DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.726  
Notas sobre “As formas que precederam a  
produção capitalista” dos Grundrisse e a  
centralidade do valor  
Notes on “Forms which preceded capitalist production”  
from the Grundrisse and the centrality of value  
Paulo Henrique Furtado de Araujo*  
Mariana Pacheco de Araujo**  
Resumo: Os Grundrisse são a primeira expressão  
da crítica ontológica da economia política feita  
por Marx. Ao tratar, das formas sociais que  
precedem a sociedade capitalista, Marx já se  
afastara da centralidade, até então atribuída, à  
forma jurídica da propriedade na explicação da  
dinâmica social de toda a historicidade do ser  
social. Aqui, Marx já vislumbra que na sociedade  
do capital há uma essência (valor) que é  
permanência na mudança e que se modifica na  
quantidade e não na qualidade e que, ao mesmo  
tempo, é a forma específica da riqueza, forma de  
dominação social específica da sociedade  
Abstract: The Grundrisse is the first expression  
of Marx's ontological critique of political  
economy. In dealing with the social forms that  
precede capitalist society, Marx had already  
departed from the centrality, until then  
attributed to the juridical form of property in  
explaining the social dynamics of the entire  
historicity of social being. Here, Marx already  
glimpses that in capitalist society there is an  
essence (value) which is permanence in change  
and which changes in quantity and not in quality  
and which, at the same time, is the specific form  
of wealth, the specific form of social domination  
of capitalist society, the self-mediating social  
form and the social medium. This substance only  
exists socially within an inexorable process of  
self-expansion that is named by Marx as capital.  
Capital thus reveals itself to be a logical  
constraint that at its most crucial level is  
independent of the juridical form of property to  
take effect in the human world.  
capitalista, forma social automediadora  
e
médium social. Essa substância só existe  
socialmente no interior de um inexorável  
processo de autoexpansão que é nomeado por  
Marx como capital. Capital, desse modo, revela-  
se um constrangimento lógico que em seu nível  
mais crucial independe da forma jurídica da  
propriedade para se efetivar no mundo humano.  
Palavras-chave: Marx; Grundrisse; formas de  
propriedade; valor; laço social.  
Keywords: Marx; Grundrisse; forms of property;  
value; social tie.  
Introdução  
Sustentamos que a instauração da teoria do valor por Marx é um marco na  
constituição do pensamento propriamente marxiano. Os manuscritos de 1857-58,  
conhecidos como Grundrisse, são a primeira expressão da crítica ontológica da  
*
Professor da Faculdade de Economia da UFF, professor do PPGE-UFF, membro do Niep-Marx-UFF e  
** Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela EAU-UFF, mestranda do IPPUR-UFRJ. Participante do Gepoc-  
UFF. Contato: mparaujo@id.uff.br.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2 jul.-dez., 2024  
nova fase  
   
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
economia política feita por Marx. Decorre que, em nosso entendimento, ao tratar, nesse  
manuscrito, das formas sociais que precedem a sociedade capitalista, o autor  
germânico já se afastara da centralidade, até então atribuída, à forma jurídica da  
propriedade na explicação da dinâmica social de toda a historicidade do ser social. Em  
outras palavras, Marx já vislumbra que na sociedade do capital há uma essência (valor)  
que é permanência na mudança e que se modifica na quantidade e não na qualidade  
e que, ao mesmo tempo é a forma específica da riqueza, forma de dominação social  
específica da sociedade capitalista (dominação abstrata), forma social automediadora  
e médium social (o que permite o laço social indireto entre os produtores, cf. POSTONE,  
2014; DUAYER; ARAUJO, 2015; 2020; 2022). Essa substância só existe socialmente  
no interior de um inexorável processo de autoexpansão que é nomeado por Marx como  
capital. Capital, desse modo, revela-se um constrangimento lógico que em seu nível  
mais crucial independe da forma jurídica da propriedade para se efetivar no mundo  
humano.  
Acreditamos que este é o marco no qual devém patente para o autor a  
inadequação de tomar a forma de propriedade enquanto chave explicativa de toda  
dinâmica do ser social. Ainda assim, Marx, ao examinar as formas que precedem a  
sociedade moderna, faz todo um esforço por diferenciar as formas de propriedade  
vigente em cada formação social sob escrutínio e parece sugerir que a propriedade da  
terra é uma forma do aparecimento da substância dessas formações sociais.  
Naturalmente, sabemos que há vários tipos de substância no ser social (cf. ARAUJO,  
2021) e, além disso, Marx parece ter por meta o desvendar dos modos pelos quais  
cada particularidade humana, ou personalidade singular, se conecta com sua  
comunidade. Em outras palavras, ele parece se ocupar de esclarecer quais são os laços  
sociais constitutivos de cada formação social específica que antecedeu a sociedade do  
capital, posto que, nos Grundrisse, ele já descobriu que o laço social, na sociedade  
moderna, o indivíduo traz no bolso (dinheiro forma autonomizada do valor, cf. MARX,  
2011).  
A chave de leitura aqui delineada exige a elucidação do que é a contradição  
fundamental da sociedade do capital e do próprio ser social. Para o marxismo  
tradicional, a contradição fundamental, em ambos os casos, se apresenta como a  
antítese entre relações de produção e forças produtivas. Com o desenvolvimento das  
forças produtivas, ou seja, com o aumento de produtividade, nos momentos iniciais de  
constituição do ser social, há a possibilidade de que os produtores dos valores de uso  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 221  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
não se apropriem da totalidade do que foi produzido por eles. Ou seja, surge um  
grupo de humanos não produtores que passa a explorar os produtores e constituem  
formas de propriedade que privam os produtores da possibilidade da economia de  
tempo de trabalho. Trata-se, para o marxismo tradicional, do surgimento da luta de  
classes que, apesar de decorrer da contradição fundamental, é o motor da história do  
ser social. Para esta leitura, na sociedade moderna, a sociedade do capital, a luta de  
classes se simplifica, pois se opõem duas classes fundamentais (burguesia e  
proletariado) e, ao mesmo tempo, a exploração se complexifica, pois se trata de  
extração de mais-valor que não se manifesta imediatamente aos produtores  
(proletários), mas de forma mediada pelos salários. Por este entendimento, a luta de  
classes é o que estrutura a sociabilidade do capital e a relação que constitui a classe  
antípoda ao capital portadora da missão histórica de emancipar a si mesma e a toda  
humanidade da propriedade privada e da exploração.  
Aceitando que a teoria do valor é o momento mais importante da constituição  
do pensamento marxiano e que trata-se de uma crítica ao trabalho produtor de  
mercadorias, pode-se compreender que a contradição fundamental da sociedade do  
capital (cf. ARAUJO, 2022b; POSTONE, 2014), e somente nela, é constituída pelo par  
antitético formador da categoria mercadoria (valor de uso e valor), do que decorre que,  
em última instância, trata-se de uma contradição que aciona uma forma específica de  
temporalidade (tempo abstrato) e, com ela, a constituição de um tipo único de  
dominação social a dominação temporal, impessoal. O que esclarece a perda da  
centralidade das formas jurídicas da propriedade na crítica de Marx à sociedade  
moderna e explicita que a crítica oferecida pelo autor é ao trabalho determinado por  
mercadoria1. Este só pode existir na sociedade do capital, na medida em que toda a  
sociedade já se encontra dividida entre uma massa humana que é obrigada a vender  
a mercadoria força de trabalho e uma pequena parcela que compra esta mercadoria  
força de trabalho. Ainda que os dois polos da operação sejam determinações do valor  
em expansão (capital) e que as singularidades humanas envolvidas na relação sejam  
máscaras de caráter de valor (vendedores e compradores de mercadorias), não há  
perda do livre arbítrio dos indivíduos. Eles mantêm sua liberdade de escolha, todavia,  
1 Em formações que precedem o modo de produção capitalista havia trabalho produtor de mercadorias.  
Todavia, esta era uma atividade lateral e não central a cada uma destas formações sociais. No  
capitalismo, todo trabalho é determinado pela obrigatoriedade de produzir valor, pois valor é o laço  
social que só pode existir na forma de mercadoria ou dinheiro (e o dinheiro, na sociedade moderna, é  
um tipo especial de mercadoria).  
