VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, Lukács: 50 anos depois, ainda - mar. 2022
Para uma arqueologia do sentimento estético:
o papel da arte paleolítica na
Estética
de György Lukács
For an archeology of aesthetic sentiment:
the role of paleolithic art in the
Aesthetics
of György Lukács
Leandro Candido de Souza*
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir o
papel da arte paleolítica na elaboração da
Estética
lukácsiana, bem como avaliar sua
importância na definição de algumas categorias
que caracterizam os últimos trabalhos do autor.
Em um primeiro momento, estabeleceremos os
referenciais teóricos para a compreensão da
arquitetura categorial da obra e seus principais
objetivos filosóficos. Em seguida, a partir da
análise textual imanente dos capítulos em que o
tema é tratado com maior profundidade,
exploraremos definições como reflexo,
antropomorfização, mimesis e vida cotidiana, a
fim de identificar seus significados e nexos mais
relevantes. Como veremos, o interesse de Lukács
pela gênese do estético”, em particular pelas
pinturas rupestres franco-cantábricas, cumpriu a
importante função de especificar a peculiaridade
da atividade artística no processo de
humanização do homem: sua cismundanidade e
seu caráter evocador. Com base nos resultados
obtidos, sugerimos que o destaque dado ao tema
pode nos ajudar a solucionar algumas questões
sensíveis em sua obra tardia, como o conflito
entre seu projeto de “retorno a Marx” e o
horizonte teórico-metodológico de seu tempo,
em especial a tensão entre a inclinação
ontológica de seu materialismo e as imposições
estabelecidas pelo debate gnosiológico da época.
Palavras-chave: György Lukács; estética marxista;
ontologia; arte pré-histórica.
Abstract: This paper aims to discuss the role of
paleolithic art in the creation of a Lucacksian
Aesthetics
, while also looking at its importance
in determining some categories characteristic of
the creator's latest works. Theoretical references
are initially established in order to understand
the categorical architecture of the work and its
implicit philosophical objectives. This is followed
by a textual analysis within the chapters where
this topic is discussed with more depth,
exploring definitions such as
reflection,
anthropomorphization, mimesis and everyday
life
, in an effort to identity its meanings and
more relevant connections. We will see that
Lukács's interest in "aesthetic genesis",
particularly in Franco-Cantabrian cave paintings,
played an important role in specifying the
peculiarity of artistic activity in the process of
humanizing man: its
cismundanity
and his
evocative
nature. Based on the results found, it
is suggested that shining a light on this topic
can help us to resolve some sensitive issues in
his later work, such as the conflict between his
project to "return to Marx" and the theoretical-
methodological horizon of his time, especially
the tension between the ontological inclination
of his materialism and the impositions put in
place by the gnosiological debate of the time.
Keywords: György Lukács; Marxist aesthetic;
ontology; prehistoric art.
Para Lívia Cotrim (
in memoriam
)
*Doutor em história pela PUC-SP e pós-doutor pela Universidade Estadual Paulista (Unesp FCL -
Assis/Fapesp).
DOI 10.36638/1981-061X.2022.27.2.629
Para uma arqueologia do sentimento estético
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Introdução
Entre as décadas de 1880 e 1940, o pensamento europeu foi abalado por
sucessivas descobertas de pinturas paleolíticas em grutas na região que se estende
do nordeste da Espanha ao sudoeste francês. Esse é o período compreendido entre
as descobertas de Altamira e Lascaux, o mesmo intervalo de tempo que separa o
pioneiro opúsculo de Marcelino Sanz de Sautuola,
Breves apuntes sobre algunos
objetos prehistóricos de la provincia de Santander
(1880), e a consagração
internacional de Henri Breuil após quatro décadas de publicações sobre o assunto
1
.
O acúmulo de informações, reproduções e a ampla divulgação científica e midiática
(principalmente devido à popularização da fotografia) fizeram o assunto magnetizar
parte significativa do debate teórico e intelectual em torno das artes visuais no
segundo pós-guerra.
Um novo objeto, no sentido epistemológico, inseria-se no debate acadêmico e
intelectual europeu, provocando os mais diferentes rearranjos, como podemos
perceber na sucessão de obras que trataram do tema nas décadas seguintes
2
. Em
1950, Ernst Gombrich publicou sua
A
história da arte
(GOMBRICH, 1951, p. 19-32);
em 1951, Arnold Hauser lançou sua
História social da arte e da literatura
(HAUSER,
1995, p. 1-24); em 1953 foi a vez de Germain Bazin publicar
Histoire de l'art de la
préhistoire à nos jours
(BAZIN, 1953, p. 1-11); pouco depois, em 1962, saiu a
História da arte
de H. W. Janson (JANSON, 1969, p. 26-52) e, no ano seguinte, veio
à luz o mais conhecido estudo de Ernst Fischer,
A necessidade da arte
(FISCHER,
1987, p. 21-58). Foi a partir desse contexto que Lukács produziu sua
Estética
.
Apesar de ter se tornado tema obrigatório de toda história da arte redigida
desde então, a arte pré-histórica jamais foi objeto de reflexão estética ou, menos
1
As primeiras interpretações do significado das pinturas paleolíticas por Gabriel de Mortillet datam de
meados do século XIX, mas não resistiram à descoberta de “cavernas profundas” como Altamira
(Espanha, 1879), Combarelles e Font-de-Gaume (Dordogne, 1901), sendo então substituídas pelo
célebre escrito de Émile Cartailhac,
Les cavernes ornées de dessins. La grotte d'Altamira, Espagne.
« Mea culpa » d'un sceptique
(1902). Na mesma época, Henri Breuil deu início a seus trabalhos com
La
Caverne d’Altamira à Santillane près Santander (Espagne)
, de 1906, escrito com Émile Cartailhac, e
que foi sucedido por obras como
La Caverne de Font-de-Gaume aux Eyzies (Dordogne)
(1910, com
Louis Capitan e Denis Peyrony) e
Les Combarelles aux Eyzies (Dordogne)
(1924, novamente com
Louis Capitan e Denis Peyrony). Em 1952, depois de ter trabalhado em Lascaux, na África e outros
lugares, lançou
Quatre cents siècles d’art pariétal
(1952).
2
Apesar de as descobertas de pinturas em cavernas serem recentes, escritos sobre pinturas rupestres
em abrigos e falésias são conhecidos mais de dois mil anos, desde os textos de Han Fei (280-233
a.C.), ou, de modo mais sistemático, desde o livro
Shui jing zhu
(“Notas sobre os sistemas de rios”), do
geógrafo Li Daoyuan (c. 472-527 d.C.) (cf. BAHN, 1998, p. 1-29).
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ainda, de análises concretas, figurando em quase todos os casos como um
preâmbulo à discussão sobre a arte burguesa (autônoma). A principal exceção foi,
certamente, Ernst Fischer. Além disso, a conexão desse novo objeto com a história
da arte ocidental sempre apresentou muitas dificuldades, o que explica parcialmente
sua rápida desaparição do campo da arte a partir dos anos 1970. E isso ocorreu
apesar de ter ficado claro o potencial de
rendimento monopólico
3
associado a esses
bens culturais após a descoberta de Lascaux e com a massificação da fotografia. Essa
desaparição teórica se deveu, portanto, muito mais à dificuldade de conciliação entre
esses dois sistemas simbólicos tão diferentes que exigem reconsiderações teóricas
regularmente evitadas, quase sempre sob alegação de dificuldades inerentes à
distância temporal.
Como poderemos observar a partir do caso de Lukács, a desaparição do
assunto o sequestro da arte primitiva no debate sobre arte se deve menos à
superação das concepções cronológico-lineares ou evolucionistas dominantes até
meados do século passado (o que hoje conhecemos como “o fim da história da
arte”), do que ao fim do horizonte moderno que animou o interesse daquelas
grandes narrativas sobre a arte nas décadas anteriores. Desde meados de 1970, a
reflexão sobre o significado e alcance histórico da arte paleolítica coube quase que
exclusivamente à arqueologia, principalmente a partir do legado de Henri Breuil e
das inovações trazidas pelo estruturalismo de André Leroi-Gourhan, principalmente
por
Préhistoire de l'art occidental
(1965). Nos anos seguintes, os primeiros trabalhos
a se destacar foram os de Jean Clottes, David Lewis-Williams e Gerhard Bosinski,
seguidos por muitos outros, como os de Paul Bahn, Marc Azéma, José Luis
Sanchidrián, Carole Fritz e Margaret Conkey.
Lukács talvez tenha sido o último grande pensador da arte, o último esteta a
refletir sobre o assunto, e muito provavelmente também foi o que lhe dedicou maior
espaço, assumindo todas as implicações que esse objeto poderia gerar em seu
pensamento. A investigação sobre a “paradoxal essência artística da pintura
rupestre” se transformou em uma investigação sobre as bases reais da própria
gênese da arte, de tal modo que as grandes conquistas” da pintura rupestre ainda
3
Referimo-nos à ideia apresentada por David Harvey acerca do “poder” ou “privilégio” monopólico
associado a alegações de singularidade e autenticidade não duplicáveis de determinados produtos e
serviços, uma ampliação da observação de Marx sobre as implicações do “preço monopólico” nos
rendimentos de certas vinícolas, contida no terceiro livro de
O capital
(HARVEY, 2002, p. 94).
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estavam por ser encontradas. Como outros marxistas do período, Lukács aproveitou
essa vaga de descobertas arqueológicas para retomar as ideias de Marx e Engels
sobre o comunismo primitivo e os efeitos de sua dissolução, deslocando, assim, o
eixo das discussões estéticas para a função social da arte, permitindo uma solução
fecunda para os problemas diante dos quais quase todos seus contemporâneos
haviam recuado. Essa tendência teve seu ponto alto em sua
Estética
, projeto
assumido em meados da década de 1950, finalizado em 1960 e publicado em
1963. Sem dúvida, o principal trunfo dessa aplicação atualizada dos escritos de Marx
e Engels foram os trabalhos do arqueólogo australiano Gordon Childe, sempre à luz
dos “velhos pré-historiadores”, como Morgan, Tylor e Frazer.
O diferencial de sua
Estética
que delimita sua ruptura com o evolucionismo,
sem jamais abandonar as ideias de evolução e progresso é não estabelecer uma
discussão cronológica sobre a arte, como ocorreu com a maior parte de seus
contemporâneos, incluindo Arnold Hauser
4
e Ernst Fischer
5
, dois dos mais próximos
a seu pensamento. Os objetivos filosóficos de Lukács, em particular a inspiração
ontológica da obra, exigiram uma arrumação sistemática, mas não cronológica, que,
em última instância, buscava estatuir uma nova forma de pensar. Sua reflexão parte
do concreto (o cotidiano) e se desenvolve de modo materialista, dialético e
historiográfico, mas não se organiza por meio de uma exposição linear das etapas do
progresso do gênero humano, ainda que permaneça de um nítido eixo
evolucionista e uma menos perceptível epistemologia de origem hegeliana.
