DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.740  
A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em  
Manuscritos matemáticos  
The choice of Karl Marx: differential calculus in the  
Mathematical manuscripts  
Antônio Valverde*  
Maria Helena Soares de Souza**  
Resumo: O presente artigo busca dar a ver a  
fundamentação teórica do cálculo diferencial, em  
matemática, com base nos Manuscritos  
matemáticos, de Karl Marx, sob movimento  
dialético e seus vínculos com o social. Para o  
caso, a escolha de Marx confronta as propostas  
de Leibniz, D’Alembert / Euler e Lagrange, acerca  
do cálculo diferencial. Nomeadas de mística,  
racional, algébrica, e simbólica, esta criada por  
Marx. Segundo Gerdes, a solução marxiana  
oferece a possibilidade de desenvolvimento de  
métodos adequados para melhor compreensão  
dos fins da educação matemática (ensino e  
aprendizagem), se observados os princípios da  
dialética marxiana. Para tanto, o artigo perpassa,  
criticamente, partes da história da matemática e  
da filosofia relativas aos suportes da  
argumentação desenvolvida.  
Abstract: This article seeks to demonstrate the  
theoretical foundation of differential calculus, in  
mathematics,  
based  
on  
Karl  
Marx's  
Mathematical manuscripts, under dialectical  
movement and its links with the social. In this  
case, Marx's choice confronts the proposals of  
Leibniz, D’Alembert / Euler and Lagrange,  
regarding differential calculus. Named mystical,  
rational, algebraic, and symbolic, this one was  
created by Marx. According to Gerdes, the  
Marxian solution offers the possibility of  
developing appropriate methods for better  
understanding the purposes of mathematical  
education (teaching and learning), if the  
principles of Marxian dialectics are observed. To  
this end, the article critically examines parts of  
the history of mathematics and philosophy  
relating to the support of the argument  
developed.  
Palavras-chave: Marx; Manuscritos matemáticos;  
cálculo diferencial; sociedade; educação.  
Keywords: Marx; Mathematical manuscripts;  
differential calculation; society; education.  
A par da leitura de poetas e romancistas, Marx tinha outra maneira, muito pouco  
comum, de descansar intelectualmente: o estudo da matemática, pela qual tinha  
especial predileção. A álgebra lhe proporcionava até mesmo um tipo de consolo  
moral: era um refúgio nos momentos mais dolorosos de sua vida atormentada.  
Durante a última doença da esposa, era-lhe impossível dedicar-se ao trabalho  
científico habitual. Só conseguia escapar do abatimento ocasionado pelos  
sofrimentos de sua companheira de vida concentrando-se na matemática. Naquele  
período de dor profunda, ele escreveu um trabalho sobre cálculo infinitesimal. [...]  
Na matemática avançada ele via o movimento dialético em sua forma mais lógica e,  
ao mesmo tempo, mais simples.”  
(Paul LAFARGUE, Reminiscences of Marx and Engels, 1957, p. 75)1  
* Antonio José Romera Valverde é Professor do PPG em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de  
São Paulo (PUC-SP). E-mail: valverde@pucsp.br.  
** Maria Helena Soares de Souza é Doutora em Educação Currículo pela Pontifícia Universidade Católica  
de São Paulo (PUC-SP), Graduada em Matemática pela USP. E-mail: maria_souza@uol.com.br.  
1
Cf. MUSTO (2018, pp. 101-2). Jenny von Westphalen, esposa de Marx, faleceu aos dois dias de  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
Preâmbulo  
Os Manuscritos matemáticos compõem parte dos estudos de Karl Marx (1818-  
1883), que tiveram publicação póstuma tardia. Para o caso, a primeira e parcial é de  
1933, após 50 anos de sua morte2. No Ocidente, o primeiro matemático a divulgar e  
analisar os estudos matemáticos marxianos foi Dirk-Jan Struik, na revista Science and  
Society, em 19483. Os Manuscritos contêm resoluções de equações algébricas de  
grau superior , séries, geometria analítica e cálculo diferencial4. Este último obteve sua  
maior atenção, não por casualidade. As razões que levaram Marx a interessar-se, de  
forma mais explicitada pela matemática, iniciaram com a teoria da mais-valia, ante o  
temor de cometer erros de cálculo, apontados em sua correspondência com Engels5.  
Além disso, o filósofo considerava o estudo da matemática um descanso para seu  
espírito, sob duplo objetivo: colocar suas leis econômicas em forma algébrica e  
analisar, do ponto de vista da dialética, os raciocínios usados no cálculo diferencial. Por  
certo, Marx estivesse em busca de “leis”, sob recursos de modelagem matemática, que  
regulassem as crises econômicas.  
dezembro de 1881, às margens de completar sessenta e oito anos. Estiveram juntos desde 1836. Marx  
faleceu “aos 14 de março (1883), às quinze para as três da tarde, [...] vítima de tuberculose. [...] Assim  
como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento natural, Marx descobriu a lei do desenvolvimento  
humano. [...] Mas em todos os terrenos estudados por Marx, e ele estudou muitos, nenhum deles  
superficialmente, em todos os terrenos, até mesmo as matemáticas, ele fez descobertas” (ATALI, 2007,  
pp. 343-4).  
2
“Uma primeira publicação parcial dos Manuscritos matemáticos surge em 1933, na revista soviética  
Pod Snamenem Marxisma (= Sob a bandeira do marxismo), por ocasião do 50º aniversário da morte de  
Marx. Esta publicação despertou imediatamente o interesse de especialistas. Em 1935, Valerii I. Glivenko  
(1897-1940) publica uma análise comparativa dos conceitos de diferencial nos trabalhos de Marx e nas  
obras famoso matemático francês Jacques Hadamard (1865-1963). Em 1947, outro soviético Levan P.  
Gokieli (1901-1975) publica uma monografia sobre os Manuscritos matemáticos de Marx. O primeiro  
autor a divulgar e analisar o conteúdo dos Manuscritos matemáticos de Marx no ocidente, é o  
matemático norte-americano de origem holandesa, Dirk-Jan Struik (1894-2000), que publicou um artigo  
intitulado Marx e a matemática na revista Science and Society (=Ciência e Sociedade) em 1948. [...] A  
publicação dos Manuscritos matemáticos provocou o aparecimento de muitos artigos de análise e de  
debate, entre outros de Miller, Rieske, Shcenk, Kennedy, Janovskaja, Matarrese e Ponzio. Na 2ª  
Conferência de Verão sobre a História da Matemática, que teve lugar em Liepaja, na União Soviética,  
em 1978, o filósofo-matemático Vladimir Molodschi (1906-...) apresentou uma comunicação intitulada  
Os Manuscritos matemáticos de Marx e os avanços na história da matemática na URSS, em que salienta  
a influência inspiradora do estudo dos Manuscritos matemáticos sobre o nascimento e o  
desenvolvimento da escola soviética da história da matemática” (GERDES, 2008, pp. 22-4).  
3 No Brasil, Dirk-Jan Stuik, matemático e teórico de economia de talhe marxista, é conhecido pela obra  
História concisa da matemática. 3. ed. Trad. João C. S. Guerreiro. Lisboa: Gradiva, 1997.  
