
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Douglas Rafael Dias Martins
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relação sujeito-objeto. Pela necessidade da identidade entre essência do sujeito
e do objeto para o processo cognoscente, o trabalho será a atividade
propriamente humana que será capaz de mediar o reconhecimento entre a
objetivação do sujeito e a subjetividade do objeto. Hegel postulará a
necessidade desses momentos, de uma primeira negação e de uma negação
desta, enquanto a experimentação racional da consciência de si mesma,
visando o percurso da constituição da consciência do senso-comum enquanto
consciência-de-si, ou seja, sujeito do processo de conhecimento científico.
O conceito de alienação, assim, não era uma elaboração do próprio
Marx, mas sim já havia sido desenvolvido em diferentes sentidos por Hegel,
Schelling
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e Feuerbach, de modo que este último o havia influenciado mais
diretamente nos últimos meses através de A essência do cristianismo – sendo
também importante lembrar que além do acesso às obras de Hegel, o velho
Schelling foi professor do jovem autor em Berlim e por isso é provável que
tenha tido contato com suas ideias filosóficas. Contudo, com os manuscritos
econômico-filosóficos marxianos, pela primeira vez a alienação adquire “um
conteúdo socioeconômico aprofundado” (MANDEL, 1968, pp. 30-1), estando
enraizada em sua concepção feuerbachiana que privilegiava e partia da
sensibilidade, mas, ao mesmo tempo, adquirindo um conteúdo inédito.
É importante notar que, para Marx, o conceito de alienação vai estar
ligado à externalização da essência do ser, que por sua vez, na sociedade
capitalista, estará diretamente relacionado à atividade de trabalho dos
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Em relação a Schelling e sua função no contexto histórico, esclarece Benedicto Sampaio e
Celso Frederico: “Pelo mesmo motivo – a insegurança dialética desse núcleo conceitual da
realidade –, a monarquia prussiana acabou por retirar o seu apoio semioficial ao pensamento
de Hegel. Em 1841 o rei convidou Schelling para preencher a cátedra de Hegel em Berlim, vaga
desde a sua morte, Schelling, nesse período, entendia a história como epifania, como
manifestação relevadora de Deus, e este como o fundamento da realidade. Desse modo, o
estado racional passou a ser substituído, no plano teórico, pelo estado teológico de investidura
divina. Com sua autoridade e prestígio, o velho Schelling deveria opor-se à influência crescente
dos jovens hegelianos. Significativamente, ele defendia há vários anos um conceito de
realidade que denominava ‘empírico-superior’, que consistia na recusa de toda e qualquer
fundamentação racional que escapasse à experiência religiosa da revelação: ‘fica sempre, no
fundo, o irregular, o não sujeito a normas (...) (que é) nas coisas, a base inapreensível da
realidade (...) algo que não é possível reduzir ao entendimento’. Para o velho Schelling, o real
não podia ser reduzido ao desenvolvimento racional, e isso, com certeza, reassegurava a
confiança da monarquia conservadora na fidelidade permanente dos súditos. Os cursos de
Schelling foram frequentados por Engels e Kierkegaard, como a representarem as duas
vertentes dissidentes do pensamento de Hegel: a da crítica ateia à teologização da razão e da
realidade, e a da crítica religiosa contra a sujeição de Deus à razão e, por conseguinte, contra a
racionalização da chamada realidade primeira. O pensamento filosófico da época iria,
portanto, cindir-se em torno da questão da natureza, do substrato autopropulsor, da realidade
na filosofia de Hegel. As divergências se centralizariam nas teorias a respeito de Deus e do
estado. Foi justamente nos termos dessa discussão que Marx se baseou, na busca da autonomia
doutrinária, sua proposta de um desdobramento racional ativo do futuro, contraditoriamente,
por meio de uma filosofia crítica, a de Feuerbach, que se dispunha antes à contemplação
passiva do mundo do que à sua modificação ativa.” (SAMPAIO; FREDERICO, 2009, pp. 22-3)