considerado parte da jornada,  
não será mais remunerado. Além disso, a substituição da expressão “local de trabalho”  
por “posto de trabalho” altera a interpretação nos casos em que os trabalhadores se  
Verinotio  
274 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
deslocam para diferentes lugares durante a jornada, podendo-se não mais computar  
este tempo de deslocamento, obrigando-os a trabalhar por mais tempo. E assim, com  
o acréscimo da jornada sem um correspondente aumento do salário, o capitalista passa  
a ter a sua disposição um tempo que antes era para ele improdutivo e que agora será  
dedicado à produção direta de mais-valor já que nem sempre será necessária a  
aquisição de um capital constante proporcional ao aumento deste tempo de trabalho  
(MARX, 2013, p. 678).  
Por outro artifício atua o Artigo 58-A (BRASIL, 2018, p. 101), ao permitir  
contratos de tempo parcial de 30 horas semanais, com o qual o empregador antes  
restrito ao contrato de tempo integral de 44 horas ou ao de tempo parcial de até 25  
horas passa a ter maiores possibilidades de contratação para substituir trabalhadores  
de tempo integral por aqueles de tempo parcial. De maneira semelhante, o Artigo 443,  
§ 3º, inaugura no Brasil o contrato de trabalho intermitente, no qual o período de  
atividade laboral não é contínuo, “ocorrendo com alternância de períodos de prestação  
de serviços e de inatividade” (BRASIL, 2018, p. 134). Se amplamente adotados, tais  
modelos podem relativizar brutalmente uma certa constância que o vínculo  
empregatício possuía na CLT, principalmente pelo fato de que o novo Artigo 452-A, §  
5º, estabelece que o “período de inatividade” não é considerado “tempo à disposição  
do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”  
(BRASIL, 2018, p. 135).  
Somando a estas modalidades contratuais, um ponto anunciado como forma de  
modernização da legislação foi o chamado “teletrabalho”, definido pelo Artigo 75-B  
como a prestação de serviços “preponderantemente fora das dependências do  
empregador” por meio da “utilização de tecnologias de informação e de comunicação  
que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (BRASIL, 2018, p.  
104). Não estando enquadrado na “duração normal do trabalho” de oito horas diárias,  
como estabelece o Artigo 62, III (BRASIL, 2018, p. 102), não há previsão do direito  
ao recebimento de horas extras ou adicionais noturnos, bem como não há certeza  
jurídica sobre a possibilidade de controle de jornada por parte do empregador. Tais  
características criam uma forma de trabalho relativamente simples de ser controlada,  
principalmente por plataformas virtuais que estabeleçam metas de trabalho, ritmo e  
quantidade de trabalho sem que haja um controle explícito do tempo.  
Nestes três últimos casos tempo parcial de 30 horas, trabalho intermitente e  
“teletrabalho” –, podendo combinar uma infinidade de diferentes jornadas de acordo  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 275  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
com as necessidades e pagando salários proporcionais a cada tipo de jornada, o capital  
busca eliminar limites que lhe foram impostos historicamente. Assim, ao mesmo tempo  
em que não há mais a garantia legal do recebimento de um salário mínimo mensal,  
tem-se também que, no caso da modalidade intermitente, trabalhando para diferentes  
empregadores, a jornada diária máxima pode ser excedida, sem horário de descanso  
ou pagamento de horas extras. Contando com a elasticidade da força de trabalho10, o  
capital busca não só eliminar os “tempos mortos” de trabalho, como também se  
empenha em aumentar a produção de valor, de maneira legal ou fraudulenta, como  
veremos mais adiante.  
Com o prolongamento da jornada nestes casos, menos explícito que no Artigo  
58, sobre o tempo de deslocamento , o trabalhador, que ao contrário do maquinário  
“se esgota numa proporção muito superior à que a mera soma numérica do trabalho  
acusa” (MARX, 1982, p. 178), terá um salário insuficiente para repor a sua força de  
trabalho. E ainda que o capital pague salários mais altos e que o valor do trabalho  
diminua, essa relação se mantém enquanto o aumento salarial não corresponder “à  
maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de  
trabalho que daí resultará” (MARX, 1982, p. 178).  
Por outro itinerário, o novo Artigo 457, § 2º, diz que as “importâncias” pagas,  
mesmo que habitualmente, “a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação”, bem como  
as “diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do  
empregado”, fazendo com que elas não sejam incorporadas ao contrato de trabalho,  
nem à “base de incidência de encargo trabalhista e previdenciário”. Da mesma forma,  
o § 5º estabelece que a alimentação fornecida pela empresa, “seja in natura”, seja por  
“tíquetes, vales, cupons”, não possui “natureza salarial” (BRASIL, 2018, p. 136). Assim,  
por não serem considerados juridicamente parte do salário, tais parcelas podem ser  
legalmente suspensas. Entretanto, como dizem respeito à subsistência do trabalhador,  
esses valores são objetivamente parte do salário e sua suspensão configura evidente  
redução salarial. De tal modo, tendo em mente o itinerário chamado por Marx de  
rebaixamento forçado dos salários abaixo do valor dos bens de subsistência (2013, p.  
10  
Segundo Marx, devido à “elasticidade da força de trabalho”, amplia-se a “área de acumulação” sem  
um aumento anterior do capital constante. O processo ocorre de maneira similar na agricultura, na qual  
o “cultivo puramente mecânico do solo exerce um efeito prodigioso sobre a quantidade do produto”.  
Assim, “um maior volume de trabalho” fornecido pelo mesmo número de trabalhadores “eleva a  
fertilidade sem exigir um novo adiantamento de meios de trabalho”. Nesse sentido, o autor alemão  
afirma que “é a ação direta do homem sobre a natureza que se converte, sem interferência de um novo  
capital, em fonte direta de uma maior acumulação” (2013, p. 679).  
Verinotio  
276 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
675)11, estamos diante de uma explícita usurpação de parte do salário, tornando-o  
insuficiente para que o trabalhador possa viver satisfatoriamente. As verbas que  
deixam de ser pagas saem do fundo necessário de consumo do trabalhador e passam  
ao fundo de acumulação de capital.  
Por outro lado, o Artigo 458 institui que, além de pagamento em dinheiro, o  
salário compreenderá a “habitação, o vestuário ou outras prestações in natura”, “por  
força do contrato ou do costume”, que o empregador fornecer “habitualmente ao  
empregado” (BRASIL, 2018, p. 137)12. De tal modo, se essas eventuais condições  
fornecidas ao trabalhador já constituíam objetivamente salário condições de  
subsistência da força de trabalho , elas agora passam a integrar o salário  
juridicamente pensado, de modo que certamente passaram a ser descontadas da  
parcela paga diretamente em dinheiro13.  
Representando mais um avanço do capital sobre as antigas regras, a nova  
redação do Artigo 461 da CLT busca dificultar a equiparação salarial de trabalhadores  
de “idêntica função”. Se na redação anterior era necessário que as funções a terem os  
salários equiparados fossem prestadas, além de “ao mesmo empregador”, “na mesma  
localidade” – o que o Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 6, entendia como  
“mesmo município” ou “mesma região metropolitana” (BRASIL, 2018, p. 959) –, a  
reforma exige agora que seja “no mesmo estabelecimento empresarial” (BRASIL, 2018,  
p. 137). Evidentemente, restringiu-se a possibilidade da equiparação salarial entre  
trabalhadores de uma mesma grande empresa, estando agora adstrita a uma mesma  
unidade. Com o acréscimo do § 5º no artigo, a equiparação salarial só será permitida  
entre “empregados contemporâneos no cargo ou na função”, impedindo “a indicação  
de paradigmas [jurídicos] remotos” (BRASIL, 2018, p. 137).  
11  
Sendo o valor da força de trabalho determinado pelo valor dos bens necessários à subsistência, o  
rebaixamento acontece no sentido de pressionar o salário abaixo do valor da própria força de trabalho,  
tornando-o insuficiente para que o trabalhador possa viver satisfatoriamente. Este artifício transforma,  
“dentro de certos limites, o fundo necessário de consumo do trabalhador num fundo de acumulação de  
capital” (MARX, 2013, p. 675).  
12  
Similarmente, os capitalistas do ramo agrícola demonstraram intenções parecidas no texto de um  
projeto de lei de 2016, posteriormente arquivado, do deputado federal Nilson Leitão, o qual permitia,  
em seu Artigo 3º, o pagamento do trabalhador rural “mediante salário ou remuneração de qualquer  
espécie” (BRASIL, 2016b, p. 1).  
13  
Há muito eliminada da maior parte das legislações trabalhistas pelo mundo, Dobb mostra como a  
prática de pagamento em gêneros causa “abusos consideráveis”. Não raramente, o patronato fornecia  
alimentos e outras mercadorias “de má qualidade, [ou que] valessem menos do que o salário  
combinado”, podendo também estar associados a estabelecimentos específicos que “cobrassem do  
operário preços exorbitantes”. A prática, portanto, atua no mesmo sentido de rebaixamento forçado dos  
salários abaixo dos bens de subsistência, pois “enseja ao empregador ocasiões de ‘dar uma boa  
mordida’ nos salários que paga”, reduzindo-os como puder (1977, pp. 81-2).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 277  
nova fase  
     
Pedro Rocha Bado  
Tal artigo também é uma reação à “equiparação em cadeia”, que foi  
estabelecida pela mesma Súmula 6. Se antes um trabalhador poderia reivindicar  
juridicamente uma equiparação salarial baseada em outra equiparação já legalmente  
reconhecida, a nova legislação proíbe esse encadeamento. Enquanto as antigas regras  
buscavam evitar certa rotatividade da força de trabalho, realizada por meio de  
demissões e novas contratações por salários mais baixos, é precisamente isso o que a  
reforma pretende facilitar.  
A ofensiva contra os sindicatos  
A alegada necessidade de maior liberdade negocial nos contratos por parte dos  
gestores políticos se manifesta principalmente em uma animosidade contra os  
sindicatos. A primeira expressão disto é o fim da participação obrigatória dos  
sindicatos nas negociações entre a empresa e os trabalhadores, obrigação que estava  
presente em muitos artigos da CLT antes da reforma. Tanto no Artigo 59 (que trata  
das horas extras diárias em seu caput, do “banco de horas” e do regime de  
compensação de jornada nos § 5º e § 6º) quanto no Artigo 59-A, que trata da jornada  
de trabalho “de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso”, a reforma  
passa a permitir o estabelecimento de vários regimes contratuais por acordo individual  
entre patrão e trabalhador (BRASIL, 2018, p. 101). De modo mais drástico, o novo  
Artigo 477-A permite “dispensas imotivadas individuais, [e] plúrimas” sem a  
“necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de  
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação” (BRASIL, 2018,  
p. 141).  
Se retornarmos ao texto de motivações da nova lei, o ministro Oliveira dizia  
que, além de mudar as condições contratuais, também se deveria criar um “ambiente  
colaborativo entre trabalhador e empresa” que melhore o “nível de produtividade”. E  
como solução para o “nível elevado de judicialização das relações do trabalho”,  
visando a que a empresa possa “se antecipar e resolver o conflito, antes que o passivo  
trabalhista se avolume” (BRASIL, 2016, pp. 8-9), a nova CLT estabelece no Artigo 510-  
A que nas “empresas com mais de 200 empregados” haverá “eleição de uma comissão  
para representá-los”, devendo, pelo Artigo 510-B, aqueles que forem eleitos,  
representar, “aprimorar” e promover “o diálogo e o entendimento”, além de prevenir  
conflitos e encaminhar “reivindicações específicas”. Por sua vez, o Artigo 510-C, que  
regula o processo de eleição dos representantes, passa a vedar, em seu §1º, a  
Verinotio  
278 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
participação do sindicato da categoria (BRASIL, 2018, p. 146).  
Em relação ao financiamento dos sindicatos, o Artigo 578 torna o “imposto  
sindical”, então obrigatório a todo trabalhador, condicionado à autorização “prévia e  
expressa” deste (BRASIL, 2018, p. 155). A indisposição do gestor político com os  
sindicatos é clara. O objetivo é que “aqueles que se sentirem efetivamente  
representados por seus sindicatos” vão pagar “suas contribuições em face dos  
resultados apresentados”, enquanto que as entidades “que não tiverem resultados a  
apresentar, aqueles que forem meros sindicatos de fachada, criados unicamente com  
o objetivo de arrecadar a contribuição obrigatória, esses estarão fadados ao  
esquecimento” (BRASIL, 2016, p. 28).  
Se, contudo, em um sentido geral, levando em conta a histórica atuação dessas  
organizações, a “ação sindical” costumava ser “um fator poderoso para contrabalançar  
a influência que o monopólio do mercado de trabalho por parte dos compradores  
exerce diretamente sobre os salários monetários” (DOBB, 1977, p. 135), não é esta a  
tendência que se percebe no atual sindicalismo brasileiro. Como já dito, fortemente  
vinculados ao estado desde sua origem, com uma antiga e bem acomodada burocracia  
dirigente, os sindicatos filiavam em 2019 apenas 11,2% da população trabalhadora  
(IBGE, 2020). Os anos dos governos do PT partido que ainda mantém controle sobre  
grande parte das entidades sindicais também contribuíram para moldar esse quadro.  
Trata-se de um período em que o partido ocupou simultaneamente o aparelho estatal  
e os órgãos de direção sindical, promovendo uma política de colaboração entre as  
classes que refreava qualquer ímpeto político do proletariado. Ainda assim, esse fator,  
por si só, não explica o enfraquecimento tão acentuado das organizações sindicais,  
que só se torna compreensível ao se constatar a profunda derrota histórica das forças  
do trabalho em escala mundial ao longo do último século. É a soma de tais fatores  
que conforma um sindicalismo pragmatista, que prioriza as reivindicações  
fragmentadas das categorias profissionais, adensando o institucionalismo conciliatório  
e subalterno que marcou a gênese dos sindicatos no Brasil.  
É evidente que se poderia argumentar que a reforma atendeu a antigas  
demandas de certos setores da esquerda brasileira inclusive de alguns marxistas –  
por um sindicalismo desvinculado do estado, abrindo, em tese, a possibilidade de  
reconstruir um movimento mais dinâmico, livre das amarras da velha burocracia. Mas,  
independentemente do juízo político que se possa fazer de mecanismos como o  
desconto salarial obrigatório, o fim deste modo de financiamento impacta profunda e  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 279  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
imediatamente toda a estrutura sindical do país, já que ela depende essencialmente  
desta fonte. É por saber da fragilidade política do sindicalismo neste momento  
histórico que o gestor político do capital aproveita para atuar de maneira preventiva  
contra os sindicatos, isto é, precisamente porque sabe que há décadas o sindicalismo  
brasileiro sobrevive não da mobilização e do convencimento dos trabalhadores, mas  
de um imposto compulsório arrecadado independentemente do nível de integração  
entre direção sindical e sua base.  
Além disso, se for efetivado, o sistema de eleições de representantes por fábrica  
sem vínculo sindical tende a substituir os sindicatos nos locais de trabalho. Se em  
muitos casos o próprio sindicato já é um preposto do patronato, as comissões de  
representantes podem ser ainda mais facilmente instrumentalizadas pela direção da  
empresa. Podendo interferir nas negociações, tratar diretamente com a administração  
e assumir outras funções sindicais, a representação por local de trabalho tem potencial  
de tornar-se mais um instrumento de sabotagem da organização dos trabalhadores,  
tendo em vista o nível de desorganização e de dispersão ideológica em que se  
encontra o proletariado.  
Pode-se, portanto, dizer que, antes de ser resultado do poder ameaçador do  
trabalho frente ao capital, a ofensiva da reforma trabalhista contra os sindicatos é o  
atestado de derrotas fragorosas. A própria tramitação desta lei contou com pouca  
resistência social efetiva, demonstrando, mais uma vez, que os gestores políticos do  
capital atrófico tinham em conta a incapacidade das forças do campo do trabalho de  
reagirem. Prova cabal deste ímpeto dos gestores políticos contra os sindicatos foi o  
Artigo 611-A (BRASIL, 2018, p. 159), que instituiu o que popularmente se chama de  
preponderância do “negociado sobre o legislado”, demonstrando que o capital está  
seguro de que nas negociações, sob a livre lei do mercado, obterá vantagem.  
A fraude como máxima do capital  
Analisando os diferentes dispositivos da CLT reformada, mais do que a  
legalização das possibilidades de redução direta dos salários, ficou evidente a  
possibilidade do rebaixamento salarial naquilo de que a lei não fala, isto é, naquilo  
que ela não legaliza diretamente, mas facilita que ocorra. Prevalece aqui a lógica  
segundo a qual o capitalista, como comprador da força de trabalho, faça valer seu  
direito de máximo aproveitamento da mercadoria que comprou.  
A fraude é antiga companheira do capital. Há muito ele lança mão da burla  
Verinotio  
280 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
como meio de satisfação de sua avidez pelo mais-valor, tal como mostra Marx ao  
transcrever trechos dos relatórios de inspetores de fábricas da Inglaterra da segunda  
metade do século XIX:  
O fabricante fraudulento [...] subtrai cinco minutos tanto no início  
como no final da 1/2 hora nominalmente reservada ao café da manhã,  
e mais 10 minutos tanto do início como no final da hora destinada ao  
almoço. Aos sábados, ele trabalha até 1/4 de hora depois das duas  
da tarde às vezes mais, às vezes menos. Desse modo, seu ganho é  
de: ou cinco horas e 40 minutos por semana, o que, multiplicado por  
50 semanas de trabalho ao ano, depois de subtraídas duas semanas  
relativas aos feriados e a interrupções eventuais, totaliza 27 horas de  
jornadas de trabalho. (HORNER, INSPECTOR OF FACTORIES apud  
MARX, 2013, p. 315)  
Se tal prática parece pouco compensatória para o capital, o depoimento de um  
capitalista recolhido por outro inspetor fabril inglês é bem ilustrativo quanto a isso:  
“Se permitires” – disse-me um fabricante muito respeitável – “que eu  
faça com que meus operários trabalhem diariamente apenas 10  
minutos além do tempo da jornada de trabalho, colocarás em meu  
bolso £1.000 por ano.” “Os pequenos momentos são os elementos  
que formam o lucro.” (REPORTS OF THE INSPECTORS OF FACTORIES  
apud MARX, 2013, p. 317)  
Nesse sentido, o Artigo 4º da CLT, que estabelece como “serviço efetivo” aquele  
“período em que o empregado esteja à disposição do empregador”, seja “aguardando  
ou executando ordens”, ganhou com a reforma um § 2º que estabelece que não  
configuram “tempo à disposição do empregador” os casos em que o empregado, “por  
escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas  
ou más condições climáticas”, bem como ao “adentrar ou permanecer nas  
dependências da empresa para exercer atividade particulares” como “descanso”,  
“estudo”, “alimentação”, “higiene pessoal” ou “troca de roupa ou uniforme, quando  
não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa” (BRASIL, 2018, p. 95).  
Não seria absurdo imaginar esta inovação legislativa como o ensejo para  
prolongamento da jornada por meio da fraude. Como mostra, mais uma vez, o inspetor  
inglês do longínquo século XIX:  
“Muitas vezes, quando flagramos pessoas trabalhando durante a hora  
da refeição ou em outras horas ilegais, ouvimos a evasiva de que esses  
trabalhadores não querem de modo algum deixar a fábrica e precisam  
ser forçados a interromper o seu trabalho” (limpeza das máquinas  
etc.), “especialmente aos sábados.” (REPORTS OF THE INSPECTORS  
OF FACTORIES apud MARX, 2013, p. 315)  
Como bem disse este mesmo inspetor, para “‘muitos fabricantes, o lucro extra  
a ser obtido com o sobretrabalho além do tempo legalmente estabelecido parece ser  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 281  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
uma tentação grande demais para que possam resistir a ela’”. Os capitalistas  
“‘consideram a probabilidade de serem descobertos” e, assim, “calculam que, mesmo  
que sejam apanhados, o pequeno valor das multas e dos custos judiciais ainda lhes  
garante uma boa margem de ganho’” (REPORTS OF THE INSPECTORS OF FACTORIES  
apud MARX, 2013, p. 316).  
Se nem mesmo o temor da punição costumava impedir o capitalista fraudulento  
inglês, portanto, mal se podem imaginar as consequências de um artigo como o 59-B  
da CLT, que diz que o não atendimento das “exigências legais para compensação de  
jornada”, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, “não implica a  
repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não  
ultrapassada a duração máxima semanal”, de modo que agora o empregador deverá  
“apenas o respectivo adicional” (BRASIL, 2018, p. 102). E aqui é interessante observar  
que aqueles casos de que fala o inspetor inglês, “‘em que o tempo adicional é obtido  
pela multiplicação de pequenos furtos [...] no decorrer do dia’”, havendo “‘dificuldades  
quase intransponíveis para a obtenção de provas da infração’” (REPORTS OF THE  
INSPECTORS OF FACTORIES apud MARX, 2013, p. 316), não parecem tão distante de  
nosso tempo histórico. Caso seja comprovada a fraude, recai sobre o empregador nada  
mais que pagamento que já era legalmente devido, sem nenhum tipo de multa.  
Certamente, este é um grande incentivo para que o empregador se arrisque a cometer  
“pequenos furtos”.  
Mas a fraude não está apenas na extensão da jornada de trabalho. Com a  
reforma, é possível identificar a intenção da burla no já citado Artigo 59 que, ao  
permitir o acréscimo de duas horas extras diárias “por acordo individual”, não exige  
mais que o acordo seja estritamente por escrito (BRASIL, 2018, p. 101). O acordo  
tácito entre empregador e trabalhador, presente também nos § 5º e § 6º do mesmo  
artigo como instrumento de adesão ao chamado “banco de horas” e ao regime de  
compensação de jornada, pode se tornar uma ferramenta de constrangimento para  
que o empregado aceite condições desfavoráveis. Em última instância, o acordo tácito  
diante dos tribunais pode ser visto como “palavra contra palavra”, o que encobre o  
efetivo jugo econômico do capitalista sobre o empregado no ambiente de trabalho.  
Por outro turno, o novo Artigo 75-D da CLT estabelece que, no regime de  
“teletrabalho”, a “aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos  
tecnológicos” e da “infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho  
remoto” serão “previstas em contrato escrito”, de modo que aqui fica aberta a  
Verinotio  
282 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
possibilidade de se negociar a respeito dos instrumentos de trabalho, que, de maneira  
fraudulenta, podem ser descontados do salário, mesmo que isso seja expressamente  
proibido. Não bastasse isso, ainda que o Artigo 75-E dê ao empregador a incumbência  
de instruir ao trabalhador precauções “a fim de evitar doenças e acidentes de  
trabalho”, em seu parágrafo único fica estabelecido que o trabalhador “deverá assinar  
termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo  
empregador” (BRASIL, 2018, p. 104), abrindo margem para que a saúde e os acidentes  
de trabalho deixem de ser reconhecidos nos tribunais como responsabilidade do  
patronato.  
A investida contra o ramo trabalhista do judiciário  
Diante de tudo que foi exposto, é preciso acentuar que a eficiência da fraude  
seria reduzida caso a fiscalização contra patrões e diretores permanecesse rígida. Não  
por coincidência, não só o sindicato foi alvo da ofensiva legislativa, mas, como já  
mencionamos, a administração institucional trabalhista também o foi. Isso se deve ao  
fato de que as relações de trabalho sempre se mantiveram relativamente escrutinadas  
pelos órgãos estatais, principalmente pelo braço judiciário especializado no tema: a  
Justiça do Trabalho.  
Essa fiscalização estava vinculada a uma forma histórica específica de  
administração da força de trabalho, assumida pelo direito trabalhista durante a  
industrialização do capitalismo brasileiro, de via colonial, que promovia uma  
perspectiva colaboracionista e institucionalizada da relação entre capital e trabalho. A  
densa estrutura estatal dedicada a este ramo materializa a concepção da CLT varguista:  
a de que, para que a reprodução do capital se perpetue sem grandes dificuldades, a  
parte mais fraca da “relação jurídica” – na verdade, da relação econômica deveria ser  
tratada juridicamente como tal. Não por outra razão, os gestores políticos que  
elaboraram a reforma trabalhista expressam tão eloquentemente a sensação de falta  
de liberdade negocial e de intervenção estatal extrema nas relações trabalhistas. Daí  
resulta também o combustível para a investida contra as normas processuais  
trabalhistas, buscando atingir os quadros jurídicos e técnicos que recebem as  
reclamações laborais, os quais, como mencionamos anteriormente, são acusados de  
parcialidade e “ativismo judicial”.  
Antes da reforma, as ações na Justiça do Trabalho estavam crescendo  
constantemente, chegando a aumentar 25% em 2016 quando comparado com o ano  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 283  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
de 2010 (TST, 2019, p. 11). Ao que parece, o ramo judicial trabalhista seguia  
desempenhando a tarefa histórica para a qual foi criado, amortecendo os conflitos  
entre capital e trabalho ao lhes dar vazão pela via jurídica. Por essa razão, a reforma  
de 2017 buscou criar na CLT empecilhos para que o empregado acione o judiciário.  
Além do Artigo 790, § 3º, que tornou a concessão de gratuidade da justiça uma  
faculdade do magistrado, a inovação legislativa criou, no Artigo 844, a possibilidade  
de que o trabalhador tenha de arcar com as custas do processo. Além disso, nos  
Artigos 791-A, § 4º e 790-B, inauguram-se hipóteses em que os honorários  
advocatícios e as despesas periciais do empregador recaiam sobre o trabalhador, ainda  
que a ele tenha sido concedida a gratuidade no começo do processo. No mesmo  
sentido, segundo o Artigo 793-A, o trabalhador que ingressar com uma reclamação  
pode também responder por litigância de má-fé caso o juiz assim entenda (BRASIL,  
2018, p. 184). Ainda que não tenhamos nos dedicado à análise do impacto concreto  
dessas alterações legais, é notável o fato de que, após tais mudanças processuais, no  
período de um ano, entre 2017 e 2018, o número de novas ações caiu em 21% (TST,  
2019, p. 11).  
Nesse sentido, também é revelador o incômodo público do alto escalão da  
burocracia especializada na gestão da força de trabalho. Em 2019, o então chefe do  
Ministério Público do Trabalho, o procurador-geral Ronaldo Fleury, declarou em  
entrevista que, a partir de 2015, houve “um movimento muito direcionado à  
flexibilização da legislação trabalhista e, ultimamente, à extinção da legislação  
trabalhista” (SAKAMOTO, 2019).  
Além disso, já em 2016 portanto, antes mesmo da aprovação da reforma  
trabalhista , o orçamento da Justiça do Trabalho sofreu cortes expressivos: 92% nas  
verbas de investimento e 32% nas de custeio (TRT5, 2016). Em 2019, o governo  
Bolsonaro, além da extinção do Ministério do Trabalho, promoveu uma drástica  
redução de mais de 50% do orçamento destinado à fiscalização trabalhista (RESENDE;  
BRANT, 2020). Ainda que não tenhamos analisado os dados a respeito destes cortes  
orçamentários, é possível dizer que tais fatos revelam, no mínimo, o animus dos  
gestores políticos do capital frente à estrutura estatal trabalhista. E aqui é importante  
observar que este não é um itinerário novo na história capitalista, nem menos eficiente  
no enfrentamento do capital contra a força de trabalho, uma vez que:  
De 1802 a 1833, o Parlamento [inglês] aprovou cinco leis  
trabalhistas, mas foi esperto o bastante para não destinar nem um  
centavo para sua aplicação compulsória, para a contratação dos  
Verinotio  
284 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
funcionários necessários ao cumprimento das leis etc. Estas  
permaneceram letra morta. (MARX, 2013, p. 350)  
Assim, em nosso caso, parece que, se o gestor político do capital não pôde  
abolir completa e diretamente a proteção jurídica dos trabalhadores pela via  
legislativa, ele busca aboli-la na prática, transformando-a em “letra morta”.  
Considerações finais  
Diante da análise da exposição de motivos e dos artigos da lei alterados pela  
reforma trabalhista de 2017 tendo-se em conta o elemento conjuntural do aumento  
da massa salarial em prejuízo do capital nos anos anteriores , fica patente, em  
primeiro lugar, como alguns dispositivos permitem tanto a retirada direta de verbas  
do salário, como também a extensão da jornada de trabalho. Desse modo, para usar  
as palavras de Marx a que já nos referimos, a lei da reforma trabalhista poderia ser  
chamada de uma expressão positiva da avidez por mais-valor, na medida em que,  
claramente, possibilita uma intensificação da exploração da força de trabalho.  
Mas nem todas as alterações legais configuram explicitamente, para utilizar a  
linguagem dos juristas, uma “retirada de direitos”. A tentativa de reduzir a participação  
da massa salarial no total do valor socialmente produzido parece ocorrer, no texto  
legal, sobretudo por meios dissimulados. A lei facilita e generaliza práticas que, de  
certa forma, já ocorrem cotidianamente, como a extensão da jornada pelo “furto” de  
pequenos intervalos de descanso e pela redução do salário por meio da sonegação de  
frações aparentemente irrelevantes. Para que o poder direto do empregador e de seus  
prepostos possa ser exercido mais livremente no ambiente de trabalho, eles têm diante  
de si a possibilidade de atuarem por meio de pequenos constrangimentos e de uma  
pressão difusa contando com artifícios como o do acordo tácito , de modo a se  
aproveitarem da “boa vontade” e da “disposição” do trabalhador que, na verdade, vê-  
se assombrado pela possibilidade da demissão.  
Além disso, é importante destacar que, ao limitarmos nossa análise ao texto da  
lei da reforma trabalhista de 2017, não foi possível examinar os impactos concretos  
desta legislação sobre os salários no Brasil, nem sobre a estrutura da Justiça do  
Trabalho. Quase uma década após a reforma que, nos anos seguintes, foi  
acompanhada por diversos instrumentos jurídicos com objetivos semelhantes, como a  
lei da terceirização de 2017 e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e  
da Renda de 2020 , já seria possível delinear alguns impactos econômicos sobre a  
massa salarial. Da mesma maneira, passados quase três anos desde o retorno do PT  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 285  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
ao poder executivo, também seria possível identificar não apenas as descontinuidades,  
mas, sobretudo, as continuidades no que se refere à política econômica sobre os  
salários, aos sindicatos e aos direitos trabalhistas. Contudo, essas análises ficam  
reservadas para um momento mais oportuno.  
Ao fim, interessa-nos demarcar aqui o sentido geral que a reforma de 2017  
parece ter no processo de desenvolvimento do capitalismo híper-tardio brasileiro. Para  
isso, é importante notar que, na exposição de motivos da lei, a exigência dos gestores  
políticos do capital por um estado menos interventivo, por maior segurança jurídica e  
por mais liberdade negocial aparece como signo fundamental. Por mais caricato que  
pareça o argumento, trata-se de uma oposição precisa à forma de regulamentação do  
mercado de trabalho historicamente constituída no Brasil. Como vimos, no século XX,  
a estrutura jurídica trabalhista que concedia alguma proteção econômica aos  
trabalhadores, enquanto mantinha sua ação política de classe sob os estreitos limites  
do direito contribuiu para sustentar a industrialização economicamente subordinada  
do país. Sob a sina da via colonial de objetivação do capitalismo, deu-se uma  
modernização na qual aquilo que havia de socialmente arcaico era reatualizado. A  
classe trabalhadora urbana, de modo essencialmente subalternizado, foi integrada a  
este processo para que a acumulação capitalista, de modo geral, não sofresse grandes  
perturbações.  
Com a atual derrota histórica das forças do trabalho além da acomodação  
subordinada do Brasil no mercado mundial, após atingir o máximo possível de seu  
desenvolvimento capitalista híper-tardio , entretanto, a situação mudou  
substantivamente. Diante da necessidade de recomposição dos rendimentos do capital  
frente ao crescimento da massa salarial, os gestores políticos do capital atrófico atacam  
diretamente a legislação trabalhista, esta última barreira ainda que originalmente  
conservadora contra a mais pura selvageria capitalista.  
Temos aqui o contraste entre duas manifestações históricas distintas do mesmo  
capital atrófico, um contraste que evidencia a reprodução da miséria brasileira em  
sentido exponencial. No tempo do Estado Novo, a cooptação dos trabalhadores por  
meio da legislação trabalhista esta forma socialmente miserável de incorporação do  
proletariado pela senda político-institucional era parte importante da ação  
vanguardista do estado, o qual, naquele momento, exercendo sua função de  
“capitalista global real”, tinha como objetivo contornar a debilidade genética da  
burguesia de via colonial na tarefa de garantir e expandir a acumulação capitalista em  
Verinotio  
286 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
geral. Por outro lado, no contexto da reforma trabalhista de 2017, a gestão política  
do capital que já não se dá por meio daquele poder centralizado estado-novista e já  
não possui as ilusões industrializantes dos anos 1930 , buscou dar respostas muito  
mais imediatas às necessidades mais particularistas e açodadas do capital. Tratava-se  
de remediar os problemas criados pela própria natureza historicamente incompleta e  
incompletável do capital atrófico nestas paragens.  
Afinal, tendo a reprodução ampliada da miséria brasileira como único horizonte,  
os gestores econômicos sistematicamente incapazes de elevar a composição  
orgânica do capital acabaram, paradoxalmente, por favorecer o aumento da massa  
salarial. À medida que essa massa crescente parece comprometer de maneira  
significativa a parcela do mais-valor apropriada pelo capital, surge, pelas mãos do  
gestor político do capital atrófico, uma resposta igualmente miserável: um franco  
ataque aos dispositivos legais que, historicamente, mantinham a exploração da força  
de trabalho em níveis mais ou menos suportáveis. É neste contexto que a reforma  
trabalhista de 2017 se apresenta, para nós, como mais um elemento constitutivo da  
miséria brasileira, expressão concreta do modo de ser e de ir sendo do capital atrófico  
na atual etapa histórica do Brasil.  
Referências bibliográficas  
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 49. ed. São Paulo: LTr, 2018.  
BRASIL. Parecer ao projeto de lei nº 6.787, de 2016. 2017. Disponível em:  
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544  
961>. Acesso em: 12 mar. 2025.  
BRASIL. Projeto de lei nº 6.787, de 2016. 2016. Disponível em:  
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=124  
55D4D33F9A65323D00C0BE624813%202.proposicoesWebExterno1?codteor=  
1544128&filename=Avulso+-PL+6787/2016>. Acesso em: 11 mar. 2025.  
BRASIL.  
Projeto  
de  
lei  
nº,  
de  
2016.  
2016b.  
Disponível  
em:  
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1505  
778&filenam e=PL+6442/2016>. Acesso em: 12 mar. 2025.  
CHASIN, J. A miséria brasileira: 1964-1994 - do golpe militar à crise social. Santo  
André: Ad Hominem, 2000.  
CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo  
híper-tardio. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.  
COUTINHO, C. N. Literatura e humanismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.  
DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.  
DIEESE. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho  
e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. Nota técnica  
nº 172. São Paulo: Dieese, 2017.  
DOBB, M. Os salários. São Paulo: Cultrix, 1977.  
ENGELS, F. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring. São  
Paulo: Boitempo, 2015.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 287  
nova fase  
Pedro Rocha Bado  
IBGE. Taxa de sindicalização cai a 11,2% em 2019, influenciada pelo setor público.  
Agência  
IBGE  
Notícias,  
26  
ago.  
2020.  
Disponível  
em:  
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-  
noticias/noticias/28667-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-11-2-em-2019-influenciada-  
pelo-setor-  
publico#:~:text=Destaques,menos%20531%20mil%20pessoas%20sindicalizada  
s>. Acesso em 13 mar. 2025.  
IEDI.  
Indústria  
e
o
Brasil  
do  
futuro.  
2018.  
Disponível  
em:  
Acesso em 20 mar. 2025.  
JORGE, T. M. Gestores do capital e a crise econômica brasileira (2009-2018). 2019.  
Dissertação (Mestrado) apresentada à Faculdade de Administração e Ciências  
Contábeis da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2019.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. 1. São Paulo: Boitempo, 2012.  
MARQUETTI, A.; HOFF, C.; MIEBACH, A. D. Lucratividade e distribuição: a origem  
econômica da crise política no Brasil. XXII Encontro de Economia Política, 2017.  
Disponível em: <https://hdl.handle.net/10923/20835>. Acesso em: 23 mar. 2025.  
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de reprodução do  
capital. São Paulo: Boitempo, 2013.  
MARX, K. Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O rendimento e  
suas fontes: a economia vulgar. São Paulo: Abril Cultural, 1982.  
MATEO, Juan Pablo. The accumulation of capital and economic growth in Brazil: a long-  
term perspective (19502008). Review of Radical Political Economics, 2018.  
MUNAKATA, K. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981.  
OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista; O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.  
PAÇO CUNHA, E. A função do direito na via colonial. Anais do Colóquio Internacional  
Marx e o Marxismo 2017: De O capital à Revolução de Outubro (18671917).  
Niterói, ago./2017.  
PANITCH, L.; GINDIN, S. The making of global capitalism: the political economy of  
American empire. Londres: Verso, 2012.  
PEIXOTO, A. V. A. Getúlio Vargas, meu pai: memórias de Alzira Vargas do Amaral  
Peixoto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.  
PELAJO, C. Brasil encerra 2014 com a menor taxa de desemprego já registrada. G1,  
29  
jan.  