Desde que começou a preparar o terreno para sua grande estética,
notadamente com a publicação de seus
Prolegômenos a uma estética marxista
6
, em
1957, Lukács demonstrou uma inclinação a admitir a discussão do marxismo nos
4
Hauser redigiu sua
História social da arte e da literatura
ao longo da década de 1940, publicando-a
em 1951. Sua abordagem da arte pré-histórica começa pela discussão entre Alois Riegl e Gottfried
Semper, ainda no século XIX, até chegar aos então recentes trabalhos de Gordon Childe. Como
Fischer, ampara-se na teoria da arte pré-histórica/primitiva de Bücher, Tylor e Lévy-Bruhl, mas
conciliando-a com Hugo Obermaier e M.C. Burkitt.
5
Assim como a
Estética
de Lukács,
A necessidade da arte
de Ernst Fischer também foi escrita no final
da década de 1950 e lançada em 1963. Se a presença de pressupostos teóricos materialistas devido
ao aprofundamento do marxismo o coloca alguns passos à frente de Hauser, por outro lado, sua
abordagem é menos concreta, sem qualquer referência a estudos específicos sobre esse tipo de arte:
Marx, Engels, Childe, George Thomson que se juntam a Herder, Humboldt, Mauthner, Schiller, Morgan,
Pavlov, Bücher, Ruth Benedict, Frazer e Bachofen; todos textualmente citados apenas no capítulo
sobre as origens da arte.
6
Traduzida para o português por Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, e publicada em 1978
como
Introdução a uma estética marxista:
sobre a categoria da particularidade (LUKÁCS, 1978).
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“moldes tradicionais da divisão e classificação das ciências”, em um universo
extramarxiano que concebe um lugar próprio à lógica por meio da categoria da
particularidade
. Como demonstrou José Chasin, essa interrupção epistemológica no
trajeto que leva de Hegel a Marx é mais do que clara, naquela obra, no uso de Hegel
como contraposição a Kant e Schelling. De tal modo que, “quanto mais estritamente
lógico vai se tornando o discurso lukácsiano, tanto menos ele se ampara em
elementos teóricos e, por conseguinte, em citações diretas da obra marxiana, até que
estas desaparecem por completo dos enunciados” (CHASIN, 2009, pp. 165-176).
Na
Estética
, essa discussão sobre a
particularidade
acontece no capítulo 12,
demarcando uma alteração de percurso que confere primazia metodológica ao
concreto, neste caso, mais de mil páginas que fundamentam a origem cotidiana da
arte. Esse deslocamento da discussão sobre a
particularidade
como categoria central
da atividade estética, que na obra maior é tomada como algo que pode ser
deduzido
da análise estrutural da fundamentação e da especificidade do pôr estético
(PATRIOTA, 2010, p. 18), demonstra como sua
Estética
retifica muitas ênfases
presentes em seus
Prolegômenos
. Nos
Prolegômenos
, predomina a discussão com a
tradição de língua alemã, de Kant a Marx, passando por Hegel e Goethe, com um
pequeno acréscimo de Lênin, mas toda desenvolvida no interior da autonomia, que é
tomada como ponto de chegada dessa forma de reflexo.
Nesse aspecto, sua
Estética
encontra-se muito à frente, pois ela começa
refletindo sobre o cotidiano e depois se lança em um rastreamento genético das
categorias que se autonomizam. É aqui que entra a pré-história como desvio daquele
projeto esboçado nos
Prolegômenos
, a fim de contornar algumas de suas falhas,
entre as quais podemos incluir a própria adoção da definição alemã clássica da
particularidade
como centralidade do estético. Nada pequeno, esse deslocamento
indica uma preocupação com o enraizamento materialista e genético da arte, o que
acaba tornando mais claro o caráter tardio desta prática para o gênero humano.
Nosso objetivo nas próximas páginas é discutir esse importante capítulo da
produção teórica de Lukács, que, de muitas maneiras, sintetiza um tempo de
encerramento do debate estético pós-vanguardas históricas (BÜRGER, 2008, p. 184)
e que prenuncia a ideia de fim da história da arte. “A arte não está morta. O que
acaba é a sua história como progresso para o novo”. Também morre o esquema
narrativo da velha historiografia nascida com Varesi e que passou por Winckelmann e
Para uma arqueologia do sentimento estético
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a Escola de Viena, todos centrados na arte autonomamente compreendida que, no
segundo pós-guerra, se dissolvia no campo mais geral da cultura de massas
(BELTING, 2012, p. 206).
O projeto da
Estética
Como muitos de seus companheiros de geração, Lukács estava envolvido na
elaboração de uma teoria da arte em bases marxistas. Algumas das principais teses
dessa geração surgiram nas primeiras décadas do século XX, principalmente em
torno das leituras de
História e consciência de classe
por autores que hoje
associamos à Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamin, Kracauer etc.) e se aprofunda
durante o chamado “debate sobre o expressionismo”, envolvendo, entre outros,
Lukács, Benjamin, Bloch, Brecht e Adorno (cf. MACHADO, 2016). Em pouco mais de
uma década, praticamente sozinho, Lukács transformou o debate sobre o
expressionismo em uma discussão sobre o
realismo
, forçando os defensores do
primeiro a lutar em seu próprio campo e em seus próprios termos (JAMESON, 1980,
p. 200). Não só em decorrência da tentativa de ampliar os argumentos apresentados
anteriormente, mas como resultado legítimo das décadas de pesquisas que se
acumulavam na trajetória de cada um dos envolvidos, começaram a surgir as grandes
obras de síntese: Benjamin (
Passagens
, 1927-1940), Bloch (
O
princípio esperança
,
1939-1947), Kracauer (
Theory of film:
the redemption of physical reality, 1960) e
Adorno (
Teoria estética
, 1956-1969). A reflexão lukácsiana sobre a arte pré-histórica
nasceu nesse momento de síntese operada pelo marxismo de língua alemã outrora
quase todo adepto da forma
ensaio
no campo da reflexão estética. No seu caso, a
atenção dada às pinturas paleolíticas nos permite vislumbrar com maior nitidez o
peso de seu materialismo que recorre à antropologia evolucionista, à arqueologia
pré-histórica, à fisiologia pavloviana e ao que mais for necessário a fim de pôr à
prova os pressupostos que, cada vez mais, o sendo reorganizados nos moldes de
uma ontologia (TERTULIAN, 2003).
Como dissemos, a princípio, a
Estética
tinha como objetivo discutir alguns
desdobramentos concretos das ideias apresentadas em
Prolegômenos a uma estética
marxista
, sobretudo a definição da
particularidade
como categoria central da
atividade estética. No entanto, o primeiro e único volume redigido indica uma
considerável alteração de rota, voltando-se primordialmente à “fundamentação da
especificidade do pôr estético, a dedução da categoria específica da estética e a
Leandro Candido de Souza
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demarcação de suas fronteiras em relação a outros territórios”
7
, ou, em termos mais
resumidos, “a peculiaridade do estético”. Originalmente concebida em três volumes,
a obra ainda previa uma segunda parte que deveria se chamar “A obra de arte e o
comportamento estético” e, por fim, um último volume voltado ao “método do
materialismo histórico”, tal como aparece em diversas oportunidades ao longo do
único volume publicado. Esse programa teórico indica bem o universalismo filosófico
que Lukács extraiu da estética hegeliana, seu “modo histórico-sistemático de
sintetizar”, algo que ele perseguiu desde os primeiros anos da década de 1930,
como podemos notar, entre outros lugares, em
Marx e o problema da decadência
ideológica
(1938) e sua crítica à ausência de aspirações à universalidade em Max
Weber (cf. LUKÁCS, 2010, p. 63-ss.).
Essa sua fidelidade ao método marxista, no entanto, divergia em muitos
aspectos da “ortodoxia” proposta por
História e consciência de classe
(LUKÁCS,
2003, p. 63-104), como ele próprio assinalaria posteriormente em seu conhecido
prefácio de 1967. A diferença fundamental consiste no abandono do “caráter
epistêmico e apriorístico” de seu método, por mais que a divisão entre materialismo
histórico e materialismo dialético oficializada por Stalin permaneça no plano geral de
sua
Estética
. Estamos diante de uma tentativa de conciliação entre a análise do
“automovimento do ser social” e a “ortodoxia” que divide o marxismo em duas
disciplinas (materialismo histórico e materialismo dialético). Essa tensão
metodológica entre os
Manuscritos
de 1844 e a oficialidade gnósio-epistêmica do
período se manifesta com toda força em sua “teoria do reflexo”, que, na
Estética
,
passa a ser problematizada pelo acréscimo da ideia de “mimese” (FREDERICO, 2013,
p. 115)
8
.
Como afirmamos pouco, José Chasin criticou esse epistemologismo da
Estética
em
Marx Estatuto ontológico e resolução metodológica
(2009), ao
assinalar como a ênfase na
particularidade
não decorre da “absoluta precariedade
teórica e documental da argumentação lukácsiana”, mas também de sua adesão à
7
NB. Recorro excepcionalmente à tradução de Rainer Patriota para esta passagem do prólogo
lukácsiano (PATRIOTA, 2010, p. 18).
8
A teoria do reflexo lukácsiana, em 1963, assume características ontológicas e se distancia da teoria
do reflexo defendida por Engels, Lênin e o próprio Lukács em seu texto
Arte e verdade objetiva
, de
1934. A ideia de “reflexo” foi então redefinida como uma forma de ideação, de intelecção da matéria,
que assume uma forma específica de relação entre sujeito e objeto a partir da mimese (FREDERICO,
2013, p. 126).
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“fragilíssima tese do vínculo lógico entre Marx e Hegel” e, consequentemente, de sua
admissão de uma problemática “extrínseca às resoluções marxianas” (CHASIN, 2009,
p. 190). Rainer Patriota desdobrou os problemas detectados por Chasin,
aprofundando-os a partir de uma ótica atualizada, principalmente pelos trabalhos de
Nicolas Tertulian. Segundo Patriota, a
particularidade
(
Besonderheit
) é uma
“categoria tardia gestada no contexto da teoria do reflexo para dar sustentação ao
conceito de realismo e esclarecer a distinção entre arte e ciência” (PATRIOTA, 2010,
p. 17). Nem a categoria da
particularidade
, nem a teoria do reflexo são decisivas
para a organização da
Estética
, tendo mais a ver com uma pista fornecida por Goethe
e que Lukács seguiu naquilo que se tornou seus
Prolegômenos a uma estética
marxista
, uma concepção que acabou secundada na execução da
Estética
.