Verinotio  
222 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
como toda escolha, sempre condicionada. Eis que se pode dizer que Marx ampara a  
ideia de que o valor (que só existe socialmente se expandindo) molda ou plasma as  
subjetividades humanas, além de plasmar a objetividade social de modo a garantir as  
condições para a sua perpétua reprodutibilidade. Neste caso, a luta de classes, as  
forças produtivas e as formas de produtividade têm no valor a prioridade ontológica  
no sentido luckácsiano (cf. LUKÁCS, 2013). Em outras palavras, há uma contradição  
entre relações de produção e forças produtivas na sociedade do capital que é  
plasmada pelo valor e por sua lógica. Naturalmente, isso não se aplica às formações  
sociais que antecederam o modo de produção capitalista.  
Duas questões, a partir da leitura sustentada no presente artigo, permaneceram  
pendentes: nas formações precedentes havia a contradição entre relações de produção  
e forças produtivas? A luta de classes era a chave explicativa dessas formações? A  
resposta adequada a ambas exigiria mais do que um artigo específico. Ainda assim,  
explicitando que buscamos arrimo na “Ontologia” de Lukács e na interpretação do  
marxismo proposta por Moishe Postone, adiantaremos os traços gerais da nossa  
compreensão a respeito desse conjunto de questões.  
Advogamos que a categoria trabalho universal/geral é fundante do ser social e  
a protoforma do agir humano (cf. LUKÁCS, 2012; 2013; ARAUJO, 2022d). Ou seja, o  
trabalho entendido como práxis humana vital, que se caracteriza pelo pôr teleológico,  
transforma o meio exterior ao indivíduo para o atendimento das necessidades (do  
estômago e do intelecto) do indivíduo e da comunidade a que ele pertence sendo  
evidente que esta práxis só pode ser efetivada coletivamente e é o que permite o  
salto ontológico do ser orgânico para o ser social. A formação puramente social  
humana tem por caráter distintivo se reproduzir de forma não mais muda. Se no ser  
orgânico a reprodução do indivíduo e do gênero está inscrita e determinada em seus  
cromossomos, no ser social a reprodução aciona, necessariamente, o novo. Esta  
novidade é cada vez mais puramente social, distanciando-se (sem poder jamais  
eliminar) os limites impostos à pura sociabilidade pelo ser natural (orgânico e  
inorgânico). Lukács, seguindo Marx, assinala que se trata de um processo de  
afastamento das barreiras naturais ou da manifestação da única lei transistórica do ser  
social: a lei da economia de tempo de trabalho (cf. MARX, 2011; 2017ª; 2017b;  
LUKÁCS, 2012; 2013). Economia de tempo de trabalho é decorrente do próprio  
trabalho universal/geral, é um corolário necessário deste. Todo trabalho humano  
objetiva e exterioriza ao mesmo tempo. A exteriorização retroage sobre o produtor  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 223  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
obrigando-o a corrigir e aperfeiçoar a práxis de trabalho. Portanto, ela aciona a  
economia de tempo de trabalho, o aumento de produtividade. Ocioso enfatizar que  
tarefas de trabalho executadas exitosamente, que efetivam a prévia ideação, são  
copiadas e reproduzidas pela comunidade a que pertence o trabalhador. O trabalho  
universal/geral em suas manifestações mais primevas já exige o desenvolvimento da  
subjetividade, da consciência, do intelecto do produtor. Ela dá partida à constituição  
da individuação (formação das personalidades), às formas de pensamento científicas –  
ocupadas de capturar do modo o mais adequado possível as legalidades do ser natural  
e social, aos valores ético-morais pois exige formas de comportamento nas tarefas  
coletivas de trabalho que sejam aceitáveis pela comunidade etc. Além disso, quando  
consideramos os pores teleológicos de segunda ordem (cf. LUKÁCS, 2013), que  
incidem sobre as consciências de outras singularidades humanas, podemos perceber  
que, na constituição de formas ideológicas2, a práxis humana vital é o modelo do agir  
(verifica-se o mesmo para todas as outras práxis humanas).  
A economia de tempo de trabalho manifesta-se de modo diferente nas  
diferentes formações socioeconômicas pelas quais o gênero humano se organizou  
historicamente. Naturalmente, ela possibilita o surgimento, em formações muito  
iniciais, de possuidores e não possuidores e, em formações posteriores, de  
proprietários e não proprietários. Em todas essas formações que precedem o modo  
de produção capitalista o laço social entre as singularidades humanas se dá de modo  
manifesto (laços parentais, costume, tradição, formas religiosas etc.) e a forma da  
propriedade é de fundamental importância para a efetivação do laço social manifesto.  
Estamos diante de uma contradição entre relações de produção e forças produtivas?  
Ainda que seja este o caso, há que se destacar que tal contradição não parece acionar  
uma historicidade direcional movida por uma substância que é o próprio trabalho  
abstrato em seu movimento autoexpansivo e que constitui um tempo abstrato que tem  
sua porosidade preenchida por uma pletora de valores de uso/mercadorias. Estas são  
características exclusivas da sociedade do capital. Além disso, permanece o desafio de  
se comprovar, com robustas fontes historiográficas, as formas de manifestação de tal  
contradição ao longo das várias formações socioeconômicas que precedem a  
sociedade do capital e, em particular, como a referida contradição conduz às fases de  
transição entre os modos de produção.  
2
Ideologia para Lukács, em sua concepção mais geral, é proposta de resolução dos conflitos sociais  
que se apossa da consciência da massa do povo em certos momentos.  
Verinotio  
224 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
Considerando o exposto até agora, podemos aduzir que no ser social há  
categorias3 simples que só desenvolvem todo o seu potencial [dýnamis] em um todo  
concreto mais complexo (cf. MARX, 2011). Em outras palavras, há amparo para  
dizermos que, em formações sociais pretéritas, é possível identificar protoformas de  
categorias que trazem em si uma potencialidade que só irá se realizar na sociedade  
complexa mais desenvolvida4 em termos do número de laços sociais que é a sociedade  
do capital. Por evidente, não se trata de algum tipo de teleologia histórica5, de um  
sujeito que põe um ponto de chegada no desenvolvimento do ser social e, tampouco,  
de algum anacronismo. Na verdade, aqui se adota a sugestão de Marx (2011, pp. 56-  
58) de que as formas categoriais mais desenvolvidas são uma chave para a  
compreensão das formas menos desenvolvidas e para a elucidação da gênese dos  
complexos sociais totais. Essas indicações nos permitem delinear nosso argumento a  
respeito da questão: as relações de produção das sociedades pretéritas são  
estruturadas por classes sociais e por suas lutas?  
No nosso entendimento é inadequado postular a existência de classes sociais  
plenamente constituídas em formações sociais anteriores à sociedade do capital.  
Assim, podemos fazer uma analogia com as categorias dinheiro e capital que aparecem  
em tais formações enquanto protoformas ou formas embrionárias das categorias  
dinheiro e capital plenamente constituídas encontradas somente no interior da  
sociedade do capital e com isso podemos amparar a ideia de que a categoria classe  
social, em sua forma plenamente efetivada, só se verifica na sociedade do capital (cf.  
ARAUJO, 2016; 2018; 2020b). Aqui as classes são corolário necessário do valor em  
expansão e suas lutas são moldadas pelo valor sem que engendrem, por si, um  
mecanismo de constituição de um sujeito antípoda ao capital e à sua lógica. Com isto,  
permanece o desafio de explicar o que produz a luta das protoformas de classes nas  
formações que antecedem o capitalismo, posto que valor em expansão só existe de  
forma generalizada na sociedade moderna. Trata-se de um mecanismo endógeno a  
cada modo de produção? O resultado é direcional, ou seja, aponta para o aumento  
3 “Categorias expressam formas de ser, determinações de existência” (MARX, 2011, p. 59).  
4 O desenvolvimento do ser social, em Lukács e Marx, é explicado pelo número de laços sociais que  
cada singularidade humana tem que estabelecer para se reproduzir e permitir a reprodução da  
totalidade da sociabilidade. Naturalmente, quanto maior a divisão social do trabalho, maior será o  
número de laços e, com eles, maior o afastamento da barreira natural.  
5 Lembrando que, segundo Lukács (2013), a teleologia existe e se restringe à práxis humana. Ainda que  
toda história do ser social seja resultado do agir humano e este agir só vem a ser através do pôr do  
fim, a teleologia não existe no âmbito da própria história do ser social.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 225  
nova fase  
     
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
dos laços sociais e para o afastamento da barreira natural? Mais uma vez, são  
perguntas que exigem um robusto arrimo bibliográfico para que comecem a ser  
adequadamente elucidadas.  