2015.  
Disponível  
em:  
<http://g1.globo.com/jornal-da-  
globo/noticia/2015/01/brasil-encerra 2014-com-menor-taxa-de-desemprego-ja-  
registrada.html>. Acesso em: 13 mar. 2025.  
PRADO JR., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961.  
RESENDE, T.; BRANT, D. Verba para fiscalizações trabalhistas cai pela metade no  
governo Bolsonaro. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 set. 2020. Disponível em:  
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/09/verba-para-fiscalizacoes-  
trabalhistas-cai-pela-metade-no governo-bolsonaro.shtml>. Acesso em: 14 mar.  
2025.  
RIBEIRO, A. J. G.; GURGEL, C. R. M. Queda da taxa de lucro e exploração da força de  
trabalho na 3ª geração do neoliberalismo no Brasil. Enanpad 2020. Evento on-line,  
2020.  
Disponível  
em:  
<https://drive.google.com/file/d/18X9Q6azvcCP8SYMbnKE0g7VTU1jlGg_z/view>.  
Acesso em: 20 mar. 2025.  
SAKAMOTO, L. Há um movimento para a extinção das leis trabalhistas, diz chefe do  
MPT.  
<https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas  
procurador-geral-trabalho-ronaldo-fleury.htm>. Acesso em: 18 mar. 2025.  
UOL,  
São  
Paulo,  
21  
ago.  
2019.  
Disponível  
em:  
noticias/2019/08/21/entrevista-  
Verinotio  
288 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira  
TRT5. Ato alerta para riscos dos cortes orçamentários na Justiça do Trabalho. Secom  
TRT5, 6 jul. 2016. Disponível em: <https://www.trt5.jus.br/noticias/ato-alerta-para-  
riscos-cortes-orcamentarios-justica-  
trabalho#:~:text=A%20sociedade%20deve%20reagir%20para%20reverter%20  
os,Diretrizes%20Or%C3%A7ament%C3%A1rias%20de%202017%2C%20j%C3  
%A1%20em%20discuss%C3%A3o>. Acesso em: 26 mar. 2025.  
TST. Indicadores da Justiça do Trabalho. Brasília: Coordenadoria de Estatística e  
Pesquisa do TST, 2019.  
VIANNA, L.W. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.  
VIDIGAL, L. CNI causa polêmica ao citar jornada de trabalho de 80 horas semanais.  
Estado de Minas, Belo Horizonte, 08 jul. 2016. Disponível em:  
<https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2016/07/08/internas_economia,7  
81612/cni-causa-polemica-ao-citar-jornada-de-trabalho-de-80horas-  
semanais.shtml>. Acesso em: 15 mar. 2025.  
Como citar:  
BADO, Pedro Rocha. A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria  
brasileira: o rebaixamento salarial como objetivo da lei. Verinotio, Rio das Ostras, v.  
30, n. 1, pp. 259-289, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 259-289 jan.-jun., 2025 | 289  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.751  
A crise que se agrava e a  
miséria brasileira que persiste  
The crisis that worsens and the  
Brazilian poverty that persists  
Thiago Martins Jorge*  
Resumo: Este trabalho parte do ponto de  
chegada do itinerário chasiniano, no que tange à  
investigação das bases materiais da crise do  
capitalismo e da miséria brasileira, e investiga  
seus desdobramentos posteriores. Para isso, o  
artigo analisou o quadro mais geral da economia  
global para, a partir dele, investigar o estágio  
atual da forma como a economia brasileira nele  
se insere. Verificou-se que houve tanto um  
agravamento dos problemas universais quanto  
um esmagamento do campo de possibilidades  
da situação brasileira, em particular.  
Abstract: This work starts from the point of  
arrival of Chasin's itinerary, with regard to the  
investigation of the material bases of the crisis  
of capitalism and "Brazilian poverty", and  
investigates its subsequent developments. To  
this end, the article analyzed the more general  
picture of the global economy in order to  
investigate the current stage of the way the  
Brazilian economy is inserted in it. It was found  
that there was both an aggravation of universal  
problems and a crushing of the field of  
possibilities of the Brazilian situation, in  
particular.  
Palavras-chave: Miséria brasileira; economia  
global; economia brasileira; capital atrófico;  
corrida capitalista.  
Keywords: Brazilian poverty; global economy;  
Brazilian economy; atrophic capital; capitalist  
race.  
Introdução  
No conjunto de textos que formam o compilado de A miséria brasileira,  
encontramos uma das mais ricas análises da formação e dos desdobramentos do  
capitalismo brasileiro. Ao longo de textos escritos nos mais diversos contextos  
políticos e enfrentando um amplo leque de questões, J. Chasin não só captou os  
problemas essenciais na constituição do capital em território brasileiro, mas sugeriu  
linhas de ação e também denunciou vícios na atuação das principais lideranças  
políticas formadas no período.  
Em total coerência com a afiliação teórica do autor, o livro não fica restrito a  
análises políticas divorciadas da dinâmica econômica, do mesmo modo que não deixa  
* Mestre em administração pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: thiago.jorge@ufjf.br.  
Orcid: 0000-0002-2798-2433.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
de reconhecer os efeitos das decisões políticas sobre o desenrolar dessa mesma  
dinâmica. Ou seja, sem se deslumbrar com o politicismo em voga, mas também sem  
recair no erro oposto o economicismo , Chasin colocou em primeiro plano as  
questões-chave que explicam a particularidade do capitalismo brasileiro.  
É claro, no entanto, que 30 anos após a publicação do último texto do  
compilado o cenário já não é mais o mesmo. Na medida em que, globalmente, a base  
econômica foi lentamente se deteriorando, o clima de otimismo que contagiava os  
intelectuais mais bem ajustados à ordem capitalista já não mais existe. Nessa linha,  
enquanto a globalização do capital causa preocupação mesmo entre aqueles que,  
outrora, foram os seus maiores impulsionadores, um clima de inimizade toma conta  
das relações internacionais e o perfil médio das lideranças políticas não poderia se  
afastar mais do perfil “sóbrio” das principais lideranças dos anos 1990.  
Esses fatos, contudo, devem ser cuidadosamente analisados como  
desdobramentos históricos daquela estrutura econômico-social identificada por Chasin  
e cujos fundamentos já haviam sido delineados por Marx. Ou seja, há novidades  
importantes, mas, enquanto tais, só podem ser corretamente compreendidas dentro  
do quadro histórico delineado pelo filósofo brasileiro e respeitados os mecanismos de  
funcionamento próprios do modo de produção capitalista.  
Buscaremos, portanto, ao longo deste texto, partindo daquele que foi o ponto  
de chegada de Chasin, encarar seus desdobramentos e jogar luz sobre as bases  
econômicas que sustentam a trama global na terceira década do século XXI, com  
destaque para a particularidade brasileira. Importante salientar, no entanto, que tal  
empreendimento apresenta valor não como uma mera homenagem a J. Chasin (por  
mais que fosse justa). Mas, ao reconhecer o autor como um dos grandes observadores  
da formação do capitalismo brasileiro, podemos partir das bases sólidas por ele  
construídas e, desse modo, ainda que com limitações, investigar o estágio atual da  
inserção brasileira no capitalismo global.  
Para melhor esclarecimento metodológico, porém, é fundamental afastarmos  
qualquer impressão determinística de que a malha societária brasileira seria hoje um  
mero “desdobramento natural” (ou seja, o único desdobramento possível) daquele  
contexto social estudado pelo nosso autor. Tal observação ganha importância por duas  
grandes razões. A primeira delas, como já enfatizamos, é o fato de Chasin, ao captar  
os nós centrais da estrutura societária brasileira, parecer, até certo ponto, antecipar  
coisas que ainda estavam por vir. Apesar de ter muitos méritos por isso, não é  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 291  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
incomum que outros analistas recortem esses traços antecipatórios do seu contexto  
analítico e passem a avaliá-los por si sós.  
Apontamos esse fato com o intuito de sinalizar que, neste texto, não  
buscaremos avaliar se eventuais projeções traçadas por Chasin se confirmaram ou não.  
Na contramão disso, a partir do que de fato se realizou, buscaremos investigar as  
pontes existentes entre tais fatos e o quadro delineado pelo filósofo brasileiro.  
Devemos também, ainda enfrentando eventuais impressões determinísticas,  
afastar a ideia de que haveria um “pecado original” na formação do capitalismo  
brasileiro e, em função dele, todo um legado de tragédias e miséria teria sido deixado.  
O autor de A miséria brasileira advertiu, em não raras ocasiões, que, ao longo da  
formação do capitalismo em território brasileiro, a evolução nacional não foi  
acompanhada por progresso social. Essa frase, contudo, não é uma “sentença de  
morte” por si só. O próprio autor sinalizava, por exemplo, que as eleições de 1989  
eram uma grande oportunidade na busca de reversão dessa máxima.  
Na medida em que a evolução nacional seguiu sendo divorciada de progresso  
social graças à ação dos indivíduos, conscientes ou não , entretanto, foram  
minguando as possibilidades de reversão desse quadro e, portanto, cada vez mais a  
sentença parece ter sido esculpida na própria formação do capitalismo brasileiro.  
Quanto às limitações deste texto, é importante advertir que, como o último  
texto chasiniano (O poder do real) é muito mais sintético, se comparado ao texto  
anterior, de 1989, é impossível investigar a fundo algumas de suas indicações  
derradeiras. Desse modo, a articulação entre esses dois momentos não pode ser  
concluída de forma imanente e, consequentemente, alguns dos delineamentos deste  
texto ficam sujeitos à nossa interpretação mas, para isso, buscamos também outras  
indicações em Poder e miséria do homem contemporâneo (CHASIN, 1997).  
Buscaremos, contudo, na medida do possível, sinalizar sempre que novas ligações  
sejam esboçadas.  
Tal elemento, todavia, não prejudica o objetivo central deste texto, que é: a  
partir dos elementos colocados em primeiro plano por Chasin, jogar luz sobre a  
posição brasileira na corrida capitalista global na terceira década do século XXI. Para  
isso, dividiremos a análise em dois momentos principais: no primeiro, buscaremos  
reconstituir a forma como Chasin entendia a trama econômica do final do século XX e  
investigar, a partir de dados concretos, como se estrutura atualmente a malha  
econômica global. No segundo, organizado de forma bastante parecida, iniciaremos  
Verinotio  
292 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
indicando alguns pontos basilares da argumentação de Chasin sobre a particularidade  
brasileira para, na sequência, novamente apoiando-nos em dados concretos, avaliar as  
atuais bases econômicas e o campo de possibilidades que delas derivam. Reservamos  
para as Considerações finais algumas indicações um pouco mais especulativas quanto  
a traços preocupantes que se insinuam no horizonte. Tais construções, no entanto,  
partirão do que foi estruturado ao longo das seções anteriores.  
Esclarecemos ainda que, para a reconstrução da argumentação chasiniana,  
debruçamo-nos principalmente sobre A sucessão na crise e a crise na esquerda: texto  
de maior fôlego, em que o autor buscou reconstruir a trama entre a economia global,  
o cenário latino-americano, o cenário brasileiro e, a partir disso, o que restava como  
possibilidade para a intervenção politicamente consciente. Não poderíamos,  
entretanto, abster-nos de investigar os delineamentos traçados mais brevemente em  
O poder do reale os seus fundamentos, em A via colonial de entificação do  
capitalismo.  
Quanto aos dados apresentados por meio de gráficos ao longo do texto, os  
bancos de dados utilizados foram os do World Bank e do Fundo Monetário  
Internacional (IMF, sigla em inglês).  
Como, porém, no tratamento desses dados faremos inferências a partir do  
Produto Interno Bruto (PIB) de diferentes países, alguns esclarecimentos de ordem  
metodológica também são importantes. O primeiro deles é o reconhecimento de que  
o PIB, da forma como é usualmente mensurado, não é uma representação precisa da  
massa de mais-valor que foi gerada por determinada economia. Inclusive, se o objetivo  
aqui perseguido fosse utilizar esses dados a fim de inferir a massa de mais-valor, uma  
série de procedimentos e esclarecimentos metodológicos adicionais seria necessária.  
Ao longo deste texto, no entanto, utilizaremos os dados do PIB como um meio  
para comparar a evolução de uma mesma economia em diferentes momentos ou para  
comparar diretamente a evolução de diferentes países. Desse modo, o que nos  
interessa são os valores em termos relativos e não de forma absoluta. Portanto,  
matematicamente, os ajustes que seriam necessários acabam se anulando e, assim,  
podemos empregar os dados sem nos preocuparmos com tais ajustes1.  
Um segundo esclarecimento é importante devido a certa aversão nutrida em  
relação à utilização do PIB para medir sucesso ou fracasso de determinadas economias.  
1 Caso, no entanto, o leitor tenha interesse em se aprofundar nestas questões, recomendamos algumas  
das apresentações que o professor Tomas Rotta publicou em seu canal no Youtube, que leva seu nome.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 293  
nova fase  
 
Thiago Martins Jorge  
Quanto a esse ponto, poderíamos inclusive nos aprofundar no estabelecimento de  
pontes entre o teor dessa crítica e o paradigma politicista que marca nossos tempos,  
que tende a subestimar questões ligadas à geração da riqueza e superestimar a  
atuação política na esfera da distribuição.  
Para os fins aqui almejados, contudo, é importante indicar somente que  
utilizamos o PIB como um dado aproximativo para medir os resultados de  
determinados sistemas produtivos, ou seja, estamos nos debruçando sobre a esfera  
da produção e a massa de riqueza gerada. Obviamente, caso a finalidade proposta  
fosse avaliar como acontece a distribuição dessa riqueza, outros dados seriam mais  
adequados. Podemos, contudo, ao menos indicar que, ainda que a questão  
distributivista estivesse em primeiro plano, a geração da riqueza seguiria tendo grande  
importância; afinal de contas, para que algo seja distribuído, primeiramente, este algo  
deve ter sido gerado. Desse modo, em oposição às análises politicistas, teremos que  
necessariamente enfrentar as questões produtivas, mesmo quando encaramos  
questões ligadas à esfera da distribuição ou à própria atuação dos gestores políticos  
do capital.  
Em suma, guiados pela assertiva chasiniana, de que o “politicismo é um  
fenômeno simétrico ao economicismo” (2000, p. 123), devemos reconhecer também  
que: a atuação política deve constantemente buscar influenciar a dinâmica econômica  
no sentido da acumulação capitalista, do mesmo modo que a dinâmica econômica  
influencia o perfil das lideranças políticas e delimita o leque de ações desejáveis. Os  
gestores políticos devem constantemente avaliar potenciais impactos sociais, ainda  
que tal avaliação ocorra como uma defesa da própria acumulação de capital. Tal  
cuidado, no entanto, constantemente os coloca em oposição a determinados grupos  
econômicos (que analisam quase que exclusivamente os seus interesses diretos).  
Nessa linha, como veremos ao longo das próximas páginas, uma das grandes  
questões que têm se colocado tanto na prática quanto no reconhecimento teórico –  
envolve como os gestores políticos do capital poderiam momentaneamente escapar à  
pressão direta dos detentores de capital e ativar mecanismos econômicos numa  
direção que busque impulsionar a acumulação como um todo (ainda que, para isso,  
tenham que prejudicar grupos econômicos já consolidados). Tal questionamento tem  
sido colocado tanto internacionalmente como na particularidade brasileira, na medida  
em que a crise capitalista se agrava.  
Verinotio  
294 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
1. A corrida capitalista 30 anos depois  
Antes de demarcarmos aquele que foi o ponto de chegada do itinerário de J.  
Chasin, quando se trata do reconhecimento dos imbróglios do capital em termos  
globais, vale a pena sinalizar a importância de reconhecer essa trama antes de  
investigarmos as particularidades do capital em território brasileiro.  
A delimitação do quadro de possibilidades dentro da malha global é elemento  
condicionante para analisar o campo do possível e do impossível, quando centramos  
nossos esforços sobre o Brasil. Sem ela, poderíamos facilmente superestimar o efeito  
esperado de certas ações e, assim, cairmos nas tentações voluntaristas ressuscitando,  
por exemplo, o que Chasin (2000b, p. 177) indicava como as “ilusões do capitalismo  
autônomo”.  
Nessa linha, não se trata de um mero capricho o esforço chasiniano para  
distinguir a forma de inserção das nações de capitalismo tardio e as nações de  
capitalismo hipertardio. Essa forma de inserção condicionou e ainda vem  
condicionando o campo de possibilidades. Do mesmo modo que o uso de “capital  
atrófico” – outro termo caro a Chasin também sinalizava uma redução no campo de  
possibilidades, quando comparado com o capital em sua plenitude.  
Paralelamente, o autor também colocava com muita clareza a ideia de que os  
conflitos que movimentam o sistema capitalista não podem ser simplesmente divididos  
em duas frações. Obviamente, os embates entre capital e classe trabalhadora, mesmo  
quando adormecida, é condicionante central (sem a qual não estaríamos diante do  
modo de produção capitalista); porém, sem o reconhecimento do caráter  
inerentemente competitivo deste modo de produção o quadro ficaria incompleto e  
incompreensível.  
A própria forma como Chasin encarava a inserção de novas nações na corrida  
capitalista (países de formação de capitalismo tardia e híper-tardia) já colocava em  
primeiro plano esse caráter competitivo e sua urgência temporal. Esse ponto é  
fundamental, pois, pautado nele, o autor pôde analisar o campo de possibilidades sem  
incorrer em tentações voluntaristas.  
Devemos, por outro lado, salientar que, dentro desses embates competitivos  
entre diferentes frações do capital, a classe trabalhadora é usualmente utilizada como  
meio de promover o sucesso de uma fração em detrimento de outra.  
Pautados nisso, podemos, portanto, investigar aqueles que foram os pontos de  
chegada do itinerário chasiniano e o novo itinerário que se iniciou após a conclusão  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 295  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
do primeiro. Considerando, contudo, a grande importância dessas questões  
competitivas, que condicionam a inserção das diferentes nações na corrida capitalista,  
devemos iniciar o percurso partindo do que poderíamos chamar de “regras da corrida”.  
Nessa direção, já no final dos anos 1980, Chasin reconhecia que o resultado  
dos seguidos ciclos de acumulação de capital não era a eliminação do caráter  
competitivo da ordem capitalista, mas sim uma alteração na sua dinâmica.  
Em verdade, trata-se de um panorama que, mais uma vez, põe em  
evidência que o desaparecimento do típico mercado concorrencial,  
marca do século passado, não é algo idêntico à extinção do caráter  
competitivo do capital. Ao contrário, a superação do mercado livre se  
transforma num combate de colossos, progressivamente travado com  
armas colossais, para os quais a praça de guerra é o próprio conjunto  
do planeta, mesmo quando, por cumplicidade, especialmente em  
certas épocas de “estabilidade”, se trata de uma guerra velada,  
“graças à conspiração do silêncio das partes interessadas”. (CHASIN,  
2000b, p. 184)  
Algumas páginas antes, o autor indicava, nessa mesma linha:  
Neste ponto, em suma, o que se está ressaltando, a partir desse  
complexo real de múltiplas contraditoriedades, é a contradição do  
capital avançado consigo mesmo. Ou seja, a cerimônia fúnebre de seu  
círculo vicioso de expansão, onde determinados passos vitais de  
monopólios ou oligopólios, econômica e extraeconomicamente  
privilegiados, por fusão, absorção ou aniquilamento de unidades  
produtivas “menores”, passos alavancados por um dado padrão de  
capacitação técnica, redundam logo adiante em novo “desequilíbrio”  
entre a renovada produtividade operante e a potencialidade de uma  
nova “racionalização” tecnológica, que reabre o processo da  
deglutição progressiva de aparatos produtivos, reduzidos à condição  
de excedente obsoleto e rebeldes à “verdadeira racionalidade” da  
produção de mercadorias. (CHASIN, 2000b, p. 181)  
Chasin ressaltava, portanto, que, com o desenrolar dos ciclos de acumulação  
de capital, a competição entre capitais ganhava contornos mais destrutivos e de maior  
acirramento. Consequentemente, os capitais que se formavam no interior de nações  
com menor acúmulo de capital tendiam a ficar para trás ou, alternativamente,  
especializar-se em atividades menos atrativas em termos de lucratividade, é claro. É  
assim que, resignadamente, surgiu a questão da “vocação brasileira” para atividades  
extrativistas.  
Antes de avançarmos, entretanto, cabe analisar a manutenção (ou não) dessa  
dinâmica 30 anos mais tarde. Para isso, devemos considerar o fato de que,  
paralelamente ao afunilamento de tal dinâmica, o desenvolvimento tecnológico sobre  
atividades administrativas, bem como a expansão de novas manobras financeiras,  
possibilitara uma aparente mudança na paisagem dos negócios. Muitos autores (cf.  
Verinotio  
296 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
LAMOREAUX; RAFF; TEMIN 2003; LANGLOIS, 2004), inclusive, passaram a argumentar  
que estaríamos testemunhando um retorno à configuração competitiva que teria  
estruturado o capitalismo do século XIX. Ou seja, se estivessem certos, estaríamos  
entrando num contexto competitivo em que a arena global estaria sendo invadida por  
pequenas empresas (start-ups) altamente inovadoras. Seria, nesses termos, uma  
oportunidade única para que as nações de capitalismo híper-tardio pudessem  
transformar aquele que já parecia um destino imutável.  
Chama a atenção, entretanto, como ideólogos empresariais passam a equiparar  
empreendimentos de diversas configurações e que exigem volumes de capital  
completamente distintos. A discussão tem inclusive assumido contornos quase morais,  
ao indicar que não se pode fazer distinção entre uma grande empresa de aviação e  
um pequeno produtor de cerveja artesanal, ao mesmo tempo em que se constrói a  
figura heroica do empreendedor.  
O mito fundador das empresas de tecnologia do Vale do Silício é possivelmente  
a pedra angular desse ideário. No entanto, ele possui quase infinitas variações. No  
Brasil, recentemente, ele foi adaptado por Pablo Marçal e a sua defesa da  
“prosperidade”. Nessa linha particular, concebe-se inclusive que uma nação próspera  
é uma nação composta por uma infinidade de pequenos empreendedores, e não uma  
nação com grande acúmulo de capital.  
A questão central, todavia, nunca foi essa. Mantido o devido distanciamento,  
não é difícil reconhecer que a dinâmica identificada por Chasin é ainda a prevalecente  
(e nem poderia ser diferente dentro da ordem capitalista). Poderíamos, por exemplo,  
indicar que no setor de tecnologia cinco grandes empresas acumulam quantias  
proibitivas de capital e alimentam preocupações quanto ao seu poder de mobilização  
sobre diferentes esferas da economia.  
Não há, portanto, atalho na corrida capitalista, como a literatura acadêmica  
ou política que embala essa narrativa faz crer. A novidade está unicamente no circuito  
de investimentos para atividades inovadoras ou de risco. Na linha de Santos (2021),  
podemos sustentar que essas novas formas empresariais derivam de mudanças na  
dinâmica de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (num contexto de menor  
lucratividade) e não num revolucionamento das bases da competição capitalista.  
Na prática, na medida em que o estado perde protagonismo, as típicas start-  
ups surgem como pequenos empreendimentos de risco que, caso bem-sucedidos,  
seriam integrados ao grande capital. Trata-se, portanto, de um meio encontrado pelo  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 297  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
capital para mitigar riscos e perdas, uma vez que as possibilidades de se obter retorno  
elevados são menores. Os casos Youtube e Twitter exemplificam bem essa dinâmica,  
quando bem-sucedida. Ainda tendo como referência estes dois casos, apesar de tais  
negócios não demandarem, diretamente, um largo emprego de força de trabalho, o  
volume de capital necessário para a sua operacionalização em larga escala assume  
cifras completamente inalcançáveis para o pequeno capital de fato (cf. SCHAAKE,  
2024). Poderíamos, inclusive, indicar que o baixo emprego de força de trabalho só é  
possível por conta dos investimentos maciços em estrutura, que automatizam o  
tratamento dos dados, bem como em função de brechas legais que não culpabilizam  
essas empresas por conteúdos indevidos que são publicados em suas plataformas  
diariamente.  
Desse modo, tais negócios só puderam se manter relativamente pequenos (em  
termos de volume de capital) na sua fase experimental. O crescimento estrondoso, que  
ocorreu anos mais tarde, não foi fruto de uma dinâmica virtuosa calcada em eficiência  
operacional e administrativa e altos lucros, mas sim de sua completa integração ao  
circuito do grande capital (GUEDES, 2024). Fato análogo ao que estamos  
testemunhando, neste momento, com a Open AI.  
Uma vez que a dinâmica capitalista segue a mesma lógica, ou seja, o pequeno  
capital segue sendo menos lucrativo que o grande capital (e, portanto, o capital  
atrófico segue emboscado pelo capital em sua completude), podemos analisar, agora,  
aquelas que Chasin indicava como as determinantes centrais que colocam o capital em  
crise.  
A primeira indicação que merece destaque é “em primeiro lugar” a de que “a  
crise, na abissalidade do concreto, nunca foi antes tão visceral quanto abrangente,  
pois é gerada não apenas pelos traços mais débeis e problemáticos do capital mas,  
ao contrário, pelas suas qualidades mais positivas” (CHASIN, 2000b, p. 179).  
Ainda que posta em termos simples, a assertividade de tal afirmação e a  
validade dela nos anos que se seguiram é facilmente constatável. Para isso, basta  
indicarmos que, nos últimos 30 anos, a crise mais destrutiva teve origem no polo  
vitorioso do quadro global, a crise estadunidense de 2008. E, desde então, a economia  
mundial jamais passou por um ciclo prolongado de crescimento.  
Antes, no entanto, de avançarmos sobre essa dinâmica, vale a pena trazer  
algumas passagens mais longas em que o autor de A miséria brasileira detalhava o  
seu diagnóstico quanto às crises do capital.  
Verinotio  
298 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
Numa palavra, o discurso apologético do capital torna intercambiáveis  
determinações completamente diversas: a indicação abstrata e  
verdadeira de que as crises, em geral, são fontes virtuais do novo –  
e a situação, completamente diversa em gênero, número e grau de  
crise estrutural do capital que hoje perfaz a globalidade da  
existência deste e de sua forma de sociabilidade.  
Crise estrutural, isto é, orgânica e permanente, para a qual não há  
possibilidade de superação no interior da lógica do capital, de modo  
que ambas, crise e sistema, estão fundidas de modo definitivo,  
condenando a sobrevivência do capital ao metabolismo crítico que na  
atualidade o caracteriza. Assim, viver e sobreviver para o capital  
tornou-se existir na e através da crise. De cada crise do capital não  
tem brotado o novo, mas a reiteração de si próprio em figura  
agigantada, de igual ou maior problematicidade. Em palavras diversas:  
a reprodução ampliada do capital, contemporaneamente, reproduz a  
si mesmo em proporções inauditas, ao mesmo tempo em que  
reproduz em tamanho correlato sua crise constitutiva. Trata-se da  
reconversão administrada da crise em meio de existência. É do que  
consiste, em verdade, sua mágica: a faculdade adquirida de sustar,  
através de meios econômicos e extraeconômicos (atividade estatal  
incidente no cerne dinâmico da sociedade civil), a virtualidade  
explosiva da crise. [...] Para efeito prospectivo, nem uma coisa nem  
outra autoriza suposições precipitadas: nem que, na curva da próxima  
esquina, o capital exibirá as próprias vísceras, sob o impacto de um  
encontrão do seu ventre de chumbo consigo mesmo; nem, muito  
menos, que com mais algum tempo, com o tempo que fosse  
necessário, elaborando ainda mais seus procedimentos econômicos e  
tornando mais fina e eficiente a intervenção estatal, na esfera da  
produção e reprodução material do mundo, o capital, por fim,  
depurado de suas contradições, alcançaria a perfectibilidade, quando  
então, redimido de seu próprio mau caráter, proporcionaria a si e  
democraticamente a todos a participação no mercado nirvana, enfim,  
conquistado para todo o sempre. (CHASIN, 2000b, pp. 181-2)  
Chasin, portanto, advogava que a crise era resultado da própria dinâmica  
“virtuosa” do capital e não de vícios que poderiam ser perfectibilizados. Esse  
apontamento é fundamental pois, veremos adiante, os esforços lançados na tentativa  
de reversão do quadro de estagnação não geraram quaisquer efeitos dignos de nota,  
a não ser individualmente e em detrimento de outras economias.  
Para precisarmos como o problema vem se agravando desde a publicação dos  
últimos textos do nosso autor, podemos indicar, entre outros fatores: (I) a queda geral  
do ritmo de crescimento da economia capitalista em termos globais (Gráfico 1); (II) a  
queda do ritmo de recuperação pós-crise (Gráfico 1); e (III) a intensificação dos esforços  
governamentais para a reversão dessa queda (Gráfico 2). Ou seja, fica claro que  
independentemente do título (“crise estrutural”, “longa depressão”, “grande recessão”,  
etc.), “viver e sobreviver para o capital tornou-se existir na e através da crise”.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 299  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
Gráfico 1: Evolução anual do PIB global  
Fonte: tradineconomics.com  
Gráfico 2: Evolução do endividamento governamental do G7 (em % do  
PIB), 1978-2023  
Fonte: IMF - Global Debt Database (Dec 2024).  
A economia capitalista, diante da impossibilidade de manter o ritmo de  
crescimento do início da segunda metade do século XX, parece ter entrado,  
momentaneamente, numa dinâmica de hibernação. Nela, ao mesmo tempo em que não  
testemunhamos crescimentos sustentados, as depressões também ocorrem em ritmo  
menor do que o esperado. Ou seja, ao evitar as derrotas acachapantes, o capital  
conquistou, na melhor das hipóteses, vitórias burocráticas.  
Nessa direção, é interessante notar a feliz imagem cunhada por Brenner (2006),  
que sinaliza que a economia global entrou numa dinâmica de jogo de soma zero. Com  
essa imagem, ele sugere que, com taxas tão baixas de crescimento, para uma nação  
Verinotio  
300 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
prosperar, outra deve necessariamente declinar. Tal dinâmica é resultado inevitável da  
própria lógica do modo de produção capitalista, pois, na medida em que a competição  
entre diferentes frações do capital pressiona pela busca constante do aumento da  
produtividade (o que, em outras palavras, significa a redução da necessidade de  
trabalho vivo), esmaga-se o potencial de geração de mais-valor (cf. MARX, 2017).  
Na prática, isso significa que o impressionante crescimento da economia  
chinesa, que ocorreu nas últimas décadas, aconteceu em detrimento do crescimento  
de outras economias. O Gráfico 3, inclusive, apresenta esse fenômeno de forma  
bastante clara. Nele, podemos perceber que o crescimento da economia chinesa  
acontece em detrimento do crescimento da economia japonesa (uma vez que a linha  
que sinaliza o crescimento da economia global fica entre ambas).  
É fundamental reconhecer também que o atual crescimento da economia  
chinesa, na medida em que contribui para o aumento da produtividade, pressiona  
negativamente o potencial de crescimento global nos próximos anos. Ou seja, torna-  
se cada vez mais improvável que outras nações consigam reproduzir o sucesso recente  
da economia chinesa, ainda que sigam a mesma cartilha. O que nada mais é do que a  
evidenciação da relação já identificada por Marx (2017) conhecida como a Lei da  
Queda Tendencial da Taxa de Lucro2.  
Gráfico 3: Comparação PIB chinês (CN) x PIB japonês (JP) x PIB global (WL)  
Fonte: tradineconomics.com  
2
Em termos pedagógicos, podemos indicar que a massa de lucro a ser distribuída pelas diversas  
formações capitalistas equivale à massa de mais-valor que foi gerada. Na medida em que, com o  
aumento da produtividade, diminui o emprego de força de trabalho, reduz-se a geração de mais-valor  
e, desse modo, reduz-se a massa de lucro a ser distribuída pelos diversos grupos econômicos.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 301  
nova fase  
 
Thiago Martins Jorge  
Ainda nesse quadro, a economia japonesa, como sugere o Gráfico 3, é também  
um bom exemplo do deterioramento das bases que sustentam a malha econômica  
global. O impressionante salto de produtividade gerado pelas empresas japonesas nos  
anos 1960 e 1970, ao invés de expandir horizontes, reduziu o seu potencial de  
crescimento nas décadas seguintes. Chama a atenção inclusive o fracasso do grande  
esforço realizado pelos gestores políticos japoneses, mediante ampliação de gastos  
governamentais, na tentativa de voltar a impulsionar a acumulação capitalista no Japão  
(Gráfico 2).  
O clima de animosidade que tem tomado conta das relações internacionais é  
reflexo desse quadro de crise do capital, disfarçado de longa estagnação. Na  
impossibilidade de um crescimento global e sustentado, diferentes frações do capital  
pressionam gestores políticos para que criem as condições internas mais favoráveis  
para sua acumulação (ROBINSON, 2025). Em muitos casos, como atualmente nos  
Estados Unidos, o que temos visto é, na realidade, frações do capital se apoderando  
diretamente do estado, visando a instrumentalizá-lo principalmente no enfrentamento  
do capital radicado na China (PAÇO CUNHA, 2025a).  
O cenário atual é, contudo, de tamanha aridez que tal dinâmica inclusive ameaça  
outras frações do capital, também radicadas nos Estados Unidos, mas que ficaram de  
fora da “coligação vencedora”. É importante, portanto, frisar que o nacionalismo do  
capital é somente para consigo mesmo.  
Finalmente, norteados por tais determinações, podemos nos debruçar sobre a  
trajetória brasileira desde a conclusão do itinerário chasiniano e, a partir disso, jogar  
luz sobre o atual campo de possibilidades.  
2. A posição brasileira  
Nos termos de Marx (2013; 2017), podemos indicar que o modo de produção  
capitalista é composto por uma interminável sucessão de ciclos de acumulação de  
capital, sendo que o novo ciclo tem início a partir do ponto de chegada do ciclo  
anterior. Ou seja, se o ciclo anterior foi positivo em termos de acumulação, o novo  
ciclo conta com maior aporte de capital para iniciar suas atividades e, portanto, se  
tudo ocorrer dentro da normalidade, ao seu final, terá realizado quantias ainda  
maiores.  
Como as economias capitalistas são, porém, constantemente atormentadas pela  
ameaça de eclosão de crises econômicas, imensos esforços são realizados para  
Verinotio  
302 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
assegurar o sucesso dos ciclos de acumulação. Toda a experiência colonial pode ser,  
esquematicamente, inserida nos esforços de nações europeias para garantir o sucesso  
da acumulação de capitais individuais que nelas surgiam. Ou seja, enquanto até  
meados do século XIX os capitais inglês, francês e estadunidense assumiam a liderança  
da corrida capitalista, a economia brasileira, na prática, ficava restrita à condição de  
um mero meio de impulsionar a acumulação estrangeira. A situação, no entanto, se  
agravou à medida que Alemanha e Itália iniciaram um processo acelerado de  
industrialização, enquanto a economia brasileira, apesar de mudanças na configuração  
política, seguiu em condições similares.  
Para devidamente avaliar a estreiteza e desfavorabilidade das  
condições sob as quais principia a emergir o “capitalismo verdadeiro”  
no Brasil, basta considerar, o que é essencial, que “concretamente as  
condições [...] levam à reiteração da chamada ‘vocação agrícola’ do  
país, especializando-o ainda mais na produção de mercadorias de  
realização externa. O aprofundamento dessa especialização fez com  
que o financiamento da realização do valor da economia agroex-  
portadora fosse, também, e não por acaso, externo. Este ponto,  
fundamental para a compreensão do processo, forma uma espécie de  
círculo vicioso: a realização do valor da economia agroexportadora  
sustentava-se no financiamento externo e este, por sua vez, exigia a  
reiteração da forma de produção do valor da economia agroexpor-  
tadora. Simultaneamente, o mecanismo de financiamento externo  
bloqueava a produção do valor de mercadorias de realização interna.  
Na exacerbação desse processo, os requerimentos do financiamento  
externo acabavam por consumir todo o valor da economia  
agroexportadora, com o que negavam a própria forma de produção;  
em última análise, o valor gerado pela economia agroexportadora  
acabou por destinar-se substancialmente a pagar os custos da  
intermediação comercial e financeira externa, operando-se uma  
redistribuição da mais-valia entre lucros internos e lucros e juros  
externos completamente desfavorável aos primeiros; em outros  
termos, uma parcela substancial do produto não podia ser reposta  
senão através dos mesmos mecanismos de financiamento externo”.  
Consequentemente, “enquanto se inviabilizava em si mesma, a  
economia agroexportadora bloqueava o avanço da divisão social do  
trabalho no rumo do capitalismo industrial, na medida em que  
reiterava os mecanismos da intermediação comercial e financeira  
externa, que nada tinham que ver com a realização interna do valor  
da produção de mercadorias dos setores não-exportadores. O  
financiamento da acumulação de capital nos setores não-exportadores  
não passava pela intermediação comercial e financeira externa típica  
da economia agroexportadora, que consumia a maior parte do  
excedente social produzido não apenas pelas atividades de  
exportação, mas pela totalidade do sistema econômico”. (CHASIN,  
2000a, pp. 56-7)  
É fundamental reter, portanto, que mesmo quando foi dada a largada para que,  
a economia brasileira pudesse iniciar o seu processo de industrialização, tal processo  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 303  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
não só se iniciou de forma extremamente tímida, mas também acontecia de maneira  
que seguia impulsionando, em maior medida, a acumulação estrangeira. Nessa direção,  
aqueles que detinham o capital no país também não nutriam a ambição de ingressar  
na corrida capitalista e, portanto, pouco fizeram no sentido de gerar um processo de  
industrialização brasileiro. Considerando os horizontes restritos desses indivíduos, o  
modelo agroexportador atendia a suas ambições apequenadas, mas impedia qualquer  
esforço de gerar um processo de desenvolvimento social independentemente de  
qualquer configuração distributivista.  
