Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.755  
O racismo na via colonial  
Racism in the colonial way  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho*  
Resumo: Este texto busca mostrar que as bases  
objetivas, materiais espirituais, da  
discriminação e da violência estatal contra o  
povo negro estão delineadas naquilo que J.  
Chasin denominou via colonial de objetivação do  
capitalismo. Trazendo à tona a inseparabilidade  
Abstract: This text seeks to show that the  
objective, material and spiritual bases of  
discrimination and state violence against black  
people are outlined in what J. Chasin called the  
colonial path of objectification of capitalism.  
Bringing to light the inseparability between  
capital, slavery and racism and, especially, the  
most significant moments in the historical  
evolution of the colonial path, it demarcates the  
social determinations of Brazilian racism, which  
fulfills the function of being one of the most  
effective instruments of the autocratic  
bourgeoisie to enable super-exploitation and  
control of the labor force.  
e
entre capital, escravidão  
e
racismo e,  
especialmente, os momentos mais significativos  
do evolver histórico da via colonial, demarca as  
determinações sociais do racismo brasileiro, que  
cumpre a função de ser um dos instrumentos  
mais eficazes da burguesia autocrática para  
viabilização da superexploração e o controle das  
forças do trabalho.  
Palavras-chave:  
Racismo;  
via  
colonial;  
Keywords:  
Racism;  
colonial  
route;  
superexploração; autocracia burguesa.  
superexploitation; bourgeois autocracy.  
Sou um ser humano e é todo o passado do mundo que tenho a resgatar [...]. Não  
quero celebrar o passado à custa do meu presente e do meu futuro [...]. Não é o mundo  
negro que dita a minha conduta. Minha pele negra não é depositária de valores específicos.  
Frantz Fanon  
O racismo brasileiro já não se ampara na difusão de teorias explicitamente  
racistas e eugenistas, como aquelas que tiveram lugar entre os estertores da  
escravidão e as primeiras décadas da República, no entanto, ele subsiste e a realidade  
social imediata o confirma: a maioria da população brasileira, formada por pretos e  
pardos, continua sendo a mais profunda e violentamente discriminada e excluída da  
riqueza material e espiritual da nação. Num país construído e mantido por meio do  
genocídio dos povos originários e da população afrodescendente, e que ocupa o  
quinto lugar no ranking mundial de feminicídio, não deixa de ser sintoma desses graves  
problemas o fato de alguns setores autodenominados progressistas se ocuparem com  
* Pesquisadora do Nehtipo (PUC-SP). E-mail: mgjsobrinho@gmail.com. Orcid: 0000-0002-8166-2756.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O racismo na via colonial  
a crítica ao chamado identitarismo1, e não propriamente com essa monstruosa  
realidade.  
Há que se reconhecer, sem dúvidas, que as derrotas do movimento operário  
desde o século passado, o antimarxismo, o abandono da perspectiva de revolução  
social, a reiteração na crença no estado, na sua suposta possibilidade de resolução  
dos problemas e desafios humano-societários, entre outros, contribuíram para o  
predomínio de concepções cada vez mais irracionalistas e de proposições que  
reduzem o racismo a uma questão de representatividade, a ser atendida no interior da  
mesma forma social que o engendra e o torna necessário. O capital e a burguesia  
agradecem. Também é notória a instrumentalização de proposições como essas e da  
questão racial pela burguesia brasileira e seus porta-vozes midiáticos2, aliás, por meio  
da demagogia, da prática da razão manipulatória e do politicismo (CHASIN, 2000) com  
que essa classe tem historicamente obstruído o progresso social, denegado o racismo,  
dissimulado e mantido as bases materiais do seu poder autocrático. Mas também é  
verdade que as oposições de esquerda no Brasil, com exceções valiosas, é parte desses  
enormes problemas e pavimentaram um caminho bastante fértil para a penetração e o  
predomínio de concepções e propostas conservadoras, inclusive para o rebaixamento  
do padrão crítico alcançado por figuras como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e  
Clóvis Moura, entre outros, em relação à complexidade do racismo. Em virtude de  
determinadas insuficiências, entre elas, e principalmente, a de não atinar para a  
particularidade e os desafios do chão social do qual emana, a esquerda  
tradicionalmente compartilhou e ainda compartilha, sob formas e graus variados, das  
opressões raciais e de gênero, malbaratou e secundarizou o racismo, quando não o  
instrumentalizou para fins partidários; pouco fez, assim, para esclarecer e combater o  
fundamento socioeconômico do racismo e a classe social que o sustenta.  
O presente texto não visa, contudo, a polemizar essa negligência, tampouco as  
diversas interpretações sobre o racismo, ou historiar a trajetória de luta do povo negro,  
das diferentes vertentes dos movimentos negros do país (que não se resumem aos  
chamados identitários) e as contribuições de seus intelectuais. Movimentos e  
1 A respeito do tema ver Haider (2019); Neiman (2024).  
2
Como lembra Carlos Eduardo Martins, “a visão liberal tem sido fortemente difundida pelo Banco  
Mundial, pelas fundações norte-americanas, por grupos políticos que querem reformas moderadas no  
capitalismo dependente e pela Rede Globo. Pretende-se negar o genocídio dos trabalhadores pretos  
ou quase pretos de tão pobres e periféricos, com exemplos exitosos pontuais de ascensão à ordem  
burguesa. Para estabelecê-la tenta-se camuflar as diferenças, calar o debate e impor um modelo único  
que é o da integração à ordem burguesa, sob o conceito de empoderamento” (MARTINS, 2025).  
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intelectuais que, não obstante erros e acertos e o desafio premente de construir um  
horizonte projetivo de transformação efetiva da realidade na qual vive e padece a  
população afrodescendente, sempre foram os principais responsáveis por denunciar o  
racismo, por forçar o debate daquilo que tem sido historicamente escamoteado, e não  
apenas pela burguesia autocrática.  
Buscamos mostrar que as bases objetivas da discriminação e da violência  
estatal contra o povo negro estão delineadas naquilo que J. Chasin denominou via  
colonial de objetivação do capitalismo brasileiro. É certo que este pensador não se  
debruçou sobre as opressões específicas do povo negro, da parcela majoritária e mais  
oprimida da classe trabalhadora brasileira, ainda que não tenha deixado de reconhecer  
a importância do movimento negro, principalmente após sua experiência de autoexílio  
em Moçambique durante a ditadura militar3. Vale lembrar de uma questão por ele  
colocada, em 1982, a seu entrevistado, D. José Maria Pires (D. Zumbi), que continua  
sendo a pedra de toque da esquerda, o divisor de águas dos movimentos sociais. Em  
determinado momento, D. Zumbi chama a atenção para o fato de que somente há  
poucos anos, ao ser interpelado por um grupo negro, tomara consciência das suas  
“obrigações como negro”: “Sou negro, descendente de africanos e nunca tive  
participação em nenhuma luta e, antes, mesmo sendo negro participei dos  
preconceitos contra o negro”. O entrevistado discorre sobre o compromisso da Igreja  
Católica com a escravidão e o racismo no Brasil, sobre a repressão às alas  
progressistas da Igreja, que se opunham ao preconceito racial, e afirma que “assumir  
um compromisso em lutar em defesa dos direitos dos negros” está em consonância  
com a opção da Igreja pelos pobres. Chasin, então, comenta: “Realmente, a  
discriminação racial no Brasil aparece de forma camuflada”; em seguida, pergunta ao  
prelado negro: “Qual é o seu pensamento sobre a relação que se estabelece, de fato  
e para efeito de libertação das chamadas ‘minorias raciais’, entre uma luta de ‘minoria’  
e a dimensão de classe desta minoria? Em última análise, como é que o senhor  
relaciona a questão das minorias raciais com a questão da luta de classes no Brasil?”  
(CHASIN, 1982)4.  
3
Para mais informações, ver a biografia de Chasin no seu livro O futuro ausente, disponível em:  
<https://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/VERINOTIOLIVROS>.  
4
A rigor, essa questão faz parte da história de lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores. Ela não  
escapou, ainda que com limites, dados pelo seu tempo histórico, às preocupações de Marx. A respeito  
ver, por exemplo, Anderson (2019); Goldman (2014); e sobre como Trotsky e os trotskistas enfrentaram  
a questão racial, ver Pablito (2019).  
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Embora em seu duplo esforço, mutuamente potencializado, de recuperação do  
pensamento marxiano e de apreensão da realidade brasileira, Chasin não tenha escrito  
sobre o racismo, demarcou as determinações da particularidade da formação social  
brasileira e do modo específico de ser e ir sendo capitalismo brasileiro cujos traços  
essenciais são consubstanciados na profunda exclusão socioeconômica, cultural e  
política da maioria da população, na qual se encontram a trabalhadora negra e o  
trabalhador negro , determinações estas que, a nosso ver, revelam as bases objetivas  
do racismo brasileiro.  
A discussão dessa questão pressupõe recuperar a inseparabilidade entre  
capital, escravidão e racismo.  
O racismo contemporâneo é um fenômeno produzido pela modernidade, um  
problema social engendrado pelo capital. Deriva da escravidão direta, que, conforme  
Marx, foi crucial para a acumulação originária do capital e a indústria moderna, que,  
por sua vez, esteve baseada em uma dupla escravidão: na escravização direta e na  
escravização indireta, no trabalho assalariado5.  
