Sérgio Luiz Gusmão Gimenes Romero
desde fins dos anos 1940, de redigir uma ética marxista — o que nunca chegou a ser
concretizado. Imerso nessa perspectiva, Lukács passa a sentir cada vez mais a
necessidade peremptória de elaborar uma introdução àquela, que possuísse um
caráter especificamente ontológico. Era preciso examinar a especificidade do ser social
enquanto ser, isto é, ontologicamente, uma vez que ela constituiria o fundamento
mesmo de sua Ética. Com o passar do tempo, a pretensa “introdução” ganhou mais e
mais fôlego, complexidade e autonomia, desdobrando-se ao longo de um amplo
período permeado de dificuldades e incertezas que culminaria na conclusão parcial de
seus últimos escritos, interrompidos pela morte do autor em 1971.
A abordagem lukacsiana parte da recognição fundamental de que o real se
encontra ontologicamente assentado sobre uma base material objetiva. Dessarte, a
realidade pode ser apreendida pelo homem não em razão de uma operação
gnosiológica derivada de princípios metodológicos estabelecidos aprioristicamente
e/ou de dadas condições subjetivas convencionalmente preceituadas, mas pelo fato
de que o homem, em sua inexorável interação com o mundo, necessariamente
apreende o realmente existente à medida que — em sua ininterrupta responsividade2
— o transforma.
O que Lukács constrói, pois, é uma profunda e complexa investigação das
origens e funções das produções do espírito humano enquanto expressões da dialética
entre realidade e consciência. Nas palavras de Nicolas Tertulian:
Lukács foi o primeiro a estabelecer uma genealogia das múltiplas
atividades da consciência e de suas objetivações (a economia, o
direito, a política e suas instituições, a arte ou a filosofia) a partir da
tensão dialética entre subjetividade e objetividade. Pode-se definir seu
método como “ontológico-genético”, na medida em que procura
2
“Como todo ser vivo, o homem é por natureza um ser que responde: o entorno impõe condições,
tarefas etc. à sua existência, à sua reprodução, e a atividade do ser vivo na preservação de si próprio e
na da espécie se concentra em reagir adequadamente a elas (adequadamente às próprias necessidades
da vida no sentido mais amplo). O homem trabalhador separa-se nesse tocante de todo ser vivo até ali
existente quando ele não só reage ao seu entorno, como deve fazer todo ser vivo, mas também articula
essas reações em forma de respostas em sua práxis. O desenvolvimento na natureza orgânica vai das
reações químico-físicas, puramente espontâneas, até aquelas que, acompanhadas de certo grau de
consciência, são desencadeadas em dado momento. A articulação baseia-se no pôr teleológico sempre
dirigido pela consciência e, sobretudo, na novidade primordial que está contida implicitamente em cada
pôr desse tipo. Por essa via, a simples reação articula-se como resposta, podendo-se até dizer que só
através disso a influência do meio ambiente adquire o caráter de pergunta. A possibilidade ilimitada de
desenvolvimento desse jogo dialético de pergunta e resposta funda-se no fato de que a atividade dos
homens não só contém respostas ao entorno natural, mas também que ela, por sua vez, ao criar coisas
novas, necessariamente levanta novas perguntas que não se originam mais diretamente do entorno
imediato, da natureza, mas constituem tijolos na construção de um entorno criado pelo próprio homem,
o ser social. Desse modo, porém, a estrutura de pergunta e resposta não cessa; ela apenas adquire uma
forma mais complexa, que vai se tornando cada vez mais social.” (LUKÁCS, 2013, p. 303)
Verinotio
400 |
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 394-430 – jul.-dez., 2024
nova fase