Desse modo, como já destacado pelo nosso autor, o sistema produtivo  
brasileiro não foi estruturado de maneira que possibilitasse qualquer projeto mais  
ambicioso do que o funcionamento do já existente sistema agroexportador. E é  
fundamental reter que, dentro desse sistema, a massa de riqueza gerada era tão  
limitada que a fortuna dos grandes proprietários rurais dependia necessariamente da  
máxima miséria dos demais setores da sociedade (inclusive, qualquer protótipo de  
capital industrial).  
Voltamos a enfatizar, nessa direção, que a distância já imposta pelos líderes da  
corrida capitalista seguia num processo de alargamento e, assim, Chasin, valendo-se  
da ironia engelsiana, acrescentava que:  
Tal a disparidade do estágio de desenvolvimento do capitalismo  
brasileiro, em face daqueles países, que quaisquer igualizações ou  
identificações, além de impossíveis, são verdadeiramente uma  
brutalidade teórica. Tamanhas as diferenças de grau e de forma de  
objetivação do capitalismo que, parodiando Engels quando compara  
a Alemanha à França, em plena vigência da via prussiana, diríamos  
que, mesmo se tudo corresse bem para o Brasil, e a estabilidade  
dominasse o panorama universal, ainda assim, quando todos já  
estivéssemos bem velhos, lá por volta do ano 2000, o Brasil ainda  
não teria atingido o estágio da Alemanha em 1913, na qualidade  
desta de emergente elo débil da cadeia imperialista. (CHASIN, 2000a,  
p. 57)  
Nosso autor denominou o capital que se formou em território brasileiro capital  
atrófico, dada não apenas a sua baixa estatura, mas também o fato de ficar confinado  
a atividades derivadas do sistema agroexportador. E essa é uma diferença que não  
pode ser menosprezada entre a “via colonial” e a “via prussiana”. Apesar do ingresso  
tardio na corrida capitalista, uma vez que Itália e Alemanha iniciaram o seu processo  
de industrialização, o capital que lá atuava estruturou-se rapidamente e se colocou em  
condições de perseguir o capital industrial radicado na Inglaterra e na França. Já como  
um produto da via colonial, o capital brasileiro jamais ambicionou transcender os seus  
Verinotio  
304 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
limites iniciais, e, desse modo, o máximo que alcançou foi se associar, de forma  
subordinada, aos primeiros.  
Assim, à medida que os constrangimentos particulares do capital atuante no  
Brasil cruzaram com os constrangimentos, cada vez maiores, gerados pela evolução  
universal da economia capitalista, o capital atrófico teve de aceitar a sua incompletude  
congênita.  
Traços que, reduzidos ao essencial, conferiam ao país o semblante de  
uma entificação nacional que pelejava para completar sua formação  
capitalista, mas que reproduzia sempre, apesar da multiplicação das  
formas de crescimento e diversificação econômicas, a incompletude  
de seu capital e, por consequência, suas peculiares mazelas sociais e  
políticas. (CHASIN, 2000c, p. 303)  
Nesse quadro, Chasin destacava ainda a “instrumentalização estrutural do  
poder político pelo capital atrófico em seu benefício exclusivo” (2000b, p. 213), o que  
determinou que, ao longo de todo o século XX, os esforços políticos não se dessem  
pela reversão do atraso. Na direção contrária, o poder político se colocou como um  
muro, ao mesmo tempo protetor e confinador, do capital atrófico. Em outras palavras,  
na medida em que o frágil sistema agroexportador contou seguidamente com o  
socorro estatal, jamais se viu obrigado a perseguir outras alternativas (entre elas,  
ingressar na corrida industrial).  
Expressando tal problemática, o autor se valeu reiteradamente da ideia de que  
a evolução nacional não fora acompanhada por uma onda de progresso social, mesmo  
nos parcos momentos em que a economia brasileira pôde avançar competitivamente  
na malha global. Nesses momentos, o mercado interno pouco pôde se expandir, uma  
vez que a plataforma de crescimento seguia calcada no máximo arrocho salarial e na  
associação subordinada ao capital industrial externo. O mercado consumidor brasileiro  
sempre ficou, portanto, aquém até mesmo de suas necessidades mais elementares, ao  
mesmo tempo em que o capital industrial, que veio a atuar em território brasileiro,  
jamais pressionou para cima a massa salarial. Na realidade, na contramão disso, o que  
de fato atraiu este mesmo capital foi justamente a possibilidade de pagar salários  
inferiores ao de seus países de origem. Ainda assim, essa plataforma de crescimento -  
calcada no arrocho salarial e na atração de capital externo tornou-se o único projeto  
a contar com o engajamento síncrono dos principais grupos econômicos e lideranças  
políticas no país. Enquanto o projeto oposicionista – “de esquerda” – não ousava tocar  
nessas bases, pretendendo resolver o problema por meio da construção de uma  
estrutura distributivista sempre muito mais idealizada do que racionalizada a partir  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 305  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
de bases concretas.  
O próprio Chasin destacava que, para além das querelas eleitorais e excetuadas  
raríssimos casos, o projeto oposicionista jamais transcendeu as ilusões distributivistas.  
O que, inclusive, pudemos constatar de forma até mais bem exemplificada nos anos  
que se seguiram ao encerramento do itinerário chasiniano, durante as gestões petistas.  
Podemos até, calcados na crítica chasiniana ao politicismo, sugerir que a plataforma  
distributivista foi a realização econômica miserável do ideário politicista. Sem encarar  
as bases atróficas do capitalismo brasileiro, as gestões petistas pretenderam resolver  
o problema por meio de uma atuação política calcada exclusivamente na criação de  
programas de distribuição de renda. Dentre eles, tivemos programas que destinavam  
recursos às camadas mais empobrecidas da sociedade brasileira (como o Bolsa  
Família), mas também programas que canalizavam recursos diretamente para o bolso  
dos detentores de capital (via desoneração tributária).  
Podemos considerar, distanciados do discurso espetaculoso que cercou  
principalmente a criação dos programas sociais, que tal solução política foi, na melhor  
das hipóteses, a transferência do problema para a própria sociedade civil. De um lado,  
o governo torcia para que os empresários empregassem as sobras geradas pela  
desoneração tributária em novas atividades produtivas; do outro, contava que os  
programas sociais criariam uma massa de novos consumidores. Na prática, no entanto,  
as bases da acumulação capitalista em território brasileiro seguiram constituídas pela  
plataforma agroexportadora e a associação subordinada com o capital externo. Como  
veremos em mais detalhes na sequência, parte importante dos recursos distribuídos  
pelo governo federal acabaram, na prática, impulsionando a acumulação do capital  
industrial chinês.  
Por outro lado, Chasin advertiu também, em O poder do real, que mesmo as  
poucas figuras que, historicamente, transcenderam essa plataforma miserável como  
Brizola aos poucos foram ficando aquém do tamanho da tarefa. Nesse mesmo texto,  
Chasin indicava que:  
O sistema produtivo nacional, desde sempre, encarnou seus perfis e  
o teor de suas modernizações subordinado aos empuxos dos polos  
hegemônicos mundiais. Não é diverso o que se passa agora, diante  
da mais radical das revoluções tecnológicas, combinada ao quadro da  
globalização econômica. Todavia, dada a qualidade e a envergadura  
destas e o próprio grau de desenvolvimento material alcançado no  
país, as margens de manobra nos ajustes e seus efeitos possíveis  
também se diferenciaram, ao mudarem de natureza. Para o bem e para  
o mal, aqui se fecha e fica para trás um longo ciclo, cujas carac-  
Verinotio  
306 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
terísticas dominaram a maior parte do cenário brasileiro neste século.  
Traços que, reduzidos ao essencial, conferiam ao país o semblante de  
uma entificação nacional que pelejava para completar sua formação  
capitalista, mas que reproduzia sempre, apesar da multiplicação das  
formas de crescimento e diversificação econômicas, a incompletude  
de seu capital e, por consequência, suas peculiares mazelas sociais e  
políticas. Toda essa problemática perdeu suas âncoras e se  
transfigurou, no bojo dos novos parâmetros internacionais do sistema  
de produção e circulação de mercadorias. (CHASIN, 2000c, p. 303)  
Dado o caráter mais sintético deste texto, em relação ao de 1989, não podemos  
avançar de forma mais fundamentada sobre o conteúdo desta última crítica chasiniana.  
Podemos, no entanto, partindo de seus trabalhos anteriores em especial o de 1989  
, e de olho nos dados contemporâneos, acrescentar outras indicações. Para isso,  
devemos ainda mencionar aquilo que Chasin colocava como a necessidade de se  
desenvolver um projeto alternativo, o que explicitou mais longamente em A sucessão  
na crise e a crise na esquerda, destacando, principalmente, aquilo que denominou de  
“a primeira transição”.  
Ao contrário das propostas que visam econômica e/ou politicamente  
a completar o capital incompletável, a primeira transição parte dessa  
incompletude como face irremovível, diante da qual a perspectiva do  
trabalho desencadeia sua lógica, nos contornos de sua afirmação  
defensiva [...]. A mudança do sistema de produção, na impossibilidade  
da superação do modo de produção, é o aspecto central do momento  
transitório primário, constitui propriamente seu objeto concentrado,  
uma vez que é o meio e a forma de combater e eliminar a exclusão  
social pela sua raiz a superexploração do trabalho. Subentende um  
programa econômico de recomposição da malha dos setores  
produtivos, do redirecionamento de prioridades e da alocação de  
recursos (privados e públicos), de maneira que o aparato de produção  
e reprodução material da vida seja posto a serviço da sociedade  
global, deixando assim de funcionar exclusivamente em benefício da  
acumulação do capital atrófico e metropolitano. Não se trata de optar  
acanhadamente entre uma economia exportadora e uma economia de  
mercado interno, mas da estruturação de um conjunto que não seja  
exportador à custa da força de trabalho (pela exploração da perver-  
samente chamada mão de obra barata), nem concentrado sobre o  
mercado interno através do amesquinhamento das necessidades e da  
forma de satisfazê-las. (CHASIN, 2000b, p. 179)  
Analisando o leque de opções, mais de 35 anos após a propositura de tais  
lineamentos, os meios empregados certamente já não seriam os mesmos o que  
inclusive justifica a crítica a Brizola , mas, também não restam dúvidas de que o fim  
almejado permanece. Parece claro que o autor defendia a criação de um sistema  
produtivo de maior envergadura e capaz de gerar maior progresso social, ainda que  
confinado aos limites do modo de produção capitalista. Tal sistema deveria  
necessariamente integrar atividades produtivas mais complexas, capazes de gerar  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 307  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
produtos de maior valor monetário e, ao mesmo tempo, remodelar o padrão de  
qualificação e remuneração da força de trabalho atuando em território brasileiro.  
Tratava-se, portanto, de abandonar, de um lado, a plataforma agroexportadora e, de  
outro, uma política industrial que, na realidade, limitava-se à atuação estatal em setores  
estruturais e à criação de meros incentivos para atrair o capital industrial externo.  
Lembrando, é claro, que o incentivo principal era a promessa de uma força de trabalho  
barata e disciplinada, o que reduzia drasticamente qualquer “efeito multiplicador”.  
Como salientamos na seção anterior, entretanto, numa economia global  
encurralada na dinâmica de um jogo de soma zero, para que o sistema produtivo  
brasileiro possa se complexificar, ele precisa superar competidores estrangeiros mais  
bem posicionados na corrida capitalista. Isto é, ele deve necessariamente superar  
competidores que, entre outros fatores, contam com (I) uma cadeia de abastecimento  
(fornecedores) e uma cadeia de distribuição (consumidores) já bem estruturada; (II) a  
capacidade de produzir em larga escala com custos mitigados; (III) pesquisa de base  
que possibilita incorporar inovações aos produtos ou aos métodos de produção; e (IV)  
capacidade de ingressar em novos setores que surgem a partir de desdobramentos  
tecnológicos.  
Nessa perspectiva, uma vez mais devemos salientar que, enquanto a plataforma  
politicista abstrai as bases concretas do problema, a plataforma brizolista parecia  
encarar o problema somente de forma parcial. Em suma, ainda que em níveis distintos,  
ambas ficavam e ainda ficam aquém do tamanho da tarefa.  
O filósofo brasileiro, em O poder do real, acrescentava que “crescer passou a  
supor a capacidade de ocupar nichos na infinitude da malha de produção atualizada,  
universo no qual os mercados interno e externo não mais se distinguem” (CHASIN,  
2000c, p. 304), e sugere:  
O Brasil, no futuro imediato e palpável, é do grupo restrito de  
nacionalidades periféricas que maior proveito pode tirar da nova  
forma de acumulação ampliada do capital. Em verdade, não tem  
alternativa: ou participa dessa civilização ou envereda pela estagnação  
degenerativa. Pelo seu porte econômico, cultura e modernização  
tecnológica e a recém-adquirida estabilidade política, tem inserção  
produtiva assegurada nos planos regionais e internacionais, inclusive  
pela experiência acumulada no comércio exterior. (CHASIN, 2000c, p.  
304)  
Parece-nos, portanto, que, mesmo reconhecendo algum poderio do capital  
industrial brasileiro o qual inclusive se apequenou desde então , Chasin indicava a  
impossibilidade de o sistema produtivo brasileiro vir a se colocar em condições de  
Verinotio  
308 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
enfrentar, em várias frentes, os competidores externos.  
Três décadas depois, devemos reconhecer se não lamentar que, mesmo na  
análise de Chasin, parece que o pessimismo foi demasiadamente moderado. No  
momento em que nosso autor escrevia, o mainstream econômico vivia uma onda de  
grande euforia e, nessa linha, elegia um grupo de nações com imenso potencial de  
crescimento: os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O que obviamente  
ficava de fora da euforia econômica mas não escapava a Chasin era o fato de que  
não haveria espaço para que todas essas nações se desenvolvessem igualmente. Na  
realidade, na contramão disso, o crescimento de algumas dependeria da estagnação  
de outras. O autor de A miséria brasileira, até certo ponto, colocou bem essa questão  
quando indicou que “crescer passou a supor a capacidade de ocupar nichos”. O que  
não foi antecipado e nem poderia ser é que esses nichos seriam ocupados pelo  
capital chinês.  
Nessa linha, o Gráfico 4 de fato justifica a grande expectativa criada sobre as  
“economias emergentes” naquele momento. Desde 1995, constantemente, esses  
países, se analisados conjuntamente, impuseram-se sobre as economias centrais, o  
que inclusive reforça o ponto que já havíamos destacado por meio do Gráfico 3  
(comparando a evolução do PIB chinês à do PIB japonês).  
Gráfico 4: Comparação PIB: economias emergentes x economias avançadas x  
economia global  
Fonte: IMF - GDP Growth (Annual percent change) (Dec 2024)  
Por outro lado, devemos reconhecer que tal dinâmica não indica uma ruptura  
em relação à subordinação dessas economias ao capital acumulado nos países centrais  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 309  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
e muito menos reforça a tese que mencionamos na seção anterior (de que estamos  
retornando à configuração competitiva do século XIX). Quando, por exemplo,  
companhias estadunidenses se deslocam para o território chinês, o seu sucesso  
impulsiona os dados de crescimento chinês, ainda que, no final das contas, o controle  
sobre a maior parte da riqueza gerada permaneça em mãos norte-americanas.  
A grande novidade é que o governo chinês foi capaz de criar uma estrutura de  
disciplinamento do capital externo impondo regramentos e exigindo contrapartidas  
que, aos poucos, foi impulsionando uma dinâmica de crescimento menos  
dependente. Ou seja, a China foi capaz de atrair capital externo, incorporar sua  
tecnologia e processos de trabalho e, a partir disso, criar uma estrutura própria. Desse  
modo, o sistema produtivo chinês foi ganhando posições na corrida capitalista, na  
medida em que ingressava em setores produtivos tecnologicamente cada vez mais  
complexos. Esse mesmo sistema produtivo vem subordinando outros sistemas a ele  
(entre eles, o brasileiro).  
Analisando, mais particularmente, a relação China/Brasil, podemos perceber, de  
um lado, como a balança de pagamentos3 brasileira seguiu praticamente inalterada  
durante todo o período, enquanto a chinesa se tornou extremamente superavitária  
(Gráfico 5). O que indica que o sistema produtivo chinês se tornou um dos mais  
poderosos no comércio mundial. Paralelamente a isso, podemos perceber também  
que, na comparação China x Brasil, em termos de PIB, o crescimento daquela também  
se deu em detrimento deste.  
Gráfico 5: Comparação da Balança de Pagamentos: China x Brasil  
Fonte: IMF - Current account balance U.S dollars (Dec 2024)  
3 Balanço de pagamento registra o saldo das transações entre um país e o resto do mundo. Uma balança  
superavitária sugere, portanto, que o valor das exportações supera o valor das importações.  
Verinotio  
310 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
Gráfico 6: Comparação PIB: China x Brasil  
Fonte: IMF - GDP Growth (Annual percent change) (Dec 2024)  
Esses dados, portanto, evidenciam que a janela de oportunidade identificada  
por Chasin, de fato, existia; porém, não foi devidamente aproveitada pelo capital  
atuante no Brasil. A grande questão agora é se ainda haveria espaço para,  
revolucionando o sistema produtivo, seguir o caminho traçado pela China, ou se,  
dentro dos limites do modo de produção capitalista, o que resta é unicamente lamentar  
as oportunidades desperdiçadas.  
É claro que a resposta para esse tipo de questionamento somente pode ser  
dada a posteriori. Ao mesmo tempo, é certo que, se mantida a trajetória atual, o  
sistema produtivo brasileiro seguirá a sua trajetória declinante, comprometendo, com  
isso, as possibilidades mínimas de progresso social no país. Ou seja, abdicar de tentar  
mudar os rumos da história não é uma opção razoável. A isso podemos adicionar ainda  
que considerando, de um lado, a crise ambiental e, de outro, a esperança de transição  
para além do capital o desenvolvimento do sistema produtivo brasileiro, atendendo  
às exigências adaptativas, é uma necessidade irrevogável.  
Na prática, portanto, esses pontos indicam que o caminho proposto por Chasin  
segue sendo o único passível de ser traçado. Os questionamentos que devem ser feitos  
se dão quanto ao que podemos esperar dentro dos limites da ordem capitalista e,  
principalmente, quanto aos meios que devem ser empregados para buscar as  
transformações.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 311  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
Quanto aos últimos, a questão decisiva segue sendo o enfrentamento da linha  
de defesa montada em torno do sistema produtivo existente. Como já indicamos, com  
alguma exaustão, o atual sistema atende às baixas pretensões dos detentores de  
capital atuantes no Brasil. Nessa linha, qualquer aventura política que busque reverter  
o quadro, mas se abstenha de enfrentar decisivamente essa questão, não contará com  
os recursos financeiros mínimos para que possa ter algum sucesso.  
Podemos, a título de exemplo, rememorar a estratégia empregada ao longo do  
governo Dilma II que, diante da crise econômica instalada em 2014, optou por criar  
grandes pacotes de desoneração tributária, pretendendo, com isso, contar com uma  
onda de investimentos do capital privado. Na prática, como a própria Dilma admitiu  
anos mais tarde: “Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de  
investimentos. Fiz uma grande desoneração, brutalmente reduzimos os impostos. Ali  
fiz um grande erro.” (ROUSSEFF apud GOULARTI, 2017)  
Uma década depois, qualquer observador minimamente isento deve reconhecer  
que, no quadro atual, qualquer projeto de mudança que conte com a boa vontade do  
capital atuante no Brasil não passa de uma peça de ficção. Devemos, contudo e uma  
vez mais, afastar questões éticas e nos atermos às questões objetivas, pois, se algo  
pode ser enfrentado, claramente não serão as primeiras.  
A continuação do processo que impõe uma pressão negativa sobre a taxa de  
lucro o motor da acumulação capitalista de fato gera incentivos para que o capital  
ocioso cada vez maior flua para os cassinos do mercado financeiro. E este não é  
um problema exclusivo da economia brasileira. Na realidade, até certo ponto, tal  
fenômeno está aproximando os problemas brasileiros aos de seus competidores mais  
avançados. Ainda que a economia brasileira venha de uma longa estagnação, os seus  
competidores também pouco avançaram. A única exceção é a China, onde as atividades  
especulativas são freadas por restrições impostas pelo estado chinês. Porém, mesmo  
lá, o problema segue existindo: poderíamos, por exemplo, rememorar o caso  
Evergrande.  
Esse caso, inclusive, escancara como, no quadro econômico atual, mesmo no  
contexto mais favorável para acumulação, ainda assim, as atividades especulativas  
oferecem retornos mais promissores. Ou seja, aquilo que era uma exceção no passado,  
sendo criticada pela própria intelectualidade burguesa, tornou-se a regra no  
prolongamento histórico do capital. Para essa mesma intelectualidade, a crítica moral  
é a linha de defesa que varre para baixo do tapete a necessidade de enfrentar as  
Verinotio  
312 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
questões objetivas fundamentais. Ela permite, ao mesmo tempo, criticar tanto os  
agentes especuladores quanto a forma como o estado chinês vem enfrentando os  
problemas. Contudo, enquanto isso, o problema em si segue intocado.  
Esse ponto volta a ser sensível quando encaramos as possibilidades de ação  
dentro do capitalismo brasileiro. Com um agravante: aqui a figura do especulador é  
uma constante em telejornais e em programas de análise econômica. Ou seja, aqui os  
próprios especuladores influenciam decisivamente a opinião pública, transformando,  
por exemplo, os movimentos da bolsa de valores que, na realidade, impactam a vida  
de uma ínfima parcela da população num indicador econômico da mais alta  
relevância. Do mesmo modo que os discursos vazios dos operadores do Banco Central  
ecoam por escritórios de todo o país (PAÇO CUNHA, 2025b). Na prática, portanto, os  
detentores de capital que atuam em território brasileiro mantêm-se indiferentes a  
qualquer transformação significativa no sistema produtivo. A novidade é unicamente a  
formação de um circuito financeiro (REZENDE, 2024) que acompanha a plataforma  
agroexportadora, delimitando, em grande maneira, a paisagem da economia brasileira.  
Nessa linha, se dos detentores do capital não se pode esperar um mínimo  
esforço para a transformação do sistema produtivo brasileiro, a esperança recai  
exclusivamente sobre os ombros da classe trabalhadora. Esta, no entanto, parece  
oscilar exclusivamente entre o ideário politicista (amalgamado no Partido dos  
Trabalhadores) e a plataforma vazia da prosperidade ou do combate à corrupção.  
Considerações finais  
Buscamos indicar, ao longo destas páginas, que os últimos 30 anos foram  
marcados pelo agravamento do quadro que já havia sido delineado por Chasin entre  
as décadas de 1980 e 1990. Uma expressão que era muito cara ao autor, a do  
“prolongamento da utilidade histórica do capital”, inclusive nunca foi tão pertinente.  
Apesar de cambaleante, o modo de produção capitalista se manteve inabalável ao  
longo de todos esses anos e, mesmo num momento em que o quadro se agrava,  
parece mais imaginável que o capital arraste a humanidade para o túmulo do que o  
inverso; percepção que inclusive é endossada pelos principais gestores econômicos  
do capital da atualidade (PAÇO CUNHA, 2025a).  
Em termos menos cinematográficos, o que vimos foi a continuação ainda que  
cambaleante da acumulação capitalista e, contraditoriamente, como efeito necessário  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 313  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
dela, o agravamento do quadro geral dessa mesma acumulação.  
Ao longo dos últimos 30 anos, pelo menos, tornou-se quase impossível separar  
os elementos virtuosos e os viciosos dos processos capitalistas. Mesmo os avanços  
tecnológicos mais fenomenais, que em outros momentos ainda que de forma limitada  
acarretavam algum tipo de progresso social (CHASIN, 1997), no quadro  
contemporâneo desencadearam as maiores ondas especulativas da história do modo  
de produção capitalista e, cedo ou tarde, desaguaram em graves crises sociais.  
Refletindo e agravando esse quadro, globalmente, o apoio popular a formas  
políticas bonapartistas cresce, na medida em que a blindagem politicista da autocracia  
burguesa começa a apresentar fissuras.  
Econômica e socialmente, a situação brasileira tem refletido perfeitamente esse  
quadro lamentável. O país arrancou, já no século XXI, por meio de aventuras  
distributivistas muito mais planejadas do que de fato executadas e que, portanto,  
geraram efeitos de curtíssimo fôlego –, passou pela fase dos “campeões nacionais” –  
uma tentativa quase quixotesca de fortalecer o capital brasileiro e adentrou numa  
terrível crise, da qual jamais saiu de fato. Com a crise, os fantasmas do passado se  
levantaram para ameaçar um futuro que já não era muito promissor.  
Essa sintonia entre o particular e o universal só ressalta que soluções  
verdadeiras e duradouras somente são possíveis se forem de fato universalizantes.  
Apesar disso, no momento, as coisas não poderiam estar caminhando numa direção  
mais oposta.  
Da impossibilidade da ocorrência de ciclos universalizantes de acumulação de  
capital, caminhamos para o acirramento das disputas nacionais. Já é certo que uma  
guerra, pelo menos tarifária, cortará todo o globo. Nessa linha, é importante frisar que  
tal guerra já se anunciava mesmo antes da segunda vitória eleitoral de Donald Trump.  
Poderíamos inclusive sugerir que o cenário já estava montado para que uma  
personalidade como Trump entrasse em cena (MILANOVIC, 2025).  
Devemos também lamentavelmente reconhecer que, diante desse quadro  
beligerante, fingir que nada está acontecendo gerará efeitos muito mais danosos do  
que o oposto. Indicamos, anteriormente, que a situação brasileira só não se agravou  
ainda mais, ao longo dos últimos anos, porque, do mesmo modo que aqui, os  
competidores externos se dedicaram mais às aventuras especulativas do que ao  
avanço de seus sistemas produtivos.  
Verinotio  
314 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
A tendência, todavia, é de que, diante deste quadro beligerante, dedicar-se mais  
detidamente às questões produtivas possa se tornar uma necessidade inegociável.  
Num contexto em que o custo de insumos e o custo de comercialização podem oscilar  
bruscamente, a eficiência operacional, logística e comercial torna-se gradativamente  
mais importante do que ganhos especulativos de curto prazo.  
Desse modo, se soluções universalizantes estão, pelo menos  
momentaneamente, descartadas, consequentemente a tão discutida necessidade de  
transformação do sistema produtivo brasileiro torna-se ainda mais urgente ainda  
que, neste contexto, tenha como único efeito possível amortecer os impactos  
econômicos e políticos externos. Pelo menos até agora, contudo, tal necessidade não  
gerou um movimento político condizente com ela. Enquanto a gestão atual, ainda  
mergulhada no politicismo, adota uma postura extremamente errática, mesmo diante  
de uma parcela do problema que pode ser mais facilmente solucionada (PAÇO CUNHA,  
2025b); do outro lado, toda a movimentação de extrema-direita que se intensificou na  
última década também não toca na questão.  
Quanto a essa última, devemos inclusive traçar uma importante distinção entre  
ela e a coalizão trumpista. Ainda que de uma forma extremamente preocupante, Trump  
pretende dar respostas ao problema. A adoção de medidas protecionistas e os ataques  
mais diretos à classe trabalhadora são claramente uma tentativa de impulsionar a  
economia doméstica e prejudicar competidores externos (ROBINSON, 2025). Enquanto  
isso, a movimentação direitista, no Brasil e sua expressão política mais bem  
consolidada parecem só incorporar a parte discursiva e espalhafatosa da plataforma  
trumpista. Na prática, portanto, se de volta ao poder, esta pode perfeitamente se tornar  
uma mera ferramenta de Trump e, assim, contribuir para o sucesso do segundo (e,  
consequentemente, com o agravamento do quadro brasileiro).  
Do outro lado, a oposição à esquerda, ainda que denuncie tal movimentação  
com alguma assertividade, na prática, nada tem feito além de denunciar. Quanto a ela,  
a crítica chasiniana à sua posição politicista parece não ter envelhecido um só dia.  
Desse modo, de uma forma ou de outra, o cenário que se insinua no horizonte  
é universalmente preocupante e particularmente desolador. Se o movimento belicista  
escalar e a humanidade rumar para o abismo, a tendência atual é que o Brasil faça tal  
percurso no banco do carona, sem esboçar qualquer reação.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 315  
nova fase  
Thiago Martins Jorge  
Referências bibliográficas  
BRENNER, R. The economics of global turbulence: the advanced capitalist economies  
from long boom to long downturn, 1945-2005. Verso, 2006.  
CHASIN, J. Poder e miséria do homem contemporâneo. Conferência proferida na  
UNA/Faculdade de Ciências Gerenciais Belo Horizonte, Minas Gerais, maio 1997.  
CHASIN, J. A via colonial de entificação do capitalismo. In: A miséria brasileira. Santo  
André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000a.  
CHASIN, J. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: A miséria brasileira. Santo  
André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000b.  
CHASIN, J. O poder do real. In: A miséria brasileira. Santo André: Estudos e Edições  
Ad Hominem, 2000c.  
GOULARTI, J. Desoneração tributária: um equívoco de política econômica. Le Monde  
Diplomatique, 2017. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/ desoneracao-  
tributaria-um-equivoco-de-politica-economica/>. Acesso em: 25 fev. 2025.  
GUEDES, L. O que querem as startups. Blog Resultado Geral. Disponível em:  
Acesso em: 25 fev. 2025.  
LAMOREAUX, N.; RAFF, D.; TEMIN, P. Against Whig History. Enterprise & Society, v. 5,  
n. 3, p. 376-387, 2003.  
LANGLOIS, R. Chandler in a larger frame, markets, transaction costs and organizational  
form in history. Enterprise & Society, vol. 5, n. 3, p. 355-375, 2004.  
MARX, K. O capital (Livro 1). São Paulo: Boitempo, 2013.  
MARX, K. O capital (Livro 3). São Paulo: Boitempo, 2017.  
MILANOVIC, B. How the mainstream abandoned universal economic principles. Brave  
New Europe, 2025. Disponível em: <https://braveneweurope.com/branko-  
em: 25 fev. 2025.  
PAÇO CUNHA, E. ...Pois não sabem o que fazem. Ou sabem? Blog Resultado Geral,  
que-fazem-ou-sabem>. Acesso em: 25 fev. 2025.  
PAÇO CUNHA, E. Renovação da burguesia reacionária na América de Trump? Blog  
Resultado  
Geral,  
2025b.  
Disponível  
em:  
Acesso em: 25 fev. 2025.  
REZENDE, T. A máquina do tempo financeira: lucros fictícios e a política de ajustes.  
Blog Resultado Geral, 2024. Disponível em:  
Acesso em: 25 fev. 2025.  
ROBINSON, W. Behind Trump Tariffs Is Capital’s Warfare Against the Working Class.  
Truthout, 2025. Disponível em: <https://resultadogeral. substack.com/p/traducao-  
william-i-robinson-por-tras>. Acesso em: 25 fev. 2025.  
SANTOS, R. Complexo industrial-militar e tecnologia: a inflexão da pesquisa científico-  
militar estadunidense como gestante da inovação tecnológica após os chamados  
anos dourados. São Paulo: Dialética, 2021.  
SCHAAKE, M. The tech coup: how to save democracy from silicon valley. New Jersey:  
Princeton University Press, 2024.  
Verinotio  
316 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste  
Como citar:  
JORGE, Thiago Martins. A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste.  
Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 290-317, Edição Especial: A miséria  
brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 290-317 jan.-jun., 2025 | 317  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.753  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade  
um programa econômico de esquerda: socialismo  
ou a tragédia da barbárie cotidiana ainda hoje  
Colonial capitalism, the time of the crisis and the need  
for an economical program: Socialism or the tragedy of  
daily-life Barbarism still  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Resumo:  
A
partir da investigação dos  
Abstract: Based on the investigation of José  
Chasin’s notes on the specificity of the colonial  
path of capitalism, we will briefly discuss the  
persistence of what the author from São Paulo  
called Brazilian misery. Our thesis is that the  
changes in contemporary capitalism have not  
yet been properly understood by the left due to  
subjective and objective circumstances. On the  
one hand, in Brazil, the legacy of the so-called  
São Paulo analytic remains even if in pastiche  
form as the great theoretical reference for left-  
wing positions; on the other hand, the defeats  
of the working class in recent decades have not  
been digested yet and a social agent interested  
in a substantial change of society has yet to  
emerge. As a result, the regressive nature of  
national capitalism remains untouched or, even  
worse, is now seen as one of the resolutive  
elements by the Brazilian pseudo-left and the  
result is the lack of an alternative economical  
program, the relegation of the left world view  
and the growth of the extreme-right  
perspective.  
apontamentos de J. Chasin sobre  
a
especificidade da via colonial de entificação do  
capitalismo, teceremos breves apontamentos  
sobre a persistência do que o autor paulista  
chamou de miséria brasileira. Nossa tese é a de  
que as mudanças no capitalismo contemporâneo  
ainda não foram apreendidas de modo adequado  
pela esquerda devido a circunstâncias subjetivas  
e objetivas. De um lado, no Brasil, a herança da  
analítica paulista ainda permanece mesmo que  
na forma de pastiche como o grande referencial  
teórico das posições à esquerda; de outro, as  
derrotas da classe trabalhadora nas últimas  
décadas ainda não foram digeridas e um agente  
social interessado na mudança substancial na  
tessitura da sociedade não surgiu. Com isso, a  
natureza regressiva do capitalismo nacional resta  
intocada ou, ainda pior, passa a ser vista como  
um dos elementos resolutivos por parte da  
pseudoesquerda tupiniquim. O resultado é a  
persistência da falta de um programa econômico  
alternativo, o rebaixamento das expectativas  
populares e o ganho de espaço de uma  
perspectiva de extrema-direita. Defendemos,  
assim, a ideia de que a via colonial de entificação  
do capitalismo persiste em suas determinações  
We argue that the colonial path of establishing  
capitalism  
persists  
in  
its  
essential  
determinations and has not been overcome in  
contemporary Brazil.  
essenciais  
contemporâneo.  
e
não  
é
superada no Brasil  
Keywords: Chasin; colonial path; Brazilian  
misery; politicism pastiche.  
Palavras-chave: J. Chasin; via colonial; miséria  
brasileira; pastiche do politicismo.  
* Mestre em história social pela PUC-SP, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela USP, professor  
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: vitorbsartori@gmail.com. Orcid: 0000-0001-  
9570-9968.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira, v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
Quando a esquerda não rasga horizontes, nem  
infunde esperanças, a direita ocupa o espaço e  
draga as perspectivas: é então que a barbárie se  
transforma em tragédia cotidiana.  
J. Chasin  
Introdução: o cenário atual do Brasil e as circunstâncias de publicação de A  
miséria brasileira  
A republicação de O futuro ausente (2023) de J. Chasin pela Verinotio Livros  
trouxe as marcas das eleições de 2022. De um lado, o decurso do pleito foi marcado  
pela extrema-direita desavergonhada, que conclamou às claras o desejo de realizar um  
golpe de estado e de acabar com os resquícios dos elementos minimamente  
progressistas, decorrentes do processo de transição posterior ao fim do regime  
ditatorial bonapartista. Em meio a artimanhas das mais sujas (basta pensar na operação  
da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno e nas cenas sobre as urnas eletrônicas),  
a direita política mostrou mais uma vez sua face bárbara e inescrupulosa enquanto  
reivindicou explicitamente o legado da repressão dos 21 anos que sucederam o 1º de  
abril de 1964. Sob um véu tosco e quase atrapalhado, e para a surpresa dos  
defensores do “estado de direito” e da “democracia” institucionalizados  
autocraticamente depois de 1985, as viúvas da ditadura ocuparam os espaços  
deixados pela esquerda nas ruas e nas instituições. Tal cenário já era visível na época,  
no entanto, ocorreu algo que pareceu contrariar tal cenário: a eleição conclamou Lula  
como presidente, e não Jair Bolsonaro.  
Por conseguinte, o que, por outro lado, vendeu-se como a alternativa civilizada  
às barbáries da extrema-direta conseguiu triunfar nas eleições. Ademais, mesmo que  
timidamente, lemas vinculados à igualdade e à justiça sociais, e não à violência  
institucional explícita, voltaram aos holofotes. A encenação do pleito de 2022 teve  
efetivamente vestes à esquerda e, também por isso, para muitos dos que apoiaram a  
frente encabeçada por Lula, o futuro não estaria mais ausente, mas poderia finalmente  
triunfar, porque a antítese e o remédio ao extremismo de direita voltariam a ter  
destaque. Consequentemente, a publicação do texto chasiniano ocorria no momento  
que parecia contradizê-lo.  