Por fim, registramos que o afastamento das barreiras naturais, a economia de  
tempo de trabalho, constitui a condição necessária para a constituição do que há de  
especificamente humano no ser humano. Lukács (2013) explica que a substância do  
ser social é permanência na mudança que também se modifica em cada forma de  
manifestação que se verifica ao longo das várias formações socioeconômicas. Essa  
substância é a humanização do humano ou a efetivação da omnilateralidade do ser  
humano, a humanização dos seus sentidos e a possibilidade da fruição da vida de  
modo especificamente humano (cf. ARAUJO, 2021). Não obstante, o processo de  
humanização do ser humano não se apresenta como uma tendência linear, na verdade  
ele é marcado por idas e vindas, avanços e recuos e, ainda assim, se tomarmos um  
arco temporal bastante dilatado é possível constatar factualmente o andamento desta  
processualidade. Ocorre que, essa processualidade sempre está associada ao  
estranhamento de cada singularidade em seu processo de individuação (formação da  
personalidade). De tal modo que há uma cisão entre os dois polos constitutivos do ser  
social: o indivíduo e o gênero. Melhor dizendo, o desenvolvimento das capacidades  
do gênero humano, o maior conhecimento e domínio sobre as legalidades do ser  
natural e social, estão associados ao bloqueio das possibilidades de efetivação da  
humanização da maior parte das individualidades. Neste sentido, em cada formação  
social há várias formas de estranhamento que se modificam de acordo com as  
alterações das formações socioeconômicas.  
Na sociedade do capital, no entanto, temos algo novo, distinto, a humanidade  
parece estar diante de um beco sem saída. Na sociedade moderna o laço social (valor)  
é objetivado na forma mercadoria, o laço é objetual, possui autonomia em relação aos  
produtores e uma vez produzido apaga a processualidade que o constitui enquanto  
mercadoria ou seja, produzir mercadorias é produzir reificação, fetiche (cf. POSTONE,  
2014; DUAYER; ARAUJO, 2015; 2020; 2022; ARAUJO, 2021; 2022a). Lukács (2013)  
adverte que esta não é uma reificação inocente, muito pelo contrário, trata-se de uma  
reificação autoestranhadora, produtora de estranhamento social. Ou seja, produtora  
de uma sociedade alienada em que os produtos do trabalho humano dominam as vidas  
dos produtores sem que essa dominação apareça diretamente enquanto tal para estes  
produtores. Como a sociedade do capital, por sua lógica imanente, é uma máquina  
Verinotio  
226 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
fantástica de aumento de produtividade, de recuo das barreiras naturais, ela traz  
consigo, em potência [dýnamis], a possibilidade de uma maior humanização do ser  
humano e, ao mesmo tempo, como valor é trabalho humano abstrato e a lógica do  
capital é a lógica da ampliação do valor, ela exige o aumento permanente do trabalho  
(tanto intensivo quanto extensivo) de modo a inviabilizar o tempo livre da  
obrigatoriedade do trabalho para a massa do povo produtor. Não podemos perder de  
vista que, além disso, a contradição fundamental, entre valor de uso e valor, aciona o  
aumento da composição do capital e a formação de uma, cada vez maior e permanente,  
população supranumerária (cf. ARAUJO, 2022c) cuja consumação histórica é vir a ser  
a massa do povo [Volksmasse] composta, em sua maior parte, pelo sedimento mais  
baixo da antiga classe trabalhadora produtiva. O que delineia o advento da pura  
barbárie da sociedade do capital e do colapso dessa formação social (cf. ARAUJO,  
2022c).  
Formas de propriedade e mediação social  
Marx (2011) inicia a exposição das formas de propriedade na seção Formas que  
precederam a produção capitalista (título dado pela edição Instituto Marx-Engels-  
Lênin) dos Grundrisse, destacando que a sociabilidade do capital que, como  
sabemos, é arrimada pelo valor enquanto médium do laço social indireto entre os  
produtores tem por pressuposto a existência de trabalhadores livres e a imposição  
da venda da força de trabalho por dinheiro (salário). Em outras palavras, o acento é  
dado à mudança radical do tipo de laço social que se instaura com o advento da  
sociedade do capital. Marx inicia por destacar que os laços sociais manifestos das  
formas que precederam a produção capitalista têm que desaparecer para que o novo  
laço social indireto, e sua formação social específica, emerjam. É cristalino que esse  
devir exige a separação do produtor das condições objetivas de trabalho, sua  
separação dos objetos e meios de trabalho. Como a vinculação do produto à terra era  
a marca comum de todas as formações sociais que antecederam a sociedade do capital,  
o filósofo alemão se ocupa em esclarecer as linhas gerais dessas principais formações  
socioeconômicas e enfatiza que em todas elas o trabalhador tinha na terra o seu  
laboratório natural e se relacionava “consigo mesmo como proprietário, como senhor  
das condições de sua realidade” (MARX, 2011, p. 388). Decorre que esse produtor se  
relacionava com os outros indivíduos e com sua comunidade como proprietários ou  
coproprietários a depender de se o pressuposto da propriedade da terra é posto  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 227  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
pela comunidade ou pelas famílias singulares que estruturam a comunidade. Nos dois  
casos os laços sociais não articulam produtores, mas proprietários que são membros  
da comunidade e, simultaneamente, produtores/trabalhadores. Os trabalhos  
executados não têm por meta a produção de valor, por evidente, mas a reprodução  
do indivíduo produtor, enquanto proprietário, de sua família e de sua comunidade.  
Demarcado o terreno no interior do qual se movimenta, o autor passa a tratar  
das formas de propriedade que tipificam as formações socioeconômicas que  
antecederam a sociedade moderna e que serão dissolvidas a partir do florescimento  
da sociabilidade fundada no valor.  
A primeira forma de propriedade de terras, analisada por Marx, é aquela que se  
apresenta como pressuposto inicial da comunidade natural constituída por famílias,  
clãs ou combinação de clãs. Neste caso, em seus primórdios, a vida pastoril nômade  
era a característica dominante e o pertencimento à comunidade é o pressuposto para  
a posse e uso do solo, ainda que de modo temporário. A subsequente fixação da  
comunidade provocará necessariamente modificações (sobredeterminadas por  
condições climáticas, geográficas etc. e por suas características tribais específicas)  
originando a coletividade tribal enquanto “comunidade de sangue, linguagem,  
costumes etc.” (MARX, 2011, p. 389) que é, pelo autor, identificada como “o primeiro  
pressuposto [...] da apropriação das condições objetivas da sua vida e da atividade  
que a reproduz e objetiva” (Idem). Marx destaca o limite da natureza na estruturação  
do ser social nesta primeira forma de comunidade humana. Traço que permanecerá  
nas três formas subsequentes, conforme demonstraremos em seguida, e que será  
superado na primeira formação puramente social (a sociedade do capital) na qual a  
barreira da natureza é suprassumida por uma forma de manifestação do ser social  
organizada por um conjunto categorial puramente social. Aqui estamos enfatizando,  
mais uma vez que, na sociedade do capital, o valor (trabalho abstrato) é o médium das  
ligações sociais entre os humanos e não a forma da propriedade.  
Ainda sobre a primeira forma de propriedade, Marx, corretamente, ressalta que  
a terra (natureza) é objeto de trabalho pré-existente para a comunidade, constituindo-  
se em sua sede e arrimo. A terra, neste momento, é propriedade da comunidade e a  
comunidade se realiza e reproduz a partir do trabalho vivo associado à terra. Decorre  
que o processo de trabalho só pode se efetivar na medida em que cada particularidade  
humana age como possuidor ou proprietário da terra, sendo que tal pressuposto é  
tomado, subjetivamente, como desígnio divino ou da própria natureza. Marx (2011, p.  
