DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.734  
Crise, capital portador de juros, capital fictício e a  
função do direito no Livro III de O capital  
Crisis, interest-bearing capital, fictitious capital, and the  
role of Law in Book III of Capital  
Ana Clara Passos Presciliano*  
Resumo: O objetivo do presente artigo é  
examinar os desdobramentos que as  
Abstract: The aim of this article is to examine  
the implications of economic crises on the  
general level of capital within the global process  
of capitalist production, as addressed in Karl  
Marx's Book III of Capital. This examination  
encompasses the understandings related to the  
tendency of the falling rate of profit and cyclical  
overaccumulation of capital, as well as the  
concepts of interest-bearing capital and  
fictitious capital. The ultimate goal is to  
comprehend the dynamics exerted by legal  
forms within this context.  
determinações das crises econômicas no nível do  
capital em geral adquirem no processo global da  
produção capitalista tratada no Livro III d’O  
capital de Karl Marx, passando pelas  
compreensões relativas à lei tendencial da queda  
da taxa de lucro e à sobreacumulação cíclica de  
capital, bem como pelas figuras do capital  
portador de juros e do capital fictício, a fim de  
culminar na compreensão da dinâmica exercida  
pelas formas jurídicas nesse contexto.  
Palavras-chave: Marxismo; direito; crises  
econômicas; economia.  
Keywords: Marxism; Law; economic crises;  
economics.  
Considerações iniciais  
O capital portador de juros aparenta ser, na imaginação popular, o capital par  
excellence (MARX, 2017, p. 367). Ele é notado em uma série de transações cotidianas,  
gerando efeitos bastante conhecidos, como o endividamento, que é ainda mais  
premente em épocas de crises econômicas. A sua aparência a olho nu é “mágica”,  
tendo em vista a dificuldade de explicar de onde advêm os tais juros.  
Porém, abaixo da superfície de figuras como essa, nota-se a ligação com outras  
categorias ainda mais complexas, além de uma série de determinações de fundo, que  
se bem compreendidas, permitem compreender que essa mágica que lhe aparenta ser  
intrínseca, na verdade, é apenas um reflexo daquele que em suas diversas formas é  
habilidoso em aparentar ser o exato oposto do que realmente é: o capital.  
É um vislumbre desse cenário de fundo que o presente trabalho intenta  
*
Mestre e doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2 jul.-dez., 2024  
nova fase  
 
Ana Clara Passos Presciliano  
apresentar, partindo das determinações que contribuem para as crises econômicas,  
como a lei tendencial da queda da taxa de lucro e a sobreacumulação periódica de  
capital, passando por categorias como os capitais portador de juros e fictício, bem  
como por algumas espécies de títulos jurídicos, como ações e títulos da dívida pública,  
além de considerações acerca do capital bancário e a autonomização do preço dos  
títulos jurídicos, a fim de culminar no cerne da questão a ser debatida, qual seja, o  
papel desempenhado pelo direito, na forma de títulos jurídicos, no desenrolar das  
crises econômicas.  
As principais determinações por detrás das crises econômicas  
Uma das dificuldades que cercam o estudo da categoria de crise ao longo da  
obra do Marx é a sua aparente dispersão e diversidade de definições1. Conforme  
elucida Roman Rosdolsky (cf. ROSDOLSKY, 2001), nosso autor realizou uma série de  
alterações no projeto formulado em 1857 até a publicação d’O capital em 1867. Ela  
seria abordada conjuntamente com o mercado mundial no último dos seis livros  
planejados em 1857, como síntese conclusiva, mas acabou sendo diluída nos três  
livros da versão definitiva2.  
Porém, isso não implica na redução de sua relevância dentro da obra, ou que  
seja impossível delinear o seu conteúdo. É importante levar em consideração que a  
crise está diretamente ligada ao mercado mundial, razão pela qual o próprio Marx  
pretendia abordá-los conjuntamente no último volume do projeto original, então  
mesmo que esse projeto não tenha se concretizado, a relação entre ambos se mantém3.  
As crises se alastram pelo mercado mundial e possuem abrangência universal  
na medida em que o próprio capital também o faz. Nos termos tratados por Jorge  
Grespan, ao estudar a categoria de crise na obra marxiana, “a crise do mercado mundial  
é o correspondente negativo do capital neste ponto último de sua expansão e o  
1 No que se refere à organização dos três volumes d’O capital e até mesmo uma divergência em relação  
à existência da lei tendencial da queda da taxa de lucro conferir (HEINRICH, 2004) e as respostas a ele  
formuladas por (COTRIM, 2015). Sobre o tema conferir ainda (REICHELT, 2011) e os debates  
apresentados por (DEUS; SILVA, 2023).  
2 Deus (2015) propõe uma leitura do projeto d’O capital que vai além daquela proposta por Rosdolsky,  
tendo em vista que considera publicações mais recentes da Mega, defendendo a unidade da obra e a  
existência de um plano consistente para o seu desenvolvimento a partir dos anos de 1861 a 1863.  
3
Temos ao longo dos três volumes d’O capital diferentes graus de abstração, partindo das formas  
altamente abstratas expostas no Livro I, referentes ao processo de produção capitalista, e progredindo  
gradualmente ao passar pelo Livro II, que trata da circulação de mercadorias, até culminar no Livro III  
na concretude das formas na superfície da sociabilidade capitalista. Esse processo é exposto no capítulo  
1 do Livro III d’O capital (MARX, 2017).  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
conceito de crise respectivamente é o mais complexo e abrangente” (GRESPAN, 2012,  
p. 28). Ou seja, se o capital se expande pelo globo no decorrer do seu processo de  
autovalorização, a crise pode ser vista como o seu negativo, e é nesse ponto extremo  
da sua expansão, no âmbito do processo global de produção, que ela se mostra mais  
complexa e abrangente, o qual justamente será o enfoque do presente trabalho4.  
Considerando então a crise a face negativa e necessária da dinâmica expansiva  
do capital, a categoria de crise se mostra inerente a de capital, e como não poderia  
deixar de ser, é derivada da sua dinâmica contraditória, e se coloca enquanto uma  
manifestação privilegiada da contradição imanente capital-trabalho. Isso faz com que  
ela assuma uma importância central na compreensão do funcionamento do modo de  
produção capitalista e na crítica a ele5, propiciando compreender as contradições  
fundamentais dos processos que o capital realiza, dos limites que ele alcança ao buscar  
exceder as suas potencialidades, bem como das aparências criadas por ele e que ele  
mesmo cuida de negar, desvelando o conteúdo das categorias econômicas que estão  
por detrás da aparência criada na superfície da sociedade.  
Se temos então que a análise da crise vai se tornando mais complexa e precisa  
no decorrer da apresentação categorial de Marx, é no Livro III d’O capital que ele atinge  
o seu auge. É nele que são abordados com maior desenvoltura fatores imprescindíveis  
na compreensão das determinações que contribuem ou não para a eclosão das crises,  
como a lei tendencial da queda da taxa de lucro e a sobreacumulação periódica, os  
quais serão abordados adiante.  
4 Jorge Grespan explica que Marx aborda o conceito de crise não apenas na esfera do mercado mundial,  
mas também nas etapas anteriores da expansão, histórica e sistematicamente considerada, como o  
negativo do impulso expansivo do capital. Consequentemente, “não é necessário aguardar o fim da  
obra para só então estudar as crises, porque a determinação delas já se encontra desde o início e ao  
longo de toda a apresentação do conceito de capital, embora muitas vezes de modo implícito - como o  
negativo presente, mas não tematizado de cada forma que o capital assume.(GRESPAN, 2012, p. 28)  
Desse modo, o conceito de crise se enriquece de acordo com a apresentação das etapas do capital, e existiriam  
4 etapas ou níveis principais de constituição do conceito de crise: na separação entre os atos de compra e venda  
na esfera da circulação, na produção imediata do capital, no nível da circulação do capital e no processo global  
de reprodução do capital social. No presente trabalho, como dito, para fins de delimitação de escopo, será  
abordada apenas essa última etapa.  
5
Alguns outros autores tratam da questão da relevância do estudo das crises econômicas para uma  
melhor compreensão do modo de produção capitalista, como Rosa Luxemburgo em seu A acumulação  
de capital (LUXEMBURGO, 1985), Paul Sweezy em Teoria do desenvolvimento capitalista: princípios de  
economia política marxista (SWEEZY, 1983), e Rodolf Hilferding em O capital financeiro (HILFERDING,  
1985), envolvendo o debate relativo ao imperialismo e questão da discrepância entre produção e  
consumo, que será melhor tratada adiante.  
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A lei tendencial da queda da taxa de lucro  
No Capítulo 13 do Livro III d’ O capital Marx trata da lei tendencial da queda  
da taxa de lucro. Ela é capaz de ilustrar o modo com que para Marx tanto a construção  
categorial do capital quanto a referida lei demonstram que não há uma necessidade  
“absoluta” de crise, no sentido de que dentro da própria constituição contraditória do  
capital haveria completa e endogenamente as condições de efetivação da crise, que  
apesar de ser imanente e essencial e não apenas uma mera possibilidade externa e  
contingente, ainda assim seria influenciada por contratendências (GRESPAN, 2012, p.  
16)6.  
Para explicitar tal lei, é interessante demonstrar o seu enunciado principal e  
posteriormente destrinchar os elementos que são importantes para a sua  
compreensão.  
De antemão, já no início de tal Capítulo 13 do Livro III d’ O capital, Marx afirma  
que na hipótese de uma alteração gradual na composição orgânica média do capital  
total existente, a qual não se opera unicamente em esferas isoladas da produção, mas,  
em maior ou menor grau, em todas ou pelo menos nas decisivas, há uma tendência de  
crescimento gradual do capital constante em relação ao variável, que leva  
necessariamente a uma queda gradual na taxa de lucro, mesmo mantendo-se constante  
a taxa de mais-valor, ou seja, o grau de exploração do trabalho (MARX, 2017, p. 249-  
50).  
Como se observa, para a compreensão efetiva da lei é necessário passar pelas  
variáveis que podem ser consideradas centrais, como a composição orgânica do  
capital, a taxa de lucro e a taxa de mais-valor, acompanhadas das categorias que giram  
em torno delas, como o mais-valor, o lucro, os capitais constante e variável, e as noções  
de mais-valor relativo e absoluto, bem como, ao final, pelas variáveis consideradas  
complementares que podem exercer o papel de contratendência àquelas tidas como  
essenciais. No cerne disso tudo está a determinação constitutiva do capital de  
necessidade de negação do trabalho vivo pelo morto e o imperativo geral à  
autovalorização do valor.  