O cenário de publicação de A miséria brasileira, contudo, não é mais o mesmo  
do de 2022. O terceiro mandato de Lula contou e conta, inclusive, com o apoio das  
Organizações Globo e, ao contrário do que acontece com a extrema-direita, não possui  
como marca uma militância aguerrida e ativa. Se nas eleições foi preciso mobilizar as  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 319  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
forças de esquerda, a governabilidade do executivo converteu os lemas da esquerda  
política em moderação, tolerância, democracia e responsabilidade (fiscal). Em teoria –  
uma teoria frágil certamente , tratar-se-ia de bandeiras cuja força estaria em apartar  
as instituições democráticas do canto da extrema-direita e de qualquer posição  
ligeiramente antiliberal no campo da economia. Ou seja, a estratégia perfeita para a  
derrota da extrema-direita passou a assentar-se no absurdo da abdicação de quaisquer  
posições econômicas minimamente ligadas à esquerda. À vista disso, o que foi  
defendido na esfera pública e, principalmente, na campanha eleitoral foi imediatamente  
contradito ou, ao menos, temperado com o receituário mais ortodoxo da micro e da  
macroeconomia. Por essa razão, o remédio oposto ao avanço da extrema-direita  
também conta com um jogo de cena, no mínimo, dúbio, mas, para os mais bem-  
avisados, já esperado e verdadeiramente farsesco.  
Diante dessa situação, vale perguntar: qual é esse remédio defendido pelo  
lulismo? Que antítese é advogada pelo petismo? Subjacente a esses questionamentos,  
está a natureza da oposição ao avanço da extrema-direita e, em verdade, a primeira  
constatação é a de que a antítese a essa posição política não foi o questionamento  
substantivo das relações sociais capitalistas. Consequentemente, tal qual quando  
Chasin escreveu O futuro ausente, a esquerda está morta. Trata-se de uma suposta  
antítese ao bonapartismo que não consegue questionar, mesmo que minimamente, a  
ordem e os imperativos do capital.  
Tudo fica pior quando a percepção da “frente” que apoia o terceiro governo  
Lula nem sequer pode se colocar à esquerda. E ela, cada vez mais, deixa de reivindicar  
tal identidade. A suposta antítese direta à extrema-direita, na prática, foi a direita, a  
reconciliação com as forças do atraso, com os apoiadores das Organizações Globo e  
com um judiciário conservador. A chamada “terceira via” entre Lula e Bolsonaro,  
conclamada pela mídia oligopolista, são os próprios Lula e o petismo, temperados pela  
política econômica do ex-professor Haddad e pelo ex-tucano, e agora grande  
camarada, Alckmin.  
A efetividade das vestes de esquerda, com as quais se venceu as eleições de  
2022, é a realização pueril de tarefas burguesas tipicamente ligadas à direita. Como  
mencionamos em nossa análise sobre o Pastiche do politicismo(2023), na forma de  
pastiche, a luta contra a dependência, o autoritarismo, a marginalidade, o populismo,  
contra a desigualdade etc. pareceu poder ser encaminhada depois de seis anos dos  
governos Temer e Bolsonaro. Nesse cenário, para parte substancial da autoproclamada  
Verinotio  
320 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
esquerda, o remédio definitivo para a situação delicada de crise social remédio este  
que apareceu no ideário político que mobilizou as eleições seria repetir as mesmas  
palavras de ordem do momento pré-1964. Formados sob a ideologia uspiana da  
analítica paulista e sem qualquer desenvolvimento teórico posterior, o petismo  
procurou insistir em suas origens intelectuais, pois não pode evoluir intelectualmente.  
Para não mencionar os problemas mais óbvios a que essa suposta solução dá ensejo  
e que já abordamos em nosso texto acima referenciado, basta dizer que as doses e a  
roupagem dessas visões de mundo já foram abrandadas em muito pelo governismo e  
pelo lulismo, e o resultado foi a desidratação daquilo conhecido como analítica paulista  
e que, como estipulou, entre outros, Antonio Rago Filho em seu texto A filosofia de  
José Arthur Giannotti(2008), foi essencial e fundamentalmente adstringido.  
Hoje, a proclamação de ideias progressistas já não ocorre no campo econômico  
ou no desenvolvimento minimamente participativo de movimentos sociais e da  
militância governista. Depois de dois anos de governo, os ideais liberal-democráticos,  
por sua vez, já vêm a reboque de uma política econômica fortemente conservadora e  
ortodoxa.  
Em sequência, e ironicamente, a morte da esquerda nem sequer é vista como  
um exagero pelos governistas mais cínicos. Em última análise, ela passa a ser um lema  
das alas mais tecnocráticas do governo, e mesmo do presidente, que proclamam a  
responsabilidade fiscal e uma concepção putrefata de democracia como a base do  
combate à extrema-direita. Tal qual estipulou Chasin em O futuro ausente e em A  
miséria brasileira, o novo continua pagando tributo ao velho e a reconciliação pelo alto  
dá a tônica do processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Dessa forma,  
há algo de cínico, que já estava presente nos dois primeiros governos Lula, mas que  
se fortalece agora significativamente: as ilusões do (neo)desenvolvimentismo são  
abandonadas sem qualquer ideário explícito e consciente para substituí-las. Ou seja,  
passa a ser inquestionável que as eleições de 2022 foram um jogo de cena e não resta  
possibilidade de o discurso equivocado da esquerda anterior a 1964 fazer algum  
sentido que não seja farsesco e colocado na forma de pastiche ainda hoje, quando  
se encontra em estado avançado de putrefação.  
Que a superioridade do que Chasin (2000; 2001) chamou de quadrúpede  
teórico seja evidente diante da ausência completa de teorização por parte dos petistas  
atuais é algo óbvio. Porém, tal constatação não é argumento para a retomada de algo  
que somente condiz com as ilusões já perdidas de uma esquerda em crise. A diferença  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 321  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
de sofisticação e de requinte entre os teóricos de ontem e de hoje escancara que as  
peculiaridades do capitalismo nacional ainda não foram apreendidas com o devido  
cuidado pelos ideólogos da pseudoesquerda. E, também por isso, a republicação das  
análises políticas chasinianas sobre o Brasil de seu tempo pode ser fundamental.  
Por isso, pretendemos justamente demonstrar que A miséria brasileira fornece  
um aparato categorial ainda rico para a compreensão e a crítica da situação do Brasil  
atual. Ademais, explicitaremos que o resultado da incompreensão prática e teórica da  
especificidade do capitalismo brasileiro é a infeliz atualidade de O futuro ausente.  
Quando a morte da esquerda e o cadáver insepulto da pseudoesquerda,  
criticados fortemente por Chasin (2023; 2001), apareceram como um pastiche (cf.  
SARTORI, 2023), um requisito para a atividade crítica é uma teoria digna de tal nome.  
No entanto, ávido por fazer frente à extrema-direita, o governismo defende a si mesmo  
como a única alternativa possível e desejável e, dessa maneira, qualidades  
programáticas ou teóricas necessárias ao campo da política tornam-se relíquias de  
puristas e, diriam mesmo alguns, de esquerdistas. Por conseguinte, longe de rasgar  
horizontes, a autoproclamada esquerda não traz perspectivas e posições claras e passa  
a se confundir com seus inimigos de outrora, por vezes literalmente, como no caso do  
respeitável Geraldo (Camarada) Alckmin.  
O quociente dessa equação é que ao lado da tragédia cotidiana da vida no  
capitalismo de extração colonial está a farsa de posições políticas supostamente à  
esquerda, que se pretendem gestoras do capital atrófico, ao mesmo tempo em que se  
curvam diante de seus imperativos. Sem qualquer programa econômico alternativo, o  
ex-professor Fernando Haddad é um amigo do agro e das mineradoras, os quais, por  
seu turno, perfazem duas das alas menos fisiológicas favorecidas pela política  
econômica de um governo com tantas relações temerárias com conglomerados  
econômicos. Se Chasin (2000) foi muito claro quando afirmou que não havia qualquer  
programa econômico alternativo nas eleições de 1989, de 1994 e de 1998, o que se  
constata é a continuidade desse vácuo ainda hoje. A consequência é que a direita  
prolifera nesse espaço e draga as perspectivas minimamente progressistas.  
Acreditamos que, diante desse cenário desolador, deve-se apreender o que  
efetivamente precisa ser superado e, pelo que mencionamos, não se trata de  
marginalidade, autoritarismo, dependência, populismo. A via colonial para o  
capitalismo e a consequente incompletabilidade do desenvolvimento autóctone da  
economia nacional persistem e a compreensão sobre a miséria brasileira e suas bases  
Verinotio  
322 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
sociais e ideológicas, há, novamente, de ser destacada para que seja possível explicitar  
a miséria e a barbárie das facetas do capitalismo contemporâneo no Brasil.  
Sobre a impossibilidade do esquematismo, a necessidade do reconhecimento  
das derrotas da esquerda e o tempo das crises  
A derrota das forças progressistas necessita receber os devidos reconhecimento  
e atenção. Por um lado, a autocrítica fundamenta tal necessidade. Por outro, não há  
quaisquer oblívios quanto à imprescindibilidade de lutas defensivas diante do avanço  
dos imperativos capitalistas e, em especial, da extrema-direita. Por essa razão, a defesa  
de direitos trabalhistas básicos diante da contrarreforma trabalhista, a crítica ao  
sucateamento do sistema básico de saúde, a defesa de educação de qualidade, a  
devida punição àqueles envolvidos em tentativas de golpe de estado, dentre outras  
lutas, possuem importância para que a barbárie cotidiana não avance violentamente.  
Com isso, afirmamos algo que deveria ser óbvio: é impossível abandonar o terreno das  
lutas políticas cotidianas, embora seja inviável recusar-se a superar a imediaticidade  
dessas lutas e a teorizar com rigor sobre as bases materiais e ideológicas sobre as  
quais elas se assentam.  
Dificuldades e percalços são inerentes às lutas sociais e ao entendimento das  
relações sociais que lhes dão fundamento. Os meandros dos embates classistas (aqui  
também, por óbvio, presentes as vicissitudes de questões vinculadas a raça e gênero)  
apontam para o caráter complexo e multifacetado dos embates diuturnos, os quais  
ocorrem em um pano de fundo específico, um modo de produção em crise. Com isso,  
há dois extremos que necessitam ser evitados. Em primeiro lugar, deixar de lado as  
nuances das lutas cotidianas em favor da oposição central ao modo de produção  
capitalista, aquela entre trabalho e capital, significa abraçar uma solução rústica. No  
entanto, igualmente problemático é enxergar os embates diuturnos entre os diversos  
indivíduos e grupos sociais sem se ater à mencionada oposição fundamental. Tal  
posição redunda em uma apreensão apressada da realidade social. Como resultado,  
as especificidades do capitalismo contemporâneo, da entificação e desenvolvimento  
desse capitalismo no Brasil, bem como dos rumos da formação social brasileira e da  
via colonial de entificação do capitalismo estão perpassadas por classe, raça, gênero,  
na medida em que se articulam em torno de um tempo específico do sistema capitalista  
de produção, um tempo de crises. Por conseguinte, os temas que elencamos acima,  
dentre eles a derrota e a morte da esquerda, remetem a essas dimensões, articuladas  
na figura mais contemporânea do capitalismo mundial, que, obviamente, necessita ser  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 323  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
compreendida com rigor.  
Há, contudo, dificuldades nessa empreitada e elas se vinculam tanto à  
articulação da diversidade de determinações ao momento preponderante da  
reprodução do ser social quanto ao entendimento da anatomia das próprias relações  
econômicas. Se foi possível pensar com Lênin (2005) o imperialismo, com Mandel  
(1985) o capitalismo tardio, as teorizações enfocadas nas novas tecnologias como as  
de Schaff (1990) e de Lojkine (2002) fazem sucesso e dão a tônica do debate  
contemporâneo ao mesmo tempo em que estão maculadas por certa ânsia em dar a  
resposta definitiva (por vezes, simplista) sobre o capitalismo contemporâneo e sobre  
a crise do assim chamado socialismo real. Assim, ousamos dizer que parte das razões  
teóricas da crise das posições à esquerda está na mencionada ânsia e na adoção de  
teorizações apressadas e superficiais.  
Não nos equivoquemos: logicamente, é premente apreender as determinações  
do capitalismo contemporâneo. Entretanto, a apropriação reta das determinações do  
real depende tanto de uma bagagem intelectual adequadamente compreendida e  
atualizada quanto de algo que escapa à simples vontade política, a saber, da  
“emergência de um agente social interessado em subverter muito mais do que as  
simples mazelas da falsa esquerda” (CHASIN, 2001, p. 26). Consequentemente, os  
descaminhos e a crise da esquerda decorrem tanto de falhas organizativas e teóricas  
quanto de uma condição social objetiva, em que a crise do capitalismo é acompanhada  
da crise daquilo que alimentou a esquerda revolucionária do século XX, a saber, o  
marxismo mais ou menos vulgar e o obreirismo centrados no proletariado fabril da  
grande indústria.  
Que fique claro, não defendemos qualquer fim da história, adeus ao  
proletariado ou imobilismo político. Como disse Chasin, não é o fim dos tempos, mas  
é o tempo das crises” (CHASIN, 2012, p. 60). O capitalismo está em crise e o  
crescimento da extrema-direita expressa um sintoma dessa situação, em que parcelas  
do proletariado passam a apoiar indivíduos como Trump e Bolsonaro. Mais do que  
nunca a necessária luta política não pode se alimentar das mesmas ilusões de outrora,  
sejam elas de uma espécie de marxismo adstringido, de um desenvolvimentismo ligado  
à Cepal ou do marxismo vulgar marcado pelo culto do proletariado industrial.  
Entretanto, nesse contexto, há outro elemento dificultador, que se encontra no fato de  
que a perda dessas ilusões tanto abre horizontes quanto congrega o cinismo da  
extrema-direita e a permanência do comportamento farsesco do cadáver insepulto da  
Verinotio  
324 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
pseudoesquerda.  
Tal situação, de certo modo, abre o caminho para uma apreensão não ilusória  
da real condição do presente, em que a crise é uma constante. Nesse contexto,  
respostas simples e esquemáticas, trazidas pelo baixo clero acadêmico, partidário ou  
militante constituem “o império do baixo nível”, que “é o reino da contrarrevolução.  
E, com isso, complementa Chasin, “não se faz respeitar pelos adversários, não se impõe  
aos inimigos e simplesmente ilude a militância despreparada” (CHASIN, 2001, p. 49).  
Em outras palavras, a dubiedade do presente figura na simultânea abertura para o  
novo e manutenção enérgica, violenta e brutal do velho, em especial, com o reforço  
da extrema-direita.  
Ademais, a fórmula mais acabada para derrotas suplementares está no  
esquematismo e no ímpeto, que mencionamos acima, em que, na grande maioria das  
vezes, as concessões às posições burguesas é a estratégia para conter a extrema-  
direita. A autoproclamada esquerda tanto realiza o trabalho da direita política quanto  
revigora da pior maneira possível o politicamente velho. E, como já advertimos com  
Chasin, “quando a esquerda não rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita  
ocupa o espaço e draga as perspectivas: é então que a barbárie se transforma em  
tragédia cotidiana” (2000, p. 287). Nesse sentido, não basta a consciência sobre o  
tempo das crises, pois é preciso explicá-las e apreender as derrotas da própria  
esquerda como constitutivas desse tempo.  
J. Chasin, na contramão do catastrofismo de autores como Kurz (2001) e  
Mészáros (2002), e de modo muito diverso da nova esquerda, reconhece as  
dificuldades elencadas e estabelece um ponto de partida interessante em A miséria  
brasileira:  
Viver e sobreviver para o capital tornou-se existir na e através da crise.  
De cada crise do capital não tem brotado o novo, mas a reiteração de  
si próprio em figura agigantada, de igual ou maior problematicidade.  
Em palavras diversas: a reprodução ampliada do capital,  
contemporaneamente, reproduz a si mesmo em proporções inauditas,  
ao mesmo tempo que reproduz em tamanho correlato sua crise  
constitutiva. Trata-se da reconversão administrada da crise em meio  
de existência. (CHASIN, 2000, pp.181-2)  
Antes de qualquer outra coisa, a problematicidade do modo de existência do  
capital perfaz seu próprio conceito, que, como estipulou Marx (2013), demanda uma  
existência vampiresca e que tem como negativo a crise, como bem argumentou Jorge  
Grespan (2012). Não há nada absolutamente de novo em ressaltar a problematicidade  
do capital.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 325  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Subjacente a tal caráter problemático, entretanto, sempre esteve certo avanço,  
pois, nos seus elementos mais básicos, a relação-capital encaminha o desenvolvimento  
de forças produtivas tendo em sua retaguarda o incremento de capacidades humanas,  
mesmo que de modo estranhado. Classicamente, esse incremento, por seu turno,  
vincula-se ao desenvolvimento do novo, expresso na figura de uma classe capaz de  
subverter a própria ordem do capital ao passo que, para tanto, não prescinde de  
superar sua própria existência estranhada, o moderno proletariado. Sinteticamente, o  
caráter contraditório da existência da forma econômica do capital constitui-se  
enquanto, mesmo em seus elementos mais abstratos, a relação-capital encaminha  
possibilidades que indicam a sua supressão futura. O capital tanto vilipendia a natureza  
e o trabalho quanto propicia condições para que esse aviltamento cesse com o devir  
de um modo de produção distinto.  
O que Chasin destaca como crise na passagem acima constitui-se além dos  
elementos trazidos por Marx no Livro I de O capital, embora também os pressuponha.  
Em verdade, a propositura chasiniana avizinha-se tanto do que Marx e Engels (2007)  
destacaram em A ideologia alemã quando defenderam a ideia de que as forças  
produtivas se transformariam em forças destrutivas quanto do que é estudado no  
Livro III (2017), em que se estipula que a missão histórica do modo de produção  
capitalista (o avanço das forças produtivas) deixa de ser cumprida pela entificação da  
relação-capital depois de determinado momento. Ainda sobre o estudo de O capital,  
a referência chasiniana à reprodução ampliada não prescinde do estudo do Livro II  
(2015) e, posteriormente, dos debates de autores como Rosa Luxemburgo (1970). Ou  
seja, o entendimento de que “viver e sobreviver para o capital tornou-se existir na e  
através da crise” (CHASIN, 2000, p, 181) demanda a compreensão do “todo artístico”  
que a obra magna de Marx perfaz e leva aos embates sobre a reprodução ampliada.  
Nesse sentido, ainda hoje, a obra marxiana é de uma atualidade retumbante quando  
se busca apreender o sentido do tempo das crises.  
Há, todavia, novidades que caracterizam o tempo presente e ainda demandam  
estudos suplementares. A fim de assimilar as determinações do capitalismo  
contemporâneo, urge explicar por que “de cada crise do capital não tem brotado o  
novo, mas a reiteração de si próprio em figura agigantada, de igual ou maior  
problematicidade” (CHASIN, 2000, p. 180); ao que nos parece, não obstante muitos  
esforços louváveis, isso não tem sido feito de modo suficientemente cuidadoso e  
aprofundado.  
Verinotio  
326 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
Para remetermos a autores que fundamentam o debate marxista do presente,  
seguidores de Kurz tendem a enfocar unilateralmente o Livro I de O capital e, não raro,  
caem em catastrofismo e em respostas quase tautológicas sobre a autovalorização do  
valor. Mészáros (2002), por um caminho distinto, enuncia uma crise estrutural do  
capital, não raro, como uma espécie de crise terminal. Assim, por vezes, tais autores  
reafirmam o caráter essencialmente contraditório do capital sem abordar temas  
concretos como queda da taxa de lucro, reprodução ampliada do capital, desequilíbrio  
entre os departamentos I e II, oposição entre preço e valor, duplicação existente entre  
titularidade jurídica e posse efetiva da propriedade, capital fictício, dentre outros. No  
caso de Mészáros, são escassas as remissões a dados e, recorrentemente, seus  
enunciados tornam-se petições de princípio para que desenvolva “leis” cuja  
comprovação precisaria de muito estudo, como a “lei da taxa de uso decrescente”.  
Kurz e Mészáros, portanto, realizam algo muito importante quando não abandonam a  
necessidade de superação do capitalismo e do estado, também quando remetem à lei  
do valor. Contudo, parece haver pressa em demasia ao oferecer uma teoria  
sistematizada sobre a atual configuração do domínio do capital.  
Sob outra ótica, e geralmente amparados nos estudos de Baran e Sweezy,  
mesmo que de modo remoto, autores como Bellamy Foster e Fred Magdoff (2009)  
tratam de temas mais concretos, como os mencionados acima, usualmente, com uma  
posição que secundariza a teoria do valor marxiana em prol do tratamento da crise  
econômica por meio do conceito keynesiano de demanda efetiva. Assim, sobressai  
certa parcialidade e, até onde conhecemos, incapacidade de uma análise conjunta dos  
elementos da crise do capitalismo contemporâneo. O que há de novo, a reiteração do  
capital em crise, deixa de ser apreendido em seus elementos propriamente  
contraditórios, ou seja, que permitam, inclusive, a superação de sua base constitutiva.  
Em verdade, por mais interessantes que possam ser os estudos mencionados, eles  
enfatizam elementos como a financeirização e o endividamento tal qual autores como  
Chesnais (1996) e Toussant (2002) , de maneira menos articulada que o necessário  
com os outros elementos concretos mencionados, com a lei do valor e com a  
especificidade do sistema capitalista contemporâneo1.  
Como já mencionamos, isso certamente transcorre porque existem lapsos  
organizativos e teóricos no próprio marxismo de hoje. Tais insuficiências podem e  
1
Os autores e posições que mencionamos aqui são exemplificativos e não pretendemos, ou julgamos  
ter a capacidade de, realizar uma análise pormenorizada dos economistas marxistas contemporâneos.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 327  
nova fase  
 
Vitor Bartoletti Sartori  
devem ser trabalhadas. Contudo, o elemento não volitivo e constitutivo do ser-  
propriamente-assim do presente precisa da devida notoriedade: como defendeu  
Chasin (2023) em O futuro ausente, a maturação das relações sociais de produção  
contemporâneas talvez não tenha propiciado o surgimento de um agente social  
interessado na subversão efetiva do capitalismo em sua figura bárbara e cotidiana. Os  
horizontes do presente ainda não estão claros teórica e praticamente, de tal maneira  
que o reconhecimento das derrotas do passado e do tempo atual é uma precondição  
para o desvelamento do porvir futuro.  
Teorizações interessantes certamente estão disponíveis, não há dúvidas. Não  
obstante, se formos forçar um pouco as tintas, podemos dizer que não deixa de haver  
certa oscilação entre uma posição que visa à administração benfazeja das crises  
capitalistas e um utopismo corajoso, mas abstrato. Diante da impossibilidade imediata  
da resolução das contradições do modo de produção capitalista, chegam-se às falsas  
soluções, as quais incapacitam a apreensão crítica e iludem a disposição prática dos  
agentes sociais capazes de questionar a imediatidade da tragédia e da farsa cotidianas.  
Há, pois, retroalimentação trágica entre crise da esquerda e ausência de um agente  
social interessado.  
Dessa maneira, a reprodução da crise constitutiva do capital permanece e as  
crises mais concretas o reiteram de modo agigantado. E, no campo político e mesmo  
sem uma orientação teórica clara, a pseudoesquerda pretende justamente administrar  
a crise.  
Os que se colocam corajosamente ao lado da esquerda (ou seja, na defesa da  
necessidade de suprimir o sistema capitalista de produção) também estão destituídos  
de uma compreensão global do capitalismo contemporâneo e, assim, somente têm  
buscado soluções meramente verbais e, no limite, nominalistas. De ambos os lados,  
parece que quanto mais alto se esbravejam motes mais ou menos progressistas, como  
justiça social, desenvolvimento sustentável ou revolução social e socialismo, mais  
chance parece haver de tais ideais se tornarem efetivos. Verdadeiramente, as posições  
à esquerda ou de esquerda correm o risco de encamparem o idealismo contra o qual  
tanto Marx lutou.  
Sem uma compreensão da natureza e da extensão das crises contemporâneas,  
não há como se posicionar resolutivamente e não existe a mínima possibilidade de  
responder à velha e ainda atual pergunta: que fazer para solapar de vez o domínio do  
capital?  
Verinotio  
328 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
A teorização chasiniana não resolve os problemas da esquerda, certamente.  
Aqueles que pretendem seguir sua trilha (como nós) estão sem respostas também, por  
óbvio. É premente que reste claro: somos parte da crise da esquerda, e não uma  
solução pronta para ela. O tempo das crises não é uma época de certezas e de fórmulas  
prontas, mas de autocrítica, de luta e do reconhecimento das insuficiências de nossas  
posições.  
Estamos, contudo, na época em que parte considerável dos intelectuais parece  
precisar de algo a se apegar, não para rasgar horizontes, mas para bater no peito e  
esbravejar velhas certezas desgastadas. Autores célebres como Losurdo (2010) com  
sucesso de público tentaram revitalizar a figura de Stálin, por exemplo. Ademais,  
hoje, não só se tem uma análise sobre a mudança do centro gravitacional da economia  
mundial em direção à China, como em Arrighi (2008). Autores prestigiados como Elias  
Jabbour (2021) defendem, em verdade sem remeter minimamente às condições de  
vida e de labor da classe trabalhadora chinesa, a ideia de que a China fornece o modelo  
para o socialismo do século XXI. Eles são bastante claros quando procuram apegar-se  
à posição segundo a qual “é evidente que o socialismo com características chinesas é  
considerado por políticos e acadêmicos de todos os quadrantes políticos a encarnação  
de uma possível alternativa progressista ao capitalismo do século XXI” (JABBOUR;  
GABRIELE, 2021, p. 243).  
Sobre o assunto, não entraremos em detalhes, ou tentaremos refutar conceitos  
(que julgamos profundamente problemáticos) como “metamodo de produção”,  
“centralidade ontológica do princípio da cooperação na natureza”, “socialismo de  
mercado”, “economia de projetamento”. Dizemos apenas que a conciliação de  
desenvolvimentismo e socialismo proposta por Jabbour, e incorporada por outros, é  
um exemplo daquilo que achamos ser uma reiteração das posições que decididamente  
precisam ser superadas.  
Por essas razões, acreditamos que a denúncia de ilusões, hoje inaceitáveis, é  
um passo importante. Por conseguinte, é vital o reconhecimento da derrota das  
esquerdas e da necessidade de sólida fundamentação teórica com a finalidade de que  
as práticas subversoras das relações sociais contemporâneas voltem à ordem do dia.  
A defesa da China, por exemplo, sob a premissa de combater conscientemente  
“intuições idealistas” (JABBOUR; GABRIELE, 2021, p. 243), traz uma posição que, pelo  
que vemos, é problemática:  
Choca-se, em certa medida, com uma das mais ilustres tradições dos  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 329  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
movimentos progressistas: aquela que gira em torno da centralidade  
da categoria da liberdade uma tradição enraizada em boa parte da  
obra do próprio Marx. No entanto, o movimento da classe  
trabalhadora internacional (em relação ao socialismo como sistema)  
não está mais em sua infância. Devemos, portanto, evitar repetir  
noções prometeicas injustificadas, e nos ater a certo grau de  
pragmatismo. (JABBOUR; GABRIELE, 2021, p. 243)  
Jabbour e Gabriele fazem justamente o oposto do que dizemos ser necessário.  
A partir da valorização do “socialismo de mercado” e da premissa da compatibilidade  
entre socialismo e lei do valor, os autores procuram salvar uma sorte de socialismo de  
acumulação. A reconciliação com o mercado e a relação tranquila com uma espécie de  
acumulação primitiva socialista algo profundamente problematizado pelos teóricos  
soviéticos da década de 1920, como Pachukanis (2017) e Preobrazhensky (1971) –  
passa a ser uma premissa de aceitação quase técnico-econômica. E, dessa maneira,  
não só as derrotas da esquerda não são apreendidas. Em verdade, o que há de mais  
problemático passa a ser um ponto de partida para “uma possível alternativa  
progressista ao capitalismo do século XXI” (JABBOUR; GABRIELE, 2021, p. 243). O  
preço de tal empreitada, inclusive, é assumido cinicamente: o abandono da  
“centralidade da categoria liberdade”.  
Também nesse sentido, para tais autores, a busca pelo renascimento do  
marxismo não teria serventia, primeiramente, porque isso levaria a certo apego a  
“intuições idealistas”; em segundo lugar, Marx seria culpado por estar envolvido na  
tradição que pasmem valoriza como algo essencial a categoria da liberdade. Ao  
fim, com os defensores do “socialismo de mercado”, deparamo-nos com uma aposta  
no mercado, na lei do valor e na crítica à igualdade e, se isso efetivamente configura-  
se como o socialismo do século XXI, é lícito dizer que há semelhanças gritantes com o  
capitalismo e com a reprodução do politicamente velho e putrefato. Em verdade, a  
apologia do mercado, do valor e da não-liberdade é o que vem caracterizando a  
reiteração das bases sociais do capitalismo em crise e Jabbour e Gabrielle são pródigos  
nessa apologia. A tragédia da barbárie cotidiana, no melhor dos casos, é pintada com  
tintas róseas.  
Sem diminuir a importância e o relevo das resistências e da defesa contra o  
avanço bárbaro do capital em sua forma estadunidense, podemos dizer que assumir o  
fracasso retumbante da luta socialista nas últimas décadas, em verdade, deveria ser o  
primeiro passo em um momento como o que vivemos. Quando nos vemos  
administrando crises capitalistas, para que se retome o mote chasiniano, “a esquerda  
Verinotio  
330 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
não rasga horizontes e nem infunde esperanças” (CHASIN, 2000, p. 287). Proclamar  
apressadamente novos horizontes, apegando-se seletivamente àquilo que se  
apresenta na imediaticidade ou sem saber quais são ou podem ser as possibilidades  
reais para o futuro, leva ao idealismo e, em última instância, ao nominalismo  
estapafúrdio, como “socialismo de mercado”. Nós, por outro lado, concordamos com  
Chasin quanto à imprescindibilidade da crítica ao “socialismo real” e “de mercado”:  
Por isso o “socialismo real” é a falsificação política do socialismo, o  
velamento politicista da inviabilidade material da revolução social.  
Hoje, reduzido objetivamente a frangalhos, mas politicamente  
reafirmado em sua “reestruturação”, bloqueia as aspirações socialistas  
pela monstruosidade de suas façanhas políticas. (CHASIN, 2000, p.  
199)  
Diante da “reconversão administrada da crise em meio de existência” (CHASIN,  
2000, p. 182), simplesmente assumir a gestão do modo capitalista de produção  
significa não propor qualquer programa econômico que tensione as bases da produção  
capitalista.  
Fingir que não existe a crise da própria esquerda e das perspectivas  
revolucionárias é um equívoco reflexo, que, como tal, redunda em duas vertentes: uma  
espécie de consciência infeliz que toma por base os arranjos produtivos do capital e,  
de outro lado, um “certo grau de pragmatismo” (JABBOUR; GABRIELE, 2021, p. 243)  
supostamente socialista “de mercado” em detrimento do caráter prometeico da  
liberdade.  
As posições da pseudoesquerda e da esquerda, portanto, passam longe de  
rasgar horizontes e o resultado é que “a direita ocupa o espaço e draga as  
perspectivas: é então que a barbárie se transforma em tragédia cotidiana(CHASIN,  
2000, p. 287). Acreditamos que o reconhecimento desses aspectos é fundamental na  
retomada de um projeto emancipatório digno de tal nome e que consiga questionar  
as bases da relação-capital.  
Ainda sobre a persistência da miséria brasileira e da via colonial do  
capitalismo  
O que György Lukács (1999) afirmou no final de sua vida, infelizmente, continua  
atual: são raros aqueles que apreenderam de modo correto o pensamento de Marx e,  
por isso, é imprescindível defender o renascimento do marxismo, inclusive, a partir do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 331  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
estudo dedicado dos textos marxianos2. Porém, não basta compreender a obra do  
autor alemão cuidadosamente, dado que tentar a transpor sem mediações para a  
realidade de nossa época é desconsiderar a própria historicidade do ser social. Fazê-  
lo seria de um esquematismo desprezível que transformaria o pensamento de Marx  
em um monumento acabado e fechado. Portanto, também urge ir além da obra  
marxiana e dos clássicos do marxismo (Lukács e, permitimo-nos dizer, Chasin em solo  
nacional, inclusos) para que se apreendam as especificidades, potencialidades e limites  
do momento presente.  
Pelo que estipulamos, não obstante estudos interessantes e, cada um sob  
aspectos distintos, proveitosos, essas tarefas ainda não foram suficientemente  
realizadas objetivando a adequada apropriação das determinações do presente, do  
tempo das crises. O resultado é que estamos muito aquém da obra marxiana quando  
seria preciso avançar em relação a ela. E um dos aspectos decisivos quanto a esse  
ponto é a explicitação das peculiaridades do modo de produção capitalista em cada  
formação social.  
Marx abordou a miséria alemã e a particularidade de países como França,  
Inglaterra, Estados Unidos, Polônia, Rússia, China, Índia dentre outros. No século XX,  
Lênin e Lukács sistematizaram o estudo da via prussiana para o capitalismo e a análise  
desses autores ainda é essencial. Porém, ao abordar o Brasil, é preciso ir além desses  
estudos.  
Admitir as dificuldades e as irresoluções contemporâneas também é decisivo  
caso se pretenda avançar minimamente na compreensão da situação do Brasil  
contemporâneo. No plano político, o país passou do bonapartismo da ditadura de  
1964 para a autocracia burguesa institucionalizada na Nova República e tal processo  
envolve inúmeros meandros. Por exemplo, ao abordar o trajeto de Lula, Chasin diz  
sobre o atual presidente se tratar de um “líder, hoje consagrado, o primeiro de toda  
história sindical brasileira a presidir assembleias de quase uma centena de milhar de  
operários(CHASIN, 2000, p. 82). O filósofo paulista também diz que, nas greves de  
1978-79, houve passos decisivos que, ao fim, tocavam o próprio solo da produção,  
as bases do assim chamado milagre brasileiro e traziam à tona elementos novos que,  
2 Como também defende Chasin, “a obra marxiana é imortal, a não ser que as possibilidades do homem  
já estejam definitivamente extintas. Do contrário, se resta alguma esperança e resta , há que  
compreender que a guerra marxiana ao capital é a luta irrenunciável pelo homem” (CHASIN, 2000, p.  
204).  
Verinotio  
332 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
ao fim, poderiam eventualmente colocar em xeque a própria constituição híper-tardia  
do capitalismo nacional. Ou seja, a organização da classe trabalhadora foi essencial na  
derrubada da ditadura, assim como foi vital o surgimento do novo sindicalismo e da  
liderança de Luiz Inácio Lula da Silva.  
Hoje, porém, em seu terceiro mandato presidencial, Lula que recentemente  
foi alvo de um plano do Exército e dos aliados do ex-presidente Bolsonaro para  
assassiná-lo reconcilia-se justamente com os militares e é um dos principais políticos  
a incentivar a negociação com os elementos mais retrógrados da economia e da  
política nacionais.  
Em suma, um grande líder das massas operárias, juntamente com seu partido  
político, tornou-se um dos artífices da reconciliação pelo alto e, assim, para que  
remetamos às palavras de Chasin, “verifica-se, para usar novamente uma fórmula muito  
feliz, nesta sumaríssima indicação do problema, que o novo paga alto tributo ao velho”  
(CHASIN, 2000, pp. 43-4). A mesma pessoa que figurou como o líder do movimento  
capaz de questionar substantivamente as raízes da miséria brasileira, hoje, reforça-a  
de modo farsesco e sem pudores.  
Para que não restem dúvidas sobre a importância das greves de 1978-79, veja-  
se:  
E se já houve, em outros tempos, greves maiores que as do ABC, e  
mais abrangentes, nunca dantes um processo grevista significou tanto  
e tão profundamente a materialização do advento do historicamente  
novo. Deixam, os que banalizam as greves como fenômenos  
corriqueiros, de captar precisamente o que mais importa: a direção  
para a qual aponta e concretamente se dirige o movimento das massas  
trabalhadoras o derrube do arrocho, a construção da democracia,  
entendida como configuração substantiva, verdadeiro alvo estratégico  
das maiorias brasileiras. Pois o objetivo das massas trabalhadoras não  
está simplesmente em forçar que o regime ultrapasse, nesta ou  
naquela oportunidade, os índices dos reajustes salariais do arrocho.  
O que lhes interessa é que todo o “modelo” caia; vale dizer que a  
presença e a luta dos trabalhadores demandam a recomposição  
completa da equação do sistema produtivo brasileiro. (CHASIN, 2000,  
pp. 100-1)  
O processo grevista de 1978-79 propiciava a potencialidade do advento do  
historicamente novo. E, como vimos, isso não é pouco. Em verdade, caso o ímpeto das  
greves tivesse tido um impulso político persistente relacionado à subversão do  
“modelo brasileiro”, a miséria brasileira poderia estar, em parte substancial,  
ultrapassada.  