Verinotio  
228 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
389) adverte que esta forma de propriedade se apresenta de formas diversificadas  
como ocorre, por exemplo, nas formas asiáticas primordiais em que a unidade social  
se expressa ou manifesta como o proprietário último (déspota, imperador, rei etc.) e  
as comunidades, a ele subordinadas, são possuidoras hereditárias da terra. Neste caso,  
como a unidade da comunidade se manifesta como um particular acima do universal,  
que são as comunidades a ele subsumidas, o indivíduo é apartado da propriedade da  
terra. Dizendo de outro modo, a propriedade da terra surge, para esse indivíduo,  
através da mediação do déspota e da comunidade particular à qual o indivíduo singular  
pertence. A unidade geral da comunidade, portanto, sua forma de manifestação, é  
suprimida. O resultado, prossegue Marx, é que o excedente produzido é de  
propriedade da unidade suprema (o déspota). E isso explica como na forma asiática –  
em que há um despotismo com aparente ausência de propriedade jurídica da terra  
pelas comunidades e individualidades humanas , ocorre propriedade comunitária  
constituída por uma produção autossuficiente efetuada pelas pequenas propriedades  
e que articula agricultura e atividades manufatureiras e tem condições de se  
reproduzirem e, ao mesmo tempo, gerarem mais-produto. Esse mais-produto em parte  
é apropriado pela comunidade e em parte é apropriado pela unidade geral da  
coletividade na figura do déspota ou de alguma divindade religiosa.  
Para Marx, essa forma de propriedade comunitária pode se apresentar: (a) de  
maneira que as pequenas comunidades se reproduzem de modo vegetativo e sem  
estreitarem vínculos entre si. No interior dessas pequenas comunidades os produtores  
trabalham com suas famílias nas glebas de terra que lhes foram destinadas e este é o  
fundamento do controle senhorial que Marx identifica nas comunidades eslavas,  
romenas etc. e que são “a causa da transição para a servidão etc.” (MARX, 2011, p.  
390). (b) A unidade coletiva ou da comunidade pode abarcar o próprio trabalho e sua  
necessária característica coletiva originando um sistema formal de trabalho coletivo  
como, prossegue Marx, é o caso verificado no México, no Peru, entre os celtas e em  
algumas tribos hindus. Ele avança dizendo que comunidades mais despóticas ou mais  
democráticas podem ser explicadas a partir do modo pelo qual o referido caráter  
coletivo do trabalho, enquanto unidade comunal, aparece num caso como a autoridade  
do chefe da família tribal e noutro como relação mútua entre os chefes das famílias  
que constituem a comunidade.  
Por fim, Marx constata que: (a) as condições de produção coletivas (aquedutos,  
meios de comunicação etc.) que são decisivas para a efetivação do trabalho e  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 229  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
apropriação da produção de valores de uso, aparecem, nessas comunidades que estão  
associadas a este tipo de propriedade da terra, como realização do governo despótico  
autonomizado em relação às próprias comunidades. (b) Nesse período histórico e  
considerando essa forma de propriedade, as cidades têm duas possíveis origens: (1)  
em pontos geográficos favoráveis ao comércio exterior e, portanto, ao lado das  
pequenas comunidades; (2) nos espaços geográficos em que o déspota, e toda  
burocracia religiosa e militar, escolhiam para a constituição do espaço urbano e  
trocavam o produto excedente apropriado das comunidades por trabalho de todo tipo.  
Antes de passarmos à segunda forma de propriedade analisada por Marx, cabe realçar  
que aqui não há, como sustenta, por exemplo, Lefebvre (2001)6, a constituição da  
cidade como sujeito da história humana que, ao surgir, instaura uma contradição  
fundamental com o campo e explica a própria dinâmica histórica. O que Marx oferta é  
algo muito distinto, ele explora a instauração de um laço social direto que tem na terra  
sua essência ou médium e esclarece que essa essência pode se manifestar através de  
formas sociais diversas que, em certos casos, propiciam o surgimento do espaço  
urbano (cidades). Estas, por seu turno, apenas guardam semelhança com as cidades  
modernas7, posto que se no primeiro caso há a expressão de uma essência dada pela  
forma de propriedade da terra, no segundo caso a dinâmica social e, por extensão, do  
espaço urbano, é dada pela essência totalizadora da sociedade moderna o valor  
(trabalho abstrato) em expansão.  
A segunda forma de propriedade, esclarece Marx (2011, p. 390), é resultado  
do acaso e de mudanças das tribos mais antigas, o que ocorre no interior de uma  
maior movimentação da vida dessas comunidades ao longo de sua história. Essa forma,  
de modo semelhante ao verificado com a primeira forma de propriedade, tem a  
comunidade (agrupamento de famílias e clãs) como pressuposto. Não obstante, se na  
primeira forma a propriedade da terra é a definidora da comunidade e cada  
singularidade humana é um componente acidental ou natural da comunidade, na  
segunda forma a propriedade da terra já não é o fundamento da comunidade. Ao  
revés, a cidade é o centro estabelecido dos proprietários da terra. Agora o espaço  
urbano não é mera extensão do espaço rural, ocorrendo o exato oposto: o rural é o  
6 Para Lefebvre (2001, p. 49), “o Sujeito da história é incontestavelmente a Cidade”. Assim, ele pontua  
que Marx não exprime verbalmente, apesar de indicar, para ele, que a cidade, atuando de forma  
transistórica em todas as formações sociais humanas, seria o sujeito com agência capaz de modificar os  
seres humanos e suas relações servindo como catalisador das movimentações sociais.  
7 Mais uma protoforma categorial, de acordo com o que argumentamos mais acima.  
Verinotio  
230 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
   
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
território da cidade. Nas formações sociais caracterizadas por esta segunda forma de  
propriedade, a comunidade não tem na própria terra (que é objeto de trabalho pré-  
existente) empecilhos à sua reprodução social. Os entraves que surgem têm por origem  
outras comunidades que já ocupam espaços territoriais ou que ameaçam a comunidade  
em questão com a tomada de seu próprio espaço territorial. O resultado destas  
dificuldades é a guerra e esta devém atividade conjunta (trabalho conjunto) necessária  
para a captura e defesa dos espaços territoriais básicos para a produção e reprodução  
da comunidade. Temos, nesse caso, comunidades cuja característica distintiva é a de  
se organizarem inicialmente como um sistema social militar, voltado para a guerra, ou  
seja, uma comunidade guerreira. Marx (2011, p. 391) evidencia que este é um dos  
pressupostos fundamentais para a existência das famílias enquanto proprietárias de  
terras. Como indicado, o fundamento dessa comunidade estruturada para a guerra é a  
concentração das famílias nas cidades; associado a esta centralidade das cidades  
verifica-se a cisão social entre castas (elevadas e baixas) e o aprofundamento desta  
cisão com a mestiçagem que ocorre com as tribos derrotadas nas guerras. Nessas  
formações sociais, verifica-se a presença de estado (enquanto protoforma do estado  
moderno [cf. ARAUJO, 2016; 2020b]) e, com ele, uma divisão da propriedade da terra  
em propriedade comunitária (que é do próprio Estado) e propriedade privada. Se na  
primeira forma a propriedade do indivíduo singular não é privada, pois “é propriedade  
imediatamente comunitária” (MARX, 2011, p. 391), o que coloca o indivíduo singular  
na condição de possuidor que não se encontra separado da comunidade; na segunda  
forma verifica-se o oposto e o proprietário privado encontra-se cindido de sua  
comunidade e sua propriedade priva o acesso de outras famílias ao seu espaço  
fundiário. Nos casos em que o trabalho coletivo comum é central para a operação  
profícua da propriedade privada do indivíduo singular, há um reforço do caráter natural  
do sistema comunal (famílias-clãs-tribos). Nos casos em que há perda de importância  
desse aspecto e a ele acrescentamos o movimento migratório, o distanciamento  
geográfico da tribo em relação à sua sede original (a cidade e seu entorno rural) e a  
ocupação de territórios forâneos, há o estímulo ao desenvolvimento das capacidades  
das singularidades individuais e o aspecto comunitário se manifesta enquanto  
unidade negativa voltada para o exterior” (MARX, 2011, p. 391). Tais são condições  
para que a singularidade individual se torne proprietário privado de terras que serão  
cultivadas por ele e por sua família.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 231  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
O estado8, prossegue nosso autor, apresenta-se como manifestação da  
comunidade e é a expressão dos laços entre os proprietários privados que se ligam  
em relações de igualdade. Além disso, o estado é, ao mesmo tempo, o âmbito em que  
se efetuam os vínculos entre os proprietários privados contra o exterior (outras tribos)  
e o garantidor desses proprietários privados contra os forâneos. Nessas formações  
socioeconômicas a comunidade tem por fundamento a propriedade privada das  
singularidades humanas que trabalham em suas terras, e nas terras públicas [ager  
publicus], com suas famílias. Segundo Marx (MARX, 2011, p. 391), esses proprietários  
privados têm sua autonomia constituída por seus laços sociais de pertencimento à  
comunidade, pela luta pela preservação das terras públicas tendo em vista o  
reconhecimento e os carecimentos da comunidade etc. Assim como na primeira forma  
de propriedade, há aqui uma determinação de reflexão entre propriedade da terra e  
pertencimento à comunidade. A diferença é que no primeiro caso não havia o  
proprietário privado e ser o proprietário/possuidor das terras comunais era  
determinado pelo pertencimento à comunidade. Na segunda forma também ser  
membro da comunidade é o pressuposto de ser proprietário privado e ter acesso às  
terras públicas. Deste modo, sua manutenção enquanto proprietário privado é a  
manutenção de sua condição de membro da comunidade e, por decorrência, a  
manutenção e reprodução da própria comunidade. Nesta segunda forma a  
comunidade, que se constitui como produto histórico, enquanto fato e reconhecimento  
deste fato, é o pressuposto da propriedade da terra (assim como se verifica na primeira  
forma), da possibilidade da relação do produtor com o objeto de trabalho pré-existente  
(a terra). Diferentemente da primeira forma, aqui o pertencimento do indivíduo à sua  
comunidade e o acesso à propriedade da terra tem outro pressuposto: ser membro do  
estado e, prossegue Marx (2011, p. 391), este estado assume, para o indivíduo, um  
caráter divino. As características distintivas da segunda forma de propriedade são  
resumidas por Marx de modo a: (1) enfatizar a concentração das famílias na cidade e  
