DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.741  
Retorno a Budapeste:  
Lukács, democracia e realismo*  
Return to Budapest: Lukács, democracy and realism  
Paula Alves**  
Resumo: O retorno de Georg Lukács à Hungria  
ocorreu em dois momentos distintos: primeiro  
em 1918, após sua estadia na Alemanha, e  
depois em 1945, após seu exílio em Moscou.  
Esses dois retornos marcam diferentes fases de  
sua trajetória intelectual. O primeiro foi fortuito,  
enquanto o segundo resultou de uma decisão  
consciente, refletindo um desenvolvimento.  
Partindo dessa constatação, a análise que segue  
busca traçar os elos entre o exílio moscovita e o  
período subsequente, explorando as "tentativas  
de realização" que Lukács empreendeu na  
Hungria e as questões relacionadas com o  
surgimento da democracia popular no Leste  
Europeu.  
Abstract: The return of Georg Lukács to Hungary  
occurred in two distinct moments: first in 1918,  
after his stay in Germany, and then in 1945,  
after his exile in Moscow. These two returns  
mark different phases of his intellectual journey.  
The first was fortuitous, while the second  
resulted from a conscious decision, reflecting a  
process of development. Based on this  
observation, the following analysis aims to trace  
the connections between the Moscow exile and  
the subsequent period, exploring the "attempts  
at realization" that Lukács undertook in Hungary  
and the issues related to the emergence of  
popular democracy in Eastern Europe.  
Keywords: Georg Lukács; realism; people's  
democracy in the 1940s.  
Palavras-chave:  
Georg  
Lukács;  
realismo;  
democracia popular nos anos 1940.  
“Um tempo estranho esse, no qual uma dimensão  
fundamental da política consiste em salvar o passado de seu  
próprio exílio (...)”.  
Vladimir Safatle, Alfabeto das colisões  
“Pois seu interesse surgiu de seu desejo de mudar o mundo.  
A reflexão contemplativa sempre foi estranha para você.”  
István Eörsi, “Gelebtes Sterben”  
Já ao final da vida, em 1969, Lukács escreveu um prefácio para uma coletânea  
de seus artigos e ensaios que tratavam da literatura húngara. Passando em revista as  
estações de sua tumultuada relação com a cultura de seu país natal, ele identifica  
* Agradeço a leitura generosa de Betina Bischof e Dyogo Leão que me permitiu chegar o mais próximo  
possível de uma versão final desse texto.  
**  
Mestre em teoria literária e literatura comparada pela Universidade de São Paulo. E-mail:  
Verinotio  
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pontos de inflexão na sua trajetória que repercutem tanto positiva, quanto  
negativamente tendências significativas da realidade social. A certa altura, então, ele  
compara os dois momentos em que retorna para a Hungria: o primeiro, em 1918,  
depois de sua estada em Heidelberg, na Alemanha, e depois em 1945, quando retorna  
de seu exílio moscovita. O primeiro retorno para casa, mesmo tendo sido fortuito,  
possibilitou que ele vivesse as repercussões da revolução bolchevique em solo natal e  
começasse, então, a esboçar os contornos de uma resposta para as perguntas que o  
ocupavam. Mas ele não havia sido, afirma Lukács, uma “decorrência causalmente  
necessária de [seu] desenvolvimento prévio” (LUKÁCS, 2023, p. 250). Depois de  
revisitar momentos-chave do período entre 1918 e 1945, em que ele destaca “a  
apropriação do marxismo” e da obra de Lênin durante o exílio em Viena, os  
desdobramentos do movimento ilegal húngaro que vão culminar nas Teses de Blum e  
sua atividade em Moscou (que incluiu colaborações para a Új hang [Novas vozes], a  
“revista da Frente popular húngara”), Lukács conclui:  
Como resultado de um desenvolvimento interior fundamental, meu  
regresso para casa após 1945 de modo algum se assemelha ao acaso  
que me fez estar presente na Hungria durante a Revolução de 1918.  
Pelo contrário, essa foi uma decisão totalmente consciente pelo meu  
retorno e contra a oferta concreta do espaço linguístico germânico.  
(LUKÁCS, 2023, p. 256; tradução modificada)  
Se, em 1918, Lukács acaba afinal por retornar a Budapeste por razões que  
estavam fora de seu controle1, no segundo momento, em 1945, isso muda de figura.  
Esse passo foi o “resultado”, o desdobramento necessário de um “desenvolvimento  
interior fundamental”. Assim, Lukács retorna para a Hungria de maneira “totalmente  
consciente”. Mas por quê, qual a linha de continuidade que ele identifica nessa  
decisão?  
Não há maiores indicações a esse respeito no prefácio de onde  
tiramos a citação, mas, parece-nos, é possível encontrar em suas  
anotações autobiográficas recolhidas em Pensamento vivido uma  
alusão às circunstâncias que são decisivas para Lukács nesse  
processo. Ele as escreveu em momentos de pausa de seu intenso  
trabalho de correção dos manuscritos de Para uma ontologia do ser  
social, quando sua saúde já estava bastante debilitada2. Ao terminar  
1
Convencido por Ernst Bloch, Lukács havia se mudado para Heidelberg em 1912. Apesar de sua  
profunda decepção com a postura do círculo intelectual alemão em relação à I Guerra Mundial, ele  
considerava a possibilidade de permanecer lá. Seu plano era realizar a habilitação na Universidade de  
Heidelberg, sob a supervisão de Weber. Contudo, sua tentativa de ingressar na academia alemã foi  
frustrada, em parte devido a questões de antissemitismo e xenofobia (cf. BAEHRENS, 2023, p. 9), e ele  
então retorna para a Hungria no final de 1917.  
2
Afinal, dessa maneira é o que afirma István Eörsi Lukács conseguia continuar trabalhando, já que  
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esse esboço de sua trajetória, Lukács se deu conta de que não teria  
forças para elaborá-lo, o que explica o caráter fragmentário, por vezes  
enigmático, dessa seção de Pensamento vivido3.  
Nesse esboço, ao final da parte correspondente ao exílio em Moscou, cujo título  
é “Alargamento do campo de conflito”, Lukács registra: “possibilidades. No plano  
húngaro (VII Congresso) análise do movimento democrático. (a favor democracia  
popular crítica liberalismo). Crítica às Teses de Blum desapareceu” (2017, p. 210;  
tradução modificada). Note-se de passagem que, em um parágrafo um pouco acima,  
Lukács já havia se referido a essa situação, alternando entre comentários sobre a União  
Soviética e a Hungria:  
Digno de nota: esse isolamento (Literaturnyj kritik acaba;  
Internationale Literatur frequentemente muito problemática) após o  
VII Congresso do Comintern: possibilidades húngaras: tendências da  
frente popular também na literatura de Moscou tendências para a  
avaliação correta de orientações intelectuais dentro do regime de  
Horthy e em defesa ideológica contra fascismo. (2017, p. 209)  
Após mencionar que a celeuma entorno das Teses de Blum havia desaparecido,  
o filósofo passa a um plano mais pessoal, quando se refere além do mais a seu  
encarceramento4 e à relação com Gertrude Bortstieber, sua companheira:  
Pessoalmente: não sem dificuldade (duas prisões). Apesar disso:  
humanamente o mais harmonioso: relacionamento com G. Não  
“embelezamento”, nada de “otimismo”. Mas sensação: não só  
aproximação do caminho certo (na verdade pretendido): m[arxismo]  
como ontologia histórica, mas ao mesmo tempo: perspectivas –  
ideologicamente de poder realizar algo dessa tendência. (2017, p.  
210; tradução modificada)  
Então começa a curta seção que contempla o retorno à Hungria e que vai  
culminar no desastroso “debate Lukács”. Intitulada “Tentativas de realização na pátria”,  
o filósofo a abre da seguinte maneira: “Regresso ꢀ pátria com esperanças. Seu  
fundamento (muito temporário): tática de Rákosi e Gerő. Isso possibilitado pela bem  
“ele não poderia suportar uma vida sem trabalho” (cf. LUKÁCS, 2005, p. 49) e a rememoração  
demandava menos esforço do ponto de vista teórico do que a outra frente em que estava atuando.  
Além do mais, era um desejo de sua falecida companheira que ele escrevesse suas memórias.  
3
Se alguns aspectos pontuados nas anotações foram contemplados à exaustão na entrevista que é a  
parte central desse volume, outros não chegam nem a ser mencionados. O período da emigração e do  
retorno à Hungria correspondem às seções III e IV da entrevista (LUKÁCS, 2005, pp. 103-197; na  
tradução para o português pp. 95-183). Ali, Lukács expõe diversos aspectos que vão de sua  
participação na revista Literaturnyi kritik até considerações sobre Trotsky, da liberdade de que gozou  
no seu retorno a Hungria até o início do “debate Lukács”, das relações que tinha nos meios intelectual,  
político e artístico húngaros etc. Mas justamente essa questão das suas motivações não é abordada do  
ponto de vista de sua necessidade.  
4 Na parte de entrevistas Lukács (2005) comenta a respeito em pp. 128-9, bem como em pp. 143-5.  
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sucedida propaganda de princípios da transição democrática, durante vários anos. (De  
sua indiferença ideológica – liberdade para mim)” (2017, p. 211).  
Não é possível tirar conclusões a partir desse material, que, embora sugestivo,  
é bastante fragmentário. A despeito disso, parece que é, sim, possível traçar um  
itinerário a partir dele. Ao acompanhar as reflexões autobiográficas de Lukács, não  
parece que ele está recuperando o desdobramento de possibilidades, cujo registro  
capta tanto mudanças na conjuntura mundial quanto os ecos dessas mudanças em sua  
própria trajetória? Se recuperamos a que essas possibilidades se referem, vemos que,  
num primeiro momento, elas aparecem mais diretamente ligadas a um acontecimento  
histórico, o VII Congresso da Internacional Comunista. Em seguida, Lukács amplia o  
plano em que se delineiam essas tendências promissoras, indicando, por um lado, a  
percepção de que havia finalmente encontrado o caminho teórico correto, o que ele  
sintetiza nos termos de um “marxismo como ontologia histórica”. Por outro, ele  
vislumbrava um momento de abertura em que se tornava possível pôr em prática, no  
campo ideológico, algo dessa tendência teórica, da “ontologia histórica”, o que parece  
se concretizar de alguma maneira no momento seguinte de sua vida (marcado,  
justamente, por “tentativas de realização”).  
Lukács encerra assim suas recordações do período moscovita sinalizando uma  
abertura que se dá tanto no sentido teórico quanto no prático5 e começa o seguinte  
falando de “esperanças” e “realização”. Parece haver aí – nessa altura só é possível  
enxergar isso em um plano puramente semântico - um arco que liga sua atividade  
durante os anos de exílio em Moscou e aquela de um momento de sua trajetória que,  
em geral, é ainda menos conhecido. E talvez essa seja uma das razões que torna um  
tanto difícil apreender mais concretamente qual seria, no trecho citado acima (que além  
do mais emprega termos bastante amplos), a relação entre “ontologia histórica” e  
“poder realizar algo dessa tendência”, e o que isso teria a ver afinal com a “bem  
sucedida propaganda de princípios da transição democrática”. Essas anotações  
parecem adquirir, assim, o estatuto de pistas, apontando em uma direção que é preciso  
investigar e determinar melhor. É o que se busca fazer no que segue: por um lado,  
entender o que liga o período moscovita ao período subsequente da produção de  
5
Ao refletir sobre esse momento de transição em sua vida, Lukács destaca tanto possibilidades que  
dizem respeito à sua atividade política, quanto a seus posicionamentos teóricos, que se encontram,  
portanto, entrelaçadas. Isso cria uma unidade entre teoria e práxis que, segundo Béla Köpeczi (1989,  
p. 17), é característica desse período de sua trajetória, quando essa unidade se realiza de maneira mais  
intensa.  