Ademais, a “recomposição completa da equação do sistema produtivo  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 333  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
brasileiro” (CHASIN, 2000, p. 100) necessitava efetivamente de um programa  
econômico teórica e praticamente bem fundamentado, bem como de uma estratégia  
política concatenada corretamente de acordo com a apreensão reta das especificidades  
nacionais da formação social capitalista brasileira. A reconciliação do novo com o velho  
estaria posta em questão, de um lado, devido à existência de um agente social  
interessado na subversão das bases produtivas nacionais; de outro, a partir da possível  
apreensão do movimento e das contradições do capital, bem como das possibilidades  
objetivas que daí surgem e que, ao fim, sinalizariam para a própria superação da  
miséria brasileira e, consequentemente, do modo de entificação do capitalismo  
tupiniquim3.  
Como vimos, contudo, a reconciliação do velho com o novo venceu e ainda tem  
vencido. Em última instância, mesmo que com inúmeras mediações e meandros, isso  
passou pelas mãos do mesmo homem, que exerceu funções antagônicas, Lula.  
Ademais, em oposição com os países de via clássica do capitalismo, não houve  
conjunção entre democracia, desenvolvimento burguês e unificação nacional. Como  
consequência, a via de entificação do capitalismo no Brasil não é a clássica, mas  
conjuntamente com a via prussiana, pode ser alocada na categoria das vias não-  
clássicas de desenvolvimento do capital.  
Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento capitalista aponta  
para uma modalidade particular desse processo, que se põe de forma  
retardada e retardatária, tendo por eixo a conciliação entre o novo  
emergente e o modo de existência social em fase de perecimento.  
Inexistindo, portanto, a ruptura superadora que de forma difundida  
abrange, interessa e modifica todas as demais categorias sociais  
subalternas. Implica um desenvolvimento mais lento das forças  
produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só  
paulatinamente vai extraindo do seio da conciliação as condições de  
sua existência e progressão. Nesta transformação “pelo alto” o  
universo político e social contrasta com os casos clássicos, negando-  
se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas híbridas de  
dominação, onde se “reúnem os pecados de todas as formas de  
estado. (CHASIN, 2000, p. 42)  
A apreensão da particularidade da via de entificação do capitalismo em cada  
formação social é imprescindível para a transformação consciente da realidade efetiva.  
Quando compreendidos de modo adequado, os nexos presentes na objetividade, as  
3
Como defendeu Chasin, isso é essencial porque “a sociedade pode se apresentar mais ou menos  
desenvolvida do ponto de vista capitalista, mais ou menos expurgada de elementos pré-capitalistas,  
mais ou menos modificada pelo processo histórico particular de cada país. De maneira que há modos e  
estágios de ser, no ser e no ir sendo capitalismo, que não desmentem a anatomia, mas que a realizam  
através de concreções específicas” (CHASIN, 2000, p. 38).  
Verinotio  
334 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
potencialidades  
e
limites das relações sociais vigentes explicitam-se.  
Consequentemente, a contraditoriedade que antes mencionamos somente é  
possibilitada em congruência com a especificidade do desenvolvimento do modo  
capitalista de produção em cada país.  
Desta forma, há uma dimensão universal das leis imanentes do sistema  
capitalista de produção, as quais foram abordadas em O capital, mesmo que de modo  
não exaustivo. Existem também peculiaridades particulares de formas não clássicas da  
entificação do capitalismo, visíveis, por exemplo, na via prussiana (abordada por Lênin  
e Lukács) e na via colonial, analisada por J. Chasin. Entretanto, sempre nos deparamos  
concretamente com a singularidade de cada país em cada época da história. Por essa  
razão, a explicação do desenvolvimento da relação-capital depende tanto das  
continuidades entre cada uma dessas dimensões mencionadas quando das  
descontinuidades e oposições, as quais, ao fim, possuem também uma dimensão única  
em cada caso concreto. Em palavras diversas, a explicitação dos nexos do real  
demanda o estabelecimento da diferença específica de cada formação social em cada  
época distinta, e somente dotados dessa percepção sobre a realidade é factível  
transformar substancialmente a tessitura da sociedade.  
O caráter não clássico do capitalismo brasileiro, em confluência com outras  
formações sociais que compartilham a particularidade não clássica, como a prussiana,  
engendra uma forma mais tardia de desenvolvimento da grande indústria. Nesses  
casos, o modo retardado e retardatário de incremento das forças produtivas remete à  
conciliação do novo com o velho. Em termos concretos, a classe burguesa, que foi  
revolucionária na França e na Inglaterra, por exemplo, opera tanto como um agente  
do progresso quanto da reação em países como Alemanha, Itália e Brasil. A conciliação  
de classes ligadas a uma espécie de Antigo Regime com classes como a burguesia e  
as classes médias avessas à feudalidade (nos países de via prussiana) ou ao  
escravismo moderno (como no Brasil) redunda na perpetuação de um modo de  
existência social em fase de perecimento. O resultado é a ausência de rupturas  
superadoras e certa oscilação entre polos antagônicos, os quais não se envolvem em  
lutas explicitamente levadas às suas últimas consequências.  
As categorias sociais aparecem, portanto, de modo distinto da via clássica. O  
incremento rudimentar das forças produtivas, bem como o desenvolvimento atrasado  
da grande indústria, acarreta o pior dos mundos, em que convivem as formas de  
dominação capitalistas e pré-capitalistas. Nessas condições, o combate do proletariado  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 335  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
moderno ocorre tanto contra a burguesia quanto contra aqueles que a burguesia  
deveria ter liquidado resolutamente. Por conseguinte, a conciliação apresenta-se na  
classe burguesa porque ela não é capaz de aliar-se verdadeiramente aos de baixo e  
prefere uma transição ao moderno capitalismo pelo alto. O resultado é que, econômica  
e politicamente, não há ruptura e a transformação não supera o velho; antes, reconcilia-  
se com ele.  
As figuras de dominação presentes nas formas não clássicas de entificação do  
capitalismo são híbridas. Ademais, elas não significam nunca uma junção do melhor  
de cada constituição política, mas o que há de pior nelas. Com isso, o elemento  
retardado e retardatário da industrialização redunda em formas políticas, por vezes,  
estapafúrdias e essencialmente antidemocráticas e elitistas. Porém, o quão tardio é o  
processo de desenvolvimento capitalista detém relevo para a apreensão de cada caso  
singular.  
Chasin, nesse sentido, infere que há aproximações entre formas distintas de via  
não-clássica, entretanto, como não poderia deixar de ser, há dissonâncias:  
Em ambos os casos o desenvolvimento é lento e retardatário em  
relação aos casos clássicos. Mas enquanto a industrialização alemã é  
das últimas décadas do século XIX, e atinge, no processo, a partir de  
certo momento, grande velocidade e expressão, a ponto de a  
Alemanha alcançar a configuração imperialista, no Brasil a  
industrialização principia a se realizar efetivamente muito mais tarde,  
já num momento avançado da época das guerras imperialistas, e sem  
nunca, com isto, romper sua condição de país subordinado aos polos  
hegemônicos da economia internacional. De sorte que o “verdadeiro  
capitalismoalemão é tardio, enquanto o brasileiro é híper-tardio.  
(CHASIN, 2000, pp. 44-5)  
Na medida em que nas entificações tardias do capitalismo o capital avança de  
modo violento e imperialista, completando-se de modo antidemocrático e belicista,  
nas formações sociais marcadas pelo desenvolvimento híper-tardio há subordinação,  
seja ao capital atrelado aos países de via clássica, seja aos países vinculados à via  
prussiana.  
A Alemanha avança no sentido imperialista e belicista, fazendo da guerra um  
instrumento de incremento da grande indústria nacional; o Brasil, por outro lado, é  
levado a uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho e a uma  
subordinação à dinâmica do próprio imperialismo e, por essa razão, sua  
industrialização carece de autonomia e de robustez. Mais que isso: “a industrialização  
tardia se efetiva num quadro histórico em que o proletariado já travou suas primeiras  
batalhas teóricas e práticas” (CHASIN, 2000, p. 34), enquanto a industrialização híper-  
Verinotio  
336 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
tardia não encontra nada do gênero. Por conseguinte, a configuração das disputas  
classistas também adquire outra anatomia. A formação do moderno proletariado, ou  
seja, da classe antagônica à burguesia, tem características distintas e se insere em um  
processo em que o avanço da grande indústria nacional é verdadeiramente  
incompletável; nas palavras de Chasin, há no Brasil “o capital incompleto e  
incompletável” (2000, p. 224). A Alemanha e a Itália chegam à década de 1930 com  
partidos social-democratas e comunistas robustos, talvez, os mais robustos do mundo  
na época. No Brasil, o avanço das posições de esquerda é retardado também e o  
resultado é um desenvolvimento subordinado tanto da grande indústria quanto da  
oposição ao sistema capitalista de produção. Consequentemente, as diferenças entre  
o capitalismo tardio e o híper-tardio não podem ser desconsideradas.  
Segundo Chasin, quando a grande indústria começa a dar seus passos na  
década de 1930 no Brasil, as condições sociais e econômicas trazem, ao mesmo  
tempo, o capital monopolista e uma imaturidade das lutas do moderno proletariado  
nacional:  
A estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. Ainda mais, a industrialização tardia, apesar de  
retardatária, é autônoma, enquanto a híper-tardia, além de seu atraso  
no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada sem  
que estes tenham deixado de ser subordinados das economias  
centrais. (CHASIN, 2000, p. 34)  
Os países de via clássica e de via prussiana formam impérios coloniais; o Brasil  
foi uma colônia, espoliada por esses impérios. A acumulação monopolista, portanto,  
traz o capitalismo de via colonial como um predicado do avanço imperialista e daquilo  
que Caio Prado Jr. (2007) chamou de “sentido da colonização”. A industrialização  
nacional é incompletável por começar no quadro da acumulação monopolista avançada  
e por ser dependente tanto da atuação maciça do estado quanto do capital  
estrangeiro. Assim, estipula Chasin (2000, p. 35), “a presença do estado na economia,  
bem como a detenção do poder em forçosa companhia é da essência mesmo do  
capitalismo no Brasil desde as ocorrências da década dos 30”. Posteriormente, o autor  
brasileiro complementa: “se a isto se agrega a presença do capital estrangeiro, os  
contornos principais estão traçados”. No caso dos países centrais, a consequência de  
tais fatos é estar a perspectiva do trabalho ou assentada temporariamente no poder  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 337  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
do estado ou reprimida violentamente pela política de extração fascista das décadas  
de 1930-40. Por conseguinte, se o avanço do capitalismo tardio ocorre à moda da  
extrema-direita, da guerra e reprimindo um robusto movimento socialista, o avanço do  
capitalismo híper-tardio tem tanto na democracia quanto no socialismo algo de  
exótico. Fora de alguns círculos pequenos, a questão, para que se use as expressões  
de Celso Furtado (1974) e da Cepal, parece ser não o socialismo, mas a relação tensa  
entre o moderno e o arcaico.  
A burguesia nacional dos países de capitalismo tardio adere ao fascismo e ao  
nazismo, também, ao incrementar com ferro, sangue, guerras e os métodos mais  
desumanos imagináveis as forças produtivas do capital. Tal classe, portanto, cumpre  
a sua missão de modo brutal e aviltante. A burguesia brasileira, por sua vez, pode até  
buscar algo “moderno”, mas o faz integrando-se como um elo na cadeia do capitalismo  
monopolista, ou seja, na forma de uma integração subordinada. A alma burguesa  
torna-se não só antidemocrática, mas avessa ao avanço do mercado nacional e ao  
desenvolvimento de uma grande indústria que estivesse acompanhada das lutas do  
moderno proletariado. Por essa razão, o capitalismo brasileiro até mesmo hoje,  
acreditamos é incompletável. Daí, a resolução da “questão agrária” também ser  
substancialmente distinta em tais formações sociais, já que a Alemanha traz em seu  
bojo a oposição entre desenvolvimento capitalista e privilégios feudais ao passo que  
o Brasil, desde sua colonização, é inseparável de uma forma específica de produção  
agrária, aquela do latifúndio, até o final do século XIX, essencialmente escravocrata. É  
verdade que “aos dois casos convém o predicado abstrato de que neles a grande  
propriedade rural é presença decisiva”; entretanto, no caso alemão “se está indicando  
uma grande propriedade rural proveniente da característica propriedade feudal posta  
no quadro europeu”, ou seja, indica Chasin (2000, p. 44), “enquanto no Brasil se  
aponta para um latifúndio procedente de outra gênese histórica, posto, desde suas  
formas originárias, no universo da economia mercantil pela empresa colonial”. A  
burguesia brasileira, portanto, foi escravocrata, dependente do tráfico negreiro e,  
posteriormente, contentou-se com o papel de lacaio do capital internacional. Dessa  
maneira, progressivamente, há o abandono de qualquer pretensão de desenvolvimento  
nacional autônomo e independente e, também por isso, o incremento das forças  
produtivas da grande indústria torna-se incompletável em solo nacional e a via colonial  
de entificação do capitalismo perpetua-se.  
Assim, ao cabo de sua formação, o capital incompleto e incompletável  
Verinotio  
338 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
abandona definitivamente qualquer ilusão de autonomia, se é que a  
teve concretamente alguma vez, e identifica modernidade com  
integração subordinada. De modo que seu sonho passa a ser o  
estabelecimento da boa parceira, da vivência e gozo da boa  
cumplicidade com o titã que vem de fora, a um tempo mestre e senhor,  
o que ensina e eleva, orienta e dirige. O capital inconcluso, sôfrego  
em sua alma prostituta, se transveste em noiva obsequiosa, disposta  
aos sacrifícios da purificação, para que o impossível himeneu seja  
celebrado, inclusive com uma gota de sangue sintético. (CHASIN,  
2000, p. 224)  
Ao lado do sentido da colonização, consolida-se uma modernização  
subordinada. A formação do capitalismo nacional certamente remete ao mundo  
moderno, ou seja, à relação consciente com o desenvolvimento do modo de produção  
capitalista. A consciência burguesa, porém, pode apresentar um cinismo servil e não  
qualquer forma de ímpeto de controle das próprias condições de vida. Dessa maneira,  
Chasin assevera que o máximo que o empresariado nacional está disposto a fazer é  
buscar ser um bom parceiro e um cúmplice do capital transnacional. A alma da  
burguesia nacional seria prostituta, tendo em vista que se apresentaria nas formas de  
alguém de falsos escrúpulos e, também por isso, a figura da formação capitalista  
brasileira é inconclusa e incompletável. Se o capitalismo de extração prussiana viu a  
tragédia de sua consolidação, a classe burguesa brasileira tem um papel farsesco no  
desenvolvimento das forças produtivas do capital. Em síntese precisa, diz Chasin, a  
industrialização tardia da via prussiana é o drama, enquanto a industrialização híper-  
tardia da via colonial é a penosa comédia(CHASIN, 2000, p. 55)4.  
Modernização, aliás, foi a palavra de ordem da pseudoesquerda até tempos  
recentes. A expressão dá vazão teórica ao sentido, primeiramente ilusório, e depois  
cínico, da entificação do capital no Brasil. Nas décadas de 1950-60, o ímpeto  
desenvolvimentista (e modernizador) esteve acompanhado de figuras de proa, como  
Celso Furtado (1974; 1983). A implementação da ditadura de 1964, por seu turno,  
solapou tal posição e deixou cristalina a natureza subordinada das forças burguesas  
nacionais. O autor da Cepal, assim, expressou o melhor das ilusões do  
4 Para que fique mais claro, vale mencionar a posição chasiniana sobre o assunto: quanto à expansão  
das forças produtivas. Em ambos os casos o desenvolvimento é lento e retardatário em relação aos  
casos clássicos. Mas enquanto a industrialização alemã é das últimas décadas do século XIX, e atinge,  
no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e expressão, a ponto de a Alemanha alcançar  
a configuração imperialista, no Brasil a industrialização principia a se realizar efetivamente muito mais  
tarde, já num momento avançado da época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper  
sua condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia internacional. De sorte que o  
verdadeiro capitalismoalemão é tardio, enquanto o brasileiro é híper-tardio” (CHASIN, 2000, pp. 44-  
5).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 339  
nova fase  
 
Vitor Bartoletti Sartori  
desenvolvimento nacional autônomo, tendo participado teórica e praticamente de  
governos substancialmente distintos, como os de Juscelino e de Jango. Suas posições  
foram revistas, posteriormente, por pensadores de calibre infinitamente menor, que  
deram a tônica dos debates teóricos presentes na institucionalização da autocracia  
burguesa sob a Nova República. Nesse momento, a retomada de tal concepção trouxe  
elementos farsescos indisfarçáveis, visíveis, sobretudo, quando a oposição, e mesmo  
seus mais sofisticados pensadores, como aqueles ligados ao PT e ao PSDB, foram  
incapazes de trazer qualquer programa econômico alternativo àquele dos gestores do  
capital atrófico.  
Pelo que expusemos acima, tal situação é propiciada, dentre outros aspectos,  
pela incapacidade de compreender a verdadeira natureza do capitalismo brasileiro,  
que é híper-tardia. Como resultado, a política (na verdade, o politicismo) da Nova  
República torna-se um sintoma tanto da forma particular do capitalismo no Brasil  
quanto da incapacidade da esquerda e da pseudoesquerda de apreender as  
características constitutivas do processo econômico, que é escamoteado sob a alcunha  
informe da “modernização”.  
O modo pelo qual a farsa do desenvolvimento e da modernização foi concebida  
dependeu de certo marxismo adstringido, elaborado, sobretudo, no mundo acadêmico  
e nos partidos próximos aos teóricos da Universidade de São Paulo. Assim, a nata da  
intelectualidade nacional embarcou na farsa de um projeto que outrora fora ilusório.  
Hoje, por outro lado, a situação é, ao mesmo tempo, similar e distinta. Ela é  
similar porque agora as teorias mencionadas são mobilizadas pela pseudoesquerda,  
mesmo que em forma de pastiche, com o objetivo de insuflar a militância. Há, porém,  
disparidades substantivas, porque tais teorias são utilizadas somente de modo  
cinicamente manipulatório, já que não só não dispõem de qualquer programa  
econômico alternativo àquele da direita, como também adotam o essencial da posição  
de direita sem quaisquer escrúpulos. Desse modo, a via colonial adquire contornos,  
não só farsescos, mas de uma comicidade marcada pelo pastiche. Acrescenta-se a esse  
fato uma consequência vital para os rumos nacionais: sem desenvolvimento teórico  
condizente com a situação atual e repetindo de modo irrefletido mantras de outrora,  
não há qualquer possibilidade de superação da via colonial de entificação do  
capitalismo. A especificidade híper-tardia do capitalismo tupiniquim reitera-se na e a  
partir das crises econômicas e políticas que marcam a Nova República, a autocracia  
burguesa institucionalizada vigente ainda hoje.  
Verinotio  
340 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
O marxismo adstringido da analítica paulista pretendia, como se sabe,  
compreender a especificidade do capitalismo nacional com o intuito de elaborar um  
projeto coerente de “modernização”; hoje, no entanto, a pseudoesquerda retoma, na  
forma de fraseologia, os velhos lemas e, para além disso, ainda os desidrata, revira e  
escamoteia para que possam se prestar aos fins mais escusos da governabilidade  
petista. O resultado é o aprisionamento a um capitalismo incompleto e incompletável  
e, consequentemente, a uma situação em que o novo paga tributo ao velho e o reitera.  
Continua-se muito aquém da obra marxiana, da necessidade de desenvolver  
suas consequências e da imprescindibilidade de apreender o capitalismo nacional;  
ademais, as palavras de ordem sobre autoritarismo, dependência, populismo,  
marginalidade são repetidas incansavelmente pela pseudoesquerda em um momento  
histórico em que não são mais críveis e, dessa maneira, a via colonial é recolocada  
diuturnamente, reforçando e se retroalimentando da crise do atual sistema capitalista  
de produção.  
A crise da esquerda e do pseudossocialismo e a abertura para que se rasguem  
os horizontes: sobre a necessidade de um programa econômico que rompa  
com a via colonial  
A não apreensão das determinações do capitalismo contemporâneo e da  
especificidade da entificação do capitalismo no Brasil ainda é uma constante. No  
entanto, como destacamos acima, esse fato não decorre somente de uma cegueira  
teórica e intelectual, tendo em vista que possui uma base real. Nesse sentido,  
destacam-se as derrotas da classe trabalhadora, que desempenham um papel  
considerável e não podem ser desprezadas. No Brasil, em especial, a situação adquire  
contornos dramáticos quando, ao lado da ausência de uma teoria solidamente  
fundamentada sobre a especificidade do capitalismo nacional, figura a incapacidade  
de formular um programa econômico alternativo para o presente.  
A análise da via colonial e das derrotas da perspectiva do trabalho ganha um  
relevo que não é meramente terminológico, mas, sobretudo, prático. Chasin, a esse  
respeito, reconhece que há, “em suma, colapso prático e teórico, que se constitui em  
fecho de toda a experiência revolucionária do século(2000, p. 200). Posteriormente,  
ele complementa dizendo que tal fato “torna obrigatória a verificação dolorosa de que  
o século e meio de lutas compreendido entre 1848 e 1989 foi um século e meio de  
insucessos e fracassos, onde o socialismoreal é a derrota culminante dessa dura  
história de derrotas”. Componentes necessários desse cenário são a impossibilidade  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 341  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
de qualquer nostalgia quanto às lutas dos séculos XIX e XX e o reconhecimento de  
que o tempo das crises traz consigo a crise da esquerda. Assim, a miséria brasileira e  
a via colonial persistem na medida em que as derrotas do socialismo real e do  
desenvolvimentismo do século XX são ignoradas, respectivamente, pelos stalinistas  
nacionais (ou por quem busca uma valorização do “socialismo de mercado” chinês) e  
pela pseudoesquerda.  
Nessa realidade, é preciso assumir que parte dos combatentes de ontem, seja  
da esquerda, seja da pseudoesquerda, politicamente, são um cadáver insepulto. Nas  
palavras duras de Chasin, é inafastável reconhecer que a esquerda, tanto em sua época  
quanto hoje, está morta. Porém, não é devido confundir a morte da esquerda com a  
extinção da perspectiva histórica da esquerda, já que, “quanto mais concreta for a  
representação do atual momento desfavorável, tanto mais solidamente poderão ser  
fundadas as esperanças, pois a morte da esquerda não é a extinção da perspectiva  
histórica da esquerda(CHASIN, 2000, p. 202). Para retomar o que defendemos linhas  
acima, é vital rasgar os horizontes, mesmo que, para tanto, seja preciso reconhecer  
derrotas doloridas e a ausência de um agente social interessado na mudança  
substantiva da produção capitalista contemporânea.  
Ligados ao cenário nacional, encontram-se tanto a situação em que a derrota  
do socialismo real e do desenvolvimentismo se impõem quanto a certeza de que os  
rumos das sociedades subsumidas ao capital levam à perpetuação das crises e, aqui,  
aos rumos da miséria brasileira e da via colonial de entificação do capitalismo.  
Em poucas palavras conclusivas: tanto o capitalismo quanto o  
pseudossocialismo são a demonstração historicamente realizada de  
que o capital, sob qualquer de suas formas, é incapaz de solucionar –  
para o conjunto dos homens existentes os problemas de  
subsistência material, e constitui, de outra parte, o inimigo mortal a  
ser eliminado, se não se abandona ou renuncia à empresa humana e  
com ela a todo e qualquer sentido de vida autêntica. Em suma, trata-  
se de não tergiversar: já é sabido onde se chega com o capital no  
habitat do mercado, e também com o capital desprovido de mercado;  
o que permanece desconhecida é a experiência de uma vida societária  
sem capital e sem mercado. E dessa descoberta não se pode abrir  
mão. (CHASIN, 2000, pp. 219-20)  
Quando a crise da esquerda é proeminente, também emerge no horizonte a  
possibilidade do reconhecimento cabal sobre a insustentabilidade dos moldes  
contemporâneos da reprodução ampliada do capital. Consequentemente, encontramo-  
nos em uma situação delicada e de crise, contudo, em suas determinações objetivas,  
ela remete tanto à inviabilidade das soluções pseudossocialistas e capitalistas quanto  
Verinotio  
342 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
à busca por uma vida autêntica e plena de sentido, a qual coloca-se na ordem do dia.  
A outra face de Jano da morte da esquerda é a possibilidade e a urgência de rasgar  
os horizontes. O reconhecimento da derrota, portanto, não conduz ao fatalismo (que  
é o alimento perfeito da perspectiva da extrema-direita), mas à busca por  
possibilidades concretas no seio do próprio real. Por isso, infundir esperanças é parte  
das tarefas essenciais de nosso tempo, com o intuito de propiciar e auxiliar no  
processo de emergência de um sujeito social interessado na mudança substantiva das  
relações de produção, de um sujeito que possa solapar a tragédia cotidiana e a  
barbárie atuais.  
Um objetivo verdadeiramente vital, para barrar a extrema-direita e o avanço das  
figuras mais grotescas de desenvolvimento capitalista, é a busca por uma vida  
societária sem capital e sem mercado. A direita ocupou de modo avassalador o espaço  
da luta política e conquistou os corações das classes trabalhadoras com cinismo e com  
o realismo pueril daqueles que militam a favor da manutenção das excrescências  
vigentes no sistema capitalista de produção contemporâneo. Tal realismo pueril,  
porém, não pode subsistir sem uma luta ideológica constante e sem a apologia  
absolutamente cínica da vida sem sentido e estranhada do capitalismo contemporâneo.  
Em outras palavras, a crise da esquerda é uma realidade dura, mas abre perspectivas  
reais, mesmo que mediante um trabalho futuro que não é simples ou fácil e que  
demanda doses cavalares de autocrítica. A direita política, por outro lado, reivindica  
justamente a eternização da barbárie cotidiana como uma solução sem nunca poder  
dar ensejo ao horizonte de mudança substantiva.  
Os programas econômicos da extrema-direita mudam de local para local, por  
óbvio. Entretanto, um traço comum de todos eles é a revisitação das velhas fórmulas,  
ainda que sob bases novas. No Brasil, houve o flerte entre a perspectiva de um  
economista formado na escola de Chicago, como Paulo Guedes e, como mencionamos,  
o programa liberalizante e agressivo do Chicago boy nacional acabou sendo derrotado  
nas eleições de 2022. Também tivemos a oportunidade de referir que o ex-professor  
Fernando Haddad, atual ministro da fazenda de Lula, não traz quaisquer perspectivas  
que superem o legado de Guedes ou as leituras ortodoxas da economia. A persistência  
da via colonial, por conseguinte, ainda é um traço decisivo do capitalismo brasileiro e  
as atuais esquerda e pseudoesquerda nada conseguiram ou conseguem para superar  
tal situação.  
O processo social que envolveu o surgimento do novo sindicalismo, na década  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 343  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
de 1980, chegou a colocar em xeque a existência subordinada do capitalismo de via  
colonial nacional, certamente. Porém, a combatividade dos trabalhadores na década  
de 1970 e as teorias sobre o populismo, o autoritarismo, a dependência e a  
marginalidade (o quadrúpede teórico criticado por Chasin) acabaram por se unir e, ao  
fim, malograr em conjunto. Assim, aquilo que hoje se tenta recuperar na forma de  
pastiche já estava marcado por sérios problemas na própria década de 1980:  
Basta dizer que o PT é o encontro da combatividade sindical dos  
últimos anos da década de 70, que preencheu de maneira notável o  
vácuo escandaloso a que fora reduzido até mesmo o movimento  
corporativo dos assalariados, pela conduta omissa, quando não  
diretamente desmobilizadora, da esquerda tradicional, com os  
representantes e o clima teórico-ideológico do conjunto de teses  
elencado mais atrás. De maneira que o renascimento firme e pujante  
da movimentação dos trabalhadores veio, assim, a submergir na  
atmosfera politicista, quando buscou os caminhos da organização e  
das definições políticas. Por consequência, ao inverso do que se daria  
num rumo de esquerda, com seu desenvolvimento o PT simplesmente  
politicizou a prática sindical, não extraiu da lógica do trabalho a  
política que supera a política, isto é, ficou nos limites do entendimento  
político, não se alçou à política norteada pela razão-social. (CHASIN,  
2000, p. 258)  
O petismo expressou o encontro das teses defendidas pela analítica paulista  
com a combatividade do novo sindicalismo. A força e as limitações do movimento  
advinham dessa comunhão sui generis, a qual, como mencionamos, não deixou de  
trazer potencialidades consideráveis. Entretanto, conjuntamente com as possibilidades  
que reemergiram no final da década de 1970 e no começo da década de 1980,  
reforçou-se um modus operandi já antigo e vinculado a uma forma de entendimento  
essencialmente voltada aos limites da política. Ou seja, a oposição real à ditadura, ao  
mesmo tempo, começava a tocar o essencial, localizado no arrocho salarial, e  
procurava avançar sem um programa econômico alternativo, voltando-se, sobretudo,  
a um rearranjo mais ou menos engenhoso da esfera política. Por conseguinte, aquilo  
que Chasin chamou de razão social não norteou real e efetivamente a política, mas foi  
subordinado aos limites estreitos dessa última, dando ensejo à comunhão entre via  
colonial e um entendimento limitado da política.  
Dessa maneira, conjuntamente com a ausência de uma política econômica  
alternativa, consolidou-se o politicismo. Ou seja, sem um programa econômico  
rigoroso e alternativo, resultaram o apego à política e à cristalização dos horizontes  
que deram suporte material ao estado, à divisão social do trabalho, à propriedade  
privada e ao mercado e, por essa razão, a via colonial de entificação do capitalismo  
Verinotio  
344 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
restou intocada.  
A politização da prática sindical não levou esta última além dos seus limites  
imediatos. Pelo contrário, a espontaneidade das lutas políticas da classe trabalhadora  
das décadas de 1970 e 1980 se subordinou ao entendimento político mais imediato,  
retirando do horizonte um rumo verdadeiramente de esquerda. Nesse cenário, mesmo  
que meramente de modo verbal, a palavra socialismo começa a desaparecer e a  
combatividade sindical iniciou um percurso que se tornou uma sombra pueril do que  
já havia sido.  
O resultado foi a desmobilização da esquerda e da classe trabalhadora,  
subordinando todo movimento ao calendário eleitoral e não à lógica do trabalho, que,  
em verdade, é a única capaz de se opor às determinações do capital. Com isso, conclui-  
se que o vácuo deixado pela pseudoesquerda não é novo e está presente desde que  
a institucionalização da autocracia burguesa começou a tomar forma, no final da  
ditadura.  
Por conseguinte, não surpreende que as tarefas da esquerda tenham sido  
secundarizadas e que, quando finalmente chega ao poder, em 2002, o petismo seja  
um pastiche de si mesmo. Os espaços ligados à elaboração de um programa  
econômico foram ocupados pela direita, que, sob alcunha de “tripé macroeconômico”,  
impôs limitações que, na prática, inviabilizaram qualquer programa econômico  
diferente do seu.  
Consequentemente, o politicismo não é simplesmente uma denominação para  
certa lida limitada com a máquina estatal e com a incapacidade de criticar a estrutura  
hierárquica que culmina na organização burocrática da política. Em verdade, o  
politicismo formou os atuais gestores do capital atrófico, justamente por redundar na  
incapacidade de formulação de programas econômicos alternativos àqueles da direita.  
Por seu turno, isso significa que as tarefas da esquerda, mesmo aquelas mais  
modestas, restam obstaculizadas e a via colonial é reposta diuturnamente. O resultado  
acaba sendo a perda de apoio popular dos jargões da pseudoesquerda, ligados à  
justiça social, à crítica ao autoritarismo e à insistência mais que justificada de que  
aqueles ligados à ditadura e aos ideais advogados durante o período de 21 anos que  
sucedeu o primeiro de abril não devem ter acesso à máquina estatal e ao aparato  
repressivo ainda presente no estado brasileiro. Insistimos, com J. Chasin, “quando a  
esquerda não rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita ocupa o espaço e  
draga as perspectivas: é então que a barbárie se transforma em tragédia cotidiana”  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 345  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
(2000, p. 287).  
A gestão do capital atrófico transforma-se na operacionalização da barbárie que  
se tornou não mais tragédia, mas uma farsa cotidiana. A pseudoesquerda, na melhor  
das hipóteses, faz o papel de uma direita moderada, e a consequência desse processo  
é que, tanto de 2002 a 2016 quanto de modo ainda mais problemático e cínico –  
hoje, há perda de crédito por parte das ideias de esquerda e, assim, a direita ganha  
terreno e ocupa espaços. A ausência de um programa econômico e o predomínio do  
politicismo propiciam o surgimento de uma esquerda e uma pseudoesquerda que se  
apresentam como um cadáver insepulto, na medida em que procuram realizar tarefas  
que nem sequer seriam pequeno-burguesas, mas, na verdade, burguesas.  
Ademais, não se trata de uma burguesia qualquer, mas daquela classe que, no  
Brasil, é marcada pela regressividade e que se tornou incapaz de levar a cabo até  
mesmo a industrialização e os ímpetos progressistas do domínio inerentes ao capital  
dos países de via clássica. Ainda sobre as tarefas burguesas, o avanço de forças  
produtivas, obtido de modo brutal nos países de via prussiana, também não se  
apresenta no seu horizonte. Em função dessas características da via colonial, os  
governos petistas têm perdido sustentação, por gerirem de maneira hipócrita a  
barbárie e a farsa cotidianas, que se impõem no capitalismo de via colonial. Tudo se  
passa na pseudoesquerda transmutada em governismo como se fosse viável gerir o  
domínio do capital, ainda mais em um cenário em que ela não se opõe à via colonial  
de entificação do capitalismo.  
Tais traços, como mostrou Chasin, já eram visíveis no começo da década de  
2000, em especial, quando se observam os processos sucessórios nas eleições:  
É nesta condição objetivamente fantasmagórica de campo ausente  
que a esquerda comparece ao processo sucessório em curso,  
oferecendo seus sucedâneos no polo da radicalidade burguesa. Ou  
seja, ocupando o espaço que a incompletude de classe do capital está  
impedida de preencher. Pelas suas limitações intrínsecas, a  
perspectivas do capital atrófico não se estende sequer aos limites de  
sua inerência enquanto capital, ficando muito aquém de sua própria  
universalidade genérica, ou melhor, particulariza a particularidade de  
interesses que há século e meio já destituiu o estado proprietário dos  
fins universais da humanidade. Assim, abantesma embrechado no oco  
do capital, a esquerda se limita e esgota na esquerda de uma  
legalidade que lhe é estranha e que a desfigura. Todavia, é enquanto  
tal que ela comparece ao pleito presidencial e enquanto tal tem de ser  
considerada em seus diversos braços ou representações. (CHASIN,  
2000, pp. 231-2)  
O espaço da esquerda apareceu e ainda aparece como um campo ausente.  
Verinotio  
346 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
Também nesse sentido a esquerda está morta e é incapaz de rasgar horizontes.  
Ademais, nesse cenário, na melhor das hipóteses, alcança-se a radicalidade  
burguesa e, assim, há uma inversão, tendo em vista que as tarefas burguesas começam  
a ser realizadas pela esquerda. E há um duplo aspecto nessa inversão: de um lado, ela  
possui uma razão objetiva, ligada à necessária incompletude (e ao caráter  
incompletável) do capital e da classe capitalista em um país de extração colonial. De  
outro, o ímpeto necessário para realizar essa tarefa pela esquerda poderia levar não  
só à efetivação das tarefas da burguesia, mas também daquelas da classe trabalhadora.  
Nesse sentido, a constatação prática da incompletude e da incompletabilidade do  
capital poderia rasgar horizontes para a superação de um modo específico de  
entificação do capitalismo e, ao fim, sob circunstâncias específicas, em última análise,  
do próprio capitalismo. No entanto, com a esquerda ausente em seu campo, atua-se  
no terreno do inimigo, obstaculizando suas próprias potencialidades. Assim, o  
resultado não é mais trágico, mas farsesco, tratando-se de um pastiche daquilo já visto  
no pré-1964 e, depois, na década de 1980, e que desfigura a anatomia da esquerda  
e da própria oposição ao domínio do capital.  
A existência da esquerda aparece como nada menos que uma fantasmagoria,  
cuja realidade depende da mera insistência verbal em seus ideais, agora, já  
transfigurados em jargões vazios. Ao se apegar às limitações intrínsecas ao capital  
atrófico, a esquerda e a pseudoesquerda acabam dando lugar a um mundo duplicado:  
de um lado, as ilusões expressas nos mencionados jargões, de outro, o pragmatismo  
mais vil daqueles que intentam se colocar como gestores “de esquerda” do capital  
atrófico.  
Em tal cenário, a face citoyenista obviamente é derrotada pela determinação  
prática de uma legalidade estranhada, que desfigura qualquer projeto de esquerda e,  
ousamos dizer, hoje, à esquerda. A ausência de um projeto econômico resulta em um  
politicismo que nem sequer traz consigo uma espécie de boa vontade impotente, mas  
supostamente ingênua. Antes, imiscuído na legalidade do mercado, da reprodução do  
capital e do estado, o politicismo dos atuais gestores do capital é ainda mais  
adstringido e leva à incapacidade de qualquer projeto econômico alternativo e, assim,  
acaba se tornando um ideário putrefato, que redunda no rebaixamento de expectativas  
populares de modo bastante claro. A direita, por sua vez, ocupa o espaço de modo  
brutal, porém assume a barbárie como constitutiva do próprio real, sem hipocrisias e,  
também por isso, cresce no tempo das crises.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 347  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Por via de consequência, a crise da esquerda está acompanhada de um  
rebaixamento das expectativas populares, que, agora, estão mais expostas à  
fraseologia que afirma a imprescindibilidade do mercado e do estado ou, colocando  
em termos mais concretos, do capital e do aparato repressivo da classe burguesa.  