A arte primitiva ocupa parte importante desse novo perfil reflexivo, sendo
reconhecida como um dos pontos de realização de seu sistema materialista histórico-
dialético (que deveria ocupar os dois primeiros volumes dos três concebidos), por ser
um dos momentos em que se manifestam as grandes dificuldades, mas também os
logros, de seu método genético-ontológico. O modo como a
Estética
foi concebida e
aquilo que dela nos foi apresentado sinalizam que a reflexão sobre a
particularidade
foi relativizada, por mais que seus resultados tenham sido publicados à parte, como
Prolegômenos a uma estética marxista
. O capítulo 12 da
Estética
, dedicado à
particularidade
, difere do esforço anterior por seu posicionamento, soando como
uma recapitulação de questões trabalhadas nas páginas anteriores. Em muitos
aspectos, a
Estética
, ou ao menos seu primeiro livro, está mais próxima de uma
retomada em bases materialistas dos lineamentos de sua estética de juventude, no
sentido de uma retomada da fenomenologia do processo de identidade sujeito-
objeto, com a finalidade de deduzir a peculiaridade do estético e suas categorias
referenciadoras, a partir de sua gênese na vida cotidiana. É nessa problemática
relação entre “o velho e o novo” que reside um importante aspecto de seu projeto
de uma estética sistemática, pois ao retomá-lo Lukács reabilitou “a estrutura
essencial do projeto de Heidelberg”, ainda que operando constantes e substantivas
alterações que acabam por reformular o projeto original (PATRIOTA, 2010, p. 17-
ss)
9
.
9
A chamada “estética de Heidelberg” (ou “estética de juventude”) é composta por dois manuscritos,
Filosofia da arte
(1912-1914) e
Estética de Heidelberg
(1916-1918), abandonados por Lukács desde
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Esses são alguns dos problemas que surgem de seu projeto durante a segunda
metade da década de 1950, indicando que a importância concedida ao assunto “arte
pré-histórica” não atendia apenas ao interesse interno de desenvolvimento da teoria
lukácsiana, pois também funcionava como uma atualização materialista, científica, de
sua reflexão à luz do conhecimento de ponta da época, neste caso, da arqueologia e
seus mais recentes debates. A busca lukácsiana pela gênese da arte, decididamente
o conduz ao reconhecimento da arte como um produto histórico relativamente tardio
do processo de autodesenvolvimento da espécie humana, tal como esboçado nos
manuscritos marxianos de 1844: a arte é tão histórica quanto os sentidos e
sentimentos humanos que a fundamentam. Do mesmo modo que o olho se torna
olho humano quando seu objeto se converte em objeto social que medeia a relação
entre os homens, a arte se concretiza historicamente como forma de objetivação
decisiva nesse processo de autoformação dos cinco sentidos do homem. Os cinco
sentidos se tornam sentidos humanos tanto subjetivamente quanto objetivamente: “o
olho
humano
frui de maneira diversa da que o olho rude, não humano; o
ouvido
humano [frui] diferente da [maneira] do ouvido rude etc.” (MARX, 2008, p. 109). Uma
ideia que reencontramos na arte como antecipação do que está por vir, nos
Grundrisse
: “o objeto de arte como qualquer outro produto cria um público
capaz de apreciar a arte e de sentir prazer com a beleza. A produção, por
conseguinte, produz o somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito
para o objeto” (MARX, 2011, p. 66).
Esse enraizamento materialista permitiu a Lukács superar as definições
idealistas seja a negação do apriorismo das categorias do espírito em Kant, seja a
recusa à primazia da Ideia no idealismo objetivo de Hegel e reconhecer a essência
da arte “como resultado de um longo desenvolvimento histórico, de uma
necessidade surgida na vida cotidiana” e cujas categorias o “engendradas
concretamente pelo processo histórico-social” (FREDERICO, 2013, p. 116-119). Esse
o início de seu trabalho sobre Dostoiévski. Seu primeiro projeto de uma estética sistemática era,
assim, interrompido para dar lugar a um livro que deveria conter, para além do escritor russo, boa
parte da “ética metafísica e filosofia da história” do jovem húngaro. Deste novo livro, apenas a
primeira parte, redigida no inverno de 1914-1915, foi publicada em 1916, na revista de Max Dessoir,
com o título de
A teoria do romance
, e, como livro, em 1920, pela editora de Paul Cassirer (LUKÁCS,
2000). Apenas nos anos 1980, suas inacabadas
Anotações sobre Dostoiévski
foram publicadas.
Sobre a conexão entre gênero formal e questões éticas no jovem Lukács, veja-se: (MACHADO, 2004)
e (VAISMAN, 2005). Particularmente sobre a estética de Heidelberg, veja-se: (SILVA, 2021, p. 283-
366), e a respeito das permanências e rupturas entre as duas estéticas lukácsianas, veja-se:
(TERTULIAN, 1980, p. 107-156) e (PATRIOTA, 2010, p. 165-252).
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é o motivo de sua
Estética
começar pela reflexão sobre o cotidiano. Nos termos
lukácsianos, a arte é uma forma superior de reflexo que, em sua gênese, abrigava
simultaneamente as “formas abstratas” (ritmo, simetria, proporção, ornamento) e a
“mimese mágica”, mas que, com o tempo, torna-se independente, adquire
mundanidade e revela sua “essência” propriamente dita. A arte seria uma das formas
de objetivação do ser social que surge quando “as possibilidades latentes do reflexo
estético” presentes na vida cotidiana adquirem certa autonomia e se tornam um
“mundo próprio” afastado do cotidiano (FREDERICO, 2013, p. 117).
A arte mantém um vínculo antropomórfico com a vida cotidiana, com a magia e
com a religião, que se rarefaz com o tempo, na mesma medida em que diminuem
seus vínculos com a ciência
10
. Essa dupla separação é o que estabelece as categorias
específicas da arte em distinção das demais formas de reflexo, sendo que, segundo
Tertulian, cada categoria levantada por Lukács corresponde a um estágio
historicamente determinado da relação sujeito-objeto (TERTULIAN, 1980, p. 194).
Como se vê, esses dois grandes sistemas de objetivação, ciência e arte, são
concebidos por contraposição, nos termos da Introdução à
Contribuição à crítica da
economia política
de Marx, na qual está expresso que “o método cientificamente
correto” deve reconhecer que “o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas
determinações, portanto, unidade da diversidade”. Por esse mesmo motivo, ele deve
se concentrar na “reprodução do concreto por meio do pensamento” e não na
expressão de uma determinação abstrata”. Na ciência, o concreto aparece no
pensamento “como processo da síntese, como resultado”, embora ele também seja o
ponto de partida da intuição e da representação: “o todo como um todo de
pensamentos, tal como aparece na cabeça, é um produto da cabeça pensante que se
apropria do mundo do único modo que lhe é possível, um modo que é diferente de
sua apropriação artística, religiosa e prático-mental” (MARX, 2011, p. 77-79).
Essa afirmação da arte como “autocontemplação da subjetividade, isto é, como
uma forma desenvolvida da relação sujeito-objeto” (FREDERICO, 2013, p. 119)
configura uma “refundação da relação sujeito-objeto na estética” (PATRIOTA, 2010,
10
Guido Oldrini explicitou do seguinte modo o núcleo categorial que faz
teoria estética
e
científica
convergirem em Lukács: “o fato que, sendo a realidade una e contínua, as mesmas categorias
fundamentais devem necessariamente comparecer em todas as esferas da realidade o que não exclui
a existência de categorias específicas para cada uma” (OLDRINI, 2002, p. 60). É o
realismo ontológico
como aspiração a uma totalidade objetiva, o que inevitavelmente o põe diante dos mesmos problemas
da ciência: a relação entre sujeito e objeto, consciência e mundo.
Leandro Candido de Souza
160 | VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 150-181 - mar. 2022
p. 179-243): a radicação da atividade artística no cotidiano, como uma forma
desenvolvida de reflexo sistemático da relação sujeito-objeto, equivalente à ciência,
mas oposta a ela. Esse é o motivo de sua
Estética
começar por uma reflexão sobre o
cotidiano: este é seu ponto de saída e de chegada, como os pressupostos de
A
ideologia alemã
. Enquanto reflexo próprio da vida cotidiana, aquele materialismo
espontâneo” apegado à “imediatez do comportamento” (ao fenomênico, ao
heterogêneo e ao descontínuo) se mantém no reino do “homem inteiro”, ao passo
que a arte se dirige ao “homem inteiramente”, ao indivíduo que supera sua
singularidade e contata sua generidade (LUKÁCS, 1967b, p. 207-262)
11
. Como uma
forma superior de consciência, a arte se eleva do cotidiano a fim de orientá-lo por
meio de uma visão depurada, desprovida da universalização abstrata que caracteriza
as ciências.
A discussão tem início logo nos primeiros capítulos, em especial na parte
Princípios e começos da diferenciação
(LUKÁCS, 1966a, p. 81-145), com um
referencial parecido com o mobilizado por Ernst Fischer (FISCHER, 1987, p. 21-58),
chegando a citar outro trabalho desse mesmo autor,
Arte e humanidade
, publicado
em Viena, em 1949. Mas é no capítulo 6 que o tema da pintura rupestre é realmente
discutido (LUKÁCS, 1966b, p. 108-ss), com uma solidez teórica (não falamos apenas
de seu marxismo) incomparável, onde podemos encontrar o materialismo que faltou
a Hauser e a concretude do objeto ausente em Fischer, por exemplo
12
. Outra
diferença notável em relação a estes dois autores, como observaremos mais à frente,
é que a historicização lukácsiana das categorias estéticas não se confunde com a
tentativa de escrever uma história da arte, estando antes relacionada à determinação
do papel da arte no interior da história social, a peculiaridade do estético ante as
demais formas de reflexo da realidade. Além de levar ao campo da arte algumas das
questões levantadas pelos fundadores do marxismo em torno do comunismo
primitivo, em especial a importância da divisão do trabalho, Lukács desenvolveu uma
atualizada interpretação da arte do paleolítico superior, explorando uma fresta aberta
na história da arte pelas descobertas das grutas de Altamira, Combarelles, Font-de-
Gaume e Lascaux.
11
Agnes Heller apresentou uma aprofundada leitura das teses lukácsianas acerca da estrutura da vida
cotidiana, a partir dessa mesma contraposição entre “homem inteiro” (da vida cotidiana) e o “homem
inteiramente” (na experiência artística) (cf. HELLER, 1992, p. 17-41).
12
Cf. Notas 4 e 5.