4
O conceito de diferencial fora estudado, detalhadamente, por Marx, que antecipara a ideia do  
diferencial como símbolo operacional, surgida no século XX. Em 1927, Jacques Hadamarck mostrou o  
papel operativo do diferencial, sem conhecer o trabalho de Karl Marx, cuja divulgação no Ocidente se  
deu apenas em 1948.  
5
“No início de 1858, ele relatou a Engels ter cometido tantos erros de cálculo durante a redação dos  
Grundrisse que, “por desespero, tinha voltado a estudar álgebra”. Ao amigo confessara: “Nunca me  
senti em casa com a aritmética”, mas “com a ajuda da álgebra conseguirei pôr as coisas em ordem”  
(MUSTO, 2018, p. 41).  
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Os Manuscritos matemáticos, objeto deste ensaio, contam com mais de mil  
páginas de estudos acerca do cálculo diferencial e integral, de aritmética e de  
geometria, além de aplicações à economia. Entanto, tiveram menor atenção que outros  
estudos de Marx, e foram, inicialmente, publicados na União Soviética, depois em  
círculos marxistas do Ocidente, com duas décadas de diferença. A publicação integral  
dos Manuscritos deu-se em comemoração aos 150 anos do nascimento do Corifeu da  
Filosofia Moderna. Um dos objetivos explicitados, nos Manuscritos, fora o de retirar o  
véu mítico dos procedimentos matemáticos usados no cálculo diferencial, de modo  
não fundamentado, com foco nas abordagens dos matemáticos do século XIX, como  
Cauchy (1789-1857) e Bolzano (1781-1848). Assim, a obra revela não apenas a  
compreensão do desenvolvimento do cálculo diferencial, como tentativa de aprimorar  
uma ferramenta fundamental da matemática, mas, o entendimento dos bastidores  
teóricos da II Revolução Industrial.  
Mesmo desconhecendo os Manuscritos matemáticos, Karl Korsch (1886-1971)  
no ensaio “O ponto de vista da concepção materialista da história”, de março de 1922,  
portanto, anterior à publicação de Marxismo e filosofia, de 1923, registrara,  
criticamente:  
os epígonos de Marx, que se incluem eles mesmos entre os “marxistas  
ortodoxos”, equivocam-se completamente quando como Renner, na  
Áustria, ou Cunow, na Alemanha sentem a irresistível necessidade  
de “completar” a economia política do marxismo com uma teoria  
marxista acabada do direito ou do estado ou ainda com uma sociologia  
marxista. O sistema marxista passa muito bem sem esses  
complementos e sem uma “filologia” ou uma “matemática” marxistas.  
O conteúdo dos sistemas matemáticos é, também ele, condicionado  
histórica, social, econômica e praticamente e é significativo que  
este domínio suscite hoje bem menos polêmicas que outros domínios,  
incomparavelmente mais concretos, do saber humano. Não há  
nenhuma dúvida de que antes, durante e sobretudo depois da  
transformação radical do mundo sócio-histórico que se aproxima, as  
matemáticas também conhecerão uma transformação “mais ou menos  
rápida”. A validez da concepção materialista da história e da  
sociedade estende-se igualmente às matemáticas. Mas seria ridículo  
se um marxista apoiando-se no seu conhecimento mais aprofundado  
das realidades econômicas, históricas e sociais, que determinam  
também “em última instância”, o desenvolvimento passado e futuro  
da ciência matemática pretendesse opor uma nova matemática  
“marxista” aos sistemas que os matemáticos edificaram  
laboriosamente no curso de séculos (KORSCH, 2008, p. 128).  
Encarte histórico  
Marx estudara e anotara o livro de Poppe, História das matemáticas desde a  
Antiguidade aos tempos modernos, publicado em Tübigen, 1828, que consta dos  
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Manuscritos tecnológicos, de 1851, organizados por E. Dussel (DUSSEL, 1964).  
Contudo, segundo Caraça (1901-1948)6, duas são as exigências para a formação de  
um quadro explicativo de Ciência: a compatibilidade, ou a obediência à razão consigo  
própria e a realidade, que forneça um meio de conhecer e de prever fenômenos. Porém,  
“a ciência não tem, nem pode ter, como objectivo descrever a realidade tal como ela  
é. Aquilo a que ela aspira é construir quadros racionais de interpretação e previsão; a  
legitimidade de tais quadros dura enquanto durar o seu acordo com os resultados da  
observação e da experimentação” (CARAÇA, 1975, p. 107).  
De modo parcimonioso, não é possível afirmar que a ciência atinge a essência  
última da realidade, mas fornece uma imagem e as leis que satisfaçam a compreensão  
da realidade. A história da ciência mostra inúmeros exemplos de renovação e  
substituição de quadros explicativos, pois, ações teóricas e práticas encontram-se em  
reciprocidade contínua, de alimentação mútua, que se traduzem em movimentos de  
incompletude e de busca de aperfeiçoamentos ou adaptações.  
Os primeiros fisiólogos para compreenderem as razões e as ligações dos  
fenômenos naturais partiram de questões fundamentais, de caráter ontológico: para  
além da diversidade aparente dos fenômenos, acaso existiria um princípio único, ao  
qual tudo se reduz? Qual é a estrutura do Universo? Como surgiram os astros? Como  
se movem? O que é movimento? Para tanto, recorreram, inicialmente, à estrutura do  
mito, encontrada pronta, de modo a ensaiar a posição favorável ao princípio único e à  
compreensão da natureza, em movimento. Ao passo, que a escola de Pitágoras,  
florescida no século VI a.C., fundava-se nas noções de quantidade e de arranjo ou  
harmonia, como determinantes da diversidade dos fenômenos naturais e dos corpos. A  
concepção era original e de magnitude, pois considerava todas as coisas como  
“número”, ao estabelecer ligações entre as leis matemáticas e a ordenação do  
Universo7. Na procura de uma estrutura idêntica à numérica para a matéria, formada  
por corpúsculos cósmicos de extensão não nula, agrupados em determinada  
quantidade e ordem, evidenciou-se a dificuldade de verificação ou demonstração da  
afirmação “tudo é número”. Os corpúsculos, denominados mônadas, eram  
identificados com a unidade numérica. Os corpos se compunham por quantidade e  
arranjos distintos de mônadas, como os números se formam por quantidade e arranjo  
6
Conceitos fundamentais da matemática, de Bento de Jesus Caraça, cuja primeira edição ocorreu em  
1941, é ainda considerada obra de referência dos matemáticos, pois, politiza o conhecimento da área.  
7
Os números para a Escola de Pitágoras são os inteiros positivos, ou os racionais positivos, que são  
quocientes entre números inteiros.  
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de unidades8.  
Os arranjos numéricos poderiam ser fracionários para medir um segmento, em  
comparação com outro, tomado como unidade, estabelecendo-se uma razão. No caso  
da questão: quanto mede o segmento AB, na unidade u, que é o comprimento do  
segmento CD (Figura 1).  
