REVISTA VERINOTIO  
NOVA FASE  
dossiê  
ARTE  
prática e crítica  
julho-dezembro  
2023  
VERINOTIO REVISTA ON-LINE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS  
ISSN 1981-061X v. 28 n. 2 jul-dez. 2023  
PERIODICIDADE: SEMESTRAL  
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Gomes Casalino, PUC-Campinas, Brasil.  
SUMÁRIO  
Editorial: ............................................................................................................................. VII  
Ester Vaisman, Vitor Bartoleti Sartori e Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Arte: prática e crítica  
O aprendiz e o aprendizado: gênese e primeiras recepções de Wilhelm Meister, de  
Goethe ............................................................................................................................................. 01  
Manoela Hoffmann Oliveira  
Da crítica de arte na imprensa brasileira: revendo e atualizando a arte e a crítica nos  
anos 1980 ...................................................................................................................................... 20  
Ronaldo Rosas Reis  
Estética, violência e solidariedade: juventude faccionada no proibidão .......................... 44  
Luiz Eduardo Lopes da Silva, Ronaldo Rosas Reis  
Partidarismo e crítica literária: alguns elementos para a compreensão da “estética  
comunista” de Georg Lukács ..................................................................................................... 71  
Elisabeth Hess, Paula Alves  
Artigos fluxo contínuo  
EPÍLOGO a Por que Lukács? ................................................................................................... 108  
Nicolas Tertulian  
As formas jurídicas em O capital ............................................................................................ 124  
Vitor Bartoletti Sartori  
A força de trabalho como forma de ser: protoforma da individualidade do Capital em  
Marx ............................................................................................................................................... 156  
Antônio José Lopes Alves  
O Irracionalismo e sua Teoria do Conhecimento: Reação Agnóstico-relativista de  
Guerreiro Ramos ao Marxismo (1939-1955) ...................................................................... 232  
Leandro Theodoro Guedes, Elcemir Paço Cunha, Wescley Silva Xavier  
Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács: novos  
comentários sobre o tema ....................................................................................................... 259  
Ester Vaisman  
Marx e o cardápio da taberna do futuro: sobre os caminhos para uma revolução russa  
no século XIX ............................................................................................................................... 288  
Gabriela M. Segantini Souza  
Romantismo ou Regeneração? ............................................................................................... 335  
Lucas Parreira Álvares  
Tradução  
O novo irracionalismo ............................................................................................................... 383  
Tradução de Lara Nora Portugal Penna  
Entrevista  
Itinerário e encontros com Marcuse, Lukács, Adorno, por Nicolas Tertulian [entrevista  
de István Mészáros a Mikaï Dinu Gheorghiu] ...................................................................... 414  
Tradução de Gabriela M. Segantini Souza  
Resenha  
Os porquês de “Por que Lukács?” ........................................................................................... 429  
Gabriela M. Segantini Souza  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.700  
Editorial: Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Não é incomum certa análise “livre” das obras de Marx e, por vezes, dada a  
necessidade premente de intervenção prática, o autor é usado como fonte de  
inspiração, e não como um pensador cuja contribuição ainda tem vinculação com o  
que se passa na atualidade. Esse tipo de interpretação traz à tona aquilo que J. Chasin  
(2009; 2023) chamou de hermenêutica da imputação, por meio da qual um  
posicionamento particular do leitor é introduzido no texto interpretado, não raro, com  
uma finalidade política específica imediata. E, assim, os ditos marxistas, com certa  
frequência, acabam por deixar de lado a leitura rigorosa da obra do próprio Marx. No  
limite, como destacou novamente Chasin (2000), tem-se a conjunção entre uma  
hermenêutica subjetivista e uma posição claramente politicista. A crença na  
onipotência da política e consequente cegueira diante das determinações sociais da  
política e da vontade criticadas pelo autor das Glosas marginais ao artigo do rei da  
Prússia (2010) – acaba por confluir com o uso “tático”, para que se use um eufemismo,  
da obra de Marx. Nesse sentido, no cenário da crise contemporânea do sistema  
capitalista de produção e da ofensiva do capital diante do trabalho, não é raro que  
pensadores “marxistas” como Domenico Losurdo (2010), aqui tomado como exemplo,  
busquem defender o estado, o direito e, no limite, o legado do stalinismo. O problema  
é que, procedendo desse modo, o autor italiano não fala a partir de Marx, entretanto,  
igualmente verdadeiro é que Losurdo acabou por influenciar interpretações ora mais,  
ora menos honestas da obra marxiana. Assim, a necessidade imediata ainda dita a  
tônica que é dada, em verdade atribuída e imputada, à obra do autor de O capital.  
É vital deixar claro o seguinte: se a “utilidade” de Marx é servir somente de  
inspiração imediata (ou mesmo remota, aqui não importa), sua atualidade, ao fim e ao  
cabo, não se torna verdadeiramente explicitada. Nesse caso, talvez seja possível  
identificar “fontes de inspiração” que se mostrem muito mais eficientes no combate  
imediato e pragmatista e, portanto, sem caráter verdadeiramente revolucionário –  
das mazelas do capitalismo da contemporaneidade. Efetivamente, é isso que acontece  
com certa frequência.  
Na crítica à imediaticidade do sistema capitalista de produção algo necessário,  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, Lukács: 50 anos depois, ainda- mar. 2022  
NOVA FASE  
Editorial  
mas não suficiente para um marxista , são muito mais coerentes autores como Butler,  
Foucault, Agamben e Boaventura Santos, dentre outros. Algo comum que marca todos  
esses autores é a posição contrária à obra de Marx e de seu legado. Ou seja, se  
abordarmos a questão como ela realmente se apresenta, os marxistas têm se colocado,  
no mais das vezes, no mesmo terreno que os autores acima mencionados (aquele do  
proveito político imediato de determinada teoria), sem qualquer vantagem  
comparativa. Na época do autor de O capital, Proudhon e Lassalle se mostraram muito  
mais influentes que Marx. Mobilizavam grande número de trabalhadores e  
trabalhadoras. Hoje se sabe que as teorizações desses dois autores são absolutamente  
incapazes de apreender as determinações basilares do sistema capitalista de  
produção. Acreditamos que algo semelhante se passe com pensadores  
contemporâneos, como os referidos linhas acima, que enxergam Marx como um autor  
ultrapassado e contra o qual é necessário se posicionar. Em outras palavras, o Mouro  
passou a ser encarado pelas estrelas contemporâneas da novíssima esquerda como  
um autor do século XIX, cuja obra provocou resultados desastrosos, tendo em vista os  
impasses provocados pelas transições intentadas para o socialismo do século XX. Dito  
de outro modo: a esquerda contemporânea, em geral, é antimarxista. A posição  
defensiva diante do avanço contemporâneo do capital não vem sendo exercida por  
marxistas em geral, fenômeno que sinaliza a morte da esquerda, como bem colocou J.  
Chasin (2023).  
Por via de consequência, a ofensiva frente ao capital, preconizada por autores  
como Mészáros (2002), necessita de análises e reflexões bem compreendidas e  
elaboradas a partir da própria obra de Marx. E, como não poderia deixar de ser, o  
primeiro passo para se chegar a esse patamar reside na análise cuidadosa de seus  
escritos, com o objetivo de identificar o que ele de fato pensou e formulou. O caminho  
a ser percorrido talvez seja mais árduo do que possa parecer para os mais desavisados.  
É claro que isso não significa afirmar que a ofensiva defendida por Mészáros  
esteja na ordem do dia ou algo do gênero, contudo, tornou-se vital reconhecer que,  
mesmo considerando fins práticos imediatos, a hermenêutica da imputaçãoou as  
abordagens que mencionamos se revelam totalmente ineficazes frente ao desafio de  
superar o capital. Se o que Mészáros (2002) afirma é verdadeiro, somente por meio  
da compreensão apurada da realidade e com uma postura não apenas reativa seria  
possível se contrapor ao modo de produção capitalista. A tarefa é de tal envergadura  
que, em verdade, mesmo o marxismo de boa parte do século XX foi tematizado por  
Verinotio  
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nova fase ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX jul-dez. 2023  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Lukács (2020b; 2013) como algo que deveria passar por um renascimento radical.  
Ademais, é importante sublinhar que os marxistas em geral não se dedicam à  
leitura das obras de Marx, e quando o fazem não o compreendem com o mínimo de  
rigor; ou seja, no anseio de buscar soluções práticas imediatas, procuram transpor  
mecanicamente a teorização marxiana para os problemas dos séculos XX e XXI. Por  
isso, de acordo com o autor húngaro, em verdade, eles não seriam propriamente  
marxistas. Esta é uma das razões pelas quais o stalinismo dominou boa parte do  
movimento socialista; ironicamente, após tantos dilemas regressivos, assiste-se hoje a  
certa tentativa de revivê-lo teoricamente. Parece que o cenário não é muito melhor do  
que aquele do tempo em que Lukács escreveu e justificou sua proposta de  
renascimento do marxismo, o que torna ainda mais vital envidar esforços na direção  
preconizada pelo autor húngaro. Ou seja, é preciso compreender Marx com seriedade;  
avançar diante de suas conquistas com ajuda dos clássicos do marxismo; trazer, com  
as devidas mediações, uma análise marxista do capitalismo contemporâneo e, por fim,  
elaborar uma crítica efetiva deste último. Isso significa afirmar a necessidade prática  
de superação do capitalismo.  
Há pistas suficientes a apontar que uma das mazelas envolvidas nas dificuldades  
acima apontadas tem a ver com as incompreensões de toda sorte, que vêm  
atravessando décadas, acerca da natureza da proposta propugnada por Marx, acerca  
da aproximação gnosiológica dos complexos reais efetivamente existentes (Chasin,  
2009; Lukács, 2010; 2012; 2013).  
A fonte de tantos dilemas talvez tenha sido a controvertida relação crítica de  
Marx com a tradição clássica alemã, que resultou. para alguns, em uma extensão não  
percebida de parâmetros idealistas não apenas em sua propalada “fase juvenil”, mas  
também em boa parte de seu percurso da maturidade. Contudo, detendo-se com rigor  
nas obras, sobretudo, de seu período inicial, constataremos que a fase rigorosamente  
idealista não passa de meados de 1843. Ou seja, o acerto de contas, a rejeição da  
“substância mística” hegeliana, do seu “misticismo lógico, panteísta” se realiza nas  
afamadas Glosas de Kreuznach (Marx, 2003a). Já nesse período é possível identificar,  
em seus contornos mais decisivos, a opção gnosiológica de Marx, que rejeita qualquer  
tipo de construtivismo especulativo, seja este resultante de alguma tentativa de  
correção sofisticada mas, sempre formalizante dos limites das ciências do  
entendimento, seja ele o que vem a ser tão unilateral e equivocado quanto qualquer  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX jul-dez. 2023 | IX  
nova fase  
Editorial  
tipo de edificação, mesmo elevada ou tortuosa, de algum cogito transcendental. Estes  
dois caminhos equivocados, por mais diferentes que sejam entre si, não elidem a  
distância essencial que os separa da formulação marxiana, visto que ambos não  
ultrapassam a dação de sentido pela razão, com a única distinção cabível de um a  
priori para um a posteriori. Resumidamente, o construto simplesmente muda de lugar:  
antecede ou sucede o golpe de vista que se dirige ao mundo, imanentemente carente  
de sentido; dá sentido à entificação antes ou depois de tocá-la. Mas é sempre a razão  
a doadora de significação a um mundo, imanentemente carente de sentido. Condição  
mesmo de existência de sentido, no primeiro caso; aproximação genérica, emulsão  
significativa em meio a um campo homogeneizado, no segundo, ambos tomam a  
operação mental como constituinte de sentido, divergindo entre si na forma e na  
extensão com que tudo se realiza. Diferença importante, mas radicalmente diversa  
daquela que opõe ambas à posição marxiana: a razão descobre, reproduz – “na forma  
única pela qual a cabeça é capaz de fazê-lo” – pelo conceito o sentido das coisas (ver  
Vaisman, 2006, pp. 9-18). Para os dois caminhos anteriormente apontados, em  
primeiro lugar, as coisas são desprovidas de sentido e, em segundo, a razão é,  
digamos, a oficina ou a linha de montagem do significado.  
Na atualidade, a interrogação de rigor sobre a irredutível natureza social  
humana e a historicidade intrínseca à sociabilidade, conquistas da obra de Marx –  
constitui a plataforma geral que pode vir a dinamizar o clareamento do ser e do saber  
da cotidianidade, como o entendimento e a prática da atividade científica e filosófica.  
Nesse resgate da subjetividade ativa, racionalmente potencializada mas nunca como  
império da vontade , o oponente que ela tem de enfrentar são as mil faces de sua  
negação, que se reiteram impiedosamente em todos os espaços, tanto individuais  
quanto sociais, desde a renúncia cética até a impertinência da desrazão ou irrazão,  
como queiram.  
Desse modo, uma das dimensões da contribuição decisiva para o conhecimento  
das várias formas da sociabilidade, sobretudo a capitalista, foi a revolução teórica  
conformada por Marx. De acordo com ele, as coisas do mundo humano têm elas  
mesmas um sentido imanente, portanto, o método aqui tem a função de buscar e  
captar esse sentido. A razão, em contrapartida, entendida como uma figura histórica e  
socialmente constituída, reproduz esse mesmo sentido. É, portanto, reprodutora de  
sentido, e nunca sua usina originária. As coisas do mundo são reconhecidas, mas não  
como empiricamente amorfas, em sua imanência que é passada, a uma forma de  
Verinotio  
X |  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX jul-dez. 2023  
nova fase  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
pensamento, ou seja, não é o pensamento que dá forma ao mundo, recortando os  
objetos a partir da pletora caótica do mundo fenomênico. Já em artigo de finais de  
1843, Marx se posiciona a respeito, ao demonstrar os limites da crítica à religião  
operada por Feuerbach, quando afirma que a “missão da filosofia a serviço da história  
/.../ consiste em desmascarar a autoalienação em suas formas profanas” (Marx, 2003b).  
Em suma, uma razão doadora de sentido oscila entre a aproximação genérica,  
vaga, unilateral e a imputação arbitrária de significados. Oscila, portanto, entre um  
quase nada formal e um quase tudo suposto. Como pontos de partida de uma prática,  
podem ir em um gradiente do nada ao tudo se pode.  
São variantes epistemológicas que voltam as costas às proposituras marxianas:  
aqui em relação a um saber que se prova quando capaz de intenção transformadora.  
E isso não é nenhum pragmatismo.  
Trata-se, em verdade, de uma nova concepção de objetividade, que não guarda  
nenhum parentesco nem com a solução kantiana, nem com a hegeliana. Em palavras  
bem simples e diretas como convém em determinados momentos , não se trata de  
organizar o mundo pela cabeça, mas organizar a cabeça pelo mundo.  
Marx reivindica a organização da cabeça regida pelo mundo, mas não o mundo  
das notas ou manchas empíricas, e sim como todo existente e significante por si  
porque é (não discutimos aqui a questão da gênese). O pensamento deixa de falar  
sobre si mesmo para falar sobre as coisas, ou seja, deixa que as coisas “falem” e  
“façam” o pensamento, pois este, em Marx, é histórica e socialmente constituído, como  
aludimos acima. Nesse sentido, a razão é transcendida pelo mundo, condiciona a visão  
sobre ele, porque é condicionada antes pelo próprio mundo. Ou melhor, nesse  
processo, ora transcende, ora é transcendida condiciona por ter sido condicionada,  
isto é, quando o faz, já o faz como resultado. Atente-se que, para Marx, qualquer  
disjunção aqui é uma forma de renúncia da razão histórica e das formas pelas quais  
ela pode ser edificada.  
Num mundo inamovível e onde graça a inamovibilidade, esta desobrigação  
conforta, um reconforto utópico subjetivo. Em outras palavras, quando o mundo  
aparece incapaz de se mexer, a única coisa que se agita é o espírito. Aqui o espírito  
volta a ser a revolução do mundo, tal como os neo-hegelianos de quem Marx nos fala  
criticamente não apenas em A ideologia alemã, mas também, como é sabido, em outras  
obras do mesmo período.  
Verinotio  
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nova fase  
Editorial  
Quando a solução materialista não é capaz de dar conta do lado ativo, o  
idealismo assume a cena e se expande, para entusiasmo da grande maioria. Não é  
sobre questões dessa ordem que Marx se pronuncia na primeira tese Ad Feuerbach?  
***  
Este número de Verinotio Revista on-line de filosofia e ciências humanas  
apresenta aos leitores um leque variado de produções de qualidade, começando por  
um dossiê sobre arte e seguindo com artigos sobre temas livres, além de tradução,  
entrevista e resenha.  
Abrindo o Dossiê Arte: prática e crítica, apresentamos O aprendiz e o  
aprendizado: gênese e primeiras recepções de Wilhelm Meister, de Goethe, texto de  
autoria de Manoela Hoffmann Oliveira, autora de tese de doutorado sobre o clássico  
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Após breve exposição do processo de  
elaboração da obra por Goethe, Hoffmann aborda duas fases da recepção do texto e  
discute a longa tradição crítica que o toma como um Bildungsroman. Ela ressalta que  
os críticos analisaram especialmente o percurso do protagonista e que, em geral,  
concordaram acerca da sua realização individual, embora discordando do conteúdo do  
aprendizado e do caráter da relação existente entre aprendizado e maestria. A autora  
chama a atenção para o silêncio dos referidos críticos, inclusive os românticos da  
segunda geração (para os quais o texto foi extremamente significativo), a respeito das  
determinações sociais da (ir)realização da individualidade.  
O ensaio que vem a seguir, intitulado Da crítica de arte na imprensa brasileira:  
revendo e atualizando a arte e a crítica nos anos 1980, é de Ronaldo Rosas Reis. O  
texto aborda um tema de grande relevância na atualidade: a prevalência cultural do  
pós-modernismo, uma das vertentes contemporâneas do irracionalismo. Para tanto, o  
autor trata da controversa relação entre a crítica de arte e a imprensa no Brasil, tendo  
como foco a rotulação ideológica de um grupo de jovens artistas emergentes na cena  
artística como “geração anos 1980”, à qual foi atribuído pelo conglomerado midiático  
um conformismo inerente. Ele observa que a forma como a arte entretenimento é  
tratada pela mídia lhe pespega um rótulo libertário para distrair do interesse pela arte  
que verdadeiramente importa. De acordo com o autor, a crítica agenciada pela mídia  
mercantilizada dificulta todo esforço de compreensão do que seja uma história artística  
do país. Rosas Reis ainda aponta um nexo causal entre libertarismo e liberalismo pós-  
moderno, que afirma ser parte do processo de destruição da razão que marca nossa  
Verinotio  
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nova faseISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX jul-dez. 2023  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
história recente.  
Na sequência, Luiz Eduardo Lopes da Silva e Ronaldo Rosas Reis, no texto  
Estética, violência e solidariedade: juventude faccionada no proibidão, discutem a  
relação entre facções criminais e jovens ludovicenses da periferia culturalmente  
engajados no gênero do funk conhecido como “proibidão”, identificado como principal  
elo entre membros das facções locais detidos nos presídios e os referidos jovens. Se  
à primeira vista ressaltam-se as letras apologéticas da violência e sexualizadas, uma  
análise mais acurada mostra, segundo os autores, que o “proibidão” abarca uma teia  
complexa de afetos e relações contraditoriamente articuladas e dissimuladas sob a  
violência da superfície. Por outro lado, avaliam que as letras dos funks também  
sintetizam e difundem regras determinadas pelas lideranças das facções no interior  
dos presídios e disseminadas pelos seus membros nas periferias da Grande São Luís,  
no Maranhão, numa ética que que medeia conflitos internos e enfatiza a solidariedade  
e a união. Os autores concluem que o funk tem sido uma forma de sensibilização  
estética e de conscientização do pertencimento comunitário entre a juventude da  
periferia de São Luís envolvida com facções criminosas e duramente atingida por  
políticas estatais de encarceramento e extermínio.  
Encerrando o Dossiê, Elisabeth Hess e Paula Alves abordam um dos objetos mais  
recorrentes no pensamento lukácsiano, a crítica literária, no texto Partidarismo e crítica  
literária: alguns elementos para a compreensão da “estética comunista” de Georg  
Lukács. As estudiosas refletem sobre a especificidade do tratamento da literatura no  
decorrer do desenvolvimento teórico do filósofo húngaro, apresentando elementos da  
estética marxista lukácsiana, particularmente da relação entre literatura e história e,  
por conseguinte, das necessidades artísticas com as do desenvolvimento histórico. O  
texto ressalta que marxista busca uma síntese objetivamente verdadeira entre a  
compreensão da esfera estética, o entendimento da função da arte em relação a outras  
áreas das atividades humanas, e o conhecimento das condições materiais que a  
determinam. Afirma, ainda, a objetividade da ligação entre valor estético e uma relação  
dialética de forma e conteúdo, cujos fundamentos corretos devem se erguer sobre uma  
teoria que sustente a perspectiva da arte como autoconsciência do desenvolvimento  
humano. As modificações sofridas pelo pensamento lukácsiano no tocante a esta  
temática são apresentadas no bojo de transformações sócio-históricas e políticas. As  
autoras mencionam os debates de Lukács com outras vertentes, como o realismo  
stalinista contaminado pelo sociologismo vulgar, e se detêm no debate sobre o  
Verinotio  
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nova fase  
Editorial  
romance histórico.  
Abrimos a seção de temática livre com o “Epílogo” a Por que Lukács?, de Nicolas  
Tertulian. Trata-se de manuscrito inédito enviado pelo autor para Juarez Torres Duayer  
e Ester Vaisman no ano de 2009, e que fazia parte da versão inicial provisória do livro  
Por que Lukács?, ainda em elaboração naquela época. Não se conhecem as razões que  
fizeram com que o autor suprimisse o “Epílogo, concebido, pelo menos inicialmente,  
como capítulo final da versão que, finalmente, veio a ser publicada em Paris pela  
editora da Maison des sciences de l’homme no ano de 2016. A tradução para o  
português, recém-publicada pela Boitempo Editorial, ao seguir o original francês  
efetivamente publicado, também não traz o que Tertulian intitulou provisoriamente de  
epílogo. O fato é que o autor tratou do tema em dois capítulos da edição publicada,  
“Caldeirão ideológico romeno” e “Encontros com Cioran”, mas em nenhum deles com  
a profundidade e a agudeza do manuscrito ora publicado pela Verinotio. O comitê  
editorial da revista resolveu levá-lo a público dada a importância da análise e da  
denúncia ali contidas, e por se tratar de assunto que atualmente é da mais alta  
importância do ponto de vista teórico-ideológico, não apenas nos países do Leste  
europeu.  
Publicamos também As formas jurídicas em O capital, de Vitor Bartoletti Sartori.  
No texto, o autor se posiciona criticamente em relação à teoria pachukaniana, a posição  
dominante no que toca à crítica marxista do direito no país. Segundo tal teoria, há um  
vínculo indissociável entre as categorias da economia mercantil e monetária e a própria  
forma jurídica, decorrente da forma mercantil. Por isso, a crítica marxista do direito  
referenciada no teórico russo deveria se contrapor não só ao conteúdo classista das  
normas jurídicas, mas também à sua forma, inerentemente capitalista e necessária à  
própria mercantilização. Sartori, por seu turno, busca demonstrar que, se Marx faz, de  
fato, críticas às formas jurídicas, a categoria forma jurídica tem uma importância menor  
do que o afirmado pela crítica marxista do direito. Para tanto, o autor se remete a O  
capital, principalmente ao Livro III, buscando comprovar, por meio da leitura imanente,  
que a correlação das formas jurídicas com a forma-mercadoria, geralmente, é muito  
mais mediada e indireta do que imagina uma primeira avaliação. Ademais, Sartori  
pontua a existência de um sem-número de assuntos que estão presentes na obra  
magna marxiana e cujos aspectos jurídicos ainda necessitam de estudos mais  
aprofundados.  
Verinotio  
XIV |  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, p. VII-XIX jul-dez. 2023  
nova fase  
Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
Antônio José Lopes Alves é o autor de A força de trabalho como forma de ser:  
protoforma da individualidade do capital em Marx, texto que vem na sequência. O  
artigo parte da categoria força de trabalho enquanto instrumento que possibilita acessar  
elementos substanciais do caráter específico que a individualidade toma no modo de  
produção capitalista e da sociabilidade correspondente. Com base na análise imanente  
da obra marxiana, intenta demonstrar seu estatuto de referente geral para o  
entendimento da referida forma particular de individuação, ou seja, o fato de ser “um  
referente genérico que apresenta em si, de modo sintético, articulado numa totalidade  
unitária de diferentes determinações, um conjunto de traços que caracterizam um ente  
em uma forma de ser particular, uma forma objetiva de existência ou uma inflexão  
processual”. Para explicitar essas descobertas, o autor aborda as determinações que, no  
seu entender, a partir da modernidade, tornam a força de trabalho livre individual,  
mercantilizada, uma protoforma de individuação na sociabilidade do capital: a  
capacidade humana de realizar trabalho como forma de ser do capital e força de sua  
produção, o modo particular de alienação da força de trabalho, o caráter complexo do  
objeto apropriado pelo capital e a relação que o indivíduo tem consigo mesmo como  
proprietário privado de força de trabalho.  