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Lukács. Por outro, estabelecer o sentido dessas “tentativas de realização”, ao situar  
um pouco certas questões com as quais o filósofo húngaro se ocupou intensamente  
naquele momento.  
Lukács em Moscou  
No início da década de 1930, já tendo percorrido um longo caminho como  
intelectual marxista no interior do movimento comunista, é que Lukács pôde  
concretizar o viés de interpretação que marcará suas leituras de Marx dali em diante.  
Trata-se, nos seus termos, de um “novo posicionamento”, que foi facilitado por “dois  
felizes acasos” relacionados com sua temporada de trabalho no Instituto Marx-Engels,  
em Moscou: o contato com os Manuscritos econômicos-filosóficos, de Marx, e o início  
da amizade com Mikhail Lifschitz (LUKÁCS, 1968, p. 38)6.  
Ao ler na íntegra os Manuscritos, com o qual ele foi um dos primeiros a ter  
contato, Lukács se depara com uma forma de considerar a objetividade que, embora  
não estivesse ausente dos outros textos de Marx, só pôde ganhar vulto para ele,  
chegando a chocá-lo, a partir de um “texto inteiramente novo” (LUKÁCS, 1968, p. 38).  
É como se esse “novo Marx” tivesse aberto seus olhos – um pouco embotados por  
uma “interpretação hegeliana de minha lavra” (LUKÁCS, 1968, p. 38) – para o sentido  
e a importância da objetivação7. Trata-se de um passo na direção da apreensão dos  
fundamentos ontológicos do pensamento de Marx, ou, nos termos de Pensamento  
vivido, uma “aproximação do caminho certo”.  
Esse novo caminho também traz consigo consequências para a reflexão estética  
de Lukács, que passa por um amadurecimento ao longo dos anos 1930. Como é  
sabido, nesse período ele se ocupou intensivamente de questões relacionadas à  
literatura e às artes, o que pode ser visto, em larga medida, no contexto maior de seu  
esforço para fundamentar a ideia de que “a estética [constitui uma] parte orgânica do  
sistema de Marx” (LUKÁCS, 2017, p. 208). Esse “desejo de aproveitar [seus]  
conhecimentos nas áreas da literatura, da arte e de sua teoria para a consolidação de  
uma estética marxista” (LUKÁCS, 1968, p. 39) é o que o aproxima de Lifschitz, com  
6
Como reforça Ana Cotrim (2016, p. 103), esse desenvolvimento teórico é um processo para o qual  
concorrem alguns fatores. Na literatura secundária, esse “recomeço” ficou conhecido como “virada  
ontológica”. A esse respeito, cf. Netto (2002, pp. 79 ss) e Vedda (2006, pp. 63 ss).  
7
Distinta do estranhamento [Entfremdung], que seria uma forma de objetivação específica de um  
momento histórico também específico, a objetividade [Gegenständlichkeit] passa a ser entendida por  
Lukács como uma “propriedade material primária de todas as coisas e relações” (LUKÁCS, 1968, p. 38)  
e, portanto, como uma determinação da realidade que não pode ser superada.  
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quem manterá uma amizade por toda a vida. Embora, como pontua Ana Cotrim, Lukács  
só venha a realizar (parcialmente) esse projeto décadas mais tarde, ao redigir a sua  
Estética, os numerosos textos de crítica literária escritos durante o exílio moscovita  
não deixam de “representa[r] um passo significativo em direção ꢀ construção de uma  
estética marxista” (COTRIM, 2016, p. 112). Isso porque neles Lukács “alcança a  
perspectiva do realismo e desenvolve suas questões centrais” (COTRIM, 2016, p. 112).  
Dessa forma, essa extensa produção em torno dos problemas do realismo não só se  
baseia nesse “novo posicionamento”, oriundo da apreensão de uma ontologia  
marxista, como também representa uma oportunidade de concretizar os problemas  
que emergem a partir dela (cf. COTRIM, 2016, p. 112).  
Ao mesmo tempo, durante todo esse período, em suas reflexões sobre literatura  
e, de um modo geral, sobre ideologia, transparece uma das maiores preocupações do  
filósofo, compartilhada por tantas outras figuras importantes dentro e fora do  
marxismo como a questão vital da época: o surgimento do fascismo, sua ascensão em  
diferentes cantos da Europa e os reflexos disso nas formas ideológicas. A maneira  
como Lukács aborda esse fenômeno oscila em função da situação histórica8 e da  
avaliação que ele, em sintonia com o movimento comunista internacional, faz dela.  
Como observa János Ambrus (1993, p. 418), em virtude disso, ele enfrentou  
retrocessos durante a busca por conclusões corretas:  
Basta dizer que aquele que, em 1929, havia desafiado a estratégia do  
Partido Comunista Húngaro e propôs o estabelecimento de uma  
ditadura democrática de trabalhadores e camponeses, passou a  
adotar no início dos anos 30 uma abordagem equivocada do  
movimento comunista, ou seja, a reduzir os problemas sociopolíticos  
da época à escolha entre fascismo ou bolchevismo.  
Em 1929, Lukács havia levado para o II Congresso do PCH as Teses de Blum9,  
em que ele, negando a atualidade de uma transição imediata para a ditadura do  
proletariado, advogava por reformas democráticas, tendo em vista não só que a onda  
revolucionária havia se estagnado, mas também em resposta a fenômenos de caráter  
8
É claro, afirma László Sziklai, que as perspectivas do antifascismo no momento da tomada do poder  
por Hitler diferem das que se vai ter no início da década de 1940, “quando o exército alemão ainda  
estava diante de Moscou, mas estava de costas para Moscou” (1990, p. 10). Quanto a isso, cf.  
especialmente Sziklai (1990, pp. 10; 21-25).  
9
Posteriormente, mesmo tendo dúvidas a respeito do “valor objetivo” dessas “Teses”, Lukács (2023,  
p. 254) escreve o seguinte: “A despeito de tudo, é um fato histórico [...] que a perspectiva geral das  
Teses de Blumfoi confirmada pelo desenvolvimento húngaro; [...] essas Teses foram importantes para  
o meu próprio desenvolvimento: [...]; aqui eu me tornei pela primeira vez um ideólogo que deriva suas  
perspectivas da própria realidade – e mais precisamente da realidade húngara.”.  
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fascista que despontavam na Europa. Sua proposta foi duramente derrotada. É  
possível, como pondera László Sziklai (1990, p. 12), que o “fiasco” das Teses de  
Blum10 tenha desempenhado um papel nada irrelevante na postura que Lukács passa  
a adotar no início dos anos 1930, colocando o problema em termos próximos da tese  
do socialfascismo, que havia começado a ser propagada na década anterior. Dela  
decorre que apenas o proletariado seria capaz de combater efetivamente o fascismo,  
no espírito da luta de “classe contra classe”, já que o fascismo seria o “irmão gêmeo”  
da social-democracia. Essa suposição de que haveria apenas a alternativa entre  
fascismo ou bolchevismo leva a distorções em muitas das análises que Lukács realiza  
nesse período, pois, partindo dessa estrutura, ele procura demonstrar a existência de  
um paralelo entre “a oposição de fachada da socialdemocracia e o comportamento da  
intelligentsia enquanto produtora de ideologia” (SZIKLAI, 1990, p. 14).  
Consequentemente, continua Sziklai (1990, 13), “qualquer oposição que se erga em  
uma plataforma burguesa é, por um lado, uma ‘não vontade’ desde o começo fadada  
ao fracasso e, por outro, uma oposição fictícia que, permanecendo dentro da estrutura  
burguesa, promove o fascismo nolens volens.” Nessa “caracterização da estrutura  
sociopolítica básica [realizada por Lukács] falta”, ele conclui, “a alternativa de um  
antifascismo burguês democrático”, que, quando aparece, na melhor das hipóteses, é  
logo posta em questão de maneira sectária.  
Nesse sentido, o VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, foi um  
marco, também no que diz respeito à trajetória do filósofo húngaro. Nele foi adotada  
a política da frente popular, que substituiu a tese do socialfascismo enquanto  
estratégia do movimento comunista. Ao se referir a esse Congresso, Lukács tem em  
vista a abertura que essa guinada trouxe para ele em seu país natal, tirando-o de seu  
ostracismo e permitindo seu reingresso no partido húngaro. A partir daí, já não fazia  
mais sentido condenar as Teses de Blum. Sua ideia, cristalizada na defesa da ditadura  
democrática de trabalhadores e camponeses na Hungria como a realização mais bem  
acabada da democracia burguesa, ganha um reforço positivo com a política da frente  
popular, que adota uma estratégia semelhante. Para Lukács, então, o VII Congresso do  
Comintern representa, como ele registra em Pensamento vivido (2005, p. 216), a  
“queda de [Béla] Kun”, o que torna novamente possível a “cooperação com a Hungria”.  
Mas o fato é que a adoção da política da frente popular também foi  
10 A respeito dessa obra e da luta de frações no interior do movimento comunista húngaro cf. Mesterházi  
(2023).  
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acompanhada por um redirecionamento de suas próprias posições que, em anos  
anteriores, já se manifestava aqui e ali de forma mais rudimentar11. Lukács abandona  
a ideia de que o desenvolvimento da sociedade burguesa em última instância leva  
apenas à reificação e passa a explorar suas contradições internas de forma mais  
enfática. Trata-se de uma sociedade cheia de contradições, mas essas contradições são  
as do progresso. A partir dessa apreensão, Lukács pôde realizar análises mais  
diferenciadas e complexas das tendências presentes na sociedade e cultura burguesas  
(cf. AMBRUS, 1993, p. 418), o que também fortaleceu uma consideração mais  
nuançada do desenvolvimento desigual entre a economia e as formas ideológicas.  
Assim, esse deslocamento na orientação antifascista de Lukács pode ser  
igualmente observado nas posições sobre a literatura que ele assume durante esse  
período. Se, por exemplo, em “Grand Hotel Abismo”, escrito em 1933, Lukács classifica  
A montanha mágica de Thomas Mann de modo bastante ingênuo como um tipo de  
romance “ideológico-parasitário”, porque seu autor, preso em uma ideologia  
decadente, era incapaz de realizar o “salto vitale para a classe revolucionária”12; cerca  
de três anos depois, em O romance histórico, esse romance é considerado como um  
dos “pontos altos da figuração” (LUKÁCS, 1965, p. 419) da literatura alemã no período  
imperialista. E a razão para tanto, como esclarece Lukács, referindo-se ao “problema  
da missão social da literatura”, é que autores como Thomas Mann “se esforçaram para  
mostrar figurativamente [gestalterisch] a gênese histórica concreta de seu tempo”  
(LUKÁCS, 1965, p. 419)13. Assim, o romancista alemão é visto como um dos grandes  
representantes do “humanismo antifascista”, “do protesto humanista contra a barbárie  
da era imperialista” (LUKÁCS, 1965, p. 319), que se posiciona de maneira decidida em  
suas obras na “luta entre a reação e a democracia” a favor dessa última.  
11  
Tanto János Ambrus (1993, p. 418) quanto Lászlo Sziklai (1990, p. 59) mencionam que o texto de  
Lukács sobre Theodor Vischer contém antecipações da posição sobre o desenvolvimento contraditório  
do capitalismo que marcará suas elaborações posteriores.  