A medida do segmento AB é dada pela razão entre as medidas dos dois  
segmentos, isto é 퐴퐵 que corresponde ao número de unidades u que “cabem” dentro  
퐶퐷  
do segmento AB. A razão é descrita por um número racional, com o numerador e o  
denominador que são, ou podem ser reduzidos a números inteiros positivos.  
A contestar a Escola Pitagórica, por ironia, o próprio Teorema de Pitágoras foi,  
parcialmente, responsável pelo descrédito da afirmação “todos os corpos são formados  
por mônadas”, dado o aparecimento de medidas, que não podem ser expressas por  
números inteiros ou racionais positivos. Em um triângulo retângulo, cujos catetos  
2
unidade, a sua hipotenusa deve medir unidades, que é um número  
medem uma  
irracional, não  
podendo ser escrito na forma fracionária com numerador e denominador  
inteiros positivos (Figura 2):  
8 Uma consequência dos arranjos, foi a de atribuir virtudes especiais a determinados números, por serem  
eles o princípio de tudo. Os números 6 e 28, por exemplo, são ditos perfeitos, por serem iguais à soma  
dos próprios divisores: 6=1+2+3 e 28=1+2+4+7+14. Divisores próprios de um número inteiro  
positivo são todos os seus divisores, exceto o próprio número.  
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2
Um segmento que meça u não pode ser expresso por pequenas partes,  
sejam  
mônadas ou não. Caraça destaca, através de indícios posteriores, a reação de  
esconder o fato9, que apontava para a falência da teoria das mônadas (CARAÇA, 1975,  
p. 72), ao que conclui:  
De resto, o caráter de seita da escola pitagórica, em que os aspectos  
místico e político, este fechado e aristocrático, ombreavam com o  
aspecto científico, prestava-se a essa tentativa de segredo à volta de  
questão de tal maneira embaraçosa. Onde só havia a ganhar com o  
debate público e extenso, os pitagóricos instituíram como norma, pelo  
contrário, o segredo e o silêncio. (CARAÇA, 1975, p. 75)  
Ainda segundo o Autor, outra tentativa de fuga foi a de que, considerando  
infinito10 o número de mônadas, que formam o segmento de reta, a discrepância  
desapareceria, - argumento contestado, posteriormente, por Parmênides e Zênon.  
Zenon questionara a existência dos corpúsculos materiais de extensão não nula,  
que contraria a afirmação fundamental “todas as coisas são número”. Argumento de  
que entre dois corpúsculos deve haver um espaço, pois se estivessem unidos, qual  
seria a distinção entre eles? Esse espaço deveria ser maior que cada corpúsculo, que  
são os menores possíveis, dentro da teoria pitagórica. Sendo assim, seria possível  
intercalar um terceiro corpúsculo, e estariam presentes dois espaços, ambos maiores  
que cada corpúsculo. Repetindo o raciocínio indefinidamente, seria possível intercalar,  
entre os dois primeiros corpúsculos, quantos fossem desejados, o que levaria à  
interrogação: qual é o número pertencente ao segmento determinado por dois  
corpúsculos, tomados como iniciais?  
Argumentações, que findaram por estabelecer o princípio da imobilidade,  
dificuldade imposta pela incomensurabilidade, que é característica do existente. Porém,  
o que é mais característico do Universo do que a mobilidade? Para a superação de  
ideias, que se compõem dessa forma, há necessidade de compreensão do que é  
infinito, do que é movimento e, também, de continuidade.  
Porém, tais conceitos não foram resolvidos na Antiguidade, pois, optou-se pela  
9
“Vários indícios posteriores mostram que a primeira reação foi a de esconder o caso. [...] como um  
dos mais preciosos desses indícios, aparece na seguinte passagem de Plutarco, acerca da vida de Numa  
Pompilius, XXXV: ‘...diz-se que os pitagóricos não queriam pôr as suas obras por escrito, nem as suas  
intenções, mas imprimiam a ciência na memória daqueles que eles reconheciam dignos disso. E como  
algumas vezes comunicaram alguns dos seus mais íntimos segredos e das mais escondidas subtilezas  
da geometria a algum personagem que não o merecia, eles diziam que os deuses por presságios  
evidentes, ameaçavam vingar este sacrilégio e esta impiedade, com alguma grande e pública  
calamidade” (CARAÇA, 1975, p. 75).  
10 Infinito considerado o “muito grande”.  
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incapacidade numérica de resolver o problema da incomensurabilidade do segmento,  
que trouxe a degradação do número em relação à geometria. Segundo Caraça:  
Concluiu-se pelo abandono das concepções dinâmicas, sempre que tal  
fosse possível a matéria grega é invadida pelo horror ao movimento.  
Estes traços degradação do número, horror do infinito, horror do  
movimento constituem a trincheira cômoda da hibernação, formam  
o biombo prudente que o filósofo grego coloca entre si e a realidade.  
(CARAÇA, 1975, p. 81)  
Sob tal perspectiva, o personagem Sócrates e o filósofo Platão deslocaram a  
atenção humana das coisas externas ao homem para as internas, na busca de princípios  
“espirituais” como explicações científicas, ao abandonarem a realidade sensível em  
troca da concepção de imutabilidade do conceito. O “sistema” filosófico de Platão fora  
criticado e não aceito por inteiro, pela defesa contra a fluência e a rejeição do devir.  
Com isto, a ciência grega se tornou incapaz de construir o conceito de função, base  
para o cálculo diferencial. Para tal, seria necessário conceber a noção de variável;  
abandonar o estudo apenas qualitativo dos fenômenos naturais e estabelecer o  
quantitativo; criar vínculos entre a geometria e a aritmética, conectando o conceito de  
movimento à geometria. Trabalho realizado somente ao início da Idade Moderna,  
distintamente, por Cardano, Descartes, Fermat, dentre outros.  
Infinito e infinitesimal  
A introdução do conceito de função como instrumento da ciência, aliada ao de  
variável, exigiu um novo olhar da humanidade sobre a fluência. Isaac Newton (1643-  
1727) denominou as funções por fluentes. Os conceitos de infinito e de infinitesimal  
encontram-se na base dos estudos marxianos dos Manuscritos matemáticos, e  
merecem destaque especial. Pois, para Galileu (1564-1642): “[O infinito e o  
infinitesimal] transcendem ao nosso entendimento finito, o primeiro devido à sua  
magnitude, o segundo devido à sua pequenez; imagine o que eles são quando  
combinados” (GALILEU apud ROONEY, 2012, p. 152).  
5
Números irracionais, como π e , são representados por  
séries infinitas, e podem ser indicados com representações  
decimais cada vez maiores, que não são determináveis. Tanto os  
números infinitamente grandes como os infinitamente pequenos  
(infinitesimais) foram, e têm sido, fonte de estudos para os  
matemáticos e de extrema utilidade em todas as ciências.  
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Arquimedes (287-212 a.C.)11 calculou a área aproximada de um círculo ao  
desenhar polígonos internos e externos, cada vez com maior número de lados, e  
calculou suas áreas, até que elas convergissem para o mesmo valor (Figura 3).  
Encontrou, na utilização das áreas dos polígonos, dois conceitos que se tornaram,  
posteriormente, muito relevantes: limite e infinito.  