O irracionalismo e sua teoria do conhecimento: reação agnóstico-relativista de  
Guerreiro Ramos ao marxismo (1939-1955), artigo de Leandro Theodoro Guedes,  
Elcemir Paço Cunha e Wescley Silva Xavier, tem como objeto os textos iniciais de  
Alberto Guerreiro Ramos sobre teoria do conhecimento. Segundo os autores, se já há  
outros estudos que se debruçaram sobre a adesão do conhecido sociólogo brasileiro a  
tendências epistemológicas específicas, eles próprios buscam, no texto em tela, suprir  
uma lacuna no tocante à existência de tendências irracionalistas nas primeiras  
elaborações do sociólogo acerca do tema. Tais elaborações subsidiarão o diagnóstico  
de questões contemporâneas e o prognóstico para seu enfrentamento entre os analistas  
que se remetem a suas análises. Após breve excurso metodológico, os autores fazem  
uma caracterização histórica do irracionalismo e de sua teoria do conhecimento. Na  
sequência, procedem à análise imanente dos textos relativos ao tema escritos no período  
1939-1955 por Guerreiro Ramos que, tendo elegido o marxismo como adversário,  
aderiu ao agnosticismo relativista existencialista e fenomenológico. A análise revela  
laivos irracionalistas, os quais se manterão, conforme os autores, em consagrados textos  
posteriores do teórico brasileiro, nos quais as questões relativas à epistemologia  
comparecem articuladas a preocupações sociológicas, políticas e econômicas.  
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nova fase  
Editorial  
Ester Vaisman comparece neste número da Verinotio com o texto intitulado Sobre  
“O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács: novos  
comentários sobre o tema. A autora revisita um assunto com o qual trabalha desde o  
início dos anos 1980, num movimento de constante aprofundamento e concomitante  
ampliação do estudo. Ela comenta o profícuo itinerário intelectual de Lukács, no qual  
os problemas atinentes à subjetividade (e à sua relação com a objetividade) sempre  
estiveram presentes. Vaisman aponta a importância da reflexão lukácsiana sobre as  
especificidades do “momento ideal” e suas relações com o momento material na esfera  
da prática, detendo-se em sua tematização sobre a ideologia. Destaca a grande  
originalidade do tratamento que Lukács dá ao tema, desenvolvido a partir de  
manifestações textuais de Marx, e mostra que o filósofo húngaro, nos últimos anos de  
sua vida, refutou as abordagens mais disseminadas, que se utilizavam do critério  
gnosiológico para a determinação do fenômeno ideológico, ao qual contrapôs a  
utilização do critério ontoprático. Lukács, argumenta a autora, havia se emprenhado  
em demonstrar à exaustão o caráter teleológico da atividade laborativa e, então,  
comprovar que a prática social, ampla e diversa, compartilha características comuns  
com aquela, ou seja, caracteriza-se pela interveniência de um momento ideal. A autora  
então se debruça sobre o problema da ideologia na Ontologia do ser social,  
aprofundando-se nas considerações a respeito deste complexo tema.  
O artigo seguinte é de Gabriella M. Segantini Souza, Marx e o cardápio da taberna  
do futuro: sobre os caminhos para uma revolução russa no século XIX. Partindo da  
análise dos esboços e da carta final enviada por Marx em resposta a uma pergunta posta  
pela revolucionária russa Vera Zasulich, além de outros escritos do filósofo alemão que  
têm como temática a Rússia, a autora investiga a questão do desenvolvimento histórico  
na obra marxiana. Ao tratar da assim chamada acumulação originária em O capital, Marx  
afirma que o modo de produção capitalista pressupõe a separação entre produtores e  
meios e condições de produção, de modo que o camponês se torne trabalhador  
assalariado e as pequenas propriedades rurais deem lugar à propriedade privada. Mas  
a Rússia, um país de desenvolvimento não clássico, ainda era naquele momento uma  
sociedade agrária marcada pela comuna, vista por uns como forma arcaica de produção  
condenada a desaparecer, e por outros como embrião do comunismo. Revisitados pela  
autora, os textos de Marx sobre a Rússia oferecem importantes materiais para a reflexão  
sobre as diferentes vias de objetivação do capitalismo e sobre a própria visão de história  
do autor renano. Bem assim, é possível compreender a perspectiva do filósofo alemão  
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Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
sobre a possibilidade de uma revolução na Rússia no século XIX. O artigo se contrapõe  
a interpretações do pensamento de Marx que o tomam como um esquema de um  
movimento inevitável do desenvolvimento humano, transformando-o numa filosofia da  
história, etapista, que conteria uma noção de progresso linear e necessário.  
Abordando uma bibliografia semelhante, sobre o mesmo local e época ou seja,  
o debate no interior do marxismo sobre a possibilidade revolucionária da comuna  
agrária na Rússia , Lucas Parreira Álvares, em seu artigo Romantismo ou  
regeneração?, discute a relação entre o pensamento de Marx e a tradição romântica.  
Após breve exposição do percurso bibliográfico da discussão no Brasil, detém-se na  
edição que recebeu o nome de Lutas de classes na Rússia, da Boitempo Editorial, mais  
especificamente na introdução do sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, também  
organizador do livro. Löwy associa os escritos de Marx a uma espécie de “romantismo  
revolucionário”, enquanto Álvares, embora reconhecendo a importância do sociólogo  
no campo do pensamento social crítico, propõe outra compreensão da relação entre  
o filósofo alemão e o pensamento romântico. Avalia que esta tradição teórica está  
presente na obra de Marx, mas não como uma influência, uma vez que este procurou  
se distanciar dessa perspectiva, em toda a extensão de sua obra, em particular nos  
textos em que tratou da Rússia.  
A seção Tradução apresenta o texto O novo irracionalismo, de John Bellamy  
Foster, assentado sobre a afirmação de que o irracionalismo está novamente na moda.  
O autor inicia com a definição do problema do irracionalismo, a partir de A destruição  
da razão, de Lukács, que objetivava demonstrar que o irracionalismo, longe de ser  
uma contradição ou um desenvolvimento fortuito, era um produto par excellence do  
próprio capitalismo, particularmente do estágio imperialista. Na esteira de Lukács, o  
autor faz uma abordagem histórica do irracionalismo, reconstruindo a linhagem  
intelectual irracionalista e antimodernista que remonta a Nietzsche, Bergson e  
Heidegger. Concorda com Lukács: a derrota histórica do fascismo não implicara seu  
desaparecimento, mas ele continuava nutrindo à socapa tendências reacionárias. Para  
o professor estadunidense, dada a fraqueza da esquerda ocidental, foi o irracionalismo  
burguês que definiu o clima intelectual dominante do imperialismo tardio, refletindo  
uma contínua destruição da razão. O irracionalismo passara a desempenhar um papel  
crescente na constelação do pensamento, manifestando-se em vários graus de  
intensidade do pós-modernismo e do pós-estruturalismo desconstrutivistas de  
pensadores como Jean-François Lyotard e Jacques Derrida às novas filosofias da  
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Editorial  
imanência representadas por figuras supostamente de esquerda como Gilles Deleuze,  
Félix Guattari, Bruno Latour, Jane Bennett e Timothy Morton. Também critica o filósofo  
lacaniano-hegeliano Slavoj Žižek, que, segundo ele, acabou por tomar partido pela  
tradição anti-humanista proveniente do heideggerianismo de esquerda. Critica, ainda,  
os tratamentos pós-humanistas da crise ecológica, particularmente na forma do que é  
chamado de “novo materialismo” (Latour, Bennett e Morton), afirmando que, sob uma  
aparência radical, são reacionárias. Conclui que são muitas as reviravoltas  
irracionalistas e reacionárias existentes no interior do que ainda se entende como uma  
análise de esquerda.  
Apresentamos em seguida uma importante entrevista concedida por Nicolas  
Tertulian a Mihaï Dinu Gheorghiu, que recebeu o título de Itinerário e encontros com  
Marcuse, Lukács, Adorno. O filósofo romeno, falecido em 2019, conta inicialmente de  
sua atuação universitária na Faculdade de Filosofia da Universidade de Bucareste, a  
partir de 1969, e suas primeiras batalhas contra a autocracia do partido. Em seguida,  
apresenta seus contatos intelectuais com diversos autores na Europa e no Japão,  
tecendo importantes comentários avaliativos sobre suas teorias. Aborda, ainda, suas  
relações teóricas e pessoais com Lukács.  
Por fim, fechando o amplo leque de formatos de difusão do pensamento incluídos  
neste número de Verinotio, apresentamos a resenha de Gabriella Segantini Os porquês  
de Por que Lukács?, obra seminal de Nicolas Tertulian lançada no Brasil este ano pela  
Boitempo Editorial. Traduzida por Juarez Duayer, com revisão técnica de Ester  
Vaisman, trata-se de uma autobiografia intelectual do teórico romeno, em particular  
de sua relação com o filósofo húngaro G. Lukács, de quem foi muito próximo. A autora  
reconstrói a tessitura do texto de Tertulian e demonstra a sua importância para o  
conhecimento e difusão de seu pensamento e, especialmente, da obra de Lukács.  
Referências bibliográficas  
CHASIN, J. A miséria brasileira. São Paulo: Ad Hominem, 2000.  
_____. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,  
2009.  
_____. O futuro ausente. Rio das Ostras: Verinotio Livros, 2023.  
LOSURDO, Domenico. Stálin: uma lenda negra. Trad. Jaime Clasen. Rio de Janeiro:  
Revan, 2010.  
LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. Trad. Lya Luft e  
Rodnei Nascimento. São Paulo: Boitempo, 2010.  
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Tornamo-nos idealistas e pragmatistas?  
_____. Para uma ontologia do ser social v. I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo:  
Boitempo, 2012.  
_____. Para uma ontologia do ser social v. II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo:  
Boitempo, 2013.  
_____. A destruição da razão. Trad. Bernardo Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi  
Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020a.  
_____. Essenciais são os livros não escritos. Trad. Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo:  
Boitempo, 2020b.  
MARX, Karl. Crítica à filosofia do direito de Hegel. Trad. Leonardo de Deus e Rubens  
Enderle. São Paulo: Boitempo, 2005.  
_____. Crítica à filosofia do direito de Hegel introdução. In: MARX, Karl. Crítica à  
filosofia do direito de Hegel. Trad. Leonardo de Deus e Rubens Enderle. São Paulo:  
Boitempo, 2005b.  
_____. Glosas marginais ao artigo do rei da Prússia e a reforma social. Trad. Ivo Tonet.  
São Paulo: Expressão Popular, 2010.  
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Trad. Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo,  
2002.  
VAISMAN, E. “A importância da polêmica sobre as relações entre Marx, filosofia e  
método”. In: A obra teórica e o marxismo. Campinas, Cadernos Cemarx n. 3, 2006,  
pp. 9-18.  
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d o s s i ê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.688  
O aprendiz e o aprendizado: gênese e primeiras  
recepções de Wilhelm Meister, de Goethe  
The apprentice and apprenticeship: genesis and first receptions of  
Goethe's Wilhelm Meister  
Manoela Hoffmann Oliveira*  
Resumo: O artigo apresenta o ciclo Meister e as  
recepções de Os anos de aprendizado de  
Wilhelm Meister, principalmente no que  
concernem ao protagonista. A ideia pedagógica  
foi identificada como central por Schiller, Körner  
e W. Humboldt, que delinearam as principais  
posições da crítica sobre Wilhelm Meister e sua  
realização individual, interpretanndo-a como  
completada. Os românticos da segunda  
recepção, F. Schlegel e Novalis, seguiram o  
mesmo entendimento. Não houve consenso,  
porém, sobre o que foi aprendido e a relação  
Abstract: The article presents the Meister cycle  
and the receptions of The Apprenticeship of  
Wilhelm Meister mainly in what concerns the  
protagonist. The pedagogical idea was  
identified as central by Schiller, Körner and W.  
Humboldt, who outlined the main critical  
positions on Wilhelm Meister and his individual  
achievement, interpreting it as completed. The  
romantics of the second reception, F. Schlegel  
and Novalis, followed the same understanding.  
There was no consensus, however, on what was  
learned and the relationship between learning  
and mastery. Above all, it is striking that the  
social obstacles to individual activity have  
remained outside the perspective of the  
authors.  
entre aprendizado  
e
maestria. Marcante,  
sobretudo, é que os entraves sociais para a  
atividade individual tenham permanecido fora  
da perspectiva dos autores.  
Palavras-chave: Goethe, Wilhelm Meister,  
formação, atividade, individualidade.  
Keywords: Goethe, Wilhelm Meister, formation,  
activity, individuality.  
O ciclo Meister: aprendizado, itinerância e maestria1  
Conforme documentam a correspondência, os diários, cadernos e anotações de  
Goethe, o processo de elaboração da história de Meister foi longo até que fosse  
finalmente terminado. Iniciado em 1777, o primeiro romance do ciclo somente vem a  
público quase vinte anos depois, em 1795/96, dividido em quatro volumes (cada qual  
contendo 2 livros), respectivamente publicados em janeiro, maio e novembro de 1795,  
e o último em novembro de 1796.  
*
Doutora em Ciências Sociais (Unicamp, 2014) com pós-doutorado em Sociologia (2019). E-mail:  
manoela.hoffmann@gmail.com.  
1 Revisado e em parte reformulado, este texto pertence à minha tese de doutorado em Ciências Sociais  
(Unicamp, 2014): OLIVEIRA, Manoela Hoffmann. A sociedade é inefável. Sobre a individualidade do  
protagonista de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister(1795/96), de Goethe. Todas as citações  
deste artigo foram traduzidas pela autora.  
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Manoela Hoffmann Oliveira  
O primeiro registro, dos muitos que seriam feitos sobre o Meister ao durante a  
vida de Goethe, data de 16.2.1777, quando o autor escreve em seu diário: No jardim,  
ditando Wilhelm Meister” (GOETHE, 2002, p. 613). Em 31.10.1777, numa carta a  
Charlotte von Stein, Goethe comenta sobre o livro: ontem à noite dei um salto mortal  
sobre três capítulos fatais de meu romance, os quais evitava há muito tempo; agora  
que eles já ficaram para trás, espero produzir a primeira parte muito em breve” (apud  
BAHR, 1982, p. 252). Entretanto, não foi o que aconteceu, como Goethe registra em  
um de seus cadernos de 1819/20, na seção até 1780”: Os inícios de Wilhelm Meister  
já nessa época deixavam-se avistar, embora apenas cotiledoneamente; o  
desenvolvimento e a formação posteriores arrastaram-se por muitos anos” (GOETHE,  
2002: p. 618). E na seção até 1786”: Os inícios de Wilhelm Meister ficaram por  
longo tempo em suspenso” (GOETHE, 2002, p. 618).  
Por meio de uma carta de 1782 escrita a Knebel (GOETHE, 2002, p. 614),  
sabemos que o romance deveria chamar-se, originalmente, A missão teatral de Wilhelm  
Meister [Wilhelm Meisters theatralische Sendung], também referido na literatura por  
primeiro Meister[Urmeister]2; nessa mesma data, os três primeiros livros de A missão  
teatral já se encontravam quase terminados; três anos mais tarde, o sexto livro estava  
pronto e Goethe pretendia dar prosseguimento ao romance. As cartas documentam  
que a confecção do romance foi lenta entre os anos 1777 até novembro de 1785,  
quando Goethe chega até o sexto livro o sétimo livro foi posteriormente também  
iniciado (mas dele não restou cópia). O enredo de A missão teatral desenvolve-se até  
o início do quinto livro do futuro Os anos de aprendizado. A viagem para a Itália entre  
1786-1788 marca uma nova fase da elaboração do romance.  
Em carta a Charlotte von Stein de 20.1.1787, no entanto, Goethe diz não mais  
querer continuar a narrativa sobre o curso da vida de um jovem escritor que se torna  
ator e diretor e que busca no mundo artístico do teatro sua satisfação e vê nisso sua  
missão de vida(apud CONRADY, 1994, p. 623).  
A pretensão de Goethe com Wilhelm Meister é grandiosa em sua concepção e  
amplitude de significado. Isso, naturalmente, levou tempo para ser maturado, tempo  
em que concomitantemente o curso da história real parecia, com as Revoluções  
2
Não conheceríamos esse precursor de Os anos de aprendizado se uma amiga de Goethe, Barbara  
Schulthess, para quem o manuscrito fora enviado, não tivesse copiado o texto antes de devolvê-lo  
ao autor. A transcrição foi descoberta somente em 1910, sendo impressa pela primeira vez em 1911.  
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O aprendiz e o aprendizado  
Francesa e Industrial, ter se acelerado, o que conduziu a um alargamento e  
aprofundamento deste romance que deveria abranger, nas palavras de Goethe: muito  
sobre mim mesmo e sobre os outros, sobre o mundo e a história, sobre os quais eu  
falarei, a meu modo, muitas coisas boas, embora não novas. Finalmente, está tudo  
compreendido e abarcado no Wilhelm(Redigido em 1828/29, referente ao dia 2 de  
outubro de 1787. GOETHE, 2002, p. 616).  
Após alguns anos interrompido, o trabalho em Wilhelm Meister foi retomado,  
brevemente, em 1791, mas apenas em 1794 Goethe retornou ao romance para de  
fato terminá-lo (GOETHE, 2002, pp. 616-617). Essa última fase do trabalho não  
significou simplesmente uma continuação do fragmento de 1786, mas uma  
transformação substancial do mesmo.  
Em carta a Schiller de 12.7.1796 (portanto, antes mesmo de concluir a  
publicação de d’Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister), Goethe se disse  
entusiasmado com a ideia de dar continuidade à história e menciona que deixara  
alguns elos para uma continuação do romance (GOETHE, 2002, p. 648). Nos anos  
seguintes, de 1797 a 1799, cartas a Schiller (12.8.1797), ao editor Cotta (27.5.1798)  
e a Johann Heinrich Meyer (10.5.1799) já contêm as primeiras considerações sobre o  
material e a fábula da continuação (NEUMANN/DEWITZ, 1989, p. 777 e ss.). Até 1810  
o romance já havia sido substancialmente concebido (a viagem como elo; a  
permanência das personagens de Os anos de aprendizado), mas é a partir de 1816  
que começam a ser publicadas em uma série contínua aquelas narrativas que já  
estavam prontas, estreando com a primeira metade de Nußbraunen Mädchen, no  
Taschenbuch für Damen auf das Jahr 1806(NEUMANN/DEWITZ, 1989, p. 787).  
Novamente, demorou mais de vinte anos até que Goethe concretizasse seu projeto e  
publicasse, em 1821, Os anos de itinerância de Wilhelm Meister ou Os renunciantes  
[Wilhelm Meisters Wanderjahre oder die Entsagenden]. Nos anos subsequentes o  
romance foi essencialmente modificado pelo autor, transformando-se numa segunda  
versão da obra, que veio a público em 1829.  
Aludindo às etapas do percurso do artesão, de aprendiz a mestre de ofício,  
Goethe concebeu uma trilogia cuja origem estaria no conceito de anos de  
aprendizado[Lehrjahre], o qual se articula aos conceitos de anos de itinerância”  
[Wanderjahre] e anos de maestria” [Meisterjahre] (Goethe em conversa com Friedrich  
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Manoela Hoffmann Oliveira  
von Müller de 8 de junho de 1821)3. Esse plano não chegou a ser plenamente  
efetivado, mas é bastante elucidativo do que Goethe tinha em mente ao criar os  
romances do ciclo.  
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister é a obra seminal a partir da qual se  
lançam luzes para iluminar a obra seguinte, Os anos de itinerância de Wilhelm Meister.  
A ausência de Os anos de maestria, por outro lado, nos mantêm atrelados às  
tendências e possibilidades descortinadas nas primeiras obras, deixando para o  
terreno da especulação o que apontaria para a maestria no contexto dos dois romances  
efetivados e, simultaneamente, indicando com clareza que a maestria nas histórias  
anteriores não foi alcançada.  
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister e o idealismo  
A correspondência com Friedrich Schiller: a não pronunciação da ideia4  
A recepção de Wilhelm Meisters Lehrjahre deteve-se, assim como o próprio  
romance, no protagonista, sua história, seus dilemas, trajetória, destino. Em 6.12.1794,  
por ocasião do primeiro livro, Goethe comenta com Schiller: Finalmente chegou o  
primeiro livro de ʽWilhelm Schülerʼ [aluno], o qual não sei como apanhou o nome  
ʽMeisterʼ [mestre]” (GOETHE, 2002, p. 621).  
É no entanto somente na carta de 5.7.1796, após quase dois anos de  
correspondência sobre o romance, que Schiller escreverá detidamente a respeito do  
herói Wilhelm Meister. Depois de ler a história completa, Schiller responde à pergunta  
implícita no título do romance o que, afinal, Wilhelm aprende em sua trajetória? de  
modo a ressaltar os antagonismos que por fim se dissolvem, ou se unificam:  
Se eu tivesse de expressar com palavras secas o objetivo que  
Wilhelm, após uma longa série de erros, finalmente atinge, então eu  
3 É incorreto considerar, portanto, o primeiro Meistercomo parte de uma trilogia composta por A  
missão teatral de Wilhelm Meister, Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister e Os anos de  
itinerância de Wilhelm Meister.  
4 Em agosto de 1794, Goethe inicia uma correspondência com Schiller na qual propõe que ele discuta  
e opine sobre o romance. A importância desse intercâmbio para o autor foi expressa em diversas  
ocasiões, dentre elas destacamos as passagens: A participação de Schiller foi a mais íntima e a mais  
elevada(Diários e anuários, escritos entre 1829-1824, da seção 1795”. GOETHE, 2002, p. 619);  
Em suas cartas a mim estão os comentários e opiniões mais relevantes sobre Wilhelm Meister”  
(Conversas com Eckermann, 18.1.1825. GOETHE, 2002, p. 619).  
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O aprendiz e o aprendizado  
diria: de um ideal vazio e indeterminado, ele entra numa vida ativa  
determinada, mas sem prejuízo da força idealizante. /…/ Que ele  
então, sob a bela e alegre orientação da natureza (por meio de Felix),  
passe do ideal para o real, de uma vaga aspiração por agir e pelo  
reconhecimento do efetivo, porém sem prejuízo daquilo que naquela  
primeira condição de aspirante era real, que ele alcance  
determinação sem perder a bela determinabilidade, que ele aprenda  
a limitar-se, mas que nessa limitação mesma, novamente encontre,  
por meio da forma, a passagem para o infinito etc. isso eu  
denomino a crise da sua vida, o fim dos seus anos de aprendizado,  
e nisso me parecem unificar-se todos os princípios na obra do  
modo mais perfeito. A bela relação natural com seu filho e a ligação  
com a nobre feminilidade de Natalie garantem esse estado de saúde  
espiritual, e nós o vemos, nós nos separamos dele num caminho que  
leva para uma completude sem fim (Schiller a Goethe, 8.7.1796.  
GOETHE, 2002, p. 642-643).  
Em seguida, porém, Schiller passa a reconsiderar sua apreciação. Ele  
compreende a concepção de Goethe de que somente do interior de Wilhelm poderia  
vir o que ele busca, erroneamente, fora de si; isso, no entanto, não seria suficiente para  
fundamentar a relação entre aprendizado e maestria tal como esta se configura no  
romance. Consequentemente, da forma como se apresenta, essa relação não se  
mostraria capaz de abarcar a vida de Wilhelm como um todo.  
O modo, pois, como o senhor explica o conceito de anos de  
aprendizado e de maestria parece estabelecer entre ambos uma  
estrita fronteira. O senhor compreende o primeiro meramente o erro  
de procurar fora de si o que o interior do homem mesmo tem de  
criar; o segundo, a convicção da erraticidade daquela busca, da  
necessidade do próprio criar etc. Mas é possível compreender e  
esgotar a vida inteira de Wilhelm (tal como está diante de nós no  
romance) real e completamente sob esse conceito? Com essa fórmula  
tudo se torna compreensível? E ele pode então ser absolvido  
meramente pelo fato de se expressar nele o coração paterno, como  
acontece no desfecho do livro sete? O que eu desejaria aqui,  
portanto, seria que a relação de todos os elos singulares do  
romance fosse feita de maneira ainda mais clara sob aquele  
conceito filosófico. Eu gostaria de dizer: a fábula é totalmente  
verdadeira, também a moral da fábula é totalmente verdadeira, mas  
a relação de uma com a outra ainda não salta aos olhos de modo  
nítido o bastante (Schiller a Goethe, 8.7.1796. GOETHE, 2002, p.  
642-643).  
O amigo de Goethe percebe que Felix, e pode-se acrescentar, Natalie, não bastam  
para dar substância ao aprendizado de Wilhelm. Para a justificação do título (que é o  
que o público alemão gostaria de ver), Schiller tenta fazer com que seu sentido  
delineie-se melhor sugerindo reiteradamente que o conteúdo filosófico da obra seja  
enunciado onde for possível, pois, confessa, é meio forteque um romance assim, em  
tempos especulativos, tenha um protagonista que seja guiado de maneira tão  
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Manoela Hoffmann Oliveira  
discreta:  
Eu confesso que é um pouco forte, em nossos tempos especulativos,  
escrever um romance desse conteúdo e desse tamanho, em que ʽo  
indivíduo que é necessárioʼ seja conduzido tão silenciosamente –  
em que se permita que um caráter tão sentimental, como Wilhelm  
permanece sempre, complete seus anos de aprendizado sem o  
auxílio daquela digna guia [a filosofia]. O pior é que ele, com toda  
seriedade, realmente os completa, o que não desperta, pois, a  
melhor opinião sobre a importância daquela guia. Mas, sério como  
o senhor conseguiu educar e tornar um homem pronto sem impeli-  
lo a necessidades que somente a filosofia pode responder? Estou  
convencido de que isso só se atribui à direção estética que o senhor  
tomou no romance inteiro (Schiller a Goethe, 9.7.1796. GOETHE,  
2002, p. 646).  