12  
Lukács retrabalhava seus textos antes de publicá-los novamente, seja escrevendo prefácios que  
situassem essas obras no novo momento histórico, seja fazendo alterações, retirando trechos que já  
não condiziam mais com suas posições, ou até mesmo se negando a autorizar sua republicação (o caso  
mais conhecido é certamente o de História e consciência de classe). Nesse sentido, não deixa de ser  
eloquente o fato de que “Grand Hotel Abismo” só tenha sido publicado postumamente (em húngaro,  
em 1977, em alemão, em 1984), embora Lukács utilize esse termo para se referir a Adorno no prefácio  
escrito em 1962 para A teoria do romance. A publicação em alemão não contém a última parte do  
texto, “Totentanz der Weltanschauung” [Dança macabra das visões de mundo], justamente a parte onde  
Lukács realiza esse julgamento sobre Thomas Mann, entre outras coisas. Contudo, ela já havia sido  
publicada anteriormente, em 1979, na revista húngara Helikon, em um número especial sobre literatura  
e história literária austríacas.  
13 Lukács analisa esse e outros romances de Thomas Mann de maneira magistral em Thomas Mann, que  
reúne seus estudos sobre o autor escritos entre 1945 e 1955.  
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Essa mudança, embora se correlacione com a adoção da política de alianças  
pelo movimento comunista internacional, não expressa uma reorientação meramente  
tática da parte de Lukács, como se ele simplesmente tivesse passado a aplicar essa  
bandeira em suas análises literárias. Ele mesmo fornece uma chave mais apropriada  
para interpretá-la em “Meu caminho até a cultura húngara”. Ali, ele afirma que chegou  
no VII Congresso depois de já ter participado “ativamente da luta contra o sectarismo  
literário” e ter “lançado as bases teóricas do realismo socialista” na contracorrente,  
ainda que de maneira “camuflada”, da orientação de Stálin e Jdanov (LUKÁCS, 2023,  
p. 255). Frequentemente se menciona as Teses de Blum como um antecedente nas  
elaborações posteriores de Lukács em defesa do “humanismo antifascista”, chegando-  
se, e não sem toda razão, a estabelecer um nexo direto entre elas14. Mas, para tanto,  
omite-se que Lukács também se debateu no campo da análise literária para alcançar  
uma perspectiva antisectária, ancorada em uma apreensão concreta da realidade  
histórica. Paralelamente ao amadurecimento de sua concepção sociopolítica, que  
incorpora em suas balizas a contraditoriedade no desenvolvimento do capitalismo,  
ocorrem, também, diferenciações importantes em suas concepções estéticas, que  
permitem que Lukács alcance a “perspectiva do realismo” a partir de uma assimilação  
dos lineamentos da “ontologia histórica” marxista15.  
Em seu tratamento de obras literárias nessa época, especialmente daquelas de  
autores alemães, Lukács mobiliza todos esses elementos a luta entre a reação e a  
democracia, o protesto humanista contra a barbárie, a figuração realista , ora de  
maneira bastante direta, ora como um prisma de análise, como podemos ler em um  
trecho de “Die verbannte Poesie [A poesia banida]”, de 1942, em que ele comenta um  
romance de Thomas Mann escrito poucos anos antes:  
Carlota em Weimar, de Thomas Mann, é um livro alemão atual em um  
sentido muito mais imediato. A poesia e filosofia clássicas floresceram  
em meio ꢀ “miséria alemã”. Como reflexo ideológico das preparações  
e das consequências da grande Revolução Francesa e, acima de tudo,  
da própria revolução, surgiu aqui um impulso intelectual que  
ultrapassou essa miséria (embora apenas parcialmente, embora  
apenas no reino nebuloso da ideologia e não na vida prática) e fez da  
14 Ana Cotrim chama atenção para o fato de que, embora haja uma relação entre os problemas sociais  
e as elaborações estéticas de Lukács, não deixa de ser questionável estabelecer “uma ligação direta  
entre questões imediatas, políticas ou de outra ordem, e as opções estéticas que acompanham a teoria  
do realismo” (2016, p. 86). De fato, na obra de Lukács, essas relações são extremamente intrincadas e  
já foram muitas vezes mal interpretadas, atribuindo-se motivações de natureza tática a suas análises  
literárias, que certamente têm outras raízes (cf. COTRIM, 2016, pp. 106-112).  
15  
A respeito dos desenvolvimentos nas concepções estéticas de Lukács rumo ꢀ “perspectiva do  
realismo” e a “centralidade da ação” na figuração artística realista cf. Cotrim (2016).  
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Alemanha, por meio século, o centro intelectual do humanismo  
europeu.  
Por isso, a figura de Goethe é o contraponto necessário e adequado  
[gegebene] ao rebaixamento moral e intelectual da Alemanha. [...] A  
“reconciliação com a realidade” de Goethe é o mais profundo realismo,  
a compreensão de que o processo histórico é mais amplo e  
multifacetado do que o mais sábio ser humano; mas, ao mesmo  
tempo, é também um ódio a tudo o que é mesquinho e baixo, aos  
perigos iminentes da escuridão, do obscurecimento, que sobem  
diariamente e a cada hora da “miséria alemã” e ameaçam o progresso.  
Mesmo o Goethe de Thomas Mann sucumbe, por vezes, às influências  
da “miséria alemã”. Thomas Mann não cria uma lenda, mas extrai da  
realidade a poesia da verdade histórica. Por isso, seu herói, com todos  
os resíduos e limitações ressaltados com fina ironia, é o verdadeiro  
herói alemão na luta da luz contra as trevas. (1956a, p. 113)  
Nessa ênfase da figuração realista, concreta, da experiência histórica nas obras  
literárias torna-se visível o nexo com a plataforma antifascista tal como concebida por  
Lukács, que aparece de maneira mais explícita, por exemplo, em um artigo publicado  
na revista Internationale Literatur, em 1938, em que ele trata do novo tipo de romance  
histórico que surge principalmente entre os escritores exilados alemães. Lukács foi um  
dos primeiros a destacar o papel dos intelectuais na “preparação e na realização das  
revoluções” (cf. BENSELER, 1984, p. 167), identificando a função compensatória que  
a ideologia havia cumprido na Alemanha. Mas, quando Hitler chegou ao poder, ele  
observa que se operou uma mudança na melhor parte da intelectualidade alemã, que  
adota uma postura ofensiva. Tal mudança se reflete no fato de que o romance histórico  
do antifascismo alemão surge como uma defesa dos ideais humanistas, mas não para  
por aí, indo, também, para a ofensiva. Entretanto, o que distingue esse tipo de romance  
não é só o embate decidido contra o fascismo, que também é realizado, e em alto nível  
afirma Lukács, de forma panfletária na prosa política dos exilados. Ele é a  
“contraimagem [Gegenbild]” monumental da barbárie fascista, só que essa “imagem  
[Bild] monumental” é, ao mesmo tempo, “poética”:  
Mas o significado do romance histórico dos antifascistas alemães  
reside precisamente no seu aspecto "poético": eles figuram e dão vida,  
através de imagens poéticas concretas, àquele tipo humanista de  
pessoa cuja vitória social denota ao mesmo tempo a vitória social e  
política sobre o fascismo. Aquele tipo de pessoa cuja universalidade,  
cuja primazia traz consigo a salvação cultural da humanidade; aquele  
tipo de pessoa pelo qual a luta contra o fascismo se torna um dever  
cultural para todos; aquele tipo de ser humano em cujo nome deve  
prosseguir a luta contra o fascismo, a luta da Frente Popular. (1974,  
p. 174)  
Nesse trecho, é possível entrever quais perspectivas Lukács atrela ao surgimento  
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Retorno a Budapeste: Lukács, democracia e realismo  
do romance histórico naquele momento. Se o romance histórico clássico havia figurado  
“o crepúsculo do desenvolvimento heroico-revolucionário da democracia burguesa”, o  
romance histórico que surgia naquele contexto, mesmo com todas as suas limitações,  
capturava algo novo: “o romance histórico atual surge e se desenvolve em meio ꢀ  
aurora de uma nova democracia” (LUKÁCS, 1965, p. 422). Ao dizer isso, Lukács tem  
em vista que a luta pela democracia revolucionária travada pela Frente popular tinha  
por objetivo defender contra as investidas do fascismo as conquistas do  
desenvolvimento democrático. Contudo, para fazê-lo de maneira efetiva, precisava ir  
além da mera defesa e “dar ꢀ democracia revolucionária conteúdos novos, mais  
elevados, desenvolvidos, universais, democráticos e sociais” (LUKÁCS, 1965, p. 422).  
Olhando retrospectivamente, essa é uma asserção curiosa, se lembrarmos que  
Lukács escreveu essas palavras (e outras que soam mais grandiloquentes, como  
“estamos em meio a um período heroico”) em uma situação de muita tensão, na  
passagem de 1936 para 1937, quando a II Guerra mundial estava prestes a estourar.  
Talvez elas sejam uma prova do entusiasmo com que ele recebeu a luta da Frente  
popular, que ele via como um verdadeiro movimento de massas, observando seus  
desdobramentos na Espanha, por exemplo. E em qual espaço seria possível  
representar esse tipo de experiência de maneira mais adequada do que na literatura?  
Diferentemente do que acontece em outros meios, na literatura realista é possível  
representar as massas não como um conjunto homogêneo, cujo movimento, ainda por  
cima, é irracional, mas como a “expressão intensificada da vida popular até então”  
(LUKÁCS, 1965, p. 366) a partir dos destinos individuais, em que transparecem os  
grandes problemas da época.  
Assim, é bastante razoável considerar que a estética oferecesse para Lukács um  
espaço privilegiado de reflexão sobre os problemas que o ocupavam, como o fascismo,  
mas também os problemas ligados ao período de transição (cf. AMBRUS, 1993, p.  
417). Desse modo, além de não encontrar respaldo textual, a leitura já convencional  
sobre a trajetória de Lukács que interpreta a ênfase sobre os temas estéticos durante  
os anos 1930 como uma retirada tática do campo da política, em virtude da derrota  
das Teses de Blum, deixa de considerar essa dimensão dos escritos sobre literatura,  
que poderia ser sintetizada, como faz Guido Oldrini (2017, p. 410), na ideia de uma  
“militância cultural”. Não é verdade que se trata nesse caso de uma retomada de, nem  
de uma retirada para um campo de estudos que Lukács teria abandonado ao ingressar  
no movimento comunista. Mas, de fato, a partir do exílio moscovita, Lukács se ocupa  
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de maneira constante com questões relacionadas às artes e, em particular, à literatura.  
A rigor, notará Ambrus, a ênfase sobre temas estéticos é justamente o que caracteriza  
a sua produção ao longo dos anos 30. Sem compreender essa porção de sua trajetória,  
não seria possível avaliar seus trabalhos até 1949 (ou mesmo sua Estética de 1963).  
Ainda de acordo com Ambrus (1993, p. 418), nem mesmo seria possível entender por  
que Lukács assumiu o lugar de intelectual público ao retornar para a Hungria, ou o  
que levou a que seu trabalho tivesse o impacto que teve no pós-guerra, tanto no país  
natal como no estrangeiro.  
De Moscou a Budapeste: “esperanças”, democracia popular... e realismo?  
Retornando do exílio moscovita “com esperanças”, Lukács atua como um  
intelectual público, participando ativamente da vida cultural na Hungria16. Além de  
assumir uma catédra na Universidade de Budapeste, de participar como membro de  
comissões partidárias, de trabalhar na redação da Forum17 e escrever artigos para  
outros periódicos, ele será uma presença constante em debates nacionais bem como  
internacionais. É no contexto dessa intensa atividade pública que ele redige entre  
1945 e 1947 os textos que compõem Irodalom és demokrácia [Literatura e  
democracia]18, obra que estará no centro da campanha contra o filósofo iniciada em  
1949.  