A área perfeita seria dada por polígonos com número  
infinito de lados, e o próprio círculo poderia ser considerado  
um polígono desta natureza, pois, os dois polígonos, inscrito  
e circunscrito, convergiriam para o lugar geométrico círculo  
(figura 4). O procedimento é o de relacionar a área  
desconhecida com outra, mais fácil de ser calculada.  
Posteriormente, no século XVII, o método de Arquimedes foi  
associado a uma formulação algébrica adequada, o cálculo  
integral12.  
A pesquisa determinada pelo desenvolvimento da ciência deu origem, a partir  
da segunda metade do século XVI, a incentivos para cálculos de áreas, de volumes e  
de variações de velocidade. Simon Stevin (1548-1620)13 e Johannes Kepler (1571-  
1630) trabalharam o cálculo de áreas de figuras irregulares, dividindo-as em “fatias”  
muito finas, cujas áreas eram fáceis de calcular. Stevin aplicou o método para  
determinar o centro de gravidade de objetos sólidos. Kepler, à sua vez, utilizou a  
medição de áreas sobre caminhos curvos, significativa em seus trabalhos de  
astronomia. Curiosamente, valeu-se também do procedimento para determinar, com  
certa precisão, o volume de vinho em barril abaulado, sem a introdução, como era  
feito, de uma vara que apenas media a altura atingida pelo vinho, quando o barril não  
estava nem cheio e nem pela metade14.  
Ideia simplificada de limite  
Para lidar com o conceito de número infinitamente “grande” é adequado intuir  
11 Arquimedes obteve valores com boa aproximação para o número π.  
12 O sucesso do método só pôde ocorrer graças ao desenvolvimento da geometria analítica e o rigoroso  
entendimento dos limites.  
13  
Stevin foi o primeiro europeu a mostrar entendimento acerca de trabalhar com frações e decimais,  
tendo usado uma barra vertical no lugar de ponto e/ou vírgula.  
14  
Em verdade, se a altura do vinho atingisse um quarto do comprimento da vara, o barril conteria  
menos que a quarta parte do volume total do vinho, pois era mais abaulado acima dessa altura, o que  
traria prejuízo aos compradores.  
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que se um número é “bastante grande”, como um trilhão, sempre haverá outro maior,  
como um trilhão mais um. Afirmar que um valor numérico tende ao infinito é dizer que,  
no limite, este número é infinito (infinitamente grande ou infinitamente pequeno). Em  
linguagem simbólica matemática, para indicar um determinado número, que tende a  
ser infinitamente grande, escreve-se x+, e lê-se x tende a mais infinito.  
O símbolo é a notação para infinito e o sinal antes dele, indica infinito positivo,  
ou à direita dos infinitos números reais, se representados na reta numérica. Como o  
número +não está determinado deve ser escrito:  
O mesmo vale para números infinitamente pequenos:  
Em nota, Hegel (1770-1831) aborda o infinitamente grande e o infinitamente  
pequeno, afirmando:  
A definição ordinária do infinito matemático é: se há uma grandeza  
após aquela se ela é infinitamente grande, não há nenhuma grandeza  
maior; ou se ela é definida como infinitamente pequena, não há  
nenhuma grandeza menor [...] uma grandeza é definida em matemática  
como qualquer coisa que pode aumentar ou diminuir (MARX, 1985,  
p. 84).15  
A utilização de limites não se remete apenas ao infinito, mas, pode  
particularizar- se para qualquer número. Ao dizer que x0, por exemplo, deseja-se  
que o número procurado se aproxime o mais possível de zero. Os números da  
sequência numérica 0,01; 0,001; 0,0001 se aproximam de zero e, no caso, o número  
0,00....1, com infinitas casas decimais é bastante próximo de zero, mas não é igual a  
zero. No limite, o número mais próximo de zero é o próprio zero:  
A notação substitui o fato de o número se aproximar do valor (indicado) sem  
jamais “tocá-lo”. Em verdade, trata-se da resposta para a pergunta: “para qual número  
o valor está tendendo?” — e não para transformá-lo naquele número.  
15 Tradução dos autores.  
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Ao pensar em algumas operações numéricas escolhidas para o valor x, como  
elevá-lo ao quadrado, o mesmo fenômeno ocorre:  
Basta elevar ao quadrado alguns valores próximos ao número 2, como 1,99;  
1,9999, cujo resultado se aproxima de 4: (1,99)2 =3,9601; (1,9999)2 =  
3,999960001.  
Ideia simplificada de cálculo: integração e derivação  
O cálculo fornece ferramentas intelectuais para medir taxas de mudanças e  
respectivos efeitos, com duas partes conhecidas, a diferenciação e a integração, uma  
inversa da outra, ou cálculo diferencial e integral. O teorema conhecido como  
Fundamental do cálculo16 estabelece o vínculo entre ambas, pois, aplicando a  
diferenciação a uma integral, retorna-se à função original e vice-versa. Os dois  
procedimentos são, em sua essência, métodos de aproximação, usando os limites que  
tornam os erros de precisão tender a zero.  
Uma pessoa, que se move a uma velocidade constante de 6 km/h, durante três  
horas, tem o movimento representado por um segmento horizontal (paralelo ao eixo-  
x)17, como gráfico18 da velocidade em relação ao tempo, pois, sua equação é dada por:  
v(x) = 6, tal que 0 x 3. A representação gráfica é assim estabelecida porque, no  
caso, não há aceleração. A pessoa se desloca com velocidade uniforme e não há taxa  
de variação. O eixo horizontal determina o tempo, em horas, e o vertical a velocidade  
em quilômetros por hora (km/h).  
16 Sobre o teorema, conferir em Souza (2018, p. 212).  
17 Eixo das abscissas.  
18 Gráfico construído pelo programa Geogebra.  
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Para saber qual a distância percorrida pela pessoa, basta calcular a área, no  
gráfico19 (Figura 5), sob o segmento paralelo ao eixo-x, no caso, 18 km.  
Em um caso geral, para f(x) =k, considerando o intervalo20 [a,b], a área A é dada  
por A= k.(b-a). Quando a velocidade não é constante (ou uniforme), o que significa  
que há aceleração no movimento, a situação de movimento muda. Há taxa de variação  
da velocidade e o gráfico é representado por uma curva não retilínea. A aceleração em  
determinado instante é medida pela inclinação da curva naquele ponto, e é feita pelo  
cálculo diferencial, enquanto a distância percorrida pelo cálculo integral.  
Como calcular a área A da região, sob o gráfico de uma velocidade, em um  
intervalo fechado [a,b], como mostra a figura 6? Observa-se, pelo gráfico, que se a  
velocidade se altera ao longo do tempo, a área sob a curva também.  
Não sendo a velocidade constante, é preciso subdividir o intervalo [a,b] em  
subintervalos, sufi-cientemente pequenos, para que neles se possa considerar as parte  
do gráfico da velocidade como constantes, com boa aproximação (Figura 7).  
19 Em 1361, o bispo francês Nicholas Oresme (1323-1382) estabeleceu a relação entre área, velocidade  
e distância percorrida. Talvez tenha sido o primeiro a usar um sistema de coordenadas sem relação com  
a cartografia.  