A escravização dos povos originários da América e dos africanos não foi  
resultado da suposta inferioridade destes, tampouco esta foi sua primeira justificativa  
(moral/religiosa) (cf. BREITMAN in PABLITO; ALFONSO; PARKS, 2019). Como mostra o  
clássico trabalho de Williams (2021), a escravidão direta, esta categoria econômica  
fundamental, segundo Marx (1985), não foi determinada pelos traços fenotípicos dos  
povos africanos, suas supostas características “sub-humanas” tão amplamente  
difundidas. Estas foram racionalizações posteriores para justificar a escravização, que  
se mostrara mais lucrativa para viabilizar os empreendimentos coloniais e para  
legitimar a dominação sobre os povos não europeus, ambos fundamentais para o  
desenvolvimento do capitalismo industrial.  
O racismo contra os povos africanos, a criação do “Negro” pelo branco (FANON,  
2020; 2022), nasceu da escravidão moderna, mas sobreviveu à fase de acumulação  
originária do capital, sendo reproduzido com roupagens pseudocientíficas e  
mecanismos específicos pelo processo de expansão desigual e combinado do capital,  
conforme cada particularidade em que este se objetivou.  
A ideia de que os povos não brancos estavam predestinados à escravidão, à  
colonização, de que eram atavicamente bárbaros, inatamente incapazes de atingir a  
5
“Em geral, a escravidão disfarçada dos trabalhadores assalariados na Europa necessitava, como  
pedestal da escravidão sans phrase, do Novo Mundo.” (MARX, 2017, p. 829)  
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maioridade humana e a civilização, o que justificaria serem tutelados e dominados pelo  
homem branco europeu – a única “raça” digna de história, responsável pelas  
conquistas materiais e espirituais da humanidade , foi postulada pela teoria moderna  
das raças, em suas diversas versões e atualizações reacionárias do período  
imperialista. As determinações sociais e funcionalidades destas estão diretamente  
associadas ao contexto já avançado de decadência ideológica da burguesia, que, ao  
defrontar-se com o novo sujeito histórico, com a crítica teórica e prática do operariado,  
a partir de 1848, abandona suas ilusões heroicas, transformando-se em  
contrarrevolucionária, antidemocrática e reacionária. Seu ponto de partida não era  
mais o da transformação do mundo, mas o da apologia ao capital, o da preservação  
deste mundo, o que compromete sua capacidade de apreensão das contradições  
sociais (LUKÁCS, 2016).  
Como assinala Lukács em A destruição da razão, na qual analisa o pensamento  
irracionalista e as determinações da agressividade do imperialismo alemão, a teoria  
das raças adentra um terreno fértil da ideologia burguesa, que já “se vê totalmente  
absorvida por formas e conteúdos reacionários, o agnosticismo e a mística dominam  
inclusive o pensamento de ideólogos burgueses que politicamente, e no fundamental,  
se orientam na direção do progresso” (2020, pp. 626; 642)6.  
Num contexto social de recrudescimento da luta de classes, de intensificação  
das contradições e limitações da democracia burguesa, de ameaça real da perspectiva  
socialista e de acirramento das disputas imperialistas, nas quais o caráter retardatário  
do capitalismo alemão impõe dilemas e desafios específicos para sua burguesia, a  
teoria das raças, que emergira no século XVIII como demanda ideológica da reação  
feudal na defesa pseudobiológica dos seus privilégios de classe, foi gradativamente  
sendo renovada e se convertendo “na ideologia dominante da reação extrema”, para  
“atender às finalidades interna e externa do imperialismo alemão”, isto é, convertendo-  
se em arma ideológica da burguesia alemã reacionária. De sorte que, em sua forma  
mais moderna, a teoria das raças expressa a defesa dos privilégios da “raça” europeia,  
dos povos germânicos, frente aos povos não brancos, “e principalmente do povo  
6
Lukács destaca o caráter a-histórico e irracionalista da teoria das raças, presente em Gobineau e  
preservado pelos teóricos racistas posteriores. A postulação da “desigualdade de princípio dos  
homens”, a ideia de que só existe a história da raça branca, que fundamenta o orgulho racial do  
colonizador sobre os povos não brancos, é a negação “de uma das mais altas conquistas da ciência dos  
tempos modernos: a ideia do desenvolvimento dos homens como uma unidade e legalidade”, de modo  
que “ao negar a história como processo unitário, nega-se ao mesmo tempo a igualdade dos homens, o  
progresso e a razão” (2020, p. 589).  
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alemão sobre os demais povos da Europa”; passa a expressar, então, “uma ideologia  
da dominação mundial alemã” (LUKÁCS, 2020, p. 591).  
É preciso lembrar que a bestialidade do imperialismo alemão é uma das formas  
da desumanidade extremada inerente ao capital, que já nasce escorrendo sangue e  
lama por todos os poros, da cabeça aos pés” e sempre lançando “mão do poder do  
estado, da violência concentrada e organizada da sociedade civil(MARX, 2017, pp.  
830-1), de que a escravidão direta, a colonização da América, o neocolonialismo na  
África, as guerras imperialistas e o genocídio do povo palestino são testemunhos7.  
A racialização, a discriminação, a segregação e o genocídio de determinadas  
populações são, pois, constitutivos do processo de universalização e consolidação do  
capital e, não por acaso, recrudescidos em seu estágio atual de (des)ordem humano-  
societária.  
O presente texto ocupa-se, contudo, do racismo engendrado pela escravidão,  
num país inserido no mundo moderno na condição subordinada de colônia de  
exploração, e por uma forma particular de objetivação capitalista. Discorre, pois, sobre  
o racismo no capitalismo híper-tardio, que nasceu em condições histórico-sociais,  
externas e internas, muito mais estreitas e desfavoráveis atrasado mesmo em relação  
ao capitalismo do tipo prussiano , cujo desenvolvimento ocorreu sem processos  
revolucionários, por conciliações pelo alto entre as formas arcaicas e o “novo”,  
estruturalmente subordinado ao imperialismo e sustentado na superexploração da  
força de trabalho. O capitalismo de via colonial foi constituído por uma burguesia que  
nasceu num contexto em que o capitalismo deixara de ser expressão do progresso  
humano e a classe burguesa tornara-se conservadora e reacionária,  
tão  
impossibilitada, pelas condições objetivas que lhe deram origem, de realizar as tarefas  
de classe a completude e autonomia do seu capital e a construção de um estado  
democrático quanto desprovida dos atributos espirituais que tais empreendimentos  
exigem, traços estes que se determinam mutuamente. Essa forma específica de capital  
e a classe burguesa que o constitui são incompletos e incompletáveis, demandando  
seu complemento pelo exercício do poder autocrático, que oscila entre as formas  
bonapartista e a autocracia institucionalizada, ambas expressões práticas do  
7 Por outras vias, o poeta e político martinicano, Aimé Césaire (1913-2018), fez lembrar, em 1950, aos  
europeus: “[...] no fundo, o que não é perdoável em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem,  
não é a humilhação do homem em si, senão o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem  
branco, e haver aplicado na Europa procedimentos colonialistas que até agora só concerniam aos árabes  
da Argélia, aos coolies da Índia e aos negros da África” (CÉSAIRE, 2010, pp. 21-2).  
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politicismo da burguesia brasileira, que necessita expulsar do debate público qualquer  
tipo de questionamento econômico.  
Determinadas pelas condições objetivas do capitalismo de via colonial,  
ultrarretardatário, pelos seus impedimentos e possibilidades, a racialização e  
discriminação da classe trabalhadora negra vêm a ser como o presente texto busca  
mostrar a expressão prática e subjetiva de uma burguesia autocrática, na  
manutenção dos seus privilégios e interesses exclusivos e mesquinhos, de uma classe  
que nasce caudatária das burguesias que estão acima dela e já amedrontada com a  
potencialidade do vir a ser das classes que estão abaixo, cujas energias só são  
suficientes para excluir e reprimir as forças populares, jamais para incluí-las, ainda que  
nos estreitos limites do capital e da democracia burguesa, razões pelas quais o racismo  
da via colonial de objetivação capitalista não cumpre, não pode cumprir,  
evidentemente, a função de justificativa ideológica imperialista, mas cumpre a função  
de ser um dos instrumentos mais eficazes da burguesia autocrática para viabilização  
da superexploração e o controle das força do trabalho.  
Escravidão e racismo na formação social brasileira  
Os traços essenciais da particularidade da formação social brasileira foram  
constituídos desde logo pela condição subordinada em que o país foi inserido no  
capitalismo europeu em formação: como colônia de exploração, uma empresa mercantil  
organizada para o abastecimento de gêneros necessários ao capital metropolitano, da  
qual se origina a estrutura agrária latifundiária, intocada em seus traços essenciais pelo  
desenvolvimento do capitalismo industrial. Subordinação esta consubstanciada pelas  
relações de produção: pelo que, o como e o para que se produz, portanto, também  
pela subordinação de suas classes sociais.  
Tal estrutura, que colaborou para a acumulação originária e o desenvolvimento  
capitalista, esteve alicerçada, até o final do século XIX, naquilo que Marx chamou da  
“mais cruel e despudorada forma de escravizar homens” (MARX apud ANDERSON,  
2019, p. 155), na escravidão direta, inicialmente dos povos originários e depois dos  
africanos, que os reduziu a mercadoria: um ser socialmente coisificado e explorado até  
o limite da morte (MARX, 2017, pp. 310; 338-40). Se essa forma de extração do  
trabalho excedente implicou a desarticulação e o esfacelamento das famílias,  
comunidades, línguas e culturas dos negros africanos, estes afirmaram sua  
humanidade criando toda sorte de resistência e rebeldia, que traduzem as lutas de  
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classes de todo o período escravocrata (MOURA, 1983; 1992). Engendradas por essas  
condições objetivas e em resposta às suas contradições, temos as concepções, de  
natureza religiosa, pseudocientífica, política ou ideológica, que negavam ao negro a  
sua universalidade humana, assim como todo o arsenal de coerção e repressão  
(MOURA, 2021a), tão necessário quanto aquelas à reprodução desse universo  
societário.  