Aproximando-se da ideia original de Goethe a de que somente o interior de  
Wilhelm poderia trazer-lhe o que ele buscava também para Schiller somente o  
próprio herói poderia satisfazer a própria necessidade:  
A ele não falta um certo pendor filosófico próprio a todas as  
naturezas sentimentais, e portanto ele avançaria um pouco no  
especulativo, assim, seria desejável, junto a essa falta de um  
fundamento filosófico, posicionar isso criticamente em torno dele,  
pois apenas a filosofia pode fazer o filosofar inofensivo; sem ela,  
segue-se inevitavelmente para o misticismo (Schiller a Goethe,  
9.7.1796. GOETHE, 2002, p. 647)5.  
Misticismo que acomete a bela alma (Livro VI). Assim, Schiller ressente-se da  
falta de uma clara orientação filosófica do romance, seja no entorno do herói ou de  
uma consciência filosófica desenvolvida no próprio herói. Pois somente a entronização  
da filosofia na individualidade de Wilhelm, algo que seria, aliás, próprio à sua natureza  
(Schiller encontra uma falha na caracterização), seria capaz de dotar de realismo sua  
5 Muito se discutiu na década de 1780 sobre o ingênuo”. Dentre os que trataram desse tema estão  
Diderot e D’Alambert, Kant, Wieland, Herder, Moritz e o próprio Goethe (KOOPMANN, 1998, p. 629).  
Schiller escreve Sobre poesia ingênua e sentimental (1795-1796) no mesmo período da troca mais  
intensa de cartas com Goethe a respeito do romance e foi um escrito que teve imensa influência  
sobre os contemporâneos, em especial sobre a geração dos primeiros românticos. Na distinção que  
Schiller estabelece entre as poesias antigas e modernas depreende-se claramente que as primeiras  
estão vinculadas ao mundo sensível, vivo e real; as segundas estão ligadas ao mundo ideal. Daí se  
extrai que a reflexão sentimental é mais elevada e, acrescenta Friedrich Schlegel diferenciando-a da  
objetividade dos antigos, é a interessante (Über das Studium der Griechischen Poesie, 1797). A perda  
da natureza (a influência de Rousseau é nítida), que traz sentimentos de inferioridade à época  
moderna, está, porém, ligada ao ganho de uma capacidade reflexiva, esta que por sua vez pode criar  
uma autêntica obra poética. Quando Schiller qualifica o caráter de Wilhelm como sentimental, ele tem  
em vista, portanto, não somente seu idealismo, no sentido da reflexão filosófica, mas também sua  
inclinação artística, considerando que desse balanço negativo do moderno resulta um patrimônio  
poético que somente a pretensão da arte pode preencher de modo legítimo” (KOOPMANN, 1998, p.  
631). Ver também: ZELLE, 2005.  
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trajetória e, portanto, o romance6. Schiller explica:  
Recai então sobre o senhor a exigência (a qual o senhor, ademais,  
cumpriu por toda parte largamente) de apresentar seu pupilo com  
plena independência, segurança, liberdade e solidez quase  
arquitetônica, de modo que ele possa permanecer em pé eternamente  
sem precisar de um suporte externo; quer-se vê-lo, portanto, por meio  
de um amadurecimento estético, saltar completamente até mesmo  
sobre a necessidade de uma formação [Bildung] filosófica, a qual  
ele não ministrou a si. Questiona-se, agora: ele é realista o bastante  
para nunca considerar necessário deter-se na razão pura? Porém,  
não o sendo não deveria estar um pouco mais preocupado com as  
necessidades do idealista? (Schiller a Goethe, 9.7.1796. GOETHE,  
2002, p. 647).  
Ele conclui, ademais, que é incongruente com o título do romance que o herói  
permaneça o mesmo até o final, como bem observa a respeito do comportamento do  
herói em relação às obras de arte do Salão do Passado, já quase no fim do romance:  
“é para mim ainda muito o velho Wilhelm”, o que significa que ele permanece fixado  
quase exclusivamente na mera matéria [Stoff] da obra de arte e, para mim, poetiza  
demais com isso(Schiller a Goethe, 9.7.1796. GOETHE, 2002, p. 648)7. Schiller sugere  
se não seria o caso de mostrá-lo como um observador mais objetivo, já que conhecedor  
seria mesmo impossível, e assim colocá-lo no rumo de uma crise mais feliz”. Jarno,  
lembra ele, foi usado de maneira muito adequada para dizer no livro VII uma verdade  
que conduz tanto o herói quanto o leitor a um grande passo adiante”, a saber, que  
Wilhelm não tem talento para o teatro. Depreende-se dessa observação de Schiller que,  
não fossem as palavras de Jarno, o leitor ficaria com uma nítida sensação da  
irrealização de Wilhelm, sensação que é atenuada se se considera, afinal, que Wilhelm  
não nascera para o ofício.  
A isso se liga outra dificuldade particular que se coloca na análise do conteúdo  
da realização do herói ao final do romance, a identificação dos objetivos que Wilhelm  
coloca para si. Para Schiller, Wilhelm possui objetivos inefáveis. Seu valor está em seu  
6
Em carta de 7.1.1795, Schiller confessava: Eu não posso expressar-lhe o quanto me é  
frequentemente penoso o sentimento de observar um produto desse tipo na essência filosófica. Lá é  
tudo tão alegre, tão vivo, tão harmonicamente resolvido e tão humanamente verdadeiro; aqui é tudo  
tão severo, tão rígido e abstrato e tão altamente não natural, porque toda natureza é apenas síntese  
e toda filosofia antítese” (Schiller a Goethe, 9.7.1796. GOETHE, 2002, p. 623). Posteriormente, contudo,  
Schiller considerou necessário temperar a poesia com a filosofia para dotar Wilhelm de mais realismo.  
7
Diferente do que acontece em relação a outras observações schillerianas, essas passagens da obra  
citadas por ele e referidas aqui são mantidas por Goethe tal como originalmente concebidas de  
modo que consideramos que o autor, mesmo tendo lido a censura de Schiller, tendo ou não  
concordado com a observação, viu como mais pertinente manter Wilhelm como estava.  
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estado interior [Gemüt]8, não em seus resultados, em sua aspiração, não em sua ação;  
por isso, sua vida tem de lhe parecer tão vazia de conteúdo tão logo ele queira dar  
conta disso a alguém” (Schiller a Goethe, 5.7.1796. GOETHE, 2002, p. 637). Em  
seguida, ele compara Wilhelm com Therese exatamente neste ponto: ela pode  
documentar seu valor sempre por meio de um objeto exterior”. Schiller percebe que  
o problema de Wilhelm está na exteriorização, na objetivação, e não no seu interior”.  
Ele percebe que Wilhelm não consegue concretizar; isso, entretanto, não é atribuído à  
impossibilidade de afirmação de suas disposições na atividade pela qual sentia uma  
decidida inclinação desse modo, é bastante esclarecedor que Schiller não se refira  
às condições sociais com as quais heróis é defrontado:  
Aliás, é muito belo que o senhor, com toda a devida atenção por  
certas formas positivas exteriores, rejeite, tão logo dependa de algo  
puramente humano, nascimento e estrato social em sua completa  
nulidade (Schiller a Goethe, 5.7.1796. GOETHE, 2002, p. 638).  
Ainda que Schiller considere que Wilhelm realmente completa seus anos de  
aprendizado, ele não consegue encontrar o que, afinal, palpável e concretamente foi  
aprendido pelo protagonista. Mas, então, o que acontece com Wilhelm se seus  
objetivos mal são formuláveis, se ele não amadureceu filosófica nem esteticamente?  
Schiller parece confiar no que a Sociedade da Torre avalia e reserva ao herói, e que só  
pôde ser formulado por ele de maneira abstrata: de um ideal vazio e indeterminado,  
ele entra numa vida ativa determinada”.  
Com isso, Schiller acaba por chamar a atenção para um ponto importante: para  
ele, Wilhelm não poderia, não seria lógico, almejar a maestria. O título do romance  
não é dado da perspectiva do herói, pois Wilhelm não tem esse objetivo, mas quem  
dirige Wilhelm, sim, quer instruí-lo.  
/.../ em seu livre curso, observam-no, dirigem-no de longe e para um  
objetivo do qual ele mesmo não fazia ideia, nem podia fazer. Tão  
suave e escondida é essa influência de fora quanto, porém, ela está  
efetivamente lá, e foi indispensável para atingir o objetivo poético.  
Anos de aprendizado são um conceito relacional, eles exigem seu  
correlato, a maestria, isto é, a ideia desta última tem de esclarecer  
e fundamentar aquele primeiro. Ora, essa ideia de maestria, a qual  
é obra apenas da experiência amadurecida e completa, não pode,  
porém, nortear por si mesma o herói do romance; ela não é capaz e  
8
Gemüt tem um significado primário de interioridade, vida interior, conjunto das disposições  
psíquicas e espirituais e, por essa via, alma; num segundo nível pode ainda significar sentimento,  
sensação, sentido. De acordo com o Goethe Wörterbuch, Gemüt tem tanto o significado de razão  
quanto de sentimentos, unindo assim esferas tão frequentemente separadas no século XVIII.  
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nem lhe é permitido colocar-se diante dele como sua finalidade e  
seu objetivo; pois tão logo ele cogitasse o objetivo, então ele  
também o teria alcançado eo ipso; ela tem, portanto, de se colocar  
como guia por detrás dele. Desse modo, o todo encerra uma bela  
finalidade sem que o herói tivesse um objetivo. O entendimento  
encontra assim uma tarefa realizada, ao mesmo tempo em que a  
imaginação afirma inteiramente sua liberdade (Schiller a Goethe,  
8.7.1796. GOETHE, 2002, p. 640).  
Também neste ponto a ideia fundamental, o conteúdo ideal [Ideeninhalt] que  
Schiller quer ver melhor pronunciados no romance mostram-se diretamente  
relacionados ao protagonista:  
Talvez não seria supérfluo se ainda no oitavo livro fosse mencionada  
a ocasião aproximada em que Wilhelm tornou-se em um objeto dos  
planos pedagógicos do abade. Esses planos receberiam assim uma  
relação especial, e o indivíduo Wilhelm apareceria para a Sociedade  
também mais significativo (Schiller a Goethe, 8.7.1796. GOETHE,  
2002, p. 641)9.  
Como mencionamos anteriormente, de modo geral os intérpretes da obra  
seguiram a indicação de seu título e tentaram encontrar os limites do erro e do  
aprendizado de Wilhelm, e para tanto centraram-se na questão da atividade  
profissional do protagonista. Vejamos agora o que dizem as cartas de Körner e  
Humboldt, para em seguida retornarmos aos comentários de Schiller sobre ambas as  
concepções, os quais recairão, novamente, sobre a possibilidade de realização  
individual por meio da atividade de Wilhelm Meister.  
A carta de Christian Gottfried Körner: a formação [Bildung] de um homem”  
Em 5.11.1796, quando todo o romance havia sido publicado, Körner escreve  
uma carta detalhada sobre o Meister a Schiller, logo publicada na revista editada por  
ele, Die Horen. O ensaio de Körner chegou a ser qualificado como talvez o documento  
mais rico de consequências na história da interpretação” desse romance (GILLE, 1971,  
p. 41). E com razão, pois é ele que teria dado origem à longa tradição crítica da obra  
como um Bildungsroman. O conteúdo do livro é explicado colocando em seu centro a  
figura do herói.  
Aquilo que o ser humano não pode receber de fora espírito e  
força está presente em Meister num grau para o qual não se  
colocam limites à fantasia. Seu intelecto é mais que a habilidade de  
alcançar um dado objetivo final. Seus objetivos são infinitos, e ele  
9 Klaus Gille chega a afirmar que o centro da crítica de Schiller a Os anos de aprendizado está na análise  
da relação entre o mundo da Torre e seu pupilo Wilhelm (1971, p. 24).  
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pertence à classe de seres humanos que em seu mundo é chamada a  
dominar. Na consecução disso que ele pensou com espírito, ele mostra  
seriedade, amor e perseverança. O sucesso de sua atividade  
permanece sempre num certo claro-escuro, e por isso é deixada  
livre margem para a imaginação do leitor. Nós ficamos sabendo  
apenas de sua boa aceitação no castelo dos condes, sua reputação  
entre as damas, o aplauso na exibição de Hamlet, mas nenhum de  
seus produtos poéticos nos é mostrado. Sua alma é pura e  
inocente. Sem um pensamento sobre dever, por uma espécie de  
instinto, o mal, o não nobre, são odiados, e ele é atraído pelo  
excelente. Amor e amizade são para ele necessidade, e é facilmente  
decepcionável, pois lhe é difícil punir qualquer mal. Ele anseia  
agradar, mas nunca à custa de outro. A ele é penoso impingir a outro  
qualquer sensação desconfortável, e quando ele se alegra, tudo que  
o rodeia deve desfrutar com ele. Sua plasticidade não tem  
fraquezas. Coragem e independência ele prova quando liberta  
Mignon do italiano, em como ele se defende dos ladrões, em como  
afirma sua independência frente a Jarno e ao abade. A autoridade  
pessoal do abade, a qual em um círculo de seres humanos excelentes  
é de tão grande peso, não o arrebata. Philine está lá, ela é amável,  
muito atraída por ele, mas ele não é dominado por ela. Jarno  
torna-se odiado por ele, já que exige o sacrifício do ancião e de  
Mignon. A essas disposições somam-se ainda figura receptiva,  
decoro natural, conformidade da linguagem. Para um tal ser deveria  
então ser encontrado um mundo do qual se pudesse esperar a  
Bildung não de um artista, de um homem de estado, de um erudito,  
de um homem de bom tom mas de um ser humano (Körner a  
Schiller, 5.11.1796. GOETHE, 2002, pp. 653-654).  
Körner faz uma descrição geral de Wilhelm destacando seus melhores atributos,  
mostrando-o como exemplar de uma classe de seres humanos que em seu mundo é  
chamada a dominar”, e elevando-o, por fim, a uma universalidade humana que exige  
uma formação correspondente, esta que, desse modo, torna-se altamente abstrata,  
desligada de qualquer atividade. Mas enquanto para Schiller o leitor deve se esforçar  
para encontrar a ideia diretora expressa já no título do romance, Körner, funcionário  
de justiça [Justizbeamter] artisticamente instruído, não parece ter tido essa dificuldade,  
ele vê claramente completada a formação do herói:  
Imagino a unidade do todo com a representação de uma bela  
natureza humana, a qual se forma [ausbilden] gradualmente por  
meio da cooperação de suas disposições interiores e de suas relações  
exteriores. O objetivo dessa formação [Ausbildung] é um completo  
equilíbrio, harmonia com liberdade... Quanto mais plasticidade na  
pessoa e quanto mais força moldadora no mundo que a rodeia, mais  
abundante a nutrição do espírito que esse fenômeno proporciona”  
(Körner a Schiller, 5.11.1796. GOETHE, 2002, p. 653).  
Körner considera que a formação de Wilhelm resulta dacooperação de suas  
disposições interiores e de suas relações exteriores”, interação que tende ao equilíbrio  
e à harmonia com liberdade. Novamente divergindo de Schiller sem saber Körner  
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diz: todos esses preparativos não foram suficientes para a formação [Bildung] de  
Meister. O que a completou foi uma criança um pensamento amável e altamente  
verdadeiro” (Körner a Schiller, 5.11.1796. GOETHE, 2002, p. 656). Em suma, enquanto  
Körner concorda inteiramente com a visão que a Sociedade da Torre transmite a  
Wilhelm a respeito de sua trajetória e de seu necessário destino, Schiller questiona  
Goethe sobre o tratamento de diversos assuntos que poderiam sustentar apenas  
fragilmente a felicidade do herói (a começar pela não pronunciação da ideia, mas  
também a insuficiência em atribuir à paternidade de Felix a causa da redenção do  
herói).  
Körner apossa-se do objeto e fala dele com certa propriedade. De uma  
apreciação de Goethe sobre a interpretação de Körner, contudo, não há registro. O  
autor grifou somente uma frase na carta de Körner da qual havia gostado  
principalmente: Especial arte encontro no entrelaçamento entre os destinos e os  
caracteres” (Körner a Schiller, 5.11.1796. GOETHE, 2002, p. 653) por sinal, questão  
presente no ritual de aprendizado de Wilhelm Meister no Livro VII e mesmo teor de  
uma frase de Therese a Wilhelm.  
Entre Schiller, Wilhelm von Humboldt e Körner, este último é o único que  
compreende o romance marcadamente pela sobrelevação do herói. Essa maneira de  
interpretar advém diretamente da teoria de Christian Friedrich von Blanckenburg  
(Versuch über den Roman, 1774), para quem o tema exemplar do romance consistiria  
no aperfeiçoamento de um caráter, e todas as circunstâncias agiriam para seu  
desdobramento10.  
10 Assim, tanto para Blanckenburg quanto para Körner, nenhum personagem seria passível de tal  
desenvolvimento somente o herói. Após o exemplo de Agathon, Blanckenburg desenvolveu a  
exigência de que o romance deveria apresentar o indivíduo efetivo e explicar, sobretudo, o interior  
humano. Tal formulação já sugere que o romance não deve apresentar o herói com qualidades  
imutáveis, ao contrário, deve mostrar um ser humano completo no processo de tornar-se[einen  
ganzen werdenden Menschen] (JACOBS/KRAUSE, 1989, p. 52). O objetivo do romance seria a formação  
do caráter: Ausbildung, Formung des Charakters (SELBMANN, 1988). Blanckenburg fala da história  
interiorde um herói (e não da representação de uma sequência de ações externas) como o essencial  
e próprio de um romance”, estabelecendo assim o fundamento psicológico do romance. Trata-se de  
conceder perfectibilidade, não perfeição, ao herói do romance. O herói passivo do Bildungsroman, nas  
palavras de Plett (2002), cujo tornar-se estaria não no agir, mas no deixar agir[Tun-Lassen], já estaria  
modelado em Blanckenburg. Da mesma forma que estão aqui os contornos do herói romanesco  
problemático” do século XIX. Blanckenburg acaba por limitar o romance à história interior, de modo  
a complementara épica, tradicionalmente fundada em acontecimentos exteriores ligados à história  
mundial”. Não haveria, portanto, uma contraposição de ambos neste ponto. Tampouco haveria uma  
invasão de território quanto à forma: enquanto o romance moderno é narrado em prosa, a épica clássica  
é versificada [Versepos]. Ao mesmo tempo, afirma-se dessa forma o igual valor de realidade que o  
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A carta de Wilhelm von Humboldt: a fraqueza do herói (contraposição a Körner)  
Numa carta de 24.11.1796 a Goethe, Humboldt contrapõe-se frontalmente à  
interpretação de Körner, ainda que comece por elogiar (sem, no entanto, explicitar) a  
perspectiva principal daquela. Em seguida, critica a apreensão do colega do caráter de  
Meister a interpretação de Körner, todavia, apoia-se exatamente aí. Humboldt não  
concorda com a leitura otimista feita de Wilhelm Meister. Körner  
parece encontrar nele um conteúdo com o qual a economia do todo,  
como eu acredito, não poderia existir, e, ao invés disso, ele não  
parece ter encontrado suficientemente, como me parece, sua  
determinabilidade ininterrupta sem quase toda determinação real,  
seu contínuo aspirar para todos os lados sem decidida força natural  
para um deles, sua irrefreável inclinação para refletir e sua tepidez, se  
eu não devo dizer frieza, da sensação, sem a qual seu comportamento  
após as mortes de Mariane e Mignon não seriam compreensíveis. E,  
contudo, esses traços são para o romance como um todo da mais  
alta importância (Humboldt a Goethe, 24.11.1796, GOETHE, 2002, p.  
659).  
Para Humboldt, Meister  
descreve o mundo e a vida completamente como eles são,  
inteiramente independentes de uma única individualidade e  
exatamente por isso abertos para toda individualidade. Inclusive em  
todas as demais obras primas desse gênero, tudo sustenta o  
caráter do protagonista por semelhança ou contraste. No Meister,  
tudo e para todos, e cada indivíduo e o todo, está completamente  
determinado pelo intelecto e pela fantasia. Por isso, todo ser humano  
reencontra no Meister seus anos de aprendizado (Humboldt a Goethe,  
24.11.1796, GOETHE, 2002, p. 659).  
E finaliza:  
É ruim que o título de Os anos de aprendizado não seja  
suficientemente observado por alguns e, por outros, seja mal  
compreendido. Os últimos, por essa razão, não detêm a obra por  
acabada. E, porém, não é isso, se Os anos de aprendizado de Meister  
devem significar a completa formação [Ausbildung], educação  
[Erziehung] de Meister. Os verdadeiros anos de aprendizado estão  
terminados, agora Meister interiorizou a arte de viver, agora entendeu  
que para se ter algo, um tem de receber e o outro tem de lhe sacrificar  
(Humboldt a Goethe, 24.11.1796, GOETHE, 2002, p. 660).  
A ironia (e a consequente ambiguidade) com a qual o narrador acompanha o  
mundo interiortem frente ao exterior”. E por ser o caráter do herói tão decisivo no novo romance  
que surgia, o livro de Blanckenburg, na primeira parte, é mais sobre drama que romance. Quanto ao  
caráter, a única diferença entre ambos é que o drama mostra apenas caracteres já prontos e formados,  
enquanto o romance mostra o processo de formação [Bildungsprozess] em seu curso. (Essa definição  
aparece meses antes do Werther, em 1774, ser publicado.)  
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O aprendiz e o aprendizado  
herói causam certo incômodo ao leitor que queria ver aquela ideia de formação plena  
e belamente realizada. Humboldt percebe a ironia contida em Meister, assim como  
Schiller, mas Körner, não. Para este, a plasticidade de Wilhelm não tem fraquezas11.  
Ao posicionar-se contra Körner, Humboldt inaugura uma linha de interpretação  
quase tão forte de Os anos de aprendizado: a qualidade do romance consiste na  
individualidade do protagonista ser deixada quase indeterminada, relativizando desse  
modo a posição central do herói. Marca-se assim uma despedida da observância  
poética do romance de Blanckenburg, que mantinha a validade da possibilidade de  
identificação com o herói como uma categoria central (Wirkungspoetik). Humboldt  
orienta-se pela épica em sua interpretação do romance, com isso, a fraqueza e a palidez  
da figura de Wilhelm são ressaltadas, o que atenua também suas aspirações  
profissionais (GILLE, 1971, p. 44). A completude da obra, porém, estaria assegurada,  
na medida em que Meister interioriza a arte de viver”. A perspectiva de análise que  
insere novamente o romance nos quadros da épica, determinando a fraqueza do herói,  
será posteriormente retomada por Friedrich Schlegel e também por Friedrich Schelling.  
A posição de Schiller frente a Körner e Humboldt: Wilhelm é o mais necessário,  
mas não o mais importante  
Em 28.11.1796, Schiller escreve a Goethe comentando as asserções de  
Humboldt e Körner evitando sabiamente o ponto em disputa, a saber, o teor  
do aprendizado, Schiller acaba por concentrar-se no caráter de Meister. Reconhece que  
o mais característico de Os anos de aprendizado é não estar ligado ao protagonista.  
Mas, para ele, ambas as posições são extremas, enquanto Humboldt despreza  
completamente o protagonismo de Wilhelm, Körner observa demais o caráter do herói  
como o convencional de um romance: o título da obra e a tradição literária seduziram-  
no. Na opinião de Schiller,  
Wilhelm Meister é na verdade a pessoa mais necessária, mas não  
a mais importante; exatamente isto pertence às peculiaridades de  
seu romance: que ele não tenha e nem precise de tal pessoa mais  
importante. Tudo acontece ao lado e em volta dele, mas não  
propriamente por sua causa; exatamente porque as coisas  
representam e expressam as energias, mas ele representa e expressa  
a plasticidade, ele tem de ter um relacionamento completamente  
diferente com os outros caracteres [Mitcharakter] do que tem o  
11 Essa apreciação “é um exagero grotesco e atesta falta de sentido para a ironia com a qual o narrador  
trata seu herói” (GILLE, 1971, p. 37).  
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herói em outros romances (Schiller a Goethe, 28.11.1796. GOETHE,  
2002, p. 651).  
Ele acha Humboldt injusto demais com o caráter de Wilhelm, e não entende  
exatamente como ele considera que o poeta poderia ter por acabado o romance se  
Meister fosse uma criatura indeterminada e sem conteúdo”. E significativamente,  
prossegue:  
Se a humanidade, de acordo com todo seu conteúdo, não é realmente  
evocada no Meister e colocada em jogo, então o romance não está  
pronto, e se Meister não é absolutamente capaz disso, então o senhor  
não tinha permissão para escolher esse caráter12. De fato, para o  
romance é uma circunstância delicada e complicada que ele não  
encerre, na pessoa de Meister, nem com uma decidida  
individualidade nem com uma realizada idealidade, mas com uma  
coisa intermediária entre ambas. O caráter é individual, mas apenas  
segundo as limitações e não segundo o conteúdo, e ele é ideal, mas  
apenas segundo as possibilidades. Ele nos recusa, por  
conseguinte, a satisfação mais próxima, a qual nós exigimos (a  
determinação), e promete-nos uma mais alta e a mais alta, a qual  
nós temos de creditar a ele, porém, num futuro distante. Muito  
estranho é como tanta disputa no julgamento ainda é possível com  
um tal produto (Schiller a Goethe, 28.11.1796. GOETHE, 2002, pp.  
651-652).  
Como já havia ficado claro, Schiller percebe o papel central de Wilhelm, já que o  
herói do romance tem de cumprir uma missão muito especial, a de representar toda a  
humanidade, porém, ele vê que Wilhelm é um tipo especial de herói romanesco e, por  
isso, não pode concordar com a unilateralidade de Körner e Humboldt. Quanto à  
realização do herói, Schiller percebe também que ela conta com a condescendência do  
leitor, já que ela não é dada nas fronteiras do romance, mas colocada para além dele  
e nisso o leitor deve crer, para que possa compreender e sentir Wilhelm como  
realizado e o romance como bem acabado.  