20 O intervalo é fechado quando suas extremidades pertencem a ele e a notação é a indicada no texto.  
Se, por exemplo, o valor a não pertencesse ao intervalo e o valor b sim, a notação seria] a,b]. Os  
intervalos [a,b[ e ]a,b[ são abertos: no primeiro b não pertence ao intervalo e no segundo a e b também  
não.  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 2, pp. 244-268 jul.-dez., 2024  
nova fase  
   
A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
Em cada intervalo, é possível calcular os valores aproximados das áreas de cada  
pequeno retângulo, supondo que o pedaço da função que representa a velocidade,  
naquele intervalo, seja constante. A área A procurada, será a soma das áreas dos  
retângulos ou o limite da soma, que mais se aproxima dessa área. Pois, quanto maior  
for as subdivisões, do intervalo [a,b], em subintervalos, cada vez menores, mais se  
aproxima de um número infinito de subdivisões. Aquela área é a integração da função  
velocidade. A determinação aproximada da área, por retângulos infinitamente  
pequenos, até a soma de um número infinitamente grande destes retângulos, é um  
exemplo, segundo o matemático Labérenne (1902-1985), extremamente adequado de  
dialética, que usa a interpretação de infinito e infinitesimal.  
A notação usada para indicar a integral de uma função f(x)21, em um determinado  
( )  
푓 푥 푑푥. Lê-se  
intervalo, é dada por  
de f(x) no intervalo [a,b]. No caso da  
integral  
velocidade, a letra x é substituída pela letra t, que indica tempo. Observa-se que a e b  
são os valores inferior e superior de t, que limitam a área, e dx significa uma variação  
muito pequena de x.  
Dois conceitos são fundamentais para entender as funções, relações especiais  
entre duas grandezas: o isolamento e a variação. Imagine-se duas grandezas, a  
quantidade de quilômetros percorridos por uma pessoa em uma caminhada, e o tempo  
utilizado na atividade. Sabe-se que a cada hora caminhada corresponde uma  
quantidade de quilômetros percorridos, ou uma variação nessa quantidade. Para o  
estudo da relação entre as duas grandezas, é necessário estabelecer um isolamento  
das duas, como o desgaste físico ou a quantidade de água consumida durante a  
caminhada, que não interessam na relação entre as duas grandezas destacadas no  
exemplo, a velocidade e o espaço percorrido.  
Para a conceituação de derivação é possível utilizar duas interpretações, uma  
de significado intuitivo, advindo da noção de limite, e outra, geométrica. Ambas  
se apresentam descritas com exemplos tirados da história da matemática. O  
( )  
ꢀ ꢁ −ꢀ(ꢂ)  
∆x  
quociente  
é a variação da função, designada simbolicamente por , isto é,  
ꢁ−ꢂ  
∆y  
pelo quociente entre as diferenças dos valores de y e os valores de x, no qual f(a) é o  
valor da função no ponto a.  
21  
As funções que aparecem em situações de derivação e integração são contínuas. Uma função é dita  
contínua em determinado valor de a se  
.
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Antônio Valverde; Maria Helena Soares de Souza  
Para uma função f(x), a derivada no ponto a, simbolicamente designada por f’(a),  
é dada por  
. Donde se lê: derivada de f(x) para x=a é igual ao limite  
do quociente entre f(x)-f(a) e (x-a), quando x tende ao valor a.  
A figura 8 mostra a representação gráfica22 de uma função, na qual estão  
marcados e e o ângulo α determinado em um triângulo retângulo.  
No limite, quando x tende ao valor a, tem-se a reta tangente à curva nesse valor  
(figura 9).  
A derivada de uma função f(x) para x=a é igual ao coeficiente angular23 da reta  
tangente à curva, no ponto P (a, f(a)). A reta s, secante à curva, que representa a função  
e passa por A e B, fica estabelecida se for conhecida, além das coordenadas dos  
pontos, a sua declividade ou inclinação24. A declividade da reta é dada pela tangente  
22 Os gráficos 6 e 7 foram construídos com uso do programa Geogebra.  
23 Coeficiente angular ou declividade de uma reta é determinado pelo quociente y.  
x  
24 Outra denominação para declividade: coeficiente angular.  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
de α (ou tgα), ângulo entre a reta e o eixo-x, segundo a orientação do eixo, e dessa  
forma, o problema passa a ser o de determinar o valor de tgα (Figura 8).  
As coordenadas dos  
são: A(X , Y ), B(X , Y ) e C(X , Y ).  
A A B B B A A reta tem  
pontos  
declividade dada pelo quociente entre as medidas BC e AC dos catetos25:  
Se for traçada uma reta r, tangente à curva, e se B estiver “infinitamente” próximo  
de A, a reta s coincide” com a reta r e, portanto, devem ter a mesma declividade.  
Observando a figura 8, vê-se que BC= y -y e AC= x -x , logo  
B A B A  
BC é uma distância “infinitamente pequena”, nomeada por Leibniz de “diferencial  
de y” ou dy.26 Da mesma maneira, AC é um “diferencial de x” ou dx.  
Denominando,  
, x =x , x =x y =y e y =y tem-se:  
genericamente B 1 A 0, B 1 A 0,  
Com os devidos acertos algébricos, tem-se:  
Como dx é “infinitamente pequeno”, poderia ser suprimido da igualdade e  
Sendo x abscissa de um ponto qualquer, pode-se escrever que  
assim  
0
assume valores numéricos diferentes para distintos valores de  
x..  
A função f’(x), que é derivada da função f(x) = x2+bx+c, é o conjunto das infinitas  
declividades das retas tangentes ao gráfico que representa a função f(x).  
Indica-se f’(x) = 2x+b.  
25  
Em um triângulo retângulo, a tangente de um ângulo agudo é a razão entre o cateto oposto e o  
cateto adjacente ao ângulo.  
26 Marx distingue os diferenciais dx e dy dos valores de diferenças infinitamente pequenas, e .  
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Se a função escolhida fosse f(x) = 2x, estabelecido o procedimento  
anteriormente descrito, a função derivada f’(x) estaria definida por f’(x)=2, que é o  
coeficiente angular da reta y=2x.  
Cálculo diferencial  
Karl Marx: arrancar o véu misterioso  
aos métodos infinitesimais.”  
(Paulus GERDES, 2008)  
A evolução da matemática sempre esteve em conexão com os regimes políticos  
e sociais vigentes. Assim, o cálculo infinitesimal surgiu com a ciência moderna, sob o  
horizonte de desenvolvimento inicial do modo de produção capitalista.  