Em primeiro lugar, é necessário diferenciar mais-valor e lucro: de início, Marx  
afirma que o mais-valor e a taxa de mais-valor se apresentam enquanto sendo o  
invisível e o essencial a ser analisado, enquanto o lucro corresponderia a um fenômeno  
6
Jorge Grespan explica em detalhe a discussão sobre necessidade versus possibilidade de crise no  
texto O negativo do capital (GRESPAN, 2012), que foi fruto da sua tese de doutoramento.  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
superficial (MARX, 2017, p. 69). Nesse sentido, o mais-valor é o excedente sobre o  
capital adiantado sob a forma de força de trabalho, resultante, portanto, da exploração  
da mercadoria força de trabalho, algo que está no núcleo da organização social em  
moldes capitalistas e não é facilmente observável, pois no cotidiano das relações  
econômicas não se nota uma diferença entre o trabalho necessário para pagar o valor  
investido na mercadoria força de trabalho e o trabalho excedente que dá origem ao  
mais-valor, vê-se apenas a figura do salário. Por outro lado, o lucro se encontra mais  
próximo da superfície, já que se mostra nas trocas diárias de mercadorias, sendo  
definido, em linhas gerais, por ser o resultado da diferença entre preço de venda e  
preço de custo (cf. SARTORI, 2019a; 2019b).  
Ocorre que, no limite, o lucro nada mais é do que uma forma de manifestação  
do mais-valor, mas, por um lado, se o mais-valor se refere à relação capital/trabalho,  
o lucro se trata da relação do capital consigo mesmo. Por sua vez, a taxa de mais-valor  
resulta da divisão do mais-valor pelo capital variável, enquanto a taxa de lucro é o  
resultado da divisão do mais-valor pelo capital total7 somado ao capital variável. Assim,  
a taxa de lucro se coloca enquanto outra medição do mais-valor, só que agora em  
relação ao capital total, não mais em relação apenas à parte do capital que provém  
diretamente do seu intercâmbio com o trabalho, o capital variável, como se observa  
da seguinte citação:  
Na verdade, o lucro é a forma de manifestação do mais-valor, tendo  
este de ser revelado mediante a análise daquele. No mais-valor está  
revelada a relação entre capital e trabalho. Na relação entre capital e  
lucro, isto é, entre capital e mais-valor, tal como ele aparece, por um  
lado, como excedente sobre o preço de custo da mercadoria realizado  
no processo de circulação e, por outro, como um excedente  
determinado mais de perto por sua relação com o capital total, se dá  
o capital como relação consigo mesmo, uma relação em que ele, como  
soma originária de valor, diferencia-se de um novo valor posto por ele  
mesmo. Que ele cria esse novo valor durante seu movimento no  
processo de produção e no processo de circulação é algo de que se  
tem consciência. Mas o modo como isso ocorre é algo mistificado e  
aparenta provir de qualidades ocultas que lhe são próprias. (MARX,  
2017, p. 74)  
Conforme abordado no final do trecho acima, a criação de valor é algo mais  
palpável e de que se tem consciência, só que o modo de ocorrência desse fenômeno  
é mistificado e aparenta ser derivado de qualidades ocultas.8 Esse é um fator  
7 O capital total é a soma de todo o capital investido na produção.  
8 O que remete ao fetichismo da mercadoria tratado no Capítulo 1 do Livro I d’O capital.  
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importante que Marx anuncia na forma de presságio: “À medida que prosseguimos no  
acompanhamento do processo de valorização do capital, cada vez mais a relação do  
capital se mistifica e cada vez menos se revela o segredo de seu organismo interno”  
(MARX, 2017, p. 74). Esse presságio se junta a outro igualmente misterioso, o de que  
não necessariamente as mercadorias são vendidas pelos seus valores, mas, mesmo  
assim, ainda quando vendidas abaixo de seus valores, é possível que o capitalista  
obtenha lucro9, pois, como vimos, para realizá-lo na superfície das relações de troca  
9 Essa questão da venda das mercadorias pelos seus valores possui diferentes níveis de abstração entre  
o Livro I e o Livro III d’O capital. No Livro I, que possui o nível de abstração mais intenso, Marx demonstra  
que as mercadorias não são vendidas pelos seus valores individuais porque existem diferentes níveis  
de produtividade no processo produtivo. Considerando que o valor pelo qual será vendida a mercadoria  
é o tempo de trabalho socialmente necessário, ele não corresponde aos valores individuais, a menos  
que se trate de um capital particular com produtividade média ou, em outras palavras, as mercadorias  
não são vendidas pelos seus valores individuais, com exceção do caso do capital com produtividade  
média, e nem poderia sê-lo, tendo em vista que a concorrência determina diferentes níveis de  
produtividade na produção de uma mesma mercadoria. Ocorre que, ao considerar a totalidade das  
mercadorias, elas o são, justamente porque todo o valor produzido é apropriado. Por sua vez, na Seção  
II do Livro III temos um segundo nível de abstração, em que Marx nota que capitais de igual montante  
mas diferentes composições orgânicas obteriam taxas distintas de lucro caso as mercadorias fossem  
vendidas pelos seus valores. Isso faria com que: “1) capitais de maior produtividade se apropriassem  
de menores taxas de lucro, enquanto capitais com menor produtividade obtivessem maiores taxas de  
lucro; 2) fosse negada a própria tendência da concorrência entre capitais de distintos setores de  
procurar maiores taxas de lucro, o que poderia negar, assim, a própria tendência à formação da taxa  
média de lucro. Esta última, aplicada ao capital adiantado, define o lucro médio, que, somado ao preço  
de custo, forma os preços de produção, os quais, por sua vez, garantem que capitais de igual montante  
se apropriem do mesmo lucro médio, independentemente de quanto mais-valor produziram no processo  
produtivo” (MARX, 2017). Assim, exceto nos setores de composição orgânica do capital igual à média,  
os preços de produção são necessariamente distintos dos valores. Porém, para o capital total, os preços  
de produção (quantidade de valor apropriado) são equivalentes aos valores (quantidade de valor  
produzido). Como consequência, tanto no primeiro quanto no segundo nível de abstração as  
mercadorias não são e nem podem ser vendidas pelos seus valores, ainda que o sejam. No terceiro  
nível de abstração, encontrado no Capítulo 10 do Livro III, a constatação é a de que os preços de  
mercado só podem corresponder aos preços de produção por uma casualidade. No caso de a oferta ser  
maior do que a demanda, os preços de mercado são inferiores aos de produção e vice-versa, o que  
mais uma vez leva à conclusão de que as mercadorias não são vendidas pelos seus valores, que são  
intermediados pelos preços de produção. Mais precisamente, quando os preços de mercado são  
inferiores aos de produção, o resultado é uma taxa efetiva de lucro inferior à taxa média, então os  
capitais instalados nesses setores tendem a reduzir os volumes de produção ou então abandonar essas  
esferas de produção. O processo é o mesmo no sentido inverso, de quando os preços de mercado são  
superiores aos de produção. Mas o cerne aqui é que a aparente flutuação indeterminada dos preços de  
mercado na verdade tem sim uma determinação, justamente o valor da mercadoria, que por sua vez é  
intermediado pelo preço de produção. Logo, a lei do valor de Marx não implica que os preços de  
mercado correspondem quantitativamente aos valores das mercadorias, e nem poderiam, mas sim, que  
o valor é o centro de gravitação em torno do qual flutuam os preços (MARX, 2017). Sendo assim, se  
temos diferentes graus de abstração para o trato dos valores das mercadorias, que é central para a  
compreensão da questão da troca de equivalentes e da igualdade nas relações de troca, temos que  
leituras que se baseiam apenas no Livro I d’O capital, e consequentemente enfocam apenas no primeiro  
grau de abstração da obra, se mostram limitadas. Trazendo a discussão para o direito, temos o exemplo  
daquela leitura desenvolvida pelo autor Evgeny Pachukanis, o qual se baseia na circulação de  
mercadorias demonstrada no Livro I para desenvolver a sua obra mais importante, a Teoria geral do  
direito e marxismo. Para ele o direito gira em torno da consideração de que a forma jurídica é derivada  
da forma mercadoria e isso se dá pelo fato de que quando o capitalismo coloca as bases para o seu  
desenvolvimento, como no caso da consideração dos trocadores de mercadorias enquanto sujeitos  
livres e iguais, torna possível o desenvolvimento das forças produtivas e da divisão do trabalho,  
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basta que o preço de venda seja superior ao preço de custo, que é o somatório do  
que foi gasto no processo de produção:  
Assim, se a mercadoria é vendida por seu valor, realiza-se um lucro  
igual ao excedente de seu valor acima de seu preço de custo, ou seja,  
igual ao mais-valor contido inteiramente no valor-mercadoria. Mas o  
capitalista pode vender a mercadoria com lucro, embora ele a venda  
abaixo de seu valor. Enquanto seu preço de venda se encontra acima  
de seu preço de custo, mesmo que abaixo de seu valor, uma parte do  
mais-valor nele contida é sempre realizada, ou seja, um lucro é sempre  
gerado. (MARX, 2017, p. 69)  
Porém, para entender melhor tais “mistérios”, é necessário dar um passo atrás  
na discussão e retomar alguns conceitos, quais sejam, as definições de capital  
constante e capital variável e de mais-valor relativo e absoluto. O capital constante,  
em linhas gerais, é aquele que apenas transfere valor à mercadoria produzida, o que  
é medido através do desgaste da maquinaria utilizada no processo de produção, bem  
como no consumo de matérias primas. Por outro lado, o capital variável está  
intimamente ligado à quantidade de mercadoria força de trabalho explorada,  
mercadoria essa que possui como principal característica a capacidade de produzir  
riqueza na forma de mais-valor.  
Para o nosso autor, então, o somatório do capital constante com o capital  
variável comporia algo intitulado por ele de composição orgânica do capital, a qual  
tenderia a entrar em desequilíbrio com o desenvolvimento do modo de produção  
capitalista, o que representa um aspecto importante da lei de tendência que estamos  
tratando, conforme será disposto adiante (cf. FINE, 1979).  
Por sua vez, o mais-valor relativo se trata, em linhas gerais, da intensificação da  
exploração da força de trabalho, seja através do aumento da velocidade das máquinas  
ou da implantação de novos métodos de trabalho mais eficazes, por exemplo, sem  
elastecer a jornada laboral, e o mais-valor absoluto efetivamente do incremento do  
número de horas trabalhadas, ambos visando à maior extração possível de mais-valor.  