Essa coletânea condensa os esforços de intervenção de Lukács num momento  
em que a Hungria passava por transformações significativas. Com o fim da II Guerra  
Mundial e a libertação das regiões ocupadas, a Hungria assim como outras nações  
do centro e do sudeste europeus viu-se diante da necessidade de se reorganizar  
política e administrativamente. Com o apoio da URSS, inclusive de órgãos militares  
soviéticos, chega-se ao modelo das democracias populares. A estrutura do novo  
governo húngaro é então composta pelos comunistas, mas também por outros grupos  
políticos que haviam participado da coalizão antifascista durante a guerra, como o  
16 Lukács nos fornece uma impressão desse período “tempestuoso” em uma carta endereçada a Lifschitz,  
de 11 de fevereiro de 1946, em que menciona “[...] uma inflação das mais diversas reuniões e  
conferências sobre as questões mais heterogêneas, começando com a reorganização da Academia das  
Ciências e terminando com questões mesquinhas da Associação cultural dos trabalhadores, no meio  
disso três grandes palestras [...].  
17  
Lukács tornou-se editor dessa revista em 1946 e publicou por volta de 30 artigos nela (cf. SZABÓ,  
1991, p. 484). Em Pensamento vivido (2017, p. 153), ele afirma que “a base de toda a Forum era o  
problema da frente popular e, por isso, em todas as questões, o ponto era se a ditadura do proletariado  
nasceria da frente popular”.  
18 Embora essa coletânea não tenha sido traduzida para o português, utilizaremos daqui em diante para  
referi-la o correspondente de seu título em vernáculo.  
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Partido dos pequenos proprietários, o Partido nacional camponês e o Partido social-  
democrata.  
Um dos grandes problemas a se enfrentar era a construção de unidade entre  
esses diversos campos sociais, tendo em vista que, com o fim da guerra, já não havia  
mais o inimigo comum, o fascismo. É nesse contexto de governos pluralistas que então  
surge para os comunistas, como afirma Jaroslav Opat (1987, p. 229), “tanto em termos  
de práxis política quanto de ideologia, a indicação das vias nacionais específicas para  
o socialismo”. Na prática isso significava dizer que, com toda a admiração e respeito  
pelo modelo soviético, a maneira como se deu a transição para o socialismo naquele  
espaço não possuía validade universal. Por isso, era preciso encontrar caminhos  
alternativos, “vias únicas nacionais” que levassem em conta a história e demais  
peculiaridades locais. Até 1948, essa “ideologia da via ‘específica para o socialismo’”  
(OPAT, 1987, p. 245) também foi sustentada no PC húngaro, já que ainda não era  
considerada um desvio pela matriz soviética. No seu III Congresso, ocorrido em 1946,  
o PCH definia a democracia popular justamente como uma etapa de transição rumo ao  
socialismo, a ser alcançada pacificamente, sem a necessidade de uma ditadura do  
proletariado19. Esperava-se que, durante um longo período de transformações  
democráticas, seria possível restringir o grande capital e direcionar a Hungria rumo ao  
socialismo a partir de uma aliança com as forças de esquerda que compunham o  
governo de coalizão (AMBRUS, 1993, p. 420).  
Já convicto da ideia de que “não existe uma muralha da China separando a  
revolução proletária e a burguesa” (LUKÁCS, 2005, p. 117), que é a maneira como ele  
formula décadas mais tarde a essência das Teses de Blum, Lukács entende que,  
ademais, naquele momento, não havia nem as “precondições objetivas nem as  
subjetivas” para a instauração do socialismo na Hungria (cf. LUKÁCS, 2013, p. 12).  
Tais condições ainda precisariam ser criadas, e, por isso, “o caminho orgânico para o  
desenvolvimento da Hungria era a democracia popular” (AMBRUS, 1993, p. 423).  
Na análise de Lukács, a defesa da democracia popular também se inscreve no  
quadro mais amplo da luta contra a reação. É verdade que o fascismo já havia sido  
derrotado militarmente, mas Lukács não ignorava o perigo da reorganização, já então  
mais ou menos latente, das forças reacionárias. Diante dessa dinâmica, ele busca  
compreender o fenômeno do fascismo, recuperar criticamente as suas raízes, para  
19 Lukács também sustentou a mesma posição quanto à inatualidade da ditadura do proletariado nesse  
Congresso (cf. URBÁN, 1989, p. 400).  
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melhor combatê-lo. Do ponto de vista político e ideológico, ele as faz remontar a uma  
crise que atravessa todo o período imperialista e foi trazida à tona de maneira  
irrefutável pelo fascismo: trata-se, justamente, da crise da “democracia de velho tipo”,  
a “democracia formal capitalista” ou “clássica” (LUKÁCS, 2013, p. 8).  
No prefácio escrito em 1947, Lukács (2013, pp. 6-7) afirma, na verdade, que o  
fascismo surge da crise da democracia tanto em sentido positivo, quanto negativo:  
Positivo, na medida em que o fascismo é um sistema imperialista de  
poder [...]. As experiências do último meio século mostram que, em  
termos de estrutura política interna, o capitalismo monopolista  
imperialista abraça o fascismo (ou uma forma parcial de fascismo)  
precisamente quando e na medida em que não pode mais realizar  
seus objetivos políticos internos e externos com a ajuda das “regras  
do jogo” implícitas na antiga democracia. [...] . A causa dessas  
tentativas [de estabelecer o fascismo] é o movimento das massas  
trabalhadoras; sua insatisfação com o regime democrático das  
“duzentas famílias” se manifesta com tanta força que, para manter  
esse regime (e esse é o verdadeiro conteúdo de classe da democracia  
formal), novos métodos se tornam necessários.  
Já o momento negativo consiste na hegemonia de uma ideologia contrária à  
democracia ou na “crise ideológica”20, que se relacionaria, por sua vez, com a  
possibilidade de sucesso de investidas para se estabelecer o fascismo. Ela depende  
do grau de conscientização das massas e da exploração “de forma antidemocrática”  
de sua “amargura” com a democracia formal (LUKÁCS, 2013, p. 8).  
Lukács procura então explicitar em diversas passagens de seus artigos como  
esses momentos se articulam. Da mesma forma que em “Visão de mundo aristocrática  
e visão de mundo democrática”21, ele reconhece contraditoriedade no  
desenvolvimento da democracia “clássica”, que, embora fosse limitada por seu caráter  
formal, continha em seus ideais de liberdade e igualdade “algumas sementes de  
democracia” (LUKÁCS, 2013, p. 15). Mas em Literatura e democracia, a ênfase recai,  
sem dúvida, na crítica desse aspecto formal, que nos permite entender o  
20  
De fato, a crise da democracia, na análise de Lukács, está imbricada em outras crises, de modo que  
é possível falar de um complexo de crises que, em conjunto, tornaram possível a emergência do fascismo  
ou até mesmo culminaram nele. Há uma dimensão ideológica, como fica patente a partir do trecho que  
acabamos de citar, e que Lukács vinha analisando já desde os anos 30. Na apresentação de “O espírito  
europeu”, Carolina Peters e Murilo Leite Pereira (2021, pp. 2 ss), que também traduziram essa  
conferência de Lukács para o português, detêm-se na análise desse complexo de crises.  
21  
Essa é a versão escrita da palestra proferida por ele em 1946, no Encontro Filosófico Internacional  
em Genebra, num período em que Lukács viajava com frequência seja por razões acadêmicas, seja por  
razões políticas (cf. TAKÁCS, 2021, p. 61). Celso Frederico (1995, p. 185) considera que nessa ocasião  
Lukács da voz ꢀ posição da “coexistência pacífica”, ao propor “a aliança entre socialismo e democracia,  
passando por cima das diferenças essenciais entre a democracia burguesa e a socialista etc.”  
21 Embora essa coletânea não tenha sido traduzida para o português, utilizaremos daqui em diante para  
referi-la o correspondente de seu título em vernáculo.  
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funcionamento da democracia nos países desenvolvidos em tempos de normalidade.  
Como ela é formal, como ela institui a liberdade e a igualdade apenas juridicamente, é  
possível que, na superfície, a democracia “clássica” esteja funcionando, é possível  
“colocar em prática todas as suas conquistas e manter precisamente suas ‘regras do  
jogo’ e, ainda assim, [...] governar contra os interesses do povo trabalhador” (68).  
Dessa forma, como sintetiza Tyrus Miller (2013, p. XXV), o editor e tradutor de The  
culture of people’s democracy, a “insistência em ‘regras do jogo’ formais (...) pode se  
tornar um fetiche ideológico para ocultar as inequidades de classe na sociedade”.  
É justamente esse conteúdo de classe da democracia formal que se revela  
quando ocorre um acirramento do conflito. Ela serve, afinal, ꢀs “duzentas famílias”22,  
ao “estrato dominante” (LUKÁCS, 2013, p. 69) ligado ao capital monopolista,  
garantindo a continuidade do seu domínio. Por isso, pode-se dizer que a velha  
democracia é fundamentalmente antipopular. Nela, necessariamente, as massas são  
alienadas de formas genuínas de participação, são necessariamente excluídas das  
questões públicas que afetam diretamente sua vida cotidiana, cumprindo um papel  
decisivo apenas na realização de formalidades: “As grandes massas são utilizadas,  
através de eleições periódicas, para dar uma base formal e democrática a um conteúdo  
antipopular” (LUKÁCS, 2013, p. 69). A consequência disso é sua insatisfação com o  
sistema, com o “regime democrático das ‘duzentas famílias” (cf. LUKÁCS, 2013, pp. 6-  
7).  
Não raro, as massas expressam seu descontentamento, o que provoca a reação  
do campo contrário, que procura desmobilizá-la (cf. LUKÁCS, 2013, p. 69). Mas a  
insatisfação, na análise de Lukács, não aparece apenas como um fator de movimento.  
Tendo em vista seu conteúdo de classe, ela comporta, também, a impossibilidade de  
reconhecimento da democracia formal por parte das massas de trabalhadores, o que,  
como foi revelado pela chegada do fascismo ao poder, torna todo esse edifício  
bastante frágil. Pois, na medida em que não podiam reconhecer essa democracia como  
algo seu, como “seu próprio reinado”, na medida em que “esse reinado não poderia  
ter exercido qualquer atração sobre as massas trabalhadoras, [...] assim, elas podiam  
cair sob o primeiro ataque do fascismo quase sem resistência” (LUKÁCS, 2013, p. 68).  
Não é possível, e nem desejável, retornar a essa democracia. A saída da crise,  
22  
Em nota, Miller esclarece que esse “slogan das ‘duzentas famílias’” remete a sua origem na frente  
popular; ele seria, de acordo com Malcolm Anderson, um “mito político popular da esquerda” surgido  
nos anos 1930 que dominou a França e cujo impacto se prolongou por muito tempo (LUKÁCS, 2013,  
p. 68).  
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no entanto, também não estaria em uma mera negação. Lukács constitui seu ponto de  
vista crítico a partir de um duplo movimento, evitando o falso binarismo próprio da  
ideologia burguesa. Ele se recusa a hipostasiar a forma de democracia que se  
desenvolveu nos séculos XIX e XX, como se essa fosse o “modo clássico, ou até mesmo  
o único modo possível no qual o ideal democrático poderia se manifestar” (LUKÁCS,  
2013, p. 67)23. Ao mesmo tempo, ele se distancia daqueles críticos que extraem dessa  
percepção de uma crise a necessidade de abandonar qualquer forma de governo  
democrático, que negam a democracia em geral, inclusive a democracia proletária. Ao  
ficarem presos a uma forma imediata de reação, atribuindo erroneamente à democracia  
contradições e limites que na verdade são constitutivos da sociabilidade capitalista,  
eles não só alimentavam as tendências reacionárias que ainda fermentavam na  
sociedade, mas também eram incapazes de enxergar as verdadeiras possibilidades do  
presente. E isso é ainda mais desastroso se levarmos em conta que, de acordo com  
Lukács, o conjunto da vida social se encontrava naquele momento na soleira de  
grandes mudanças. Uma nova cultura democrática está tomando forma em toda a  
Europa” (LUKÁCS, 2013, p. 12), dirá ele, em termos muitos próximos daqueles que  
empregou em O romance histórico. Seus primeiros sinais já eram perceptíveis e traziam  
a promessa de uma vida renovada. A nova democracia não era, a seu ver, uma utopia  
e essa perspectiva anima seu diagnóstico.  