A partir da criação da geometria analítica, a matemática passou por uma  
transformação significativa, de ciência que estudava as grandezas constantes para as  
variáveis, capaz de analisar e calcular movimentos, desde o estudo de balística aos  
movimentos dos astros. O conhecimento do cálculo diferencial e integral, considerado  
o “telescópio” matemático (GERDES, 2008, p. 28), alcançou notáveis aplicações  
práticas: na artilharia, na construção de fortificações ou na resolução de problemas  
hidrodinâmicos. Entanto, há que se pensar que o conhecimento do cálculo diferencial  
e do infinitesimal não é fruto da genialidade de um só povo, ou de uma só pessoa, mas  
do trabalho contínuo de gerações de matemáticos, notadamente nos séculos XVI, XVII  
e XVIII, em diversos países27. Não se trata da produção somente de notáveis  
matemáticos, mas, também de trabalhadores, que buscaram soluções para problemas  
reais, ultrapassando dúvidas, hesitações e contradições, “sofrendo toda a influência  
que o ambiente da vida social exerce sobre a criação da Ciência”.28  
Marx, compreendida a aplicabilidade do cálculo diferencial e integral, percebeu  
a necessidade de fundamentação metodológica dos conceitos e da interpretação dos  
exemplos dialéticos e matemáticos – do “infinitamente pequeno” e do “infinitamente  
grande”29. Ainda que pareça um rebaixamento da riqueza dos Manuscritos, para a  
27  
Como, dentre outros, os italianos Federico Commandino, no séc. XVI; Galileu Galilei e Bonaventura  
Cavalieri, do início do séc. XVII; Evangelista Torriccelli, no séc. XVII; o alemão Johann Kepler, no séc. XVII;  
o holandês Cristiaan Huygens, no séc. XVII; o francês Pierre de Fermat, no séc. XVII; os ingleses John  
Wallis e Isaac Barrow, no séc. XVII e, notadamente, o alemão Gottfried Leibniz e o inglês Isaac Newton,  
fim do séc. XVII, início do séc. XVIII.  
28 CARAÇA, Prefácio(Duas atitudes em face da Ciência).  
29 Para exemplificar, no cálculo do comprimento de linhas curvas, os matemáticos aos primórdios do  
cálculo infinitesimal consideram-no como a soma de um número infinitamente grande de segmentos  
de retas, infinitamente pequenos. Do mesmo modo, áreas de retângulos infinitamente pequenos, em  
quantidades infinitamente grandes, instrumentam o cálculo de áreas sob curvas.  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
compreensão do estudo do cálculo diferencial, sugere-se o esquema (Figura 10), a ser  
explicitado parte a parte, com exemplos e explicações dos procedimentos  
metodológicos, o de estabelecer os vínculos citados, anteriormente.  
Procedimento místico  
Para Marx, o procedimento de Leibniz, embora desse certo para outras  
funções, continha um equívoco, o de tratar dx como zero, trazendo em consequência  
ꢃꢄ  
ꢃꢁ  
0
= , logo um cálculo indeterminado. Segundo Euler (1707-1783), não é possível,  
0
aritmeticamente, dividir por zero. Mais ainda dividir zero por zero, embora os “zeros”  
tenham significados geométricos distintos, ou medidas de diferentes segmentos,  
simbolizados por dx e dy.  
D’Ambrosio (1932-2021), matemático, introdutor da etnomatemática no Brasil,  
em sua obra Cálculo e introdução à análise (1975), indica o equívoco em considerar  
ꢃꢄ como quociente, pois além de não oferecer significado correto, tem o inconveniente  
ꢃꢁ  
de fazer com que se simplifique, de forma equivocada, os procedimentos de cálculo.  
O tratamento dado às diferenças “infinitamente pequenasfoi chamado de místico por  
Marx, caracterizando-o por “doença infantil do cálculo infinitesimal30. No entanto,  
ressalta-se que os limites indicam tendências a um determinado valor, e não a  
substituição pelo próprio valor.  
Pois, considerar x = x+transformado doravante em x = x+ dx, é uma escolha  
1
1
arbitrária e, segundo Marx, uma explicação metafísica, que carrega consigo a  
necessidade de escamotear os caminhos dos termos dx e para obter derivadas de  
30  
Marx apresenta um segundo exemplo, utilizando a função f(x)=ax3+bx2+cx e, cuja função derivada  
é f’(x)= 3ax2+2bx+c, advinda do ponto de partida ꢃꢄ, árvore genealógica das funções derivadas, a partir  
ꢃꢁ  
da primeira original.  
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qualquer ordem31. “Assim se crê mesmo no caráter misterioso do modo de calcular  
que venha descobrir resultados exatos (e em outro verdadeiramente extraordinário em  
suas aplicações geométricas) graças a procedimentos matemáticos positivamente  
falsos” (MARX, 1985, p. 195)32.  
Marx não foi o primeiro a criticar Newton e Leibniz. Alguns matemáticos  
tradicionais não aceitaram o novo cálculo, como George Berkeley (1685-1753), pois  
perceberam a ambiguidade do tratamento dado às grandezas infinitamente  
pequenas. Leibniz reconheceu que a notação  
aproximação  
habitual para a inclinação da tangente, trazia um problema, pois se dx e dy são  
diferentes de zero, ꢃꢄ não é a taxa de variação instantânea. Ele tentou contornar o  
ꢃꢁ  
problema, considerando dx e dy infinitamente pequenos, deslocando o problema para  
outro contexto.  
Newton, outro “criador” do cálculo, apresentou sua pesquisa acerca do tema  
a Isaac Barrow (1630-1677) e Edmond Halley (1656-1742), que o incentivaram a  
publicar o resultado de seu trabalho, ocorrido em 1672. A principal lei do movimento,  
de Newton, afirma que a aceleração de um corpo em movimento, multiplicada pela sua  
massa, é igual à força que age sobre o corpo. A velocidade é expressa pela derivada  
da posição do corpo e a aceleração é derivada da velocidade. Ambos chegaram à  
conclusão que a função g(x), cuja área sob a curva de seu gráfico, é da forma f(x) = xm,  
tem por resposta g(x)= mxm-1 ou g(x)=f’(x).  
A abordagem de Newton para o cálculo de derivadas era semelhante à de  
Leibniz, exceto ao usar zero no lugar de dx, de modo que seu método também utilizava  
a aproximação. Considerado zero como sendo muito pequeno, no limite o erro  
desaparece porque o valor se torna exato. Newton usou o termo fluxão para captar a  
ideia de uma grandeza fluindo rumo ao valor zero, sem jamais chegar a tal valor33.  
Marx utilizava a notação para dx e 푦ꢅ  
para dy34. Observe-se a indicação da variável  
assinalada com um ponto acima da letra. Ele poderia ter contornado o problema, pois  
era sabido que as coisas se movem e possuem velocidade, a cada instante. O que fora  
descrito como "dogmatismo empírico", em contraste ao "dogmatismo metafísico", de  
31 As derivadas podem ser obtidas consecutivamente em primeira, segunda etc. até a n-ésima derivada.  
32 Tradução dos autores.  
33 Em 1711, Leibniz publicou Método de fluxões e séries infinitas.  
34 A se considerar dx como uma diferença numérica não normal (não arquimédica), como seria possível  
aplicar regras numéricas para números normais? Contemporaneamente, dx é considerado não  
arquimédico.  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
Leibniz.  
Ao longo do século XVIII, a dificuldade permaneceu. No entanto, Euler tentou  
pensar cálculos em multiplicações e divisões de zeros.  