Tendo tudo isso em mente, passa a ser possível compreender a lei tendencial  
da queda da taxa de lucro. Pois bem. Primeiramente, tem-se que é inegável o fato de  
que o capitalismo promove uma série de mudanças tecnológicas, através de um  
propiciando que as relações de propriedade sejam revestidas da forma jurídica. Consequentemente, se  
a forma mercadoria que ele considera dar origem à forma jurídica não é analisada em todos os seus  
graus de abstração, o que implica necessariamente em um estudo dos Livros II e III d’O capital, chegamos  
à conclusão de que a forma jurídica que se coloca enquanto o seu desdobramento também não é  
suficientemente analisada. Por consequência, apenas o Livro I não provê todo o substrato necessário  
para um estudo e uma crítica do direito.  
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domínio da natureza cada vez mais sofisticado. Por conta disso, é premente a  
realização de incontáveis investimentos em maquinaria e técnicas capazes de aumentar  
a produção de mercadorias e reorganizar o processo produtivo de forma a incrementar  
a sua eficiência. Porém, na realidade, esse entendimento tem o resultado inverso: ao  
alterar a citada composição orgânica do capital, incrementando o capital constante em  
detrimento do variável, é reduzida a quantidade de trabalho contida em cada  
mercadoria, já que o aumento da produtividade permite que cada trabalhador produza  
uma massa maior de mercadorias, o que tem como consequência a diminuição da taxa  
de lucro, mesmo com o incremento quantitativo de mercadorias10, como se nota da  
seguinte citação:  
O fenômeno, derivado da natureza do modo capitalista de produção,  
de que com uma produtividade crescente do trabalho diminui o preço  
da mercadoria individual ou de uma quantidade dada de mercadorias,  
aumenta o número das mercadorias, diminui a massa de lucro por  
mercadoria individual e a taxa de lucro sobre a soma das mercadorias,  
ao mesmo tempo em que aumenta a massa de lucro sobre a soma  
total das mercadorias - esse fenômeno evidencia apenas a diminuição  
da massa de lucro sobre a mercadoria individual, a queda do preço  
desta última e o aumento da massa de lucro sobre o número total  
aumentado das mercadorias produzidas pelo capital total da  
sociedade ou pelo capitalista individual. O que se depreende disso é  
que o capitalista adiciona menores lucros, por livre determinação,  
sobre a mercadoria individual, porém se ressarce por meio do maior  
número de mercadorias que produz. (MARX, 2017, p. 268)  
Isso leva à consequência de que com o avanço do capitalismo torna-se  
indispensável um investimento cada vez maior em capital constante, a fim de que o  
capitalista individual possa manter-se competindo no mercado, algo que encarece sem  
dúvidas o processo de produção, já que cresce o capital investido e, por consequência,  
o capital total (MARX, 2017, p. 261). Por outro lado, há também uma diminuição da  
base para a apropriação daquilo que é a fonte de riqueza dentro do modo de produção  
capitalista: a apropriação de trabalho não pago, que passa a diminuir  
proporcionalmente em relação ao capital total. O aumento da parte não paga do  
trabalho em relação à parte paga se dá em uma proporção cada vez menor, alterando  
a composição orgânica do capital. Cumpre ressaltar que a referida alteração da  
composição orgânica do capital não se opera em esferas isoladas da produção, e sim  
10 Há uma diferença aqui entre taxa de lucro e massa de lucro: a primeira se trata da equação referida acima,  
em que o mais-valor é dividido pela soma entre capital total e capital variável, enquanto a segunda consiste na  
diferença entre o preço de venda e o preço de custo (somatório do que foi gasto no processo de produção) da  
mercadoria.  
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em todas ou pelo menos nas decisivas, se colocando enquanto intrinsecamente ligada  
ao ímpeto essencial de autovalorização do valor e também à concorrência entre  
distintos capitais, tendo em vista que o caráter nivelador do capital dentro da  
concorrência intracapitalista interfere diretamente na taxa e na massa de lucro  
distribuídas, nivelando-as entre os setores. Esse nivelamento está ligado a uma  
produtividade crescente do trabalho que possibilite a diminuição do preço das  
mercadorias produzidas, mesmo que diminuindo a massa de lucro por mercadoria e a  
taxa de lucro sobre a soma de mercadorias, conforme citação acima, pois aqueles  
capitais que não conseguem atender a esse processo acabam sendo excluídos da  
concorrência, já que os preços das mercadorias deixam de ser competitivos. Há  
também o outro lado da mesma moeda, pois mercadorias com preços muito abaixo  
dos aplicados no mercado, seja por conta de inovações tecnológicas recentes, por  
exemplo, acabam ao longo do tempo se aproximando da média, já que outras  
empresas e setores acabam conseguindo obter inovações similares ou modificar os  
seus preços de alguma outra forma. Há que se considerar também a necessidade de  
uma produção em escala, pois com a queda dos preços das mercadorias e a  
consequente diminuição da massa e taxa de lucro, é indispensável a venda de uma  
quantidade maior de mercadorias para garantir a realização dos capitais envolvidos e  
atingir a massa de lucro esperada.  
Por fim, cabe ressaltar o caráter tendencial dessa lei: o nome de “lei de  
tendência” pode levar ao entendimento equivocado de que ela teria um caráter  
inexorável e imporia a sua efetivação justamente por ser uma “lei”, o que negaria a  
possibilidade de realização do oposto. Nas palavras do próprio Marx, ela se trata de  
uma “lei cuja aplicação absoluta é contida, refreada e enfraquecida por circunstâncias  
contra-arrestantes” (MARX, 2017, p. 234), ou seja, o estatuto da “necessidade” da  
ocorrência da queda da taxa de lucro em Marx é o de uma necessidade relativa e não  
absoluta, pois sempre admite a possibilidade do seu oposto e depende de condições  
externas para se concretizar, sendo assim, ela é capaz de se sobrepor às contingências,  
mas sem anulá-las completamente.11  
11 Originalmente, em seu manuscrito, Marx tratou conjuntamente da lei tendencial da queda da taxa de  
lucro e das tendências contra-arrestantes, porém, Engels fez a opção por separá-las em capítulos  
distintos, dando origem aos Capítulos 13, 14 e 15 do texto final da Seção III do Livro III. Conforme  
explana Michael Krätke (KRÄTKE, 2018), Engels foi censurado por supostamente ter criado a impressão  
de que haveria na obra marxiana algo como uma teoria das crises ou ao menos a sua intenção, porém,  
o autor nunca fez afirmação nesse sentido. Krätke explica que “Em parte alguma, nesse capítulo, Engels  
criou a impressão de que se trataria ali de uma exposição sistemática das crises cíclicas, ou de que seria  
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Logo, as mesmas causas que geram a tendência de diminuição da taxa de lucro  
produzem um contrapeso a ela, paralisando, em maior ou menor grau, o seu efeito.  
(MARX, 2017, p. 276), como no caso do prolongamento da jornada de trabalho, a  
compressão dos salários abaixo do seu valor, o barateamento dos elementos do capital  
constante, a superpopulação relativa, o comércio exterior, entre outras a serem  
analisadas em determinadas circunstâncias e no decorrer de longos períodos. Tais  
fenômenos, ao invés de derrogarem a lei, apenas permitem compreender por que a  
queda da taxa de lucro se dá de forma progressiva, e não absoluta, algo que não foi  
compreendido pelos economistas políticos, justamente por conta da falta de  
compreensão das diferenças entre capital constante e capital variável, mais-valor e  
lucro, bem como da diferença na composição orgânica do capital e da formação da  
taxa geral de lucro.  
Não se pode olvidar, ainda, do movimento inverso da taxa de lucro e da taxa  
de mais-valor, que produzem uma espécie de desmedida, termo utilizado por J.  
Grespan (GRESPAN, 2012): ainda que as duas taxas sejam meios para o capital medir  
a sua valorização, ele próprio capital determina movimentos opostos a cada uma elas,  
sendo que ao se considerar a taxa de mais-valor a valorização do capital é crescente,  
enquanto ao se considerar a taxa de lucro, conforme explicitado pela lei aqui tratada,  
ela é decrescente. A consequência disso é a perda de referência do capital em si  
mesmo, pois ele deixa de ser capaz de utilizar um parâmetro único na sua  
autodeterminação e na avaliação dos seus processos de reprodução e acumulação.  
A desmedida expressa, assim, a contradição imanente ao capital em  
sua pretensão a rebaixar o trabalho vivo a momento do todo por ele  
formado e a impedir que o trabalho forme também uma totalidade por  
seu lado [...]: conforme um dos lados desta relação, o capital mede  
sua valorização pela taxa de lucro, como se ele fosse, enquanto capital  
total, o criador de valor, conforme o outro lado, porém, sua pretensão  
se choca com a realidade de que apenas o trabalho vivo cria valor, e  
a medida da valorização pela taxa de mais-valia entra em oposição  
com a taxa de lucro. (GRESPAN, 2012, p. 188)  
Dando seguimento ao percurso realizado por Marx no Livro III, adentraremos  
no Capítulo 15, em que ele desenvolve o desdobramento das contradições internas  
da lei tendencial, mais especificamente, o foco será na questão da sobreacumulação  
periódica de capital, em que a citada perda de referência do capital em si mesmo no  
aquele o lugar sistemático, na exposição completa d’O capital, a que tal exposição pertencesse ou em  
que fosse esperada. Ele não poderia em absoluto, já que ao menos estava suficientemente claro para  
ele o nexo necessário de crédito e crise, tal qual Marx tinha em mente” (KRÄTKE, 2018, p. 11).  
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nova fase  
Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
decorrer do processo de autovalorização, que resulta na queda tendencial da taxa de  
lucro, atinge um novo patamar.  
A sobreacumulação periódica de capital  
Para compreender a sobreacumulação periódica de capital12 é necessário levar  
em consideração que dentro da lei de tendência desdobra-se a oposição entre  
valorização e desvalorização, que se colocam separados temporalmente, na forma de  
fases distintas do processo de acumulação, mais especificamente, dos processos de  
produção e valorização. Se produção e valorização serviam de referência mútua entre  
si, no processo de sobreprodução isso deixa de ocorrer, culminando em uma  
verdadeira “desmedida”. Assim, ainda que uma seja mediada pela outra, a relação  
estabelecida entre elas baseia-se na diferença, o que abre margem para a  
autonomização dos seus momentos, e a sobreprodução pode resultar disso13.  