Embora a democracia popular surja como uma resposta e uma possível saída  
da crise da democracia formal, ambas se desenvolvem no interior da mesma formação  
econômica, já que as bases do capitalismo, e particularmente a propriedade privada,  
continuariam a existir na democracia popular. Ainda que Lukács (2013, p. 149),  
mencione a necessidade de se tomar medidas para restringir o poder do capital  
monopolista e romper o seu “domínio exclusivo” 24, ainda que a propriedade privada  
continue a existir “dentro de limites e sob controle”, como ele ressalva a certa altura  
(LUKÁCS, 2013, p. 189), a base real sobre a qual se ergue a democracia formal não é  
propriamente suprimida. Isso traz limitações que ficam ainda mais evidentes quando  
se compara as possibilidades da democracia popular com as que existem no  
23 Isso explica as aspas quando ele se refere ꢀ democracia “clássica”.  
24  
Lukács (2013, p. 149) considera isso como o “objetivo primordial e imediato” da nova democracia  
no campo da política econômica. É o que tornaria reais as possibilidades sociais que ele discute em  
seus artigos, havendo já naquele momento transformações na base econômica que apontavam nesse  
sentido.  
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socialismo25. A democracia popular não pode, portanto, ser vista como a solução  
definitiva, mas como uma forma de transição adequada naquele momento.  
Para Lukács, contudo, nada disso impede que a democracia popular se coloque  
como a tentativa de instaurar algo novo, com base “na transformação política,  
econômica e social” (LUKÁCS, 2013, p. 5). Ela representa um passo adiante, e até  
mesmo um passo na direção do socialismo num caminho mais lento e que, talvez,  
envolvesse “menos sacrifícios” (LUKÁCS, 2013, p. 189) –, na medida em que tem por  
objetivo superar as limitações formais da democracia “clássica”:  
Embora o caráter do sistema capitalista de produção não tenha sido  
abolido, a democracia popular adota como meta que, nessa  
sociedade, a intelligentsia trabalhadora, os trabalhadores e os  
camponeses não devam meramente possuir de maneira legal a  
liberdade ou a igualdade, mas, sim, de uma vez por todas, receber  
garantias institucionais de que podem realmente viver nessa liberdade  
e igualdade nas questões importantes de sua existência cotidiana.  
(LUKÁCS, 2013, p. 32)  
Lukács tem em vista “mudanças nas posições decisivas do poder econômico” e  
“mudanças na relação entre a vida do estado e economia”, as quais passariam a  
incorporar elementos de uma democracia direta26 em estruturas de poder e  
governança que antes eram blindadas contra a participação popular. Assim, a nova  
democracia poderia inverter o “real conteúdo de classe” da democracia formal e dar  
um passo adiante: “em vez da regra anônima de “duzentas famílias”, surge a liderança  
aberta da vida econômica por meio de organizações populares” (LUKÁCS, 2013, p.  
193). Graças a essa mudança, ideais que foram alimentados em revoluções  
democráticas anteriores (como a liberdade ou a igualdade), mas que não passaram de  
uma “mera proclamação” ou “de sua codificação legal”, poderiam se tornar realizáveis  
no dia a dia das massas trabalhadoras: “a estrutura política e social interna das novas  
democracias, se realmente implementada, torna viáveis os ideais democráticos  
revolucionários anteriores, os quais, ao serem concretizados, também preparam o  
caminho para a irmandade socialista dos povos” (LUKÁCS, 2013, p. 210).  
Mesmo com todas as limitações, uma “democracia fundada nas massas”, isto é,  
“a participação permanente, ininterrupta, organizada e direta das massas em todos os  
25 Isso fica claro, por exemplo, na questão do planejamento econômico (cf. LUKÁCS, 2013, p. 192).  
26  
Urbán (1989, p. 397) observa que, justamente nesse “ponto essencial” da democracia direta, a  
concepção de Lukács desviava-se da linha defendida inicialmente pela maior parte dos líderes do PCH.  
Lukács tece algumas considerações sobre a democracia direta, relacionando-a com a democracia  
proletária, em “Literature and democracy II” (2013, pp. 67-73).  
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terrenos da vida pública” (LUKÁCS, 2013, p. 72), traz algo que é fundamental do ponto  
de vista da visão de mundo marxista. O desenvolvimento da sociedade burguesa  
acarreta “a diminuição da dimensão-cidadã da pessoa”. Há, nesse processo, uma  
“necessidade objetiva”, mas, na medida em que “a natureza múltipla e abrangente do  
ser humano não pode ser alcançada sem a participação ativa na vida pública”, ele  
significa uma “mutilação” (LUKÁCS, 2013, p. 202). E é com isso, também, que a nova  
democracia busca romper, criando “passagens reais, dialéticas entre vida privada e  
vida pública”:  
Claro, uma pessoa sempre faz parte da vida pública. E esse aspecto  
do desenvolvimento social torna-se particularmente intenso na crise  
do imperialismo, mas [...] apenas na medida em que o indivíduo  
privado, de forma consistente e em um grau crescente, se torna um  
objeto de sofrimento da vida pública. [...] Na nova democracia, no  
entanto, ocorre aquela virada em que a pessoa participa dessas  
conexões entre a vida privada e pública não como um objeto de  
sofrimento, mas como um sujeito ativo. (LUKÁCS, 2013, p. 202)  
Essa passagem da pessoa privada de um “objeto de sofrimento” para “sujeito  
ativo” no interior da vida pública é um dos pontos que sempre retorna nos artigos de  
Lukács reunidos em The culture of people’s democracy27. Ele entende que, por um  
lado, no próprio processo de forjar as mudanças, de participar na criação de novas  
formas de vida, esse novo tipo de ser humano, cuja vida individual cotidiana passa  
então a “engloba[r] organicamente a vida pública” (LUKÁCS, 2013, p. 78), produz-se  
a si mesmo. Não se trata, portanto, de esperar algum tipo de messias ou o surgimento  
do novo ser humano para só então começar, “sem qualquer fricção”, a transformação  
da sociedade. Por outro, Lukács atribui à cultura entendida num sentido amplo e,  
especialmente, à literatura, um papel de proa no processo de preparação ideológica.  
Seus motivos, que são mais ou menos evidentes, é preciso compreender melhor.  
Partindo, da mesma forma que na discussão sobre a democracia, de um  
diagnóstico de crise, tanto de uma crise ideológica, quanto de uma crise da cultura  
propriamente dita28, Lukács não se contenta em identificar suas raízes ideológicas para  
27 Talvez T. Miller tenha razão quando afirma que a lentidão das transformações da base econômica na  
Hungria teria permitido a Lukács uma mudança de ênfase. Ao invés de se perguntar como acelerar a  
industrialização para criar as bases necessárias para o socialismo em um país fundamentalmente agrário,  
Lukács se volta então sobretudo para o problema do fator subjetivo: “Como os seres humanos  
necessários para uma nova ordem social podem surgir nessa situação de transição?” (MILLER, 2013, p.  
XIX). Nesse sentido, ele destaca a importância da autoeducação para uma humanidade autêntica que se  
cristaliza na noção de Lênin do hábito (cf. por exemplo pp. 29 ss).  
28 Trata-se, na verdade, de crises conexas: a ausência de um verdadeiro conteúdo democrático na vida  
social leva à disseminação de um sentimento de mundo eivado de elementos reacionários; ele se  
expressa, fundamentalmente, numa visão de mundo aristocrática, para a qual, inclusive, a “massificação”  
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reverter esse quadro. Ele se volta, como afirma Béla Köpeczi (1989, p. 27), para a  
“organização da revolução cultural na prática”29, ajudando a pôr de pé um programa  
cultural que marcou todo o período, embora não tenha alcançado mais do que  
resultados parciais (cf. KÖPECZI, 1982, p. 83). “Até o presente momento”, Lukács  
afirma, “os trabalhadores foram excluídos da cultura nacional. Agora, eles são  
chamados a renovar a cultura, a levá-la a um novo florescimento” (LUKÁCS, 2013, p.  
161). Era preciso tomar posse da cultura efetivamente, tornar “a aquisição da cultura  
e o progresso na vida cultural acessível para todos” (LUKÁCS, 2013, p. 19), o que se  
mostrava problemático tendo em vista as condições30 em que se encontrava a maior  
parte da população (falta de tempo, índice de analfabetos etc.). Assim, nessa frente, a  
primeira tarefa que se coloca para a democracia popular é a do acesso universal à  
cultura e da melhoria da educação fundamental.  
Mesmo enfatizando a importância dos organismos estatais e civis, Lukács  
considera que, para renovar a cultura, é preciso muito mais do que isso: “precisamos  
de um novo conteúdo para toda nossa atividade, para que possa haver uma cultura  
do povo trabalhador, dos trabalhadores e dos camponeses” (LUKÁCS, 2013, p. 23). É  
preciso, portanto, criar uma nova cultura. Mas em que direção essa cultura se  
desenvolve, em que medida ela é nova? Ela é nova no sentido de que rompe com  
certas tendências antidemocráticas características da cultura capitalista, mas nova  
é a verdadeira causa da crise da cultura moderna. Isso gera, para Lukács, falsos extremos na cultura  
capitalista, que ele sintetiza formalmente em duas posições: a “torre de marfim” e o kitsch. Ambas  
“expõem o desaparecimento ou ao menos o obscurecimento de problemas fundamentais da sociedade  
e da visão de mundo” (2013, p. 16). Mas, enquanto o kitsch “é a exploração comercial do  
distanciamento das grandes massas da verdadeira cultura” e os setores de produção capitalista de bens  
culturais extraem sua porção de lucro “com a preservação e a extensão do atraso cultural”, a “torre de  
marfim” ou a “arte pela arte” se apresenta como uma reação a isso, como um retiro para fora desse  
jogo sujo em favor da “arte pura”. A essas posições correspondem dois tipos humanos, que resultam  
igualmente na “ausência de defesa”: “de um lado, a total falta de capacidade de resistir às tendências  
destrutivas da sociedade em relação à cultura; de outro, um recuo obstinado e a retirada para dentro  
de si mesmo” (2013, p. 16).  
29  
Béla Köpeczi menciona nesse sentido um artigo de Lukács publicado em 1948, na revista Szabad  
Nép, que teria sido sua última declaração concernindo questões da política cultural. Ali ele trata das  
novas possibilidades que surgem com a estatização no campo da cultura. Fica claro que a mera  
estatização, embora ela permita a ampliação do acesso aos bens culturais, não é suficiente; é preciso  
orientar esse desenvolvimento, tarefa que Lukács outorga principalmente, ao que parece, ꢀ “ação  
consciente dos marxistas” (KÖPECZI, 1993, p. 27). Ao mesmo tempo, na medida em que tal  
direcionamento poderia levar a uma “uniformização”, Lukács também destaca a necessidade de se  
garantir um “espaço para a personalidade”.  