a transformação do campo em território das cidades; (2) destacar o predomínio da  
pequena agricultura que produz para o consumo imediato; (3) esclarecer que a  
manufatura se apresenta basicamente como atividade doméstica complementar da  
família (mulheres fiam e tecem) ou como forma autonomizada em alguns ramos  
específicos de produção. Para Marx (2011, p. 392), a reprodução contínua desse  
8 Que aqui é uma protoforma ou forma embrionária.  
Verinotio  
232 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
complexo comunitário é a permanência e reprodução da igualdade entre os  
proprietários privados que cultivam suas terras com suas famílias e que têm em seu  
trabalho e em sua liberdade pessoal a condição da continuidade da propriedade  
privada da terra. É o seu trabalho pessoal que permite sua permanência enquanto  
proprietário privado e, por evidente, plasma sua subjetividade e personalidade. Marx  
não descuida em nos lembrar que esse complexo comunitário ou que esse tipo de  
comunidade aciona, necessariamente, uma tendência guerreira que é a força motriz de  
uma tendência expansionista da própria comunidade e oferece como exemplos Roma,  
Grécia etc. Tal tendência deve ser apreendida a partir da consideração de que cada  
singularidade ao trabalhar para atender às suas necessidades vitais não tem por télos  
a apreensão da riqueza enquanto fim em si, mas objetiva a manutenção da vida pessoal  
e familiar, a reprodução de sua condição de membro da comuna, a condição de ser  
parte constitutiva da comunidade enquanto proprietário privado. A comunidade se  
mantém ao se reproduzir ao longo do tempo, o que exige a reprodução simultânea  
dos membros que a constituem, os camponeses autônomos, os proprietários privados  
dos quais o tempo excedente de trabalho é apropriado pela comuna sob a forma de  
atividade militar etc. Somente a propriedade sobre o objeto pré-existente de trabalho  
(a terra) pode garantir a propriedade sobre o próprio trabalho. A propriedade da terra,  
como já dito, só pode existir se preexiste a comunidade e a comunidade só existe se  
os membros da comuna ofertam trabalho excedente sob a forma de labor militar. Em  
suma, só é proprietário privado de terras aquele que já é membro da comunidade, no  
caso de Roma, por exemplo, se é cidadão romano.  
Nessa altura de nossa exposição é lícito adiantar que Marx, nos Grundrisse,  
abandona a crítica à categoria de substância como algo metafísico (cf. ARAUJO, 2021),  
e identifica no trabalho abstrato a substância do valor (que ainda aparece em várias  
passagens do texto como sinônimo de valor de troca). Ao analisar as formas de  
propriedade, o autor parece sugerir que, na primeira forma, a comunidade é uma  
substância (permanência na mudança) à qual a singularidade se liga de modo imediato.  
Na segunda forma a propriedade privada da terra, garantida pelo estado, que se  
encontra em determinação reflexiva com ser membro da comunidade, é o elo entre a  
singularidade humana e sua comunidade agora expressa no estado. Adiante  
retomaremos esta questão, que se liga ao desaparecimento das formações greco-  
romanas, e veremos como ela reaparece na terceira forma de propriedade. De todo  
modo, sustentamos que Marx faz esse esforço analítico para esclarecer que na  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 233  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
sociedade do capital a substância e o laço social são inteiramente distintos de  
objetividades materiais-naturais. Eles são puramente sociais, já não tendo qualquer  
determinação da natureza o laço é o valor e a substância o trabalho abstrato e o  
dinheiro a representação abstrata da comunidade real9.  
Marx esclarece que a germânica é a terceira forma de propriedade de  
singularidades humanas que se autossustentam e que constituem comunidades a  
partir das “condições naturais de seu trabalho” (MARX, 2011, pp. 392-3). O autor  
procura especificar a relação do membro da comunidade germânica com a forma da  
propriedade contrapondo esta relação ao que se verifica nas comunidades orientais e  
nas formas romana e grega (Antiguidade clássica).  
No caso oriental a singularidade é copossuidora da propriedade coletiva, pois  
a propriedade só se apresenta enquanto propriedade comunitária. O que garante ao  
membro da comunidade a posse privada (hereditária) de uma fração da terra, mas não  
a propriedade privada. Em outras palavras, a posse da terra (substância universal da  
existência desta formação social cujo fruto é produto do trabalho coletivo da  
comunidade) é assegurada pela identidade imediata entre a singularidade e a  
comunidade. A forma da posse privada em relação à propriedade comunal se  
apresenta de maneiras distintas, tanto em termos históricos quanto de localização  
geográfica. O principal fator a explicar essas diferenciações é como se realiza o  
trabalho na terra: (a) se efetivado pelo possuidor privado apartado de sua comunidade;  
(b) se o trabalho é efetuado a partir da comunidade ou (c) se é trabalho efetivado pela  
unidade produtiva situada além da comunidade particular.  
Na Antiguidade clássica a terra, que é ocupada pela comunidade, é solo da  
comunidade, solo romano, por exemplo. Uma parte da terra é da comunidade (terras  
públicas) e a outra parte é dividida e transforma-se em propriedade privada do cidadão  
romano e, portanto, solo romano. A singularidade humana só é reconhecida como  
romana ao ter o direito absoluto sobre a fração da terra que é romana. Na Antiguidade  
clássica, o trabalho agrícola era valorizado e respeitado, já o trabalho no comércio e  
na manufatura/artesanato era depreciado. A lavra da terra, nestas formações, era tida  
como atividade legítima do produtor-cidadão, a escola do soldado e a atividade que  
conservava a linhagem do povo constituinte da comunidade. Os ofícios ligados ao  
9 Com isso, o dinheiro é, ao mesmo tempo, imediatamente a comunidade real [destaque de Marx], uma  
vez que é a substância universal da existência para todos e o produto coletivo de todos.” (MARX, 2011,  
p. 169)  
Verinotio  
234 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
comércio e ao artesanato/manufatura eram exercidos por estrangeiros ou por escravos  
libertos, apresentavam-se como inconvenientes para o cidadão, decorrendo toda  
dificuldade para a outorga de cidadania plena para comerciantes e artífices. Esse  
conjunto parece prenunciar a compreensão, não consciente, por parte dessas  
sociabilidades, do caráter dissolvente do dinheiro, que associado ao comércio  
enquanto o espaço para dinheiro gerar mais dinheiro, permite que o dinheiro se  
manifeste de modo autônomo e diluente dos laços sociais manifestos da Antiguidade.  
Marx (2011, p. 394) sustenta que ainda que na Antiguidade clássica não se verifique  
um sistema de corporações de ofício, como o que virá a existir na época urbana  
europeia medieval, à medida em que as corporações superam as linhagens  
constitutivas da comunidade original ocorre o declínio do espírito guerreiro da  
comunidade até sua completa extinção. A consequência foi a redução do temor das  
cidades por parte de povos estrangeiros e o declínio da liberdade das cidades. O que  
indica traços gerais do processo de declínio e desaparecimento da Antiguidade  
clássica. Por fim, registre-se que os patrícios tinham a prerrogativa de utilizar as terras  
públicas, portanto, comunitárias, através da posse e podiam formar feudo para seus  
vassalos. Já a transferência de propriedade da terra pública era operação exclusiva dos  
plebeus. Segundo Marx (2011, p. 393), a propriedade da terra em sentido estrito, com  
exceção da área abarcada pelos muros das cidades, estava, em seus primórdios, nas  
mãos dos plebeus e a “essência da plebe romana como um conjunto de camponeses  
[...] está indicad[a] em sua propriedade quiritária” (MARX, 2011, p. 393).  