Mas de antemão cabe fazer uma ressalva, a sobreprodução tratada aqui, nas  
palavras do próprio Marx, é a “sobreprodução de capital, não de mercadorias  
singulares embora a sobreprodução de capital sempre implique sobreprodução de  
mercadorias – nada significa senão sobreacumulação de capital” (MARX, 2017, p.  
250), ou seja, não é apenas um excesso de produção de mercadorias que não  
conseguem ser vendidas no mercado, ainda que por vezes possa se manifestar dessa  
forma, mas sim, o excesso de meios de produção, na medida em que eles que não  
conseguem atuar enquanto capital, no sentido de associar-se com a força de trabalho  
e gerar valorização:  
A superprodução de capital não significa outra coisa senão a  
superprodução de meios de produção meios de trabalho e de  
subsistência que podem atuar como capital, isto é, que podem ser  
empregados para a exploração do trabalho em dado grau de  
exploração, uma vez que a queda desse grau de exploração abaixo de  
certo ponto provoca perturbações e paralisações do processo de  
produção capitalista, crises e destruição de capital. (MARX, 2017, p.  
254)  
12  
Acerca da questão da sobreprodução de capital conferir a obra O capital financeiro de Rodolf  
Hilferding. (HILFERDING, 1985).  
13  
A relevância da sobreacumulação periódica de capital nas crises e a questão da  
possibilidade/necessidade delas não é pacífico na literatura marxista. Rosa Luxemburgo, por exemplo,  
teceu a sua teoria do colapso econômico do capitalismo para responder àqueles que defendiam a  
possibilidade de eternização desse modo de produção. Rosdolsky (ROSDOLSKY, 2001, pp. 92-100;  
538-54) trata dessa discussão, defendendo que esse tipo de leitura se baseia em uma má interpretação  
da arquitetura d’O capital, tendo em vista que se utiliza de categorias do Livro II que só estariam  
suficientemente concretas no Livro III.  
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Para avaliar a ocorrência de desmedida entre produção e valorização que  
resulta em sobreprodução é necessário verificar a taxa de lucro: observa-se que mesmo  
com novos investimentos em meios de produção, obtém-se taxas de lucro cada vez  
menores, culminando em um momento em que não seria mais interessante realizar  
novos investimentos, pois o retorno deles não compensaria o gasto necessário.  
Quando se atinge esse ponto, a reação que se mostra fundamental para a  
retomada da autovalorização é a destruição de capital. Apesar de aparentemente  
contraditória, tal eliminação se faz necessária para a autoconservação do capital, pois  
prepara uma nova fase de expansão e a reversão da queda da taxa de lucro (MARX,  
2017, p. 248). Além de se colocar, então, como uma expressão das contradições de  
fundo de modo de produção capitalista, essa destruição de capital ocorrida nas crises  
se mostra enquanto uma espécie de remédio para o desequilíbrio gerado pelas  
determinações que culminaram na queda da taxa de lucro, ou, nas palavras do nosso  
autor, “estas [as crises] são sempre apenas violentas soluções momentâneas das  
contradições existentes, erupções violentas que restabelecem por um momento o  
equilíbrio perturbado” (MARX, 2017, p. 248).  
Nessa fase temos então, por um lado, um certo estado de paralisação da  
produção, a contração dos preços, a interrupção da cadeia de obrigações de  
pagamento, o colapso do sistema de crédito, a desvalorização dos títulos de  
propriedade, o aumento do desemprego, a baixa dos salários, por outro, alguns desses  
mesmos fatores contribuem para a retomada da economia, já que com a queda dos  
preços das mercadorias os capitalistas se veem obrigados a reorganizar a produção  
com menos mão de obra e buscar novas tecnologias referentes aos meios de trabalho  
diminuir a proporção entre capital variável e constante dentro da composição orgânica  
do capital, além do que a baixa dos salários e da mão de obra empregada cria uma  
superpopulação artificial e age como se o mais-valor relativo e absoluto tivessem  
aumentado. É a concorrência, como não poderia deixar de ser14, que determina quais  
capitais serão destruídos, como serão repartidos os prejuízos, quais novas tecnologias  
irão prosperar e se manter, bem como liderar a superação da crise (MARX, 2017, p.  
251).  
Conclui-se disso tudo que na fase de expansão do capital são desencadeadas  
as causas de retração e na própria crise está contida a solução para a sua superação:  
14  
É dentro da concorrência que o caráter nivelador do capital atua para uniformizar as taxas de lucro  
obtidas pelos diversos setores e determinar a reprodução ou destruição dos capitais envolvidos.  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
cada fase contém em si o seu oposto. Da mesma forma se dá com as contradições  
sistêmicas do modo de produção capitalista, que não estão presentes apenas nos  
períodos de crise, mas também nos de expansão. Isso cria a necessidade de uma  
alternância de fases, pois senão se tornaria inviável a reversão de momentos de queda  
da taxa de lucro, bem como a criação de novos patamares de expansão com a  
renovação da produção gerada nas crises, o que demonstra que ambas estão  
intrinsecamente ligadas à essência do capital, não sendo apenas contingências  
externas (GRESPAN, 2012, p. 19).  
Apesar da repetição das fases de expansão e crise, elas não se dão sempre da  
mesma forma, pois “a produção capitalista tende constantemente a superar esses  
limites que lhes são imanentes, porém consegue isso apenas em virtude de meios que  
voltam a elevar diante dela esses mesmos limites, em escala ainda mais formidável”  
(MARX, 2017, p. 248), ou seja, as erupções tendem a se dar de forma cada vez mais  
violenta.  
Um exemplo disso são as crises recentes como a de 200815, que se iniciou com  
o estouro de uma bolha imobiliária americana, derivada em grande parte da  
especulação de títulos jurídicos, e espalhou os seus efeitos por todo o globo, tendo  
em vista a potencialidade desses títulos estarem ou não ligados à produção futura,  
não representarem capital algum, ou se desenvolverem independentemente do capital  
real que lhes serve de lastro, conforme será melhor tratado adiante. Para isso, será  
necessário passar por conceitos como o de capital portador de juros e capital fictício  
a fim de culminar no objeto do presente trabalho: demonstrar que os títulos jurídicos  
desempenham uma função relevante no desenrolar dos processos de crise.  
O capital portador de juros  
Nas palavras de Marx, “no capital portador de juros, porém, tanto a devolução  
como a cessão do capital são mero resultado de uma transação jurídica entre o  
proprietário do capital e uma segunda pessoa. O que vemos é apenas cessão e  
15  
Há alguns estudiosos que se debruçaram especificamente sobre esse tema. David Harvey em sua  
obra O enigma do capital e as crises do capitalismo analisa a crise de 2008 para demonstrar a similitude  
com crises passadas. Assim, ele analisa as condições necessárias para a acumulação do capital e  
demonstra o papel que as crises exercem na reprodução do modo de produção capitalista (HARVEY,  
2010). John Bellamy Foster e Fred Magdoff no texto The great financial crisis: causes and consequences  
também tratam especificamente da crise de 2008, por eles intitulada como a “Grande Recessão”. Em  
linhas gerais, a tese defendida por eles é a de que o capitalismo que surge a partir da segunda metade  
do século XIX, marcado por sociedades por ações, tem uma tendência permanente à estagnação  
(FOSTER; MAGDOFF, 2009).  
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devolução. Tudo o que se encontra entre esses dois polos se esfuma” (MARX, 2017,  
p. 396). Ele seria, pois, uma espécie de figura fantástica do capital, o que não retira a  
sua efetividade, já que as repercussões na sociabilidade capitalista são várias (MARX,  
2011, p. 68). Desse modo, apaga-se a determinação de fundo da oposição capital-  
trabalho, e não resta vestígios de todo o processo de exploração do trabalho e  
extração de mais-valor (cf. SARTORI, 2019a; 2019b).  
A peculiaridade aqui é que o capital passa a atuar como mercadoria, ou seja,  
ao ser alienado, é fixada uma contraprestação pelo seu adiantamento. Assim, o  
dinheiro deixa de atuar apenas como equivalente universal e ele próprio assume o  
caráter de mercadoria após ser firmado um acordo de vontades entre o capitalista  
prestamista e o funcionante, por exemplo, em que o dinheiro será investido na  
exploração de mais força de trabalho para ao final do processo devolver o montante  
adiantado mais o adicional pactuado. O que se passa então, em resumo, é processo  
de emprestar e tomar emprestado, ao invés de vender e comprar, o que parece  
irracional do ponto de vista da troca simples de mercadorias, como explica Marx:  
Não se pode jamais esquecer que aqui o capital é, como tal, capital,  
mercadoria, ou que a mercadoria de que aqui se trata constitui um  
capital. Todas as relações que aqui se apresentam seriam, portanto,  
irracionais do ponto de vista da simples mercadoria ou também do  
ponto de vista do capital, na medida em que este último, em seu  
processo de reprodução, funciona como capital mercadoria. Emprestar  
e tomar emprestado em vez de vender e comprar representa, aqui,  
uma diferença que deriva da natureza específica da mercadoria, ou  
seja, do capital. Além disso, significa que o que aqui se paga são os  
juros, não o preço da mercadoria. Se quisermos chamar os juros de  
preço do capital monetário, essa é, então, uma forma irracional do  
preço, em plena contradição com o conceito do preço da mercadoria.  
O preço se reduz aqui a sua forma puramente abstrata e carente de  
conteúdo, como uma soma de dinheiro determinada que é paga por  
algo que, de um modo ou de outro, figura como valor de uso, ao passo  
que, de acordo com seu conceito, o preço é igual ao valor expresso  
em dinheiro desse valor de uso. (MARX, 2017, p. 401)  
Apesar de figurar enquanto mercadoria, conforme exposto ao final do trecho  
acima, o que se paga por ele é juro, e não preço da mercadoria. Isso torna o preço  
uma figura abstrata e sem conteúdo, considerando que o conceito de preço é o de  
expressão em dinheiro de determinado valor de uso e no presente caso o preço seria  
apenas a soma de dinheiro paga por algo que pode vir a figurar como valor de uso de  
alguma maneira. Alguns fatores externos podem interferir no preço desse capital, como  
as taxas de juros do período que estiver sendo analisado, o lucro produzido e a  
concorrência entre os capitalistas.  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
Desse modo, a sua forma fantástica faz com que os rendimentos regulares dele  
advindos sejam vistos como juros, seja ele proveniente de um capital ou não, como se  
fosse propriedade do dinheiro criar valor e gerar juros, assim como a de uma pereira  
é dar peras (MARX, 2017, p. 382), além do mais, faz com que toda soma de valor  
apareça como capital, desde que não seja despendida como renda (MARX, 2017, p.  