30  
Se é verdade que, “em princípio, o sistema de produção capitalista oferece a todos o acesso  
desimpedido ꢀ cultura”, na prática, observa Lukács, “as bases materiais da cultura capitalista são tais  
que a esmagadora maioria não se encontra atualmente em nenhuma situação (e realmente não pode  
chegar a uma) em que possa ter uma relação produtiva com os valores culturais; e, especialmente, não  
está em posição de gerar tais valores” (LUKÁCS, 2013, p. 15).  
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também no sentido de que reavalia e “reanima” certas tendências da tradição nacional:  
“o que até agora tem sido o avanço de gênios individuais isolados, um assunto  
individual deles, agora deve se tornar o bem fundamental e conscientemente  
promovido de toda a cultura” (LUKÁCS, 2013, p. 23). Os obstáculos ao acesso aos  
bens culturais em geral são um problema que surge em virtude das condições  
capitalistas de produção. Mas o que Lukács tem em vista, aqui, é algo mais específico:  
trata-se da constituição de uma tradição nacional ligada à vida popular, em que está  
suspenso o dualismo entre a pessoa privada e o cidadão, naqueles lugares onde  
vigoram regimes antidemocráticos ou autoritários. Estes, afinal, não suportam que “a  
realidade seja exposta abertamente, nem na vida pública, nem na literatura” (LUKÁCS,  
2013, p. 48).  
Lukács analisa o caso de alguns países (nesse momento do texto, por exemplo,  
ele compara a Alemanha pré-1918 com a França), mas seu ponto de fuga são as  
peculiaridades do desenvolvimento húngaro e suas consequências para a organicidade  
(ou não) da cultura nacional. “Se olharmos para o desenvolvimento da literatura  
húngara”, ele pontua mais a frente, “teremos que afirmar que ela nunca passou pelo  
período do grande realismo, entendido no sentido francês e russo” (LUKÁCS, 2013, p.  
50). Houve, contudo, um realismo particular, húngaro, não só na matéria, mas também  
na forma. “Ele surgiu das condições húngaras específicas da década de 1840”, dirá  
Lukács (2013, p. 51), referindo-se tanto à radicalidade da revolução democrática  
húngara, quanto à sua imaturidade, ao fato de que “essa revolução não teve uma base  
urbana, burguesa e plebeia determinando sua direção” (2013, p. 51). Ela sofreu, então,  
uma “derrota aniquiladora” em 1849, o que teve efeitos profundos sobre todo o  
desenvolvimento subsequente, inclusive, como não poderia deixar de ser, sobre o da  
literatura, já que o caminho adotado para a modernização social foi o da via prussiana:  
O caminho do capitalismo, o caminho de se tornar burguês, o caminho  
da civilização na Hungria foi, para nos valermos da expressão de  
Lênin, o caminho prussiano: o capitalismo cresceu entre os vestígios  
do feudalismo sem eliminá-los e o desenvolvimento posterior da  
ideologia correspondeu precisamente a essa estrutura social. Quanto  
mais profundas eram as contradições internas na estrutura da  
sociedade húngara, mais fascinante se tornava o tabu da questão da  
opressão e da exploração. (LUKÁCS, 2013, p. 251)  
Com base em compromissos, durante um bom tempo foi possível manter  
intocadas as relações dos grandes proprietários de terra, a despeito da progressiva  
capitalização da economia: esses atores pactuaram entre si, gerando um equilíbrio  
bastante instável entre os grandes proprietários fundiários e o capital financeiro,  
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selado formalmente no “Compromisso de 1867”. Dessa forma, a Hungria teria ficado  
de fora da cultura democrática que começava a tomar (em parte ao menos) a Europa.  
Após a revolução fracassada, o capitalismo avançava economicamente, mas  
politicamente e socialmente não havia uma democracia moderna ou cultura urbano-  
burguesa capaz de unificar e direcionar o desenvolvimento do país (cf. LUKÁCS, 2013,  
p. 52). Para Lukács, quanto ao aspecto que nos interessa, o fator decisivo foi então a  
permanência da “gentry” enquanto classe dirigente em um momento em que, do ponto  
de vista sócio-histórico, isso já era anacrônico. Se, “na era da reforma pré-1848, eles  
constituíram merecidamente o estrato dirigente e orientador da renovação nacional”,  
com o desenvolvimento do capitalismo, a “gentry” se torna cada vez mais um estrato  
parasitário. E o que acompanha esse parasitismo é uma “decadência interna”, que se  
expressa tanto na moral, quanto na cultura (cf. LUKÁCS, 2013, p. 53).  
Lukács menciona como essas contradições internas, ou o “desenvolvimento  
doentio”, como ele diz em alguns momentos, baseado em compromissos que se  
seguem a uma revolução fracassada, paralelamente fazem medrar um tabu em torno  
das questões nacionais relevantes. Comparando-o com o compromisso de classes na  
Inglaterra, Lukács mostra como essa circunstância trágica em que ele se dá na Hungria  
conflui de maneira peculiar no desenvolvimento nacional, organizado  
consequentemente em torno de um pacto de silêncio:  
A particularidade do desenvolvimento húngaro é um tipo de “lenga-  
lenga”, em muitos aspectos diferente do inglês, um tipo de hipocrisia  
peculiar cultivada em solo nacional húngaro. Seu pacto geral entre “os  
poderes constituídos” reside na opinião de que falar sobre as  
questões verdadeiramente decisivas da nação húngara não é  
permitido, não é possível, não é apropriado ou não é “digno de um  
cavalheiro”. Essa pressão social é tão forte que não são poucos os  
ideólogos bem-intencionados que, instintivamente, pretendem se  
opor às consequências, aos detalhes ou aos sintomas, mas que,  
mesmo assim - também instintivamente - evitam considerar e se  
pronunciar sobre a questão verdadeiramente decisiva da realidade  
húngara. (LUKÁCS, 2013, pp. 250-1)  
Diante desse desenvolvimento político atrófico e que tende ao oportunismo,  
torna-se tão maior para Lukács (1984, p. 376) a relevância da “verdadeira literatura”,  
seu peso no desenvolvimento nacional, sua “responsabilidade”, como ele já havia  
afirmado um pouco antes, em 1944. À diferença de países verdadeiramente  
democráticos, com tradições democráticas já antigas, em que “as questões  
permanentes e cotidianas são desenvolvidas e articuladas por um movimento  
democrático vivo (partidos etc.) da forma mais vigorosa e decisiva”– é preciso lembrar  
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que Lukács (1984, p. 367) escreve essas palavras pouco antes do fim da guerra,  
vislumbrando quais os caminhos desejáveis para a libertação enquanto as tropas  
alemãs ainda não haviam desocupado o território húngaro – ali, “onde não há nem  
houve democracia, onde as massas sofrem e perecem sob a opressão reacionária (não  
importa se nessa época existe algum parlamento falso como um biombo), e onde o  
veneno entorpecente e desmoralizante do fascismo penetrou nas grandes massas”  
caberia à literatura veicular as ideias democráticas. E seria possível notar esse tipo de  
realização literária no desenvolvimento húngaro, em que o “antigo engajamento social  
da literatura húngara” funcionava como um “porta-voz” dessas ideias, e traçar uma  
linhagem de resistência:  
a grande literatura húngara, de Zrinyi a Ady, ou, de minha parte, a  
Attila József, levantou as questões nacionais de maneira mais  
convincente e detalhada, e até mesmo mais política do que a própria  
vida política húngara (excetuando-se alguns raros e muito breves  
episódios), e muitas vezes as resolveu. (1984, p. 368)  
Ou seja, a literatura (ou certa literatura) seria capaz de dar voz às grandes  
questões nacionais, que, de outra sorte, permanecem ocultas no “cinza do dia a dia”  
ao menos até o irrompimento de uma crise (cf. LUKÁCS, 1984, p. 368) , seguindo  
o rito de silenciamento dos problemas nacionais na esfera pública. Em um tom talvez  
menos grandiloquente, encontramos afirmações semelhantes em The culture of  
people’s democracy a respeito da função social da literatura ou de sua “vocação”:  
Não é tarefa da literatura dar uma resposta concreta às questões  
concretas da sociedade e da política. Ao mesmo tempo, contudo, a  
verdadeira grande literatura realista cumpre uma poderosa vocação  
social e facilita para a sociedade a descoberta do caminho até as  
respostas adequadas, à medida que revela as bases humanas, sociais,  
espirituais e morais dos novos problemas. (LUKÁCS, 2013, p. 61)  
Não é por acaso, portanto, que ela ocupa um lugar central nas reflexões de  
Lukács sobre a democracia popular e seu futuro. Como afirma Miller:  
A literatura se torna, para Lukács, o principal campo de treinamento e  
meio educacional para moldar os sujeitos populares-republicanos e  
protossocialistas da nova democracia. Lukács torna essa conexão  
explícita, em que projeta um novo espaço público no qual os debates  
sobre literatura estão no centro, e sua própria intervenção em  
Literatura e democracia e as palestras e ensaios públicos relacionados  
têm a intenção explícita de envolver e aprofundar esse  
autoesclarecimento público [...]. (2013, p. XX)  
Uma visão semelhante sobre a literatura e seu caráter formativo era  
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compartilhada pelo próprio PCH31, que, no que dizia respeito ao trabalho ideológico,  
atribuía um papel proeminente às expressões literárias e artísticas (cf. SZABÓ, 1984,  
p. 485). Até 1948, no entanto, o partido ainda não contava com um programa oficial  
voltado exclusivamente para a cultura (cf. TÓTH, 1989, p. 484). Durante esse período,  
suas diretrizes culturais eram baseadas nos princípios da revolução cultural formulados  
por Lênin, buscando formar uma frente literária unificada com ênfase na influência dos  
comunistas (cf. KÖPECZI, 1982, pp. 79; 87). A estratégia do partido para a cultura  
naquele momento consistia, portanto, em um desdobramento da política de coalizão  
e nessa frente também se encontravam dificuldades na construção de plataformas  
comuns. Assim, para se ter uma ideia, o programa adotado por Dezső Keresztury,  
ministro da cultura de 1945 a 1947 e próximo dos escritores populistas, foi alvo de  
forte oposição tanto por parte dos social-democratas, quanto do núcleo dos urbanos32.  
De acordo com Béla Köpeczi, ao se confrontar com essa situação, o Partido Comunista  
Húngaro priorizou a construção de alianças: mesmo não dissimulando “as divergências  
ideológicas, permit[iu] deliberadamente que elas se apaguem diante de um interesse  
político mais geral”. Era preciso aproximar intelectuais, artistas e escritores –  
sobretudo aqueles próximos dos populistas (KÖPECZI, 1982, p. 87) e estabelecer  
as bases para uma cooperação, mesmo que eles se considerassem distantes do  
marxismo.  
E Lukács parecia a figura ideal para realizar isso. Mesmo que não tivesse  
qualquer função oficial no partido, ainda assim ele estava destinado, de acordo com  
Ambrus (1993, p. 419), “a assumir um papel importante na formação e popularização  
da cultura e da política comunistas em relação à intelligentsia”. Já desde o final da  
década de 1930, ele acentuava a importância da ideia da frente popular enquanto  
norte de uma plataforma cultural antifascista33. Além disso, não podemos nos esquecer  
que ele trazia uma extensa reflexão sobre o papel (também político) dos intelectuais.  
31  
Cabe lembrar que, assim como Lukács, os partidos comunistas de um modo geral viam a revolução  
cultural como um “fator essencial da transformação e do desenvolvimento da nova sociedade” (KÖPECZI,  
1982, p. 80).  