No caso da comunidade germânica não se verifica sua aglutinação na cidade.  
Ocorre, ainda segundo nosso autor, que a cidade devém eixo da vida rural, como local  
de residência dos rurais e núcleo de coordenação da guerra. Neste caso de  
concentração simples, podemos inferir que a comunidade existe externamente ao  
indivíduo singular, ou seja, não há identificação imediata entre os dois polos. Se  
considerarmos a história da Antiguidade clássica, poderemos verificar que é a história  
de cidades arrimadas na propriedade pública e privada da terra e na agricultura. Já  
nas formações asiáticas, segundo Marx (2011, p. 395), ao longo de sua história é  
possível verificar um tipo de união vulgar entre cidade e campo e, além disso, as  
cidades grandes tinham a qualidade de serem instalações provisórias opulentas que  
se acrescentavam como uma camada desnecessária sobre a estrutura econômica em  
sentido restrito. No período de hegemonia germânica da Idade Média, prossegue Marx  
(2011, p. 395), a terra é o ponto de partida inicial da história. Marx acrescenta que o  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 235  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
desenvolvimento posterior da história da Idade Média nesse período “se desenrola  
como oposição entre cidade e campo” (MARX, 2011, p. 395) e arremata dizendo que  
a história do capitalismo é a da urbanização do campo e não, como ocorrera em outras  
formações sociais anteriores, “a ruralização da cidade” (MARX, 2011, p. 395).  
Como nas formações germânicas havia o costume da fixação à terra, do  
patriarca e das famílias, mantendo grande distância de outras famílias e agrupamentos,  
a comunidade só pode existir externamente ao indivíduo. Ainda que seja evidente a  
existência de uma unidade a partir da língua, da história comum, da ascendência  
comum etc. a comunidade só existe a partir da congregação frequente dos  
constituintes dessa comunidade. Esse é o motivo pelo qual Marx afirma, para o caso  
germânico, que a “comunidade aparece, portanto, como reunião [Vereinigung], não  
como associação [Verein], como unificação [Einigung] constituída por sujeitos  
autônomos, os proprietários de terra, e não como unidade [Einheit]” (MARX, 2011, p.  
395). E conclui afirmando que nessa formação a comunidade só tem existência de fato  
quando os proprietários de terra se reuniam em assembleia e, por essa especificidade,  
a comunidade germânica não poderia existir como um sistema estatal, um estado, tal  
como se verificava na Antiguidade clássica. Na Antiguidade clássica, a comunidade  
existe de modo independente das reuniões dos proprietários de terra em assembleia.  
Ela existe, argumenta Marx (2011, p. 395), na própria cidade e na burocracia estatal  
a ela associada. Nesse caso a comunidade ganha existência econômica com a simples  
presença da cidade. Algo distinto se passa com a formação germânica quando  
comparada ao caso da Antiguidade clássica, pois ainda que nela também se verifique  
a existência da terra pública, comum ou do povo, que não pode ser repartida, e que  
esta terra pública seja distinta da propriedade privada, a terra pública não se revela  
como presença econômica específica do estado adjacente às propriedades privadas  
dos chefes de família. Na formação germânica, os patriarcas só podem ser proprietários  
privados se estão privados do uso da terra pública. Por isso, a terra pública só funciona  
como acréscimo à propriedade privada e só tem, de fato, existência enquanto  
propriedade quando é defendida enquanto terra comunal do ataque de outras tribos.  
Ao contrário do que ocorria na Antiguidade clássica, em que a propriedade privada  
aparecia mediada pela comunidade, pelas relações mútuas entre os indivíduos  
constituintes da comunidade, na formação germânica é a comunidade e a propriedade  
comunal que se apresentam mediadas.  
No mundo germânico, a casa singular abarca em si um polo autossuficiente de  
Verinotio  
236 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
produção de valores de uso, ela é item na terra que pertence à família enquanto  
unidade autossuficiente. E isto é o oposto do que se verifica no caso clássico em que  
a cidade e seu contorno rural são a totalidade do econômico. Marx toma os romanos  
como o caso clássico da Antiguidade clássica e argumenta que neles se evidencia que  
a forma contraditória entre a propriedade estatal de terra [ager publicus] e a  
propriedade privada produz a mediação da propriedade privada pela propriedade  
estatal ou produz a existência da propriedade estatal em forma dúplice, pública e  
privada. O que se esclarece quando consideramos que todo solo privado é solo  
romano, portanto, estatal e isso elucida o fato de o proprietário de terra ser, ao mesmo  
tempo, cidadão urbano o que, por sua vez desvenda o motivo pelo qual, em Roma,  
o camponês é morador da cidade. Como visto, no caso germânico, o camponês não é  
cidadão do estado, não é morador da cidade, ele é o arrimo da moradia familiar  
apartada que só existe associada a outras moradias familiares da mesma tribo e  
amparada pela reunião eventual dos proprietários em assembleia para resolução de  
questões religiosas, de litígios, para a organização da guerra etc. a comunidade  
germânica só existe no relacionamento mútuo dos proprietários privados de terra que  
se relacionam enquanto proprietários.  
A propriedade privada da terra, no caso germânico, não se apresenta de modo  
contraditório com a propriedade comunal da terra e a primeira, tampouco é mediada  
pela segunda, ocorrendo o inverso, a propriedade comunal é mediada pela  
propriedade privada. A propriedade comunal da terra funciona como complemento  
comunitário das moradias familiares iniciais. No caso germânico, a comunidade não é  
substância em que o singular só aparece como acidente” (MARX, 2011, p. 396) e,  
tampouco, é o universal que se apresenta como unidade, representativa e de fato,  
entre a cidade e suas necessidades específicas que destoam das necessidades dos  
indivíduos. Agora, a comunidade germânica em si é, por um lado, comunidade da  
língua, da ancestralidade, dos costumes etc. e é pressuposta ao proprietário privado  
individual. Por outro lado, a comunidade germânica só existe na reunião em assembleia  
comunal dos proprietários privados (chefes de família) e como ela estatui e passa a ter  
existência econômica particular” (MARX, 2011, p. 397) sobre as terras comunais, a  
comunidade passa a ser empregue pelo proprietário privado enquanto proprietário  
privado e não enquanto representante do Estado, conforme o que se verificava no caso  
romano. A propriedade comunal germânica é propriedade comum de proprietários  
privados individuais e não se trata de uma associação de proprietários privados  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 237  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
particulares provida de vivência específica como a verificada no caso da cidade a qual  
se separa dos proprietários privados enquanto particularidades humanas.  
Marx oferece um resumo das três formas de propriedade analisadas e  
acrescenta preciosas observações sobre fatores que podem explicar a conservação e  
o desaparecimento de formas de propriedade e de formações socioeconômicas que as  
comportam. Em linhas gerais, é dito pelo filósofo alemão que, nas três formas de  
propriedade, a agricultura e a propriedade da terra instituem os fundamentos da  
ordem econômica. Em todas, o télos é a produção de valores de uso e a reprodução  
do indivíduo e das relações constitutivas da comunidade, além disso, há dois aspectos  
distintivos presentes em todas as três formas: (1) o objeto de trabalho pré-existente,  
a terra, é apropriada como pressuposto do trabalho e não pelo trabalho. Neste caso,  
o produtor toma a natureza (terra) como requisito objetivo da reprodução individual e  
social, “como natureza inorgânica de sua subjetividade, em que esta realiza a si  
própria” (MARX, 2011, p. 397), decorre que a natureza não lhe aparece como produto  
do trabalho, mas, tão somente, como natureza; (2) A propriedade da terra, reafirma  
Marx (2011, p. 397), é, para o produtor, “um modo de existência objetivo, que está  
pressuposto” [destaque dos autores] à própria práxis do trabalho e não aparece como  
manifestação do resultado do seu trabalho. Nestes casos, a propriedade da terra por  
parte do patriarca é mediada pelo seu pertencimento à sua comunidade. Em todos os  
casos, ser proprietário de terras tem por pressuposto existir enquanto membro da  
família, da tribo, do clã, da pólis etc. a depender do tipo de formação específica que  
estejamos tratando. Patenteia-se aqui a razão pela qual o produtor individual não pode  
se manifestar como simples produtor isolado e livre. Há uma determinação de reflexão  
entre ser proprietário e ser membro da comunidade. A terra é o eixo da vida social e  
a vida social determina a propriedade da terra e as formas específicas de trabalho a  
ser realizado em cada caso. Dizendo o mesmo de outro modo, as relações sociais  
nestes casos são manifestas e a comunidade tem na terra seu pressuposto material da  
vida, de tal maneira que a forma de propriedade em reflexão com as relações sociais  
manifestas modela as subjetividades humanas sendo a própria forma da propriedade  
parte constitutiva e condicionante da objetividade social (estado etc.). Parece haver a  
intenção do autor em contrastar essa especificidade com a centralidade que o valor  
(trabalho abstrato) adquire na sociedade do capital. Em sendo este o caso, surgem  
todas as diferenciações e especificidades desta formação que é, para o autor, a  
primeira puramente social.  