Procedimento racional  
Leibniz e Newton utilizaram a igualdade “x1=x0+dx”, porém, D’Alembert  
(1717- 1783) e Euler fizeram uma correção metodológica ao procedimento, afirmando  
que “x1=x0+Δx, sendo Δx um acréscimo finito e, portanto, um valor numérico, para  
o qual valem as regras da Álgebra. Assim sendo, o cálculo infinitesimal foi afastado do  
que Marx chamou de procedimento místico.  
O método usado por D’Alembert é essencialmente algébrico para a função  
f(x)=x2, usando o desenvolvimento do Binômio de Newton:  
Δy é o acréscimo numérico de valores da função, que corresponde ao acréscimo  
Δx, da variável x:  
O quociente entre os acréscimos fica sendo:  
O resultado final é o mesmo, mas não foi obtido por “desprezar” valores  
próximos a zero, e sim como resultado de uma operação matemática, que envolve o  
quociente de valores, isto é, o procedimento racional. No entanto, a divisão 0 permanece  
0
nos dois procedimentos.  
Euler, sabendo não ser possível dividir zero por zero35, deu aos zerosdo cálculo  
diferencial um significado geométrico, de razão entre as medidas de dois segmentos.  
As duas deduções ou procedimentos são, segundo Marx, as mesmas,  
35  
A divisão por zero não determina um valor numérico. Se dividirmos 10 por 2 obtemos o quociente  
5, porque 5x2=10. Se dividirmos 10 por zero podemos escolher qualquer valor porque o produto de  
zero por qualquer valor é sempre zero. A divisão de zero por zero acaba por evidenciar uma  
indeterminação, não um quociente.  
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ꢃꢄ  
conhecido de antemão o quociente  
apesar da utilização do cálculo algébrico.  
ꢃꢁ  
Segundo Marx:  
D’Alembert havia depurado o cálculo diferencial de seu véu místico, e  
lhe fez um progresso enorme. Qualquer que seja o Tratado dos  
fluidos, publicado em 1774, o método de Leibniz não foi destronado  
em França durante anos. Ele mal precisou relevar que (o ensinamento  
de Newton) dominava a Inglaterra desde os primeiros decênios do  
século XIX. Mas aqui, como anteriormente em França, os princípios de  
D’Alembert tornaram-se, e permanecem até hoje, ainda que com  
algumas modificações. (MARX, 1985, p. 198)  
Procedimento algébrico de Lagrange  
Para “libertar” os cálculos diferenciais das “grandezas infinitamente pequenas”,  
Lagrange (1736-1813) findou por introduzir a definição de derivada. Tomando como  
exemplo a função f(x)=x2, utilizando como D’Alembert o acréscimo Δx:  
O estudo inicial das derivadas foi feito com funções polinomiais, o procedimento  
incluía divisões sucessivas e as séries de Taylor (1685-1731), que desvinculou o  
procedimento das “grandezas infinitamente pequenas” e, portanto, o quociente entre  
dois zeros. Porém, nem todas as funções podem ser tratadas da mesma forma o que,  
segundo Marx, invalida o procedimento.  
Lagrange optou por algebrizar o cálculo diferencial, tomando como ponto de  
partida imediato o Teorema de Taylor36, que havia sobrevivido ao estudo de Newton,  
sendo mais geral, englobando uma forma de operação do cálculo diferencial pelo  
desenvolvimento de uma série expressa por f(x+h). O método, segundo Marx, libertou-  
se de tudo que poderia parecer transcendência metafísica, baseando-se apenas em  
operações algébricas. Apesar disso, Lagrange ainda substituiu grandezas variáveis por  
constantes e utilizou, na prática, os métodos criticáveis de Leibniz.  
Método de Marx (Simbólico)  
O método, proposto por Marx e avaliado por Engels, move o valor x de x para  
0
x , fazendo com que haja de fato variação, enquanto  
1
antecessores partiram de  
seus  
36 Conferir Souza (2018, p. 222).  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
x
que  
representa uma soma de duas grandezas, mas não a variação de uma. O  
0+  
,
que mostra a originalidade de Marx na explicitação do procedimento teórico, em curso.  
2
um  
Voltando ao exemplo f(x)=x , se a variável independente x cresce (ou decresce) de  
determinado valor x até outro valor x , a variável y dependente de x, varia de y até  
0
1
0
y . Tomando o quociente entre as diferenças  
1
Do lado esquerdo, x1 regressa até x0 e, finalmente, se iguala ao valor: x1-x0  
0
= 0, o que implica em =0. Isso não significa que temos Δy = porque seu conteúdo  
Δx  
0
foi comprovado do lado direito, com resultado final fundamental. Tal resultado que  
dy  
dx  
0
= obtido por Marx tem valor matemático necessário, “pois zero, em sua forma ultra  
0
0
primitiva que pode ter, não importa qual valor porque = 푥 deve fornecer sempre 0  
0
= 0. Mas aqui 0 aparece como equivalente simbólico de um valor real determinado...”  
0
MARX,1985, p. 146).  
Para estabelecer a diferença entre o método de Marx e os anteriores, é  
necessário lembrar que Leibniz e Newton partem de x1=x0+dx, e D’Alembert, Euler e  
Lagrange de x1 = x0+, isto é, de adições, considerando tanto dx como como  
grandezas distintas de x0. A derivada provisória 2x0, do exemplo, aparecia antes da  
diferenciação, isto é, antes da substituição de por zero. A derivada definitiva de  
Marx surge, pela primeira vez, quando x1 tiver “voltado” a x0. A derivada definitiva é  
o resultado final do processo de diferenciação, enquanto nos demais procedimentos,  
não há mostra de movimento, falha essencial que o método proposto por Marx tenta  
sanar.  
O processo dialético não é apenas a existência de contrários, pois o  
materialismo histórico considera a contradição ligada a um movimento. Não basta  
afirmar que o valor é igual a zero e também diferente de zero. A diferenciação proposta  
por Marx, se apresenta como um processo dialético, particularmente quanto à negação  
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da negação, pois a primeira negação exprime a compreensão do processo de  
transformação (de onde se parte e para qual direção seguir). A segunda negação é  
consequência da primeira e algebricamente correta, após o restabelecimento da  
igualdade. Trata-se, portanto, de uma movimentação de compreensão teórica.  
Marx37 realizou um salto de qualidade ao abandonar a matemática das  
grandezas constantes para a das variáveis, desde o momento em que os diferenciais  
dx, dy etc. funcionam como ponto de partida do cálculo, invertendo o método algébrico  
de diferenciação de D’Alembert, Euler e Lagrange. Ele conseguiu dar fundamentação  
dialética para a diferenciação de uma classe de funções, segundo Gerdes. O diferencial,  
tratado como um símbolo operacional, evidencia significados em generalizações  
contemporâneas, do conceito para a análise funcional.  