Como consequência, a concepção de mundo da extrema-direita dispõe de um terreno  
fértil, que se consolida sobre a terra arrasada da esquerda.  
O politicismo da esquerda e da pseudoesquerda já parecem sentimentalismo e  
hipocrisia e, no tempo das crises, todos sabem que isso não é e nem pode ser  
resolutivo. A barbárie cotidiana ganha terreno em um momento, como já defendemos  
acima, propício para a perda das ilusões. A questão é qual a natureza da destruição  
dessas ilusões, vinculada ao cinismo da extrema-direita ou ao projeto de emancipação  
de que não se pode abrir mão, e ligado à “experiência de uma vida societária sem  
capital e sem mercado(CHASIN, 2000, p. 220). Nesse sentido, estão renovadas as  
opções colocadas por Rosa Luxemburgo. Hoje, mais do que nunca, as alternativas  
colocadas à humanidade, e ao Brasil, são socialismo ou barbárie transformada em  
tragédia cotidiana.  
Conclusão: um futuro ainda ausente e a persistência da miséria brasileira como  
pastiche do politicismo  
A ocasião da republicação de A miséria brasileira marca a reiteração de um  
capitalismo incompleto e incompletável, com todos os seus problemas. Nesse sentido,  
a via colonial de entificação do capitalismo ainda marca o Brasil. Por conseguinte, a  
atualidade do texto de J. Chasin é de uma real infelicidade, ocasionada pela  
perpetuação da barbárie transformada em tragédia cotidiana. Ademais, o cenário é  
ainda pior do que aquele analisado pelo filósofo paulistano, porque a esquerda e a  
pseudoesquerda procuram mobilizar as massas com meros pastiches de seus ideais  
pretéritos. O quociente dessa equação é a incompreensão da especificidade do  
capitalismo de via colonial, a ausência de uma política econômica, o idealismo atroz e  
um politicismo desidratado que, como elencamos, possibilita o rebaixamento das  
expectativas populares  
A esquerda torna-se um campo ausente de modo ainda mais radical,  
reproduzindo hipocritamente os jargões do quadrúpede teórico da analítica paulista  
além de, pragmaticamente, utilizar-se do aparato categorial da economia vulgar,  
cristalizada no monetarismo e na ortodoxia que caracterizam o “tripé  
macroeconômico”. Nesse caso, as consequências práticas do petismo têm sido a perda  
Verinotio  
348 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
de credibilidade do ideário de esquerda (ou à esquerda), a crença de que, ao fim, não  
há alternativa para a via colonial e para o domínio do capital e, não menos importante,  
derrotas estrondosas da classe trabalhadora.  
Como argumentamos acima, esse cenário propicia a perda de ilusões,  
certamente. Contudo, isso ocorre de modo dúplice e, atualmente, extremamente  
problemático. De um lado, resta claro que o pseudossocialismo, o desenvolvimentismo  
e a economia de mercado como um todo levam à barbárie contemporânea. De outro,  
porém, evidencia-se que a perda das ilusões não leva necessariamente ao  
questionamento da ordem do capital, mas pode acarretar o crescimento do realismo  
cínico da extrema-direita. Por conseguinte, a mesma situação que encadeia a  
atualidade do projeto socialista está acompanhada de uma oposição brutal e violenta  
a qualquer forma de progressismo. A esquerda e a pseudoesquerda estão mortas  
porque seus jargões são ou abstrações idealistas corajosas ou lamentos sentimentais  
hipócritas. A extrema-direita, por seu turno, alimenta-se dessa incapacidade de a  
esquerda rasgar os horizontes, ocupando os espaços deixados e ganhando o coração  
das massas envoltas na tragédia da barbárie cotidiana. A situação é dura e precisa ser  
reconhecida, caso se deseje minimamente varrer da história a ameaça, bastante real e  
presente, do domínio e da hegemonia das facetas mais atrozes do capital.  
O receituário que vem sendo propagandeado pelo petismo é a chave para mais  
derrotas, é a reiteração do velho e putrefato. Nesse sentido, se a extrema-direita se  
alimenta do anacronismo de uma esquerda e de uma pseudoesquerda mortas, é  
imprescindível tanto admitir as derrotas do século XX e do passado recente quanto  
reiterar que a única maneira de resolver os problemas do tempo das crises está na  
alternativa socialista. O trabalho para viabilizar tal alternativa é enorme, mas  
necessário. Ele envolve, dentre outras tarefas, o reconhecimento das derrotas  
mencionadas; a busca pela compreensão (ainda não disponível) da tessitura do  
capitalismo contemporâneo; a apreensão reta das peculiaridades do capitalismo de via  
colonial; a elaboração de um programa econômico sólido, fundamentado e alternativo;  
o retorno aos fundamentos de uma análise marxista da história; o avanço diante dos  
clássicos do marxismo; a elaboração contemporânea da crítica da economia política; a  
reiteração do projeto emancipatório a partir da perspectiva do trabalho; o surgimento  
de agentes sociais interessados na transformação substancial do sistema capitalista de  
produção contemporâneo; a organização política adequada à necessidade de  
superação dessa situação.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 349  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Aqui, não procuramos trazer qualquer receituário pronto. Pelo contrário,  
deixamos muito claro que somos parte da crise da esquerda e, também por isso, somos  
parcela (é verdade que conscientes de nossas limitações e da miséria do presente) dos  
problemas elencados. A realização dessas tarefas demanda um trabalho coletivo e  
doses agigantadas de autocrítica. De um lado, J. Chasin nos traz justamente a  
insistência na imprescindibilidade desses elementos; de outro, simplesmente reafirmar  
que os pontos de partida do filósofo paulistano ainda são atuais não nos leva muito  
mais longe. Concluímos ao reiterar a necessidade dos primeiros passos para a  
superação da perspectiva putrefata da esquerda e da pseudoesquerda  
contemporâneas. Também de modo infeliz, não podemos realizar mais que isso, mas  
fazemos questão de destacar que o momento da perda das ilusões abre espaço tanto  
para que se rasguem horizontes quanto para que o horizonte do capital seja  
perpetuado de modo explícito, violento e brutal.  
Referências bibliográficas  
ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim. Trad. Beatriz Medida. São Paulo: Boitempo,  
2008.  
CHASIN, J. A miséria brasileira. Santo André: Ad Hominem, 2000.  
CHASIN, J. Ad Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista Ensaios  
Ad Hominem, São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, n. 1, t. IV, 2001.  
CHASIN, J. O futuro ausente. Verinotio Livros: Rio das Ostras, 2023.  
CHASIN, J. O futuro ausente: para a crítica da política e o resgate da emancipação  
humana. Verinotio: revista online de filosofia e ciências humanas, Rio das Ostras, n.  
15, ano VIII, 2012.  
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Trad. Silvana Finzi Foá. São Paulo:  
Xamã, 1996.  
FOSTER, Jonh Bellamy; MAGDOFF, Fred. The great financial crisis. Nova York: Monthly  
Review Press, 2009.  
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e terra,  
1974.  
FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril  
cultural, 1983.  
GRESPAN, Jorge. O negativo do capital. São Paulo: Expressão Popular, 2012.  
JABBOUR, Elias; GABRIELE, Alberto. China: o socialismo do século XXI. São Paulo:  
Boitempo, 2021.  
KURZ, Robert. O colapso da modernização. Trad. Karen Elsabe Barbosa. Rio de Janeiro,  
Paz e Terra: 2001.  
LENIN, V. I. O imperialismo, fase superior do capitalismo. Trad. Leila Prado. São Paulo:  
Hucitec, 2005.  
LOJIKINE, Jean. A revolução informacional. Trad. José Paulo Netto. São Paulo: Cortez,  
2002.  
LOSURDO, Domenico. Stálin: história crítica de uma lenda negra. Trad. Jaime A. Clasen.  
Rio de Janeiro: Revan, 2010.  
LUKÁCS, György. Pensamento vivido: autobiografia em diálogo. Trad. Cristina Alberta  
Verinotio  
350 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda  
Franco. Santo André/Viçosa: Ad Hominem/UFV, 1999.  
LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação de capital. Trad. Muniz Bandeira. Rio de Janeiro:  
Zahar, 1970.  
MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. Trad. Carlos Eduardo Silveira Matos. São Paulo:  
Nova Cultural, 1985.  
MARX, Karl. O capital (Livro I). Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.  
MARX, Karl. O capital (Livro II). Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2015.  
MARX, Karl. O capital (Livro III). Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.  
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle. São Paulo:  
Boitempo, 2007.  
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Trad. Paulo Cesar Castanheda. São Paulo:  
Boitempo, 2002.  
PACHUKANIS, E. P. Teoria geral do direito e o marxismo. Trad. Paula Vaz de Almeida.  
São Paulo: Boitempo, 2017.  
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2007.  
PREOBRAZHENSKY, E. La nueva economía. Trad. Felipe Sarabia. México: Ediciones Era,  
1971.  
RAGO FILHO, Antônio. A filosofia de José Arthur Giannotti: marxismo adstringido e  
analítica paulistana. Revista Verinotio, n. 9, 2008.  
SARTORI, Vitor Bartoletti. O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a  
unilateralidade no tratamento da política. Revista Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n.  
1, 2023.  
SCHAFF, Adam. A sociedade informática. Trad. Carlos Eduardo Jordão Machado. São  
Paulo: Unesp, 1990.  
TOUSSANT, Eric. A bolsa ou a vida. Trad. Equipe Perseu Abramo. São Paulo: Perseu  
Abramo, 2022.  
Como citar:  
SARTORI, Vitor Bartoletti. Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um  
programa econômico de esquerda: socialismo ou a tragédia da barbárie cotidiana  
ainda hoje. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 318-351, Edição Especial: A  
miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 318-351 jan.-jun., 2025 | 351  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.748  
O pavoroso deserto ideológico: dos fundamentos  
à atualidade do ideário politicista na miséria  
brasileira  
The “frightening ideological desert”: from the  
fundamentals to the Current Relevance of politicist  
thought in Brazilian poverty  
Elcemir Paço Cunha*  
Resumo: O artigo retoma os fundamentos do  
ideário politicista e analisa alguns de seus  
componentes essenciais como o distributivismo  
e a manipulação, levando-se em conta as  
condições históricas habilitadoras. Ele procura  
discutir tais elementos no plano geral e no plano  
particular do processo brasileiro pela via colonial.  
Discute ainda a atualidade do ideário politicista  
no Brasil hoje.  
Abstract: The paper resumes the foundations of  
the politicist thought and analyzes some of its  
essential components as both distributivism and  
manipulation,  
considering  
the  
enabling  
historical conditions. It seeks to discuss such  
elements in the general and in the Brazilian  
specific process through the colonial way. It also  
discusses the current relevance of politicist  
thought in Brazil today.  
Palavras-chave: Politicismo; distributivismo;  
manipulação; via colonial; miséria brasileira.  
Keywords:  
Politicism;  
distributivism;  
manipulation; colonial way; Brazilian poverty.  
I.  
O cerne do material conhecido por A miséria brasileira, 1964-1994: do golpe  
militar à crise social (CHASIN, 2000), reuniu diferentes textos em sua primeira edição  
que cobriram especialmente a particularidade brasileira sem, entretanto, descuidar de  
sua inserção no sistema global da economia capitalista. Na dicção de seu autor, o  
inacabamento do capitalismo desdobrado no Brasil seguia encalacrado nas  
dissonâncias dos então “subsistemas do capital”: o socialismo de acumulação e o  
capitalismo manipulatório. O solo donde Chasin recolheu seus materiais foi  
principalmente dessa encruzilhada de ilusões e debilidades, de modernizações  
conservadoras, onde o novo é velho; uma miséria objetiva e subjetiva de um processo  
* Pós-doutor em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em administração  
(UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração na Universidade Federal de Juiz  
de Fora PPGAdm/UFJF. E-mail: paco.cunha@ufjf.br. Orcid: 0000-0002-1978-0110.  
Verinotio  
]
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira, v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O pavoroso deserto ideológico”  
histórico de inacabamento.  
O primeiro texto do material foi originalmente publicado em 1977 e o último,  
em 1996. Passados 48 anos do primeiro e quase 30 do segundo, a atual republicação  
do material vem em um momento global no mínimo peculiar, marcado por recente  
intentona golpista no Brasil e por circunstância mundial incerta que tira notas de  
trombetas de timbres reacionários. Nesse cenário, prevaleceu o capitalismo  
manipulatório, independente de suas tonalidades “ocidentais” e “orientais”. No grosso,  
as alternativas de futuro, e para frente é bom que se diga , seguem opacas.  
A marca maior revelada naquele material é notavelmente o esforço de seu autor  
em realizar uma análise de realidade fora, porém, dos enquadramentos teóricos então  
prevalecentes. E isso vale tanto para a leitura oficialde uma saudosa e autointitulada  
“tradição revolucionária” quanto para o “quadrilátero teórico” constituído pelas teorias  
da dependência, populismo, autoritarismo e marginalidade que fizeram época no país.  
Nesse preciso sentido, uma das categorias mais destacadas para a análise de realidade  
levada a cabo foi o que Chasin denominou por politicismo. É, como veremos, uma  
categoria de extração marxiana que possibilitou ao filósofo brasileiro exercitar a crítica  
especialmente aos limites teóricos e práticos dos partidos na esquerda em  
circunstâncias brasileiras e conectar tal crítica ao desenvolvimento mais geral da  
economia capitalista global em suas tendências centrais.  
Tomada tal conexão essencial desde os textos da década de 1970, é hoje  
mesmo possível reconhecer que foram anos de continuado sucesso do politicismo  
como um fenômeno teórico e prático. Mesmo porque, tendo encontrado seu apogeu  
ao longo do século XX, o politicismo “permanece nessa condição até os dias de hoje”  
(VAISMAN, 2023, pp. 12-3). E diante de tal notório êxito, e por ocasião do novo  
lançamento do material do filósofo brasileiro, nos parece haver espaço para breve  
recuperação da natureza do politicismo, das suas linhas gerais e peculiares no Brasil,  
das suas condições históricas habilitadoras, bem como para analisar seus componentes  
essenciais nas figuras do distributivismo e da manipulação além de pincelar certos  
aspectos gerais de sua atualidade hoje no país.  
II.  
A análise da realidade brasileira na transição entre os anos 1970 e 1980  
facultou a captura da tendência politicista presente especialmente na oposição então  
existente. Tratava-se de contexto de discussão pública a respeito da abertura  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 353  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
democrática. Chasin identificava naquelas circunstâncias, de predominância do  
politicismo, certa transição entre o bonapartismoe a institucionalização da  
autocracia burguesa” (CHASIN, 2000, pp. 125-7). Dessa maneira, seus escritos  
demarcados no período foram “motivados, em grande medida, pelos embates  
vivenciados em torno da “questão democrática” no Brasil” (VAISMAN, 2023, p. 13).  
Ao mesmo tempo, Chasin já acumulara estudos rigorosos dos textos de Marx, incluindo  
os então menos visitados materiais, os quais, entretanto, guardavam fundamentos  
decisivos para a crítica do amplo complexo político. Esses fatores estiveram atuantes  
na delimitação tanto do politicismo como fenômeno teórico e prático quanto daquilo  
que viria a ser mais tarde denominada como crítica da razão política ou, ainda de modo  
mais acabado, como crítica ontonegativa da politicidade (CHASIN, 2009). À última  
voltaremos em instantes. No momento nos interessa a natureza do politicismo.  
Uma das chaves de entendimento do que seja o politicismo está em seu irmão  
xifópago, pois o “politicismo é um fenômeno simétrico ao economicismo(CHASIN,  
2000, p. 123). Ora como caricatura, ora como adesão intelectual deliberada, o  
economicismo é uma redução grosseira do amplo complexo social linearmente às  
abstratas “leis gerais da economia”. Por seu turno, o politicismo é uma espécie de  
reação diversamente motivada e que produziu redução do todo ao fator político,  
redução tão grosseira e linear quanto a de seu irmão, com o pecado mais grave de  
inverter todas as coisas. Como parcialidades artificiais que contrariam um todo  
articulado e móvel, cada um dos irmãos se identifica nas abstrações irrazoáveis que  
necessariamente precisam realizar dadas as suas insuficiências intrínsecas e  
insuperáveis. Nesse terreno, todo cuidado é pouco, pois o reconhecimento dessas  
insuficiências não deve de modo algum alimentar a indeterminação entre tais fatores  
relacionados. Ocorre que no volteio do ideário politicista as coisas são apresentadas  
de modo diverso ao funcionamento objetivo dos processos sociais por meio de uma  
acentuação unilateral da política.  
A unilateralidade politicista foi reconhecida na oposição existente nos últimos  
anos da década de 1970. Chasin sublinhou a “politização do discurso” dessa oposição  
em um sentido bastante deliminado. Para ele, tratava-se da “redução do todo  
problemático nacional ao meramente político” (p. 8). Era, em síntese, a “autonomização  
do político e sua consequente hiperacentuação” (p. 9). Em outros termos, os  
enunciados da oposição redundavam na diluição, o desossamento do todo, a sua  
liquefação em propostas abstratamente situadas apenas no universo das regras  
Verinotio  
354 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
institucionais. É a autonomização e a prevalência politicológica do “político” em  
detrimento da anatomia do social, isto é, do alicerce econômico(p. 8). Reconhecer,  
porém, tais alicerces dista parsecs de qualquer reducionismo econômico. Trata-se de  
não recuar diante do necessário reconhecimento das condições objetivas que tornam  
possível o complexo político e sem rendição ao indeterminismo relativista sempre à  
espera de renovação. Atuando em sentido oposto, o politicismo acentua o “político”  
porquanto desliga o político da raiz que o engendra e reproduz; numa palavra, na  
exata medida que o desqualifica enquanto político real, enquanto dimensão de um  
todo, que só pelo todo possui especificidade” (p. 8).  
Chasin chegou a realizar uma análise das propostas de Saturnino Braga, então  
senador pelo estado do Rio de Janeiro. Tais propostas compareceram como uma  
espécie de contraexemplo ao “reducionismo politicista(p. 33) que vigorava na  
oposição em 1977 ainda que de valor não integral em razão dos limites do político  
fluminense. O discurso econômico de S. Braga publicado na Folha de S. Paulo naquele  
ano tinha por base, argumentou Chasin, a organização econômica angulada pelo  
“monopolismo de acumulação” (p. 22). Declaradamente inspirado em Keynes e  
Galbraith, sustentava um “capitalismo corrigido” (p. 19) pela ação do estado com  
protagonismo da grande empresa estatal como programa econômico “voltado para  
dentro” em divergência a um “modelo voltado para fora”. Numa síntese de seus  
avanços e insuficiências:  
[...] temos o esquema básico da leitura braguista dos processos e  
efeitos da política econômica em vigor, do modelo voltado para fora.  
Se bem que insista sempre na conexão indissolúvel entre o  
concentracionismo da renda e a exteriorização da economia brasileira,  
e de outra parte também estabeleça a relação íntima entre o  
desenvolvimento de bens de consumo duráveis, dependência externa  
e concentracionismo, e ainda entre exteriorização e dependência  
externa, não se pode dizer, a rigor, nem mesmo num plano virtual,  
que S. Braga efetiva a síntese de todas estas correlações, apanhando  
de modo cabal o processo em sua inteira espessura. Impedimentos de  
perspectiva, moldagem teórica e o que mais seja restringem a análise,  
de tal forma que o sentido genético do quadro se esfumaça, e com  
ele o próprio caráter determinante da dependência, tantas vezes  
assinalada. Todavia, isto não impede que, na imediaticidade dos  
eventos, Saturnino monte uma equação bastante razoável, que  
apreende certa porção do significado principal das ocorrências e seu  
impasse intrínseco, apreensão que faculta, na sequência, sua  
concludência programática. (CHASIN, 2000, p. 26)  
O programa esboçava uma modalidade de “capitalismo de estado” (p. 36) que  
brilhava em contraste com a tendência politicista da oposição, ocupada exclusivamente  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 355  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
com o redesenho institucional por meio do qual operaria o plano político no processo  
e após a abertura democrática no Brasil. Para Chasin, a “questão democrática” não  
estaria minimamente bem colocada na ausência do solo econômico em seus debates,  
nem estaria corretamente apresentada na falta de uma “política econômica da  
perspectiva do trabalho” (p. 164) que pelo menos “rompesse com o pauperismo  
estrutural” (p. 166). Estaria, para ele, explícita para a condução da “questão  
democrática” a necessidade de uma “política econômica alternativa, esquematizada  
sobre modificações estruturais do sistema de produção como um todo” (p. 263), tarefa  
diante da qual um “capitalismo humanizado” (p. 264) e limitado a medidas volúveis  
no espectro do distributivismo mostrava-se no mínimo um “capitalismo manipulatório,  
como voltaremos a tratar adiante. Por isso, mesmo na insuficiência do discurso  
econômico de S. Braga, o contraste resultante é auxiliar para o aprofundamento da  
natureza do politicismo conforme nosso interesse presente.  
Com efeito, e em termos fundamentais, trata-se de “tomar e compreender a  
totalidade do real exclusivamente pela sua dimensão política e, ao limite mais pobre,  
apenas de seu lado político-institucional(p. 123). Nessa toada, vale a insistência em  
afirmar, agora de conjunto, que o politicismo desmancha o complexo de  
especificidades, de que se faz e refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma  
das partes(diversas do político) em pseudopolítica. Apreende em termos práticos e  
teóricos “o conjunto do complexo social pela natureza própria e peculiar de uma única  
das especificidades (política) que o integram, descaracterizando com isto a própria  
dimensão do político, arbitrariamente privilegiada. De tal modo, “consiste na  
liquefação da rica carnação da realidade concreta em calda indiferenciada, que é  
suposta como a política, enquanto não passa de uma hipertrofia do político, uma  
espécie de hiperpolítica”. Não faz mais do que converter a totalidade estruturada e  
ordenada do real complexo repleto de mediações num bloco de matéria  
homogênea, operando uma “bárbara amputação do ente concreto, que sofre a perda  
de suas dimensões sociais, ideológicas e especialmente de suas relações e  
fundamentos econômicos(pp. 123-4). Em um arremate, lemos que:  
O politicismo arma uma política avessa, ou incapaz de levar em  
consideração os imperativos sociais e as determinantes econômicas.  
Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o processo  
econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político,  
sem nunca considerá-los em seus contínuos e indissolúveis  
entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente  
fundante e matrizador do econômico em relação ao político. (CHASIN,  
2000, p. 124)  
Verinotio  
356 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
Separa, pois, os fatores relacionados, corta suas ligações, inverte a ordem  
determinativa objetiva e apresenta a política hipertrofiada como preponderância na  
verdade irreal de uma desarticulação completa. Haveria aí mesmo, o que é muito  
importante, uma espécie de missão social do politicismo tomada aqui em grande  
angular tema ao qual voltaremos –, isto é, a “conservação da atual fisionomia do  
solo econômico” (p. 133). Tomada desse modo, a variação das formas políticas ocorreu  
no Brasil daquele período sobre um e mesmo solo. Explicou Chasin que a  
“institucionalização da autocracia burguesa é a expressão jurídica do politicismo,  
enquanto o bonapartismo é sua expressão explicitamente armada, na exata medida  
em que ambos são formas (no plural) de poder político de uma mesma forma de capital,  
de um mesmo modo de ser capitalista, que o politicismo sintetiza” (p. 127). Está aí  
sua natureza conservadora que evita a todo custo “ferir o molde econômico do  
sistema(p. 132).  
III.  
As considerações até o presente momento enlaçaram aspectos universais e  
particulares do politicismo. É preciso analiticamente decantá-los para melhor  
estabelecer sua natureza. Isso auxilia a demarcação dos fundamentos mais gerais, de  
um lado, e das peculiaridades do processo brasileiro, de outro. Devemos começar  
pelos mais gerais.  
É desnecessário longa consideração para dizer que Chasin esteve desde aquela  
década inteiramente amparado “em estudos rigorosos da obra de Marx” (VAISMAN,  
2023, p. 11). Tanto que jamais poderia desviar do já mencionado “caráter  
ontologicamente fundante e matrizador do econômico em relação ao político”  
(CHASIN, 2000, p. 124). Indo além disso, o filósofo brasileiro já se encontrava no  
esboço do quadro de uma crítica da razão política. Ao tratar dos limites da chamada  
“nova esquerda” (PSDB e PT) no final da década de 1980, teceu considerações a  
respeito daquele já referido “quadrilátero teórico” como “conjunto de ideias que  
moldam o pensamento no país” (p. 243) e que se encontrava na base da ação dos  
partidos ali identificados. E isso porque do conjunto extraíam “suas leituras de  
realidade, o inventário dos problemas nacionais e o rol de suas proposituras” (p. 255).  
As faíscas no céu político entre tais partidos decorriam não mais do fato de que  
“politicisticamente [se] tomam apenas os efeitos atribuídos a uma política econômica”  
(p. 272) enquanto se ignorava o solo econômico propriamente dito.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 357  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
Nesse contexto, Chasin recuperou passagens decisivas das Glosas críticas  
marginais de Marx (2010) nas quais comparece posição que admite os limites do  
“entendimento político”. Do modo como Chasin mesmo transcreveu as passagens do  
Mouro de Trier, lemos que os políticos e seus partidos, mesmo quando radicais,  
“procuram o fundamento do mal não no ser do estado, mas numa determinada forma  
de estado” (CHASIN, 2000, p. 255). Isso se encontra numa posição mais ampla da  
crítica da política: o “entendimento político é justamente entendimento da política  
enquanto pensa no interior dos limites da política. [...] O princípio da política é a  
vontade. Quanto mais unilateral, quer dizer, pleno é o entendimento político, tanto  
mais ele acredita na onipotência da vontade, e tanto mais cego é em face dos limites  
naturais e espirituais da vontade, e assim incompetente também para descobrir a fonte  
dos males sociais” (pp. 255-6), isto é, localizados no modo de organização material  
da sociedade, a base objetiva sobre a qual se ergue a estrutura estatal. Chasin explicou  
que essa posição geral “tem particularmente tudo a ver com o politicismo”,  
especialmente na medida em que elucida a “natureza do politicismo, isto é,  
determinado como fenômeno teórico e prático, inclusive em sua face radical,  
instaurado e nutrido pelo universo da lógica do capital” (p. 256). Motivado pelas  
mesmas Glosas, e de modo esclarecedor, Chasin registrou em outro lugar que “Marx  
caracteriza [...] o molde da racionalidade política, oferecendo assim o que podemos  
chamar de crítica da razão política” (CHASIN, 2012, p. 56).  
A crítica da razão política que as Glosas expressaram ancorava-se no debate  
que tinha por objetos principais as medidas administrativas levadas a cabo na  
Inglaterra, França e Alemanha diante do pauperismo, companheiro de viagem do  
desenvolvimento do capitalismo naqueles lugares entre os séculos XVIII e XIX. O caso  
mais emblemático para Marx foi o inglês, em que tais medidas variadas alçaram a  
concretude de uma burocracia especializada em administrar essa pobreza estrutural.  
Do conjunto, Marx extraiu tendência geral demarcada como “entendimento político”  
limitado em seus próprios volteios internos e sem reconhecer que os “males sociais”  
presentes têm fonte num modo de produção peculiar e não em um método de sua  
administração.  
Isso é algo, para Chasin, próprio do politicismo que se liga, como dito antes, ao  
“universo da lógica do capital”, o politicismo como síntese do “modo de ser  
capitalista”. Adicionalmente, é claramente para ele “um passo ideológico de raiz  
liberal” (p. 124), forma de consciência pertencente ao “universo epistêmico liberal” (p.  
Verinotio  
358 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
157) e não mais do que uma subsunção “ao universo teórico do capital” (p. 161). Em  
outro material igualmente decisivo, Chasin chegou a sublinhar que o “politicismo é  
intrínseco à ordem do capital” e, por isso, para essa forma de consciência a ordem  
econômica é natural, a ordem política é o que resta para o homem configurar, e esta  
é decisiva, molda a convivência e realiza a justiça” (CHASIN, 1999, p. 38). Dito de  
outro modo, para nosso autor o politicismo viceja a partir da ordem do capital em  
geral, possui traços universais porque é uma forma de consciência necessária a um  
modo contraditório de produção, uma falsidade socialmente necessária como um tipo  
de resposta cuja possibilidade de influenciar se expressa na potência em ditar rumos  
aos insanáveis conflitos fundamentais que brotam do modo particular de produção e  
distribuição da riqueza.  
O itinerário da pesquisa empreendida por nosso autor destacou tanto a  
presente categoria do politicismo quanto a da politicidade antes apenas referida. O  
caminho percorrido por ele no enlace entre os estudos dos materiais de Marx e o  
assédio provocado pela particularidade brasileira fez brilhar primeiramente os  
“fenômenos concretos do politicismo” (VAISMAN, 2023, p. 11) porque são mais  
imediatos. Logo, a investigação continuada levou o filósofo à mais ampla “categoria  
da politicidade, que passa a fundamentar a noção de politicismo” (p. 14). A primeira  
guarda claramente uma conotação tópica e prática da vida social. Essa dimensão, que  
também é exercitação, foi historicamente tomada não como índice de problema e  
contradição, não como a administração do domínio de uns sobre os outros” (CHASIN,  
2000, p. 291). Ao contrário:  
a politicidade, em seus traços mais gerais, tem sido concebida e  
afirmada ora como remédio para aplacar o egoísmo natural do  
homem, ora como realização universal de sua racionalidade. Em  
ambos os casos e independentemente dos modos específicos como  
foi e tem sido compreendida, ela é concebida, e por isso é cultuada,  
como um atributo necessário e fundamental para a manutenção das  
sociabilidades imperfeitas ou cindidas, incapazes de autossubsistência  
a partir de suas próprias energias (VAISMAN, 2023, pp. 7-8).  
Estabeleceu-se historicamente uma “concepção ontopositiva da politicidade, de  
larga tradição, pois remonta ao mundo antigo. Tal concepção tem desenlace em “seu  
corolário, o politicismo”, sendo este mais concreto, como dito, mas também a nós mais  
contemporâneo por desdobramento da ordem do capital. No amálgama que formam,  
ambos “contribuíram para o processo de “destituição do humano”, na medida em que  
tanto sua prática quanto a sua reflexão deixam intocadas as raízes da perpetuação das  
formas estranhantes que, por seu turno, permeiam as relações entre indivíduo e  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 359  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
sociedade, sobretudo na contemporaneidade e nas formações sociais ora existentes”  
(VAISMAN, 2023, p. 10). Mais concreto e contemporâneo, o politicismo teve “gênese  
e desenvolvimento” enquanto “fenômeno identificado por Chasin como característico  
da longa história da concepção positiva da categoria de politicidade” (p. 12), mas  
também, em termos coetâneos, o “politicismo, no século XX, [foi] fabricado primeiro  
em nome e depois contra Marx, em especial como consequência das inviabilidades  
originárias do Leste europeu. A forja da falsidade a partir do que foi o duplo sistema  
do capital. O politicismo, pois, como herança mais “natural” e funesta de um século  
radicalmente problemático e contraditório” (CHASIN, 1999, p. 38). Entre as razões  
que levaram ao apogeu do politicismo ao longo do século XX, que “permanece nessa  
condição até os dias de hoje”, encontram-se a “falta de perspectiva de  
revolucionamento do modo de vida, a “ausência de qualquer visualização de dias  
diferentes, ou seja, devido ao futuro ausente(VAISMAN, 2023, pp. 12-3).  
O quadro dos traços gerais não estaria completo na ausência de dois aspectos  
complementares. Poucas pinceladas bastam para dar a tonalidade e espessura devidas.  
O primeiro é o distributivismo citado anteriormente. Chasin (2000) explicou que  
o “malfadado distributivismo de extração neorricardiana é coisa muito antiga, cuja  
crítica e repúdio também são muito mais do que centenários” (p. 265). O filósofo  
brasileiro recuperou a crítica de Marx presente nos Grundrisse com o fito de jogar luz  
aos problemas envolvidos na análise da distribuição e um programa político nela  
baseado. Nessa direção, escreveu que a “utopia distributivista tem por suposto a  
falácia da desidentidade de caráter entre o processo produtivo e o processo  
distributivo”. Nessa falácia, “enquanto a produção participaria do estatuto dos objetos  
naturais, a distribuição seria uma questão institucional”. A crítica de Marx a esse  
entendimento destacou que há, na verdade, um nexo entre produção e distribuição em  
que a primeira aparece como elemento preponderante de um todo articulado e que,  
tão importante quanto, ela própria já é em si uma dada distribuição dos meios de  
produção da riqueza. Assim, seria de fato  
impossível constituir o distributivismo como tese ou proposta sem  
quebrar a unidade da relação entre produção e distribuição, e sem  
assumir a distribuição como matéria político-institucional, isto é, sem  
desintegrar esta última do plano econômico, ao qual pertence como  
momento. Em suma, sem transgredir absurdamente na ideação e pelo  
sonho a malha real das articulações que efetivam o sistema de  
produção capitalista (CHASIN, 2000, p. 266).  
O distributivismo é, assim, um limite de horizonte do politicismo, uma vez que  
Verinotio  
360 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
desloca para o plano político-institucional algo que decorre da própria raiz dos  
problemas identificados. Opera, no caso, uma miopia útil por meio da qual fortalece e  
vai além da antiga naturalização da economia capitalista. Não é acaso que o  
distributivismo apareça na crítica de Marx, nos Grundrisse, tomando como exemplo a  
forma mais acabada tal como no “sincretismo” de Mill (ao qual voltaremos adiante),  
mais tarde assim denominado nas páginas de O capital, orientado a “conciliar o  
inconciliável” (MARX, 2013, p. 87).  
O segundo aspecto é a manipulação. Esse aspecto surge, talvez, como a face  
mais visível do modo de exercitação do politicismo. Se o “politicismo é intrínseco à  
ordem do capital”, como dito, então é potencializado, podemos dizer, num  
capitalismo manipulatório(CHASIN, 2000, p. 111). Mesmo porque a “inteligência da  
manipulação é a inteligência da burguesia contemporânea” (p. 174). Como no ideário  
politicista o impulso de transformação é castrado, resta a operação prática dos  
mecanismos e fatores mais superficiais disponíveis para realizar determinados  
resultados imediatos. Por isso é importante dizer que manipular não é meramente  
redutível à acepção comum do termo. Como explicou Chasin:  
Manipulação inclui ou implica, mas não é redutível a empulhação. Sem  
dúvida, subentende aguda redução de senso e renúncia deliberada a  
qualquer critério objetivo de verdade. Esta, de fato, é substituída por  
finalidade prático-imediatas. Em realidade visa e opera o livre  
rearranjo tópico eficiente dos fatores em presença, ou seja, limita a  
prática ao sentido da imediaticidade. A atividade manipuladora  
resulta, portanto, numa mudança que sustenta e reafirma a natureza  
da estrutura e dos fatores que a integram, reproduzindo os lugares  
sociais dos atores no complexo, sem variação de qualidade.  
Enganadora sim, não por isso menos real e eficiente. Em síntese,  
subjetiva e objetivamente a prática manipuladora é antitética à prática  
da transformação. (CHASIN, 2000, p. 174)  
O exercício da manipulação é o reflexo mais claro da eficácia objetiva do  
politicismo como “administração do domínio” (CHASIN, 2000, p. 291). E nisso se veem  
os elos dos aspectos aqui evocados: ao cortar o plano político do econômico e  
acentuá-lo, o horizonte se fecha no distributivismo como finalidade imediata realizável  
por meio do exercício manipulatório dos mecanismos existentes sem que, com isso,  
ameace alcançar a raiz material dos problemas identificados.  
IV.  
Uma vez destacados os traços gerais, devemos decantar analiticamente os  
traços mais particulares por referência ao processo brasileiro de formação do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 361  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
capitalismo. A questão de fundo é a determinação da peculiaridade do politicismo no  
país. Nessa direção, cabe levar em conta o traçado mais essencial da via colonial como  
forma não clássica de objetivação do capitalismo, de presença decisiva da grande  
propriedade rural, de reformismo pelo altocomo processo de modernização  
conservadora que impôs “solução conciliadora no plano político imediato” (CHASIN,  
2000, pp. 15-6). Toma-se isso, pois, “exclusivamente enquanto particularidade,  
portanto, como mediação necessária e objetiva entre a universalidade do capitalismo  
e determinadas singularidades”. E foi a partir do “quadro do capitalismo que se põe  
pela via colonialque o filósofo brasileiro considerou a “politicização da totalidade”  
(pp. 17-8).  
E aqui nos interessam os aspectos essenciais da questão, os quais se mostram  
no caráter débil do processo de objetivação do capitalismo no Brasil. Para o filósofo  
brasileiro o próprio caráter politicista da oposição no país de certo modo espelhava a  
debilidade do modo de produção capitalista no Brasil, em especial do modo  
especificamente capitalista de produção, que precisamente se singulariza pelo capital  
industrial. Fraqueza por gênese histórica que é particularmente aguda no que tange à  
classe [burguesa, no caso] que em seu bojo supostamente deveria ocupar o espaço  
hegemônico”. Isso refletiria a própria particularidade da objetivação da via colonial  
para o capitalismo, isto é, o “caráter híper-tardio da entificação histórica do capital  
industrial” (p. 34) no país.  