Verinotio  
238 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
Neste momento da exposição o autor trata, rapidamente, das linhas gerais dos  
processos de dissolução dessas formações que antecedem o capitalismo e que têm na  
propriedade da terra seu eixo social. Ocorre que em todas as formas analisadas até  
aqui o desenvolvimento social tem por arrimo a reprodução das relações sociais,  
pressupostas, entre a singularidade humana e sua comunidade; relações que podem  
ter surgido de modo natural ou histórico, mas que se transformaram em tradicionais.  
E, ao lado dessa reprodução, uma existência objetiva e predeterminada para cada  
singularidade que se dá na maneira pela qual a singularidade procede com suas  
condições de trabalho, com os outros produtores, membros do clã, da tribo etc. O  
desenvolvimento social aludido é, em princípio, limitado e a superação deste limite, no  
interior de tais formações sociais conduz à decadência e ao desaparecimento da  
própria formação social. Tomando a forma asiática, Marx (2011, p. 398) constata que  
ela tem por traço distintivo a manutenção de suas características principais por longos  
períodos, ou seja, uma certa imutabilidade em seu processo reprodutivo. E assim  
ocorre porque, nessas formações, a singularidade humana não possui autonomia em  
relação à comunidade e, com isso, há produção autossustentável de valores de uso e  
efetiva unidade entre agricultura e manufatura/artesanato. Não obstante, quando a  
particularidade humana modifica sua relação com sua comunidade rompendo a  
unidade entre agricultura e manufatura e adquirindo autonomia frente à comunidade,  
há a destruição da posse comunal da terra e a eclosão de miséria, pobreza etc. Em  
resumo, a mudança econômica, neste caso, abole o vínculo real sobre o qual o  
econômico se erguia.  
No caso romano, com o aperfeiçoamento da arte da guerra e as consequentes  
conquistas alcançadas, há a amplificação da escravidão, o avanço da concentração da  
posse de terras, o avanço das trocas e do sistema monetário. Estes fenômenos,  
presentes na formação romana, que como vimos é o caso clássico da Antiguidade para  
Marx, são produtos dos próprios fundamentos da sociedade romana e, se num  
primeiro momento, contribuíram para a ampliação do sistema, foram decisivos para a  
decadência e o desaparecimento dessa formação social. As sociedades que antecedem  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 239  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
a sociedade do capital não têm por télos a busca da riqueza10 pela riqueza11, a questão  
é de que maneiras a propriedade (comunal ou privada) constitui melhores  
particularidades humanas. E este é o motivo pelo qual a riqueza material só aparece  
como fim em si para os povos comerciantes que eram encontrados “nos poros do  
mundo antigo” (MARX, 2011, p. 399). Trata-se da presença do capital de comércio e  
do capital usurário, que, segundo Marx (2013, p. 239) são forma antediluvianas do  
capital, ou ainda, formas do capital nas quais toda a potencialidade do capital ainda  
não pode se efetivar posto que se encontram no interior de um todo concreto  
complexo pouco desenvolvido em seus laços sociais. Nestes, a mercadoria não é a  
forma de mediação social e o valor não é o médium social, os laços sociais são  
manifestos e a mediação se dá através dos laços sanguíneos, parentais, de tradição,  
costumes, religiosos etc. A constituição da sociedade do capital exigiu a dissolução  
desses laços manifestos e a instauração dos laços mediados pelo valor objetivado na  
mercadoria12, ocasionando a objetivação da própria relação social o que instaurou um  
tipo de reificação produtora de autoestranhamento social o fetiche da mercadoria.  
A interpretação sugerida acima pode elucidar as afirmações de Marx, na  
sequência do texto em análise, de que se a riqueza é desnudada de sua forma  
burguesa ela se revela como a “a universalidade das necessidades, capacidades,  
fruições, forças produtivas etc. dos indivíduos” (MARX, 2011, p. 399) que são  
produzidas pela generalização das trocas. Despida a riqueza de sua forma burguesa,  
prossegue o autor, ela (a riqueza) é o completo domínio do gênero humano sobre as  
legalidades naturais; é a produção completa das capacidades criativas do humano que  
só toma por pressuposto o “desenvolvimento histórico precedente” (MARX, 2011, p.  
399) e, no seu devir, assenta a completude do desenvolvimento de toda a  
omnilateralidade humana como fim em si mesmo. Neste caso, acrescenta Marx, o  
humano não se apresenta como algo que veio a ser, ao contrário, o humano se revela  
“movimento absoluto do devir” (MARX, 2011, p. 399) e ao se reproduzir como  
10 Quando trata do modo de dissolução feudal e da sociabilidade específica do capital Marx (2011, p.  
413) nos oferece o seguinte comentário: “Uma análise mais precisa evidenciará que em todos esses  
processos de dissolução são dissolvidas relações de produção em que predominam valor de uso,  
produção para o uso imediato; que o valor de troca e a sua produção têm como pressuposto o  
predomínio da outra forma; em consequência que em todas essas relações predominam a prestação em  
espécie e os serviços em espécie sobre o pagamento em dinheiro e a prestação de serviço por dinheiro”.  
11  
No caso dessas formações trata-se de riqueza material, valores de uso. Somente na sociedade do  
capital o objetivo da produção é a riqueza em sua forma especificamente capitalista: riqueza abstrata –  
valor.  
12 Esse processo também é descrito por Marx no Capítulo 24 (A assim chamada acumulação primitiva)  
do Livro 1 de O capital.  
Verinotio  
240 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
     
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
singularidade produz uma totalidade que não é determinabilidade, ou seja, que já não  
é um constrangimento (lógico) a desefetivar sua condição humana. Neste ponto o autor  
adverte que na época do predomínio da economia burguesa, ou seja, na sociedade do  
capital, a exteriorização do conteúdo humano, do trabalho abstrato que passa a operar  
como laço social, se manifesta como pleno esvaziamento da singularidade humana e  
como todas singularidades operam no interior do constrangimento lógico do valor, da  
determinabilidade do capital, há a objetivação universal do laço social sob a forma de  
mercadorias e, com isto, o estranhamento [Entfremdung] social total e a fragmentação  
“de todas as finalidades unilaterais determinadas” se manifestam “como sacrifício do  
fim em si mesmo a um fim totalmente exterior” (MARX, 2011, p. 400) – o que  
caracteriza que o trabalho determinado por mercadorias acarreta a perda do sentido  
do trabalho para o produtor. Trabalha-se para continuar trabalhando, ou seja, para  
perpetuamente permitir a expansão do valor (trabalho abstrato). Por isso nosso autor  
pode concluir dizendo que “o mundo antigo representa a satisfação de um ponto de  
vista tacanho; ao passo que o moderno causa insatisfação, ou, quando se mostra  
satisfeito consigo mesmo, é vulgar” (MARX, 2011, p. 400).  