Afora as relações subordinantes entre a economia brasileira, que chega ao final  
do século XIX ainda baseada no trabalho escravo e predominantemente  
agroexportadora, e os centros metropolitanos capitalistas, já em pleno capitalismo  
industrial, recorde-se que a partir da interrupção do tráfico internacional (1850), que  
onerou ainda mais o investimento no trabalho compulsório, e ao passo que este se  
tornou um obstáculo ao capital, ampliaram-se, sobretudo nas regiões mais prósperas,  
os investimentos no trabalho livre (COSTA, 1967), mediante a imigração europeia.  
Tiveram também lugar as leis protetoras que culminaram com a Abolição (1888), que,  
vale ressaltar, libertou um número já bastante reduzido de negros escravizados, os  
quais engrossaram a grande massa de mão de obra livre disponível no país,  
majoritariamente não branca, despojada de seus meios de subsistência e  
profundamente excluída e marginalizada.  
A aprovação da Lei de Terras, em 1850, foi particularmente decisiva para uma  
transição pelo alto, “‘sem a perturbação da ordem pública e da produção agrícola’”  
(apud MOURA, 2021a, p. 147), como a traduziu Campos Salles pouco antes da  
consumação da abolição. Visando à legalização das grandes ocupações de terras  
feitas pelos fazendeiros de café, a manutenção do monopólio da terra e, pois, a oferta  
de mão de obra, tal lei decretou que a aquisição de terras devolutas somente poderia  
ocorrer por meio de compra (COSTA, 1999), obstruindo, assim, uma futura lei  
abolicionista radical que incluísse, via estado, a doação de terras aos libertos (MOURA,  
2021a). A política de imigração, por sua vez, justificada pela suposta carência de  
braços no país e pelo ideal de branqueamento da nação, que norteará a renovação do  
racismo, das ideias e práticas discriminatórias, agora contra os egressos da escravidão  
e os seus descendentes, atendeu tanto aos interesses dos grupos de imigração, que  
obtiveram volumosos lucros com a importação de mão de obra branca europeia,  
quanto das classes proprietárias sempre interessadas em obter “braços baratos,  
sóbrios e submissos” (COSTA, 1967, p. 165).  
As propostas de reforma agrária, perseguidas por grupos populares e por  
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alguns abolicionistas8, que visavam à integração da futura população liberta, assim  
como da mão de obra livre já existente e não aproveitada, foram rechaçadas pelas  
classes latifundiárias e pela incipiente burguesia industrial. Ao preservar a velha  
estrutura agrária, a abolição produziu, assim, uma superpopulação relativa para o  
capital, tanto para a produção agrária quanto para a indústria nascente, e as  
“premissas da marginalização social” do negro (MOURA, 2021a, p. 106). A República,  
proclamada igualmente pelo alto, não rompe com a herança colonial, não cria, pois, as  
condições objetivas para a integração socioeconômica e cultural dos egressos da  
escravidão.  
Por conseguinte, segundo Moura, o negro, ex-escravo, é atirado como sobra  
na periferia do sistema de trabalho livre, o racismo é remanipulado criando  
mecanismos de barragem para o negro em todos os níveis da sociedade(MOURA, p.  
1992, p. 62)9. A reformulação “dos mitos raciais reflexos do escravismo” no contexto  
do capitalismo, “alimentou as classes dominantes do combustível ideológico capaz de  
justificar o peneiramento econômico-social, racial e cultural” a que o negro está  
submetido por “uma série de mecanismos discriminatórios” (2019, p. 39). A difusão  
posterior do mito da democracia racial, ao identificar o processo miscigenatório,  
biológico, com democratização das relações socioeconômicas, servirá igualmente para  
escamotear uma realidade social profundamente desigual, antagônica e discriminatória  
(MOURA, 2019; 2021a).  
Qual foi, então, a resposta que a classe dominante e as elites intelectuais deram  
para a existência de uma população que, nas primeiras décadas após a abolição, vivia  
em completo desalento, sobretudo nas regiões mais prósperas, onde era preterida  
pela mão de obra imigrante; que se encontrava numa “condição extrema de isolamento  
cultural e de marginalização socioeconômica” (FERNANDES, 1976, p. 84) e, vale  
ressaltar, era punida por sua exclusão social?  
Entre os estertores da escravidão e as primeiras décadas da República, período  
em que foram difundidas no país concepções racistas e eugenistas e de intensa  
8 Para o abolicionista André Rebouças: “‘A verdadeira interpretação da frase oficial carência de braços  
é que o Império necessita de reformas sociais, econômicas e financeiras importantíssimas que  
permitam o aproveitamento de milhares de indivíduos que vegetavam em nossos sertões, e ao mesmo  
tempo atraiam a imigração espontânea da população superabundante da Europa”’ (apud MOURA,  
2021b, p. 41).  
9 “O ex-escravo foi abandonado à sua própria sorte. Suas dificuldades de ajustamento à novas condições  
foram encaradas como prova da incapacidade do negro e da inferioridade racial. Chegou-se a dizer que  
ele era mais feliz na situação de escravo do que na de homem livre, pois não estava apto a conduzir a  
própria vida” (COSTA, 1967, pp. 187-8).  
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imigração europeia, a situação dos egressos da escravidão não foi atribuída ao caráter  
conservador da abolição, ao modo específico de produção e reprodução da vida do  
país, que a lei de 13 de maio e os eventos subsequentes preservaram, mas ao próprio  
povo brasileiro e, em especial, à população negra e miscigenada. Esta, que alicerçara  
a produção de riqueza no país10 e, portanto, o desenvolvimento e acumulação  
capitalista nos centros metropolitanos, era apresentada pelas elites e as classes  
dominantes como indisciplinada, delinquente, perigosa, expressões depreciativas da  
rebeldia do negro escravizado ao qual foi associada a classe trabalhadora negra. Esta  
passa a ser vista também como congenitamente propensa a degenerações físicas,  
psíquicas e morais, desprovida de condições subjetivas e de habilidades para o  
trabalho livre e qualificado, incapaz, pois, de integração social e de atender aos  
desafios de desenvolvimento do país, cujas tarefas estariam reservadas aos exemplares  
da raça superior: o homem branco europeu.  
Ou seja, a profunda exclusão socioeconômica dos egressos da escravidão, os  
desafios de superação do atraso e da subordinação do país, de construção da unidade  
nacional e de integralização dos elementos que compõem a nação foram  
transformados num problema racial, a ser resolvido pelo branqueamento da  
população, via importação de mão de obra branca, “superior”, cujo cruzamento com  
os mestiços eliminaria progressivamente ou anularia os atavismos bárbaros e  
degenerescentes das raças inferiores, com o que se atribuíam ao negro a expressão  
negativa das virtudes que foram atribuídas ao homem branco, como também a  
responsabilidade por sua própria exclusão. Essa concepção e suas variantes, que  
inferiorizavam o negro e o culpavam por sua exclusão e marginalização sociais, foi  
assimilada e difundida por vários expoentes do pensamento social brasileiro, até  
mesmo por uma figura progressista como Celso Furtado (1961, pp. 161-2).  
Foge ao intento deste trabalho discutir as adaptações realizadas pelas elites  
intelectuais, entre o fim da escravidão e as primeiras décadas da República, das  
concepções evolucionistas, racistas e eugenistas produzidas nos países centrais, da  
recuperação de Gobineau, das influências de Vacher de Lapouge e Gustave Le Bon,  
entre outros adaptações essas que teriam produzido, segundo Schwarcz, a chamada  
originalidade da cópia, qual seja, de modo geral, mantiveram o princípio biológico das  
10  
Vale destacar que os trabalhadores negros escravizados atuavam em diversas atividades, rurais e  
urbanas, trabalhando, inclusive, ao lado dos trabalhadores livres e assalariados, nas indústrias de  
manufaturas, especialmente na segunda metade do século XIX (MOURA, 2019).  
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raças, da hierarquia natural, mas não radicalizaram a ideia de mestiçagem como fator  
de degeneração. A nação brasileira em construção poderia ser conduzida ao caminho  
da civilização se injetasse mais brancos na sua população mestiça. Também não se  
trata de trazer à tona a forma como os ideólogos das frações burguesas, a exemplo  
de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral (cf. RAGO, 2019), articularam suas concepções  
racistas e eugenistas e a defesa pseudobiológica dos privilégios das classes  
proprietárias com suas proposituras de cunho autocrático. Se é certo que as  
concepções racistas difundidas na realidade brasileira não foram mera mimetização de  
ideias produzidas na Europa, torna-se, contudo, necessário reconhecer as  
necessidades sociais destas concepções e de suas variantes, que deram novas  
roupagens pseudocientíficas ao racismo brasileiro, uma vez que as ideias são  
socialmente determinadas, quer falsas ou verdadeiras, não configuram um campo  
autônomo em relação à base material, social, não estão desvinculadas do chão social  
a partir do qual e em resposta ao qual elas se desenvolvem (VAISMAN, 1999). Nessa  
direção, e enfatizando os propósitos deste texto, é na particularidade do processo,  
aberto com a abolição, de emergência ultrarretardatária do modo de produção  
capitalista e, no seu desdobramento, do capitalismo verdadeiro (industrial), assim  
como nas respostas conciliatórias que as frações burguesas deram aos problemas e  
desafios da realidade brasileira que se encontram tanto as determinações da exclusão  
socioeconômica, política e cultural da maioria da população brasileira quanto as  
determinações sociais do racismo.  
Por ora, é importante chamar a atenção para algumas consequências objetivas  
do racismo.  