Os estudos de Friedrich Schlegel: a ironia da arte de viver  
Na primeira recepção abordada até aqui, temos delineadas as principais posições  
que a crítica assumiria frente à obra de Goethe e, especialmente, sobre Wilhelm Meister  
e sua realização individual. Ainda que a interpretação imediatamente subsequente às  
12 Lukács possui uma ideia similar: /…/ mesmo quando se baseia no mais abstrato e no mais exclusivo  
dos individualismos, o objeto da literatura é estabelecer uma relação entre o indivíduo e o mundo  
exterior, com a sociedade presente, e, por outro lado, certa universalização inelutável, tanto do sujeito  
como do objeto; quer ele queira quer não, o que o escritor escreve diz respeito ao destino de toda a  
humanidade” (1968, p. 102).  
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primeiras represente uma inovação importante nos estudos sobre Wilhelm Meister, no  
tocante ao herói, Schlegel alinha-se com os seus antecessores, especialmente  
Humboldt. A ideia pedagógica que orienta o romance foi identificada como central  
também pelos românticos que compõem a segunda fase da recepção do romance  
(GILLE, 1971, p. 16).  
A segunda fase da história da recepção de Wilhelm Meister consiste  
na crítica dos primeiros românticos [Frühromantik] Friedrich Schlegel  
(1772-1829) e Novalis (Friedrich von Hardenberg, 1772-1801). O  
romance goethiano foi para eles tão importante que contribuiu para  
que desenvolvessem sua própria concepção de poesia (BAHR, 1982,  
p. 300). Assim é resumido o contexto dessa influência:  
Os anos de aprendizado de Goethe situam-se, em seu aparecimento  
(1795/96), no meio de um contexto de ruptura literária. Seu efeito  
sobre os jovens autores foi grande, o romance constituiu um  
fermento para as discussões políticas, poetológicas e científico-  
naturais do primeiro romantismo. As consequências foram reações  
importantes e congeniais, assim a grande recensão de Friedrich  
Schlegel na Athenäum de 1798, que coroa as primeiras discussões,  
e a segunda recensão de 1808 nos Heidelbergischen Jahrbücher,  
que extrai a soma de tal efeito e ao mesmo tempo encerra  
provisoriamente  
a
discussão em torno do romance /.../  
(NEUMANN/DEWITZ, 1989, p. 889).  
No fragmento n.216 (1798) da revista romântica Athenäum, Schlegel coloca  
Wilhelm Meister entre os mais significativos acontecimentos daqueles tempos: A  
Revolução Francesa, a doutrina da ciência de Fichte e o Wilhelm Meister de Goethe são  
as maiores tendências da época”. Num esboço de 1797 (desconhecido no período)  
fica mais claro o que Schlegel entende por tendência”: As três maiores tendências  
de nossa época são a doutrina da ciência, Wilhelm Meister e a Revolução Francesa.  
Mas todas as três são apenas tendências sem realização sólida(apud BAHR, 1982, p.  
301)13.  
A recensão de 1798 consolidou-se como uma das mais relevantes sobre o  
romance e como a que desenvolveu ao mesmo tempo os princípios mais importantes  
da poesia romântica. Ela foi a primeira a tratar do romance de modo abrangente (à  
época, o único empreendimento comparável seriam as cartas de Schiller, mas elas  
foram publicadas somente três décadas mais tarde). Schlegel detém-se na  
13 E ainda: Todos as poesias (obras) incompletas são tendências, esboços, estudos, fragmentos, ruínas”  
(SCHLEGEL apud GILLE, 1971, p. 101); todos os livros preferidos têm algo de falsa tendência /…/  
os livros de formação não menos; Meister(SCHLEGEL, F. Zur Poesie und Litteratur. II, Nr. 413, ebd.  
p. 287 apud BIRUS, 2001).  
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Manoela Hoffmann Oliveira  
organização” (In GOETHE, 2002, p. 668) interna do romance e no papel do narrador,  
reconhecendo a influência da ironia (e com isso vislumbramos a importância do livro  
para a ironia romântica”); e observa o fato de Goethe tomar a poesia como objeto da  
poesia na discussão sobre Hamlet outro aspecto central na compreensão romântica  
da poesia14.  
Assim como em Humboldt, o tema de Os anos de aprendizado é interpretado  
por Schlegel como os anos de aprendizado da arte de viver”, nos quais nada mais é  
aprendido do que a arte de viver”; ao invés da uma educação bem sucedida de um ou  
outro indivíduo, o romance deve representar a Bildung mesma em exemplos variados  
e em fundamentos simples” (In GOETHE, 2002, p. 675). Sobre a Bildung de Wilhelm,  
Schlegel fala da inutilidade de seu aspirar, tanto mais grave porque o herói resume-se  
a esse contínuo aspirar, mas pior ainda porque ele não apenas não alcança seus  
desejos, como é usado por outros e zombado por ser como é.  
Seu completo fazer e ser consiste quase apenas no aspirar, querer  
e sentir, e embora nós prevejamos que somente tarde ou nunca ele  
agirá como homem, sua plasticidade ilimitada anuncia, todavia, que  
homens e mulheres fazem de sua educação um negócio e um  
divertimento /.../ (In GOETHE, 2002, p. 663)15.  
Novalis: crítica à economia e à razão  
Novalis pertence aos grandes admiradores e opositores de Wilhelm Meister,  
como testemunham aforismos e fragmentos de 1798-1800. Ele admira a arte de  
Goethe, elogia-o como poeta da realidade: Nele tudo é ato como em outros tudo é  
apenas tendência. Ele faz realmente algo, enquanto outros fazem apenas algo possível  
ou necessário” (In GOETHE, 2002, p. 683). A ironia do romance é identificada como  
romântica: a filosofia e a moral do romance são românticas. O mais ordinário é visto  
14  
Apesar da influência que as filosofias idealistas de Kant e sobretudo de Fichte exerceram sobre  
Friedrich Schlegel, a ênfase de ambas na crítica de Meister é diversa da de Schiller. Pois ao invés do  
conteúdo filosófico, da ação, da natureza e da formação dos protagonistas, Schlegel acentua sobretudo  
o tipo de representação’ e a ironia” (BIRUS, 2001, p. 7).  
15  
Deixemos Goethe finalizar: “É inegável que Schlegel sabe infinitamente muito, e quase nos  
assustamos com seus extraordinários conhecimentos e sua grande erudição. Mas nada é feito com isso.  
Toda instrução ainda não é julgamento. Sua crítica é completamente unilateral, de modo que quase em  
todas as peças teatrais ele vê apenas o esqueleto da fábula e do arranjo e prova sempre apenas  
pequenas similaridades com grandes precursores, sem se preocupar minimamente sobre o que o autor  
nos demonstrou da vida graciosa e da Bildung de uma alma elevada. Mas de que servem todas as  
artes do talento, se de uma peça teatral não nos vem de encontro uma personalidade amável ou  
grande do autor, desse único que transita na cultura do povo?(Goethe a Eckermann, 28.3.1827.  
GOETHE, 1987, p. 524).  
Verinotio  
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nova fase  
   
O aprendiz e o aprendizado  
e representado, com ironia romântica, como o mais importante” (In GOETHE, 2002, p.  
684). Mas crítica recai, principalmente, sobre o prosaísmo da obra, a economia e a  
razão.  
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister são completamente  
prosaicos e modernos. O romântico destrói-se nisso também a  
poesia da natureza, o maravilhoso ele trata meramente de coisas  
humanas triviais a natureza e o misticismo são inteiramente  
esquecidos (Novalis, 1798/1799. GOETHE, 2002, p. 685).  
Parece inegável que Meister possua em sua caracterização elementos românticos  
presentes em seus motivos mais frequentes, como a nostalgia e o amor ou a ligação  
entre os humores do protagonista e a natureza16. Ainda que não deem a coloração  
decisiva do romance, o pessimismo, a religião e a morte são traços também fortemente  
presentes na história de Wilhelm, e embora não pertençam propriamente ao caráter  
do protagonista, materializam-se na atmosfera que o rodeia durante a maior parte de  
sua trajetória.  
Observando também as estruturas tal como Schlegel, Novalis chega a um  
resultado mais convencional no que concerne ao herói do romance e sua atividade.  
Um escritor de romance faz um tipo de final rimado [bouts rimé] –  
que torna uma dada quantidade de acasos e situações uma linha  
bem ordenada e consequente que Um indivíduo oportunamente  
atravessa por meio de todos esses acasos rumo a Uma finalidade.  
Ele tem de ser um indivíduo característico, que determina os  
acontecimentos e é por eles determinado. Esse intercâmbio, ou as  
mudanças de Um indivíduo em uma linha contínua perfazem o  
interessante material do romance. Um escritor de romance pode  
criar obras de modo diverso ele pode, por exemplo, imaginar  
primeiro uma quantidade de acontecimentos e imaginar para a  
vivificação dessas em indivíduo / uma quantidade de estímulos, e  
inventar para esses uma constituição especial por eles diversamente  
mutante e especificadora / ou ele pode fixar-se, contrariamente,  
primeiramente num indivíduo de tipo próprio e, para este, inventar  
uma quantidade de acontecimentos... Quanto maior o poeta,  
menor é a liberdade que ele se permite, mais filosófico ele é. Ele se  
contenta com a escolha voluntária do primeiro momento e  
desenvolve depois apenas as disposições desse cerne até sua  
resolução. Todo cerne é uma dissonância um mal-entendido que  
deve paulatinamente se equilibrar. Esse primeiro momento  
compreende os elementos de alternância em uma relação que  
não deve permanecer assim por exemplo em Meister aspirar  
pelo mais elevado e situação de comerciante. Isso não pode ficar  
assim um tem de ser senhor do outro Meister tem de abandonar  
16  
Relação nitidamente representada em Werther e também problematizada na Empfindsamkeit: a  
natureza torna-se uma força primordial de uma estética emocional, deixando de ser somente um refúgio  
íntimo.  
Verinotio  
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nova fase  
 
Manoela Hoffmann Oliveira  
a posição de comerciante ou a aspiração tem de ser aniquilada –  
Poder-se-ia melhor dizer sentido para a bela arte e vida de  
negócio combatem-se por Meister dentro dele. O primeiro e o  
segundo beleza e utilidade são as deusas, as quais aparecem  
para ele sob diferentes figuras em encruzilhadas Finalmente chega  
Natalie e ambos os caminhos e ambas as figuras convergem em um  
(Novalis, 1798. GOETHE, 2002, p. 682).  
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Meisters Lehrjahre. Stuttgart: Reclam, 1982.  
BIRUS, Hendrik. Grösste Tendenz des Zeitalters oder Ein Candide, gegen die Poësie  
gerichtet? Friedrich Schlegels und Novalis Kritik des Wilhelm Meister. Disponível  
em:  
(Acesso em 12.05.2023)  
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Verinotio  
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nova fase  
O aprendiz e o aprendizado  
MÜLLER, Friedrich von. Goethes Unterhaltungen mit dem Kanzler Friedrich von Müller.  
Hrsg. von C. A. H. Burkhardt. Stuttgart: Cotta, 1870.  
NEUMANN/DEWITZ. Kommentar. In Goethe, J.W. Wilhelm Meisters Wanderjahre.  
Frankfurter Ausgabe I, 10. 1989.  
NOVALIS. In GOETHE, Johann Wolfgang von. Wilhelm Meisters Lehrjahre. Werke,  
Kommentare und Register. Hamburger Ausgabe in 14 Bänden. Vol. 7. Romane und  
Novellen II. Erich Trunz (Org.). München: C.H. Beck, 2002.  
OLIVEIRA, Manoela Hoffmann. A sociedade é inefável. Sobre a individualidade do  
protagonista de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister(1795/96), de  
Goethe. Tese de doutorado em Ciências Sociais. IFCH/Unicamp, 2014.  
PLETT, Bettina. Problematische Naturen? Held und Heroismus im realistischen  
Erzählen. Paderborn, München: Schöningh, 2002.  
SCHILLER, Friedrich von.Briefwechsel Goethe Schiller. In GOETHE, Johann Wolfgang  
von. Wilhelm Meisters Lehrjahre. Werke, Kommentare und Register. Hamburger  
Ausgabe in 14 Bänden. Vol. 7. Romane und Novellen II. Erich Trunz (Org.). München:  
C.H. Beck, 2002.  
SCHLEGEL, Friedrich. Ueber Goethes Meister. In: Athenaeum. Eine Zeitschrift von  
August Wilhelm Schlegel und Friedrich Schlegel. Vol. 1, 2. Stück, 1798.  
SELBMANN, Rolf. Zur Geschichte des deutschen Bildungsromans. Darmstadt, 1988.  
ZELLE, Carsten. Über naive und sentimentalische Dichtung. Theoretische Scriften. In  
LUSERKE-JAQUI, Matthias (Org.). Schiller-Handbuch. Leben-Werk-Wirkung.  
Stuttgart/Weimar: Metzler, 2005.  
Como citar:  
OLIVEIRA, Manoela Hoffmann. O aprendiz e o aprendizado: gênese e primeiras  
recepções de Wilhelm Meister, de Goethe. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp.  
01-19; jul-dez, 2023.  
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nova fase  
dossiê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.689  
Da crítica de arte na imprensa brasileira  
Revendo e atualizando a arte e a crítica nos anos 1980  
Art criticism in the Brazilian press  
Reviewing and updating art and criticism in the 1980s  
Ronaldo Rosas Reis*  
Resumo: Versão adaptada e atualizada do  
ensaio “Geração 80, um rótulo na imprensa”,  
Abstract: Adapted and updated version of the  
essay “Generation 80, a label in the press”,  
published in 2004. The purpose is to  
publicado em 2004.  
O
propósito  
é
problematizar o tema geral do pós-modernismo  
na esfera cultural-acadêmica do país tendo a  
Crítica de Arte e o aparato dos Conglomerados  
de Mídia como alguns dos principais indutores  
da relação de causalidade entre o libertarismo  
problematize  
the  
general  
theme  
of  
postmodernism in the cultural-academic sphere  
of the country, taking into account Critic of Fines  
Art and the apparatus of Media Conglomerates  
as some of the main inducers of the causal  
relationship between libertarianism and  
liberalism as the foundation of current  
irrationalism.  
e
o
liberalismo como fundamento do  
irracionalismo atual.  
Palavras-chave: Imprensa, crítica de arte,  
geração 80, Brasil  
Keywords: Press, art criticism, 80s generation,  
Brasil  
Introdução  
A Geração 80 tinha virado uma marca. Ouvia do Carlos Fiuza, um  
artista que andava infeliz como eu: “se você não é Geração 80 você  
não é nada”. Era verdade (CURY, A oficina da convivência, 2023)  
Os fatos e personagens de grande importância na história do mundo  
ocorrem, por assim dizer, por duas vezes: a primeira vez como  
tragédia, a segunda como farsa (MARX, O 18 Brumário de Luís  
Bonaparte, 1974)  
Há tempos realizei um estudo acadêmico sobre a emergência midiática do então  
chamado fenômeno Geração 80 (G80) no festivo e controverso ambiente cultural  
brasileiro daquela década marcada pela ascensão da luta política contra a ditadura  
civil-empresarial-militar1. Tendo participado perifericamente dos grandes eventos das  
*
Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com Estudos Pós-  
Doutorais em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Educação pela Universidade Federal de  
Minas Gerais. Professor Titular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Pintor e desenhista –  
Instagram @ronaldorosa63 ronaldorosas.uff@gmail.com  
1 Cf. REIS (1994).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2 jul-dez, 2023  
nova fase  
   
Da crítica de arte na imprensa brasileira  
artes plásticas no Rio de Janeiro entre 1981 e 1985, eu havia travado contato com  
alguns dos artistas que se tornaram protagonistas da cena artística do período, cujo  
pano de fundo era a emergência do debate sobre o pós-modernismo no meio de arte.  
Já em fins daquela década, quando então eu rastreava os cadernos culturais dos  
grandes jornais brasileiros à procura de elementos para organizar um roteiro de estudo  
de doutoramento sobre as relações entre a mídia e a cultura no período da abertura  
política do país, dei-me conta do fato de que tudo que havia lido sobre teatro, dança,  
música e cinema nos anos anteriores nas páginas dos jornais dos grandes  
conglomerados brasileiros de comunicação, trazia no corpo da matéria um sujeito-  
protagonista dando a sua opinião, estabelecendo paralelos com outros modos de ver  
o momento e a situação do país. Enfim, um músico, artista ou diretor de teatro com  
nome e sobrenome que, respondendo por aquilo que criava e produzia, também  
refletia sobre o conjunto da produção cultural naquele contexto histórico.  
Contrariamente a isso, quando a matéria era sobre as artes plásticas, constatava que  
imperava uma algazarra ensurdecedora de atravessadores do assunto, tais como  
animadores culturais, jornalistas/colunistas, publicitários, críticos, marchands e  
galeristas, quase todos incensando e rotulando uma novíssima geração de artistas, a  
Geração 80 (G80). Mais atenção me chamou foi o contraste entre tal gritaria e o silêncio  
dos artistas, algo tão evidente que a minha reação foi a de procurar alguns daqueles  
compulsoriamente enquadrados no rótulo e, dando-lhes voz, perguntar-lhes o óbvio:  
como se sentiam sob essa tutela?2  
Em 2004, passada uma dezena de anos, revendo aquele texto original a fim de  
escrever um ensaio resumido sobre o tema3, achei por bem destacar do conjunto  
integral do estudo acadêmico basicamente os aspectos relacionados à insistência com  
que os cadernos culturais da mídia se mantinham apegados ao rótulo G80 criado como  
demanda ideológica na arte brasileira em contraposição aos movimentos  
construtivistas (concreto e neoconcreto) dos anos 1950, à arte pop e ao  
conceitualismo politizado que dominaram as décadas 1960 e 1970. Nesse novo texto,  
além de contextualizar com mais precisão as demandas ideológicas dos  
2 Entre 1992 e 1993 entrevistei os seguintes artistas: em Belo Horizonte, Isaura Pena, Mario Azevedo,  
Monica Sartori e Rosangela Renó; no Recife, Alexandre Nóbrega e José Patrício; em São Paulo, Leda  
Catunda e Sergio Romagnolo; e no Rio de Janeiro, Armando Mattos, Beatriz Milhazes, Daniel Senise,  
Jorge Barrão, e Ricardo Basbaum.  
3 Cf. REIS (2004).  
Verinotio  
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nova fase  
   
Ronaldo Rosas Reis  
conglomerados de mídia com vista à metamorfose teleológica rumo ao pós-  
modernismo, coloquei em destaque o contraponto crítico exercido pelos artistas  
plásticos em relação ao que escreviam os agentes da mídia, isto é, os  
jornalistas/colunistas de arte promotores da G804.  
Hoje, observando especificamente a particularidade do desenvolvimento do que  
se passou nesse tempo no meio de arte entre nós, vislumbro na presente chamada  
temática de Verinotio5 a oportunidade de problematizar o alcance da insistência da  
mídia e do mercado em manter embaralhado qualquer esforço de compreensão do  
que seja uma história da arte no Brasil. E é nessa condição de retorno ao vivido como  
experiência prática e teórica que retomo a ideia de um “lugar nenhum” como  
constituinte do meio de arte brasileiro há tempos discutida pelo professor e crítico  
Paulo Venâncio Filho (1981). Isto é, a ideia de que a produção artística do país tem  
sua existência pautada pela “permanente condição de começar de novo [...]”, onde o  
contemporâneo, o moderno e o acadêmico se apresentam com os seus significados  
desordenados, sem nexos e hierarquia histórica. Uma produção ficcional, avalia ele, em  
termos de uma história da arte, existindo apenas “para efeitos práticos do mercado  
(Idem, idem, pp. 23-25). No entanto, faltando pouco menos de um ano para completar  
três décadas desde a publicação do estudo original, tal questão particular do meio de  
arte brasileiro não se limita apenas ao que nele está circunscrito. Indo além, a questão  
remete ao assombro do jogador da metáfora do poeta francês Paul Valéry ao constatar  
que a mão do seu futuro tem cartas nunca vistas antes, e que as regras do jogo são  
modificadas de jogador para jogador6. E nesse ir além, se a metáfora poética traduz  
por antecipação a sublimação do sujeito físico pela automação invisível, tal como  
descreve Guy Debord na sua obra A sociedade do espetáculo (1997), sabe-se  
igualmente verdadeira que a competência para tal fim se situa no submundo intelectual  
do jornalismo capitalista, cuja tarefa permanente é difundir o extrato de falácias  
produzido pela ação do mercado. Com efeito, dentre as múltiplas falácias que faz  
mover a lógica reprodutiva do sistema capitalista global o mais recorrente deles é o  
Vazio Cultural, um silogismo disjuntivo pois que traz na sua formulação mesma a  
4 Vale esclarecer que ao retomar tal problemática no ensaio de 2004, me dei conta da presença rarefeita,  
uma quase ausência, de estudos sobre o pós-modernismo no campo da educação, em especial na  
educação estética, circunstância essa que me levaria a dedicar mais tempo aos temas voltados para essa  
pauta. Sobre esse assunto ver REIS (2005); (2009); (2010); e (2015), este último com DUAYER.  
5 Cf. Arte prática e crítica.  
6 Ver HARRINGTON (1967).  
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Da crítica de arte na imprensa brasileira  
solução para um falso problema criado. Tal como encontramos em mudar para  
conservar (LAMPEDUSA, 2002), e em Florestan Fernandes ao atribuir à prática política  
nacional o hábito recorrente de operar o mudancismo teleológico servindo tanto para  
“despertar falsas esperanças e crença na transformação automática da sociedade”  
como para “vitalizar o conservantismo” (1986, pp. 12-49). Uma estratégia para dirimir  
o “atraso” de décadas, em verdade revelam-se objetivos inconfessáveis da  
intelligentsia burguesa pois funcionam no sentido de sublimar a pressão que esta  
sente do sofrimento com a “decadência” (FREUD, 1997) como também para  
“conquistar posições de poder” (FERNANDES,1986) 7. Ocorre-me, nesse sentido, a  
lembrança dos textos apelativos alguns ridiculamente dogmáticos dos agentes  
ideológicos que nos anos 1980 engendraram no meio de arte brasileiro o télos ético-  
estético pós-modernista fundado numa relação de causalidade entre libertarismo e  
liberalismo. Ocorre-me ainda, conforme pretendo examinar no decorrer do texto, a  
possibilidade de que a expansão desse nexo causal para o ambiente cultural como um  
todo, resultou numa sociabilidade somatizada por traços anarcofascistas tal como se  
evidencia em diversos países, como, por exemplo, EUA, Brasil, Itália, França e Hungria.  
Além desta Introdução o artigo traz na primeira seção uma revisão sumariada  
dos principais fatos relacionados com as transformações globais no plano macro. Em  
seguida buscando contextualizar a emergência do tema do debate sobre o pós-  
modernismo no mundo e no ambiente cultural brasileiro à época da abertura política  
e da transição democrática, são traçadas resumidamente algumas das principais linhas  
de pensamento daquele debate. Na sequência é abordado o surgimento do rótulo ou  
marca G80 no colunismo de arte dos conglomerados de mídia e na quarta seção o  
ponto de vista dos jornalistas/colunistas relacionando a arte pós-moderna e a G80,  
além de algumas repercussões dos artistas comentando a prática da crítica artística.  
Por fim, conclusivamente, mediante a problematização da mudança do télos ético-  
estético operada pela crítica de arte agenciada pela imprensa, busco refletir sobre o  
nexo causal entre libertarismo e liberalismo pós-moderno, entendendo-o como parte  
do processo de destruição da razão8 e, por conseguinte, uma das fontes do  
anarcofascismo corrente nas últimas duas décadas.  
7 Ver ainda REIS (2005, pp. 104-111)  
8 Ver LUKÁCS (1968), em especial o que se apresenta no epílogo da obra.  
Verinotio  
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nova fase  
   
Ronaldo Rosas Reis  
A volta para o futuro do pretérito composto  
Em fins dos anos 1950, o caráter sistêmico das crises do capitalismo que haviam  
levado o mundo a duas grandes guerras, haveria de incorporar a médio e longo prazo,  
ainda que de modo fortuito, um conjunto de manifestações sociopolíticas e culturais  
originariamente antissistema. Dessa dialética negativa emergiria o modelo político-  
econômico neoliberal de sociabilidade que, desde então tem alimentado a relação de  
causalidade entre liberalismo e libertarismo, fundamento do estado anarcofascista há  
tempos emergente em governos e facções políticas nos EUA, Brasil, Hungria, Itália,  
França e dezenas de outros países ocidentais, conforme pretendo abordar mais  
adiante9. Com efeito, em fins dos anos 1960, figuras como Margareth Thatcher (Grã-  
Bretanha), Ronald Reagan (EUA) e Helmuth Kohn (Alemanha), assumiriam a liderança  
política dos seus respectivos países, impondo o retorno ao estado pretérito do  
liberalismo do tipo laissez-faire, laissez-aller, laissez- passer. Por longos anos essa  
nova cepa de dirigentes ocidentais com ideias radicalmente liberais, esteve à frente do  
projeto de redefinição teleológica do capitalismo tendo por base o escopo  
sociopolítico-econômico de que “governo não é a solução, mas o problema” (REAGAN  
apud HOBSBAWM, 1995, p. 401)10. Desde então o télos a ser perseguido passaria a  
ter o mercado como fio político condutor das operações transnacionais do sistema  
capitalista ocidental, proporcionando o surgimento de uma nova ordem econômica  
mundial “por sobre as barreiras da ideologia do Estado” (HOBSBAWM, 1995, p.12-  
19).  
