Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
José Deribaldo Gomes Santos
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em suas entranhas mais profundas, negar-se-ia a retórica da realidade baseada
na incapacidade de dominar os verdadeiros problemas decisivos. Essa retórica
embasada no individualista niilista é, exatamente, como aponta Lukács, a
marca da arte contemporânea. Como entende Lukács (1967b, p. 471)
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:
“Tratando-se do cubismo ou do futurismo, do surrealismo ou da arte abstrata,
a destruição dos fenômenos e da objetividade essencial ativa nos mesmos tem
sempre seu lugar, de um lado ou de outro”
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.
Não há como concluir sem fazer referência à natureza especificamente
decorativa da arte contemporânea. Como visto, a arte alegórica procura no
decorativo um sucedâneo para o “mundo” esteticamente conformado, ou seja,
para a mundanidade. Mesmo que o princípio decorativo, em comparação à
objetividade concreta criadora de mundo, seja abstrato, ele tem como função
organizar artisticamente a bidimensionalidade, que na alegoria fica estagnada.
Na alegoria-decorativa, no entanto, de um modo ou de outro e com maior ou
menor intensidade, preservam-se restos de objetividade que foi eliminada.
Essa preservação reflete exatamente a missão social que deu vida àquela
essência decorativo-alegórica.
Para Lukács, quando a arte que se diz de vanguarda se limita à
bidimensionalidade pura, mesmo quando elimina toda aspereza concreta
através do desenho geométrico, ainda assim, a obra acabada não pode ser
considerada um retorno ao antigo ornamento geométrico. Aqui se impõe,
inequivocamente, um princípio decorativo de especificidade moderna. Quanto
mais vigorosamente esse princípio é imposto, continua o esteta magiar, quanto
mais resolutamente ele remove das obras as coisidades concretamente
conformadas, mais claramente se manifesta a natureza do significado desse
princípio decorativo. O resultado disso é que, mais facilmente, o princípio
decorativo moderno consegue se destacar das alegorias e se transformar em
uma entidade vivamente independente.
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Tradução em espanhol: “Trátese del cubismo o del futurismo, del super-realismo o del arte
abstracto, la destrucción de los fenómenos y de la objetividad esencial activa en ellos tiene
siempre lugar, desde un lado o desde otro".
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Decididamente, para Lukács, tudo isso não esgota a produção estética contemporânea.
Algumas adaptações do realismo tradicional aos novos tempos podem ser encontradas
também na literatura, a exemplo de Joseph Conrad e Roger Martin du Gard, Sinclair Lewis e
Arnold Zweig, entre outras produções. Thomas Mann é, para o húngaro, quem “conseguiu
reconstruir em uma grande entidade total realista todos os elementos da vanguarda que são
realmente reflexos do atual modo de aparecer a essência, libertos das deformações desses
equilibristas experimentais” (LUKÁCS, 1967b, p. 472). Bertolt Brecht seria outro artista que
não poderia ser comparado à estranheza vanguardista. Como pensa o esteta magiar, a intenção
do dramaturgo alemão, “embarca precisamente no caminho oposto ao da chamada vanguarda”
(LUKÁCS, 1967b, p. 472). Essas poucas reações são muito mais ausentes nas artes plásticas
contemporâneas. Apenas em uma investigação histórico-materialista específica será possível
expor os motivos pelos quais o realismo foi quase que quebrado depois de artistas como, por
exemplo, Cézanne e Van Gogh. Há de se questionar também, “por que talentos tão grandes
como Matisse, ou criadores tão poderosos quanto Picasso, ficaram tão frequentemente presos
em uma experimentação problemática” (LUKÁCS, 1967b, p. 472).