De um lado, o preconceito racial, presente inclusive no próprio  
comportamento da classe trabalhadora, que já nasce cindida pelo racismo, as práticas  
e os mecanismos discriminatórios sub-reptícios de seletividade étnico-racial, operantes  
no mercado de trabalho, nos processos educacionais, nos aparatos jurídicos e  
institucionais, em todos os âmbitos das relações sociais, restringem as possibilidades  
sociais da população negra precisamente porque ela é barrada e sujeitada a uma maior  
exploração, sobretudo a mulher negra, que sofre uma tríplice opressão (racial, de  
gênero e de classe), que ocupa os postos mais subalternos, recebe os salários mais  
baixos e apresenta as maiores taxas de desemprego do país. De outro, essas opressões  
específicas da classe trabalhadora negra aprofundam sua exclusão socioeconômica e  
cultural, que é produzida diretamente pela estrutura agrária e a industrialização  
subordinadas. A classe trabalhadora negra brasileira está submetida, assim, a diversas  
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O racismo na via colonial  
formas de subalternização engendradas pela via colonial de objetivação capitalista –  
, que se interpenetram e se reforçam mutuamente, por conseguinte, é a mais  
penalizada (material e espiritualmente) pela rígida e violenta hierarquização das  
categorias sociais que caracteriza a particularidade brasileira de objetivação capitalista.  
Por essas razões, é fundamental trazer à tona as condições de existência da  
população egressa da escravidão e de suas futuras gerações.  
De fato, a importação de mão de obra branca, intensificada nas primeiras  
décadas após a abolição, e as práticas discriminatórias, manipuladas pelas classes  
dominantes, expulsaram de chofre a classe trabalhadora negra do mercado de  
trabalho, sobretudo nas regiões onde ela teve que competir com o trabalhador  
imigrante. Isto se deu notadamente na zona cafeeira, pioneira na introdução do  
trabalho assalariado no país, financiadora da imigração europeia e em franco  
aburguesamento com a generalização do trabalho livre (OLIVEIRA, 1989), assim como  
na incipiente indústria, cuja classe operária era, ao menos, até as primeiras décadas  
do século XX, predominantemente imigrante (RODRIGUES, 1966) e vale lembrar que  
a imprensa anarquista da época, em São Paulo e Rio de Janeiro, “não refletia nenhuma  
simpatia ou desejo de união com os negros, mas, pelo contrário, chegava mesmo a  
estampar artigos nos quais era visível o preconceito de cor” (MOURA, 2019, pp. 93-  
4). No entanto, a imigração de mão de obra branca não é o único elemento que explica  
a exclusão socioeconômica e cultural da classe trabalhadora negra nas primeiras  
décadas após a abolição, tampouco sua suposta incapacidade para o trabalho  
assalariado. Recorde-se que, nas zonas de agricultura decadente ou em estagnação  
econômica relativa (especialmente Nordeste), as classes proprietárias que não haviam  
contado com capital para investir na mão de obra imigrante ou em condições de  
investir no trabalho livre continuaram com os trabalhadores egressos da escravidão,  
submetendo-os praticamente ao mesmo tratamento de outrora, valendo-se de  
dispositivos que os atavam aos locais de trabalho, assim como de diversas  
modalidades de relações de trabalho nas quais eram superexplorados. Esses  
elementos remetem a discussão das condições de existência da classe trabalhadora  
negra a alguns traços da estrutura agroexportadora de origem colonial e eixo central  
da subordinação e do atraso brasileiro até 1930 (COTRIM, 1999), que freou e retardou  
o avanço da divisão social do trabalho rumo ao capitalismo industrial e que foi por  
este preservada em seus traços essenciais.  
Tal estrutura, dependente da “intermediação comercial e financeira externa”  
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(OLIVEIRA, 1989, pp. 9-38), caracteriza-se por uma forma de organização da produção  
em que a maior parte da mais-valia (mais-valor) gerada internamente é de apropriação  
e realização externa, o que exige elevar ao máximo a massa de trabalho não pago com  
o menor custo possível, isto é, impõe a superexploração da força de trabalho, que, por  
sua vez, é viabilizada pela outra face da alta concentração da propriedade fundiária: a  
imensa massa de trabalhadores destituídos dos meios de produção, a grande oferta  
de mão de obra disponível no país. Como insistiu Caio Prado, essa forma de  
organização da estrutura agrária é incapaz de oferecer condições de subsistência e de  
trabalho regulares para as grandes massas de trabalhadores do campo, visto que é  
subordinada ao capital externo, sempre movida pela dinâmica, os influxos e as  
necessidades do capital internacional, em oposição às necessidades internas do país,  
sobretudo, às carências da maioria da população, cujo papel é tão somente fornecer  
mão de obra barata efetiva ou potencial (PRADO JR., 1987a; 1987b).  
Mas quem é essa população disponível para o capital? É majoritariamente  
aquela formada pela escravidão e liberada pela abolição. Os trabalhadores rurais são,  
em sua maioria, pretos e pardos11, entre os quais despontam lideranças que denunciam  
a continuidade da escravidão por outros meios12. São, assim, os descendentes de  
negros escravizados, na condição de agregados, posseiros, arrendatários, meeiros,  
foreiros, itinerantes, assalariados, boias-frias, assim como na condição forçada de  
migrantes, que vão ampliar a oferta de mão de obra barata nos centros urbanos e  
industriais onde serão denominados por novos estereótipos: os “baianos”. São, em  
suma, trabalhadores submetidos a formas de exploração análogas à escravidão ou a  
longas jornadas de trabalho, cujos rendimentos, quer sob a forma monetária, quer sob  
a forma de parte do produto do seu trabalho ou pela concessão do direito de produzir  
suas culturas de subsistência, estão sempre aquém de suas necessidades básicas. Por  
conseguinte, vivem em profunda miséria material e cultural e são constantemente  
acossados pela repressão patronal e estatal (CHASIN, 2000; PRADO JR., 1987a;  
1987b).  
11  
Segundo o Censo Agropecuário de 2017 do IBGE (o primeiro a incluir pergunta sobre cor ou raça),  
52% dos produtores são negros (pretos e pardos). No entanto, a relação é inversa quanto ao tamanho  
da propriedade. Quanto maior a extensão da propriedade, menor é a participação dos negros, que são  
maioria somente entre as propriedades com até cinco hectares (IBGE, 2024).  
12 A respeito ver, Max Fellipe Cezario Porphirio “A identidade negra como instrumento de luta entre os  
trabalhadores rurais, 1954-64” (PORPHIRIO, 2019). Importante ressaltar que a escravidão por dívida  
ou “peonagem” é um recurso aplicado por empresas modernas, em várias atividades e regiões do país  
e que se revitalizou sobretudo a partir da ditadura militar (MARTINS, 1995).  
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A respeito, vale recordar que a legislação social-trabalhista de Vargas visava a  
cercear a luta de classes e controlar o movimento operário urbano, e não incluía  
inicialmente os trabalhadores rurais. Exclusão esta que, como mostra Cotrim, estava  
estruturalmente relacionada à especificidade da conciliação pelo alto que traduzia o  
projeto Vargas, que buscava um desenvolvimento industrial autônomo, voltado para  
as necessidades internas do país, sem, contudo, romper com a velha estrutura agrária  
subordinada, “de modo que a regulamentação das condições de trabalho rural não só  
não é urgente, como, ao mesmo tempo, dificultaria a incorporação sem ruptura do  
setor agroexportador” (COTRIM, 2019, p. 251). Mas mesmo quando a legislação se  
estendeu ao campo, ela permaneceu letra morta na realidade objetiva da classe  
trabalhadora rural. Por essas razões é que Caio Prado destacou na ocasião do  
lançamento do Estatuto do Trabalhador Rural (1963) que, embora esta lei não atinasse  
para as diversificações regionais e a complexidade das relações de produção e de  
trabalho no campo, caso fosse aplicada, “seria uma verdadeira complementação da lei  
que aboliu a escravidão em 1888” (PRADO, 1987b, p. 143). Essas breves notas,  
embora tenham trazido à tona alguns elementos que extrapolam as primeiras décadas  
após a abolição, nem sequer sumarizam a totalidade das condições de existência da  
classe trabalhadora rural do país, tão mais aviltadas quanto mais a via colonial de  
objetivação do capitalismo verdadeiro prezou pela preservação e modernização da  
estrutura agrário-exportadora, subordinado ao imperialismo, sustentado na  
superexploração da força de trabalho e consolidando-se, nas últimas três décadas, na  
condição neocolonial de exportador de commodities e importador de bens intensivos  
em capital dos países imperialistas. Não deixam, contudo, de ilustrar como a classe  
trabalhadora negra é excluída e marginalizada pela própria estrutura agrária, como  
esta é responsável por sua subalternização. Essa exclusão socioeconômica é justificada  
e legitimada pelas ideias e estereótipos racistas e inegavelmente aprofundada pelas  
correlatas práticas sociais discriminatórias.  