Não sendo uma questão meramente cronológica em relação aos processos de  
outros países (especialmente de via clássica na Inglaterra e França, e prussiana, na  
Alemanha), importa o registro de que a industrialização híper-tardia se realiza já no  
quadro da acumulação monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas  
já foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva do trabalho já  
se materializou na ocupação do poder de estado em parcela das unidades nacionais.  
[...] além de seu atraso no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada  
sem que estes tenham deixado de ser subordinados das economias centrais”. Nesse  
quadro geral é que situou historicamente o capital industrial atrófico e uma burguesia  
de debilidades e incompletudes, “despojada de “ilusões humanitárias”, e  
especialmente tolhida por fronteiras objetivas e subjetivas que demarcam seu estreito  
espaço histórico” (p. 35).  
A análise do caráter da via colonial é mais extensa, rica e nos levaria muito  
longe. O importante aos nossos propósitos é o reconhecimento de que o politicismo  
Verinotio  
362 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
ganha tonalidades peculiares em acordo com as formas particulares de objetivação do  
capitalismo. O próprio caráter débil do processo brasileiro e da burguesia nele  
esboçada já nos habilitam a identificar a linha de conexão. No caso brasileiro:  
A nossa burguesia, para quem o liberalismo econômico (a livre troca  
para sustentar e ampliar sua própria natureza exploradora, através da  
associação crescente com a exploração hegemônica e universalizante  
do capital externo) foi sempre apropriado e conveniente, nunca pôde,  
nem sequer poderia ter aspirado a ser democrática, tem no politicismo  
sua forma natural de procedimento. Politicista e politicizante, a  
burguesia brasileira, de extração pela via colonial, tem na forma da  
sua irrealização econômica (ela não efetiva, de fato e por inteiro, nem  
mesmo suas tarefas econômicas de classe) a determinante de seu  
politicismo. E este integra, pelo nível do político, sua incompletude  
geral de classe. Incompletude histórica de classe que afasta, ao mesmo  
tempo, de uma solução orgânica e autônoma para a sua acumulação  
capitalista, e das equações democrático-institucionais, que lhe são  
geneticamente estranhas e estruturalmente insuportáveis, na forma de  
um regime minimamente coerente e estável. (CHASIN, 2000, p. 124)  
O politicismo da burguesia é determinado por sua incompletude de classe que  
decorre da debilidade do processo de inacabamento congênito do capitalismo no  
Brasil. Incompletude que não deve ser confundida com fraqueza. Vemos isso  
precisamente no exercício prático do politicismo, cuja missão social e eficácia material  
se fundiram na própria objetividade histórica nacional:  
O politicismo atua neste contexto, enquanto produto dele, como freio  
e protetor. Protetor da estreiteza econômica e política da burguesia;  
estreiteza, contudo, que é toda a riqueza e todo o poder desta  
burguesia estreita. Efetivamente subtrai o questionamento e a  
contestação à sua fórmula econômica, e aparentemente expõe o  
político a debate e ao “aperfeiçoamento”. Portanto, atua como freio  
antecipado, que busca desarmar previamente qualquer tentativa de  
rompimento deste espaço estrangulado e amesquinhado. (CHASIN,  
2000, p. 124)  
Inspirado nessa última colocação, Rago Filho (2004) sublinhou a missão do  
“politicismo burguês – freio e protetor de sua estreiteza econômica”, qual seja, o  
desfibramento de uma oposição consequente ancorada numa alternativa econômica  
da perspectiva da lógica onímoda do trabalho(p. 160). Missão social realizada de  
fato na figura do “velho ardil do politicismo burguês, no desarme da oposição para o  
enfrentamento da questão nacional, marginando a sua ação na esfera do político, no  
“aprimoramento das instituições” (p. 161).  
A missão social e seus efeitos práticos, bem entendidos nos termos da  
apreensão materialista (PAÇO CUNHA, 2023), podem ser adequadamente extraídos da  
análise de realidade do período entre 1964 e o final dos anos de 1980. Em síntese,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 363  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
explicou Chasin que a burguesia brasileira havia encontrado seu ponto mais alto de  
desenvolvimento a partir daqueles anos. Foi capaz de mostrar também suas  
características essenciais tanto pela adesão ao bonapartismo quanto pelo  
direcionamento das possibilidades limitadas ao “aperfeiçoamento institucional” em  
detrimento de alterações mais estruturantes na política econômica:  
Politicista por essência de sua formação histórica, a burguesia, a partir  
de 64, já com ampla consciência para o manuseio ativo desta sua  
característica intrínseca, e em progressivo aperfeiçoamento,  
converteu-a em recurso estratégico, que se manifesta, desde o  
discurso de posse de Castelo, até o momento atual da autorreforma  
do sistema, alcunhada de “abertura”, engolfando, por inteiro, neste  
estratagema, o conjunto das oposições. Numa palavra, fez com que  
estas adotassem o princípio politicista, no que é, em grande medida,  
um arrastar das oposições ao campo ideológico do sistema. (CHASIN,  
2000, pp. 124-5)  
De tal modo, tanto para o “sistema e oposições” o “politicismo corresponde à  
faixa de segurança onde se movem em terreno próprio. Para além deste ficam as  
perspectivas das massas trabalhadoras, as únicas que poderiam e estão interessadas  
em romper o politicismo. A abertura democrática, lenta e gradual, foi se confirmando  
como um trânsito do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa”,  
limitando o horizonte ao “aperfeiçoamento institucional” (p. 125). Entre 1978 e 1980,  
as massas trabalhadoras introduziram o argumento concreto das greves. As massas  
“forçaram o tecido lasseado, esgarçaram-no, romperam-no em alguns pontos; em  
suma, dilataram as fissuras do sistema. Mas foram impedidas de prosseguirem: pelo  
sistema e pelas oposições. Entraram em concorrência e conflito a “fala das massas e  
a fala das frações monopolistas: desde logo, falas radicalmente distintas; propostas de  
ação qualitativamente opostas. As frações monopolistas mais importantes do capital  
e suas conexões com o capital internacional, temerosas em perder seus anéis e dedos,  
“parolavam pelo “aperfeiçoamento das instituições”. Na velha linha e na velha forma.  
Politicismo!”. Do outro lado, interessava às massas “romper, portanto o politicismo,  
fazendo prevalecer os conteúdos de raiz, na forma de um movimento das bases. Pela  
ação das bases atingir a raiz do sistema. Esse movimento das massas trabalhadoras,  
que se verificou entre 78 e 80, ameaçou fletir o percurso, negando o politicismo e  
abrindo caminho para a política, para o historicamente novo. Nisto se mostrou, como  
por vezes ocorre nas lutas sociais, à frente dos partidos políticos, mas seus esforços  
foram baldados. O desfecho do processo se deu pela vitória do politicismo, do  
historicamente velho, por iniciativa do sistema e pelo concurso das oposições  
Verinotio  
364 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
partidárias, de modo que, “predominando o velho politicismo, a travessia, partindo  
do bonapartismo, desemboca, sem alternativa, na institucionalização da autocracia  
burguesa(p. 125).  
Não por acaso, os anos 1980 testemunharam, na sequência da transição, uma  
exercitação da manipulação econômica por meio do Plano de Estabilização. Tratou-se  
de medida, como Chasin notou, que desfavorecia o trabalho, não assegurava “qualquer  
vantagem estruturalmente corretiva, nem mesmo sob o aquecimento geral da  
economia” (p. 172). O diagnóstico foi quanto ao “espírito do impasse ou da  
inviabilidade”, quer dizer, evidência objetiva da “inviabilização tornada universal do  
capitalismo como agente transformador, que se reforça e peculiariza na periferia pela  
incompletude de classe do capital subalterno”. Donde modernizar-se arcaicamente ou  
montar seu desenvolvimento sobre a cabeça de operários atrasados não é para o  
capital atrófico uma tragédia, nem mesmo um voluntarismo, mas a fiel atualização de  
sua verdadeira potência. Ou melhor, reflexo de “sua impotência congênita (oposta ao  
do capital clássico) para a transformação e autotransformação”. Na medida em se  
mostra “incapaz de identidade transformadora, põe-se como figura transformista(pp.  
173-4). Fica em evidência a peculiaridade da manipulação no capitalismo atrófico.  
Nisso se vê a “miséria de fundo do capital incompleto e incompletável – converte  
transformação em manipulação” (p. 174).  
E já chamamos a atenção para o sentido geral da manipulação como atividade  
no quadro do politicismo. Aqui cabe enfatizar a peculiaridade na miséria brasileira em  
comparação com a manipulação nas economias centrais de então. Como explicou  
Chasin:  
A inteligência da manipulação é a inteligência da burguesia  
contemporânea. Neste grau de generalização as burguesias  
subordinadas da periferia não constituem exceção ou figura  
negativamente privilegiada. O predicado negativo que as especifica  
está em que, da lógica universal de suas necessidades, carecem  
precisamente da inteligência de transformação que nunca tiveram nem  
podem vir a ter. Dito de outro modo, a inteligência manipuladora é  
para as burguesias centrais, hoje [1986], a forma substitutiva da sua  
inteligência de transformação de ontem, enquanto para as burguesias  
periféricas é a expressão da sua única inteligência. Enquanto para a  
burguesia universal a inteligência da manipulação é uma forma  
particular de inteligência, para a burguesia particular ela é sua  
inteligência universal. De modo que ao capital subordinado é dado  
participar do senso restrito do capital em geral de hoje, sem ter nunca  
participado, e sem que possa vir a participar, do senso irrestrito do  
capital em geral de ontem. Ou seja, enquanto a inteligência  
manipuladora é a reprodução possível da completude da burguesia  
do centro, na periferia é a produção da integralização impossível do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 365  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
capital subordinado. (p. 174)  
Importante registrar que a manipulação não é um “fenômeno restrito”. Ao  
contrário, “permeia o conjunto da formação em que se manifesta”, como mostra o  
próprio caso brasileiro. Vale dizer que esse caso particular ajuda a demonstrar que o  
critério de identidade da manipulação” é “desentender e recusar o que a  
transformação exige(p. 176). Naquele contexto dos anos 1980, ficou revelado que é  
o exercício do politicismo que “deprava toda transformação necessária em  
manipulação efetiva” (p. 176).  
Virou a década e o velho politicismo foi renovado no país. Sua peculiaridade  
também se revelou pela análise das esquerdas, sobretudo da assim chamada “nova  
esquerda” e seu percurso, não necessariamente sereno, rumo ao “ardil do politicismo”.  
Um diagnóstico decorre da gênese das esquerdas no país. Vale o destaque do caráter  
débil da formação capitalista e da incompletude da classe burguesa. Nessa direção, a  
esquerda brasileira “não nasceu contra a cabeça e o corpo de um antigo revolucionário.  
Não se deparou com uma entificação histórico-social integralizada. Viu-se em face da  
integralização histórico-social de um inacabamento”. Ela nasceu “submersa no limbo,  
entre o inacabamento de classe do capital e o imperativo meramente abstrato de dar  
início ao processo de integralização categorial dos trabalhadores. Entre as  
possibilidades de transformação social efetiva e o “credo na finalização necessária do  
capital, é arrastada para o objetivismo da empreitada que visa à última. É a subsunção  
aos nexos mortos do que fora a lógica do capital concluso. É a submissão à lógica  
extinta do ideário liberal. No caso, duas vezes morta: a primeira vez, enquanto cadáver  
ideológico da própria burguesia de “tipo europeu”; a segunda, enquanto fantasma de  
empréstimo do conservantismo civilizado, boneco “liberal” na ventriloquia da  
autocrática burguesia brasileira” (pp. 159-60).  
O politicismo daí exercitado ecoou a impossibilidade da completação como o  
imperativo a ser cumprido. No fundo, é o esforço de convencimento de amplas classes  
sociais de que o não realizável é preferível e, por isso, jamais pôde colocar em questão  
as “condições de possibilidade da democracia em países de extração colonial”. Nisso  
se revela a limitação do ideário politicista que, no caso, “não atina para a natureza  
específica do solo em que pisa, nem para a peculiaridade de postura e encargo que  
este chão dela demanda e a ela confere” (p. 159). É uma “atrofia da consciência” à  
qual faltaria, entre outras coisas, o “sentido da determinabilidade da produção e  
reprodução da entificação social” (p. 162). Exala um “servilismo teórico” cujos  
Verinotio  
366 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
“padrões de reflexão, avulta e predomina um reduzido arsenal de conceitos, originário  
do universo epistêmico liberal, que se dá a conhecer pelas teorias da dependência e  
da marginalidade e pelas críticas ao populismo e ao autoritarismo” (p. 157).  
Destacam-se os ideários dos partidos que, naquele momento, se igualizavam  
pelo “pragmatismo politicista” tal como organizações políticas que ocupam posições  
na esquerda do arco político do capital” (p. 231). De um lado, a vertente “tecno-  
elitista” de “feição mais racionalística e tecnocrática do politicismo”, o modo elitista e  
higiênico de calcular e prover a distribuição da justiça social” (p. 256). Do outro lado,  
a “vertente plebeia” ou “popular do social-democratismo” (p. 299), farejando um  
imaginário “capitalismo mais justo e humano, supostamente realizável por atos  
certeiros da vontade política” (p. 264).  
Cada uma ao seu modo, as vertentes sucumbiam ao “ardil da completação do  
capital” (p. 264). Cada qual orbitou as pretensões distributivistas. E como vimos, o  
distributivismo é um limite em geral do politicismo. E isso se confirma no caso  
brasileiro, no já referido “arco político do capital” então presente. Nesse contexto de  
renovação de antigas proposituras já devidamente criticadas, a “reposição da utopia  
distributiva, nos dias [então] correntes, tem por arcabouço alguns dos equívocos mais  
graúdos do pensamento matrizado pela lógica do capital. Com a agravante de que se  
trata de um passo regressivo, um convite a fazer música do futuro com uma partitura  
vencida do passado, algo como executar uma sinfonia com instrumentos de  
brinquedo. E isso se mostrava de modos variados, incluindo na propositura da  
vertente plebeia de tomar dos “ricos para dar à sofrida classe trabalhadora, sem jamais  
tentar dizer através de que mudanças substanciais no aparato da produção. Mesmo  
que o enunciado distributivista seja repleto de boa vontade, ele tem o “valor objetivo  
de uma bolha de ar lançada ao turbilhão dos ventos(p. 266).  
O predomínio do ideário politicista possui, obviamente, suas fissuras. O  
contraexemplo antes visto, daquele discurso econômico de S. Braga, ainda que  
limitado em seus próprios termos, forneceu algumas pistas. O mesmo se pode dizer  
do discurso econômico e da postura política de um Leonel Brizola, em “nítido  
contraste” (p. 268) com as vertentes elitista e plebeia aqui consideradas brevemente,  
sem desconsiderar igualmente seus “limites e inconcludências” (p. 269). O que não foi  
suficiente para contrabalancear a eficácia do politicismo, seu horizonte distributivista  
e sua exercitação manipulatória também na particularidade de uma incompletude  
incompletável.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 367  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
A análise de realidade cobriu os anos seguintes, nos quais revigorou-se a  
“crença nas virtudes do mercado” como uma espécie de “mergulho para trás” (p. 199),  
para a era pré-keynesiana mesmo. Chasin chegou a levar em conta que o  
“neoliberalismo não é mera retomada doutrinária, decorre das vicissitudes do capital  
destrutivo e estagnado”, facultando uma “ressurreição liberal” como “ponto culminante  
de uma reorganização planetária do capital” (p. 200). De Collor a FHC, a vitória do  
politicismo estava já bastante ensaiada para não ser executada. A limitação em  
horizonte e a tarefas imediatas, em suma, aprisionados no volteio do politicismo, o  
eterno ajuste político não se mostrou apto a dar respostas à altura da necessidade  
objetiva. Optou-se por “humanizar o capital” (p. 215), por abraçar o “politicismo  
voluntarista e seu correlato, o emprego tático do discurso teórico, com todo o desdém  
pelos critérios objetivos de verdade” (p. 300). Perdurou, assim, um “pavoroso deserto  
ideológico” (p. 254) na miséria brasileira.  
V.  
Feitas as devidas considerações a respeito da natureza do politicismo em seus  
traços gerais e particulares, passa a ser do nosso interesse retomar brevemente alguns  
dos seus aspectos essenciais para análise complementar. Temos em mente a gênese,  
a missão social e componentes do politicismo na figura de seus dois núcleos: o político  
e o econômico.  
Comecemos pela retomada de sua gênese. Vimos que a gênese do politicismo  
tem ancoragem em alguns fatores. Além de decorrer daquela longa trajetória da  
concepção positiva da categoria da politicidade, teve fabricação num contexto de  
consolidação do então duplo sistema do capital. Desenvolveu-se a partir dali como  
resultado problemático herdado que cortou todas as décadas seguintes, galgando  
força na ausência de possibilidades objetivas e subjetivas de autêntica transformação  
para frente. Há outros fatores objetivos condicionantes a serem observados.  
Nesse mesmo sentido da gênese e desenvolvimento, devemos reconhecer as  
modificações pelas quais passou uma estruturação estatal em correspondência ao  
desdobramento do modo de produção. Dois pontos correlacionados são  
particularmente importantes e podemos identificá-los também nos materiais de Marx  
visitados por Chasin. Um deles diz respeito ao exemplo da formação de uma estrutura  
administrativa destinada à regulação do pauperismo nas condições da Inglaterra  
consideradas por Marx na redação das Glosas antes referidas. Pretendemos iluminar  
Verinotio  
368 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
especificamente a questão para a qual aponta as chamadas “falhas administrativas”  
(MARX, 2010, pp. 33ss). Antes disso, cabe destacar outro ponto referente à conexão  
mais geral entre o desenvolvimento do capitalismo e as crescentes tarefas estatais.  
É exigência reconhecer que inúmeras medidas estatais estiveram  
intrinsecamente relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo. Do uso da violência  
concentrada às medidas legais, seja como freio à potência destrutiva do capital ou  
como canalização para sua reprodução e alavanca para seu avanço, são incontáveis os  
exemplos colecionados pelo próprio Marx em O capital, para citar um material, e não  
vem ao caso repeti-los. Importa o destaque de que ampliação das funções estatais é,  
em geral, uma constatação empírica para a qual muitas correntes não puderam fechar  
os olhos independentemente de suas posições normativas na avaliação dessas  
funções. Costumam desviar o olhar, entretanto, para o sentido objetivo e mais ao fundo  
dessa conexão superficialmente observável. Para a essência mesma da relação, seria  
possível afirmar que a estruturação estatal em sua reciprocidade com o movimento do  
capital funcionou como mediação aqui em largo sentido, como resultado e resposta,  
como produto ativo da generalização da produção de mercadorias. Há de fato uma  
mútua dependência estrutural entre estado político, suas tarefas e medidas, de um  
lado, e a economia capitalista, suas legalidades mais básicas e os conflitos ensejados,  
de outro.  
Sobre esse ponto, há uma passagem pouco visitada dos Grundrisse na qual  
Marx discutiu as aproximações e contrates entre o norte-americano Carey e o francês  
Bastiat, levando-se em conta os estágios de desenvolvimento do capitalismo em seus  
respectivos países e como isso condicionaria as formas de consciência das quais tais  
autores eram portadores. Devemos destacar a consideração sobre o economista da  
Filadélfia, segundo nossos propósitos. Nessa toada, Carey insistia que todos os efeitos  
perturbadores sobre as assim consideradas naturais relações da sociedade decorriam  
da influência do estado, suas medidas e intervenções. Marx explicou o procedimento  
do economista norte-americano. Para este, o salário, por exemplo, cresce  
naturalmente com a produtividade do trabalho. Se achamos que a realidade não  
corresponde a essa lei, temos unicamente de abstrair a influência do governo,  
impostos, monopólios etc., seja no Hindustão, seja na Inglaterra. São as influências  
estatais que impediriam o pleno funcionamento das “leis harmônicas da economia  
burguesa. Naturalmente, ponderou criticamente Marx na sequência, “Carey não  
investiga em que medida essas próprias influências estatais, dívida pública, impostos  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 369  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
etc., têm origem nas relações burguesas e, por conseguinte, na Inglaterra, por  
exemplo, de modo algum aparecem como resultados do feudalismo, mas de sua  
dissolução e superação, e [que] na própria América do Norte cresce o poder do  
governo central com a centralização do capital” (MARX, 2011, p. 29).  
A importância da passagem está, entre outras coisas, em atender ao nosso  
propósito de sublinhar que, num plano mais geral, as influências estatais decorrem da  
própria economia capitalista. Na Inglaterra, como caso emblemático para o  
desenvolvimento do capitalismo, tais influências surgiram e aumentaram com a  
dissolução e superação do modo de produção feudal. Nos Estados Unidos, por outro  
lado, país em que não houve previamente um tal feudalismo, em que o estado jamais  
pôde ter a pretensão de ser um fim em si mesmo” e no qual combinaram-se as “forças  
produtivas de um velho mundo com o imenso terreno natural de um novo” (p. 28),  
essa relação geral se revelou na conexão entre, de um lado, o crescimento do poder  
do governo central, com suas tarefas e medidas, e, de outro lado, a centralização do  
capital” e suas decorrências. Vale insistir no sentido da conexão, segundo o qual a  
rápida acumulação do capital criou as condições para uma maior potência estatal.  
Seja por uma via clássica ou americana, guardadas as suas peculiaridades, o  
desenvolvimento e estruturação estatais como resposta ao desdobramento histórico  
do modo de produção capitalista surge como condição de conjunto (estrutural e  
superestrutural, poderíamos mesmo dizer) para aquele “entendimento político” ou  
“razão política”, ou ainda simplesmente politicismo. Este não teve gênese numa  
manifestação de vontade, mas no crescente exercício prático das medidas estatais  
enquanto respostas à dinâmica desse modo de produção. Em outras palavras, o  
politicismo, como forma de consciência, é uma espécie de subjetivação mediada pela  
exercitação progressiva de “administração do domínio de uns sobre os outros”,  
exercitação enquanto um campo de práticas possíveis e que, portanto, teve num dado  
estágio de estruturação estatal sua condição inicial de arranque. Uma vez possibilitada,  
essa forma de consciência é atuante sobre a própria estruturação e sobre as medidas  
desenvolvidas e implementadas na direção de influenciar a economia capitalista dentro  
de certos limites e com resultados variados.  
Como ilustração, voltemos ao caso inglês na discussão das Glosas em que  
importava destacar a vinculação entre a existência do pauperismo e a estruturação de  
medidas de administração para seu disciplinamento. A burguesia inglesa, o governo e  
a imprensa compreendiam o pauperismo no volteio típico do politicismo como forma  
Verinotio  
370 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
de consciência ativada a partir do problema fático e, ao mesmo tempo, ativa sobre ele.  
Vemos isso no caso dos partidos que atribuíam à política do adversário a causa do  
pauperismo e nenhum deles sonhava “com a reforma da sociedade” (MARX, 2010, p.  
30). Lá também, escreveu Marx, a expressão mais categórica da compreensão inglesa  
do pauperismo continuamos falando da compreensão própria da burguesia e do  
governo ingleses é a economia política inglesa, isto é, o reflexo científico das  
condições em que se encontra a economia inglesa” (pp. 30-1). E qual era então a  
“compreensão inglesa do pauperismo”, de suas causas fundamentais? Um  
entendimento político rombudo, míope às condições fáticas dos trabalhadores nas  
condições fabris e habitacionais daquele tempo e lugar, explicou Marx, capaz de, pela  
imprensa, atribuir a revolta nessas condições à educação formal negligenciada que  
produz o trabalhador sem o conhecimento necessário à resignação, que “não  
compreende as “leis naturais do comércio”, leis que necessariamente o degradam ao  
pauperismo” (p. 32). Um entendimento político que também atribuiu as causas do  
pauperismo à “falha de administração”, redundando em reformas administrativas e  
novas legislações, em ainda mais novas reformas e legislações. O desenlace do  
processo foi a continuidade de medidas destinadas a administrar o pauperismo.  
Estruturou-se, assim, uma “administração ramificada e bastante ampla” diante do  
pauperismo para “discipliná-lo” e “perpetuá-lo” (p. 35).  
Marx ainda considerou as ocorrências na França e na Alemanha. Somados os  
pontos, concluiu que “todos os estados buscam a causa nas falhas casuais ou  
intencionais da administração, e, por isso mesmo, em medidas administrativas o  
remédio para suas mazelas. Por quê? Justamente porque a administração é a atividade  
organizadora do estado(p. 39). Dessa posição, não pode “acreditar que a impotência  
seja inerente à sua administração, ou seja, a si mesmo. Ele pode tão somente admitir  
deficiências formais e casuais na mesma e tentar corrigi-las” (p. 40). Já sabemos que  
a razão política não busca a causa essencial das “mazelas sociais” na “atual  
organização da sociedade”, pois o “entendimento político é entendimento político  
justamente porque pensa dentro dos limites da política” (p. 40). Para Marx, o “período  
clássico do entendimento político é a Revolução Francesa” que, não indo à organização  
da sociedade, enxergou “nas deficiências sociais a fonte das irregularidades políticas”  
(p. 41). Com isso podemos rastrear a gênese do politicismo no ponto em que o modo  
de produção capitalista já alçou dado desenvolvimento, para o qual uma dada  
estruturação estatal é a resposta geral e simultaneamente o campo de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 371  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
desenvolvimento de respostas na forma de medidas administrativas diante do assédio  
dessa vida econômica de uma sociedade historicamente determinada.  
A gênese é um aspecto fundamental também por já colocar a necessidade social  
historicamente envolvida. O politicismo, como nos parece, também responde  
precisamente à exigência de administração da economia e das suas contradições que  
se manifestam por meio dos conflitos essenciais lembremos do exemplo acima que  
ele engolfa partidos, governo, imprensa e mesmo as expressões científicas como a  
economia política. A luta classista foi sem dúvida um fator condicionador para o  
período clássico do politicismo na França e igualmente funcionou para seu posterior  
desenvolvimento, não sem adições de novas camadas, nos dois séculos seguintes.  
Vemos isso novamente no caso inglês em que, não por acaso, também foi palco  
para o alcance de um ponto alto de elaboração do distributivismo que consideramos  
anteriormente, especialmente na figura de J. S. Mill. Também não é casual que esse  
mesmo economista político, com seu Princípios de economia política de 1848, apareça  
como um dos grandes portadores dessas ideias em síntese. A letra de Mill nos serve  
aqui para novamente tematizar a questão do distributivismo como uma “grosseira  
disjunção entre produção e distribuição e [...] da sua relação efetiva” (MARX, 2011, pp.  
42-3). Como explicou Marx, para os economistas:  
[...] a produção deve ser representada veja, por exemplo, Mill , à  
diferença da distribuição etc., como enquadrada em leis naturais  
eternas, independentes da história, oportunidade em que as relações  
burguesas são furtivamente contrabandeadas como irrevogáveis leis  
naturais da sociedade in abstracto. Esse é o objetivo mais ou menos  
consciente de todo o procedimento. Na distribuição, em troca, a  
humanidade deve ter se permitido de fato toda espécie de arbítrio.  
(MARX, 2011, p. 42)  
O procedimento é de naturalização das relações sociais que fundamentam a  
economia capitalista, deixando apenas o momento da distribuição (dos produtos,  
serviços) como passível de alterações. Entendemos que esse procedimento é  
característico para todo pensamento econômico dominante (PAÇO CUNHA, 2024),  
destinado a apresentar a “ordem capitalista como a forma última e absoluta da  
produção social, em vez de um estágio historicamente transitório de desenvolvimento”  
(MARX, 2013, p. 85). Essa forma de consciência foi profundamente afetada pelo  
crescente conflito social, especialmente pela “revolução continental de 1845-1849”  
que “repercutiu também na Inglaterra(p. 86). Marx explicou que alguns porta-vozes  
intelectuais se dividiram em duas correntes naquelas circunstâncias. Uns, sagazes,  
ávidos de lucro e práticos, congregaram-se sob a bandeira de Bastiat, o representante  
Verinotio  
372 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
mais superficial e, por isso mesmo, mais bem-sucedido da apologética economia  
vulgar” (p. 87). Outros, “que ainda reivindicavam alguma relevância científica e que  
aspiravam ser algo mais do que meros sofistas e sicofantas das classes dominantes,  
tentaram pôr a economia política do capital em sintonia com as exigências do  
proletariado, que não podiam mais ser ignoradas. Daí o surgimento de um sincretismo  
desprovido de espírito, cujo melhor representante é Stuart Mill” (p. 86). Sendo estes  
últimos porta-vozes “orgulhosos da dignidade professoral de sua ciência, seguiram J.  
S. Mill na tentativa de conciliar o inconciliável” (p. 87).  
Não vem ao caso discutir as diferenças entre a economia política clássica, a  
economia vulgar, a tendência socialista e a tendência histórica alemã, entre outras  
correntes presentes ao tempo de Marx. Interessa-nos mais de perto o sincretismo na  
figura de Mill e de seus seguidores como portadores de uma forma de consciência  
científica. O esforço ali presente foi o de sintonizar os interesses do capital e do  
trabalho, de “conciliar o inconciliável”, nos termos antes empregados. Trata-se,  
argumentamos, de uma camada adicional àquele procedimento de afirmar o modo de  
produção capitalista como algo natural, não histórico. Fica sugerida uma espécie de  
resposta às forças em conflito de modo a remediá-las, conciliá-las.  
Também não é mero acaso que precisamente com Mill tenha se desenvolvido a  
admissão das “funções governamentais necessárias e optativas” (MILL, 1996, p. 369).  
O esquema geral, ainda que não plenamente desenvolvido, já pressupõe em esboço  
um tipo de intervencionismo estatal calculado, pois se admitem ao menos  
superficialmente as contradições da economia capitalista para as quais surgem  
medidas que visam a harmonizar as forças em conflito. Também não é por acaso que  
foi na figura desse mesmo porta-voz que o distributivismo alçou um ponto alto de  
desenvolvimento, como vimos anteriormente. Estavam assim reunidos alguns dos  
aspectos centrais do politicismo: a naturalização da economia capitalista, o  
distributivismo e a manipulação em esboço. Ainda que faltasse o acabamento dos  
elementos dessa manipulação e um discurso politizante e englobante ambos  
produtos do século seguinte , uma nova camada de missão social estava com seus  
contornos reconhecíveis para além da naturalização da economia capitalista e de suas  
relações sociais essenciais.  
Nos limites que um texto como este impõe, admitimos a presença de dois  
núcleos do politicismo. Por um lado, temos o discurso politizante no século XX que  
foi, como já dito, “fabricado primeiro em nome e depois contra Marx, em especial como  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 373  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
consequência das inviabilidades originárias do Leste europeu. A forja da falsidade a  
partir do que foi o duplo sistema do capital” (CHASIN, 1999, p. 38). Visando ao todo  
social, o núcleo político do politicismo, por assim dizer, reflete-se precisamente na  
hiperacentuação da política, como já discutimos anteriormente, e não é necessário  
provocar redundâncias.  
Por outro lado, é possível reconhecer traços de certo núcleo econômico do  
politicismo motivados pelos registros anteriores, referentes à economia política. O  
politicismo, é preciso dizer, não se identifica integralmente à ausência de remissão ao  
econômico, refletindo-se também enquanto um modo, como vimos, de apreensão  
subordinada ao plano político. A marca principal que queremos destacar do núcleo  
econômico do politicismo está naquilo que ficou antes designado por manipulação.  
Em termos fundamentais, é a atividade executora, operadora dos mecanismos e fatores  
superficiais. Renunciando a critérios objetivos de verdade, seu horizonte é a finalidade  
prático-imediata de produzir certos efeitos na economia capitalista com eficácia e  
resultado variáveis. Se seu esboço esteve nas “funções governamentais necessárias e  
optativas” admitidas no século XIX, seu efetivo desenvolvimento se deu sobretudo nos  
primeiros 40 anos do século XX, tanto com o aprofundamento da necessidade de  
medidas administrativas na condução da vida econômica e o correlato avanço da  
estruturação estatal quanto com as inovações nas doutrinas econômicas que  
procuraram sussurrar aos ouvidos do Príncipe e influenciar nas decisões  
governamentais. As duas grandes guerras mundiais e, entre elas, a Revolução Russa e  
a crise de 1929 tiveram papel decisivo nisso.  
Mas, como não é lugar para longas considerações, basta trazer à baila o  
essencial da administração macroeconômica no acabamento dado como  
keynesianismo enquanto um exemplar didático do problema. Na doutrina, aquele  
intervencionismo calculado ganhou todos os seus contornos especiais. Nunca esteve  
de fato ocupada em esclarecer as ligações entre os problemas cíclicos identificados,  
como as crises, e a lógica essencial da produção generalizada de mercadorias, menos  
ainda esteve interessada na transformação das relações sociais ao fundo que dão vida  
a essa lógica. Seu critério de verdade era outro. A ocupação principal esteve em  
estabelecer medidas que acionassem certos mecanismos que pudessem ativar, assim  
podemos dizer, certas tendências contrarrestantes às crises. É essencialmente um  
problema de método de administração da economia capitalista, no caso, por meio da  
demanda agregada. Aqui vale, pois, a máxima de se encontrar a medida das coisas  
Verinotio  
374 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
nas circunstâncias então presentes. No caso em tela, as medidas estatais devem  
aumentar na antecipação das crises e diminuir quando a dinâmica virtuosa engrenar.  
Se o método foi capaz de produzir os efeitos desejados e na temporalidade intentada  
é outro assunto.  
O ponto aqui é a exemplificação, pois existem outros métodos na disputa da  
circulação das ideias, da “manipulação prática dos nexos causais concretamente  
conhecidos” (LUKÁCS, 2013, p. 96). É o caso da “teoria da utilidade marginal até as  
pesquisas manipulatórias singulares de hoje”, constituindo de conjunto “uma ciência  
que, de modo pseudoteórico, faz desaparecer as conexões autênticas e decisivas,  
mesmo que, em casos singulares, casualmente possam estar presentes relações reais  
ou seus vestígios” (LUKÁCS, 2012, p. 306). É a total subjetivação da economia, desde  
a teoria da utilidade marginal até Keynes e os economistas norte-americanos de nossos  
dias(LUKÁCS, 2020, p. 672).  
Se no núcleo político do politicismo vigora o “aperfeiçoamento institucional”,  
em seu núcleo econômico vige o aperfeiçoamento do método administrativo sobre a  
economia capitalista, sua manipulação o avesso da transformação , seu  
prolongamento histórico. Por essa razão, se o politicismo, da forma como já  
averiguamos, viceja a partir da ordem do capital em geral, também carece de condições  
especiais, sobretudo considerando seu núcleo econômico. Teve ancoragem num dado  
“aparato institucional e o conjunto de práticas subjacentes que caracterizam a tentativa  
de gerenciamento racional da sociedade capitalista” (MEDEIROS, 2013, p. 273).  
Dependeu, pois, do fato de que a estrutura de administração da economia ganhasse  
em potência subjetiva e objetiva, em termos de doutrina e de medidas propriamente  
destinadas a regular a dinâmica econômica e de modo não meramente reativo, mas  
sobretudo de antecipação do comportamento volátil da economia capitalista.  
A missão social do politicismo, portanto, se desdobra. Não basta naturalizar as  
relações que fundamentam a economia capitalista. Passando, como dito, pela  
“conservação da atual fisionomia do solo econômico” (CHASIN, 2000, p. 133), essa  
forma de consciência atende à necessidade de apresentar essa economia como um  
objeto de manipulação. Nela, não é necessário conhecer de fato a coisa, mas  
meramente medi-la, nela provocar resultados imediatos e superficiais, avaliar esses  
resultados, aperfeiçoar os modelos etc. Ao fundo, está a missão de convencer  
amplamente que esse modo de produção e suas contradições podem ser  
administrados indefinidamente, sem a necessidade de alteração nas relações sociais  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 375  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
essenciais, bastando para isso aperfeiçoar os métodos existentes ao seu  
gerenciamento. O sincretismo e o distributivismo têm nisso papel fundamental, pelo  
menos na concorrência das ideias que pendem para métodos de administração em  
detrimento de outros (como os austríacos, monetaristas e suas variantes; o  
emblemático “mergulho para trásque praticam alguns modernos). Não obstante, a  
causa dos problemas identificados será de praxe atribuída ao método do adversário.  
Jamais aos fundamentos da economia capitalista.  