Na América Latina, os primeiros efeitos negativos da expansão global da política  
econômica neoliberal foram sentidos em fins dos anos 1970 na plena vigência das  
ditaduras militares-civis empresariais. No Brasil especialmente, a redução drástica dos  
investimentos estrangeiros que em grande parte sustentava o regime de exceção  
deixando-o artificialmente ao largo da crise mundial daquela década, levaria o país a  
uma inflação devastadora associada a uma recessão sem precedentes. Diante do  
conteúdo explosivo da economia e da crescente insatisfação popular, os donos do  
regime ditatorial criariam uma agenda para uma retirada lenta e gradual dos militares  
9 Sobre a relação de causalidade citada ver o verbete correspondente em MORA (2005, pp. 133-135)  
10  
Cabe ressaltar que embora o tipo de liberalismo referido remeta a fins do século XVIII, as principais  
ideias orientadoras do novo liberalismo são do economista austríaco Friedrich Hayek (1987), em  
especial as que foram publicadas no livro Os caminhos da servidão, de 1944. Também seria do mesmo  
livro de Hayek a ideia inspiradora da frase proferida pelo presidente estadunidense Ronald Reagan.  
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nova fase  
   
Da crítica de arte na imprensa brasileira  
da administração do país11.  
O desejo do fim e o pós-modernismo  
Dentre muitas outras manifestações culturais significativas, as décadas de 1950  
e 1960 foram dominadas pela contracultura e pela politização da arte. Juntas tais  
manifestações denotavam a emergência de um mundo movido pela percepção de um  
esgotamento ético-estético e moral das regras do passado, e o que então se  
apresentava no campo cultural expressava a exigência de grandes mudanças  
libertárias.  
Na França, pensadores como Michel Foucault e Jacques Derrida concentravam  
seus esforços no questionamento e na desconstrução do sentido de revolução, ao  
mesmo tempo em que outros intelectuais, como Jean-François Lyotard, Gilles Deleuze  
e Felix Guattari, recusavam radicalmente a ideia de verdade contida naquilo que  
chamavam de metadiscursos modernos. É certo que cada um ao seu modo buscava  
assegurar a originalidade de suas respectivas ideias, entretanto, conjuntamente  
propunham caminhar para “mais perto do concreto, do presente, cooperando com as  
forças do acontecimento, decodificando e dando coerência aos detalhes da  
cotidianidade” (BARBOSA, 1985, p. xiii).  
Em meados dos anos de 1970, ainda na Europa, as ideias do teórico jamaicano  
Stuart Hall sobre multiculturalismo e diversidade alcançariam uma dimensão  
extraordinária em meio à uma esquerda acadêmica dividida. Mais ao fim daqueles anos  
a nova onda teórica atravessaria o Atlântico conquistando entusiasmados adeptos  
entre os militantes da contracultura e, especialmente, entre os antiteóricos do  
movimento camp estadunidense. Já na transição para a década seguinte, o conjunto  
desses esforços teóricos evidenciavam o objetivo de desconstruir o materialismo  
histórico como método de interpretação da realidade, acusando-o pelos excessos  
cometidos em nome da razão(LACLAU, 1991, pp. 127-128) e de ser incapaz de dar  
conta das transformações globais do mundo contemporâneo, bem como das novas  
subjetividades então emergentes.  
11  
Programada pelo general Golbery do Couto e Silva e implementada a partir do governo do general  
Ernesto Geisel (1976-1980), a abertura política não significou o fim das atrocidades cometidas pelos  
militares e empresários no porão do regime. Estas durariam ainda por quase dez anos, sendo que a  
prática da coerção mediante tortura seria, em parte, transferida para as polícias militares dos estados  
onde em muitos deles permanecem ativas.  
Verinotio  
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No plano prático, o estatuto vanguardista que mobilizara diversas gerações em  
torno dos seus fundamentos dava mostras de um evidente esgotamento. No limite, a  
crescente circulação comercial da iconoclastia pop tornara a atitude de vanguarda uma  
caricatura de si mesma, sendo denunciada como uma aberração infantil. O ciclo  
evolutivo das ideologias estéticas mais significativas desde o aparecimento das  
vanguardas no início do século, pareceu, enfim, ter perdido terreno para um amplo  
espectro de práticas artísticas dispersivas, todas, contudo, “operando a partir das  
ruínas do edifício modernista(HUYSSEN, 1990, p. 43). E foi precisamente nessa  
direção que, em meados dos anos 1970, surgiriam na Europa e nos EUA as primeiras  
tendências pós-modernistas no campo das artes plásticas, cujo arcabouço teórico  
trazia uma contradição em termos: i.e, em nome de uma presumida liberdade de  
expressão pautava a orientação ético-estética da sua produção pelo anti-  
intelectualismo e pelo anti-historicismo. Para o crítico italiano Achille Bonito Oliva, um  
dos principais ideólogos do pós-modernismo nas artes plásticas, a desilusão com o  
esgotamento da ideia de revolução que havia sido levada adiante pelas vanguardas  
históricas parece ser o principal aspecto considerado pelo chamado pós-  
vanguardismo, ou transvanguardismo como ele prefere (apud DE FUSCO, 1988).  
Segundo ele próprio, o modernismo se prende a uma necessidade temporal, portanto  
histórica, no sentido da existência de um ciclo que comporta o aparecimento, a  
evolução e o fim de um ciclo linguístico até o aparecimento de outro. Nesse sentido,  
nada pode parecer mais natural para os artistas transvanguardistas do que adotar a  
“ideologia cínica do traidor”. Isto é, condenar a história ao seu fim para preservar a  
arte (Idem, idem). O pós-modernismo, para seus defensores, se caracteriza pela tomada  
de consciência, por parte do artista e do público, de que o prazer é uma qualidade  
fundamental na realização e na apreciação da obra de arte, gênero de coisa  
abandonada pelo alto modernismo em função do seu comprometimento com a  
História. Nesse sentido, Bonito Oliva apontaria para a necessidade de se valorizar uma  
concepção horizontal de história, na medida em que esta possibilita o aparecimento e  
a utilização de uma multiplicidade de fontes, ao contrário do modernismo:  
A transvanguarda não exalta o privilégio de uma genealogia aberta  
em leque sobre antepassados de diversas origens e proveniências  
históricas, existe também, a classe baixa das culturas menores, de um  
gosto proveniente da prática artesanal e das artes menores (Idem,  
idem, p. 293).  
No limite as considerações de Oliva buscavam não apenas dispor a centralidade  
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do anti-intelectualismo como a variante ético-estética a ser considerada na apreciação  
das obras, como dispor o anti-historicismo na condução do processo reflexivo acerca  
do que seja a linguagem artística pós-vanguardista (ou transvanguardista), devendo  
ser esta apreendida  
[...] como um instrumento de transição, de passagem de uma obra  
para outra, de um estilo para outro segundo uma atitude inconstante  
de reversibilidade de todas as linguagens do passado, algo como um  
nomadismo em oposição às coordenadas obrigatórias das variantes  
artísticas do segundo pós-guerra, que se desenvolveram segundo a  
ideia evolucionista do darwinismo linguístico [...]  
Sobre a avassaladora pressão exercida pelos diversos críticos/colunistas nos  
conglomerados de mídia europeus e estadunidense em favor das posições pós-  
modernistas na arte, à época a resistência ainda se fazia sentir e respeitar. Isso porque  
havia espaço para o debate dentro e fora dos espaços acadêmicos, não de todo  
dominados pela sociabilidade do espetáculo e pela irracionalidade libertária e liberal.  
Na Inglaterra o professor e crítico Terry Eagleton (1993) procurava entender, através  
do exame das ideologias estéticas das vanguardas e de suas operações no ambiente  
moderno, em que momento e por que motivos a utopia revolucionária cedeu espaço  
para o cinismo e a decadência pós-modernista, nos quais, dizia ele, são expressos o  
feroz “anti-historicismo consumista, hedonista e filisteu da arte atual” (Idem, p. 273).  
Dizendo que as vanguardas não conseguiram perceber que houve uma penetração do  
reino simbólico pelo imperativo do lucro (a indústria cultural estaria aí mesmo para  
confirmar isso), Eagleton chamava a atenção para os fatores principais que constituem  
o caráter anti-histórico do pós-modernismo: a constatação da inoperância política das  
ideologias revolucionárias diante de um mundo cuja cultura fora estetizada, e o próprio  
processo de legitimação social do pós-modernismo. No primeiro caso o professor  
inglês procura demonstrar que os mecanismos econômicos do capitalismo mais  
recente tenderam a privilegiar os setores industriais voltados para o lazer, o  
entretenimento, a moda em geral, valorizando o culto do estilo, do prazer, da técnica,  
fetichizando-os como mercadorias. Por outro lado, Eagleton diz que a reificação do  
significante e o deslocamento do significado por intensidades casuais, percebidos  
através da desconstrução das narrativas mestras do modernismo e suas realocações  
ao acaso, acabaram contribuindo para reforçar a ideia de estilo atemporal,  
descontextualizado, destruindo o historicismo da obra. Embora diga que é possível  
reconhecer a existência de duas vertentes distintas nas ideologias estéticas pós-  
modernas, uma de afirmação do status quo e outra de resistência, respectivamente,  
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entretanto, Terry Eagleton não concorda que esta última vertente detenha uma feição  
historicista conforme ela reclama para si. De acordo com o que ele diz, na medida em  
que ambas as vertentes do pós-modernismo dependem de uma identidade cultural, e  
que esta é, nas sociedades capitalistas recentes, constantemente arruinada pela  
mercadoria, resta ao operador estético pós-moderno recorrer, no seu processo de  
legitimação, à anulação cínica da verdade, do significado e da subjetividade” (Idem,  
idem). Por fim, conforme Eagleton, tal característica, apesar de não ser uma constante  
na vertente pós-modernista de resistência, é o que torna palatável a sua assimilação  
cultural, e nesse sentido, sua resistência somente pode se dar no sentido de sua  
própria negação como fato histórico.  
Nasce uma virgem  
Se nas áreas mais em evidência no ambiente cultural brasileiro da primeira  
metade dos anos 1980, os temas ligados ao debate sobre o pós-modernismo foram  
absorvidos mediatamente a médio e longo prazo, nas artes plásticas eles foram  
imediatamente adotados pela crítica de arte agenciada pelo mercado e os  
conglomerados de mídia. Em regra, os colunistas com espaço na imprensa assumiriam  
o papel de veicular as ideias pós-modernistas constantes no circuito artístico  
internacional, cujo viés disjuntivo e contraditório propunha ser o indutor do  
surgimento de uma nova tradição na história da arte ao tempo em que se apresentava  
negacionista, artificial, conservador e superficial.  
No início daquela década, galeristas recém-chegados ao circuito de arte nas  
maiores capitais do país, enfrentaram o desafio de garantir as transações comerciais  
mediante a criação dos mecanismos de regulação do valor artístico dos artefatos  
produzidos a fim de profissionalizar e ampliar o mercado de arte brasileiro. Nesse  
sentido, inovariam ao investir pesadamente em jovens artistas, em sua maioria  
pintores, em início de carreira, alguns ainda em formação, pagando um pró-labore  
mensal. Como contrapartida, eles passaram a deter a prioridade e o direito de escolha  
e de compra de parte da produção do artista financiado. Já descontado o custo do  
investimento no trabalho e na divulgação da produção, algo arbitrado em torno de  
35% do valor de cada obra, os galeristas formariam assim uma espécie de reserva de  
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mercado de baixo custo para fins de especulação no circuito artístico12. De imediato o  
processo de profissionalização da cadeia produtiva colocado em curso, incluindo a  
produção/acumulação/exposição de mercadorias, enfrentou alguns desafios  
complexos para que a demanda justificasse os investimentos já realizados e o acesso  
ao consumo dos artefatos artísticos viesse a crescer. Para tanto se fazia necessário  
provocar “um renascimento dentro do caos” mediante o “apagamento” das ideologias  
estéticas de tendência minimalista, conceitualista e performática, ainda dominantes no  
meio de arte (LEIRNER, 1985)13.  
Para o sucesso do empreendimento, além de contar com animadores culturais  
com livre trânsito junto às esferas políticas dos governos estaduais e municipais, o  
mercado de arte agenciaria alguns dos mais experientes jornalistas em atividade com  
inserção e prestígio nas colunas de arte e sociais da imprensa brasileira. Juntos eles  
articulariam com eficiência dois movimentos táticos previstos na estratégia  
mercadológica descrita anteriormente. De um lado, os organizadores das mostras  
mesclavam obras de pintores experientes já assimilados pelo mercado e a  
novíssima produção, garantindo, assim, legitimidade comercial a esta última. De outro  
lado, o agenciamento do público se dava mediante o uso das colunas de arte e social  
na grande imprensa, nas quais clamava-se tanto pelo apelo ao velho clichê da  
necessidade de ocupação do Vazio Cultural existente, quanto pelo convencimento do  
público sobre a importância do surgimento de uma nova geração, politicamente  
despreocupada, e sem preconceitos em relação ao mercado. A essa demanda  
ideológica foram ainda somadas as ideias de uma geração que “retornava ao prazer  
da pintura” (MORAIS, 1984) e de um “ecletismo estético, nômade, fundado na  
irracionalidade, na emoção e no prazer” (PONTUAL, 1984). Dessa forma, com o terreno  
da racionalidade artística devastado pela ação negacionista engendrada pelos agentes  
ideológicos do mercado, tudo levava a crer que o télos ético-estético pós-modernista  
já se encontrava pavimentado para que a fecundação daquela que viria a ser a sua  
mais nova virgem: a Geração 80.  
12  
Vale o esclarecimento de que tal prática remonta ao século XVII, predominantemente na Holanda e  
na Bélgica. Exercida por rentistas e mecenas em busca de garantia e confiabilidade aos investimentos  
em pinturas, gravuras, esculturas, desenhos, jóias, móveis etc. e no aparecimento de novos artistas.  
Sobre o assunto ver ARRIGH (1996); HAUSER (1982); MARTINS (2005); REIS (2021).  
13  
Cabe o esclarecimento que embora as obras representativas das tendências mencionadas tivessem  
valor artístico reconhecido, não detinham ou detinham minimamente valor de troca, sendo praticamente  
inviável a sua comercialização em galerias.  
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Na imprensa, de acordo com os jornalistas/colunistas de arte, o retorno à pintura  
aproximava essa geração de artistas brasileiros da produção do eixo Berlim-Milão-  
Nova Iorque, o principal do circuito artístico internacional. De lá os galeristas  
brasileiros importavam os principais periódicos da época contendo imagens das obras  
expostas naquele circuito, bem como absorviam as ideias contidas nos artigos dos  
defensores das tendências artísticas pós-modernas, como o neoexpressionismo  
alemão, a transvanguarda italiana e o ecletismo pop estadunidense. Com uma reserva  
acumulada de obras, os galeristas passariam a organizar exposições coletivas de  
pinturas, mesclando trabalhos de pintores já assimilados pelo público e a chamada  
novíssima produção, garantindo, assim, legitimidade comercial a esta última. Assim, a  
partir de 1982, sempre contando com o apoio incondicionalmente interessado dos  
conglomerados de mídia, sucessivas exposições de variados tamanhos despontariam  
como palco de ensaio e testagem até o momento do grande evento que viria a ocorrer  
em 1984, dentre elas, “Entre a Mancha e a Figura”, realizada em 1982 no MAM-RJ  
(Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), “3.4 - Grandes Formatos”, realizada no  
Centro Empresarial Rio, “A Flor da Pele - Pintura & Prazer”, realizada no mesmo local,  
“A Pintura como Meio”, realizada no MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da  
Universidade de São Paulo), “Pintura Pintura”, realizada na Fundação Casa de Rui  
Barbosa no Rio de Janeiro, e, finalmente, “Pintura/Brasil”, realizada no Palácio das  
Artes em Belo Horizonte. Se dessas exposições veio o impulso inicial do circuito de  
arte para o aquecimento do mercado, registre-se então o mérito dos críticos de arte  
presentes nas colunas jornalísticas que, como avalistas de todo o processo, revelaram  
a novíssima geração cunhando o rótulo G80. Mas não apenas, pois, igualmente nessa  
condição foram eles os responsáveis diretos pelo nexo causal entre a intencionalidade  
libertária do pós-modernismo artístico e o neoliberalismo àquela altura já em vias de  
se tornar hegemônico em vários países.  
G80 é um nada  
Com as exceções de praxe, as manobras ideológicas da mídia e do mercado no  
sentido de delinear o perfil comportamental dos jovens artistas que viriam compor o  
quadro de referência da Geração 80 era a de algo simetricamente oposto ao da  
rebeldia da contracultura dos anos 1950-1960 e ao da sisudez politizada dos anos  
70, tal como avaliaria a crítica Sheila Leirner (1992, p.109):  
Mais do que uma simples definição de grupos e tendências estilísticas,  
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a Geração 80 é um apanhado amplo que engloba também questões  
estéticas, filosóficas e mesmo ideológicas. Todas elas marcadas pelo  
sentido dialético de contrariar seus precedentes imediatos. A começar  
pelo culto da subjetividade, individualidade, emoção e irracionalidade,  
que se colocam contra o rígido cultivo da linguagem, conceitos e  
consciência ética e estética característica dos anos 1970 [...]  
De Fortaleza a Santa Catarina, de Brasília a Vitória, passando por Porto Alegre,  
Juiz de Fora, Curitiba, Goiânia, Campo Grande (MS) e João Pessoa, as galerias, centros  
culturais, muros, praças, etc., foram literalmente ocupados pelos artistas identificados  
com a Geração 80. O mercado de arte, embalado pela oferta em grande quantidade  
de obras, sobretudo pinturas, estimulava um público que naquele momento ainda  
desfrutava dos resquícios dos Planos Cruzados I e II. Havia, naquele período, uma  
dupla euforia, quer pelo aparecimento de novos artistas quer pelo aumento da  
demanda de obras de arte.  
No início de 1984, o terreno para o grande salto do mercado já estava  
devidamente pavimentado. Convocados para fazerem parte do processo, animadores  
culturais e dirigentes da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage dariam a partida  
para a realização do mais ambicioso projeto da década nas artes plásticas: reunir no  
antigo palacete da rua Jardim Botânico o maior número possível de artistas,  
preferencialmente, mas não apenas ex-alunos da EAV, oficializando desse modo o  
caráter paradigmático emergencial da estética pós-modernista no país. Assim, em  
junho daquele ano os portões do vetusto palacete do Parque Lage foram abertos para  
a mostra “Como vai você, Geração 80? ” Reunindo mais de cem expositores de  
diversos pontos do país e cerca de três centenas de obras, o evento buscava dar conta  
daquilo que os promotores/organizadores generalizavam como sendo um  
mapeamento da produção artística daquele período. Coube ao então diretor da EAV,  
Marcus de Lontra Costa, a agitação cultural e política na difusão do evento, na  
convocação dos artistas, dos colunistas/críticos da mídia, na tarefa de intermediar o  
mercado. Coube ainda a ele praticamente todas as ações decorrentes daquela  
megaexposição tal como levar o modelo do evento para outras praças, privilegiando  
a sua interiorização nas ações regionalizadas14.  
14 Cabe o registro que foi certamente da insistência de Lontra Costa junto a colecionadores e galeristas  
em várias capitais brasileiras que dezenas de artistas do interior do país despontaram no cenário  
nacional ao longo daquela década. Devido a esse esforço do animador cultural e dirigente público que  
muito das insatisfações e inconformidades existentes entre artistas com os clichês publicitários que  
promoviam a G80 ficou diluída.  
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A inédita presença de um grande público para um evento de artes plásticas, em  
sua maioria formado de jovens, levaria nacionalmente as editorias de cultura da  
imprensa a repercutirem massivamente o evento tanto como um modismo de época,  
um entretenimento cultural, como também uma espécie de vitrine de um bazar a  
vender quinquilharias culturais. Dessa forma, as matérias dos colunistas que aqueciam  
o meio artístico exploravam a ideia de que o evento de lançamento da G80 revelava  
uma visão de mundo fundada na alegria proporcionada pela liberdade de mercado,  
provocando, no limite, o deslocamento do télos político da luta de classes para o télos  
pós-modernista, a um só tempo libertário e liberal. Traziam em seu conteúdo uma  
versão local, por assim dizer masterizada das ideias do crítico e teórico italiano  
conservador Achille Bonito Oliva (1982, apud REIS, 1994, p. 89) aqui anteriormente  
citado.  
Abordando não apenas o evento em si, mas o que compreendia como a  
totalidade das circunstâncias do aparecimento da G80 na condição pós-moderna, o  
jornalista Roberto Pontual autor do opúsculo Explode Geração! (1984),  
encomendado pelo mercado de arte e pelos curadores do evento no Parque Lage –  
procura situá-la na confluência entre o momento político do país e o surgimento no  
âmbito internacional do que ele chamava de “terceira etapa pós-modernista”:  
Se no âmbito de dentro a Geração 80 cumpre o papel histórico do  
filho positivo que nega com todas as suas forças o pai para firmar-se  
com individualidade própria, exorcizando os erros percebidos na  
figura paterna, no do fora ela apreende o espírito novamente  
impulsivo e liberatório do pós-modernismo na sua terceira e talvez  
derradeira etapa (1984, p. 49).  
Adiante, Pontual passa a considerar a G80 na perspectiva da dualidade  
crise/abertura, acrescentando que a sua nitidez somente é possível a partir deste foco.  
Nesse sentido, ele a define pelos paralelismos de gestos e de gostos, através dos quais  
se pode identificar o seu estilo, que, segundo o jornalista, se tece na pluralidade dos  
estilos em surgimento. Muito embora o texto de Pontual pareça deliberadamente  
construído com a finalidade de confundir o leitor quanto ao sentido do contraditório  
da G80 em relação às gerações de artistas precedentes, conscientemente politizadas,  
na verdade o que o jornalista busca é justificar sinceramente o Zeitgeist da época, a  
um só tempo distante e desinteressado de tudo e de todos. Assim ele dispõe, a série  
de nadas que trama a G80:  
[...] nada de frieza, nada de olimpismo, nada de altas teorias, nada de  
conceituação abusiva, nada de fotografismo, nada de isolamento,  
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nada de hegemonia entre cariocas e paulistas, nada de patrulhismos,  
nada de porra-louquice. Nada de exclusões ou de proibições (1984,  
p. 54)  
No entanto, ao decodificar cada um dos nadas por ele atribuídos à nova geração,  
o jornalista colunista de arte fornecia algumas pistas sobre o sentido da sua manobra,  
que era, nada mais do que a afirmação da originalidade das concepções ético-estéticas  
pós-modernistas que se opunham ao que ele chamava de “autoritarismo conceitual”  
das gerações precedentes, a saber:  
A situação foi mudando aos poucos de figura na medida em que à  
repressão veio somar-se ao `milagre'. Dessa ambiguidade, sofreram  
os quase filhos que se lançaram no experimentalismo dos meados da  
década de 70. Eram seguramente contra o estado de coisas vigente,  
mas, para contrariá-lo com seus próprios meios, não encontraram  
outra tática senão a da estocada indireta, (...). Cortado e frustrado o  
grito na rua, voltaram para o interior do museu. Ali, sob a sombra  
aterradora do pai, reuniram forças para simbolicamente negá-lo.  
Negaram-no, até onde puderam, pela arma exclusiva e fracionada da  
razão. A emoção tivera de ser evacuada (Idem, idem, p. 49)  
A exemplo de Roberto Pontual, o crítico e também colunista da imprensa  
Frederico de Morais, avaliaria a trajetória da G80 da seguinte forma:  
Depois de uma década de arte assexuada, hermética e fria, que tinha  
sua correspondência em um discurso crítico que de certo modo  
introjetara o autoritarismo da vida brasileira, e em face, portanto, da  
própria evolução política interna - anistia, eleições para governadores  
em 1982, campanha das Diretas-já, trazendo o povo de volta às ruas  
e de novas tendências da arte internacional Transvanguarda,  
Neoexpressionismo, Nova Imagem, Pattern , a expectativa em relação  
à nova geração de artistas era muito grande (MORAIS, 1992, p. 30).  
Seguindo os passos da mostra do Parque Lage, vários outros eventos artísticos  
ocorreriam em todo o país ampliando a publicidade afirmativa de todo o aparato  
ideológico do rótulo G80. Assim, em 1985, por ocasião da XVIII Bienal de São Paulo,  
ocorreria a consagração definitiva do processo de mudança teleológica no quadro  
geral da cultura, em especial nas artes plásticas. Organizada de modo a não esconder  
o caráter estratégico do evento para fins mercadológicos, a Bienal teve dois objetivos  
bem delineados: projetar a produção dos jornalistas colunistas de arte nos centros  
mundiais anteriormente mencionados e aproximar a produção da G80 da arte  
estrangeira. Desse ponto de vista, a exemplo do que se passava no exterior, o télos  
ético-estético proposto para a Bienal trazia um duplo movimento tático: de um lado  
os agentes ideológicos do processo buscavam primordialmente apagar o passado  
modernista mediante a condenação do que chamavam de darwinismo linguístico, por  
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outro lado buscavam afirmar o nomadismo estilístico como avalista da liberdade  
artística impondo o fator disjuntivo como télos ético-estético da arte pós-moderna15.  
Operando na forma de um marketing para o que viria a seguir no circuito artístico  
o evento foi um sucesso de público, todavia, ao ultrapassar a fronteira daquele circuito,  
agregaria valor no mercado de bens simbólicos se tornando um importante ativo para  
a elite burguesa do país. De resto, se o consumo ocioso e conspícuo do controvertido  
rótulo denominado certa feita de “vocábulo feliz” (LEIRNER, 1992, pp. 108-109)  
tornou possível ao público a identificação do grande contingente de jovens artistas  
emergentes no ambiente cultural naquela década, por outro lado, mediatamente, levou  
a produção artística do período à sua completa homogeneização diluindo o conteúdo  
ético-estético das obras. Uma década depois, em meados de 1994, a despeito do  
refluxo do mercado mostrar-se implacável com os artistas produtores, rótulo G80  
manteve-se íntegro ignorando a produção artística subsequente. Desse modo, ele  
alcançaria o novo milênio com a mesma superficialidade e “virgindade com que  
emergiu do caos dos anos 70” (Idem, idem). Em outras palavras, como pauta  
permanente para assuntos rentáveis, a rótulo G80 ainda hoje serve de link para as  
matérias de moda, de estilo, de decoração, de comportamento jovem, de ecologia, de  
saúde, de corpo, de sexualidade... e até de arte.  