Por outro lado, se os fundamentos socioeconômicos da violenta exclusão,  
discriminação e marginalização sociais da população negra, observadas nas primeiras  
décadas após a abolição, residem fundamentalmente na economia agroexportadora,  
com a qual o capital industrial se defronta desde o seu nascimento e com que  
conciliará, a continuidade da racialização da classe trabalhadora negra, arrimada na  
produção e difusão de ideias e estereótipos racistas, não está apenas a serviço dos  
interesses e privilégios das classes latifundiárias. A incipiente burguesia industrial, que  
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nasceu, como aquelas, subsumida ao capital externo, dada sua subordinação à  
agroexportação13, e igualmente sustentada na superexploração da força de trabalho,  
já deu seus primeiros passos compartilhando o modo de ser e pensar de suas  
congêneres arcaicas. Basta lembrar que desde o processo abolicionista dela não  
emerge nenhum posicionamento contrário ao das classes latifundiárias hegemônicas,  
que fosse favorável à reforma agrária, ao acesso à terra para a população liberta,  
tampouco em relação à mobilização popular e às reivindicações dos movimentos  
operários das primeiras décadas da República. Trata-se de uma classe que, a despeito  
da oposição efetiva entre ela e o capital agrário, já nasceu antidemocrática,  
beneficiando-se de um exército de reserva de mão de obra, sobretudo negra, isto é,  
de uma “reserva de segunda categoria do exército industrial” (MOURA, 2021, p. 148),  
que, por sua vez, contribuiu para viabilizar a superexploração da classe operária  
nascente, predominantemente branca.  
Os primeiros passos da burguesia industrial foram dados, assim, por meio da  
exclusão socioeconômica e da discriminação do povo negro. O racismo, que teve lugar  
no processo abolicionista, na República Velha, assim como em todo o processo  
subsequente de constituição e consolidação do capitalismo de via colonial, é a forma  
pela qual se revestem não apenas os interesses e as necessidades das velhas classes  
latifundiárias escravocratas e os da burguesia agrária, que se consolida após a abolição  
e termina “por se constituir numa oligarquia antiburguesa” (OLIVEIRA, 1989, p. 29).  
Também expressa o caráter antidemocrático, a debilidade e a incapacidade da  
burguesia industrial, cujas oposições e conflitos com aquela fração do capital não serão  
resolvidos por processos revolucionários, mas por meio da conciliação pelo alto, que  
alija a classe trabalhadora.  
As velhas classes latifundiárias, ao negarem o acesso à terra aos libertos, ao  
abandoná-los à própria sorte, traduziram sua ojeriza pelo povo negro; lhes era  
completamente estranha a consecução de um projeto de preparação, educação e  
habituação dos negros escravizados para as relações de trabalho capitalistas, a  
realização de reformas que, enfim, garantissem as condições de subsistência da  
população egressa da escravidão. Por outro lado, a incipiente burguesia industrial já  
se mostrava conservadora e conciliatória, descompromissada com uma efetiva inserção  
13 O capital industrial nasceu atrelado ao capital externo por sua subordinação ao setor agroexportador,  
uma vez que suas necessidades de importações de bens de produção dependiam das divisas geradas  
por aquele setor, com o qual, ademais, competia por uma política cambial que a protegesse da  
concorrência externa (OLIVEIRA, 1989, pp. 9-38).  
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socioeconômica, cultural e política da maioria da população, na qual se situa o povo  
negro, uma vez que isso significaria, como aponta Cotrim, “aliar-se à classe que se lhe  
opõe e voltar-se contra uma fração de sua própria classe”, implicaria, pois, a realização  
de tarefas as quais não somente esteve impedida de como nunca se dispôs a realizar.  
O desenvolvimento de um capitalismo industrial autônomo pressuporia alterar  
profundamente a estrutura agrária, “a forma de propriedade, relações de trabalho, tipo  
e destino da produção” (COTRIM, 2019, pp. 241-2), isto é, romper com uma estrutura  
subordinada ao capital externo e sustentada na superexploração, a fim de que essa  
estrutura atendesse às necessidades de matérias-primas da indústria e os bens  
necessários à reprodução da força de trabalho rural e urbana. Dessa forma, dinamizaria  
o desenvolvimento do mercado de consumo interno da produção industrial,  
favorecendo, portanto, o desenvolvimento e a completude do capitalismo, assentado  
no incremento da capacidade produtiva do trabalho e na redução do valor real da  
força de trabalho, não na superexploração da força de trabalho.  
O capitalismo industrial híper-tardio somente despontou “no bojo contraditório  
do auge e concomitante desequilíbrio do sistema agroexportador [...]. E assim mesmo  
como uma das possibilidades, na diferenciação de atividades buscada como alternativa  
em face da crise do café” (CHASIN, 2000, p. 56), período no qual emergiram respostas  
e propostas variadas às necessidades e aos desafios da realidade brasileira, quer do  
interior não homogêneo e contraditório das classes proprietárias e exploradoras, quer  
do ponto de vista da classe trabalhadora. Como assinala Cotrim, “estavam em jogo  
diferentes alternativas de desenvolvimento capitalista, com ou sem progresso social,  
que afetavam e interessavam diretamente, portanto, a classe trabalhadora. Com  
maiores ou menores acertos e erros, as organizações que a representavam abordavam  
essa questão em seus programas” (COTRIM, 2019, p. 225).  
Quanto a essas organizações, vale acrescentar que, embora a primeira década  
do Partido Comunista tenha sido marcada pela negação do racismo no Brasil (cf. LIMA,  
2015; CHADAREVIAN, 2012), este problema foi contemplado pela Aliança Nacional  
Libertadora, em seu programa (1935)14, que, ao propor uma “frente única anti-  
imperialista e antilatifundiária, iniciou uma trajetória de avanço do movimento de  
massas que, de fato, ameaçava pôr em questão a conciliação pelo alto” conduzida por  
14 “Com a Aliança estarão todos os homens de cor do Brasil, os herdeiros das tradições gloriosas dos  
Palmares, porque só uma ampla democracia, de um governo popular, será capaz de acabar para sempre  
com todos os privilégios de raça, de cor ou de nacionalidade’.(Apud CHADAEVIAN, p. 266)  
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Vargas (COTRIM, 1999, p. 82). Ou seja, ameaçava tanto os interesses da burguesia  
agrária quanto os da burguesia industrial, que pelejava em se afirmar, e justamente  
por esta razão foi rapidamente reprimida pela Lei de Segurança Nacional. É também  
digno de nota que a primeira grande organização do povo negro, após a abolição, a  
Frente Negra Brasileira, criada em 1931, a despeito de um tanto confusa, em termos  
ideológicos, segundo Moura, foi desmantelada com a repressão do Estado Novo, assim  
como “tudo aquilo que tinha uma essência e representatividade popular” (1983, pp.  
57-8). Desnecessário dizer que uma alternativa de desenvolvimento capitalista com  
progresso social dizia respeito ao povo negro, já que poderia inflectir a via colonial e,  
pois, os fundamentos socioeconômicos de sua exclusão, marginalização e  
discriminação. A alternativa vitoriosa, contudo, foi a da conciliação pelo alto.  
Capital atrófico, superexploração, autocracia e racismo  
Aos óbices e retardamento que a velha forma socioeconômica, de origem  
colonial, impôs ao desenvolvimento do capitalismo industrial no país se acrescem,  
como aludido, as adversidades advindas das condições históricas gerais em que este  
ocorreu, em pleno século XX, quando já havia ocorrido uma revolução anticapitalista  
que, embora não tenha transitado para além do capital, era suficiente para sinalizar à  
burguesia brasileira as possibilidades da classe trabalhadora. Nesse contexto, a  
constituição do capitalismo industrial cujos primeiros passos, como vimos, estiveram  
assentados na discriminação e subalternização do povo negro se processou sem  
rupturas revolucionárias, conciliando-se com a velha estrutura latifundiária,  
estruturando um sistema subordinado ao imperialismo, sustentado na superexploração  
da força de trabalho e no racismo que, por seu turno, é um dos instrumentos que  
viabiliza aquela.  
O capitalismo industrial somente conseguiu avançar a partir dos anos 1950,  
sob os influxos do capital imperialista e de uma nova divisão internacional do trabalho  
desenhada por aquele polo subordinante, que lhe reservou o papel de produtor dos  
chamados bens de consumo duráveis (que, dada a prevalência da superexploração, só  
poderiam ser consumidos por uma minoria da população, as classes média e alta) e  
importador de bens de capital que aqueles exigiam, obstruindo, assim, a completude  
do setor de bens de capital e colocando em segundo plano o aumento da força  
produtiva sobre os bens necessários à reprodução da força de trabalho do país.  
Um novo passo de modernização pelo alto foi dado pelo estado bonapartista  
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O racismo na via colonial  
erigido com o golpe de 1964, tramado pelas frações monopolistas, estruturalmente  
vinculadas ao capital externo, e pelos militares precisamente contra as forças sociais  
em movimento em torno das famosas reformas de bases: a reforma agrária, que  
atentava contra aquelas estruturas de dominação no campo e nas quais reside um dos  
fundamentos socioeconômicos da exclusão e discriminação do povo negro; a  
reorientação da indústria e das relações com o capital externo; e as reformas  
educacional, administrativa, financeira e tributária propostas estas que punham em  
risco a continuidade desse modo específico de ordenamento econômico contraposto  
ao progresso social, não o capital em geral. Com a repressão e o desmantelamento  
dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais, cujas propostas colocavam no  
horizonte a possibilidade de uma efetiva democratização, por meio do reordenamento  
do aparato produtivo interno e de suas relações externas, as frações burguesas  
autocráticas se reorganizaram econômica e politicamente, mantendo-se no caminho  
da industrialização subordinada ao capitalismo monopólico internacional. Preservado  
este caminho, a ditadura criou as condições indispensáveis à aceleração da acumulação  
interna, num momento de fartura de capital externo: os subsídios e dispositivos que  
privilegiavam as frações monopólicas locais e internacionais e a remessa de lucros  
destes; os instrumentos de repressão e controle sobre os trabalhadores, entre eles a  
lei de greve, a coibição dos sindicatos e a substituição da estabilidade no emprego  
pelo FGTS, o que colaborou para a fixação do salário abaixo do seu real valor.  