As análises anteriores de Chasin sobre o politicismo no Brasil delimitaram o  
período pós-1964 como recorte legítimo. Vimos com essas análises como a  
incompletude do capital e a ilusão de completação afligiram o politicismo, seu  
horizonte distributivista e inteligência manipuladora. Não vem ao caso repisar tais  
pontos. Mas é importante registrar que a análise da via colonial, e nela o sublinhado  
do “reformismo pelo alto” como processo de modernização que impõe uma “solução  
conciliadora no plano político imediato” (p. 16) etc., deu conta do processo de  
entificação do capitalismo industrial no Brasil sobretudo a partir de 1930. Não seria  
sem propósito correlacionar o vicejo do politicismo a partir desse estágio de  
desenvolvimento do capitalismo no país e a correspondente estruturação estatal  
naqueles anos, incluindo na última a formação técnica de burocratas (como no exemplo  
do Departamento Administrativo do Serviço Público Dasp de 1938). Aliás, o período  
foi palco de inúmeras medidas sincréticas que tiveram por alvo a conciliação classista,  
como as bem conhecidas legislações sociais e trabalhistas. Também foi palco das  
tentativas de manipulação da economia pós-crise de 1929, especialmente a  
industrialização por via estatal como o único caminho então possível. Não vem ao caso  
detalhar tais pontos, bastando para nossos propósitos admitir que foi o período de  
estruturação estatal tal que possibilitou a progressiva maturação de um politicismo de  
horizonte distributivista e exercitação manipulatória na incompletude do processo  
brasileiro, de seu capital atrófico. De modos complexos, o período de 1964 em diante  
é herdeiro desse politicismo de extração pela via colonial.  
VI.  
Mas esse politicismo não é fac-símile de si mesmo. Apresenta especificidades  
em acordo com as condições históricas, como já ficou claro. Há, dito de modo mais  
preciso, uma complexa relação de continuidade e descontinuidade também nesse  
plano das formas de consciência. O Brasil da nossa atualidade fornece elementos  
Verinotio  
376 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
importantes sobre isso e podemos destacar certa especificidade no momento presente  
tendo em mente a “novíssima esquerda” e a atuação do governo em anos recentes.  
Chasin considerou que o “mundo em curso se apresenta [em 1989] como uma  
vasta usina do falso socialmente necessário. Quase 40 anos depois, poderíamos fazer  
diagnóstico geral muito semelhante e talvez agravado. Ele escreveu na ocasião que a  
“produção da falsidade” tinha então arranque objetivo no prolongamento, de uma  
parte, da “utilidade histórica do capital e de sua forma capitalista de sociabilidade e,  
de outra, pela incapacidade hoje indiscutível [em 1989] de superação do capital  
pelas formas pós-capitalistas conhecidas(p. 179). Chasin tinha em mente, na última  
parte, os países do bloco assim chamado socialismo real”. Esses países não existem  
mais. Temos, porém, uma continuidade objetiva daquele prolongamento. Na ocasião  
dessas palavras, nosso filósofo também registrou que a produção da falsidade se  
manifestava igualmente, numa alavanca teórica, como “figurações da subjetividade”,  
isto é, “razão manipuladora e irracionalismo(p. 179).  
É difícil negar que temos ainda hoje, em termos objetivos, o prolongamento  
da utilidade histórica do capital” que se constitui, também agora, no “ardil do capital,  
sob cuja lógica e regência move-se o universo humano-societário contemporâneo, bem  
como [em termos teóricos] sob seu espírito homólogo manipulador e irracionalista,  
que desarma cognitiva e volitivamente a autêntica capacidade efetuadora da prática  
humana(p. 179). De outro lado, a desafiante se mostra na “falta de perspectiva de  
revolucionamento do modo de vida”, na “ausência de qualquer visualização de dias  
diferentes” (VAISMAN, 2023, pp. 12-3). Importa reter o atual cenário de  
prolongamento da utilidade histórica do capital e das suas homólogas figurações  
teóricas.  
Para tanto, é preciso perguntar: quais seriam as reverberações no politicismo  
sendo este, como vimos, intrínseco à ordem do capital?  
Por outro lado, vimos também nas análises de realidade que o “quadrilátero  
teórico”, formado pelas teorias da dependência, populismo, autoritarismo e  
marginalidade, mostrava-se como “conjunto de ideias que moldam o pensamento no  
país” (CHASIN, 2000, p. 243), conjunto do qual os partidos na esquerda extraíam  
“suas leituras de realidade, o inventário dos problemas nacionais e o rol de suas  
proposituras” (p. 255). No entanto, a presença e potência do quadrilátero foram  
consideravelmente abrandadas no tempo presente e não desfrutam das mesmas  
visitações de outrora. Talvez aqui e ali ainda persistam os apelos às teorias do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 377  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
populismo e autoritarismo, mas certamente não ocupam o mesmo altar da  
intelectualidade. Os partidos na esquerda do “arco político do capital” também  
sofreram modificações. A vertente elitista” (PSDB) está, no momento pelo menos,  
absorvida pelas hordas das tendências mais à direita daquele arco político. De certo  
modo, foram empurrados pelo deslocamento progressivo da vertente “popular do  
social-democratismo” cada vez mais para a centro-direita desse arco. Duma  
observação geral dos mandatos petistas desde 2002 para além do interregno 2018-  
2022, parece duradoura a perseguição de um imaginário capitalismo justo e  
humanizado, nos limites do distributivismo implementado por medidas manipulatórias  
de horizonte imediato. Isso dá um sentido de continuidade, mas o arcabouço teórico  
parece ter sofrido modificações.  
E o que então tem nutrido as leituras de realidade global e nacional, além de  
dar respaldo às suas proposituras?  
As duas questões anteriores demandam análises muito mais extensas e  
detalhadas do que somos capazes de no momento apresentar. Podemos esboçar pelo  
menos alguns poucos traços gerais de encaminhamento de respostas.  
Com efeito, a continuidade do prolongamento da utilidade histórica do capital  
e de suas contradições, que se expressam em crises, conflitos e desigualdades,  
sobretudo em contexto de ausência de alternativas verdadeiramente para frente, criou  
uma realidade aparentemente paradoxal. Como seria possível afirmar que o politicismo  
ainda se encontra em seu apogeu se há tantos descontentes com seus regimes  
políticos, em especial nas “democracias ocidentais”? O descontentamento que vai se  
generalizando diante da política é algo que vai além da compreensível reação de  
antipatia contra partidos políticos em suas mesquinhas rotinas politiqueiras, quando  
não criminosas. O descontentamento pode sugerir um aparente enfraquecimento do  
politicismo e não significa que isso não possa ser entendido como sintoma de suas  
fraturas. Porém, o descontentamento não se volta à crítica reta e contestação  
propositiva diante do solo econômico, do modo de organização das relações sociais,  
não se canaliza à causa dos problemas que muitas vezes se refletem nas tempestades  
políticas. As reações são direcionadas a uma forma da política.  
A “questão democrática”, que nutriu considerável parte das análises de Chasin  
décadas atrás, recebeu de nosso autor seu correto tratamento. Sem uma perspectiva  
transformadora do trabalho, a chamada democracia representativa não passa de  
arremedo para fazer valer a democracia dos proprietários. Esta, incapaz de ser  
Verinotio  
378 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
resolutiva quando muito, mostra-se tal como palco de frágeis e temporárias  
conciliações , ativa os descontentes que, num contexto de ausência de futuro,  
encontram recepção nos braços do reacionarismo. E para espanto dos conservadores  
civilizados, a história pode sonhar todo tipo de pesadelo, fabulando formas políticas  
regressivas e hediondas. No campo de possíveis das formas políticas sob a ordem do  
capital, levando-se em conta não só a história brasileira, mas também seu inebriado  
momento de fragrância teocrática, há espaço para muita coisa entre a “autocracia  
burguesa” vigente e o “bonapartismo” aberto de outrora. A história costuma ser  
perigosamente criativa.  
Ao contrário, o paradoxo é apenas aparente. O politicismo, que já acumula  
longa duração, tem apresentado profunda eficácia em direcionar a atenção e a ação  
das classes sociais para longe da necessária transformação. A linha continua sendo a  
do “aperfeiçoamento institucional”, ainda que um “mergulho para trás” apareça aos  
descontentes como a melhor alternativa corretiva da democracia dos proprietários.  
A eficácia do politicismo também se mede pela constante renovação do  
distributivismo, seu horizonte limítrofe, ainda que se mostre faticamente irresolutivo.  
Os exemplos poderiam ser diversos, mas basta um que nos parece muito  
representativo. Em primeiro de janeiro de 2003, o então presidente eleito da república  
dos proprietários assim se manifestou:  
Mudança; esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da  
sociedade brasileira nas eleições de outubro [de 2002] [...]. Enquanto  
houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome,  
teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha. Por isso,  
defini entre as prioridades de meu governo um programa de  
segurança alimentar que leva o nome de Fome Zero. [...] se, ao final  
do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de  
tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da  
minha vida. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2003)  
E, no dia primeiro de janeiro de 2023:  
Vinte anos atrás, quando fui eleito presidente pela primeira vez, [...]  
iniciei o discurso de posse com a palavra “mudança”. A mudança que  
pretendíamos era simplesmente concretizar os preceitos  
constitucionais. [...]. Disse, naquela ocasião, que a missão de minha  
vida estaria cumprida quando cada brasileiro e brasileira pudesse  
fazer três refeições por dia. Ter de repetir este compromisso no dia  
de hoje diante do avanço da miséria e do regresso da fome, que  
havíamos superado é o mais grave sintoma da devastação que se  
impôs ao país nos anos recentes. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2023)  
É óbvio que enfrentar a fome é uma tarefa entre as mais importantes. Tem sido  
tarefa no Brasil, aliás, há século. Talvez não seja sem lugar a recordação da expressão  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 379  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
carestiano debate público do Brasil dos anos de 1920 quando, para muitos de seus  
protagonistas, era um simples caso de polícia. A questão é que não se resolve a miséria  
estrutural por meio de voláteis medidas que ignoram a base do problema. Fica  
quebrada, no plano da ideação, a vinculação objetiva na unidade entre produção e  
distribuição, como já discutimos anteriormente. E mesmo que, voltemos a repetir,  
possa haver abundância de sinceridade nos enunciados acima (com discutível  
personalização), eles apresentam “valor objetivo de uma bolha de ar”. As irresolutivas  
medidas meramente político-institucionais não são apenas levadas pelos ventos das  
circunstâncias das trocas desiguais entre as forças políticas, mas têm rompidas as suas  
frágeis tensões superficiais na eclosão das crises econômicas.  
O prolongamento da utilidade histórica do capital igualmente criou condições  
para uma hipérbole da manipulação. Para isso também não faltam exemplos. Mas entre  
os mais eloquentes podemos destacar um que é auxiliar simultaneamente às duas  
questões anteriormente levantadas. Temos em mente a aberta retomada da política  
industrial. Dizemos aberta porque esteve fora da cena, por assim dizer, mas não dos  
bastidores. E no Brasil essa retomada teve peculiaridades ilustrativas do rebaixamento  
que a manipulação alcançou.  
De partida, é preciso reconhecer que o processo de objetivação do capitalismo  
no Brasil jamais pôde dispensar o estado como alavanca de primeira ordem. As  
variadas expressões ideais disso tiveram papel importante na história brasileira. Sob a  
alcunha (não sem problemas) de desenvolvimentismo, a herança intelectual está  
presente e emana de muitos lados. Intelectuais seguem ativos em sua produção,  
formando novas gerações. Em comum está o revigorado reconhecimento do papel  
necessário e potencialmente virtuoso do estado na dinâmica econômica. Houve  
recentemente até quem registrasse a “volta do estado planejador” como resposta ao  
“neoliberalismo”. Muitos desses formadores e formados possuem laços firmes e  
relações muito próximas com a atual presidência da república e com parte importante  
da burocracia estatal. Não vem ao caso nomeá-los ou desenhar suas redes de  
conexões. De todo modo, a elaboração de política industrial tendo o estado como  
planejador e articulador certamente receberia influência dessas gerações de  
intelectuais brasileiros, não fosse a predileção por fonte teórica estrangeira.  
A recente política industrial no país foi arquitetada por especializada burocracia  
estatal, inspirada no exemplo sul-coreano e em outras experiências, e por influência  
decisiva de intelectual estrangeira. Nessa última direção, as ideias de Mariana  
Verinotio  
380 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
Mazzucato já circulavam desde o começo da década de 2010 e chamavam a atenção,  
contrariamente às predileções ortodoxas, precisamente para o papel do estado como  
alavanca indispensável para inúmeros processos de inovação tecnológica. É algo  
também repetido à exaustão por aquelas gerações de intelectuais brasileiros durante  
décadas. Não há, pois, qualquer novidade em termos fundamentais nas ideias da  
autora ítalo-britânica nem evidências de superioridade analítica. Então, o que explicaria  
a influência tão notória na política industrial brasileira recente, em que um dos mais  
recentes livros da economista, o Missão economia (MAZZUCATO, 2022) original de  
2021 , orientou tanto normativa federal (BRASIL, 2023) quanto plano de ação  
(BRASIL, 2024) baseados em missões? É inusitado que o próprio léxico desses  
materiais governamentais tenha empregado explicitamente os termos registrados no  
material da autora.  
Nesse material da economista comparece a simplificação operacional: missão,  
meios, avaliação. Ocupou o lugar das análises dos “desenvolvimentistas” que,  
consideradas as suas limitações teóricas, seus tributos ao sincretismo e ao  
distributivismo que agora não vêm ao caso, debruçavam-se sobre a natureza do modo  
de produção capitalista, a subordinação econômica do país, seu frágil lugar nas cadeias  
globais de valor. Tornaram-se esfumaçadas as classes sociais, as relações de força em  
que se encontram os trabalhadores e a mediação do estado no quid pro quo do  
processo de acumulação. Restaram a colocação de finalidades prático-imediatas, a  
calibragem dos meios aos fins, a avaliação dos resultados e correções de rota; uma  
simplificação típica que frequenta os livros didáticos de introdução à administração  
nos campi afora. Talvez por isso mesmo, sem a mínima aproximação da natureza das  
coisas ou qualquer projeção de alteração estruturante do terreno econômico, é que  
essa hipérbole da manipulação de fatores superficiais tenha alçado notória influência  
na burocracia estatal (há afinidades intelectuais e de interesses, além disso). Os  
critérios objetivos de verdade, necessários a qualquer ciência, cederam lugar a um  
rústico operacionalismo. Segue firme assim o desconhecimento da “natureza específica  
do solo em que pisa”. Parece inabalável a desertificação ideológica na importação e  
repetição acrítica de ideário rebaixado que está bem aquém daquilo que o  
“desenvolvimentismo” mesmo pôde apresentar. Se o quadrilátero teórico foi  
enfraquecido, não foi para ser superado por algo mais altivo. A composição ganhou  
outro lado. É um pentágono teórico piorado que informa a leitura de realidade e as  
proposituras práticas diante dos problemas a serem enfrentados.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 381  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
Talvez a forma geométrica em questão não se limite a cinco retas. Não seria  
muito prudente ignorar o companheiro de aventuras da manipulação, o irracionalismo  
antes rapidamente referido a partir das considerações de Chasin. Irracionalismo na  
qualidade de par, muitas vezes empavonado, como outra figuração da subjetividade  
renovada pelo prolongamento da utilidade histórica do capital. Essa figuração ganhou  
velhas e novas formas (FOSTER, 2023). Trata-se aqui de reconhecer as tendências  
irracionalistas e românticas que sempre acompanharão o capitalismo até seus últimos  
dias. Importante dizer que são tendências que não excluem qualquer posição no arco  
político do capital. Especialmente em se tratando da posição na esquerda desse arco,  
tem ficado muito patente a influência que esse ideário galgou em várias de suas  
expressões. Na falta de terminologias melhores, reconhecemos tais expressões nos  
assim chamados “identitarismo” e “ancestralidade”. São formas entregues ao  
relativismo mais simplório e anticientífico, de ancoragem subjetivista, que deixam o  
solo econômico integralmente de fora em preferência ao combate no campo moral e  
até espiritualno pior dos sentidos deste termo. E, o que é talvez ainda muito mais  
danoso, pretendem muitas vezes tirar poesia do passado numa malformada equação  
de variáveis tortas de que o “futuro é ancestral”, passando, portanto, por  
“progressismo” o que é no fundo uma seta para trás. Há aqui e ali, transbordando das  
universidades principalmente, indícios de que tais orientações informam as leituras de  
realidade e as propostas da novíssima esquerdacom presença na atual composição  
do governo. Não é, de fato, surpresa alguma, uma vez que as posições na esquerda  
do arco do capital há muito se fartam no banquete do irracionalismo que ainda hoje  
encontra em Nietzsche seu preferencial escudeiro. Ele, no entanto, não segue solitário.  
Mas não temos mais licença para estender essas considerações sumárias. Basta,  
para concluir, que apesar das modificações indicadas há também certa linha de  
continuidade do politicismo, e nela se encontra sua atualidade como freio antecipado”  
das consciências e “protetor da estreiteza econômica e política da burguesia” (CHASIN,  
2000, p. 124) que hoje flerta abertamente com as tendências reacionárias de suas  
sociedades. O prolongamento da utilidade histórica do capital, na ausência de  
alternativas entrevistas, cobra de todos os seus mais altos juros e nos condena, como  
Sísifo, a administrar eternamente nossa miserável pedra.  
Referências bibliográficas  
BRASIL. Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Ministério do  
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Resolução CNDI/MDIC nº  
Verinotio  
382 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
O pavoroso deserto ideológico”  
1, de 6 de julho de 2023. Dispõe sobre nova política industrial, com a finalidade  
de nortear as ações do estado brasileiro em favor do desenvolvimento industrial.  
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jul. 2023. Disponível em:  
<https://www.gov.br/mdic/pt-br/composicao/se/cndi/arquivos/decretos-e-  
portarias/arquivos/dou_2023-07-20-resolucao-cndi-mdic-no-1-de-6-de-julho-de-  
2023-missoes-republicacao/view>. Acesso em: 28 jan. 2025.  
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Nova indústria  
Brasil Nova indústria Brasil forte, transformadora e sustentável: Plano de Ação  
para a neoindustrialização 2024-2026 / Ministério do Desenvolvimento, Indústria,  
Comércio e Serviços, Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). -  
Brasília: CNDI, MDIC, 2024. 102 p. Disponível em: <https://www.gov.br/mdic/pt-  
br/composicao/se/cndi/plano-de-acao/nova-industria-brasil-plano-de-acao.pdf>.  
Acesso em: 28 jan. 2025.  
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discurso do presidente Lula no Congresso Nacional.  
Brasília,  
DF:  
Câmara  
dos  
Deputados,  
[2003].  
Disponível  
em:  
<https://www.camara.leg.br/tv/146709-discurso-dopresidente-lula-no-congresso-  
nacional/>. Acesso em: 28 jan. 2025.  
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Leia o discurso do presidente Lula na íntegra. Brasília,  
DF:  
Câmara  
dos  
Deputados,  
[2023].  
Disponível  
em:  
<https://www.camara.leg.br/noticias/932450-leia-o-discurso-do-presidente-lula-  
na-integra/>. Acesso em: 28 jan. 2025.  
CHASIN, J. Abertura: Ad Hominem rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista  
Ensaios Ad Hominem, São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, n. 1, t. I –  
Marxismo, 1999.  
CHASIN, J. A miséria brasileira: 1964-1994 do golpe militar à crise social. Santo  
André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000.  
CHASIN, J. A determinação ontonegativa da politicidade. Verinotio, n. 15, Ano VIII, ago.  
2012.  
Disponível  
em:  
<https://www.verinotio.org/conteudo/0.90872840854221.pdf>. Acesso em: 28  
jan. 2025.  
CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
FOSTER, B. O novo irracionalismo. Verinotio, v. 28, n. 2, p. 383-413, 2023.  
LUKÁCS, G. A destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. 1. São Paulo: Boitempo, 2012.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. 2. São Paulo: Boitempo, 2013.  
MEDEIROS, J. L. A economia diante do horror econômico: uma crítica ontológica dos  
surtos de altruísmo da ciência econômica. Niterói: Editora da UFF, 2013.  
MARX, K. Glosas críticas ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social’. De um  
prussiano”. In: Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010.  
MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011.  
MARX, K. O capital v. 1. São Paulo: Boitempo, 2013.  
MAZZUCATO, M. Missão economia: um guia inovador para mudar o capitalismo.  
Portfolio-Penguin, 2022.  
MILL, J. S. Princípios de economia política. 2 v. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Col.  
Os Economistas.  
PAÇO CUNHA, E. O problema da eficácia das formações ideais: o pensamento  
econômico como ideologia. Verinotio, v. 29, n. 2, p. 1-23, 2024.  
PAÇO CUNHA, E. Problemas selecionados em determinação social do pensamento.  
Verinotio, v. 28, n. 1, p. 123-146, 2023.  
RAGO FILHO, A. O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025 | 383  
nova fase  
Elcemir Paço Cunha  
autocracia burguesa. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-  
Graduados de História, v. 29, n. 1, 2004.  
VAISMAN, E. A ideologia e sua determinação ontológica. Verinotio Revista on-line de  
Filosofia e Ciências Humanas, n. 12, ano VI, 2010. Disponível em:  
<https://verinotio.org/conteudo/0.49365995032122.pdf>. Acesso em: 28 jan.  
2025.  
VAISMAN, E. Prefácio. In: CHASIN, J. O futuro ausente: para a crítica da política e o  
resgate da emancipação humana. Belo Horizonte: Verinotio Livros, 2023.  
VAISMAN, E.; FORTES, R. V. Apresentação. In: LUKÁCS, G. Prolegômenos para uma  
ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2010.  
Como citar:  
CUNHA, Elcemir Paço. O “pavoroso deserto ideológico”: dos fundamentos à atualidade  
do ideário politicista na miséria brasileira. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp.  
352-384, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
384 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 352-384 jan.-jun., 2025  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
ENTREVISTA  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.761  
ENTREVISTA1  
J. Chasin:  
A produção teórica do marxismo no Brasil  
é decepcionante  
J. Chasin, 50 anos, professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais e  
vice-coordenador do curso de mestrado desta mesma entidade, faz e vive de filosofia. Mistura  
a docência com a pesquisa, mas nem em um plano nem em outro, nada se coloca como  
inocência. Existe sempre um propósito de caráter social: os temas são selecionados de acordo  
com sua urgência social, combinada a uma tentativa de efetuar sua tematização, no plano  
teórico, no âmbito mais apropriado possível.  
Editor da revista Ensaio, possui trabalhos nela publicados e, também, em outras  
revistas: principalmente, as Brasiliense e Temas, isto no passado. Autor de livros como O  
integralismo de Plínio Salgado (que permitiu a visualização de uma nova concepção teórica  
para estudar o caso brasileiro), é organizador da coletânea Marx, hoje. No prelo, tem dois  
livros: Contra corrente (ensaios teóricos) e A miséria brasileira (estudos sobre a nossa  
realidade), a serem publicados pela Editora Ensaio.  
Em Fortaleza, participou da banca examinadora de um concurso para docente da  
Universidade Federal do Ceará, ministrou dois seminários, ocasião em que falou ao DN Cultura.  
Diário do Nordeste (DN): Como está a produção teórica do marxismo no Brasil?  
J. Chasin (JC): Por minha predileção, gostaria que fosse mais intensa e de melhor  
qualidade. Para alguém que está, firmemente, convencido de que o pensar e o fazer  
de nossos tempos necessitam, fortemente, de um vínculo com o pensamento de Marx,  
o quadro brasileiro é decepcionante, altamente decepcionante. Exceção a poucos  
autores. Mas não vou decliná-los para não estabelecer uma polêmica, não desejada  
em termos pessoais. Faço uma consideração mais sintética, mais sumária, mais no nível  
de uma generalidade, de uma impessoalidade. Não é de se estranhar, mas é sempre  
lamentável constatar que a produção teórica do marxismo, em termos de Brasil, tem  
1
Entrevista de J. Chasin a Carlos Viana, editor da seção DN Cultura. Fortaleza, Diário do Nordeste,  
domingo, 7 jun. 1987. A entrevista foi ilustrada com uma foto de Chasin feita por Severino Silva.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira, v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Entrevista com J. Chasin  
duas características básicas: raro é o trabalho que não mencionará Marx e que não se  
dirá de algum modo tributário de Marx; outra característica é que este apoio em Marx  
será diluído, distorcido e, de fato, profundamente contrário, quando não oposto ao  
pensamento real do mestre alemão.  
DN: E na história brasileira, quais os nomes diretamente vinculados ao marxismo?  
JC: Muito poucos nomes. Seja por um vínculo de uma vida inteira, seja por vínculos  
mais restritos e delimitados. Citaria dois nomes, apenas: Caio Prado Jr., que continua  
sendo, no Brasil independentemente de falhas e defeitos que, naturalmente, existem  
, o autor brasileiro de obra mais extensa; também o nome de Florestan Fernandes,  
que sempre em suas obras teve relações com Marx e que, a partir de um certo  
momento de sua vida, tem em Marx e em Lênin um pensamento fortemente marcado  
por esta diretriz.  
DN: Não há outros nomes?  
JC: Qualquer menção a outros nomes subentenderia fazer, simultaneamente, ou  
reparos ou manifestar discordâncias que seriam extremamente complexos, o que,  
agora, não nos valeria a pena.  
DN: Mas o que teria provocado estas distorções sofridas pela teoria marxista?  
JC: No caso brasileiro e o mesmo ocorre no quadro internacional , é sabido que a  
figura de Marx, o nome de Marx, as teorias por ele produzidas foram sendo,  
progressivamente, contestadas de uma maneira tal que, hoje, o luxo não é falar de  
Marx, mas contra Marx.  
DN: Que motivos, de ordem geral, no plano internacional, condicionam este  
comportamento?  
JC: O primeiro deles é a sobrevivência da utilidade histórica do capital; isto é, contra  
as expectativas do começo deste século, o capital acabou por se configurar com uma  
durabilidade maior do que a suposta e com uma capacidade de reciclagem e de  
intensificação do seu vigor, enquanto propulsão do desenvolvimento das forças  
produtivas, que levaram a repor o que foi uma discussão do começo do século –  
uma espécie de eternização do capital, que ele, como naquela época se coloca, tinha  
encontrado uma forma de se racionalizar, de passar a se comportar como uma energia  
social capaz de ser domada em sua negatividade e propiciar uma configuração onde  
as suas essências fossem preservadas, e os seus defeitos, substituídos por maneiras  
Verinotio  
386 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante  
civilizadas de atuação. De maneira que as injustiças sociais, as aberrações de suas  
formas de exploração não viessem à tona com as formas gritantes de seus primeiros  
tempos.  
DN: E de que decorre essa durabilidade estendida do capital?  
JC: Decorre, a meu ver, não apenas de suas virtudes intrínsecas, mas de um fenômeno  
muito grave, que se dá ao nível daquilo que pretendeu ser uma ruptura com o capital  
em nível internacional. Refiro-me, naturalmente, à configuração contemporânea do  
mundo pós-capitalismo, para dizer Leste europeu e países da mesma ordem, que  
acreditaram, no começo do século e no desdobramento de décadas posteriores, que  
estavam rompendo com o capital, transitando para o socialismo. Dadas as  
características históricas em que este processo se verificou, ocorreu, no entanto, que  
o rompimento com o capital de fato não se deu; houve um rompimento com o  
capitalismo, mas não com o capital. Em poucas palavras, isso ocorreu porque para  
tomar o exemplo maior, que é o da Revolução Russa o nível econômico, social e  
cultural de onde partiu esta Revolução era de tal ordem miserável que o processo se  
viu encarregado de construir, isto sim, o capital industrial e acabou por se verificar que  
a construção do capital industrial se deu; porém, a superação do capital, ele próprio,  
não se realizou. De tal maneira que surgiu uma nova forma de capital, que hoje faz o  
desafio teórico e político dos nossos tempos. Junto ao drama de, necessariamente,  
reconhecer que a experiência da Revolução Russa, tão extraordinária, tão motivadora  
de esperanças, quando da sua efetuação, acabou por se configurar numa melancólica  
falência, contra a qual não cabe nem adianta deblaterar, mas que é preciso entender  
na sua realidade para que o processo de tentativa de superação do capital,  
efetivamente, possa ser visualizado e tentado. Ou seja, em lugar de termos hoje, no  
mundo, um sistema do capital e um sistema socialista, nós temos dois subsistemas do  
capital, diversos entre si, mas confluentes no sentido de universalidade do capital. Não  
há capital privado no panorama do Leste europeu, mas há o capital vinculado a uma  
figura que denomino por falta de melhor nome de capital coletivo/não-social; isto  
é, o capital não é dominado e dirigido por todos, quando, então, ele desaparec[er]ia,  
mas ele é controlado por um segmento da sociedade, à revelia do conjunto da  
sociedade. Vale dizer, não se configurou no Leste europeu aquela colocação de Marx  
que é a dissolução, em última instância, ou a apropriação coletiva dessa energia social  
que é o capital e que é a matriz lógica das formações sociais. Tanto drama angustiante,  
e este fim de século tem neste ponto o grande desafio.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025 | 387  
nova fase  
Entrevista com J. Chasin  
“Retidos pela incapacidade teórica, desmoralizados pela perda de perspectiva  
ideológica, e inertes devido a sua fragilidade numérica e organizativa, o PCB e o PC  
do B são figuras inofensivas no quadro brasileiro, servindo como instrumentos de  
catalisação em direção exatamente oposta àquela que eles julgam configurar.”  
DN: Por quê?  
JC: Porque é óbvio que não há mais ilusões em relação ao capitalismo; também se  
perdeu o entusiasmo e a perspectiva em relação ao socialismo, na medida em que ele  
passou a ser identificado com o esquema dramático da sociedade do Leste europeu,  
que desestimula os processos revolucionários.  
DN: Como analisa a retomada das relações Brasil e Cuba?  
JC: [D]a aproximação entre os dois países, em primeiro lugar, seria o caso de acentuar  
a positividade em termos de que é sem nexo, no mundo contemporâneo, simplesmente  
não se ter relações com este ou com aquele país. Vejo pura e simplesmente neste  
nível, nesta plataforma. Não vejo com isso nenhum avanço político, nenhuma esperança  
que se coloca por contágios. Corresponde à necessidade de conveniência  
internacional, a certos interesses de ordem comercial mais ou menos expressivos. É  
preciso ter relações com todo mundo para poder comerciar com todo mundo. Neste  
sentido, este reatamento é, sobretudo, pragmático. Mas é também pragmático no  
campo político, porque configura com isto uma certa liberalidade, que o Brasil não  
conheceu ao longo de 20 anos de ditadura militar. Não atribuo a este caso nada além  
disto.  
DN: Como vê o papel da esquerda tradicional, no Brasil, depois da sua legalização?  
JC: A esquerda no Brasil e aqui, no caso, eu denomino o PCB e o PC do B como a  
esquerda tradicional , a debilidade teórica, ideológica e prática destes organismos  
me parece hoje inteiramente configurada. São organismos políticos falidos. A sua  
capacidade se esgota em ser caudatários de proposituras de natureza liberal, o que é  
ainda mais extravagante num país que não tem liberalismo. São organismos que não  
contribuem do ponto de vista teórico, e isto é grave, quando se trata de marxismo.  
Não contribuem enquanto propositura ideológica, vale dizer, como uma configuração  
de itinerário que é proposto às massas, de modo que elas poss[a]m, pela via da  
organização e pela via da conscientização, atingir um ponto de mobilização real e  
eficiente no processo político. Do ponto de vista da expressão numérica de  
contingentes que mobilizam, esses organismos e dos contingentes eleitorais que  
conseguem agregar em determinadas circunstâncias também são, em termos do  
Verinotio  
388 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante  
plano político, absolutamente inexpressivos. Retidos pela incapacidade teórica,  
desmobilizados pela perda de perspectiva ideológica, inertes devido à sua fragilidade  
numérica e organizativa, o PCB e o PC do B são figuras inofensivas no quadro  
brasileiro, servindo de fato como instrumentos de catalisação em direção exatamente  
oposta àquel[a] que eles julgam configurar. Eles servem muito mais à desmobilização,  
servem muito mais a desarmar a consciência e atividade das massas populares do que  
àquilo que entendem ser realmente o seu propósito: a armação de uma consciência  
política, a sensibilização de ordem organizativa, que o conjunto pudesse tornar um  
instrumento eficiente.  
“Não há mais ilusões em relação ao capitalismo; também se perdeu o entusiasmo  
e a perspectiva em relação ao socialismo, na medida em que ele passou a ser  
identificado com o esquema dramático do Leste europeu, que desestimula os  
processos revolucionários.”  
DN: E quanto à esquerda não marxista, por exemplo, o PT?  
JC: Eu não vejo, também, com nenhum otimismo especial. Por vias diversas, por  
intenções muito distintas, por certas práticas, inclusive bem diferenciadas, no entanto,  
o que nós temos, acima de tudo, a meu ver, é a convergência da esquerda tradicional  
e da nova esquerda como caudatárias, de linhas e comportamento meramente liberal,  
que não induzem a nenhuma reativação do movimento popular, e não equacionam  
aquilo que seria decisivo no quadro brasileiro: a adequada articulação entre a ação  
parlamentar e a ação extraparlamentar. Entendendo que, no caso brasileiro, não há  
como pensar que a ação exclusivamente parlamentar possa conduzir a qualquer  
solução de natureza estrutural, por menor e mais insignificante que ela seja. Nosso  
esquema parlamentar, nosso sistema de poder são uma tênue equação de  
modernização, uma careação de estruturas velhas, desfavoráveis às grandes maiorias.  
É do drama e da miséria brasileira esta convergência de nova e velha esquerda. A  
razão disto é um desconhecimento teórico brutal que acaba em produzir uma farta e  
imensa ignorância da realidade do próprio país e, consequentemente, não permite uma  
equação programática que possa de fato vir a construir um itinerário efetuador que  
vise a construir uma democracia no Brasil. As vias atuais de ação política só permitem  
a efetivação do que chamo democracia de proprietários. E o segredo dessa democracia  
de proprietários está desvendado: o perfil do governo Sarney, governo de transição,  
é essa democracia, nada além disso.  
DN: E qual a importância da atuação desses partidos de esquerda na Constituinte?  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025 | 389  
nova fase  
Entrevista com J. Chasin  
JC: Nenhuma. Já está demonstrado.  
DN: Gostaria de que fizesse uma análise do nascimento, vida e morte do Plano  
Cruzado…  
JC: A sucessão Figueiredo-Sarney não está caracterizada apenas porque Tancredo  
morreu. Essa transição, transada pelo alto, tinha como compromisso básico: a  
conservação de uma política econômica que aí está. Por mais que se tente ser  
benevolente com os dois últimos anos, mesmo numa análise elementar, ter-se-á a  
certeza de que nada foi mexido no plano estrutural. O plano estrutural é uma espécie  
de cadáver de chumbo onde a oposição, a antiga oposição e a atual situação, enterrou  
seus pés, e de onde não os arranca. O Plano Cruzado foi uma tentativa para poder  
enfrentar dois problemas graves: o país se deparava em uma dupla necessidade,  
retomar o processo de acumulação, que já nos tempos de Figueiredo estava  
plenamente recessivo, e enfrentar a pressão social, decorrente do baixíssimo nível de  
vida da esmagadora maioria da população. A ideia era retomar o crescimento e  
enfrentar os baixos padrões de vida da imensa população brasileira. Já por aí, nota-se  
que a proposta não era uma proposta de enfrentamento radical da questão. Do ponto  
de vista do capital, trataram simplesmente de retomar o crescimento, no sentido de  
permitir um giro um tanto restrito para reequilibrar a situação julgada, pelo próprio  
empresariado, deficiente, quanto ao momento recessivo que tinham vivido. Do ponto  
de vista da população, tratava-se, simplesmente, de suavizar este elemento grave de  
redução do padrão de vida, mas também de reconhecer que a existência brasileira  
combina a modernização econômica com o pa[up]erismo estrutural. 70% da população  
vivem entre a pobreza e a miséria absoluta. Isto não é casual, é decorrente da forma  
de ser do capitalismo no Brasil. Um governo que vem na sucessão de 20 anos de  
ditadura, se tivesse, realmente, força e disposição para enfrentar de modo real estas  
duas questões, teria que fazer remanejamentos fundamentais na estrutura. Isto é  
característico do capitalismo no Brasil: um capital pobre, atrófico, subordinado a um  
esquema internacional, subordinado internamente a formas que eu chamo de  
subcapitalismo. De modo que ele chega dentro de uma situação de impossibilidade  
de se firmar, enquanto capital, e reordenar o conjunto social. É, nesse sentido, uma  
compressa de água morna cujo objetivo pretendia ser: autorizar, permitir uma rodada  
de faturamento ao empresariado, que estava pressionado por um esquema recessivo,  
e tentar, ao mesmo tempo, gerar um quadro onde os assalariados, principalmente os  
de baixa renda, tivessem a sensação de uma nova fase, onde o seu poder de compra  
Verinotio  
390 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025  
nova fase  
A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante  
estivesse garantido. Em segundo lugar, não há notícia em lugar nenhum de que  
congelamento de preços pudesse subsistir sob regime capitalista. Em pouco tempo, o  
capital encontra formas de constituir ágios, de fazer as chamadas maquiagens de  
produtos, ou, então, partir direto para o desabastecimento. Aí, vimos o conjunto  
produtivo brasileiro ser, em menos de 60 dias, exposto a um quadro dessa ordem. Em  
sua essência, o Plano Cruzado era um plano político, não pretendia mexer em nada de  
ordem estrutural, de sorte que a sua situação final era facilmente prevista desde o seu  
primeiro dia.  
Como citar:  
CHASIN, J. Entrevista: A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante  
Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 385-391, Edição Especial: A miséria  
brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 385-391 jan.-jun., 2025 | 391  
nova fase