Para uma arqueologia do sentimento estético
VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 150-181 - mar. 2022| 161
A gênese do objeto estético
Esse objetivo materialista de contornar um problema detectado na confecção
de seus
Prolegômenos a uma estética marxista
, inevitavelmente, impôs dificuldades
que foram expostas na seção
Princípios e começos da diferenciação
, primeiro passo
de seu esforço por especificar os termos que definem a gênese da atividade estética
como resultado evolutivo da complexificação do pensamento e da vida cotidiana dos
homens. Progressivamente, a relação sujeito-objeto adquire mediações que
engendram “sistemas de objetivação”, que Lukács também chamará de “formas
superiores” de reflexo. Em outros termos, apesar de admitir que “a essência da arte
não pode se separar de suas funções na sociedade, e não pode ser estudada a não
ser em estreita conexão com sua gênese, com seus pressupostos e condições”,
Lukács reconhece dois grandes obstáculos vinculados a essa necessidade
historicizante: a carência de estudos sobre o assunto em meados do século XX e a
distância temporal/cultural dos objetos analisados. Esse duplo condicionamento faz
com que Lukács busque a gênese dessa diferenciação entre as esferas da vida, por
meio de “hipóteses reconstrutivas dos fatos”, sempre inspirado na afirmação
marxiana de que “a anatomia do homem é a chave para a compreensão da anatomia
do macaco”. Seu “método reconstrutor” consistiria, portanto, em “explicar
reconstrutivamente partindo do estágio social superior ao estágio inferior” (LUKÁCS,
1966a, p. 81-83).
A decifração da essência da arte como fenômeno social só pode ser insinuada a
partir da captura da especificidade de sua gênese nos estágios sociais em que havia
o mínimo de objetivações, ou melhor, sua gênese coincide com a “gênese real das
objetivações” que desenvolvem os sentidos humanos a partir da
linguagem
e do
trabalho
, como descrito nos
Manuscritos econômico-filosóficos
de Marx, na
Dialética
da natureza
e na
Origem da família, da propriedade privada e do estado
de Engels, e
nos trabalhos de Gordon Childe. É esse processo de desprendimento das formas de
objetivação, em relação ao solo comum das atividades humanas, que pode explicar a
“peculiaridade qualitativa” dos sistemas ou formas superiores de objetivação por
meio dos quais se processa a “divisão do trabalho entre os sentidos humanos”. E
seguindo o caminho aberto principalmente por Childe, Lukács traça as primeiras
linhas de seu painel histórico dos estágios iniciais da evolução humana, desde a
fabricação dos primeiros machados a partir de seixos, até a colaboração coletiva que
introduz cada vez mais “mediações entre a necessidade e sua satisfação”, até o
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ponto de indagar sobre as leis e as necessidades objetivas (LUKÁCS, 1966a, p. 87).
O destaque concedido à análise de Ernst Fischer (
Arte e humanidade
) sobre a
correlação
sujeito-objeto
na determinação do modo específico de intercâmbio dos
homens entre si e com a natureza (possibilitado pelo trabalho e sua evolução
refletida na evolução da linguagem) reforça o eixo principal de sua argumentação: a
centralidade da relação sujeito-objeto, administrada por Lukács desde seu período
pré-marxista. Essa retomada materialista de certa fenomenologia da experiência
estética se lança, então, na decifração desse abandono da imediatez cotidiana para o
“descobrimento de conexões, de legalidades” que abriram o caminho para o domínio
humano sobre a realidade objetiva. Um domínio que é tanto mérito do trabalho
quanto da linguagem que evolui por meio de um movimento duplo: a superação
generalizante das limitações da imediatez e a cristalização do objetivo logrado como
uma segunda imediatez (LUKÁCS, 1966a, p. 92).
É de se suspeitar que Lukács não tratou a questão cronologicamente, porque
uma de suas principais preocupações teóricas sempre foi a investigação das
consequências que o “progresso desigual” produz no campo da arte. Outra prova
nesse mesmo sentido é o uso da palavra “primitivo” que, em seu vocabulário, não
corresponde a uma tipologia pré-estabelecida, mas a uma projeção no passado, de
modo que, em sua visão, uma sociedade pode ser mais ou menos primitiva de
acordo com o desenvolvimento de suas formas de objetivação, isto é, podem existir
mais ou menos mediações na relação sujeito-objeto e, nesse caso, o menos
corresponde a uma relação de maior proximidade com o momento originário em que
um grupo dos animais superiores se tornou humano. Aqui, mais uma vez, a
referência é a aproximação entre sociedades não-ocidentais, passado greco-romano-
judaico-cristão e os caçadores-coletores do paleolítico. Essa divisão agrupadora em
“níveis evolutivos” descende de boa parte de suas referências, em especial dos
citados “velhos pré-historiadores” evolucionistas, em especial Frazer.
O que permite a Lukács aproximar essas referências é, fundamentalmente, a
relação sujeito-objeto estabelecida por meio dos “sistemas da magia”, cujas
instituições e rituais passam a estruturar a consciência cotidiana e seu processo
nominativo, de modo a conceder poderes cada vez mais concentrados aos magos,
configurando o “momento de uma inicial divisão do trabalho” (LUKÁCS, 1966a, p.
103). Trata-se ainda de uma “magia prática”, que não se confunde com a religião,
Para uma arqueologia do sentimento estético
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pois possui um grau menor de generalização e maior domínio sobre a imediatez. Nos
povos mais primitivos, “os limites reconhecíveis entre mundo interno e mundo
externo estão mais esfumados, são mais imprecisos que no período religioso-
animista”, do mesmo modo que a relação predominante com o mundo externo é
desprovida de mediação ético-religiosa. Estamos nos passos de Frazer, que falou da
magia como um “sistema inautêntico” no qual a ciência é falsa, e a arte, estéril, e que
tem na analogia seu “principal veículo intelectual de generalização e sistematização
da vida cotidiana”. A fim de amplificar o materialismo de Frazer, Lukács recorre a
George Thomson:
A magia primitiva se baseia na ideia de que ao criar a ilusão de dominar a
realidade, domina-se realmente a ela. É uma técnica ilusória, complemento
da ausência de uma técnica real. De acordo com o baixo vel da produção,
o sujeito é imperfeitamente consciente do mundo externo, e, portanto, a
execução de um ritual prévio aparece como causa do êxito do
empreendimento; mas ao mesmo tempo, como orientação à ação, a magia
encarna a valiosa verdade de que o mundo externo pode realmente ser
alterado pelo comportamento subjetivo dos homens. (THOMSON
apud
LUKÁCS, 1966a, p. 107)
A descrição corresponde à definição clássica da
falsa consciência
como parte
integrante do fenômeno ideológico, tal como definido em
História e consciência de
classe
e que se tornaria posteriormente a base de desenvolvimento da teoria crítica.
Mas, ainda assim, apesar da complementação que enfatiza o aspecto de verdade
dessa falsa consciência, Lukács sublinha aquele que seria, em sua opinião, o principal
achado teórico de Frazer, e que estrutura todo o primeiro volume de sua
Estética
: “a
grande importância da imitação como fato elementar da relação do homem com a
realidade objetiva” (LUKÁCS, 1966a, p. 108). A imitação como primeira forma de
“reação primitiva, prático-imediata” ao reflexo imediato da realidade, ainda que se
mantendo no nível do pensamento analógico, portanto, sem a busca por conexões
causais. A evolução técnica que conduz do uso de seixos como ferramentas às
ferramentas propriamente tecnológicas é fruto da imitação, que, nesse momento do
texto, Lukács considera ser uma capacidade identificável em outros animais
superiores.
A diferença é que o conteúdo do reflexo e da imitação no homem primitivo tem
como meio a linguagem e o trabalho, isto é, não se efetiva de modo espontâneo
como no restante da natureza. A natureza se torna um objeto e o homem um sujeito
nessa relação, sendo que o próprio destacamento da relação homem-natureza é a
instauração da dualidade sujeito-objeto. Estamos ainda no plano do materialismo
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espontâneo da vida cotidiana, em que são empregados meios mágicos para a
realização de objetivos práticos, como caça, fertilidade, boa colheita etc. Nesse
sistema mágico estão presentes, amalgamados, os germens do que depois serão
arte, ciência e religião; uma “mistura inextricável” estabelecida em um “estágio inicial
de pré-diferenciação” que Engels chamou de “estupidez originária”. De todo modo,
magos, curandeiros e xamãs representam a primeira forma de divisão do trabalho,
ainda que falte a sua atividade uma orientação ética nascida do terreno da tradição e
da opinião pública (LUKÁCS, 1966b, p. 115).
O tema é desenvolvido no capítulo 5 (
Problemas da mimese. I. A gênese do
reflexo estético
), quando Lukács retoma a discussão sobre como o
trabalho
engendra
“modos de comportamento independentes”, como a arte e a ciência, mas agora o
acento recai sobre a diferença entre eles. A arte herda esse papel
antropomorfizador
,
sua tendência à
evocação emocional
, da magia e da religião. Lukács chega a chamar
essa herança de “aura”, e a afirmar que com o desenvolvimento da ciência tem lugar
“uma debilitação, uma degradação da aura”, sem, no entanto, fazer qualquer menção
a Walter Benjamin
13
. O que diferenciaria o sistema mágico de objetivação seria o fato
de ele operar suas sínteses do cotidiano a partir da
mimese
. As conformações
mimético-artísticas da realidade, ainda que orientadas a um fim mágico, têm efeitos
positivos enquanto imitação evocadora de reflexos da realidade, o que
evidentemente é diferente das objetivações propriamente estéticas, que “já não
imitam para determinados fins práticos”, pois se concentram “na intenção de
despertar no espectador determinadas ideias, convicções, determinados sentimentos,
paixões etc.” (LUKÁCS, 1966b, p. 38).
Essa é a principal distinção entre o reflexo estético e a magia, a despeito do
antropomorfismo em comum: a propriedade imanente da arte em
conceber a reprodução reflexa da realidade precisamente como reflexo,
13
Em seu clássico ensaio sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, de 1936,
Walter Benjamin falou das pinturas nas grutas da idade da pedra como exemplo primeiro da função
de
culto
da obra de arte, em contraposição ao valor de
exposição
na arte burguesa (perda da aura):
“Os dois polos [da história da arte] são o valor de culto da obra e seu valor de exposição. A produção
artística começa com imagens a serviço da magia. O que importa nessas imagens é que elas existem,
e não que sejam vistas. O alce, copiado pelo homem paleolítico nas paredes de sua caverna, é um
instrumento de magia, ocasionalmente exposto aos olhos dos outros homens, no máximo, ele deve
ser visto pelos espíritos. O valor de culto, como tal, quase obriga a manter secretas as obras de arte”
(BENJAMIN, 1987, pp. 172-173). Essa ideia benjaminiana de uma “perda da aura” decorrente da
reprodutibilidade técnica, no entanto, será contestada por Lukács na seção
O filme
, no capítulo 14
(LUKÁCS, 1967b, p. 174).