447). Temos aqui a questão do fetichismo do capital, no qual o capital total aparenta  
ser a fonte do lucro, e não o trabalho vivo. Isso, apesar da aparência de mera ilusão,  
se baseia efetivamente no movimento real do capital de nivelamento da taxa de lucro  
nos diversos ramos através da concorrência, explicado anteriormente.  
Conforme mencionado na introdução, o capital portador de juros “representa,  
na imaginação popular, a forma do capital par excellence”, porque se mostra  
frequentemente no cotidiano dos agentes econômicos, e que gera tamanhas  
consequências a ponto de Marx considerá-lo uma “exploração secundária, que corre  
paralela com a original, que se dá diretamente no próprio processo de produção”,  
tendo em vista que “a classe trabalhadora também dessa forma é fraudada e de  
maneira escandalosa” (MARX, 1986, p. 118)16.  
Além de sofrer com as consequências dessa forma de capital, ela não interfere  
na maneira com que a divisão dos juros de um capital se dá, ou então do lucro na  
forma do ganho empresarial, porque a sua divisão se dá por meio de títulos jurídicos,  
a qual é determinada pela concorrência, e possui uma relação apenas mediada com o  
trabalho, mas que não aparece na imediatidade da sociedade capitalista. Como afirma  
Marx, “a proporção em que o lucro é repartido e os diferentes títulos jurídicos que  
servem de base a essa repartição pressupõem o lucro como algo dado, pressupõem  
sua existência” (MARX, 2017, p. 371). Ou seja, para trabalhador não faz diferença se  
o capitalista embolsa todo o capital ou se precisa repassar uma porcentagem dele a  
um terceiro proprietário jurídico. Mais consequências acerca dessa figura econômica  
na superfície da sociabilidade capitalista serão expostas adiante.  
16 Acerca da questão da economia vulgar e socialismo vulgar, conferir a seguinte passagem, bem como  
o texto de V. Sartori intitulado Fetichismo, transações jurídicas, socialismo vulgar e capital portador de  
juros; o Livro III de o capital diante do papel ativo do direito: “Na imaginação popular, bem como no  
socialismo vulgar, os juros aparecem autonomizados, identificando-se, em grande medida, com as  
vicissitudes do modo de produção capitalista. Neste sentido, no imediato, bem como na representação  
acrítica desta imediatez, ou seja, no que Marx chama de economia vulgar, o capital não aparece como  
expressão da relação-capital, mas reificado, como uma coisa que parece ter a capacidade mágica de  
gerar valor independentemente do trabalho da classe trabalhadora. Neste sentido, é bom ressaltar que,  
mesmo que Marx seja um crítico do capital portador de juros, ele não se coloca deste modo por defender  
o capital industrial e “produtivo”, mas porque mostra a necessidade da crítica ao próprio capitalismo.”  
(SARTORI, 2019b, p. 17)  
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O capital fictício  
Agora que já compreendemos o capital portador de juros, que se mostra  
enquanto “a matriz de todas as formas insanas de capital” (MARX, 2017, p. 448),  
passaremos a outra modalidade relacionada e igualmente fantástica, a de capital  
fictício. Nela, é premente o seu caráter ilusório, que reproduz a “concepção do capital  
como um autômato que se valoriza por si mesmo” (MARX, 2017, p. 524), e que está  
intrinsecamente ligada com uma autonomização do direito, conforme será melhor  
explicitado adiante (cf. SARTORI, 2019a; 2019b; 2021).  
Primeiramente, temos que Marx dá à formação do capital fictício o nome de  
capitalização, e explicita o percurso para criá-lo:  
Para capitalizar cada receita que se repete com regularidade, o que se  
faz é calculá-la sobre a base da taxa média de juros, como o  
rendimento que um capital, emprestado a essa taxa de juros,  
proporcionaria; se, por exemplo, a receita anual é = £100 e a taxa de  
juros é = 5%, então £100 seriam os juros anuais de £2.000, que  
poderiam ser agora consideradas o valor-capital do título jurídico de  
propriedade sobre as £100 anuais. Para a pessoa que compra esse  
título de propriedade, as £100 de receita anual representam, de fato,  
os juros de seu capital investido a 5%. (MARX, 2017, p. 524)  
Para compreendê-lo, então, é necessário considerar a taxa de juros considerada  
enquanto rendimento de um capital a ser emprestado, a fim de calcular os juros a  
serem obtidos, os quais são considerados para calcular o valor-capital do título jurídico  
sobre tais juros. Porém, tal equação não remete ao processo real de valorização, razão  
pela qual Marx afirma que nesse tipo de transação, conforme mencionado acima,  
“apaga-se até o último rastro toda a conexão com o processo real de valorização do  
capital e se reforça a concepção do capital como um autômato que se valoriza por si  
mesmo” (MARX, 2017, p. 524).  
Ou seja, por estar diretamente ligado à figura do capital portador de juros, que  
se mostra enquanto capital que aparenta advir do próprio capital (D-D’), sem passar  
pelo processo de valorização (D-M-D’), o que sobra aparentemente é apenas o título  
jurídico que dá direito aos juros gerados. Desse modo, se parece ser o capital total e  
não o trabalho vivo a dar origem ao lucro, conforme inversão promovida pelo  
fetichismo do capital, a consequência aparente é a de que o título jurídico de  
propriedade sobre o capital irá determinar a sua reprodução e a obtenção de lucro, ao  
passo que não é. Alguns dos exemplos que Marx usa para explicitar essa dinâmica são  
os títulos de dívida pública e as ações de companhias, os quais vejamos.  
Primeiramente, os títulos jurídicos envolvidos nessas transações se colocam  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
como títulos de propriedade que representam um determinado capital, o qual, no caso  
do capital fictício, é meramente ilusório. Se no caso do capital portador de juros ele  
pode se ligar ao processo futuro de produção de mais-valor ao ser cedido ao  
capitalista industrial, que efetivamente vai investi-lo no processo produtivo, no caso  
do capital fictício essa hipótese sequer é possível. Esse é o caso da dívida pública, em  
que a partir do momento em que um determinado credor empresta capital ao Estado,  
ele deixa de existir, já que nunca se destinou a ser investido como capital  
propriamente, que seria a única possibilidade de convertê-lo em um capital que se  
valoriza, sendo simplesmente consumido pelo estado:  
A cada ano, o estado precisa pagar a seus credores determinada  
quantidade de juros pelo capital que lhe emprestam. Nesse caso, o  
credor não pode reclamar a seu devedor a devolução do dinheiro  
emprestado, mas simplesmente vender a outro o crédito, ou seja, seu  
título de propriedade sobre ele. O próprio capital foi consumido, gasto  
pelo estado. Ele deixou de existir. O que o credor do estado possui é:  
1) um título de dívida pública, digamos de £100; 2) o direito, que  
esse título de dívida lhe confere, de participar das receitas anuais do  
estado, isto é, sobre o produto anual dos impostos, em determinada  
soma digamos, de £5 ou 5%; 3) a possibilidade de vender a outros,  
quando quiser, esse título de dívida de £100. Se a taxa de juros for  
de 5% e a garantia oferecida pelo estado for boa, o proprietário A  
poderá, em regra, vender a B o título de dívida por £100, pois para  
B tanto faz emprestar £100 a 5% ao ano ou, em troca do pagamento  
de £100, garantir para si um tributo anual de £5 por parte do estado.  
Porém, o capital, do qual o pagamento pelo estado é considerado um  
fruto (juros), é, em todos esses casos, ilusório, fictício. A soma que foi  
emprestada ao estado já não existe. Além disso, ela jamais se destinou  
a ser gasta, investida como capital, e apenas seu investimento como  
capital poderia tê-la convertido num valor que se conserva. (MARX,  
2017, p. 522)  
Assim, o que resta ao credor que emprestou capital ao estado, não é o capital  
emprestado anteriormente, já que a esse foi dada outra finalidade, mas sim, apenas  
um título jurídico de dívida pública que lhe dá o direito de participar das receitas  
anuais do Estado, ou de vender tal título a um terceiro se assim desejar. Esses  
representam capital fictício não importa quantas vezes se repitam essas transações, e  
apenas mantêm a sua aparência enquanto são vendáveis e se mantém a confiança  
neles. Quando essa possibilidade deixa de existir, o seu caráter ilusório se desfaz.  
Para o credor original A, a parte dos impostos anuais que lhe cabe  
representa os juros de seu capital, do mesmo modo que para o  
usurário a parte que lhe cabe do patrimônio do pródigo, embora em  
nenhum desses casos a soma de dinheiro emprestada tenha sido  
despendida como capital. A possibilidade de vender ao estado o título  
da dívida pública representa para A a possível recuperação do  
montante principal. Quanto a B, de seu ponto de vista particular, seu  
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capital foi investido como capital portador de juros. Na realidade, ele  
apenas apareceu no lugar de A, cujo título de dívida pública ele  
comprou. Não importa quantas vezes se possam repetir essas  
transações, o capital da dívida pública continua a ser puramente  
fictício, e a partir do momento em que os títulos da dívida deixam de  
ser vendáveis se desfaz a aparência ilusória desse capital. Apesar  
disso, esse capital fictício tem seu próprio movimento, como veremos  
adiante. (MARX, 2017, p. 522)  
Consequentemente, conforme introduzido por Marx na citação acima, o capital  
fictício tem o seu próprio movimento, e a sua aparência ilusória pode vir a se desfazer,  
gerando consequências catastróficas, como será melhor explicitado adiante. É  
relevante também fazermos um contraste entre a força de trabalho com o capital da  
dívida pública, a fim de elucidar ainda mais o absurdo dessa categoria.  
De antemão temos que o salário que remunera a força de trabalho, ao invés de  
explicar a valorização do capital pela sua exploração, é concebido por alguns  
economistas vulgares como os juros resultantes do capital representado pela força de  
trabalho, que por sua vez se colocaria enquanto capital portador de juros. Eis então  
que:  
Sendo, por exemplo, o salário de um ano = £50 e a taxa de juros de  
5%, a força de trabalho anual corresponde a um capital de £1.000. A  
insanidade da concepção capitalista atinge aqui seu ponto culminante:  
em vez de explicar a valorização do capital pela exploração da força  
de trabalho, procede-se do modo inverso, elucidando a produtividade  
da força pela circunstância de que a própria força de trabalho é essa  
coisa mística que se chama capital portador de juros. Na segunda  
metade do século XVII, essa era uma concepção muito valorizada (por  
Petty, por exemplo), mas ainda hoje ela é utilizada com toda seriedade  
por alguns economistas vulgares e sobretudo por estatísticos  
alemães. (MARX, 2017, p. 523)  
Mas há dois fatores que afastam essa concepção: o trabalhador precisa  
trabalhar para receber os juros que supostamente são gerados, e ele não pode  
converter em dinheiro, através de transferência, o valor-capital que a sua força de  
trabalho representa. O seu valor anual é equivalente a seu salário médio anual, e ele  
precisa devolver ao comprador por meio do seu trabalho esse próprio valor somado  
ao mais-valor, que nada mais é que a valorização desse valor (MARX, 2017, p. 523).  