32  
Na primavera de 1945, Dezső Keresztury se torna ministro da cultura, seguindo uma concepção  
populista. De acordo com Béla Köpeczi (1982, p. 87), ꢀ sua política cultural “os social-democratas  
opuseram as tradições da cultura operária dos sindicatos; os intelectuais, e especialmente uma parte  
oriunda de Budapeste, opunham a ela um antifascismo que condenava o misticismo camponês de parte  
dos escritores populistas, sua hostilidade às cidades, seu antissemitismo e a colaboração contraditória  
de alguns deles com o fascismo. Numerosos escritores e artistas ditos urbanos, que haviam refletido  
nos anos 20 e 30 a tendência vanguardista, aderiram a essa posição”.  
33  
Dirá Urbán (1989, p. 396) até mesmo que a mencionada coletânea era “apresentação fiel e  
popularizadora deste conceito no domínio da literatura”.  
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Mas, do ponto de vista das tarefas diante das quais se via o PCH, ele também possuía  
outras credenciais: era um intelectual marxista de renome internacional, erudito, cuja  
reputação como “intelectual preparado” remontava na época, de acordo com Ambrus  
(1993, p. 419), justamente a seus escritos dos anos 30 sobre temas estéticos. Assim,  
Nagy (1975, p. 80) vai mais longe e afirma não haver dúvidas de que “entre 1945 e  
1949, ele teve a maior parte na superação dos preconceitos anticomunistas entre  
escritores, artistas e intelectuais húngaros em geral, fazendo-os aceitar a ideia do  
socialismo e extinguindo, pelo menos aparentemente, as brasas do conflito populista-  
urbanista”.  
Nesse sentido, Lukács enfatiza a importância da dimensão construtiva que o  
marxismo poderia assumir, como se lê no discurso que ele proferiu durante o III  
Congresso do PCH:  
Se pretendemos propagar o marxismo nas fileiras da intelligentsia,  
teremos que dar uma guinada em nosso trabalho. [...] Se quisermos  
ter sucesso, devemos sem reservas entender as necessidades  
genuínas da intelligentsia e começar por elas. Temos que aprender a  
propagar o marxismo não como um dogma, mas como uma resposta  
viva a desafios agudos e dolorosos [...]. Não devemos limitar o  
marxismo a ser uma ferramenta para criticar visões burguesas  
errôneas. O marxismo deve entrar na era da construção e provar que  
nada mais pode dar a melhor resposta às questões da história e da  
cultura húngaras. (LUKÁCS apud AMBRUS, 1993, p. 420)  
Dois anos antes, em 1944, Lukács (1984, p. 379) já havia inscrito o problema  
da democracia húngara no interior das “lutas internacionais mais amplas entre forças  
democráticas e reacionárias” e, portanto, considerando que qualquer mudança deve  
atingir “as raízes” do problema, entende que as divisões no campo progressista são  
improdutivas:  
O crescente agravamento da situação seria um progresso se se formassem na  
Hungria frentes resolutas: a da revolução democrática contra a reação. Assim, contudo,  
alastra-se um combate atroz entre os parceiros da aliança que se tutelam mutuamente,  
e, ao mesmo tempo, os contrastes se tornam desbotados onde seria necessária uma  
nítida separação. (LUKÁCS, 1984, p. 378)  
Ele tem em vista particularmente “a diferenciação enfática” e os “novos  
agrupamentos” que surgiram na literatura a partir das “novas circunstâncias”, isto é,  
depois da vitória da contrarrevolução, que havia permitido que fosse estabelecido um  
“programa de compromisso” (LUKÁCS, 1984, p. 373). É na esteira da liderança da  
gentry que se estabelece uma justaposição da cultura e da literatura da metrópole –  
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Budapeste e da província, que passam a existir como se fossem independentes uma  
da outra. Descrevendo a parte da intelligentsia urbana, Lukács afirma que ela,  
sem raízes em escala nacional, oposta à nobreza, formou-se  
paralelamente ao desenvolvimento do sistema capitalista de  
produção. O desenraizamento da intelligentsia urbana encontrou sua  
imagem na falta de firmeza de suas manifestações políticas, sociais e  
literárias especialmente no início, mas em muitos aspectos ao longo  
de todo o seu desenvolvimento. (2013, p. 53)  
Lukács considera surgimento de uma intelligentsia rural um dos grandes  
acontecimentos do período entreguerras. Na literatura produzida pelos representantes  
do populismo rural, revela-se a “situação social do campesinato húngaro, o sofrimento  
e a falta de perspectiva” (LUKÁCS, 2013, p. 57). Mas essa nova literatura também é  
prejudicada pela “insalubridade social dos desenvolvimentos até o momento”, que  
deixa nela a sua marca: “uma parte substancial da nova literatura camponesa herda o  
pessimismo da sociedade gentry em declínio, sua falta de perspectiva” (p. 57). A cisão  
entre “urbanos” e “populistas” é, assim, uma querela literária com graves  
consequências para a vida intelectual húngara, mas que tem seu pendant em uma  
hostilidade materialmente fundada entre campo e cidade34. Se, por um lado, as  
“questões não resolvidas da vida húngara” ganham formas mais conscientes depois  
de 1918, por outro, as respostas não estiveram à altura35. Os “novos agrupamentos”,  
que naquele momento assumem, de um lado, a posição ultracamponesa, e do outro,  
ultraproletária (cf. LUKÁCS, 2013, p. 161), apenas reatualizam a oposição urbanos-  
populistas. São todas “consciências de guildas”, de alguma maneira, e acabam por  
gerar igualmente “uma clivagem entre o radicalismo urbano e o rural [dörflichen]”  
(LUKÁCS, 1984, p. 377).  
A partir da perspectiva da frente popular, Lukács (2013, pp. 54-5) enfatiza o  
34  
Poucos anos antes de retornar a Budapeste, Lukács já havia se debatido com essas questões do  
desenvolvimento húngaro em um prefácio para uma coletânea de textos seus. Como ele descreve a  
situação de maneira muito clara, e como há ali semelhanças com certos desenvolvimentos do presente,  
cabe citar um trecho: “se a capital não conquista a hegemonia democrática em todas as questões da  
vida nacional, uma oposição hostil da província em relação à metrópole é inevitável, estando aquela  
entregue a ideologias retrógradas e reacionárias. Essa tendência se manifestou de forma especialmente  
acentuada na Hungria, uma vez que o desenvolvimento do capitalismo ocorreu dentro dos limites de  
escombros feudais que subsistiam, principalmente em relação à divisão da terra. Em consequência, o  
campesinato suportou todo o fardo econômico da rápida capitalização, sem ter recebido, como nas  
revoluções vitoriosas do Ocidente, terra e liberdade. [...]. Essa antipatia não se limita ao campesinato. A  
classe média da província experimentou a destruição capitalista do idílio do atraso patriarcal sem que  
recebesse qualquer compensação da cultura urbana que se desenvolvia juntamente com o capitalismo”  
(1984, p. 373).  
35  
“A questão da relação entre a cidade e o interior [Dorf] já sinalizava claramente a necessidade de  
uma aliança de luta entre trabalhadores e camponeses [Bauern]” (LUKÁCS, 1984, p. 375), o que não  
veio a se concretizar.  
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quanto essa divisão “entre os elementos progressistas da cidade e do campo” era  
perniciosa, já que “possibilitou que a contrarrevolução desenvolvesse suas tendências  
reacionárias de forma cada vez mais poderosa, até culminar no breve e ignominioso  
reinado do regime fascista húngaro, que foi tão desastroso para o nosso país”. Com  
Literatura e democracia, Lukács realiza o que chama de “um criticismo voltado para o  
futuro” e aponta um caminho para se superar essa clivagem, possibilitado pela  
mudança na situação política e econômica36:  
Somente um criticismo voltado para o futuro pode indicar o caminho  
que leva à renovação genuína da literatura: uma luta contra o legado  
oneroso do passado e contra os remanescentes ideológicos  
decadentes e reacionários; a luta para criar associações de  
trabalhadores e camponeses em todos os domínios da cultura, como  
garantia de que a futura literatura húngara assim como foi com os  
maiores representantes individuais da literatura húngara daquela  
época não mais reconhecerá a falsa e prejudicial dualidade entre  
cidade e campo, literatura populista e “urbanista”. (LUKÁCS, 2013, p.  
103).  
O que isso significa? Finalmente, está ao alcance da sociedade húngara romper  
com as “tendências do século após a derrota da Revolução de 1848, tendências que  
são insalubres, antissociais e que obstruem o desenvolvimento da literatura” (LUKÁCS,  
2013, p. 64). Sob essas condições, como resultado delas, a literatura húngara também  
começa a mudar e a “dualidade entre cidade e campo, literatura populista e ‘urbanista’”  
dá lugar a uma outra forma de literatura: ela, sim, adequada à democracia popular (cf.  
LUKÁCS, 2013, p. 62). Essa forma é o realismo.  
Quando se posiciona em favor do realismo, Lukács retoma diversos aspectos  
que haviam sido tratados com mais vagar nos textos escritos durante o exílio  
moscovita. Balzac e Tolstói são mencionados mais de uma vez, como representantes  
do “grande realismo”, como grandes escritores do século passado. Tal como antes, a  
defesa do realismo não equivale a um refúgio no passado, uma aclamação do velho  
estilo, da velha técnica, como se essas referências devessem servir de modelo. Ali como  
aqui, o que interessa a Lukács é “reconhecer e reafirmar a função humanística da arte,  
que é a de redimir o homem e a humanidade em tempos desfavoráveis e elevá-los em  
tempos favoráveis.” (LUKÁCS, 2013, p. 200).  
36  
De acordo com alguns comentadores, esse propósito teria influenciado na edição do livro, o que se  
percebe quando as versões dos textos são comparadas, cf. Kenyeres (1989, p. 389). Kenyeres (1989,  
p. 391) defende ainda que já no livro de 1944 Lukács procurava suavizar o tom de sua crítica, sem  
renunciar a seus princípios, com o que Sőtér (1993, p. 479) já não concorda. Para ele, esse livro seria  
um tanto inflexível.  
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Ali como aqui, ele explicita como o realismo é o correspondente, na arte, de um  
certo tipo de comportamento e de vida o da pessoa ativa que se relaciona a uma  
possibilidade de inteligibilidade do mundo (cf. LUKÁCS, 2013, pp. 9-10). Só é possível  
senti-la, experienciá-la, retratá-la “se ela se manifesta como a racionalidade objetiva  
da vida social”. Uma vida encalacrada não permite isso, pois “a razão construída a  
partir de elementos puramente subjetivos e apenas projetada na realidade objetiva  
inevitavelmente se depara com esse meio sem sentido e se despedaça” (LUKÁCS,  
2013, p. 179). Por isso, a “visão de mundo humanística dos grandes realistas também  
significa que, para eles, a dualidade entre os assuntos privados e públicos, entre a  
pessoa privada e o cidadão, foi suspensa” (LUKÁCS, 2013, p. 48). Se recuperamos a  
discussão que Lukács faz a respeito da democracia, da necessidade incontornável de  
que as massas participem de forma genuína, para que a democracia possa ter, de fato,  
esse nome, não surpreende quando ele então conclui que “os grandes realistas — em  
suas obras e representações são sempre aliados da democracia, quer saibam ou  
não, e quer gostem ou não; desde que realmente sejam grandes realistas” (LUKÁCS,  
2013, p. 50).  
O caso húngaro seria bastante simples nesse ponto: foram os “grandes poetas,  
Petőfi, Ady e Attila József” que representaram de maneira mais consistente o ideal  
democrático (LUKÁCS, 2013, p. 160). Eles deram voz ao “páthos da cidadania”  
(LUKÁCS, 2013, p. 64). Na medida, contudo, em que o desenvolvimento nacional se  
deu com base em compromissos, excluindo a “nação do povo”, que “tem sido apenas  
o objeto, e não o sujeito do destino nacional” (LUKÁCS, 2013, p. 160), esses “grandes  
poetas” permaneceram figuras isoladas, mesmo tendo se originado na vida do povo.  