Para uma arqueologia do sentimento estético
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algo que se contrapõe à realidade transcendente da magia e da religião,
que atribuem realidade objetiva ao sistema de seus reflexos e exigem a
correspondente (LUKÁCS, 1966b, p. 40).
O afastamento da vida normal e a volta a ela por um meio homogêneo
evocador corresponde a uma
suspensão
temporal da relação direta com a própria
vida, uma característica notável na prática da magia. A imitação isola (separa
formalmente) o espectador do fluxo da vida cotidiana, pela criação de um universo
de “caráter espaço-temporal fechado e, portanto, necessariamente concentrado e
ordenador dos elementos desde um ponto de vista unitário”, oferecendo um mundo
homogêneo em que todos os momentos importantes da totalidade são apresentados
de um modo breve (LUKÁCS, 1966b, p. 52-53).
Esse acontecimento revela a dimensão qualitativa de uma ultrapassagem de
nível ocorrida com o surgimento do “desenho ou a construção dos personagens”,
dois produtos relativamente tardios da evolução humana.
A necessidade de caracterização individual tanto na vida quanto no
reflexo não aparece a não ser com os conflitos nascidos das relações
entre os indivíduos e a sociedade, ou seja, em um período posterior,
subsequente à dissolução do comunismo primitivo. (LUKÁCS, 1966b, p. 55)
O resultado é, como se sabe, o surgimento da literatura e sua centralização na
“colisão”, que encaminha a evolução social da arte para sua autonomia em relação à
dança ou ao canto, por exemplo.
É nesse momento que se concretizam novas categorias dessa forma de reflexo,
como o caráter profundamente social do típico e sua concentração dos fatos da vida
no reflexo que, antes do mundo burguês, foram mais típicos nas situações que nos
personagens. Enquanto o “típico primitivo” nascia das necessidades práticas da
magia, contendo os germens de divergência entre a magia e a arte, o típico
legitimamente artístico não pode começar enquanto não forem produzidas “colisões
entre o indivíduo e a totalidade”, a saber, após a “decomposição do comunismo
primitivo e o nascimento das primeiras diferenciações em classes” (LUKÁCS, 1966b,
p. 57). Essas correntes contrárias (arte/magia, imanência/transcendência,
interceder/evocar etc.) coexistem até o surgimento da finalidade estética do objeto
artístico e do sistema de objetivação superior que o possibilita.
É assim que a “generidade deixa de ser um objeto transcendente intencional da
singularidade” e passa a determiná-la de múltiplas maneiras, rompendo a unidade
imediata e orgânica do geral e do singular, originando uma nova categoria, a
Leandro Candido de Souza
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particularidade
. “Uma vez consumado esse processo, fica constituído o estético como
princípio real substantivo do desenvolvimento da humanidade”. Essa afirmação é
importante quando lembramos as recorrentes referências ao recurso metodológico
marxiano da anatomia do homem como chave para a compreensão da anatomia do
macaco, sua bússola teórica na busca da gênese da arte: “só a visão clara do ponto
de chegada pode iluminar as obscuridades do ponto de partida”. Ao menos nesse
sentido seu esforço sobre a
particularidade
se justifica, promovendo a conclusão de
que a arte é uma forma de reflexo distinta da ciência, por mais que haja uma
“identidade” entre suas categorias e conteúdos, uma vez que ambas refletem uma
mesma realidade
14
(LUKÁCS, 1966b, p. 65).
Como vimos, o sistema mágico de objetivações é o espaço em que se
configuram as principais categorias que serão encontradas nas práticas propriamente
estéticas, isto é, naquelas objetivadas em um sistema reflexivo próprio, no qual os
elementos evocadores da vida cotidiana sua pensada combinação, disposição,
intensificação etc. são conscientemente orientados para sua “verdadeira e concreta
essência” puramente evocadora. Nesse ponto, Lukács estabelece sua divergência em
relação à póstuma
Estética
(1953) de Nicolai Hartmann, reprovando sua não
vinculação entre a orientação consciente da ação estética e a vida cotidiana, uma
forma de reflexo que visa a transformar o
em-si
em um
para-nós
. Essa vivência
estética e sua potencialidade imanente, essa “entrega imediata a um complexo
unitário de imagens reflexas da realidade, sem ilusão alguma de estar em presença
da realidade mesma” é o que de mais característico na atividade artística
(LUKÁCS, 1966b, p. 71).
A amundanidade das pinturas paleolíticas
A arte surge, portanto, como um desdobramento daquela necessidade de
separação entre o cotidiano
lato sensu
e os conteúdos socialmente relevantes que
ele porta, a fim de expressar um efeito evocador concreto”; um expediente que,
como visto até aqui, estava presente no sistema gico, mas que foi
14
Conforme a definição lukácsiana apresentada no capítulo
O típico: problemas do conteúdo
, de seus
Prolegômenos a uma estética marxista
, o típico possui uma dimensão formal e de conteúdo: “um
conteúdo que deve conservar e fixar, aprofundando-a, a imediaticidade sensível das formas
fenomênicas, que deve renunciar a priori e em princípio a reproduzir a infinitude extensiva do mundo,
um conteúdo que deve atingir sua força de convicção exclusivamente a partir da força evocativa na
conformação da realidade reproduzida, um tal conteúdo deve dirigir o seu sentido universalizante a
fim de elevar a singularidade na particularidade” (LUKÁCS, 1978, p. 261).
Para uma arqueologia do sentimento estético
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progressivamente se desgarrando. Em muitos casos, também como já afirmado, essa
separação se apresenta como uma secularização das formas estabelecidas no
universo mágico que, não raro, são reaproveitadas pelas religiões (formas
transcendentes que instauram a ética como mediação da relação sujeito-objeto),
neste último caso, pouco alterando a posição social e a função da arte (LUKÁCS,
1966b, p. 103). Lembremos que para Lukács a imitação não está associada apenas à
arte, mas à sobrevivência nos animais superiores de uma forma mais ampla, não
sendo sequer uma exclusividade humana; uma constatação que ao longo do texto é
periodicamente associada ao
reflexo condicionado
como “princípio de antecipação
dos fenômenos reais”, tal como estabelecido por Pavlov. Esse é o enraizamento
material último para a ontogênese das formas superiores de reflexo associadas ao
trabalho
. A arte seria o resultado tardio dessa evolução dos sistemas de reflexo, na
qual formas anteriores, como o “adorno somático” e os instrumentos do “ornamento
puro”, adquirem uma dimensão estética, autenticamente autônoma no sentido da
produção de um “mundo próprio”, ultrapassando sua condição anterior de
amundanidade (LUKÁCS, 1966b, p. 109).
Esse é o processo de “desenvolvimento da mundanidade das formações
artísticas”, impossível de ser concretizado com os conteúdos sociais de seu começo.
Os limites mal definidos da relação sujeito-objeto nos momentos iniciais do homem
impediam o desenvolvimento desse modo específico de reflexo, que se caracteriza
pelas “formas puras de mimese” que medeiam a relação entre o homem
imediatamente dado” e sua “auto-objetivação no reflexo” (LUKÁCS, 1966b, p. 111).
O caráter sem mundo da ornamentística se desprende da essência da coisa,
de tal modo que inclusive quando a intenção original era de caráter
predominantemente mimético, como no caso dos caçadores do paleolítico,
o efeito é mais frequentemente o de um ornamento insuficientemente
alcançado do que o de um reflexo unilateral e excludente da realidade.
(LUKÁCS, 1966b, p. 112)
Por mais que falte mundo às pinturas do paleolítico, elas “provam que já estava
objetivamente presente a contraposição interna” entre as
formas estéticas
e o
conteúdo/finalidade gico
, dois princípios em si heterogêneos e dotados de uma
“impressionante fidelidade evocadora” (LUKÁCS, 1966b, p. 113). O que a descoberta
das grutas profundas, ocorrida no início do século XX, trouxe à discussão foi o
aspecto suplementar de quase invisibilidade expositiva de muitas das pinturas, “tão
difícil e laboriosamente acessíveis ao espectador que fica excluído que o motivo de
sua produção tenha podido ser a intenção de despertar uma impressão visual
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imediata e menos ainda um mero gosto visual”. Lukács chega, inclusive, a aventar a
possibilidade de diferentes funções das figuras a depender de sua localização mais
ou menos acessível, mais ou menos iluminada, algo que ele afirma a partir dos
estudos de Adama Van Scheltema
15
, Hoernes-Menghin e Herbert Kühn, o mais
importante do ponto de vista da pintura paleolítica. Além, evidentemente, de Gordon
Childe
16
.
Estava descartado o valor de exposição de parte considerável dessas obras,
para falarmos em termos benjaminianos, ou a intenção de “evocação visual”, para
nos mantermos na dicção lukácsiana estabelecida a partir de Herbert Kühn, por mais
que não se duvidasse do “fechamento e substantividade” de sua forma artística ou
da eficácia de sua ação evocadora, ainda que relacionada à magia. Importa a Lukács
a relação entre “a determinação mágica do conteúdo com as formações estéticas
produzidas por sua conformação”, sendo que quanto mais primitiva é uma
sociedade, maior é a tendência de mimese mágica e mimese estética se fundirem.
Nesse itinerário, a “obra figurativa” marca um nível de objetivação superior,
orientado ao estético, por mais que essas primeiras figuras possuíssem um evidente
papel mágico-ritualístico (imitativo ou de transposição), em uma terminologia que
pula de Frazer para Gehlen (LUKÁCS, 1966b, p. 116-120). Há nessas cavernas uma
lógica dupla que envolve a exposição e o culto das pinturas, que se reflete tanto na
alternância entre
lugares restritos/de difícil acesso
e
lugares espetaculares
, quanto na
sobreposição de imagens que ritualiza o próprio ato de gravar a parede, e cuja
finalidade transcende o efeito visual produzido. Essas cavernas são, ao mesmo
tempo, lugares liminares de conexão entre mundos, e por isso também são lugares
de poder, lugares em que a divisão social do trabalho se fixa pela primeira vez
17
.
15
Já utilizado na primeira seção do capítulo 4, e que reaparecerá nos capítulos 14 e 16.
16
À medida que o assunto se aprofunda, o mesmo ocorre com as referências: Pavlov, Scheltema,
Hoernes-Menghin, Herbert Kühn, Gordon Childe, Arnold Gehlen, Max Verworn, Lévy-Bruhl, Franz Boas
etc. Tylor é mencionado uma única vez ao longo de toda a obra, ainda que suas ideias estejam
presentes em muitas passagens. Mais impressionante é vermos uma única menção a Morgan como
alguém que inspirou Marx quanto às origens das sociedades, sem que sua obra seja utilizada
(LUKÁCS, 1967b, p. 550). Ernst Fischer é mencionado várias vezes nos primeiros capítulos e volta a
ser utilizado em capítulos futuros, enquanto a obra de Hauser não é citada.