As ações também representam outra categoria capaz de demonstrar tanto o  
absurdo do capital fictício quanto a volatilidade que representam os títulos jurídicos  
que permitem a sua comercialização. Conforme explicita Marx, “os papéis de valor são  
como títulos de propriedade que representam esse capital” (MARX, 2017, p. 524). As  
ações das companhias, negociadas em bolsas de valores, representam um capital real,  
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nova fase  
Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
que foi investido a fim de propiciar o funcionamento dessas empresas, ou que foi  
investido por sócios para atuar como capital. Ocorre que não há uma existência dupla  
desse capital, uma enquanto valor-capital desses títulos de propriedade, e outra como  
capital que realmente foi investido na empresa, mas sim, ele só existe nessa segunda  
possibilidade, tendo em vista que “a ação não é mais que um título de propriedade  
que dá direito a participar pro rata [proporcionalmente] no mais-valor que aquele  
capital vier a realizar” (MARX, 2017, p. 524). O fato de um acionista A vender a sua  
participação a B e esse a C não muda a natureza do problema, a única mudança é a  
de que A e B converteram os títulos em capital e C o converteu em “mero título de  
propriedade sobre o mais-valor que se espera do capital acionário” (MARX, 2017, p.  
524).  
A autonomização dos títulos jurídicos em relação ao capital real e as crises  
econômicas  
Como visto, ocorre, então, um movimento independente do preço dos títulos  
jurídicos, tanto dos títulos da dívida pública mencionados anteriormente, quanto  
também das ações. Isso advém em grande parte do fato de que os juros são vistos  
como uma espécie de mais-valor, em que “o capital em si proporciona, embora seu  
proprietário fique fora do processo de reprodução, que, portanto, o capital  
proporciona separado de seu processo” (MARX, 2017, p. 282). Há, assim, uma  
separação entre propriedade e função do capital (cf. SARTORI, 2019b), em que de um  
lado temos o capitalista prestamista, que empresta o dinheiro, e de outro o capitalista  
realmente funcionante, que irá empregar o dinheiro enquanto capital; o capital  
enquanto propriedade, na forma do capital portador de juros, é confrontado com o  
capital enquanto função, e enquanto ele não funciona enquanto capital não é capaz  
de explorar trabalhadores e a contradição capital-trabalho permanece apagada.  
Como consequência desse processo, há uma duplicação entre a propriedade  
jurídica e econômica, em que por um lado temos os titulares dos títulos jurídicos que  
servem como formas e garantias em transações que podem escalar níveis especulativos  
impressionantes, nos quais títulos jurídicos servem de garantia para outros títulos  
jurídicos, perdendo a referência com o processo real de produção e regulando-se  
independentemente, e de outro os proprietários econômicos que efetivamente agem  
no processo de produção de mais-valor. Há uma antítese da função do capital dentro  
do processo de reprodução e da mera propriedade do capital fora do processo de  
reprodução.  
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Conforme exposto, o capital que é cedido ao estado se perde assim que a  
cessão se efetiva, passando a ser capital fictício que remunera o titular dos papéis de  
propriedade através dos juros, e o preço das ações também tem a sua forma peculiar  
de arbitramento, e ambos se colocam no mercado como mercadorias que podem ser  
trocadas. Tal característica “reforça a ilusão de que eles constituem um capital real ao  
lado do capital ou do direito ao qual eles possivelmente deem título” (MARX, 2017, p.  
524). Aqui a questão se torna meandrada. Por assumirem o caráter de mercadoria,  
elas passam a se expressar através de preços, e esses preços têm os seus movimentos  
característicos, sendo fixados de maneira peculiar. O valor de mercado difere do valor  
nominal, sem alterar o valor do capital real, ainda que a valorização possa ser alterada.  
Como que magicamente, o valor de mercado das ações flutua de acordo com o  
montante e a confiabilidade dos rendimentos em relação aos quais conferem título  
legal. A seguir o exemplo trazido pelo próprio Marx:  
Se o valor nominal de uma ação, isto é, da soma desembolsada que a  
ação originalmente representa, é de £100, e a empresa gera 10% em  
vez de 5%, seu valor de mercado, mantendo-se constantes as demais  
circunstâncias e com uma taxa de juros de 5%, aumentará para £200,  
pois, capitalizada a 5%, a ação representa um capital fictício de £200.  
Quem a comprar por £200 obterá 5% de renda sobre esse  
investimento de capital. E o contrário ocorrerá quando diminui o  
rendimento da empresa. (MARX, 2017, p. 524)  
Percebe-se então um ponto delicado: o valor de mercado das ações é em parte  
especulativo, não dependendo apenas dos ganhos reais, e sim também dos esperados,  
que são calculados por antecipação (MARX, 2017, p. 524). Analisa-se então  
minuciosamente o rendimento da empresa que emitiu a ação, são efetuadas projeções  
a fim de averiguar a viabilidade de possíveis rendimentos futuros a partir da sua  
situação presente, e sempre existe a possibilidade de questões políticas, sanitárias,  
sociais e econômicas também afetarem o valor de mercado dos títulos ou de forma  
mais ampla a conjuntura do mercado de ações como um todo.  
Dificuldades no mercado financeiro, por resultado, afetam diretamente tanto  
títulos na forma de ações, quanto títulos que garantem rendimento constante como os  
de dívida pública. A taxa de juros também influencia nesse cenário, já que os preços  
dos papéis aumentam ou diminuem na razão inversa a ela: “Se esta sobe de 5% para  
10%, então um título que assegura um ganho de £5 representa apenas um capital de  
£50. Se cai para 2½%, então o mesmo título representa um capital de £200.” (MARX,  
2017, p. 524) Por conseguinte, conforme explicado anteriormente, se o capital fictício  
é criado através da capitalização, o valor-capital do título jurídico é sempre o  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
rendimento capitalizado, calculado em relação a um capital ilusório, levando em  
consideração a taxa de juros vigente, e em épocas de dificuldades do mercado  
financeiro o preço dos títulos cai de dois modos: porque aumenta a taxa de juros a fim  
de, entre outras razões, frear a alta da inflação, e também pelo fato de que os títulos  
são lançados em massa ao mercado a fim de serem realizados em dinheiro, devido por  
exemplo a uma quebra na confiança no mercado diante de problemas nos bancos, o  
que será tratado em detalhe adiante.  
Outro motivo que pode causar uma queda no preço dos títulos, principalmente  
no caso das empresas industriais, são as perturbações no processo de valorização do  
capital real que eles representam. Porém, se essas perturbações não forem  
incontornáveis, o preço dos papéis pode voltar ao patamar anterior ao da crise, ou até  
superá-lo. Por essa razão, “sua depreciação durante a crise serve como um poderoso  
meio de centralização de fortunas em dinheiro” (MARX, 2017, p. 525), já que aqueles  
que compraram os títulos durante a crise e os venderam após a recuperação do preço  
podem realizar uma diferença substancial em dinheiro. Isso demonstra que o solo que  
determina o preço desses papéis está na produção, então mesmo com o processo de  
desvalorização que ocorre na crise, a tendência é que com o seu abrandamento haja  
a retomada do lastro na produção.  
A referida autonomização do valor dos títulos jurídicos em relação ao capital  
real que representam também é demonstrada através do fato, por exemplo, de que a  
riqueza das nações pode permanecer a mesma depois dos processos de  
valorização/desvalorização deles. Nesse sentido vale demonstrar o exemplo elencado  
por Marx:  
Em 23 de outubro de 1847, os títulos públicos e as ações dos canais  
e das ferrovias já se encontravam desvalorizados num montante de  
£114.752.225” (Morris, governador do Banco da Inglaterra,  
testemunho no relatório sobre Commercial Distress, 1847-1848 [n.  
3.800]). Em todos os casos em que sua desvalorização não refletia  
uma paralisação real da produção e do tráfego em ferrovias e canais,  
uma suspensão dos empreendimentos iniciados ou o desperdício de  
capital em empresas comprovadamente sem valor, a nação não ficou  
nem um centavo mais pobre ao estourar essa bolha de capital  
monetário puramente nominal. (MARX, 2017, p. 526)  
Depreende-se que nos casos em que não há comprometimento sério da  
produção que chegue a culminar na sua paralisação ou na interrupção de tráfegos em  
ferrovias e canais, suspensão de empreendimentos iniciados ou desperdício de capital  
em empresas sem valor a riqueza da nação não seria afetada por aquilo que Marx  
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chama de “bolha de capital monetário puramente nominal”.  
Acontece que tal “bolha de capital monetário puramente nominal” é um  
fenômeno bastante complexo que vale a pena ser melhor desenvolvido, porque apesar  
de existir a possibilidade de a riqueza da nação não ser afetada por tal bolha, tal  
autonomização dos títulos jurídicos tem o potencial de assumir proporções  
catastróficas capazes de abalar a economia global e ser forçada a de certo modo  
retomar a existência de lastro após as crises. Serve de exemplo disso a já repisada e  
muito tratada Crise de 2008.  
Tal crise, também conhecida como Crise do Subprime, apelidada de “bolha  
imobiliária americana”, começou com a forte queda do índice Dow Jones em julho de  
2007, motivada pela hipótese do colapso hipotecário, que arrastou consigo várias  
instituições financeiras americanas para a situação de insolvência. O cerne da questão  
foi a concessão irresponsável dos chamados empréstimos hipotecários podres, ou  
subprime mortage, que culminaram em uma crise de crédito através da transferência  
desenfreada de CDS (Credit Default Swaps) e CDO (Collateralized Debt Obligation)  
para terceiros, repassando assim os riscos para outras contrapartes.  