Não obstante o sucesso comercial da simbologia, alguns setores da imprensa  
não poupariam os artistas e o próprio jornalismo/colunismo de arte de severas críticas.  
Exemplo disso foi o comentário na Folha de São Paulo do jornalista Marcos Augusto  
Gonçalves. Em 1985, comentando a XVIII Bienal, Gonçalves deixaria claro que a  
estratégia mercadológica adotada pela imprensa e o mercado corria o risco de não  
passar de palha para um fogo ligeiro promovido por uma reciclagem do circuito das  
artes plásticas [que vinha] a reboque da onda neoexpressionista”. Na mesma matéria  
o jornalista ironizava o fato de que “qualquer um que pegar um pincel e esparramar  
tinta numa tela” seria legitimado como um jovem talento “para promover o  
reabastecimento do catálogo de descobertas do mercado”. E conclui dizendo que “[...]  
Não é, portanto, de se espantar, que rapidamente, a “nova pintura”, através da aura  
consagratória de uma Bienal, já esteja sendo enfiada na “história da arte e tornando-  
15  
Entenda-se por esse absurdo uma visão que, sobrepondo camadas estilísticas desreferenciadas do  
passado, negava não apenas as tendências artísticas modernistas como toda a história da arte. Sobre  
esse assunto ver OLIVA (1982) e também TOMASSONI (1986).  
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Da crítica de arte na imprensa brasileira  
se parte de uma “tradição”16. Já próximo do final da década de 1980, alguns grupos  
de artistas contrariados com o que chamavam de pensamento único da crítica artística,  
criticavam em publicações alternativas a ausência no país de uma produção teórica  
consistente, a negligência e os interesses obscuros do colunismo de arte17. O  
aparecimento dessas poucas vozes dissonantes levaria as editorias de cultura da  
imprensa a agir profilaticamente, quer as isolando quer levando críticos de arte a  
publicar em suas páginas matérias hostis aos artistas.  
Chaves para compreender o negacionismo disjuntivo da crítica de arte  
Há tempos o crítico de arte Mário Pedrosa ressaltava que “a ausência fatal,  
irreparável, dos padrões preexistentes (na arte da antiguidade) indica que a arte  
perdeu suas raízes culturais, e foi subordinada a outros padrões necessariamente  
instáveis e aleatórios como os dominantes no mercado consumidor” (PEDROSA, 1977).  
Junte-se a esse aspecto as exigências de globalização da economia apresentadas pelo  
capitalismo tardio, e teremos o padrão arte adotado pela mídia na atualidade: um  
apêndice do sistema da moda.  
Hoje é impossível deixar de reconhecer que os meios de comunicação se  
tornaram a peça fundamental na estratégia global de difusão e circulação de  
mercadorias, e não raramente o colunista de arte se vê influenciado por esse poder  
hegemônico, o que o leva a tomar para si ares de um avatar capaz de metamorfosear,  
como Midas, o opaco em resplandecente. Espelhando-se mutuamente, jornalistas e  
publicitários compõem o perfil dos meios de comunicação, e se sentem responsáveis  
pela circulação de ideias e conceitos produzidos pela indústria cultural. Assim é  
possível verificar que a demanda por mercadorias produzidas por esse poderoso setor  
da economia depende inevitavelmente do papel exercido pela mídia na estimulação  
do consumo, criando modismos e tornando outros obsoletos. Na cultura da  
obsolescência toda operação de estimulação do consumo de uma nova moda não pode  
dispensar a eficácia dos meios de comunicação. Contudo, dada a sua natureza  
artesanal e o que decorre daí em termos de sua produção conceitual, as artes plásticas  
resistem às investidas menos sutis e menos complexas que grande parte dos  
repórteres e do chamado colunismo especializado insistem em fazer sobre o seu  
16 Cf. Folha de São Paulo, Caderno MAIS, São Paulo, 1985.  
17 Sobre esse assunto ver BASBAUM (1988).  
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campo específico. Despreparados intelectualmente e revestidos por uma grossa  
camada de pragmatismo, esses jornalistas e colunistas imersos numa proverbial  
insensibilidade ignoram os aspectos singulares da atividade artística, os aspectos  
reveladores da potencialidade do artista no processo criador, e as limitações impostas  
pelo ambiente cultural na sua formação, quer seja ela oriunda da academia ou não. É  
sob esse ângulo do problema que se acentuam os diversos níveis de dependência da  
atividade da crítica de arte no Brasil, nos quais estão incluídas as demandas específicas  
do seu reduzido mercado e também as injunções de natureza sociopolítico-econômica  
mais gerais. Com a G80 esses problemas se acentuaram, elevando a tensão ético-  
estético ao seu limite no horizonte cultural do país. O anátema do conformismo que a  
mídia e a crítica impuseram aos jovens artistas emergentes no circuito na década de  
1980, certamente serviu para que, no plano institucional, se revelasse a posição  
hegemônica da ideologia anti-historicista e anti-intelectualista, permissiva e  
desmobilizadora que permeia as oligarquias intelectuais que atuam no meio de arte  
do país.  
Sem dúvida, para os artistas uma das mais constantes mistificações criadas pela  
mídia e pela crítica em torno da G80 foi a exacerbação de sua juventude, de seu  
hedonismo e de seu profissionalismo liberal. Nesse sentido, há pelo menos dois  
aspectos a serem considerados em torno da estratégia mercadológica que articulava  
tais adjetivações: primeiramente o próprio fato de os textos que criticavam,  
resenhavam, comentavam ou simplesmente apresentavam a G80 se prestarem ao uso  
adjetivado de palavras substantivas; e em segundo lugar, a associação dos mesmos  
com a criação de um tipo de comportamento que se pretendia paradigmático dos  
jovens dos anos 1980 como um todo, isto é, individualista, anti-intelectual, subjetivo,  
anti-historicista, desinteressado das questões políticas e sociais mais gerais.  
Para os grandes conglomerados de mídia, salvo esporádicas exceções, a oferta  
ao público de uma visão de mundo fundada num oba-oba alienante tem como  
finalidade manter e reciclar o Zeitgeist otimista, acrítico e, por vezes, francamente  
nostálgico sobre os modismos culturais emergentes. A notícia entretenimento  
veiculada pela intelligentsia agenciada pela mídia busca na consagração de um rótulo  
libertário alienar o interesse pela arte que verdadeiramente importa, conforme pensava  
o esteta húngaro György Lukács (1967). A rigor, a procura da arte como  
“autoconsciência da humanidade” (Idem), i.e, uma arte com organicidade social, jamais  
esteve no radar dos conglomerados midiáticos. Decorre daí que trago comigo a  
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desconfiança de que não importando se transgressor ou aderente ao establishment,  
todos os movimentos culturais incensados pelos conglomerados de mídia da  
contracultura beatnik, camp, hippie e punk aos expoentes da gentrificação pós-  
modernista, os estilosos yuppies, grunges e hipsters fazem parte de uma contradição  
involuntária por se encontrarem na origem daquilo que há tempos Walter Benjamin  
chamava de “efeito de distração” (1985, pp. 165-176). Ora, se esse fato é  
demonstrativo da dimensão de alienação coletiva acerca das formas de controle da  
informação e da cultura exercido pelos conglomerados de mídia e de entretenimento,  
no Brasil trazemos historicamente o agravante da aculturação arcaica da intelligentsia  
que atua diretamente na mídia como formadora de opinião. Retomando aqui o que foi  
dito anteriormente, se em todo o mundo os conglomerados de mídia adotam  
procedimentos alienantes com o claro objetivo mercadológico de reforçar modas  
fazendo parte de um contexto de disputa acirrado, entre nós a dimensão do problema  
vai além, dado que os meios de comunicação com frequência assumem o compromisso  
ideológico disjuntivo de deixar lacunas de compreensão da dinâmica cultural do país”  
com a exclusiva finalidade de colocar determinadas décadas “fora da história”  
(PEREIRA, 1986, p. 175).  
Nas artes plásticas, talvez um pouco mais do que nas demais manifestações  
artístico-culturais, repetem-se as críticas dos artistas à falta de preparo da crítica de  
arte no Brasil. De um modo geral, as críticas procedem do fato de que a atividade da  
crítica de artes plástica se confunde com a atividade jornalística, sendo, portanto,  
subalterna a editorias de cultura genéricas tendo como profissionais gente pouco  
familiarizada com o sentido histórico da arte18. Cabe observar, no entanto, que esse  
não é um problema genuinamente nacional. Há tempos o crítico e historiador da arte  
Lionello Venturi reclamava do costume francês de “chamar-se críticos de arte àqueles  
que escrevem nos jornais sobre a atualidade das exposições, e historiadores da arte  
aos que escrevem sobre a arte antiga” (1984, pp. 27-28 e 197-198). Costume que,  
segundo ele, traz algumas poucas vantagens e inúmeras desvantagens. Se a prática  
jornalística de generalizar as condições da arte contemporânea e os prognósticos  
sobre tendências do gosto, traz a vantagem de procurar e encontrar “a consciência da  
arte”, por outro lado, a própria característica fragmentária do veículo traz o  
18 De resto, é notório que a intelligentsia (críticos/colunistas e jornalistas) que realiza tal exercício, o faz  
na patética presunção de que o desinteresse e/ou ignorância popular em relação as artes plásticas se  
deve a uma anomalia genética.  
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inconveniente da improvisação, “da falta de informação histórica e estética suficiente”  
(Idem, ibidem). Contudo, conforme veremos em seguida, em que pese esses  
argumentos disponham sobre a realidade dos embates entre artistas, críticos e  
colunistas, de fato eles alcançam apenas uma parte do problema geral da lógica  
cultural do pós-modernismo.  
Sem embargo, desde o surgimento da ideia de uma condição pós-moderna19,  
não faltaram argumentos variados de tolerância alegando que tal condição trouxe  
benefícios na forma de um alívio ao promover o “apagamento dos traços da produção  
da mercadoria produzida” (JAMESON, 1996, p. 318). No caso das artes, um produto  
assinado, portanto, com um sujeito presente no artefato, a tolerância se estende para  
um tipo de argumento apelativo ao associar o interesse pelas artes às elites  
intelectuais, como um passatempo típico do status de um reduzido grupo excludente  
ao trabalhador comum. Não obstante, nota Jameson (1996), ainda que o capitalismo  
na sua fase tardia tenha aburguesado esse trabalhador travestindo-o num consumidor  
conspícuo, não menos verdadeiro é a incapacidade estrutural do sistema capital em  
realizar os ideais de igualdade social, incluindo a sua formação estético-cultural (Idem,  
idem). Na base disso está, conforme indica Fredric Jameson, uma visão populista  
demagógica, na qual prevalece uma “verdadeira subalternidade anti-intelectual no  
sentido gramsciano, um sentimento de inferioridade em face do outro cultural” (1996,  
p. 319). A demagogia populista dos defensores da reificação pós-moderna tem no  
mercado de comunicação e entretenimento a sua principal fonte de reprodução do  
anti-intelectualismo. Nesse contexto, Beatriz Sarlo (2006) chama atenção para o fato  
de que “o mercado ganha relevo e corteja a juventude, depois de instituí-la como  
protagonista da maioria dos seus mitos”, sendo que em contrapartida “[...] os jovens  
encontram no mercado de mercadorias e bens simbólicos um depósito de objetos e  
discursos fast preparados especialmente”. E conclui: “o mercado promete uma forma  
de ideal de liberdade e, na sua contraface, uma garantia de exclusão” (Idem, pp. 40-  
41).  
Dentre os apontamentos extraídos para revisão do ensaio publicado em 2004,  
não consta a questão da existência de um nexo causal entre as categorias libertarismo  
e liberalismo, ambas movidas por um impulso populista a um só tempo anti-historicista  
19 Ver ANDERSON (1999).  
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e anti-intelectual, porém anteriormente trabalhadas de forma isolada. Refletindo sobre  
os desdobramentos culturais das últimas décadas, descobri que aquelas categorias  
engendravam o tal nexo causal de origem o qual consumou não apenas o télos ético-  
estético dominante nas artes plásticas, mas, também, a totalidade teleológica cultural  
do presente. De fato, expandido para todo o ambiente cultural do país, o conteúdo  
tóxico do relação libertarismo-liberalismo acabaria contaminando a esfera política da  
sociabilidade mediante toda sorte de apelos absurdos tais como negacionismos  
variados, atavismos morais diversos, clamores libertários misturados com arroubos  
autoritários, liberalismo econômico adotado como programa de Estado, etc. Não por  
acaso o destampatório de irracionalidade ocorrido nos últimos dez anos atingiria,  
principalmente, as esferas científica, artística e cultural do país constituindo o que  
denomino de anarcofascismo. Do ponto de vista ontológico crítico, o anarcofascismo  
se trata de uma forma de dominação engendrada pelas elites capitalistas a partir do  
reconhecimento da sua própria incapacidade de suportar e/ou de manter as  
“liberdades democráticas [como] arquétipo da organização do Estado e regime de  
governo” (LUKÁCS, 1968, p. 623). A exemplo do trumpismo estadunidense, no Brasil,  
a partir de 2013, banqueiros, empresários e políticos de extrema direita, vale dizer  
com o apoio das forças armadas e policiais, movimentos liberais e a lucrativa indústria  
da fé, passariam a destampar o anarcofascismo incubado na sociabilidade brasileira.  
Muito embora o país tenha resistido democraticamente a essa forma de irracionalismo  
recauchutado, chegando ao ponto de revertê-lo parcialmente, sobram dúvidas sobre  
o tempo de duração disso. Sem muito esforço é possível notar que somente  
aparentemente o bestialógico da extrema direita tenha renunciado à ação, dado que,  
em realidade, ainda que a retórica anarcofascista prime “pela ausência de conceitos,  
[...] e a negação das leis reais, o que para ela conta é o  
“[...] apego aos aparentes nexos revelados diretamente, à margem dos  
conceitos, pela superfície imediata da realidade econômica. Estamos,  
portanto, diante de uma nova forma de irracionalismo, envolto em  
roupas aparentemente normais (Idem, idem, p. 628).  
Conclusão  
Decerto que os argumentos aqui apresentados em oposição ao irracionalismo  
pós-moderno não significam uma defesa do suposto racionalismo moderno, que nada  
mais é do que a mais vazia de todas as categorias culturais, como disse certa feita  
Perry Anderson (1999). Por conseguinte, parece-me evidente que, sob o capitalismo,  
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uma cultura orientada pela coisificação das relações sociais e daí para a decadência  
civilizacional, as apologéticas do modernismo e pós-modernismo se mostram  
indefensáveis. Na verdade, sob o capitalismo, qualquer que seja uma escolha desse  
tipo ela inevitavelmente tomará a forma de um espectro múltiplo e contraditório, a  
saber positivista, niilista e também religioso. Na arte, em especial no cinema e na  
literatura, tal espectro é frequentemente confundido pela crítica e muitos dos próprios  
artistas como busca da realidade, algo situado entre uma postura cínica e hipócrita,  
conforme lemos e assistimos, respectivamente, no livro e no filme Ruído branco  
(DELILO, 1985; BAUNBACH, 2023), ou nas pinturas transvanguardistas como as de  
Sandro Chia e Enzo Cuchi e de boa parte da G80.  
Por outro lado, a se considerar verdadeiro que somente o mundo que nos é  
possível compreender como tal é que é real, conforme disse Marx (apud FISCHER,  
1983), a pergunta sobre se é possível haver perspectivas para a superação dos  
impulsos que nos conduzem para a irrealidade cotidiana, alienada e cada vez mais  
desumanizada, talvez possa ser respondida mediante um “mapeamento cognitivo da  
totalidade” (JAMESON, 1996, pp. 396-413), algo que a apreciação da prática artística  
pode proporcionar. De modo a não deixar perdida a indicação desse mapeamento,  
recomendo, dentre outros muitos mais, os métodos adotados pelo escritor britânico  
China Miéville na novela policial/ficção científica A cidade e a cidade (2009), pelo  
cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho no filme Aquarius (2016), e pelo artista  
plástico fluminense Angelo Venosa em suas esculturas, em especial na A baleia (1988),  
hoje instalada na praia do Leme, no Rio de Janeiro. Concluo aqui reforçando o que  
venho dizendo há muito tempo a propósito da importância da educação, em especial  
da educação estética: se é verdade que ninguém está imune à influência do capitalismo  
global, cabe ao campo progressista resistir mantendo em elevado grau de consciência  
social a luta por uma ética-estética genuinamente humana.  
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Nota de referência de imagens  
Devido a exigência de pagamento de direitos autorais não foi possível exibir as  
imagens dos trabalhos dos artistas, seguindo uma relação dos sítios autorizados  
para tanto.  
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Da crítica de arte na imprensa brasileira  
MATTOS, A.  
ROMAGNOLO, S.  
Como citar:  
REIS, Ronaldo Rosas. Da crítica de arte na imprensa brasileira: Revendo e atualizando  
a arte e a crítica nos anos 1980. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 20-43; jul-  
dez, 2023.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, pp. 20-43 - jul-dez, 2023| 43  
nova fase  
d o s s i ê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.687  
Estética, violência e solidariedade1  
Juventude faccionada no proibidão  
Aesthetics, violence and solidarity  
Youth factionalized in the “proibidão”  
Luiz Eduardo Lopes da Silva*  
Ronaldo Rosas Reis**  
Resumo: O artigo busca apreender como se deu  
e de certo modo ainda se dá o engajamento  
sociocultural da juventude no universo das  
facções criminosas da periferia da cidade de São  
Luiz, no Estado do Maranhão. Volta-se para a  
compreensão da formação da sensibilidade dos  
jovens imersos no gênero musical do funk  
também conhecido como proibidão, veículo de  
Abstract: The article seeks to understand how  
the sociocultural engagement of youth in the  
universe of criminal factions on the outskirts of  
the city of São Luiz, in State of Maranhão, took  
place and, in a way, still takes place. It focuses  
on understanding the formation of the  
sensitivity of young people immersed in the  
funk musical genre also known as prohibition, a  
vehicle for aesthetic awareness and community  
awareness, as a functional model of education  
of the senses and community awareness.  
sensibilização estética  
e
conscientização  
comunitária, como um modelo funcional de  
educação dos sentidos e conscientização  
comunitária  
Palavras-chave: funk, juventude periférica,  
violência e solidariedade.  
Keywords: funk, suburban youth, violence and  
solidarity.  
A música popular, no Brasil, é uma produção discursiva muito forte e  
presente; talvez a mais forte em um país marcado pelo analfabetismo.  
A música popular aqui assumiu esta função de produzir sentido para  
a vida em sociedade, para as nossas diferenças, para as misérias e  
riquezas humanas desse país (KEHL, 2004, p. 142).  
Contexto  
O estudo que trazemos aqui teve origem numa tese de doutoramento na qual o  
ponto de partida é o exame da expansão nacional das organizações criminosas  
Comando Vermelho (CV/RJ) e Primeiro Comando da Capital (PCC/SP). Nela nos  
detivemos especificamente na gênese das facções criminosas emergentes nos  
1 Artigo baseado na tese de doutoramento Trilha sonora da guerra. Análise das facções maranhenses e  
da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão defendida em 2019 no  
PPGE-UFF sob a orientação do Professor Doutor Ronaldo Rosas Reis.  
* Doutor em Educação (UFF). Professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Coordena a Rede  
de Estudos Periféricos (REP) luiz.silva@ufma.br.  
**  
Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com Estudos Pós-  
Doutorais em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Educação pela Universidade Federal de  
Minas Gerais. Professor Titular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Pintor e desenhista –  
Instagram @ronaldorosa63 ronaldorosas.uff@gmail.com.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2 jul-dez, 2023  
nova fase  
     
Estética, violência e solidariedade  
presídios maranhenses na primeira década do atual milênio, sendo elas Primeiro  
Comando do Maranhão (PCM), Bonde dos 40 (B40) e Comando Organizado do  
Maranhão (C.O.M). Na tese buscávamos apreender como se deu e de certo modo ainda  
se dá o engajamento sociocultural da juventude pobre da periferia de São Luiz, capital  
do estado do Maranhão, às respectivas facções surgidas nos presídios. No sentido  
dessa busca identificamos no funk, especialmente em sua vertente conhecida como  
proibidão, o principal elo mediador entre os detentos e os jovens da periferia, motivo  
pelo qual um dos pressupostos do presente artigo é de que a música vem sendo  
utilizada processionalmente como veículo de sensibilização estética/conscientização  
comunitária . Isto é, como um modelo funcional de educação dos sentidos (MARX,  
2004) dos jovens faccionados.  
Somado a esse aspecto fenomênico do campo estético, o outro pressuposto  
adotado é o que se revela no campo ético e moral quando a existência opressiva das  
facções maranhenses no cárcere as levou a assumir o duplo papel de, por um lado,  
criar redes de solidariedade e, por outro, de zelar pela regulação dos conflitos internos.  
Para tanto, impondo seus regimes normativos de acordo com valores e regras por elas  
estabelecidas, tomaram para si o monopólio do uso legítimo da força com o bloqueio  
da violência entre os detentos. Alimentados tematicamente pelas letras dos funks, os  
papéis assumidos pelas lideranças e disseminados internamente pelos respectivos  
membros das facções, tal circunstância específica das relações sociais no interior dos  
presídios alcançou as periferias da Grande São Luís, levando a palavra de solidariedade  
e de união como afeto e valor a preencher os roteiros da produção cultural periférica  
onde as pequenas gangues passaram a adotar regras idênticas das facções  
aprisionadas .  
Com a finalidade de auxiliar o leitor a compreender a dimensão estética e  
sociocultural do contexto de violência em que o fenômeno se destacou nacionalmente,  
cabe aqui destacar na forma de parêntese dois aspectos centrais. Primeiramente que  
no proibidão o eu lírico do MC assume o ponto de vista do bandido e toda a sua visão  
2
Na sua origem, o proibidão era simplesmente o então popular gênero musical rap, mais conhecido  
nos bailes das quebradas ou favelas cariocas como funk. Em meados da década de 1990, buscando  
reprimir a violência na cidade, o Estado proibiu a realização das festas, o que evidentemente revoltou  
os frequentadores que resistiram criando os bailes proibidões, encurtando dessa forma o caminho para  
que os DJs adotassem a denominação para o gênero musical.  
3 Cabe ressaltar, no entanto, que por mais amplas que sejam tais regras não contemplam os indivíduos  
socialmente estigmatizados como os estupradores, os delatores, os pedófilos etc.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, pp. 44-70 - jul-dez, 2023| 45  
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Luiz Eduardo Lopes da Silva; Ronaldo Rosas Reis  
de mundo. A crueza de suas letras pode impressionar os não iniciados. O batidão  
quase sempre acelerado é criativamente mixado com rajadas de fuzis e pistolas. Não  
é rara a presença de trechos de notícias jornalísticas que são colocadas de maneira  
irônica, normalmente no início dos funks, ora para debochar do discurso corporativo  
midiático em torno do mundo do crime, ora para “documentar” feitos dos quais se  
orgulham. Em segundo lugar que não é por outro motivo que sendo os sujeitos que  
compõem a facção apenas uma fração da juventude pobre periférica, que a pacificação  
entre eles significa ao mesmo tempo guerra, não com todos que estão fora das facções,  
mas com todos aqueles que negam ou obstaculizam a consolidação do poder delas.  
Assim, no universo das facções, a paz é construída em uma escala enquanto a guerra  
se recoloca em outra, por isso a guerra se estabelece enquanto fator constitutivo  
permanente dessas organizações, seja a guerra contra tudo o que venha a ser  
apreendido como o Sistema (Estado), seja a guerra contra o Alemão (inimigo de outra  
facção).  
O proibidão, dessa maneira, se constitui como veículo de socialização de  
experiências dessas organizações coletivas, o que no mundo do crime (FELTRAN,  
2008; 2011) representa a encarnação de “tradições, sistemas de valores, ideias e  
formas institucionais” (THOMPSON, 1987, p. 10) dessa fração de classe. Dada essas  
circunstâncias, temos em conta que o proibidão é, conforme dissemos antes, o elo  
mediador de experiências entendida nos termos thompsonianos instrumentalizado por  
uma fração da juventude periférica atingida por políticas estatais de encarceramento e  
extermínio. Tais experiências dessa juventude veiculam nas letras o seu próprio  
cotidiano organizado em torno de uma luta por ascensão social se conectando através  
de processos violentos a mercados ilegais. Nesse sentido, o proibidão captura numa  
forma estética a estrutura de sentimento (WILLIAMS, 1965; 1979; 2013) da luta dessa  
fração de classe internamente (entre as facções) e também contra o Sistema. Esses  
sujeitos se organizam forjando suas próprias formas institucionais de regulação da  
vida social produzindo uma conexão inédita entre a cadeia e a favela.  
