Retorno a Budapeste: Lukács, democracia e realismo
reverter esse quadro. Ele se volta, como afirma Béla Köpeczi (1989, p. 27), para a
“organização da revolução cultural na prática”29, ajudando a pôr de pé um programa
cultural que marcou todo o período, embora não tenha alcançado mais do que
resultados parciais (cf. KÖPECZI, 1982, p. 83). “Até o presente momento”, Lukács
afirma, “os trabalhadores foram excluídos da cultura nacional. Agora, eles são
chamados a renovar a cultura, a levá-la a um novo florescimento” (LUKÁCS, 2013, p.
161). Era preciso tomar posse da cultura efetivamente, tornar “a aquisição da cultura
e o progresso na vida cultural acessível para todos” (LUKÁCS, 2013, p. 19), o que se
mostrava problemático tendo em vista as condições30 em que se encontrava a maior
parte da população (falta de tempo, índice de analfabetos etc.). Assim, nessa frente, a
primeira tarefa que se coloca para a democracia popular é a do acesso universal à
cultura e da melhoria da educação fundamental.
Mesmo enfatizando a importância dos organismos estatais e civis, Lukács
considera que, para renovar a cultura, é preciso muito mais do que isso: “precisamos
de um novo conteúdo para toda nossa atividade, para que possa haver uma cultura
do povo trabalhador, dos trabalhadores e dos camponeses” (LUKÁCS, 2013, p. 23). É
preciso, portanto, criar uma nova cultura. Mas em que direção essa cultura se
desenvolve, em que medida ela é nova? Ela é nova no sentido de que rompe com
certas tendências antidemocráticas características da cultura capitalista, mas nova
é a verdadeira causa da crise da cultura moderna. Isso gera, para Lukács, falsos extremos na cultura
capitalista, que ele sintetiza formalmente em duas posições: a “torre de marfim” e o kitsch. Ambas
“expõem o desaparecimento ou ao menos o obscurecimento de problemas fundamentais da sociedade
e da visão de mundo” (2013, p. 16). Mas, enquanto o kitsch “é a exploração comercial do
distanciamento das grandes massas da verdadeira cultura” e os setores de produção capitalista de bens
culturais extraem sua porção de lucro “com a preservação e a extensão do atraso cultural”, a “torre de
marfim” ou a “arte pela arte” se apresenta como uma reação a isso, como um retiro para fora desse
jogo sujo em favor da “arte pura”. A essas posições correspondem dois tipos humanos, que resultam
igualmente na “ausência de defesa”: “de um lado, a total falta de capacidade de resistir às tendências
destrutivas da sociedade em relação à cultura; de outro, um recuo obstinado e a retirada para dentro
de si mesmo” (2013, p. 16).
29
Béla Köpeczi menciona nesse sentido um artigo de Lukács publicado em 1948, na revista Szabad
Nép, que teria sido sua última declaração concernindo questões da política cultural. Ali ele trata das
novas possibilidades que surgem com a estatização no campo da cultura. Fica claro que a mera
estatização, embora ela permita a ampliação do acesso aos bens culturais, não é suficiente; é preciso
orientar esse desenvolvimento, tarefa que Lukács outorga principalmente, ao que parece, ꢀ “ação
consciente dos marxistas” (KÖPECZI, 1993, p. 27). Ao mesmo tempo, na medida em que tal
direcionamento poderia levar a uma “uniformização”, Lukács também destaca a necessidade de se
garantir um “espaço para a personalidade”.
30
Se é verdade que, “em princípio, o sistema de produção capitalista oferece a todos o acesso
desimpedido ꢀ cultura”, na prática, observa Lukács, “as bases materiais da cultura capitalista são tais
que a esmagadora maioria não se encontra atualmente em nenhuma situação (e realmente não pode
chegar a uma) em que possa ter uma relação produtiva com os valores culturais; e, especialmente, não
está em posição de gerar tais valores” (LUKÁCS, 2013, p. 15).
Verinotio
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2, pp. 361-393 – jul.-dez., 2024 | 379
nova fase