O chamado milagre econômico (1969-73), a principal bandeira de “sucesso”  
dos gestores do capital atrófico (RAGO, 2021), aprofundou o ordenamento econômico  
iniciado nos anos JK, cuja acumulação foi liderada pela produção de bens de consumo  
duráveis e intermediários, a maioria de origem externa (voltados para o consumo das  
classes médias e altas para as quais foi dirigida toda sorte de créditos e subsídios),  
que demandavam importações crescentes de bens de capital e ampliação das remessas  
de lucros. Para o pagamento de tais despesas contou-se com um velho expediente, o  
“esforço exportador”, ainda mais subsidiado, sobretudo de bens primários. Manteve-  
se em segundo plano a produção industrial de gêneros de subsistência, o que, somado  
à modernização da velha estrutura agroexportadora, manteve elevado o valor da força  
de trabalho, sem que fosse necessário aumento salarial compatível, uma vez que não  
era esta a produção nem o segmento do mercado interno que liderava a acumulação.  
Ou seja, tanto a velha estrutura produtiva quanto a industrialização excludente não se  
baseavam na expansão do consumo da classe trabalhadora, mas, ao contrário,  
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assentavam-se na superexploração de sua força de trabalho.  
Como reiteradamente denunciado por Chasin, o “milagre” foi, tal como os  
demais “milagres” brasileiros, um sucesso especialmente para o capital monopólico  
internacional, mas para a grande massa da população brasileira (majoritariamente  
negra) só poderia ser, como foi, um estrondoso fracasso, já que, como mencionado, a  
expansão da produção não somente não atendeu às suas necessidades básicas como  
esteve alicerçada na institucionalização do arrocho salarial. E, para o capital, o  
“milagre” foi também um fracasso, pois em poucos anos o esforço exportador mostrou-  
se insuficiente para a obtenção de divisas e recorreu-se, então, aos crescentes  
empréstimos externos, que, por sua vez, aumentaram as despesas das transações  
correntes do país, o que levou à desaceleração e à crise do voo de curta duração do  
capital atrófico. Tratou-se, assim, da modernização do arcaico, do aprofundamento da  
subordinação do capital atrófico ao imperialismo, da exacerbação dos seus limites  
estruturais, em suma, da conjugação de duas faces da mesma moeda: ditadura e  
“milagre”, que traduzem a pobreza de “soluções econômicas de resolução nacional e  
carente de verdadeira tradição democrática” (CHASIN, 2000, p. 60).  
Com a crise do milagre, desencadeou-se o processo de autoreforma da ditadura  
bonapartista, precisamente para preservação do seu ordenamento socioeconômico. Os  
gestores do capital atrófico foram forçados a abrir espaço de debate para as frações  
burguesas, preocupadas em saber quem pagaria o ônus da crise que se abria e quem  
se beneficiaria de uma nova fase de acumulação, afastando, entretanto, a classe  
trabalhadora do debate econômico. A burguesia autocrática lançou mão, assim, do  
modo de agir e pensar que lhe é próprio: o politicismo, pôr a público somente a  
discussão política, reduzida à esfera institucional, e manter a questão central a  
econômica longe do debate das massas populares, as únicas efetivamente  
interessadas na construção da democracia. Ou seja, o capital subordinado e  
excludente precisou negar qualquer tipo de questionamento econômico porque, como  
afirma Chasin, “não pode lhe escapar que, dentro da realidade de sua estreiteza  
capitalista, toda alteração significativa só pode provir da angulação das massas,  
implicando, mesmo quando não fere seu arcabouço fundamental, uma parcela de sua  
desmontagem, algo, portanto, em seu detrimento, no prejuízo imediato e na abertura  
de uma perigosa perspectiva(CHASIN, 2000, pp. 133-4).  
A essa altura da consolidação do capitalismo industrial subordinado ao  
imperialismo, a situação do negro no país já não era mais aquela de total desolação  
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O racismo na via colonial  
na qual se encontrara nas primeiras décadas após a abolição, mas também não a que  
fora imaginada pelos desenvolvimentistas do pré-1964, que supunham que a  
aceleração do desenvolvimento industrial pudesse resolver as desigualdades sociais  
do país e, pois, integrar o negro. Houve um aumento da participação da classe  
trabalhadora negra no mercado de trabalho, a formação de uma reduzida classe média  
e de alguns ricos, que enfrentam preconceitos e discriminações, mas a grande massa  
negra continua sendo a mais penalizada, vivendo em favelas, no desemprego aberto  
ou disfarçado, discriminada até mesmo para os postos de trabalho mais subalternos  
(FERNANDES, 2017; GONZALEZ, 2020; MOURA, 2021).  
Segundo Lélia Gonzalez, a classe trabalhadora negra não foi beneficiada pelo  
“milagre” econômico, em nome do qual os militares impuseram a necessidade da  
“‘pacificação da sociedade civil’ [...], o silenciamento, a ferro e fogo, dos setores  
populares e de sua representação política”, assim como “o arrocho salarial”. A  
presença da mão de obra negra era pequena “num tipo de polo industrial como o ABC,  
uma vez que o nível tecnológico das indústrias ali concentradas exigia um tipo de  
especialização que a maioria dos trabalhadores negros não possuía” (1982, pp. 11-  
5).  
O fato é que, conforme vimos, independentemente do quão prolongado fosse,  
as bases e os mecanismos nos quais se assentava o “milagre” não poderiam levar à  
participação da maior parte das forças populares, à integração socioeconômica do  
povo negro, excluído, superexplorado e discriminado.  
Mas em que medida o estado bonapartista e a superexploração da força de  
trabalho se apoiam no racismo contra a parcela majoritária da força de trabalho no  
país?  
A superexploração da força de trabalho pode se valer de vários mecanismos (cf.  
MARINI, 2000) ou da aplicação direta da redução salarial ou da combinação desta com  
diversas modalidades, ultimamente cada vez mais complexas, de exploração do  
trabalho, mas ela consiste essencialmente numa remuneração da força de trabalho  
abaixo do seu valor real. Redução esta que “transforma, dentro de certos limites, o  
fundo necessário de consumo do trabalhador em fundo de acumulação de capital”  
(MARX, 2017, p. 675). No Brasil, a superexploração da força de trabalho não é uma  
categoria econômica que diz respeito a este ou aquele segmento de trabalhadores,  
mas ao conjunto da classe trabalhadora. Este instrumento, do qual se valem as  
distintas frações do capital em competição, é traduzido no país por uma média  
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salarial15 aquém daquilo que é histórico-socialmente definido como o mínimo  
necessário16 para a satisfação das necessidades materiais e espirituais do trabalhador  
(MARX, 2017, p. 114). O que significa que os rendimentos daqueles trabalhadores  
que recebem acima dessa média salarial vigente no país são constantemente  
empurrados para baixo, e que aqueles que recebem abaixo dessa média salarial da  
força de trabalho, que já é inferior ao histórico-socialmente definido como necessário,  
nem sequer suprem suas necessidades mínimas de subsistência física17.  
Assim como a existência de uma massa sempre crescente de trabalhadores  
obrigada a se candidatar à morte18 permite ao capital impor um regime de exploração  
cada vez mais violento em relação à classe trabalhadora, valendo-se, inclusive, de  
formas de trabalho análogas à escravidão, a parcela racializada da força de trabalho,  
discriminada e marginalizada no mercado de trabalho19, é um dos elementos que  
contribuem para a superexploração do conjunto da classe trabalhadora, quer por sua  
expulsão para o exército de desempregados, cuja expansão aumenta a pressão do  
capital sobre as condições de trabalho e de remuneração, quer por sua baixa  
remuneração (que, por sua vez, também incide sobre o salário médio no país). De  
modo que a discriminação sobre a classe trabalhadora negra, exercida inclusive pela  
mão de obra branca que se julga superior e com mais direitos que aquela, amplia as  
condições que permitem ao capital impor a superexploração da força de trabalho ao  
conjunto da classe trabalhadora, a fim de maximizar a massa de trabalho não pago ao  
menor tempo e custo possíveis. Assim sendo, o racismo também é um problema que  
diz respeito ao conjunto da classe trabalhadora no Brasil20.  
15  
Na apuração do segundo trimestre 2024, a média salarial nacional ficou em torno de R$ 3.187,00,  
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia  
e Estatística (Pnad Contínua/IBGE). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-  
16 Segundo o Dieese, em dezembro de 2024, o salário mínimo necessário para uma família de quatro  
pessoas deveria ser de R$ 7.067,68, para atender às necessidades de alimentação, moradia, vestuário,  
educação,  
saúde,  
lazer  
e
transporte.  
Disponível  
em:  
17  
“9,3% da população brasileira em 2023, em torno de 20,0 milhões de pessoas, viviam com até o  
valor de 14 de salário mínimo per capita mensal (R$ 330) e 27,1%, aproximadamente 58,5 milhões de  
pessoas, com até 12 salário mínimo per capita (cerca de R$ 660)” (IBGE 2024, pp. 44-5).  
18 “Ouvimos como o sobretrabalho dizima os padeiros em Londres, e ainda assim o mercado de trabalho  
londrino está sempre abarrotado de alemães e outros candidatos à morte nas padarias. A olaria, como  
vimos, é um dos ramos industriais em que a vida é mais curta. Faltam, por isso, oleiros?” (MARX, 2017,  
p. 339)  
19  
“Em 2023, a população ocupada de cor ou raça branca ganhava, em média, 69,9% mais do que a  
de cor ou raça preta ou parda e os homens, 26,4% mais que as mulheres” (IBGE, 2024, p. 20).  