17
A despeito das dificuldades impostas pela dualidade entre, por exemplo, a composição heterogênea
em Altamira e a disposição homogênea das figuras em Lascaux, a sacralização do lugar parece
indiscutível, seja pela repetição e sobreposição das figuras, seja pela inacessibilidade ou especialidade
multifuncional do local. A primeira característica, particularmente, além de testemunhar a sacralização
da parede e o recurso acumulativo de signos deixados por antepassados, tem um aspecto de “manual
do xamã”, de inscrições que transmitem um determinado saber. A escolha da(s) parede(s) a serem
pintadas não envolve, portanto, apenas questões “físicas” da superfície, mas também aquelas
Para uma arqueologia do sentimento estético
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Essa definição é mais uma prova da eficácia do materialismo de Lukács, pois o
permitiu, no campo da filosofia, adiantar em algumas décadas uma discussão que, na
arqueologia, se estabeleceria apenas nos anos 1980. Vale a pena especificar essa
afirmação, ainda que de maneira breve, para termos uma dimensão prática da
validade de seu materialismo, bem como alguns de seus resultados imediatos. Desde
que Salomon Reinach estabeleceu sua autocrítica em
L'art et la magie: à propos des
peintures et des gravures de l'Âge du Renne
”, em 1903, predominou nas ciências da
arte pré-histórica a ideia de “magia simpática” extraída de Frazer
18
, transformada nos
anos seguintes na tese da “magia da caça”, segundo a qual o “homem primitivo” ao
ferir sua figura, fere o animal real (CLOTTES, 2011, p. 26). Essa tese garantia a
requerida duplicidade das pinturas; mágicas e utilitárias ao mesmo tempo: a
ornamentação visível funcionaria como amuleto ou talismã, ao passo que as pinturas
mais escondidas teriam o objetivo de influenciar a realidade por meio de sua
representação
19
.
Outra implicação emerge daí, seu caráter mágico faz com que a
performatividade da pintura se torne tão importante quanto seu resultado visual;
uma explicação derivada da conjugação entre utilidade e magia que parecia explicar
as conhecidas sobreposições de figuras em uma mesma parede, denotando uma
ritualística. Na segunda metade do século XX, a metodologia estruturalista deu
alguns passos nessa direção com a sistematização do estudo dos modos de
agenciamento das figuras e suas técnicas e disposições, sem, no entanto, ter sido
capaz de fornecer novos elementos interpretativos
20
. Paralelamente, em 1951, o
historiador das religiões Mircea Eliade apresentou sua tese de que os homens do
relacionadas à iluminação, à acústica e à espiritualidade atribuída ao local (CLOTTES, 2011, p. 175-
189).
18
Essa ideia de “magia simpática”, na qual “imagem e realidade estão estreitamente ligadas e,
portanto, através da imagem pode-se influenciar diretamente sobre o real” (CLOTTES, 2011, p. 73)
estava presente no
Ramo de ouro
de Frazer, de 1890, mas com um destaque muito maior para o
caráter imitativo do comportamento mágico (cf. FRAZER, 1900, p. 7-128).
19
Na história da arte, essa mudança de paradigma interpretativo coincide com o fim da polêmica
iniciada por Alois Riegl, em 1893, sobre “origem imitativa naturalista” da arte, em contraposição à
“teoria mecanicista materialistade Gottfried Semper, existente desde 1860, que considerava a arte
como um subproduto cnico-prático da atividade manual que tende naturalmente à ornamentação.
Essa linha argumentativa de Riegl, que reconhece o pioneirismo das “formas de expressão
naturalisticamente imitativas”, foi seguida por Salomon Reinach, Henri Breuil, Hugo Obermaier,
Herbert Kühl, Adama van Scheltema, Gordon Childe e tantos outros que as obras de Lukács e Hauser
compartilham (cf. HAUSER, 1995, p. 994).
20
Em
Les religions de la préhistoire
:
paléolithique, de 1964, Leroi-Gourhan desconfiava da magia
como sistema explicativo, afirmando que ela “muito presumivelmente existia no Paleolítico, mas vimos
que nada a demonstra, nem as figuras, nem a organização”. Um ceticismo que se estendeu à
explicação via xamanismo (LEROI-GOURHAN, 1995, p. 134-136).
Leandro Candido de Souza
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paleolítico tiveram uma religião de tipo xamânico, a qual foi desenvolvida ao longo
da segunda metade do século até encontrar em David Lewis-Williams seu principal
difusor, no final dos anos 80. Quase dez anos depois, Jean Clottes aderiu a essa
interpretação (CLOTTES, 2011, p. 54-55). De modo surpreendentemente atual para a
época, Lukács falava em um universo de “fronteiras fluidas” (a partir de Frazer), em
“práticas xamanísticas” como formas exemplares para a compreensão das origens do
sistema mágico (a partir de Gehlen), e mencionava as “práticas dos curandeiros, dos
xamãs etc.” como “fenômeno generalíssimo da vida dos povos primitivos” (a partir
de
Psyche
, de Erwin Rohde) (LUKÁCS, 1966b, p. 36-49).
Podemos encontrar uma contraprova semelhante da eficácia da abordagem
lukácsiana em seu aparte sobre as pequenas estatuetas que os arqueólogos
costumam chamar de vênus”, com suas características sexuais exageradas,
provavelmente associadas a rituais de fecundidade. Lukács amplia de tal modo a
discussão que chega a tatear a ideia de que essas obras eram registros da definição
dos gêneros a partir de parâmetros de genitalidade nesse caso, pensando a partir
de
A origem da família, da propriedade privada e do Estado
o que também foi
demonstrado por estudos posteriores, como os de André Leroi-Gourhan (1965)
21
,
Jean Clottes (2011) e, fugindo da pintura parietal
stricto sensu
, John Zerzan
22
. Em
suas palavras, tais imagens indicam “que aqueles homens haviam entendido o papel
21
Durante os anos 1950 e 1960, a arqueologia também teve seu auge estruturalista, principalmente
em torno dos trabalhos de Leroi-Gourhan que refutavam a presença de aleatoriedade na inscrição dos
desenhos nas cavernas. Segundo Leroi-Gourhan, as imagens em toda a Europa Ocidental pareciam
estar organizadas em torno da binaridade masculino/feminino e em grupos específicos de animais e
diferentes formas de representação das genitálias; sem desconsiderar as sobredeterminações
oriundas, p. ex., da localização dos desenhos nas paredes, seus esquemas e, principalmente, os
elementos que permitem reconhecer as permanências estilísticas dos períodos, apesar da diferente
complexidade das imagens que não parecem obedecer à cronologia alguma (cf. LEROI-GOURHAN,
1995 p. 68-74).
22
Segundo Zerzan e seu anarco-primitivismo que radicaliza lições da
Dialética negativa
de Adorno, as
pinturas rupestres do paleolítico estavam criando, a um só tempo: 1) a submissão da mulher enquanto
natureza selvagem e perigosa a ser domada e 2) a capacidade humana de representar (o surgimento
do pensamento simbólico). Em trabalhos como
Futuro primitivo e outros ensaios
(ZERZAN, 1994) e
Patriarcado, civilização e as origens do gênero
(ZERZAN, 2011), o pensamento simbólico é
apresentado como decorrência e condição, portanto como necessidade, da dominação, uma vez que
os homens viveram mais de dois milhões de anos sem precisar dele. A agricultura e,
consequentemente, o rebaixamento da mulher à condição de Grande Mãe, isto é, reprodutora fértil de
homens e alimentos, a qual existe em todas as religiões camponesas, é muito recente, tendo apenas
10 mil anos. Sua explicação é a de que, uma vez que não existe na natureza nenhuma razão para a
divisão de gênero, a autodomesticação pela linguagem, pelo ritual e pela arte, que inspirou a
dominação de animais e plantas que lhe seguiu, teve que ser criada pela proibição tabu e naturalizada
pela ideologia ritual. São esses rituais que acentuam e facilitam novas renúncias em favor da divisão
do trabalho; e o primeiro registro de sua existência são justamente as pinturas rupestres do
paleolítico (ZERZAN, 1994).
Para uma arqueologia do sentimento estético
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da mulher na origem da nova vida, e que o generalizavam magicamente aos animais
e às plantas dos quais viviam” (LUKÁCS, 1966b, p. 120). A figuração simbólica é o
sinal decisivo da ascensão dos valores abstratos que caracterizam toda forma de
dominação, incluindo a nova etapa que se abre na organização da espiritualidade
com o advento da religião.
Mesmo que não pareça, esse é um momento crucial da reflexão desenvolvida
na
Estética
, no qual podemos identificar com maior nitidez “o papel da causalidade
no decurso da gênese do estético”, o que demonstra a existência nesta obra de
lineamentos teóricos que podem ser reconhecidos como ontológicos, “mesmo que
dita expressão não tenha sido utilizada, seja porque Lukács a associava com o
existencialismo, seja porque ele próprio não havia se dado conta da possibilidade de
uma ontologia em bases materialistas” (VAISMAN, 2007)
23
. A luta intestina que
existe na própria formação estética da arte se deve ao fato de que “o estético
começa por formar-se dentro do mundo ideal e emocional da magia” e apenas
depois produz nos homens o hábito de apreciar a criação de um mundo por parte da
arte, o que ocorre quando a evolução social sedimenta ideias e sentimentos que
despertam e aprofundam o estético, possibilitando “a peculiaridade do reflexo
artístico da realidade” (LUKÁCS, 1966b, p. 121). Dessa maneira, Lukács associa a
consolidação mimética da arte, não mágica, ao processo desigual de dissolução do
comunismo primitivo, que se manifesta no surgimento da pintura e da literatura,
artes que têm um caráter “imediatamente contemplativo” de evocação subjetiva de
ideias e emoções.
Esta formação de mundo se expressa formalmente no arredondamento e na
consumação internos da formação artística. Mas é claro que esse caráter
formal não pode ser mais que expressão imediata da consumada totalidade
do conteúdo [...]. Esta totalidade realizada do conteúdo constitui o
mundano das obras de arte, o caráter de independência em completude
interna. (LUKÁCS, 1966b, p. 122)
A experiência artística possui, portanto, duas dimensões, uma objetiva e outra
subjetiva. De um ponto de vista subjetivo sua consumação indica o caráter
23
Aqui, Ester Vaisman segue a já apresentada crítica de Chasin a Lukács (CHASIN, 2009, p. 139-219),
na qual o filósofo afirmou ser “impressionante notar que a própria
Estética
, em cuja arquitetura a
dimensão ontológica é patente, exiba a presença marcante da conciliação entre lineamentos do
ideário marxiano e a forma exterior da problemática do conhecimento. Em seu capítulo 13, na parte
voltada ao exame da categoria do
em-si
, pode-se apreciar com extrema clareza a manifestação dessa
ocorrência, na qual, à semelhança do que se passa no conjunto da história da ontologia aMarx, os
temas e os procedimentos propriamente ontológicos são embaralhados e confundidos com problemas
gnosiológicos” (CHASIN, 2009, p. 192-193).
