John Bellamy Foster
uma 'inversão materialista' do próprio Marx” através do puro idealismo, tanto o
naturalismo-materialismo quanto o humanismo crítico devem ser rejeitados, em
conformidade geral com o heideggerianismo de esquerda89. A realidade material cede,
assim, o lugar ao Real abstrato. Essas visões conduzem a um afastamento de qualquer
práxis significativa, a um profundo pessimismo e a uma dialética do irracionalismo.
Sem nunca abordar seriamente a crise ecológica global ou a luta de classes contra o
capitalismo, necessária para evitar a ultrapassagem dos pontos de ruptura planetários,
Žižek declara alegremente que “Temos de assumir a catástrofe como o nosso
Tal irracionalismo em relação à crise ambiental do capitalismo também é evidente
na resposta de Žižek à atual ameaça crescente de um conflito nuclear entre a OTAN e
a Rússia no contexto da Guerra da Ucrânia. De fato, assistimos hoje a uma nova
destruição da razão, produto de um anti-humanismo confuso misturado com fervor
nacionalista. Isso é evidente na insistência de Žižek para que a OTAN continue a apoiar
a guerra na Ucrânia e se afaste das negociações de paz, apesar dos perigos crescentes
de uma disputa {exchange} termonuclear global que quase certamente aniquilaria toda
a humanidade, simplesmente para “salvar a pele”. Outros, como Noam Chomsky, que
levantaram a questão da relação com a crescente ameaça exterminadora global, são
erroneamente descartados por Žižek como apoiadores da Rússia de Putin. Em vez
disso, ele apela a uma OTAN global mais forte, capaz de combater tanto a Rússia
quanto a China. Nos é dito que a mesma “lógica” que governa a insistência da Rússia
89 Slavoj Žižek, “Where Is the Rift?: Marx, Lacan, Capitalism, and Ecology,” Los Angeles Review of Books
20 (January 2020); Žižek, Less than Nothing, 207. Žižek afirma que existem quatro formas relevantes
de materialismo hoje: (1) o materialismo vulgar reducionista (psicologia cognitiva, neo-Darwinismo), (2)
o ateísmo (Christopher Hitchens), (3) o materialismo discursivo (Michel Foucault), e o (4) “novo
materialismo” (Deleuze). O Marxismo é excluído da lista deliberadamente. A única rota para um
“materialismo dialético” viável, ele alega, contra Engels e Lênin, é por meio do “materialismo sem
materialismo”, via idealismo hegeliano levado a seus limites e reinterpretado por Jacques Lacan e
Heidegger. A “nova fundação do materialismo dialético”, de Žižek, enquanto uma filosofia niilista do
“menos que nada”, encontra sua justificação final não em Hegel ou Marx, mas em Heidegger. Slavoj
Žižek, Absolute Recoil, 5-7, 413-414.
90 Žižek, Less Than Nothing, 983-984, 207; Žižek, Absolute Recoil, 31, 107. Žižek apresenta a projeção
da catástrofe como nosso destino enquanto uma “solução radical”, em termos de uma jogada filosófica.
Contudo, a projeção não pode ser vista nem como “radical”, nem como uma “solução”, mas, sim,
simplesmente como uma projeção do suicídio cósmico como destino, dado que, em sua análise, não é
feita nenhuma tentativa de apontar um caminho de lutar contra esse “destino”. Para uma crítica da
abordagem idiossincrática e idealista de Žižek’s à dialética, ver Adrian Johnston, A New Dialectical
Idealism: Hegel, Žižek, and Dialectical Materialism (New York: Columbia University Press, 2018); ver
também Adrian Johnston, “Materialism without Materialism: Slavoj Žižek and the Disappearance of
Matter,” in Slavoj Žižek and Dialectical Materialism, ed. Agon Hamza e Frank Ruda (London: Palgrave
Macmillan, 2016), 3-22. Como aponta Johnston, a obra de Žižek constitui uma “traição, em vez de uma
reinvenção, do materialismo dialético” Johnston, “Materialism without Materialism,” 11.
Verinotio
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ISSN 1981- 061X v. 28, n. 2, pp. 383-413 - jul-dez; 2023
nova fase