Se numa primeira leitura, o proibidão aparece imediatamente apenas como uma  
representação apologética da violência, o exame aprofundado de mais de mil e  
quinhentos proibidões produzidos em todas as regiões do país ao longo dos quatro  
anos da pesquisa, levou-nos a perceber a riqueza de um universo no qual a violência  
que aparece na superfície dissimula uma teia complexa de afetos e relações que ficam  
submersos e que se articulam entre si contraditoriamente. O proibidão ao passo que  
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sintetiza símbolos de identidades coletivas, representando relações e papéis sociais  
no mundo do crime, também engendra novas relações sociais, ajudando a transformar  
aquele universo. Afinal,  
O funk pode ser compreendido como um meio de comunicação  
popular com grande influência sobre a juventude pobre. Expressando  
realidades múltiplas, servindo como diversão, transmitindo  
mensagens e, sobretudo, transformando em registro artístico a  
linguagem da favela, cheia de gírias e sentidos diversos da língua culta  
[...] Num contexto no qual cada vez mais as favelas são guetificadas  
por uma política de (in)segurança pública que é marcada pela  
criminalização da pobreza, o funk ganha uma importância  
comunicacional ainda maior, espécie de “jornal popular”, no dizer de  
MC. Catra (FACINA; LOPES, 2012, p. 197).  
Com efeito, para além do ódio e da violência presente na guerra de facções rivais  
representadas nas letras, também estão presentes no proibidão uma série de outras  
temáticas: solidariedade, sensualidade, amor, amizade, luto, crítica social e outros  
tantos temas, como não poderia ser diferente, já que todos são sentimentos universais  
da vida humana. Da mesma forma como está presente o sexismo, a homofobia, o  
bairrismo e o consumismo desenfreado e outras tantas mazelas que assolam nossa  
época e que também são facilmente encontradas nas suas letras. Assim, quando se  
toma um objeto complexo como o funk proibidão para análise, é preciso tomá-lo em  
sua totalidade contraditória, sem pesar a mão para este ou aquele aspecto, e sem  
escorregar nas armadilhas da aparência. Desta forma, ao examinar o funk proibidão,  
mesmo quando tomamos a ótica da guerra de facções, tomamos essa violência  
representada não como faceta única desse complexo fenômeno, mas como locomotiva  
de uma narrativa daquela cuja sobrevivência é uma luta diária de vida e de morte. Esse  
modo de vida (WILLIAMS, 2013), ou modo de luta (THOMPSON, 1987) pela  
sobrevivência (seja no cárcere, na favela ou na vida como um todo), parece ter na  
violência sua centralidade, entretanto, essa luta violenta só ganha sentido à medida  
que se articula com inúmeros outros sentimentos e aspirações. Não sendo a simples  
manifestação de uma irracionalidade bestial, como às vezes se supõe, essa violência,  
resultante de relações sociais marcadas pela desigualdade, é significada e  
ressignificada de diversas maneiras pelos próprios atores sociais desse universo e o  
funk proibidão parece ser o veículo primordial de tal representação para estes setores,  
configurando-se assim como uma fonte privilegiada de análise, afinal a música popular  
pode ser tomada exemplarmente “como sintoma da eficácia de certas formas sociais  
gerais de auto representação” (SOUZA, 2004, p. 41).  
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Antes de concluirmos essa introdução contextualizadora, é importante mencionar  
que a pesquisa que realizamos ao longo de quatro anos levantou e catalogou 120  
títulos musicais que tematizam as facções criminosas e a vida do crime, sendo a maior  
parte deles produzidos no Maranhão (incluindo aqueles feitos no interior dos presídios  
maranhenses), e em segundo lugar os originados nas favelas do Rio de Janeiro4, os  
demais espalhados em outros 12 estados contemplando as 5 regiões do país. Some-  
se a esse trabalho a leitura crítica de uma vasta literatura de textos das ciências sociais  
cujo grau da dificuldade encontrada se deveu basicamente ao esforço de conciliar os  
métodos de abordagem, especialmente da área de antropologia, cujos referenciais  
epistemológicos se chocam frontalmente com os referenciais dominantes em Karl Marx,  
Raymond Willians, Lukács e Edward Thompson. Ainda assim, esses textos continham  
contribuições relevantes para dar conta da complexidade daquilo que chamamos de  
dialética cadeia-favela, que tomou forma no Brasil nos últimos anos com a política  
vigente de encarceramento em massa. Por fim uma breve palavra sobre a organização  
do texto. Com a finalidade de darmos conta das dimensões estética da violência e da  
rede de solidariedade, o artigo está desenvolvido em duas seções temáticas, sendo a  
primeira uma abordagem crítica dos temas musicais mais recorrentes nos proibidões  
e a segunda seção uma exposição igualmente crítica das relações sentimentais neles  
presentes.  
Temas musicais  
A solidariedade interna ao mundo do crime conecta rua e cadeia e, portanto, se  
coloca como um afeto central no âmbito faccional, sem perder de vista a mobilização  
constante para a guerra, que parece ser um sentimento igualmente importante, pois  
como é possível ouvir e sentir nos proibidões, o choque entre inimigos parece ser algo  
permanentemente iminente. Por isso, há no universo do proibidão uma tendência à  
representação da “paz perpétua como uma guerra perpétua”, sentimento da juventude  
faccionada perfeitamente alinhado com as tendências geopolíticas da guerra do nosso  
tempo, nos termos delineados por Paulo Arantes (2007). O desejo da paz alcançada  
mediante a guerra está imiscuído de uma série de outras afetações típicas da  
sociabilidade da juventude faccionada e compõem aquilo que chamamos de estrutura  
4
Todos os funks aqui citados estão disponíveis nos anexos da tese de doutorado depositados no  
repositório  
institucional  
da  
Universidade  
Federal  
Fluminense  
em  
/riuff/handle/1/16215.  
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de sentimento, nos termos categoriais estabelecidos por Raymond Willians (2013). Em  
termos sensíveis, esse estado de guerra permanente se traduz em ódio permanente  
aos inimigos, especialmente aos integrantes de facções rivais e à parte mais visível do  
Sistema: a polícia. De fato, a polícia é tematizada em 29 proibidões dos 120 por nós  
catalogados, representando 24% do total. Em todos estes proibidões a juventude  
faccionada retrata apenas uma relação alternativa à guerra permanente com a polícia:  
a mediação monetária na forma do que eles chamam de arrego. Nos proibidões,  
somente o dinheiro é capaz de frear a violência entre polícia e bandidos, nada mais  
parece capaz de parar esse enfrentamento, nem mesmo a fé cristã. Se o ódio está  
presente quando se trata dos inimigos, quando se trata dos aliados, outros  
sentimentos tomam conta da situação: união, solidariedade, amizade, respeito, entre  
outros. Raramente o amor é citado em relação aos aliados, a única exceção é para os  
amigos que morreram, nem mesmo com as parceiras sexuais, esposas ou namoradas  
o amor costuma ser tematizado. “Amor só de mãe”, esse é um dos ditados mais  
comuns e populares da vida do crime. As mães ocupam um lugar de destaque na  
sociabilidade e nos afetos da juventude faccionada e está presente em 10 proibidões  
catalogados.  
Destacou-se também o lugar que a morte ocupa nessa teia de afetos na estrutura  
de sentimento. A morte, personagem constante nas narrativas dos enfrentamentos  
faccionais, está presente em 39 proibidões, e é significada de diversas maneiras. Para  
as facções a forma de vencer a morte, assombro sempre iminente, reside na garantia  
assegurada reciprocamente entre os companheiros que, caso venham a ser  
assassinados, os irmãos sobreviventes guardam a obrigação de que a morte será  
vingada, ou, como dizem no jargão do crime, a morte será cobrada. A lógica da  
cobrança, que alimenta os ciclos de vingança e contribui para estender ainda mais o  
conflito de facções, aparece como um paliativo para o medo da morte que se faz  
onipresente no mundo do crime, quando cada irmão faccionado passa a ter certeza  
que seu sangue não será derramado em vão, pois seus companheiros irão vingá-lo se  
necessário. A concepção de Deus e da fé cristã está presente em 33 proibidões  
catalogados e normalmente aparece correlata a essa concepção de morte, ela também  
aparece articulada à ética e ao proceder do crime (tema abordado em 44 proibidões),  
que demarca esse nova postura ético-política no mundo do crime representada pelas  
facções.  
Ao vivenciar situações de opressão extrema nas cadeias, essa juventude  
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periférica impulsionada pelo encarceramento massivo presente desde o início dos anos  
1990, pôde “perceber a si mesma enquanto classe” (THOMPSON, 2001) e, desde  
então, passou a se objetivar sob a forma organizativa daquilo que ficou popularmente  
conhecido como facção. Essa instituição forjada em anos de massacres carcerários  
toma para si a ascensão social pelas armas, parte indispensável de seu programa  
político, estando presente em 90 proibidões dentre os 120 catalogados. Quando  
observamos a teia de alianças que o PCC e o CV formaram por todo o país, percebemos  
que a instituição facção hoje é uma realidade nacional, deste modo, argumentamos  
que existem aspectos sensíveis correlatos a ela segundo a mesma abrangência  
nacional, que parece alcançar os rincões periféricos mais longevos onde há a presença  
da juventude faccionada. É perceptível ao analisar essas manifestações estéticas, que  
o proibidão deu “forma semântica” à experiência vivida nesse decurso, isto é, conferiu  
a esta experiência um sentido coletivo mediante uma forma de expressão e  
comunicação amplamente compartilhada, afinal a “emergência de uma nova estrutura  
de sentimento pode ser mais bem relacionada ao surgimento de uma classe”  
(WILLIAMS, 2013, p. 155). O proibidão, dessa maneira, se constitui como veículo de  
socialização de experiências dessas organizações coletivas, que no mundo do crime  
(FELTRAN, 2008; 2011) representam a encarnação de “tradições, sistemas de valores,  
ideias e formas institucionais” (THOMPSON, 1987, p. 10) dessa fração de classe.  
Todos os aspectos compõem facetas da estrutura de sentimento: “é tão firme e  
definido como sugere a 'estrutura', mas opera nas partes mais delicadas e menos  
tangíveis de nossa atividade” (WILLIAMS, 1965, p. 64) . Esta estrutura de sentimento  
foi plasmada no proibidão e expressa a sensibilidade da juventude organizada em  
facções. O conceito de Williams (1965; 1979; 2013) é lido sob a luz da descoberta  
marxiana que compreende a natureza histórico-social dos sentidos humanos (MARX,  
2003). Partindo desse quadro de referências teóricas da estética marxista,  
investigaremos como se articulam os sentimentos mobilizados por essa juventude que  
habita as periferias e os presídios e que encontra no proibidão “sua forma semântica  
compartilhada” (WILLIAMS, 2013, p. 64).  
5 Levamos em conta a assertiva de Thompson, que o papel do historiador ao investigar a luta de classes,  
é desvendar os mecanismos desta luta tal qual ela aconteceu, e não “em uma forma comum, geralmente  
leninista”, que tende a analisar a luta de classes “não nos termos que se deu [...] mas nos termos daquilo  
que deveria ter sido” (THOMPSON, 2001, p. 279).  
6 No original: “is structure of feelings: it is as firm and definite as 'structure' suggests, yet it operates in  
the most delicate and least tangible parts of our activity” (WILLIAMS, 1965, p. 64).  
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Sabemos que a expansão do encarceramento em massa e dos mercados ilegais  
conformou os pilares fundamentais dessas instituições. As transformações estruturais,  
políticas e econômicas ocorridas a partir da década de 1990 (ANTUNES, 2006),  
trouxeram consigo uma série de convulsões sociais, amplamente registradas na  
produção cultural periférica. Tais mazelas sociais que se evidenciaram a partir dessa  
época, são, a rigor, imanentes à ordem capitalista, mas sua radicalização contribui para  
aumentar ainda mais suas consequências sociais nefastas. A contenção e  
criminalização dessa enorme massa de trabalhadores pobres excedentes, gerada pelas  
“deslocalizações selvagens” e pela “fragmentação planetária das cadeias produtivas”  
(ARANTES, 2008, p. 8), se espraiou junto às expressões culturais da juventude  
periféricas, que passam a ser criminalizadas, como é o caso do funk:  
A perseguição aos ritmos negros não é uma novidade histórica entre  
nós. Mesmo o samba, hoje largamente aceito e incorporado à cultura  
oficial, foi acusado de incivilizado e ameaçador, sofrendo perseguições  
policiais, preocupando os defensores da ordem pública. No entanto,  
o samba integrou-se a chamada cultura brasileira num momento em  
que as elites nacionais ainda tinham projeto de nação, impossível de  
se concretizar sem se levar em conta, ainda que de forma  
subalternizada e domesticada, o povo e as suas manifestações negras.  
Como uma forma de incluir hierarquizando, cria-se o mito da  
democracia racial. O funk surge como expressão cultural popular em  
outro momento histórico, o da devastação neoliberal, no qual a  
incorporação da classe trabalhadora ao mercado via emprego e as  
ilusões da democracia racial são jogadas água abaixo. Sem nada a  
oferecer como miragem aos subalternizados, a sociedade de mercado  
transforma a maioria da humanidade em potenciais inimigos, em seres  
humanos supérfluos que nem mesmo como exército de reserva de  
mão de obra servem para ela. Nesse contexto, ainda mais numa  
sociedade profundamente desigual como a nossa, conter as classes  
subalternizadas se torna agenda prioritária dos governos, seja por  
intermédio da institucionalização do extermínio, seja por meio da  
criminalização cotidiana dos pobres e suas expressões culturais  
(FACINA; LOPES; 2012, p. 195-196, grifo nosso).  
As transformações estruturais que marcaram a história do país a partir dos anos  
1990 proporcionaram um contexto onde, por um lado, na perspectiva das classes  
dominantes “a incorporação da classe trabalhadora ao mercado via emprego e as  
ilusões da democracia racial são jogadas água abaixo”, restando-lhes promover o  
encarceramento e o extermínio a nível de política pública estatal, por outro lado, no  
seio de parte da juventude periférica, cresce um sentimento correspondente que  
entende que somente por meios violentos e se conectando a mercados ilegais será  
possível romper com a situação de miséria e invisibilidade social a qual foram  
submetidos: “Enquanto o cifrão falar mais alto e fizer parte da autoestima, vai ter uma  
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Faixa de Gaza sempre em uma nova esquina” (MC Orelha, Faixa de Gaza 2). Esse  
choque entre uma classe dominante que promove uma devastação em tempos  
neoliberais e a juventude empobrecida que daí decorre, conforma uma oposição  
centrada no ódio e no apagamento do outro, no qual o único vínculo social entre as  
classes se resume à violência e ao dinheiro, como é a relação entre polícia e mundo  
do crime. O choque dessas posições socialmente opostas, um Estado assassino e  
punitivista contra uma juventude armada e com perspectiva de ascensão social pelo  
crime dividida em rivalidades internas, fabrica a sensibilidade da guerra faccional  
vigente, que o proibidão, por sua vez, captura em suas crônicas de guerra.  
Esta estrutura de sentimento plasmada nos proibidões e que alcança hoje todo  
o território nacional, atravessa as distintas siglas e organizações, mesmo que algumas  
delas se coloquem como rivais. Os proibidões maranhenses, assim como as facções,  
trazem consigo profundas marcas das influências importadas de Rio de Janeiro e de  
São Paulo . Aqui tratamos de aspectos que julgamos chave desse fenômeno e que  
resulta de uma articulação de afetos e relações que se dão cada vez mais a nível  
nacional. Como a guerra plasmada nas letras dos proibidões é modeladora de  
sentimentos e sociabilidades? Como ela mobiliza e remodela afetos e relações? Quais  
elementos estéticos, presentes nos proibidões, são acionados para expressar o  
universo das facções?  
Neste ponto consideramos fundamental a assertiva de Lukács sobre a  
especificidade do reflexo estético da realidade, em sua distinção da ciência. Segundo  
ele, ambos se colocam como reprodução da mesma realidade objetiva, porém a ciência  
é tanto mais elevada e universal quanto mais for fiel à realidade objetiva, à sua lógica  
interna para além de sua aparência fenomênica, isto é, segue no sentido da  
desantropomorfização. A arte, pelo contrário, é tanto mais genuína quanto mais revelar  
em um determinado conteúdo o aspecto humano, o gênero humano, como raiz de sua  
forma, isto é, vai no sentido da antropomorfização, diferentemente da forma científica,  
“a obra de arte, é ao contrário, em primeiro lugar, algo criado pelo homem, que jamais  
pretende ser uma realidade do mesmo modo que é real a realidade objetiva” (LUKÁCS,  
1978, p. 176-177). Recorremos também aos pressupostos de Candido (2000) ao  
analisar a relação da obra de arte e o meio social, articulando apropriadamente os dois  
7 Ver nota 4.  
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momentos da pesquisa, um que visa desvendar o meio social onde as facções  
emergem; e outro que toma o proibidão como expressão sensível desse universo, sem,  
no entanto, encará-los como momentos separados e estanques.  
Por essa razão que os temas aqui selecionados estão presentes na realidade e  
na obra de arte, não os tomando como idênticos, mas compreendendo sua natureza  
articulada. Assim, o papel que a cadeia passava a exercer na realidade nacional a partir  
dos anos 1990 e como suas transformações foram capturadas pela produção cultural  
periférica, desde a desunião à solidariedade nascente, da qual o próprio proibidão  
também contribui para consolidá-la de maneira ativa. Presumimos, portanto, que a  
estrutura de sentimento que aqui abordamos está presente tanto na realidade quanto  
nos proibidões. O proibidão tanto reflete esses aspectos do real, como ele mesmo é  
também produtor dessa estrutura de sentimento ao dar a ela a “forma semântica”, isto  
é, sentido coletivo, nos termos descritos por Williams (1965; 1979; 2013). Desde o  
batidão frenético que dá vazão à enxurrada de emoções que permeiam a vida loka, em  
ritmo acelerado, marcando os passos de uma vida marcada pela velocidade de  
acontecimentos e reviravoltas, à pulsão frenética inerente às atividades criminosas  
típicas desse universo, como assaltos ou troca de tiros com inimigos e com a polícia.  
A adrenalina é sem dúvida uma face marcante da vida do crime.  
Nós é cria da favela  
Estilo neuroticão  
Por isso nosso som é sempre pesadão  
E sempre na atividade até na hora do lazer  
Porque na favela a bala não tem hora pra comer  
(MC Sadrak, 2017)  
No mundo do crime a atmosfera de permanente desconfiança e a constante  
vigilância para não ser surpreendido pelos inimigos produzem o que eles chamam de  
neurose: um comportamento desconfiado e sempre atento a detalhes. Sadrak diz em  
sua letra acima que esse estilo neuroticão das crias da favela explica o som pesadão  
dos proibidões. A música acelerada e agitada reflete uma vida conturbada e permeada  
de conflitos, onde o inimigo está sempre à espreita e contra o qual expressa-se o ódio  
sempre que possível, porém revela ao mesmo tempo, contraditoriamente, uma posição  
convicta de suas escolhas e muitas vezes bem-humorada, que transparece uma postura  
ativa perante a vida. Se seguirmos esta linha de interpretação do estilo neuroticão  
lançada por Sadrak, isto é, que o som pesadão reflete um estado permanente de  
neurose, podemos conjecturar que a superação do funk de 130 batidas por minuto  
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(130 BPM) pelo funk de 150 batidas por minuto (150 BPM) pode significar a  
aceleração, ainda maior, dos embates inerentes a vida do crime na atualidade, podendo  
possivelmente ser uma reverberação estética do recrudescimento do conflito social  
neste âmbito. O funk de 150 BPM surgido recentemente, já se tornou hegemônico no  
proibidão carioca e ainda divide espaço com o funk de 130 BPM no proibidão  
maranhense. O batidão pulsante também estimula à dança e ao uso sensual do corpo,  
dando vazão à pulsão sexual sempre presente no mundo do crime e nas letras dos  
proibidões. No mundo do crime a exaltação ao prazer em forma geral e com mais  
ênfase ao prazer sexual, traduz angústias de uma vida de incertezas, onde os  
indivíduos se veem impelidos a aproveitarem o máximo possível de determinados  
prazeres efêmeros, pois eles podem se tornar impossíveis de maneira abrupta, seja  
pelo encarceramento ou pela morte, ambos sempre iminentes.  
O proibidão mesmo estando presente em todas as regiões do país, absorve  
características próprias em cada região. Se observarmos os proibidões do Bonde do  
Maluco da Bahia, perceberemos claramente a influência de ritmos da música baiana  
neles. No Rio de Janeiro, o estado onde localizamos a maior quantidade de produção  
de proibidões, com dezenas de canais ativos postando funks novos quase diariamente  
com vasta diversidade. A mudança de frequência acima indicada é exemplo notório do  
papel da cidade carioca nesta fecundidade produtiva, pois a predominância atual do  
funk de 150 BPM lá, só começou a ter alguma penetração na produção maranhense a  
partir de 2018. Além disso, funks do Rio de Janeiro como os de MC FL que tematizam  
a facção Terceiro Comando Puro: “Tropa do Raro” e “Medley para o Morro do Macaco”,  
dentre outros, transparecem no seu ritmo uma clara inspiração do samba tipicamente  
carioca. Em São Luís os MCs mais antigos como Sadrak, carregam consigo a influência  
do ritmo Miami Bass, que foi uma verdadeira febre em São Luís, nos 1990 e início dos  
anos 2000. Assim como em proibidões como os de MC BL é possível perceber  
influências do reggae, muito difundido na periferia da Ilha. Os proibidões da Paraíba  
(MC Maguinho, Okaida e MC Descubra, PCC), e do Acre (Bonde dos 13), todos  
catalogados, estão muito mais próximos do rap que do funk.  
Assim vemos que o universo do proibidão é heterogêneo e que mesmo sendo  
considerando uma vertente do funk, ele muitas vezes adentra por outros ritmos e  
outras formas de experimentações da linguagem. Uma das manifestações mais  
interessantes dessa experimentação é a forma improvisada presente em diversos  
proibidões. A oralidade e o improviso são características marcantes da musicalidade  
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periférica ligada à diáspora negra, como o rap, o funk, o samba e até mesmo o reggae  
nos seus primórdios. Presenciamos esta forma criativa de experimentação da  
linguagem em inúmeras ocasiões de batalhas de MCs em São Luís nos últimos anos,  
realizadas, quase sempre no centro da cidade, mas também em diversas periferias da  
Grande São Luís como Maiobão, Cooperativa Habitacional dos Trabalhadores do  
Comércio (Cohatrac), Bairro de Fátima, dentre outras. Tanto o proibidão, como o rap  
especialmente, são ritmos presentes nestas batalhas. Elas se realizam com dois MCs  
rimando de maneira improvisada no meio de uma roda, acompanhado de um bit (uma  
sequência de batida eletrônica) que o acompanha numa caixa de som ao fundo, os MC  
se alternam em forma de duelos, que podem versar sobre temas sorteados na hora,  
como foi o caso de uma batalha que observada em um desses bairros onde foram  
sorteados temas como: corrupção, machismo, cadeia, violência policial, dentre outros.  
Os MCs rimavam sobre estes temas de maneira improvisada, elaborando os versos na  
hora. Ao final de cada batalha o MC mais aplaudido pela plateia classificava para a  
próxima fase até que no fim da noite se coroou um campeão. Nas batalhas de São  
Luís, entretanto, os mais comuns são aqueles que deixam as temáticas para livre  
escolha do MC. Contudo, independente se se trata de batalhas com temáticas livre ou  
com temas sorteados, sempre que os MCs faziam uma rima criativa sobre o proceder  
do mundo do crime eram aplaudidos com bastante ênfase pela plateia, em todas as  
inúmeras ocasiões que tive a oportunidade de presenciar. Numa noite de batalhas  
observadas no Cohatrac, o vencedor foi um MC que não escondia nas suas rimas sua  
vinculação simbólica à sigla B40. Numa batalha decisiva, que lhe credenciou ao título  
de campeão, este MC mandou uma rima advertindo que “se roubar na quebrada vai  
levar tiro na perna” e foi aplaudido por uma plateia em êxtase formada quase na sua  
totalidade por uma juventude periférica que absorve e legitima uma parte significativa  
do “regime normativo” das facções e também se apropria do seu repertório simbólico.  
Ao final de cada batalha o DJ que organizava os duelos conferia os votos da plateia e  
decretava o vencedor, sempre afirmando: “aqui é o certo pelo certo” ou “o certo  
prevalece” e outras expressões típicas da ética e do proceder do mundo do crime.  
A improvisação também é amplamente presente, principalmente, nos proibidões  
da cadeia. Num espaço onde tudo é improvisado, reaproveitado e ressignificado não  
8 Sobretudo no modo como diferentes objetos são improvisados e reaproveitados. Um pedaço de metal  
aquecido por um fio elétrico ligado na tomada pode virar um fogão, uma escova de dente pode virar  
uma faca, um garfo transformado em uma espécie de soco inglês, dentre outas inúmeras possibilidades.  
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poderia deixar de apresentar essa característica em uma de suas principais expressões  
estéticas. Por isso em proibidões do sistema pro mundão, isto é, aqueles gravados nas  
cadeias maranhenses e lançados na internet, como o de MC Bolado, a ausência de um  
bit eletrônico não inviabiliza a produção musical, baldes viram tambores e atabaques  
de onde se retira um som grave, objetos de metal são utilizados para se alcançar o  
som agudo, e o próprio corpo: mãos, peito e boca viram instrumentos que  
complementam a batida. Se o proibidão para os seus críticos se trata de um ritmo  
pobre, pela sua estrutura aparentemente simples de uma rima acompanhada de uma  
batida repetitiva, por esses mesmos motivos, ele se torna um veículo acessível, posto  
que sua aparente simplicidade é o que convida qualquer amante do ritmo a improvisar  
uma rima e uma batida de maneira experimental, seja para descontrair os tediosos  
dias na tranca, como faz MC Bolado e seus companheiros de cela no vídeo supracitado,  
seja para reforçar a união interna do coletivo fazendo ameaça para os inimigos, como  
os proibidões do C.O.M gravados na antiga CDP, ou mesmo para vociferar contra o  
governo e a imprensa, como faz Sadrak. Os motivos que levam alguns a rejeitar o  
proibidão são muitas vezes os mesmos que o fazem ter uma penetração e hegemonia  
em lugares que outros ritmos musicais jamais tiveram. O que para uns é falta ou  
defeito, para outros é potência. Os proibidões das cadeias maranhenses são forjados  
artesanalmente como são os chuços, estoques e facas, como tais, o proibidão se  
mostra igualmente um instrumento de sobrevivência num ambiente adverso, e também  
uma arma de guerra contra os inimigos.  