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antropocêntrico do mundo representado, que se refere exclusiva e inevitavelmente
ao homem. Por outro lado, um aspecto objetivo em que o formalmente
consumado reflete a totalidade intensiva da realidade refigurada, suas
determinações essenciais, seus objetivos e suas relações”. Essa é uma das
características fundamentais da passagem da arte mágica para a estética,
diferenciando-se definitivamente da ornamentística, na qual as “imagens reflexas da
realidade objetiva” foram desenraizadas de seu habitat natural e inseridas em usos
“que não têm nada que ver com sua própria essência objetiva”. A ornamentística
seria, nesse sentido, um deslocamento semelhante ao que se com a alegoria, mas
com finalidade distinta, pois, neste caso, o ato artístico “faz com que sua
objetividade própria se atrofie em mero e decorativo simbolismo” (LUKÁCS, 1966b,
p. 123).
Essa eliminação programada de toda “realidade intensiva” dos objetos própria
à ornamentação, no entanto, configura um sistema particularmente diferente daquele
em que funciona a arte mágica e suas figuras soltas, desprovidas de qualquer marco
espacial representacional e sem uma linha que estabeleça alguma relação entre elas;
o que Lukács afirma a partir das descrições dos casos de Altamira, Font-de-Gaume e
Niaux. Apesar da ausência de unidade entre as figuras, tanto o esmero de sua
execução quanto a dupla funcionalidade de suas existências parecem corroborar as
afirmações de Gordon Childe mencionadas por Lukács, a respeito do sítio
magdaleniano de Limeuil, em Dordogne: “um verdadeiro mostruário de lâminas de
pedra e seixos, nos quais se gravou algo como esboços reduzidos das pinturas
rupestres”. Atestando não apenas a maestria técnica de seus executores, mas
também uma dedicação formativa especial, tais indícios permitem a ambos, Lukács e
Childe, considerar os primeiros artistas dos povos caçadores do paleolítico como os
“primeiros especialistas da história”, isto é, um grupo de profissionais ligados aos
ofícios rituais que seria mantido pelos demais produtores diretos da comunidade
(LUKÁCS, 1966b, p. 125).
Essa primeira forma de especialização teria sido o elemento fundamental para
esse autêntico “florescimento cultural” em uma economia bastante rudimentar,
assentada basicamente na caça e na coleta. Contraditoriamente, como não poderia
deixar de ser, o baixo nível da cultura material da época foi o reitor da miséria e do
esplendor daqueles povos, manifestando sua positividade por meio de um “talento
sensível de observação e fixação das singularidades do mundo circundante, em si
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extraordinário e muito superior ao das culturas posteriores” (LUKÁCS, 1966b, p.
128). Essa é, segundo Lukács, “a essência específica do grande período da pintura
rupestre”, o porquê de sua prematura imperfeição, única e irrepetível” que a torna,
ao mesmo tempo, realista e carente de mundo (LUKÁCS, 1966b, p. 124). Aqui, outra
vez, nos encontramos diante de um paradoxo, pois, para Lukács, realismo e
amundanidade são, esteticamente, pontas de uma contraposição excludente:
todo reflexo da realidade que não se detenha no nível superficial do
naturalista e imediato, que se oriente à reprodução da totalidade intensiva,
da totalidade das determinações essenciais e sensivelmente manifestas dos
objetos, cria uma espécie de mundo, com intenção ou sem ela. O paradoxo
das obras-primas da pintura rupestre paleolítica consiste em que os animais
reproduzidos, considerados como objetos soltos, parecem possuir essa
totalidade intensiva das determinações, ou seja, uma intenção de
mundanidade, enquanto, ao mesmo tempo, são representados
completamente isolados, em seu abstrato ser-para-si, como se sua
existência não estivesse em interação alguma com o espaço que as rodeia
imediatamente, para não falar de seu ambiente natural. Essas figuras estão,
pois, artisticamente fora de todo o mundo, e sua conformação é em
última instância amundanal (LUKÁCS, 1966b, p. 127).
Essa falta de mundanidade nas pinturas rupestres do paleolítico, essa falta de
uma apresentação dos objetos em suas relações com o mundo circundante e com as
relações ambientes, no entanto, não permite que se fale em mero naturalismo”, em
“mera imitação fiel” ou em “mera imitação fotográfica dos modelos singulares”, pois,
ao menos no caso das grandes pinturas do magdaleniano, a representação sempre
se orienta “energicamente ao típico, e os detalhes resultantes da verdade natural
estão submetidos à hierarquia artístico-realista; sua proximidade com a natureza não
é mais que um veículo para expressar pictoricamente, visualmente, a tipicidade
(LUKÁCS, 1966b, p. 127). A mesma singularização pictórica que representa os seres
existentes em um “ser-para-si absoluto, isolado”, por outro lado, suscita a ideia de
que existem determinações objetivas que, por não serem representadas, arrancam
tais imagens de sua singularidade e as convertem em “protótipos de si mesmo”
(LUKÁCS, 1966b, p. 127). A soltura de tais figuras seria um sinal de complexidade
ritual, assim como a busca das formações espeleológicas para sua execução o que
Jean Clottes chamou de “animais imanentes à rocha” (CLOTTES, 2011, p. 197)
indica que a pesquisa e seleção com finalidade representacional também faziam
parte do trabalho de dar forma a um estado de espírito em que as imagens têm mais
a ver com uma religiosidade fluida do que com o naturalismo que conhecemos da
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história da arte
24
.
A “perfeição extraordinária das obras”, que aparentemente contrasta com o
grau de desenvolvimento das forças produtivas que as possibilitaram, habita a
reminiscência distante daquele momento primevo e imaginado em que se
estabeleceu a divisão social do trabalho. Sua excepcionalidade na captação visual
sensível da realidade da época, que significou, antes de tudo, uma ultrapassagem de
horizontes que em breve (no mesolítico) desapareceria, foi possível graças a uma
provável profissionalização propiciada pela divisão social das tarefas. A “excepcional
altura dessa cultura de caçadores” (LUKÁCS, 1966b, p. 131) desapareceu assim que
as condições para sua existência deixaram de existir, sem “sequer abrir
possibilidades abstratas de continuação, para não falar de progresso imanente em
uma formação mais desenvolvida”. Com o fim da última era glacial e, mais
especificamente após o período das chamadas artes holocenas, as novas condições
de organização social exigiram novos todos para a produção e reprodução da
vida, de acordo com as transformações ocorridas nas condições ambientais (de caça
e coleta de alimentos). Em uma citação direta de Childe, Lukács sumariza: “quando as
geleiras derreteram, o bosque avançou por tundras e estepes, e as manadas de
mamutes, renas, bisões e cavalos imigraram ou se extinguiram. Com sua desaparição
se deterioraram também as culturas que haviam vivido deles” (LUKÁCS, 1966b, p.
126).
Considerações finais
As formas abstratas de reflexo que podemos encontrar na natureza (simetria,
proporção, ornamentalística etc.) se tornam evocadoras, se tornam
antropomorfizadoras, quando se distanciam da imediaticidade do trabalho, da
atividade cotidiana, para se tornarem um reflexo dela. Esses elementos
essencialmente formais e vazios, “objetivamente sem mundo próprio; e,
subjetivamente, sem sujeito”, entram no domínio estético quando conseguem se
desgarrar da utilidade, autonomizando-se. Ao fim e ao cabo, a falta de mundanidade
24
Não exagero em repetir que, apesar de reconhecer que nas pinturas rupestres o realismo
contrasta com a ausência de mundo (uma vez que suas figuras estão soltas, sem ligação com qualquer
entorno), Lukács jamais as associa ao
naturalismo
que ele depreciou desde a publicação do ensaio
Narrar ou descrever?
, de 1936 (LUKÁCS, 2010, pp. 149-185)
.
“Diferentemente da ornamentística, a
pintura rupestre é mimética, de modo que a ausência de mundo não nasce como consequência interna
e coerente de um princípio criador, mas antes aparece em contradição com sua base” (PATRIOTA,
2010, p. 156).
Para uma arqueologia do sentimento estético
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das pinturas paleolíticas é expressão da ausência de uma zona de mediações em que
se inscreve toda ação ética. Sua amundanidade é o registro histórico de uma
sociedade cujo sistema de atividades não tem espaço para a formulação ética
(TERTULIAN, 1991, p. 82).
A visão de mundo subjacente às pinturas do paleolítico não inclui nenhuma
ideia de “segunda natureza”, assim como não comporta nenhuma dualidade entre
matéria e espírito. Uma concepção do mundo mágica, fluida e complexa como esta
“impossibilita um para-si explícito tanto no pensamento quanto na criação de
figuras”, por mais que seja evidente nessa arte a vontade de dominar intelectual e
praticamente o espaço circundante (LUKÁCS, 1966b, p. 137). A evolução das formas,
e consequentemente a autoafirmação da arte como autoafirmação do homem, é uma
decorrência das tentativas de solução desse conflito entre o desenvolvimento
imanente da matéria expressiva (tendência estética) e a magia como sistema de
objetivação reflexa que responde aos novos e progressivos problemas que a vida
cotidiana coloca para a coletividade humana.
Se pretendemos descobrir de verdade a gênese filosófica do estético,
temos que esclarecer com todos seus paradoxos a correta determinação da
pintura rupestre paleolítica. Por um lado, sua magnífica força realística, por
outro, a impossibilidade radical de continuá-la e logo a necessidade
histórica e estética em que se a evolução da arte de começar em certo
modo desde o princípio o reflexo da realidade, milênios depois de haver
alcançado aquelas conquistas culminantes [...] Por isso é claro que a
mimese pictórica da realidade visível não pode cobrar o caráter de um
mundo, mas que se os objetos representados se encontram em uma
interação real, derivada de sua mesma objetividade, entre eles e com seu
entorno. O espaço pictórico ricamente conformado como unidade concreta
sensível-intelectual de tais complexos racionais é o único fator capaz de
evocar artisticamente a existência de um mundo. Se falta essa unidade
contraditória e concreta, a imagem carece daquela profundidade que
também sentimos falta na ornamentística, tem que se manter no decorativo-
ornamental, como as imagens dos bosquímanos e muitas pinturas rupestres
do sul da Espanha, diferentemente do que ocorre com as representações
animais que analisamos. (LUKÁCS, 1966b, p. 123-139)
25
Como afirmamos no início deste artigo, investigar a “paradoxal essência
artística da pintura rupestre” significa inquirir as bases reais da própria gênese da
experiência estética e questionar como ela possibilita, no campo antropomórfico, a
superação do sistema de reflexo estabelecido pela religião, por mais que ou
justamente porque a relação com o transcendente e as divergências entre reflexo
25
Note-se aqui mais uma semelhança entre a visão de Lukács e a posterior leitura de John Zerzan: a
busca de uma analogia entre a cultura de povos bosquímanos e os agrupamentos humanos que
viveram na Europa durante o paleolítico, dada a semelhança do modo de produção e,
presumivelmente, de organização social.