20  
Marx, em carta de 1870, dirigida a dois membros da Internacional em Nova York, usa expressão  
racista, defendendo, no entanto, uma posição antirracista: “O trabalhador inglês comum odeia o  
trabalhador irlandês como um concorrente que rebaixa seu padrão de vida. Em relação ao trabalhador  
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O racismo na via colonial  
As relações de produção e de trabalho no Brasil, sustentadas na  
superexploração da força de trabalho, são, assim, as bases materiais do racismo e, na  
medida em que esta forma de opressão específica da classe trabalhadora negra se  
objetiva em todos os âmbitos da sociedade, ela não apenas colabora para a  
viabilização desse instrumento vital para acumulação do capital atrófico subordinado  
como se constitui também num dos principais instrumentos de divisão da classe  
trabalhadora, de repressão e controle do estado autocrático.  
Recorde-se que a partir de meados dos anos 1970, ante as diversas formas de  
manifestações culturais e de valorização da identidade negra, de reestruturação  
política de vários grupos e entidades negras, da qual resultou, em 1978, o Movimento  
Negro Unificado (MNU), no contexto das greves operárias do ABC paulista, o estado  
bonapartista (1964-1984) respondeu com a repressão e o cinismo da “democracia  
racial”.  
Enquanto os gestores do capital atrófico, já em sua crise de acumulação,  
projetavam, interna e internacionalmente, a imagem do Brasil como modelo de  
integração e harmonia raciais, sua mão de ferro perseguia e encarcerava  
arbitrariamente, torturava e exterminava a população negra e pobre e tratava os  
eventos dos movimentos negros e suas denúncias contra o racismo como incentivo à  
luta racial ou “investidas dos adeptos da esquerda, tentando atrair os elementos de  
cor negra para as hostes comunistas”21. Ora, esse temor de que o movimento negro  
se transformasse num amplo movimento de massa e engrossasse a luta de classes no  
país22, pautada pelo movimento grevista do ABC Paulista, manifestou-se justamente  
quando já estava em curso o processo de autorreforma do estado bonapartista, cuja  
consumação, em 1989, foi facilitada pelas oposições politicistas23.  
Sem entrarmos aqui no mérito da potencialidade operária do ABC Paulista  
(1978-1980) e a do MNU, tampouco nas diferentes perspectivas de luta contra o  
irlandês, ele se sente um membro da nação dominante [...]. Ele nutre preconceitos religiosos, sociais e  
nacionais contra si. Sua atitude em relação a si mesmo é mais ou menos a dos brancos pobres para  
com os niggers nos antigos estados escravistas da União Americana. O irlandês lhe paga de volta com  
juros em seu próprio dinheiro. Ele vê no trabalhador inglês o cúmplice e a ferramenta estúpida do  
domínio inglês na Irlanda” (apud ANDERSON, 2019, pp. 228-9).  
21  
Conforme Relatório Especial de Informações, n. 04/82, Centro de informações do Ministério do  
Exército, Gabinete do ministro, referindo-se às palestras de Florestan Fernandes, Clóvis Moura e Abdias  
do Nascimento. Disponível em:  
22  
Conforme documento n. 1401, Ministério do Exército, 1 nov. 1978, intitulado Racismo negro no  
Brasil, Abdias do Nascimento”. Disponível em: <http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/  
23 Sobre politicismo e o passo a passo da crítica chasiniana às oposições politicistas, ver Chasin (2000).  
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racismo presentes na fundação desta organização ou na sua atuação posterior  
(SANTOS, 2005; MOURA, 2021a), é inegável que ambas as manifestações  
representavam naquele momento as principais forças sociais interessadas em uma  
efetiva democracia. De um lado, os metalúrgicos, ao reivindicarem ajustes salariais,  
punham em xeque a política econômica da ditadura, assentada na superexploração,  
que produzira a fome e a miséria, contra as quais os operários se rebelaram, assim  
como sua própria crise de acumulação; de outro, o MNU denunciava o racismo e  
reivindicava o atendimento das necessidades mais prementes do povo negro: melhores  
condições de vida, emprego, saúde, educação, habitação, fim das perseguições e  
violência policiais e liberdade de organização e expressão do povo negro24.  
A recomposição do movimento sindical do país, ao atacar a base da ditadura,  
poderia constituir uma possibilidade de escapar do ardil politicista armado pelo estado  
autocrático e, por conseguinte, empreender uma crítica à totalidade do seu  
ordenamento sociopolítico e econômico. As denúncias de racismo e as reivindicações  
feitas pelo movimento negro também exigiam uma crítica a essa mesma totalidade, às  
bases objetivas da exclusão socioeconômica, da marginalização e racialização da classe  
trabalhadora negra. Contudo, as agremiações partidárias e suas lideranças não se  
colocaram à altura desses desafios, não apresentaram uma proposta econômica da  
perspectiva do trabalho, um programa econômico alternativo à política econômica na  
qual se assentava a ditadura. Dissociando produção e distribuição, apartando a  
política, assim como o racismo, da economia e das demais instâncias da vida social,  
levaram às massas populares tão somente a perspectiva político-institucional e  
distributivista25, deixaram, pois, de combater a ditadura e o racismo em suas raízes  
socioeconômicas, com o que sucumbiram ao ardil politicista da burguesia autocrática.  
Em 1989 houve o encerramento da transição pelo alto do estado autocrático  
de feição bonapartista para uma autocracia institucionalizada (esta erroneamente  
chamada de democracia), que fora desencadeada justamente “em razão e benefício de  
24  
Carta  
de  
Princípios  
do  
MNU.  
Disponível  
em:  
Movimento Negro Unificado, 1978. Arquivo Nacional: BR DFANBSB VAZ.0.0.24451 Dossiê.  
Disponível em:  
25 Segundo Moura, o MNU, que se estruturou durante a ditadura militar, apresentando “inicialmente a  
proposta mais radical em termos de mudança social [...], irá se fragmentar, paradoxalmente, com a  
chamada redemocratização lenta e gradual [...], passa a articular-se em grupos menores e algumas vezes  
hostis, com objetivos eleitorais imediatos divergentes(2021, pp. 296-7).  
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O racismo na via colonial  
seu fundamento a perversa sociedade civil do capital inconcluso e subordinado”  
(CHASIN, 2000, p. 223). Também se deu a reinserção do país no bojo da  
mundialização do capital, e com isso o capitalismo de via colonial, longe de resolver o  
desafio sempre premente de alçar o progresso social como critério de desenvolvimento  
nacional, consolidou-se, aprofundando seus traços nevrálgicos, o caráter incompleto e  
incompletável do seu capital, sua subordinação ao imperialismo, superexploração e  
racialização da classe trabalhadora e, pois, o caráter autocrático da dominação  
burguesa.  
Nos últimos 35 anos assiste-se à mais completa e obscena vassalagem do que  
restou da chamada burguesia nacional, da burguesia que é mero entreposto do capital  
internacional, da burguesia que se conformou com sua associação subordinada ao  
imperialismo, com sua posição neocolonial de exportadora de commodities e,  
evidentemente, dos seus gestores à frente do estado aos interesses e às ações cada  
vez mais depredatórias do capital monopólico/financeiro interno e, sobretudo, externo.  
Os gestores do capital atrófico, em meio às políticas de ação afirmativa e aos parcos  
programas sociais de renda, institucionalizaram de vez a superexploração da força de  
trabalho e a exclusão de vastas parcelas da população brasileira, de que as reformas  
trabalhista e previdenciária, a apropriação privada dos serviços e do orçamento  
públicos e o colossal serviço da dívida pública são exemplos. De sorte que o  
aprofundamento da subordinação e o estreitismo ainda maior do capital atrófico, da  
altíssima concentração do capital e, pois, da profunda exclusão e misérias sociais,  
exigem o aperfeiçoamento dos dispositivos autocráticos, cada vez mais voltados,  
exclusivamente, à repressão, ao encarceramento em massa e ao aniquilamento das  
forças do trabalho, por meio da violência extremada, policial e econômico-jurídica.  
Nesse sentido, convém ressaltar a natureza do estado autocrático,  
particularmente seu caráter racista.  
O aprofundamento da exclusão econômica da maioria da população, na qual se  
encontra o povo negro, resultado de uma configuração socioeconômica e política que  
se opõe continuamente ao progresso social, exige a extrema violência estatal, que é a  
outra face da violência do capital. Sem negarmos as diferenças nada desprezíveis entre  
a forma bonapartista e a forma institucionalizada, mas também sem esquecermos que  
são variações “de poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo  
de ser capitalista [...], figuras ambas do mesmo domínio antidemocrático que a tipifica”  
(CHASIN, 2000, pp. 127; 223), é inegável que a extrema violência que as caracteriza  
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é exercida continuamente sobretudo sobre os povos originários e a classe trabalhadora  
negra. Para a grande massa negra, a mais penalizada pelas atrocidades do  
ordenamento econômico-social da via colonial, marginalizada em favelas, mocambos,  
alagados e periferias e enclausurada, a perseguição e a violência policial e paramilitar,  
a tortura, as execuções sumárias, o medo e o terror não são prerrogativas do estado  
bonapartista, mas de ambas as formas que a dominação autocrática assumiu ao longo  
da história republicana do país. Toda a classe trabalhadora brasileira vive sob a mira  
e o controle do estado autocrático, mas não deixa de ser um privilégio não estar entre  
aqueles que têm quatro vezes mais chances de serem eliminados pela violência  
estatal26: ao menos há a chance de não abreviar sua vida mais do que a  
superexploração da sua força de trabalho já encurta. A extrema violência estatal é,  
assim, o traço central e permanente da autocracia burguesa no Brasil, exercida  
especialmente contra a parcela mais excluída, marginalizada e discriminada da  
população brasileira, a classe trabalhadora negra.  