Não foi possível constituir uma tradição do grande realismo no sentido francês ou  
russo, “o realismo especificamente moderno do século XIX”, influenciado de maneira  
decisiva pelas “tendências sociais democráticas” (LUKÁCS, 2013, p. 51). O que Lukács  
espera é que essas figuras possam ser, finalmente, retiradas de seu isolamento: “se  
esperamos dos escritores da nova democracia húngara uma literatura realista nova e  
grandiosa, o que realmente esperamos deles é uma renovação atualizada das grandes  
tradições húngaras” (LUKÁCS, 2013, p. 65).  
Lukács remete às discussões da época do exílio moscovita, para lembrar a seus  
interlocutores que suas posições a respeito da natureza da relação de grandes  
escritores com a tradição não se originaram no debate que estava em curso (cf. 2013,  
p. 157). Ao mesmo tempo, ele não ignora o que isso significa particularmente no caso  
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dos escritores húngaros:  
Por um lado, a literatura húngara não pode renunciar à tentativa de  
desenvolver gêneros que compreendam a totalidade social objetiva, o  
que significa que esses esforços, na medida em que desejam se  
conectar com as tradições húngaras, devem olhar para outro lugar que  
não as figuras centrais da história literária. Por outro lado, a  
convergência milagrosa da grandeza lírica e da consistência  
democrática nas figuras centrais de nossa literatura pode facilmente  
levar à injustiça e à avaliação errônea de grandes valores se virmos  
nelas uma medida infalível e esquematicamente aplicável para toda  
avaliação de significado literário. (2013, p. 161)  
Ou seja, quando Lukács (2013, p. 23) fala de uma “renovação atualizada das  
grandes tradições húngaras”, quando ele defende a “reanimação de uma tradição  
popular verdadeiramente nacional e a criação de uma nova tradição nacional, mesmo  
quando os grandes nomes do legado cultural permanecem no lugar (Petőfi)”, ele não  
tem e nem poderia ter em vista relações servis com o passado. Antes, ele mostra  
o ponto de contato entre os pioneiros da literatura húngara recente e o que há de  
melhor na cultura dos trabalhadores: “o profundo reconhecimento de que a pessoa  
verdadeiramente inteira é também a pessoa pública, o reconhecimento de que não há  
problema de vida pessoal e individual que não esteja também entrelaçado com a vida  
pública” (2013, p. 23). Ele busca, portanto, fazer com que se precipitem relações que  
talvez sejam subterrâneas, mas que são, ainda assim, atuantes e “oferecem um enorme  
apoio para qualquer transformação social contemporânea” (LUKÁCS, 2013, p. 61).  
Pouco antes, ele havia sintetizado com clareza essa orientação:  
O verdadeiro sentido da série de Ady é reconhecer essa tendência  
progressiva da história húngara (que muitas vezes permaneceu oculta,  
escondida), expô-la e usá-la na vida prática, e não permanecer na  
superfície predominantemente reacionária e distorcer os grandes  
nomes do passado à sua imagem. Entendidas dessa forma, a história  
e a história literária também são de suma importância política para a  
apreensão correta das tarefas atuais. (1984, pp. 383-4)  
Uma dialética entre necessidade e contingência  
Péter Nagy (1975, p. 76) relembra que Lukács gostava de mencionar o episódio  
de seu retorno para a Hungria em 1918 como um exemplo da dialética entre  
necessidade e contingência: ele havia sido guiado a fazê-lo por causa de “problemas  
privados” e não por “considerações teóricas”. Já o segundo retorno a Budapeste, em  
1945, foi o contrário: ele resultou de um desenvolvimento interior e foi uma decisão  
consciente. A partir do que vimos, analisando a atividade de Lukács entre 1945 e  
1949, bem como seus antecedentes durante o período do exílio em Moscou, parece  
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acertado dizer que Lukács foi movido por “considerações teóricas” ao recusar as  
ofertas do espaço de língua alemã37: na Hungria, ele esperava poder “praticar mais  
plenamente suas teorias, transformando em literatura socialista viva e em atividade  
pública socialista democrática aquilo que ele havia elaborado ao longo dos anos em  
seus escritos políticos e estéticos” (NAGY, 1975, p. 78). Chegando lá, ele também se  
deparou com circunstâncias favoráveis que permitiram que ele continuasse com a linha  
da frente popular:  
O grupo Rákosi notou que, na corrida contra a socialdemocracia, essa  
direção crítica é apropriada para aproximar do Partido Comunista a  
melhor e maior parte da intelectualidade. Por isso, até a unificação de  
ambos os partidos, admitiu-se sem contestação minha atividade como  
crítico. Mesmo quando eu defendi a democracia direta; mesmo quando  
eu chamei partisans aos poetas partidários; mesmo quando eu –  
excluindo qualquer intromissão administrativa declarei a direção  
comunista da cultura como puramente ideológica; mesmo quando  
enfatizei que considero, com efeito, o marxismo o Himalaia das visões  
de mundo, mas, ainda assim, não reconheço que o coelhinho que ali  
saltita seja um animal maior do que o elefante do deserto mesmo  
então não houve qualquer tipo de crítica pública contra mim. (LUKÁCS,  
2023, p. 256)  
Havia, ao que tudo indica, uma atmosfera muito diferente daquela que  
caracterizará o período seguinte, que conheceu uma rápida stalinização da Hungria,  
embora, em parte da historiografia, ambos sejam considerados em bloco como o  
momento de construção da democracia popular38. A bandeira da democracia popular  
vinha sendo propagada pelo PCH desde o final da guerra. Internamente, a discussão  
sobre a natureza da democracia popular, especialmente em relação à ditadura do  
proletariado, ainda não havia alcançado um consenso. Assim, como sugere Miller  
(2013, p. XIII), Lukács vivenciou esse período provisório como um “momento histórico  
especial”. Ele via uma oportunidade para promover uma genuína transição  
democrática, seguindo sua concepção, que remontava às Teses de Blum, de que “a  
democracia popular é um socialismo que nasce da democracia” (LUKÁCS, 2017, p.  
149). Os dirigentes do PCH agiam com extrema liberalidade em relação a esse  
programa: “o particular do período entre 1945 e 1948 é que me permitiam tudo” (gd  
entrevista 159). Assim, não surpreende que Lukács acreditasse “na solidariedade da  
37  
Nagy (1975, p. 78) afirma que é fato conhecido que “a liderança do Partido Comunista Alemão fez  
um convite muito enfático para que ele voltasse para casana Alemanha, para a vida intelectual à qual  
ele esteva ligado não apenas na juventude, mas também por um importante período como trabalhador  
do partido, além de uma parte substancial de sua atividade crítica.”  
38 Um exemplo é Hoensch (1991).  
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política cultural que me era taticamente – permitida” (LUKÁCS, 2017, p. 211).  
O que ele vem a identificar só depois é justamente essa dimensão “tática” da  
solidariedade com seu programa cultural: “regresso ꢀ pátria com esperanças. Seu  
fundamento (muito temporário): tática de Rákosi e Gerő”. A base objetiva de sua  
atividade era, desse ponto de vista, ilusória (cf. LUKÁCS, 1970, p. 238). “Rakósi e seu  
pessoal” viam a questão de maneira utilitária: mesmo não concordando com Lukács  
quanto ꢀ “evolução democrático-popular do socialismo”, num primeiro momento eles  
o toleraram, sem opor qualquer forma de resistência à sua atuação, porque ela era  
uma propaganda favorável do Partido comunista junto ao Partido socialdemocrata.  
“De sua indiferença ideológica”, conclui Lukács, “liberdade para mim” (LUKÁCS, 2017,  
p. 211). Mas, quando a “opinião em Moscou” a respeito da natureza da democracia  
popular mudou, tão logo Rákosi e Gerő também se adaptaram (LUKÁCS, 2017, p.  
148)39.  
Lukács, contudo, não abandonou seu ponto de vista, mesmo que tenha  
realizado uma autocrítica, forçado pelas circunstâncias40. Quando István Eörsi pergunta  
durante a entrevista de Pensamento vivido se ele acreditava na possibilidade de  
concretização de uma “evolução democrático-popular [...] se os fatores de política  
externa não tivessem sido tão graves”, Lukács assente, ponderando que também teria  
sido necessário que não houvesse stalinismo na União Soviética (LUKÁCS, 2017, p.  
149). Afinal, como pontua Ambrus, a “democracia popular enquanto transição  
significava para Lukács o reconhecimento e o programa social da importância história  
da mediação” (1993, p, 428).  
Assim, suas reflexões durante os anos 1940 a partir da conjuntura húngara são  
importantes para se compreender a obra tardia do filósofo, em que ele retoma a  
39 De acordo com Urbán (1989), essa mudança de curso, seguida de uma “onda crítica” no ano seguinte,  
começa a se desenhar pouco depois da publicação da coletânea Literatura e democracia. M. Farkas e J.  
Revái participaram do congresso de formação do Kominform em 1947, na Polônia, e de lá eles voltaram  
convencidos de que o trabalho teórico no PCH estaria atrasado em relação ao que havia sido realizado  
pelos outros partidos comunistas. Em seu relatório, eles constatavam que havia uma necessidade de  
revisar as elaborações teóricas sobre o curso da democracia popular húngara. Revái continuou  
defendendo por um tempo a validade da via húngara rumo ao socialismo, mas realiza uma autocrítica  
ainda em 1948 (URBÁN, 1989, p. 404). Nesse mesmo ano, o Kominform recomendou a unificação dos  
partidos trabalhistas, o que aconteceu em seguida, dando origem ao MDP. No final de 1948, a direção  
central do MPD se decide pela tendência da liquidação do pluripartidarismo. A resolução de liquidação  
da frente popular acontece em um contexto de autocrítica do partido, que revê também seu regime de  
poder, adotando em alguma medida a fórmula de Stálin de que “a democracia popular cumpre as  
funções básicas da ditadura do proletariado” (URBÁN, 1989, p. 403).  
40  
A respeito da campanha movida contra Lukács em 1949, cf. Infranca (2021, pp. 150 ss); Oldrini  
(2017, p. 199 ss); Urbán (1989, pp. 404 ss).  
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relevância da democracia para o socialismo, ao mesmo tempo em que aponta para a  
incompatibilidade entre o capitalismo e a democracia, empreendendo uma dura crítica  
do liberalismo e da democracia formal. Mas esses trabalhos também são cruciais para  
se compreender a realização parcial daquele projeto que Lukács ambicionou durante  
os anos 1930, ao discutir os problemas do realismo: mostrar como a estética faz parte  
organicamente da teoria marxista.  
Mas, parece-nos, é possível reivindicar a atualidade desses escritos para além  
de uma compreensão mais aprofundada da evolução intelectual de Lukács, o que foi  
nosso objetivo com esse texto. Neles se encontra uma reflexão cerrada sobre os limites  
de um progressismo desenraizado, bem como do chauvinismo, do provincianismo (que  
não é exclusividade da província), das caricaturas nacionalistas que tanto abundam,  
hoje, ainda. Neles se encontra uma defesa vigorosa da cultura através de um programa  
realista, que, mesmo sendo geral demais, ainda ressoa. Neles se encontra, finalmente,  
uma descrição das diversas figuras que a revolta conformista pode assumir, sem  
escamotear o difícil reconhecimento de que essa revolta, por mais que ela seja  
insuficiente e, no limite, perigosa, expressa, ela mesma, uma insuficiência de nossa  
realidade social.  
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Como citar:  
ALVES, Paula. Retorno a Budapeste: Lukács, democracia e realismo. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 29, n. 2, pp. 361-393; jul.-dez., 2024  
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