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mágico e reflexo estético se constituam como uma contradição interna da própria
mimese artística (LUKÁCS, 1966b, p. 77). No caso das pinturas paleolíticas, sua
essência estaria na inigualável “predisposição subjetiva para a observação” dos
fenômenos visuais em sua singularidade e tipicidade, uma finíssima sensibilidade
para o caso singular” que caracteriza esse estágio inicial da divisão do trabalho entre
os cinco sentidos, com um tendencial universalismo da visão e do ouvido. Essas
pinturas são a transposição artística dessas capacidades imprescindíveis para a vida
cotidiana” da época, o que foi possível pela divisão do trabalho e o nascente
profissionalismo artístico.
O referido caráter mágico seria, portanto, imposto “desde fora” a essa
necessidade inerente ao desenvolvimento da linguagem de maneira heteronômica,
diríamos nós. Suas conformações singulares, suas figuras de fundo puramente
espeleológico são “mimese da realidade para influir de modo favorável à
comunidade”. Um realismo que esquece o entorno dos objetos porque seu objetivo é
transcendental, determinado pelo caráter mágico de sua finalidade evocadora
calcada na “ubiquidade”: “o
páthos
dessa concentração sobre um objeto reproduzido
fora de todo entorno, mas concebido de um modo típico-realista, tem fundamentos
mais profundos que a ‘falsa consciência’ da magia, absolutamente dominante na
época” (LUKÁCS, 1966b, p. 133). Afinal, ao se orientar ao “evocador”, essas pinturas
desenvolviam artisticamente as específicas capacidades visuais e de concentração
(consequentemente a atenção e a comunicação) daqueles primitivos caçadores. Esse
é o momento de verdade dessa falsa consciência.
Longe de serem uma forma de ornamentação de grutas, cavernas, abrigos e
falésias, as pinturas do paleolítico são “uma antecipada e isolada erupção das
capacidades e possibilidades realista-miméticas do homem” que não logrou
continuidade, mas que tornou evidente “a união indissolúvel da mimese evocadora
com o realismo artístico”, ainda que falte “um dos rostos da mimese, a criação de
mundo, de modo tão completo quanto o da perfeição com que nos é apresentada a
produção realista do objeto”. Essa falta é compensada pela heteronomia do sistema
mágico em que tais objetos funcionam; ou seja, a função atribui um sentido que falta
à imanência da representação. uma “vontade de arte” nessa “mimese
magicamente determinada” que sublima emoções por meio da representação típico-
realista de objetos concentrados em figuras singulares e com total desprezo por seu
entorno (LUKÁCS, 1966b, p. 134).
Para uma arqueologia do sentimento estético
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Existe, portanto, uma vinculação direta entre a falta de “alegria cismundana” de
suas figuras isoladas (a ausência de reprodução da realidade dos homens) e sua
funcionalidade mágica, a qual Lukács considerou ser a “gênese do estético sob a
cobertura mágica” (LUKÁCS, 1966b, p. 60). A conexão dialética entre a evocação e o
mimético, o “efeito evocador das formas miméticas”, ou ainda, a imitação como
forma mais primitiva de expressão do trânsito do homem com a realidade, tanto em
sentido subjetivo quanto em sentido objetivo, é atravessada desde seu nascedouro
pela heteronomia de seu sistema de reflexo. No entanto, nas pinturas do paleolítico,
o elemento mais proeminente do humanismo do estético está presente como
“autoconsciência da humanidade”, como memória transmissível da luta pelo domínio
do mundo externo, da luta
contra
a natureza. A tantas vezes referida cismundanidade
da arte, sua concentração no “mundo de cá”, traz em si “o selo do antropocêntrico”,
pois cria uma realidade autônoma que absorve toda a vida, intelectual e emocional
do homem, a eleva, a intensifica e a aprofunda” (LUKÁCS, 1966b, p. 112).
Se a sensibilidade estética é um resultado tardio da relação sujeito-objeto, uma
emanação consideravelmente recente do processo histórico de autoconstrução
humana, a arte é a forma superior de objetivação imitativa, uma forma de
comunicação especificamente estabelecida por meio do envolvimento emocional do
destinatário, que nasceu junto à magia, passou pela religião, até se estabelecer
autonomamente. Ainda, se por um lado esse caráter evocativo (antropomorfizador) a
distingue da ciência, por outro ela se distancia da magia e da religião por sua
cismundanidade, por seu impulso imanente ao invés de transcendente (o reflexo da
realidade entendido como ficção fechada em si mesma). A diferença estaria, portanto,
na forma específica de evocação efetuada pela criação de um espaço homogêneo
destinado a evocar sentimentos humanos por meio da seleção e intensificação de
traços.
Manter a coerência e sustentar as exigências metodológicas concernentes à
busca da gênese dos processos, mesmo quando se trata de um objeto (a experiência
artística) cujas categorias são extemporâneas à origem e cuja gênese quase não
possui registro, foi uma tarefa arriscada à qual o velho Lukács não se furtou
26
. Talvez
26
Nicolas Tertulian destacou bem as dificuldades impostas pela tarefa: “Por mais rico que possa ser o
material fornecido pela arqueologia e etnografia a respeito das formas da arte primitiva, subsistem
vazios muito importantes e o tempo é um fator por demais irreversível para tornar possível uma
reconstituição histórica exata da gênese da arte. A essa dificuldade de ordem histórica vem se juntar
Leandro Candido de Souza
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por isso, a mesmo um de seus mais amargos desafetos, Adorno, sempre tenha
considerado sua personalidade “acima de tudo inquestionável”
27
(ADORNO, 2009, p.
173). O mesmo Adorno que no capítulo
Teorias sobre a origem da arte
, de sua
Teoria estética
, considerou esse debruçar lukácsiano sobre a penumbra da pré-
história” um esforço tão difícil como vão (ADORNO, 1982, p. 358), desconsiderando
assim a centralidade ontológica do presente no procedimento metodológico do
húngaro. Se a submissão do próprio método à prova da realidade foi uma das
consignas do pensamento de Lukács em seu caminho ontológico iniciado na década
de 1930 (cf. OLDRINI, 2002), do mesmo modo, seu trabalho com as grandes escalas
de tempo, com a reconstituição das grandes linhas e etapas decisivas do gênero
humano (mais uma marca do Lukács maduro) jamais se viu imobilizado por eventuais
lacunas do conhecimento histórico. Afinal, se “a anatomia do homem fornece a chave
para a anatomia do macaco”, o mergulho na gênese do objeto não se desliga nem
dissimula sua preocupação com as formas resultantes de seu desenvolvimento no
presente, neste caso, a arte autônoma burguesa
28
.
O reflexo artístico nasce do trabalho, da atividade prática que fez do homem
sujeito. O reflexo é a forma de consciência emanada dessa relação “entre as
causalidades do mundo exterior e a teleologia humana” (LUKÁCS, 1966b, p. 120), de
tal modo que muitas das categorias que estruturam as diferentes formas de reflexo
enraízam-se nos próprios fenômenos da natureza que, desse modo, assumem a
forma originária de reflexos incondicionados” da natureza do homem. O trabalho, a
ação teleológica humana, é o que alça essas categorias a sua dimensão propriamente
humana, ultrapassando a condição de reflexos condicionados” no sentido
pavloviano de um reflexo adquirido pelo exercício (experiência e repetição). A arte
surge quando a ação teleológica humana sobre a natureza “deixa de ser um
momento da vida cotidiana imediata para ser o reflexo desse momento” (LUKÁCS,
outra, de caráter teórico, possivelmente mais importante: a falta de material histórico suficiente não
corre o risco de levar a extrapolar às formas primitivas de arte um conceito tirado de suas formas
incomparavelmente mais evoluídas?” (TERTULIAN, 1980, p. 191).
27
“Lukács’s personal integrity is above all suspicion”, na tradução para o inglês por Rodney
Livingstone (JAMESON, 1980, p. 153); ou “A pessoa de Lukács está acima de qualquer dúvida”, na
tradução de Carlos Eduardo Jordão Machado e Marlene Holzhausen (MACHADO, 2016, p. 321).
28
Essa é a principal premissa metodológica de Peter Bürger no mencionado
Teoria da vanguarda
,
originalmente publicado em 1974. Sua interpretação das vanguardas como autocrítica da arte
(autônoma) na sociedade burguesa se a partir do modelo fornecido por Marx nos
Grundrisse
ao
analisar o cristianismo como “autocrítica” da religião: o método retroativo que permite ver o passado
como pré-história do presente (BÜRGER, 2008, p. 54-66).
Para uma arqueologia do sentimento estético
VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 150-181 - mar. 2022| 179
1966b, p. 122).
O paradoxo lukácsiano de uma arte mimética desprovida de mundo coaduna
com a ideia bastante atual da arte paleolítica como carente de significado por ser
puramente representacional e, portanto, plenamente adequada a um universo fluido
e complexo, no qual tudo está interconectado e a permeabilidade é uma regra. A
diferença é que, em Lukács, os paradoxos quase nunca são respostas, e suas
demonstrações são sempre buscas por uma
forma
ética, semelhante à tarefa do
ensaísta em
A alma e as formas
, ou ao herói romanesco em
A teoria do romance
, por
maiores que sejam as diferenças quanto ao
método
(Kant-Kierkegaard
vs
. Hegel-
Marx),
escala
(experimento-arte
vs
. sistema categorial) ou
visão de mundo
(melancolia-desamparo transcendental
vs.
realismo-comunismo) subjacente à síntese
operada. Em maio de 1960, essa busca desembocou no início do manuscrito que
viria a ser sua
Ontologia
, mas que inicialmente era pensado, claro, como uma
Ética
.
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Como citar:
SOUZA, Leandro Candido de. Para uma arqueologia do sentimento estético: o papel
da arte paleolítica na
Estética
de György Lukács.
Verinotio
, Rio das Ostras, v. 27, n.
2, pp. 150-181, mar. 2022.