O racismo é uma das faces mais perversas da dominação burguesa autocrática,  
que, na impossibilidade de integralização do conjunto das categorias, precisa racializar  
a classe trabalhadora para justificar a profunda exclusão social e se alimentar de todas  
as consequências concretas das práticas discriminatórias, constituindo-se, assim, num  
dos instrumentos mais eficazes do estado autocrático, que consiste na sistemática  
obstaculização do progresso social, em barrar, por meio do terror cotidiano, qualquer  
ameaça real ou potencial das forças do trabalho. De modo que o racismo, em todas as  
suas expressões, sobreviveu (renovado) às condições objetivas que lhe deram origem  
(a escravidão) porque as condições dadas pela via colonial o possibilitam e o tornam  
socialmente necessário.  
Considerações finais  
O preconceito e a discriminação contra a população negra, legitimados tanto  
pelos ideólogos da burguesia quanto pelo silenciamento e subserviência de outros,  
que associam a humanidade e suas virtudes ao branco, à classe dominante branca, e  
ao negro atribuem a expressão do oposto e negativo daquele, entre outros construtos  
e estereótipos, têm, sem dúvida, consequências concretas, materiais e subjetivas, sobre  
26 Sobre a letalidade policial, sobretudo contra jovens negros, o feminicídio e a violência contra mulheres  
e crianças, ver 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, pp. 20-35; 137-144. Disponível em:  
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O racismo na via colonial  
a mesma sociabilidade que os engendra, sobre o mundo e os indivíduos que produzem  
o mundo. Eles demarcam os lugares e as posições sociais específicos para brancos e  
negros e seus respectivos privilégios e desvantagens sociais, estruturam relações de  
dominação e subordinação, incidem no conjunto das relações sociais, de trabalho,  
afetivas, familiares, institucionais, em suma, na vida vivida produzida e reproduzida  
em determinadas condições objetivas na qual os indivíduos são constantemente  
educados e formados.  
Conforme Chasin, sob as condições de existência geradas pela via colonial, dada  
a incompletude e subordinação do capital, do qual não emana nem pode emanar um  
projeto de integração nacional de suas categorias sociais, a não ser sob a forma direta  
da própria excludência do progresso social, até mesmo pela nulificação social de  
vastos contingentes populacionais” (CHASIN, 2000, p. 221), há uma exacerbação  
ainda maior das contradições inerentes ao capital, consubstanciada na violenta  
excludência entre evolução nacional e progresso social. Esse capital profundamente  
excludente não pode se reproduzir sem seu complemento autocrático. A burguesia  
autocrática necessita afastar das forças populares qualquer questionamento  
econômico, tendo, assim, no politicismo “sua forma natural de procedimento”, que  
atua como “freio e protetor” de sua “estreiteza econômica e política” (2000, p. 124).  
A nosso ver, devido a essas mesmas determinações apreendidas por Chasin, a  
burguesia autocrática necessita também discriminar a maioria da população, que é  
superexplorada e excluída do ordenamento econômico, e ao mesmo tempo escamotear  
o racismo, ou o negando cinicamente ou o instrumentalizando, inclusive por meio das  
políticas de ação afirmativa e dos ministérios de representatividade o que não elimina  
a batalha dos movimentos sociais e a importância de suas conquistas para a grande  
massa negra. O racismo contra o povo negro tanto expressa e justifica as debilidades  
e incapacidades estruturais da burguesia de via colonial quanto é a forma concreta  
pela qual o capital e a burguesia inconclusos (e, pois, subordinados ao capital externo)  
aniquilam física, material e espiritualmente a maior parte da população brasileira. A  
violenta exclusão socioeconômica da classe trabalhadora é, assim, a matriz de sua  
exclusão política e da racialização e discriminação violenta de sua parcela majoritária.  
As condições objetivas de existência da burguesia brasileira determinam o modo pelo  
qual ela realiza o conjunto de suas atividades, materiais e espirituais. Uma classe  
genética e estruturalmente servil às burguesias externas, incapaz de e desinteressada  
em integrar econômica e politicamente as categorias sociais, em sua diversidade étnica  
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e cultural, mesmo no interior das contradições e limites inerentes ao mundo burguês,  
que sustenta seus interesses e privilégios mesquinhos e exclusivos no aviltamento de  
suas categorias subordinadas, é a mesma classe que se regozija com sua aversão  
genocida às massas populares, como têm feito os seus gestores, a grande maioria  
inominável.  
O racismo brasileiro não está, pois, desvinculado das condições  
socioeconômicas e políticas do país, da posição da população negra na sociedade civil,  
esfera esta das relações materiais de produção e reprodução da vida, o que remete às  
classes sociais que constituem esta sociedade, bem como suas relações de dominação  
e subordinação, as que caracterizam a via colonial de objetivação capitalista. É em  
torno desse ordenamento socioeconômico, assentado na superexploração e  
racialização da classe trabalhadora, que se dão as lutas de classes, que são tomadas  
as decisões sobre “quem vive e come, material e espiritualmente, e de que maneira”  
(CHASIN, 2000, p. 221).  
O racismo não é, portanto, um fenômeno autossustentado, ou uma sorte de  
“estrutura” indeterminada que se moveria por si mesma. Tal como as demais formas  
da atividade, entre elas a política e as maneiras de pensar e sentir, o racismo não está  
apartado do “complexo da produção e reprodução da base material da existência  
humana(CHASIN, 1999, p. 17), não é uma subjetivação ou prática social desvinculada  
do capital e, em particular, da via colonial, mas um fenômeno inextrincável dessa forma  
social, tem bases objetivas, materiais e espirituais, que o engendram, o retroalimentam  
e o tornam socialmente necessário. O racismo engendrado pelas condições de  
existência da via colonial se objetiva, por uma série de mediações sociais, em sua  
complexidade, na totalidade das relações sociais e entrelaçado com as demais  
condições de subalternização das forças do trabalho, de formas de  
alienação/estranhamento, inerentes ao capital e exacerbadas na via colonial, que o  
reforçam e são por ele reforçadas.  
Há, pois, que recuperar os nódulos centrais da via colonial a fim de  
compreender os desafios para o enfrentamento do racismo e dos demais dilemas do  
conjunto da classe trabalhadora no Brasil.  
O reconhecimento de que o racismo é inseparável do capital, dessa forma social,  
que ele tem um caráter de classe, que a racialização e a discriminação da classe  
trabalhadora são expressões práticas e subjetivas da burguesia autocrática, não  
significa secundarizar as “exigências diferenciais” da classe trabalhadora negra e seus  
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desafios em face do capital (FERNANDES, 2017, p. 84), muito menos sugerir que o  
racismo não deva ser combatido pela valorização e afirmação do ser social que ele  
nega e sujeita, ou que não deva ser enfrentado por meio de instrumentos jurídicos e  
institucionais. Mas a luta travada somente neste campo político-institucional, no  
universo dos procedimentos ou da educação, sob a crença na possibilidade de civilizar  
o capital e suas personae e no aperfeiçoamento do estado, já demonstrou à exaustão  
os seus limites e nulidade para a resolução dos problemas e desafios humano-  
societários, entre os quais se encontra o fenômeno do racismo.  
Resolução que pressupõe um horizonte projetivo, ainda não descortinado pelas  
lutas sociais, no qual se visualizem os passos concretos e as mediações necessárias  
que vinculem a solução das necessidades específicas e mais imediatas da população  
negra com as das demais forças do trabalho em direção ao itinerário da emancipação  
humana. De sorte que combater o racismo, a rígida e violenta hierarquização das  
categorias sociais que caracteriza a via colonial, implica atacar suas raízes  
socioeconômicas, isto é, enfrentar esse modo específico da produção e reprodução  
material da vida sustentado na superexploração e na racialização da classe  
trabalhadora, universo este gerador das diversas formas de alienação/estranhamento,  
de opressões e subalternidades sociais e produtor dos verdadeiros algozes do povo  
negro, das forças do trabalho, da classe social que é negada pela sociedade civil.  
Não se desprezam aqui as diversas formas de padecimentos sociais, físicos,  
psíquicos e subjetivos que a sistemática discriminação e violência raciais tem imposto  
às sucessivas gerações afrodescendentes no Brasil, às quais se vinculam questões tão  
caras a Fanon, como a desalienação do branco e do negro que, todavia, como ele  
mesmo postulou, “implica uma reestruturação do mundo” (FANON, 2020, p. 95).  
Se, como insistia Moura, “o problema do negro brasileiro não é apenas o do  
racismo existente contra ele, como pretendem alguns segmentos da comunidade  
negra(2021, p. 304), por outro lado, a necessidade de apreensão das diferentes,  
mas entrelaçadas, condições de subalternidades em que se encontram as  
trabalhadoras e os trabalhadores, de enfrentar o desafio de recolocar no horizonte a  
perspectiva de revolução social, da autoconstrução humana, que permita projetar a  
supressão efetiva do racismo, assim como do patriarcado, no caminho da realização  
plena e autêntica da identidade humana, na sua diversidade, e o de encontrar as  
mediações necessárias entre as demandas e as necessidades do presente e as de  
médio e longo prazos essas não são tarefas de responsabilidade exclusiva da  
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população negra e de suas organizações. Em suma:  
Só o potencial emancipatório da lógica humano-societária do trabalho  
mais importante hoje do que em qualquer momento do passado –  
pode estabelecer tais diretrizes e só o trabalho oferece a estrutura  
estratégica para todos os movimentos particulares na defesa com  
sucesso de seus alvos específicos. (CHASIN, 1999, p. 58)  
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Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025  
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Como citar:  
JUVENCIO SOBRINHO, Maria Goreti. O racismo na via colonial. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 154-183, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 154-183 jan.-jun., 2025 | 183  
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