O sistema bancário assume um papel proeminente nesse cenário, tendo em  
vista se colocar como uma das estruturas que propiciam a distribuição de capital na  
superfície da sociedade, tendo que vista que “por meio do sistema bancário, a  
distribuição do capital é retirada das mãos dos capitalistas particulares e dos usurários  
como um negócio especial, como função social” (MARX, 2017, p. 573). Essa  
proeminência contribui para a separação entre titularidade jurídica e econômica, que  
deixam de coincidir, já que o título jurídico se autonomiza em relação ao capital real  
que representa, e a realização de investimentos não mais necessita de acúmulo de  
trabalho prévio ou remete necessariamente à produção futura de mais-valor, tendo em  
vista que o financiamento pode advir do próprio sistema bancário, “de modo que nem  
o prestamista nem quem emprega esse capital é seu proprietário ou seu produtor”  
(MARX, 2017, p. 573).  
Com tal relevância assumida pelo sistema bancário, então, cria-se um processo  
que atribui função social ao investimento e o torna de certo modo independente dos  
capitalistas individuais, resultando no fato de que “o banco e o crédito se convertem  
no meio mais poderoso de impulsionar a produção capitalista para além de seus  
próprios limites e um dos mais eficazes promotores das crises e da fraude” (MARX,  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
2017, p. 573)17.  
Temos também que a acumulação de capital monetário nesse cenário passa a  
assumir a forma de uma acumulação de direitos sobre a produção, de preço de  
mercado e, sobretudo, do valor-capital ilusório desses direitos. Sendo assim, seja ao  
analisarmos os exemplos trazidos por Marx de títulos de dívida e de ações, ou do  
exemplo mais atual da crise de 2008, o que vemos é uma acumulação de direitos,  
temos que em todas elas há investidores acumulando direitos e valor-capital ilusório,  
e em alguns casos, como no último, a acumulação desenfreada de CDS (Credit Default  
Swaps) e CDO (Collateralized Debt Obligation), culminou em uma crise de crédito que  
assumiu proporções globais.  
Consequentemente, nota-se a relevância que tais formas jurídicas passam a  
tomar na superfície do capitalismo global, razão pela qual não podem ser  
desconsideradas sem se correr o risco de deixar de compreender os fundamentos das  
crises econômicas.  
Outro fator relevante a ser compreendido na ocorrência das crises é a  
composição do capital bancário, que já se adianta, tem uma significativa proeminência  
de títulos jurídicos especulativos. De antemão, temos que uma parte considerável do  
capital bancário está investido em capital portador de juros, que também está presente  
no fundo de reserva dos bancos, e a parcela mais relevante está na forma de letras de  
câmbio, que nada mais são do que promessas de pagamento dos capitalistas  
industriais e dos comerciantes, as quais são títulos que geram juros aos bancos quando  
do vencimento, a depender da taxa de juros vigente à época (MARX, 2017, p. 450).  
Em seguida há títulos da dívida pública (que representam capital pretérito) e ações  
(direitos sobre rendimentos futuros).  
A última parte consiste na reserva monetária em ouro ou cédulas bancárias, a  
qual, para a surpresa de muitos, tendo em vista que supostamente seria o último  
fundamento que garantiria todas as operações realizadas pelos bancos, e que  
representam a média da grandeza do dinheiro entesourado num país, quando  
somados os fundos de todos os bancos, também é em grande parte composta por  
17 Acerca do tema, conferir Sartori, que explica que esse “‘jogo da bolsae a moderna bancocracianão  
são acidentais ao modo de produção capitalista; antes, são a condição sem a qual o caráter social deste  
sistema social não pode ser efetivo” (2019a, p. 23). Ou seja, a negação da produção capitalista realizada  
pelo sistema de crédito por meio da negação da apropriação privada de riqueza dentro do capitalismo,  
através das sociedades por ações, por exemplo, permite a consolidação do caráter social desse modo  
de produção.  
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meros títulos jurídicos. Uma parte dos depósitos realizados pelos clientes das  
instituições bancárias, que não são de longo prazo, estão à disposição dos clientes,  
mas essa é apenas uma fração do fundo de reserva. Majoritariamente ele é composto  
por títulos e meros direitos sobre ouro, mas que em si não têm nenhum valor (MARX,  
2017, p. 530). Desse modo, nas palavras do próprio Marx, “nesse sistema de crédito,  
tudo é duplicado, triplicado e transformado em simples fantasias, e o mesmo se aplica  
ao ‘fundo de reserva’, onde se acreditava enfim poder agarrar algo sólido” (MARX,  
2017, p. 530).  
Por conseguinte, a maior parte do capital bancário18, no limite, é puramente  
fictício:  
A maior parte do capital bancário é, pois, puramente fictícia e consiste  
em títulos de dívidas (letras de câmbio), títulos da dívida pública (que  
representam capital pretérito) e ações (direitos sobre rendimentos  
futuros). E não devemos esquecer que o valor monetário do capital  
representado por esses papéis nos cofres do banqueiro é, ele mesmo,  
fictício, na medida em que tais papéis consistem em direitos sobre  
rendimentos seguros (como no caso dos títulos da dívida pública) ou  
títulos de propriedade de capital real (como no caso das ações) e que  
esse valor é regulado diferentemente do valor do capital real, que, ao  
menos em parte, esses papéis representam; ou quando representam  
mero direito a rendimentos, e não capital, o direito ao mesmo  
rendimento é expresso num montante de capital monetário fictício  
constantemente variável. Ademais, é preciso notar que esse capital  
fictício do banqueiro representa, em grande parte, não um capital do  
próprio banqueiro, mas do público que o deposita em suas mãos, com  
ou sem juros. (MARX, 2017, p. 526)  
Na realidade, o que se mostra é que além do capital bancário ser composto  
largamente por capital puramente fictício, o próprio valor monetário do capital é em si  
fictício, já que se referem a rendimentos de capital que sequer existe, como no caso  
de títulos de dívida19, ou de títulos de propriedade de capital, cujo valor não coincide  
com o valor do capital, já que nunca se destinou a ser investido como capital  
18  
O capital bancário possui um papel relevante nas análises desenvolvidas por Hilferding (1985) e  
Lênin (1982) quanto ao imperialismo, pois ao somar-se com o industrial, dá origem ao capital financeiro,  
que assume proeminência com a tendência de passagem da concorrência ao monopólio. Isso porque  
ele não possui o caráter fixo que o capital industrial isolado representa, permitindo uma expansão da  
escala de atuação do capital pelo globo, mas que por outro lado contribui para uma concentração  
econômica e de poder político nas mãos de poucos agentes, que passam a ser mundialmente influentes.  
19  
Os títulos de dívida pública, ou “direitos sobre rendimentos seguros”, conforme mencionado na  
citação acima, desempenham um papel muito relevante na economia de um país, pois se por um lado  
eles servem como forma de captar recursos a fim de realizar investimentos em diversos setores da  
sociedade, se a taxa básica de juros for alta ou se o destino da captação é apenas quitar outras dívidas,  
recursos essenciais podem ser comprometidos e assim prejudicar o desenvolvimento da economia como  
um todo, em privilégio de uma fração da sociedade que se beneficia do rentismo. Sobre esse tema  
conferir o documentário A bolsa ou a vida do cineasta Silvio Tendler.  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
propriamente, que seria a única possibilidade de convertê-lo em um capital que se  
valoriza, ou então por ser negociado independentemente do capital que lhe deu causa,  
como no caso de títulos transacionados em bolsa de valores. Esses rendimentos sobre  
capital que sequer existe, e essa acumulação de capital com base em transações sem  
lastro implicam no negativo do capital, a crise, conforme explicado anteriormente.  
Por fim, tal capital fictício do banqueiro em grande parte sequer pertence a ele  
próprio, mas sim aos clientes que o confiam ao banco. À vista disso, com o  
desenvolvimento do capital portador de juros e do sistema de crédito, “todo capital  
parece duplicar e às vezes triplicar pelos diversos modos em que o mesmo capital ou  
o mesmo título de dívida aparece sob diferentes formas em diferentes mãos” (MARX,  
2017, p. 526), exatamente como o descrito na crise de 2008, em que títulos jurídicos  
de propriedade passam a ser garantidos por outros títulos de propriedade, em uma  
série de transações que no limite não possuem lastro algum, já que se encontram  
desvinculados de qualquer capital real, e os banqueiros, ou demais titulares, se pagam  
entre si com base em tais direitos:  
Esse “capital monetário” é, em sua maior parte, puramente fictício.  
Todos os depósitos, com exceção do fundo de reserva, não são mais  
que créditos contra o banqueiro e jamais existem em depósito. Na  
medida em que servem para operações de giro, funcionam como  
capital para os banqueiros, depois que estes os emprestaram. Os  
banqueiros pagam uns aos outros os direitos recíprocos sobre os  
depósitos não existentes mediante a compensação mútua desses  
créditos. (MARX, 2017, p. 528)  
Além de garantir compras, uma mesma peça monetária pode ser utilizada em  
diversos empréstimos, já que compras transferem a sua titularidade de uma pessoa a  
outra e o empréstimo também permite a transferência, mas sem precisar da mediação  
de uma compra. Mas para definir quantos capitais um capital monetário representa, é  
necessário averiguar quantas vezes ele funciona como forma de valor de diferentes  
capitais-mercadorias, como existência de valor de um capital, e não apenas enquanto  
meio de circulação. Consequentemente, em empréstimos sucessivos, sem a mediação  
de nenhuma compra, não se tem vários capitais distintos, mas apenas um mesmo  
capital que trocou de mãos diversas vezes:  
Para cada vendedor, o dinheiro representa a forma transfigurada de  
sua mercadoria; atualmente, quando todo valor se expressa como  
valor-capital, ele representa, nos diversos empréstimos, diversos  
capitais sucessivos, o que é apenas outro modo de expressar a  
afirmação anterior de que ele pode realizar sucessivamente diversos  
valores-mercadorias. Ao mesmo tempo, serve de meio de circulação  
para fazer com que os capitais materiais [sachlichen] troquem de  
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mãos. Enquanto permanece nas mãos do prestamista, o dinheiro não  
é meio de circulação, mas existência de valor de seu capital. E é nessa  
forma que o prestamista o transfere em empréstimo a um terceiro. Se  
A tivesse emprestado o dinheiro a B, e este, a C, sem mediação de  
nenhuma compra, o mesmo dinheiro não representaria três capitais,  
mas somente um: um único valor-capital. O número de capitais que  
ele realmente representa depende de quantas vezes funciona como  
forma de valor de diferentes capitais-mercadorias. (MARX, 2017, p.  