Marx coloca-se contra a ideia de “matemáticas”, como Leibniz e Newton, que  
consideravam o cálculo diferencial distinto da Álgebra. Para ele, a Matemática é única  
e seus ramos têm autonomia relativa. A essência do cálculo reside no papel operativo  
dos símbolos em seu desenvolvimento. O método de diferenciação, segundo ele, é o  
processo real de obtenção de funções derivadas. Derivar e integrar são procedimentos  
algoritmos38. O Autor reforça que, na transição da derivada provisória  
da teoria dos  
para a definitiva, x não tende para x e não tende a zero, pois substitui,  
1
0
efetivamente, x por x , sem que  
1
0
haja aproximação infinita e é igual a zero (MARX,  
1985, pp. 170-1).  
Deste modo, um algoritmo é uma sequência finita de instruções, definidas sem  
ambiguidade, que são executadas “mecanicamente”, inclusive por meios eletrônicos,  
pois podem repetir passos (ou iterações), fundadas na lógica matemática. Existem  
algoritmos para computadores, mas também para execução de tarefas. Eles podem ser  
classificados por:  
Implementação com recursos: interativos; pela lógica; seriais ou não;  
determinísticos ou não; exatos ou aproximados;  
Por paradigma, como: divisão e conquista; programação computacional;  
redução a outro problema; busca e enumeração; probabilístico;  
37 Marx deduziu e analisou, pelo mesmo procedimento, a fórmula para o cálculo de derivadas de funções  
que podem ser escritos como produto de outras.  
38 O uso corrente da palavra algoritmo procedimentos técnicos de obtenção de resultados se altera  
quando se trata de sua teoria, que envolve a lógica, o formalismo e até mesmo a intuição. Segundo  
Gerdes (p. 78), os algoritmos, junto com a teoria das funções recursivas, foram e têm sido fundamental  
para a utilização dos computadores.  
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A escolha de Karl Marx: o cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos  
Por campo de estudos;  
Pela complexidade.  
Gerdes estabeleceu uma relação entre a natureza dialética do movimento,  
acerca de um dos paradoxos lógicos de Zenon (GERDES, 2008, p. 79), o de Aquiles e  
a tartaruga. Nele o herói Aquiles, muito veloz, aposta uma corrida com uma tartaruga,  
uma vantagem. Aquiles sai de um ponto A e a tartaruga de um ponto  
que a inicia com  
1
T Quando Aquiles atingir o  
1.  
T (ou A ), a tartaruga, que anda devagar, terá  
ponto 1  
2
atingido o ponto T , após percorrer uma distância menor que a anterior. Quando  
2
Aquiles chegar ao ponto T (ou A ), a tartaruga terá atingido o ponto T . Repetindo  
2
3
3
o procedimento, com a tartaruga  
percorrendo distâncias cada vez menores, Aquiles,  
embora seja bastante rápido, nunca alcançará a tartaruga, isto é, a distância entre eles  
nunca será nula.  
Segundo Marx, este limite será alcançado, isto é, a distância entre Aquiles e  
tartaruga poderá ser zero e não tenderá a zero, tendo em vista a realidade do  
movimento. Atualmente, para a maioria dos matemáticos, o conceito é relevante e  
significativo ao corresponder aos processos da realidade.  
Zenon tentou mostrar que o acontecimento de ultrapassagem de Aquiles é  
impossível, porque é impossível a divisibilidade do espaço e do tempo. Esta afirmação  
é anterior à construção dos números reais. O paradoxo é resolvido pela soma das  
entre os corredores, considerando a notação dA , A como a distância  
distâncias  
1
2
entre dois pontos e a sua soma: dA , A + dA , A + dA , A + dA , A +... que dará  
1 2 2 3 3 4 4 5  
a distância percorrida por  
Aquiles, eliminando a abstração da divisibilidade.  
A ideia de movimento no mundo real significa encontrar-se em um lugar e,  
simultaneamente, não estar nele, revelando a continuidade e também a  
descontinuidade do tempo e do espaço. O que Marx alcançou, segundo Gerdes (2008),  
pela negação da negação. “O caráter dialéctico do método de Marx, por exemplo,  
quanto à lei da negação da negação, reflecte no pensamento a dialéctica objetiva do  
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movimento do mundo real” (GERDES, 2008, p. 82)39.  
Considerações finais  
É possível supor que o interesse de Marx pela fundamentação do cálculo  
diferencial esteja na essência de sua mudança? Ou supor que encontrar novos  
caminhos para resolver questões principais da vida humana está entre a Matemática e  
a Filosofia? Gerdes ressalta alguns elementos matemáticos que reforçam tal  
possibilidade: a estreita relação entre “a matemática e a realidade material; o papel  
axiomático da matemática; o rigor de sua fundamentação; o conteúdo e o significado  
de sua simbologia; o problema da infinibilidade (atual, potencial ou uma unidade das  
duas); a luta dos contrários; discreto e contínuo, concreto e abstrato, finito e infinito...”  
(GERDES, 2008, p. 83). Ressalte-se, no entanto, a natureza da matemática clássica,  
que é tomada como referência por Marx.  
Pode-se dizer que, a partir de Descartes, a movimentação e a dialética  
adentraram no campo da matemática, e foram indispensáveis para o desenvolvimento  
do cálculo diferencial e integral. Segundo Engels, os homens pensaram dialeticamente  
antes de saber o que era a dialética, ao que Labèrenne completa: “E o que é verdadeiro  
para o homem em geral, é talvez neste caso da dialéctica ainda mais verdadeiro  
para matemáticos (GERDES, 2008, p. 86)40.  
O estudo produzido em Os manuscritos matemáticos de Marx, analisado e  
compreendido, pode servir para elaboração de novos métodos de ensino da  
Matemática. Gerdes aponta a utilização para o ensino do conhecimento matemático  
básico (GERDES, 2008, pp. 92-6), em exemplos de álgebra elementar para obter uma  
fórmula de resolução de equações de segundo grau, até alcançar a conhecida pelos  
brasileiros como fórmula de Báskara; em geometria, na determinação do ponto médio  
de um segmento e na trigonometria, na obtenção de fórmula para a tangente da soma  
de dois ângulos. Em todos os exemplos é apontada a necessidade de obtenção de um  
valor intermediário primeira negação até ao resultado final, utilizando a negação  
da negação.  
Apropriar-se do procedimento de Marx em aprendizagem da matemática básica  
não é usual, mas pode ser uma forma a fazer desaparecer, do imaginário do estudante  
de Matemática, o “caráter mágico” e imutável das situações vivenciadas por ele em  
39 Mantida a grafia original.  
40 Idem per idem.  
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sala de aula, além de ampliar as possíveis conexões com o ensino da filosofia. Ao  
passo de oferecer recursos de raciocínio aos professores e estudantes, de modo  
a favorecer a compreensão da realidade a partir do materialismo histórico, como  
fundamentação do conhecimento pelo viés da dialética e da imanência.  
Em visão mais ampla, pode-se afirmar a importância da versão inglesa dos  
Manuscritos Matemáticos de Marx (1983), seguida da francesa (1985), que  
reacenderam as discussões contemporâneas sobre a utilização de instrumentos  
matemáticos em análises da economia política e ensino da matemática.  
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Como citar:  
VALVERDE, Antonio; SOUZA, Maria Helena Soares de. A escolha de Karl Marx: O  
cálculo diferencial em Manuscritos matemáticos. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n.  
2, pp. 244-268; jul.-dez., 2024.  
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