Subjaz aos trechos acima tratados a contradição entre desenvolvimento das  
forças produtivas estimulado pela sociedade burguesa e as relações de produção  
específicas dessa sociedade. Sustentamos que essa presença deve ser considerada a  
partir da centralidade que adquire no texto a noção de que a exteriorização do ser  
humano no processo de trabalho produtor de mercadorias acarreta um esvaziamento  
do produtor, a objetivação universal na forma mercantil como estranhamento total e o  
trabalho como o sacrifício a um fim exterior à própria práxis produtora de mercadorias  
o que indica que estamos diante de um tipo de sociedade sacrificial sem conteúdo  
religioso estruturado. Em suma, e dizendo mais uma vez, a contradição entre forças  
produtivas e relações de produção existe e opera na sociedade do capital acionada  
pelo próprio sujeito automático (capital), não sendo de fácil demonstração sua  
presença enquanto força motriz de todo processo histórico humano.  
Considerações Finais  
Do exposto podemos advogar que Marx faz um grande esforço para capturar o  
que há de específico nos laços sociais constitutivos das formações sociais que  
antecedem a sociedade do capital. O que explica seu denodo por diferenciar as formas  
de propriedade nessas outras formações sociais. Nelas, o centro da vida é a terra  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 241  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
(objeto pré-existente de trabalho) e, por esse motivo, o tipo de posse ou propriedade  
da terra tem centralidade na trama de cada formação social e pode explicar, ao menos  
uma parte, a dinâmica societária existente então. Assim o é porque a ligação entre o  
indivíduo e a sua comunidade [Gemeinwesen] pressupõe e põe a posse/propriedade  
da terra. Se aqui a comunidade é a substância13, a forma da propriedade é um modo  
de aparecimento dessa substância. Como forma da propriedade e tipo de comunidade  
estão em determinação reflexiva, mudanças na forma de propriedade alteram o par  
antitético, alteram o próprio cariz da comunidade. Há aqui um tipo de dinâmica  
engendrada a partir da própria relação antitética entre comunidade e forma de  
propriedade; que, por sua vez, é bastante distinto do que parece postular, por  
exemplo, Lefebvre (2001): uma contradição fundamental entre campo e cidade e que  
é a geratriz de uma dinâmica transistórica. Além disso, Marx parece capturar que em  
todas as formações que antecedem o capitalismo o laço social entre cada singularidade  
humana é manifesto e tem na propriedade da terra um momento distintivo.  
Desse modo, há uma identificação imediata entre a singularidade e a  
comunidade, na primeira forma de propriedade examinada. Na segunda forma, a  
singularidade tem no estado a comunidade abstrata e sua identificação com a  
coletividade humana ocorre por sua condição de proprietário privado e é mediada pelo  
estado. Na terceira forma de propriedade, a comunidade também não se identifica  
imediatamente com o indivíduo, todavia, é o fato de ser proprietário/possuidor o que  
permite sua ligação com a comunidade ainda que a comunidade não se apresente  
através do estado, como na segunda forma de propriedade. Por fim, na sociedade do  
capital há uma separação radical entre singularidade e gênero humano ou comunidade.  
O laço social é o valor (cuja substância, como já dito, é o trabalho abstrato) e só pode  
existir objetivado na forma de mercadoria ou de dinheiro. Desse modo, o dinheiro,  
13 É preciso não perder de vista que Marx, nos Grundrisse, ainda se encontra no processo de elaboração  
do conjunto categorial de sua crítica ontológica à economia política. Neste sentido, sugerimos que tomar  
a comunidade como substância é fazê-lo nos termos da substância do ser social tal como proposto por  
Lukács (2013): permanência na mudança que também se modifica a cada forma específica de  
aparecimento ao longo das várias e diferentes formações socioeconômicas mas, que, tem por  
característica o permanente processo de humanização do ser humano ou do desenvolvimento do que  
há de específico no ser humano em comparação com o que se verifica no âmbito do ser orgânico.  
Quando anteriormente sugerimos que as formas de propriedade das formações sociais que antecedem  
o capitalismo são um tipo de substância, é porque aceitamos a existência de vários tipos de substância  
no ser social. No caso dessas propriedades, intuímos que se trata de uma substância que se relaciona,  
a partir da determinação de reflexão entre a propriedade e a comunidade, com a própria comunidade.  
A comunidade enquanto universal reflete a substância definidora do ser social em sua constituição  
específica e ao mesmo tempo manifesta a essência engendrada pelos tipos de propriedade existentes  
na sua formação.  
Verinotio  
242 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Notas sobre “As formas que precederam a produção capitalista” e a centralidade do valor  
forma autonomizada do valor, se apresenta como a representação da universalidade  
ou da comunidade abstrata. Aqui se pode concluir que a sociedade emancipada do  
valor (comunista) exige a instauração de laços sociais manifestos entre os humanos e  
a ligação imediata entre singularidade humana e comunidade. A palavra comunismo  
parece reportar exatamente a esse princípio de reconciliação entre o desenvolvimento  
do indivíduo em sua particularidade (personalidade) e o desenvolvimento das  
capacidades e conhecimentos apropriados pelo gênero humano. Relembrando que  
para Lukács (2013), é a divergência entre esses dois polos constitutivos do ser social  
o que produz e explica a categoria de estranhamento [Entfremdung], decorre que esta  
cisão deverá ser suprassumida ao longo da constituição da sociedade dos produtores  
livremente associados.  
Referências bibliográficas  
ARAUJO, P. H. F. “O trabalho na Ontologia”. In. Introdução à Ontologia do ser social  
de Gyorgy Lukács. Rio de Janeiro: Consequência, 2022d, pp. 37-62.  
ARAUJO, P. H. F. Dissolução dos laços sociais mediados pelo valor: crise estrutural da  
sociedade do capital e o fim do seu processo civilizatório. Revista da Sociedade  
Brasileira de Economia Política, v. 68, pp. 133-166, 2024.  
ARAUJO, P. H. F. Trabalho, objetivação e alienação na ontologia do ser social de Lukács:  
notas introdutórias. Germinal: marxismo e educação em debate, v. 14, n. 3, 2022a.  
ARAUJO, P. H. F. A contradição fundamental da sociedade capitalista no Livro Primeiro  
de O capital: determinações gerais e consequências. Revista da Sociedade Brasileira  
de Economia Política, v. 64, 2022b.  
ARAUJO, P. H. F. Trabalho fundante e substância do ser social segundo o último Lukács:  
observações preliminares. Revista Dialectus, v. 23, pp. 365-394, 2021.  
ARAUJO, P. H. F. Dominação abstrata. capital: sujeito histórico. Germinal: marxismo e  
educação em debate, v. 12, pp. 348-362, 2020a.  
ARAUJO, P. H. F. As categorias classes sociais e estado no Livro Primeiro de O capital.  
Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 56, pp. 21-47, 2020b.  
ARAUJO, P. H. F. Notas críticas à compreensão de Lênin sobre o estado: revisitando O  
estado e a revolução. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 50,  
pp. 114-141, 2018.  
ARAUJO, P. H. F. Marx: capital, estado e política - notas. Revista da Sociedade Brasileira  
de Economia Política, v. 43, pp. 37-62, 2016.  
DUAYER, M.; ARAUJO, P. H. F. Trabalho abstrato, objetivação, alienação, fetiche: Marx  
lido por Postone. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 62, pp.  
10-41, 2022.  
DUAYER, M.; ARAUJO, P. H. F. Valor como forma de mediação social: interpretação de  
Marx a partir de Postone. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v.  
57, pp. 45-82, 2020.  
DUAYER, M.; ARAUJO, P. H. F. Para a crítica da centralidade do trabalho: contribuições  
de Lukács e Postone. Revista Em Pauta, v. 13, pp. 15-36, 2015.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. I. São Paulo: Boitempo, 2012, 436p.  
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. II. São Paulo: Boitempo, 2013, 845p.  
MARX, K. H. O capital: crítica da economia política Livro 1: o processo de produção do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024 | 243  
nova fase  
Paulo Henrique Furtado de Araujo; Mariana Pacheco de Araujo  
capital. São Paulo: Boitempo, 2017a. 894p.  
MARX, K. H. O capital: crítica da economia política Livro 3: o processo global da  
produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017b. 980p.  
MARX, K. H. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica  
da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011. 788p.  
LEFEBVRE, H. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 180p.  
POSTONE, M. Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria  
crítica de Marx. São Paulo: Boitempo, 2014. 483p.  
Como citar:  
ARAUJO, Paulo Henrique Furtado de; ARAUJO, Mariana Pacheco de. Notas sobre “As  
formas que precederam a produção capitalista” dos Grundrisse e a centralidade do  
valor. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 2, pp. 220-243; jul.-dez., 2024.  
Verinotio  
244 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 220-243 jul.-dez., 2024  
nova fase