529)  
Mas tal hipótese de transferência através de empréstimo, em que o mesmo  
capital passa por diversas mãos, pode assumir formas complexas e está no cerne de  
bolhas como a de 2008. No centro da bolha estavam os empréstimos hipotecários  
podres, os subprime mortage. Para garantir esses empréstimos hipotecários, entrou  
em jogo as seguradoras de crédito, que emitiam as CDS (Credit Default Swaps) e CDO  
(Collateralized Debt Obligation), que fragmentava uma obrigação de pagamento em  
vários títulos e com isso criou um mercado imenso, até mesmo maior do que o mercado  
de ações americano, por exemplo. Na época imediatamente anterior ao estouro da  
bolha, os Credit Default Swap valiam US$ 45 trilhões, em comparação com US$ 22  
trilhões em investimentos no mercado de ações, US$ 7,1 trilhões em hipotecas e US$  
4,4 trilhões em títulos do Tesouro dos EUA20. Esses títulos provenientes de obrigações  
de pagamento eram garantidos por outros títulos, teoricamente capazes de garantir a  
dívida primária a ser paga, com isso, dilui-se o risco de inadimplência, tendo em vista  
que a partir da venda dos títulos diversos investidores passaram a também arcar com  
os riscos, e não apenas o mutuário que concedeu o primeiro empréstimo. É relevante  
mencionar também que no caso dos Credit Default Swaps quem garante os títulos são  
as próprias instituições financeiras enquanto no caso dos Collateralized Debt  
Obligation são os próprios indivíduos que contraem o empréstimo.  
Um exemplo didático desse último caso: uma pessoa contrai um empréstimo e  
como garantia de que ele irá quitá-lo, ele aponta um automóvel de sua propriedade.  
A entidade que concedeu o empréstimo transforma a dívida em títulos, que  
teoricamente está garantida por um ativo, o automóvel, mas agora os riscos da  
operação não são apenas dela, mas sim também de todos os investidores que  
adquiriram os títulos vendidos.  
Com a expansão de crédito imobiliário nos Estados Unidos a indivíduos que  
eram potenciais inadimplentes, chamados subprime, e eventualmente esses  
20 Disponível em: <https://exame.com/invest/guia/o-que-e-credit-default-swap-cds/>.  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
compradores realmente entraram em inadimplência, as instituições financeiras viram  
os pagamentos mensais se converterem em imóveis, que serviam como garantia da  
dívida. Porém, com a expansão da inadimplência a oferta de imóveis à venda aumentou  
e os preços deles caíram, se tornando insuficientes para cobrir os custos e lucros  
esperados com as operações. Consequentemente houve uma quebra generalizada de  
instituições financeiras, o que resvalou mundo afora.  
Nesse sentido, a separação entre propriedade e função social está  
intrinsecamente ligada às crises, como trata Marx em outro momento: “a dívida do  
Estado fez prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos negociáveis de  
toda espécie, a agiotagem em uma palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia”  
(MARX, 2017, p. 374). Além disso, o sistema bancário traz consigo “uma nova  
aristocracia financeira, uma nova espécie de parasitas na figura de fazedores de  
projetos, fundadores e diretores meramente nominais” e, reproduz “todo um sistema  
de embuste e de fraude no tocante à incorporação de sociedades, lançamentos de  
ações e comércio de ações.  
No cerne, então, dessa “moderna bancocracia” tratada por Marx, temos os  
títulos jurídicos, que podem estar ligados a produção futura, não representarem capital  
algum ou serem regidos de forma independente do capital real que lhes serve de  
lastro, e que se infiltram por todos os países inseridos no modo de produção  
capitalista, como bem coloca o nosso autor:  
Todos esses títulos não representam mais do que direitos acumulados,  
títulos jurídicos sobre a produção futura, cujo valor monetário ou  
valor-capital não representa capital nenhum, como no caso da dívida  
pública, ou é regulado independentemente do valor do capital real  
que representam. Em todos os países de produção capitalista  
encontra-se, nessa forma, uma massa enorme do assim chamado  
capital portador de juros, ou moneyed capital. E por acumulação do  
capital monetário devemos entender fundamentalmente uma  
acumulação desses direitos sobre a produção, uma acumulação do  
preço de mercado, do valor-capital ilusório desses direitos. (MARX,  
2017, p. 450)  
A partir de todo o exposto até aqui é possível fechar o percurso traçado,  
conectando os conceitos apresentados. Primeiramente, quando expostas as  
determinações por detrás das crises econômicas, uma das conclusões foi a de que com  
o desenvolvimento do modo de produção capitalista haveria uma tendência a um  
alteração da composição orgânica do capital, por conta da busca pelo incremento do  
investimento em capital constante em detrimento do variável, que levaria a uma  
tendência de queda da taxa de lucro, que pode culminar em uma perda da  
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autorreferência do capital e da sua capacidade de se autodeterminar, causando uma  
desmedida que desvincula o preço das mercadorias do seu valor.  
Isso é acompanhado por um processo de autonomização dos títulos jurídicos,  
derivada de uma duplicação entre mundo jurídico e econômico, relacionada a uma  
separação entre propriedade jurídica e econômica, que cria uma valorização fictícia de  
ações e outros títulos que podem ser exigidos juridicamente, e representam apenas  
“direitos acumulados”, e que perdem a referência ao menos momentaneamente no  
processo de produção. Isso se espalha por todos os países de produção capitalista,  
que detêm uma grande quantidade de capital nessa forma, e que por conta do  
desenvolvimento do sistema bancário, se veem repletos de títulos referentes a direitos  
sobre a produção, de uma acumulação de preço de mercado e do valor-capital ilusório  
deles.  
Quando então do estouro de uma crise, momento no qual há a destruição de  
capital com a finalidade de propiciar a retomada da acumulação e se esvai a  
discrepância entre preço e valor, é evidenciada a falta de lastro de tais títulos e tende-  
se ao seu esvaziamento, mas que pelo fato de eles servirem de garantia de uma série  
de outros títulos, as consequências são agudas e se espalham entre os países, já que  
é a concorrência global entre os capitais que irá determinar como serão distribuídos  
os prejuízos.  
A tendência no pós-crise então é que as transações retomem a existência de  
lastro, iniciando um novo processo de valorização, mas que em si já contém todos os  
elementos que tendencialmente levarão a um novo processo de crise, considerando  
que cada uma dessas fases está contida na outra, e que se mantêm as determinações  
de fundo do modo de produção capitalista.  
Mas dentro do percurso trilhado, o que se destaca como cerne deste trabalho  
é que apesar da ausência de centralidade do direito nos processos aqui expostos,  
tendo em vista que são as figuras econômicas que exercem o papel de protagonistas,  
não é possível negar a relevância que os títulos jurídicos, e mais especificamente a sua  
autonomização, exerce no desenrolar das crises econômicas. Por estarem  
intrinsecamente ligadas a categorias altamente fetichizadas, como as de capital  
portador e capital fictício, o que não afasta o fato de que elas são efetivamente  
determinadas pelos refluxos reais apesar de eles não aparentarem nas transações, e  
ainda por conta da proeminência cada vez maior do sistema bancário na superfície da  
sociabilidade capitalista que se vê mais expandido e complexo, é inegável a  
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Crise, capital portador de juros, capital fictício e a função do direito no Livro III de O capital  
importância de compreendê-las adequadamente, com a seriedade exigida.  
Isso pode ser comprovado tanto pelos exemplos trazidos pelo próprio Marx de  
processos ocorridos nas Índias Orientais em 1847, em que letras de câmbio giradas  
fraudulentamente culminaram em um desastre na especulação de mercadorias e  
geraram sérias consequências no sistema bancário inglês, o que repercutiu na Europa  
por vários anos, sendo que em 1857 os quatro maiores bancos por ações de Londres  
ameaçaram retirar os seus depósitos caso o Banco da Inglaterra não suspendesse a  
Lei Bancária de 1844, que lhes era prejudicial (MARX, 2017, p. 532), podendo gerar  
uma falência do sistema bancário inglês, já esses bancos todos estavam estreitamente  
ligados entre si, já títulos deles garantiam títulos do Banco da Inglaterra, e ainda que  
fossem em grande parte fictícios, gerariam um colapso geral.  
Mas também exemplos recentes são capazes de afirmar tal relevância dos títulos  
jurídicos, como a já citada Crise de 2008, ocasião na qual a circulação desenfreada de  
uma série de títulos “podres” gerou o estouro de uma bolha imobiliária americana,  
repercutindo mundo afora. De forma semelhante ao exemplo de Marx acima, houve  
consequências no sistema bancário americano, e o Tesouro Americano se viu obrigado  
a salvar bancos que entraram em falência a fim de evitar uma quebra geral do sistema  
bancário americano, tendo em vista, como não podia deixar de ser, que títulos de um  
eram garantia dos outros, até mesmo do próprio Tesouro Americano.  
Consequentemente, quando a aparência ilusória do capital se desfaz, os títulos  
jurídicos perdem totalmente a sua utilidade, então a sua autonomização se mostra  
potencialmente perigosa. Mas infelizmente, apesar dos resultados dramáticos das  
crises os ciclos se repetem desde a época em que Marx os descreveu até os dias de  
hoje, por conta da manutenção das determinações de fundo do modo de produção  
capitalista.  
Considerações finais  
Vimos aqui que as crises econômicas são uma manifestação privilegiada da  
contradição da relação capital-trabalho e fase necessária da sua dinâmica expansiva,  
representando erupções violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio  
perturbado pela produção excessiva de capital, a fim de retomar o processo de  
acumulação.  
Foi exposto também que elas se ligam intrinsecamente a processos como a lei  
tendencial da queda da taxa de lucro, bem como a figuras como a do capital portador  
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Ana Clara Passos Presciliano  
de juros e do capital fictício, e que com o desenvolvimento do modo de produção  
capitalista há um crescimento dessas formas de capital, do crédito e da especulação.  
Demonstrou-se ainda que os títulos jurídicos desempenham uma função  
relevante no desenrolar dos processos de crise, pois a sua relação direta com o capital  
portador de juros e capital fictício, bem como com o processo de separação entre  
propriedade e função do capital geram uma autonomização dos seus preços e os  
tornam ferramentas de especulação.  
A intenção geral do trabalho foi chamar a atenção para o fato de que a questão  
da relação entre crises e formas jurídicas ainda precisa ser mais bem estudada, pois a  
dedicação a esse tema pode contribuir para uma melhor compreensão tanto dos  
processos de crise passados quanto dos futuros, considerando uma relevância cada  
vez maior da especulação com títulos jurídicos com o desenvolvimento do modo de  
produção capitalista.  
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Como citar:  
PRESCILIANO, Ana Clara Passos. Crise, capital portador de juros, capital fictício e a  
função do direito no Livro III de O capital. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 2, pp.  
103-133; jul.-dez., 2024.  
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