Se os proibidões da cadeia têm como elemento predominante o improviso e a  
sua fabricação artesanal, nem sempre podemos dizer o mesmo dos proibidões do  
mundão. Os proibidões gravados fora do ambiente precário das celas possuem muito  
mais recursos disponíveis e os DJs se utilizam deles de uma maneira cada vez mais  
criativa. Os primeiros proibidões maranhenses (2013-2015), mesmo aqueles feitos  
fora do mundo prisional apresentavam as mesmas características dos proibidões  
improvisados das prisões. Entretanto, a facção Bonde dos 40 que é a organização  
amplamente hegemônica no proibidão maranhense, uma nova geração de DJs que  
surgiu principalmente a partir de fins de 2017: DJ Diego, DJ Alma, DJ Phelipe Sousa,  
DJ Arley, dentre outros, significou um salto qualitativo na produção dos proibidões da  
Grande São Luís.  
Essa geração de DJs ludovicenses, a exemplo do que ocorre em outros estados  
como o Rio de Janeiro, são responsáveis pela mixagem das músicas e também muitas  
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vezes pelos clipes que as acompanham. Ao contrário dos primeiros proibidões  
maranhenses, que eram feitos com bits improvisados ou mesmo cantados a palo seco,  
e lançados de maneira crua na internet. Atualmente, nos proibidões produzidos por  
essa nova geração de DJs estão presentes mixagens engenhosas onde mesclam-se  
batidas de funk com notícias jornalísticas, rajadas de fuzis e pistolas, trechos de outros  
funks ou trechos de vídeos (ou apenas dos áudios) de invasões a territórios inimigos,  
filmados pelas próprias facções que depois passam a compor os proibidões (ou os  
seus clipes) lançados na internet. Também são utilizados trechos de filmes, como Tropa  
de Elite, Cidade de Deus, entre outros , que são recortados, editados e utilizados nos  
clipes, ou mesmo nas músicas. A técnica de produção desses DJs claramente segue a  
linha daquilo que artistas e revolucionários de uma vanguarda radical francesa,  
organizada na Internacional Situacionista nos anos 1950 e 1960, caracterizou como  
detournement: o uso desviado de determinados elementos artísticos, que são  
instrumentalizados à revelia da sua origem e que passam a ser utilizados para novos  
fins. A técnica do uso desviado é regra no mundo dos proibidões e de maneira geral,  
está bastante presente na linguagem atual dominante na internet. Os MCs e DJs se  
apropriam de imagens, trechos de música, filmes e notícias e dão a elas novo  
significado. Assim no universo do proibidão uma foto do jogador Neymar fazendo um  
4 e um 0 com as mãos para uma foto, provavelmente em referência a uma vitória em  
uma partida de futebol, é recortada por esses DJs e passa a compor um clipe do Bonde  
dos 40. Uma notícia jornalística que fala de um atentado a uma delegacia, feita com o  
intuito de denunciar uma facção, pode ser recortada e colocada para abrir um  
proibidão, sendo celebrada como motivo de orgulho - como acontece no funk de MC  
Rusk. No funk de MC Neurótico, produzido por essa nova geração do proibidão  
maranhense, há um longo trecho que abre o funk com notícias sobre as situações das  
cadeias no Maranhão, em seguida, para contrastar, o DJ emenda com notícias de  
denúncias sobre as regalias concedidas a empresários e políticos presos na chamada  
“Operação Lava a Jato”, alcançando um efeito crítico engenhoso:  
O desvio, ou seja, a reutilização em uma nova unidade de elementos  
artísticos pré-existentes, é uma tendência permanente da vanguarda  
atual, antes e depois da constituição da I.S. As duas leis fundamentais  
do desvio são a perda de importância - atingindo a perda de seu  
significado original - de cada elemento autônomo desviado e a  
organização ao mesmo tempo de outro conjunto significativo que dá  
9 No funk “Partido” do PCC está presente trechos do filme Salve Geral.  
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a cada elemento seu novo significado (Internationnale Situacioniste,  
1959, p. 10, tradução dos autores).  
O uso desviado é de tal maneira difundido no universo dos proibidões que nem  
os funks das facções inimigas escapam. Quando há um funk que alcança grande  
sucesso (como Faixa de Gaza de MC Orelha), ele tende a ser amplamente  
instrumentalizado até mesmo por facções inimigas. Seu ritmo é “roubado” e uma nova  
letra é colocada em cima. Assim, funks famosos como “Todas as quebradas” de MC  
Daleste que tematiza periferias paulistas e apresenta uma vinculação simbólica com o  
PCC, é parodiado por um funk da facção Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte,  
organização inimiga do PCC, substituindo os nomes das quebradas paulistas pelos  
nomes das quebradas potiguares dominadas pelo Sindicato. Não existe propriedade  
privada no proibidão que não seja violada. Os MCs se apropriam de versos um dos  
outros e até mesmo de clipes. Nada disso (até onde pude perceber) costuma ser visto  
negativamente nesse universo, que parece ter claro que essas apropriações criativas  
compõem a sua essência.  
A importância da oralidade no funk, apontada como “jornal das favelas” (FACINA;  
LOPES, 2012), se radicaliza ainda mais nestes proibidões aqui analisados, onde a  
música é repetidamente reivindicada como instrumento de expressão dessa fração de  
classe. Todos estes aspectos que descrevemos atravessam todas as organizações aqui  
analisadas, independentes se rivais ou aliadas. Neste passo, percebo nesta estrutura  
de sentimento a face sensível do fenômeno político que tratamos ao longo deste  
trabalho: a institucionalização do mundo do crime a nível nacional. Volto a afirmar que  
discorrer sobre a abrangência nacional desse fenômeno não é negar os contornos  
singulares que ele ganha em cada região, estado, cidade ou quebrada. Apenas  
salientamos os aspectos sensíveis que são comuns e estão presentes nos proibidões  
das distintas regiões, refletindo a existência de uma fração de classe que está ligada  
por laços organizativos, ideológicos, sensíveis e indentitários, que interage e consolida  
sua coesão cada vez mais a nível nacional, apesar das dissidências internas.  
Outra referência recorrente nos proibidões é a busca pela prosperidade que  
organiza e condiciona afetos, simbolizada pelas roupas de marcas e cordões de ouro,  
carros de luxo , etc. Essa temática que no funk se convencionou chamar de  
10 “Tamo banhado de ouro com várias roupas de marca/ Reserva e Armani, Tommy, essa que é a parada”  
(MC Segal, Bonde dos 40).  
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“ostentação”, está presente em 26 proibidões do nosso levantamento e formata uma  
representação que atrai a juventude periférica. No entanto essa vida de ostentação em  
geral não se confirma na prática: basta assistir aos vídeos que são expostos na internet  
por alguns MCs do Maranhão que são diretamente envolvidos com as facções, os locais  
onde os MCs aparecem cantando seus funks são feitos com paredes sem rebocos, as  
roupas são comuns, não aparecem os carros de luxo e os “quilos de ouro”. O que deixa  
claro que a maioria dos jovens que se engaja prematuramente nas facções no sonho  
de ascensão pelo crime, acaba por servir apenas de mão de obra barata e descartável,  
dado que a maior parte do capital que circula nos mercados ilegais, muito rentáveis  
sem dúvida, não se encerra nas comunidades onde são recrutados os operadores de  
base do varejo do tráfico.  
Esse sonho de ascensão a qualquer custo tem a ver com o lugar que o dinheiro  
passou a ocupar na nossa sociabilidade. Sabemos que o dinheiro é uma invenção  
humana com uma longa trajetória histórica. Acompanhando os florescimentos  
comerciais das grandes cidades, ganhou penetração e importância social em distintos  
modos de produção pré-capitalistas, mas nunca ao ponto de se generalizar como  
representante universal da riqueza, como aconteceria modernamente. Vale lembrar,  
que outrora, naqueles modos de produção, o dinheiro era rejeitado como fator de  
sociabilidade, na medida em que era visto como fonte de corrupção econômica e  
degeneração moral11. Embora presente desde há muito nas relações sociais, o  
desvendamento de sua natureza só se tornou possível com o amadurecimento de um  
tipo específico de relação social de produção, aquela “em que a forma mercadoria é a  
forma geral do produto do trabalho, e, em consequência, a relação dos homens entre  
si como possuidores de mercadorias é a relação social dominante” (MARX, 1989, p.  
68). Na estrutura de sentimento das facções, o poder do dinheiro e das armas se  
entrelaçam e se personificam em poucas figuras de destaques, que por sua história de  
“sucesso”, exercem papel de liderança nesse universo e se tornam quase lendários,  
mesmo que, em regra, suas vidas tenham fins prematuros e violentos. As referências  
a esses personagens marcantes são inúmeras, e sempre se exalta a imagem de uma  
liderança que impõe terror aos inimigos, que tem o respeito das quebradas e que  
protege os moradores, num contexto onde a vida do crime aparece como uma  
11  
“A sociedade antiga denuncia o dinheiro como elemento corrosivo da ordem econômica e moral”  
(MARX, 1989, p. 147).  
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alternativa para a juventude empobrecida, atraída pela promessa de prosperidade e  
de ascensão social pelas armas, que deseja alcançar uma vida de ostentação e riqueza  
que muitas vezes não se confirma, mas que é almejada a qualquer custo. O funk  
proibidão nos revela a estrutura de sentimento dessa juventude, que submetida a uma  
brutal condição de pauperização e segregação social e racial da era neoliberal,  
apresenta nas letras dos proibidões a consciência de que qualquer outra via de  
ascensão econômica para eles está bloqueada ou (no mínimo) extremamente  
dificultada.  
Para Marx, o modo de produção capitalista e suas relações de produção e  
circulação eleva um elemento específico a ser o núcleo e fio condutor na costura do  
tecido social capitalista, este elemento é o dinheiro, ou, dito de maneira mais rigorosa,  
a forma do valor: “entendo por valor o nexo social dominante em uma sociedade  
produtora de mercadorias” (ARANTES, 2007, p. 95) . Muito embora o dinheiro não  
seja uma invenção produzida pelo capitalismo, possuindo uma origem muito anterior,  
apenas sob o modo de produção capitalista ele foi alçado à condição de centro da  
vida social, à condição de objetivo primeiro e último da reprodução social, à qualidade  
de fim em si mesmo, num processo social que abrange os indivíduos das diversas  
classes.  
O modo de vida capitalista na busca pelo dinheiro como fim em si mesmo, e  
neste ponto, a fração da juventude engajada no crime não se difere em nada dos  
valores dominantes. Entretanto, a particularidade (relativa) de sua empreitada -  
amplamente questionada na sociedade - residiria na via das armas e na via do  
extermínio dos inimigos: práticas eleitas como maneiras de alcançar um padrão de vida  
confortável, cuja representação nas letras se dá pelo acesso a roupas de marca, carros  
de luxo, cordões de ouro, armas automáticas e de grosso calibre, etc. Quando o  
dinheiro assume o papel de mercadoria especial que monopoliza a função de medida  
dos valores, das coisas ou dos homens, reduzindo tudo ao “laço do frio interesse”, às  
“duras exigências do ‘pagamento à vista’”, ele absorve a sociabilidade “nas águas  
geladas do cálculo egoísta”, reduzindo tudo a meras relações monetárias, mediante a  
proclamação de “uma única liberdade sem escrúpulos: a do comércio” e ao fazer “da  
12  
Para Marx, no capitalismo o valor apresenta três formas de manifestação: a forma dinheiro, a forma  
capital e a forma mercadoria. No presente artigo nos ocupamos da forma dinheiro por ser ela a mais  
evidente no contexto imediato do presente estudo.  
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dignidade pessoal um simples valor de troca” (MARX; ENGELS, 2005, p. 42). Já  
ressaltamos que para estes jovens, esses bens não são simples itens de consumo, são  
signos que lhes conferem esta “dignidade” enquanto seres humanos. A imagem do  
despossuído, do zé ninguém, do derrotado, é o pesadelo que todos desejam escapar.  
Mais do que ânsia consumista, a posse desses signos, e, portanto, a posse do dinheiro,  
tem a ver com respeito e autoestima, com aceitação pelos seus e com a conquista das  
mulheres. Em suma, para eles significa escapar da invisibilidade social, que a condição  
de jovens pobres e favelados lhes confere. “Enquanto o cifrão falar mais alto e fizer  
parte da autoestima/ vai ter uma faixa de gaza sempre em uma nova esquina” (MC  
Orelha, Faixa de gaza 2).  
Relações sentimentais  
Mãe, perdoa esse filho seu  
Peço perdão por tudo que aconteceu  
Também chorei na despedida  
Não te escutei entrei pra vida bandida  
Ô mãe!  
Desculpe se eu te fiz chorar  
Homem não chora  
Não deu pra aguentar  
E no massacre do cotidiano  
Eu tô numa cela eu e 90 mano  
Avisa pra rapaziada que um dia eu volto  
Nos campos de terra eu boto a pipa no alto  
Eu e a rapaziada tipo: força irmão  
27 de setembro São Cosme e Damião  
Ô mãe!  
Avisa o pai que eu tô bem  
Dá um abraço na minha irmã também  
Avisa lá  
Que eu tô na luta  
Breve, breve eu tô com o meus amigo todo na rua  
Eu olho pro horizonte e só vejo muralha  
É triste de refletir vivendo na carceragem  
Eu tô pedindo perdão para a sociedade  
Mas breve, breve eu tô de volta com a minha liberdade.  
Divulga DJ! Liberdade pro Samuca, faz o “L” geral.  
(MC Menor B, Desculpa mãe)  
Todo o aspecto da banalização da violência presente na sociedade em geral e na  
guerra faccional, representada nas letras analisadas até aqui não impossibilita que  
esteja presente no proibidão uma série de outros afetos que também compõem a  
estrutura de sentimento do mundo do crime. Mostramos a solidariedade e a união  
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circunscrita ao mundo do crime. Anteriormente também abordamos a sensualidade,  
amizade, e a rejeição a uma realidade social deteriorada, a morte abordaremos o luto,  
a memória e a saudade dos entes queridos que tombam na guerra. Estes e outros  
tantos aspectos dessa sensibilidade estão presentes no proibidão e no mundo do  
crime, ainda que, contraditoriamente, conforme temos argumentado, estejam  
presentes também a violência, a indiferença, e o apagamento do outro a que alcança  
a brutalidade da negação aos ritos fúnebres dos inimigos, como veremos a seguir.  
Esse emaranhado de sentimentos contraditórios revela a complexidade de uma  
comunidade humana, como não poderia ser diferente. A caricatura de seres inumanos,  
maníacos sanguinários que não possuem nenhum sentimento a não ser a vontade de  
matar, seria uma abordagem fácil em relação ao mundo do crime e que provavelmente  
encontraria bastante audiência, porém a realidade contraditória das relações humanas  
está longe de ser esgotada por estes esquemas simplistas. Nessa abordagem  
metodológica tomamos um objeto complexo como o funk proibidão para análise, é  
preciso enxergá-lo em sua totalidade contraditória, sem pesar na análise sobre este  
ou aquele aspecto, e sem escorregar nas armadilhas da aparência. Assim, abordaremos  
o amor presente no mundo crime de acordo como ele aparece nos proibidões: na  
forma do amor recíproco entre mãe e filho.  
Utilizamos as palavras: Mãe/família, para catalogarmos quando os proibidões  
fazem referência à família que normalmente aparece sob a imagem quase exclusiva da  
mãe. As mães dos indivíduos que estão no mundo do crime são temas recorrentes nos  
proibidões. As mães, em regra, são retratadas como personagens que despertam  
respeito e admiração, como portadoras de um sofrimento legítimo de ter um filho  
preso ou assassinado: “Mas coração de mãe é difícil de entender/ E esquecer da morte  
de um filho”. No mundo do crime sempre são as mães que choram e velam pelos  
mortos na guerra: “mais uma mãe que tá chorando, comove até a Deus” (MC DD),  
assim como são elas, na maioria dos casos, quem visitam seus filhos no cárcere,  
situação que quando abordada, sempre é carregada de uma atmosfera de tristeza e  
arrependimento. As mães ou a família de maneira geral estão presentes em 10 funks,  
isso representa 8,3% dos proibidões catalogados.  
O funk acima de MC Menor B retrata um diálogo de um filho encarcerado com  
sua mãe. Esse diálogo é marcado por sentimentos como saudade, amor, tristeza,  
esperança, arrependimento (perdão). O forte tom de melancolia do funk, mesclado com  
essa gama de sentimentos citados anteriormente, transmite bem a angústia e o  
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sofrimento de viver no cárcere: “Eu tô numa cela eu e 90 mano”. Estes sentimentos  
descritos nessa relação entre mãe e filho no mundo do crime, especialmente se se  
tratando de uma mãe que tem seu filho encarcerado. O funk de MC Sadrak descrito  
abaixo em homenagem à sua mãe também traz elementos muito parecidos com o funk  
carioca de MC Menor B.  
Essa música aqui eu fiz pra mulher que eu mais amo no mundo, Mas  
eu tenho certeza que todo mundo que é vida loka vai se identificar  
com esse som aqui ó! É mais ou menos assim:  
Pra mim é mais que tudo (2x)  
É a mulher que eu mais amo nesse mundo  
Divulga direito DJ Latró!  
Com todo amor essa é pra você mamãe  
Tem meu amor dito em forma de canção  
Me perdoa tudo que eu te fiz sofrer  
Vou falar pra você  
Sou vida loca mas amo a senhora  
E de saudade meu coração chora  
Você é o que de bom existe em mim  
O sofrimento um dia vai ter fim  
Pra mim é mais que tudo  
É a mulher que eu mais amo nesse mundo  
Chora seu pobre coração  
O filho que mais ama hoje tá na prisão  
Graças a Deus cuida de ti os meus irmãos  
E o meu Pai que te ama de coração  
Mamãe não tem culpa pelo que hoje me tornei  
E aonde for sempre te levarei  
Nunca se esqueça que eu sempre te amarei (2x)  
Pra mim é mais que tudo (3x)  
É a mulher que eu mais amo nesse mundo  
Tento, tento viver  
A solidão no peito me fez entender  
Dô glória à Deus porque sempre foi comigo  
Graças a Deus hoje eu tenho o meu filho  
Ó mãe! Eu deixo um cheiro no teu coração  
Infelizmente hoje eu tô na prisão  
Mas aqui é passageiro  
Pra mim, pra mim cê vale ouro  
Pra mim cê vale ouro  
Pra mim cê vale ouro  
A joia rara de todo o meu tesouro (2x)  
Queria aproveitar e homenagear hoje a cada mãe que tem no seu  
coração a tristeza de ter um filho Encarcerado no regime de opressão.  
Queria homenagear hoje, dona Joana Rainha, Dona Índia, Dona  
Lourdes, Dona Lindalva, Dona Catarina que Deus a tenha no céu bem  
guardadinha no seu Coração. E agradecer a todo mundo que curte o  
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som de Sadrak MC, porque só fortalece moleque. Pode divulgar!  
(MC Sadrak. 2017)  
O funk de Sadrak tem o objetivo de homenagear não apenas a sua própria mãe,  
mas “cada mãe que tem no seu coração a tristeza de ter um filho encarcerado no  
regime de opressão”. Esse elemento merece destaque pois expressa a percepção por  
parte do MC de que o funk é um instrumento capaz de expressar sentimentos que  
ultrapassam a esfera individual e são comuns a pessoas em condições de vida  
semelhante, de acordo com o que temos argumentado até aqui. Este proibidão revela  
que os sentimentos acionados na relação com sua mãe estão presentes na experiência  
de outras famílias que tem um ente querido encarcerado. Desta forma, apesar de  
compor o funk para sua mãe, Sadrak sentencia: “Essa música aqui eu fiz pra mulher  
que eu mais amo no mundo, mas eu tenho certeza que todo mundo que é vida loka  
vai se identificar com esse som aqui ó!”. Cabe destacar que na imagem do vídeo está  
a frase “Chega de opressão”, escrita no chão de uma cela com trapos do uniforme  
laranja usado pelos presos em Pedrinhas. Esta imagem, juntamente com a data da  
postagem (outubro de 2016) parecem fazer menção à rebelião unificada de todas as  
facções ocorrida em finais do mês de setembro do mesmo ano, contra a opressão em  
Pedrinhas.  
Percebemos tanto no funk de MC Menor B do Rio de Janeiro, como no funk  
de MC Sadrak vários elementos em comum, dentre ele, o pedido de perdão para suas  
mães por terem entrado na vida do crime. Isso em geral é um momento raro nos  
proibidões. Geralmente nos proibidões os envolvidos no mundo do crime fazem  
questão de transparecer convicção sobre sua escolha e para sustentar tal postura,  
costumam se orgulhar da sua longeva caminhada no crime, alguns se empenham em  
demonstrar uma propensão à vida loka desde menor, como veremos adiante.  
Entretanto, quando essa escolha gera sofrimento à pessoa que eles mais amam, isto  
é, seus familiares e principalmente sua mãe, essa convicção se desvanece e até mesmo  
a masculinidade, organizada pela virilidade anteriormente descrita, cede espaço para  
um comportamento emotivo.  
Mãe, perdoa esse filho seu  
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Não te escutei entrei pra vida bandida  
Ô mãe!  
Desculpe se eu te fiz chorar  
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[...]  
Diferente da mãe muitas vezes a figura do pai é retratada como violenta:  
Desde pequeno eu via meu pai  
Sem dinheiro chegando em casa  
Nem podia nem chorar  
Senão eu apanhava  
Desde criança aprendi uma lei  
A nunca falar demais  
Vi que a paz é contra lei  
E a lei é contra a paz  
Na realidade da vida  
Fui crescendo a cada momento  
Hoje no Maranhão  
Sou patrão do movimento  
(MC Copinho)  
No funk de MC Copinho a imagem do pai é construída de maneira diferente  
daquela ligada a mãe que mostramos até aqui. Se por um lado a mãe oferece amor e  
carinho, o tratamento conferido pelo pai, acima retratado como violento “não podia  
nem chorar/ senão eu apanhava”, fornece à dureza necessária a vida do crime, que,  
conforme dito anteriormente, muitas vezes no proibidão aparece como propensão  
desde muito cedo: “Desde criança aprendi uma lei/ A nunca falar demais/ Vi que a paz  
é contra lei/ E a lei é contra a paz”. Em seguida, como resultado desse duro  
aprendizado e do engajamento da vida do crime, MC Copinho celebra o que seria o  
objetivo da empreitada criminosa: a prosperidade e ascensão social: “Na realidade da  
vida/ Fui crescendo a cada momento/ Hoje no Maranhão/Sou patrão do movimento”.  
Como vemos, a imagem do MENOR é recorrente quando investigamos o universo das  
facções a partir da produção de seus funks. O termo menor é utilizado para crianças e  
jovens que se engajam no mundo do crime, diz respeito na maioria dos casos à sua  
condição de inimputabilidade penal, garantida pelo Estatuto da Criança e do  
Adolescente (ECA), que busca garantir em teoria tratamento diferenciado para pessoas  
menores de 18 anos que cometem atos previstos no código penal brasileiro. Por isso,  
escolhemos esta palavra para catalogar os proibidões que abordam os adolescentes  
no universo das facções, aspecto presente em 19 funks, que representa 15,8% do  
total de funks catalogados. O termo menor na maioria das vezes é utilizado por MCs  
para se referirem a crianças e adolescentes que se engajam no mundo do crime, apesar  
que, em relação aos proibidões cariocas, este termo pode ter uma conotação ambígua,  
pois não raramente é um termo utilizado para se referir a qualquer pessoa, por isso  
cabe sempre examinar o contexto.  
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Os funks abordam a vida desses jovens adolescentes que se engajam em regra  
no varejo do tráfico por não encontrar em outras atividades econômicas formas de se  
reproduzir socialmente. O engajamento dessa juventude é vital para a perpetuação  
dessa atividade visto a alta rotatividade de mão de obra devido aos altos índices de  
homicídios e encarceramento. Entretanto, as relações entre bandidos mais velhos mais  
jovens nem sempre são pacíficas. Esta relação foi descrita de maneira esclarecedora  
no romance Cidade de Deus, onde verifica-se que a consolidação do poder armado de  
um grupo criminal em determinado território, passa também pela imposição do poder  
dos bandidos mais velhos mediante a instrumentalização e disciplinamento dos  
bandidos mais jovens Esse conflito é representado na obra pelo embate entre a  
quadrilha do Zé Pequeno e a Caixa Baixa - um pequeno grupo de crianças e  
adolescentes que praticavam crimes dentro e fora da Cidade de Deus. Esse conflito  
que resulta na vitória dos mais velhos, que vencem devido ao seu poder bélico,  
financeiro e organizacional. A partir daí estabelecem seus interesses ao conseguir  
engajar de maneira subordinada uma parte dessa juventude e fazê-la obedecer normas  
como as que proibiam roubos na favela, pois atrapalhavam o andamento do tráfico.  
Nesta mesma trama, Zé Pequeno quando criança, junto com seu parceiro Biné, teve  
relações conflituosas com os bandidos mais velhos da Cidade de Deus, aos quais se  
associou de maneira subordinada para ter acesso a armas e conhecimento da atividade  
criminosa. Porém, depois que as obteve os suplantou com violência alimentando o  
ciclo de superação contínuo de relações entre bandidos mais jovens que se associam  
subordinadamente aos mais velhos para depois substituir aqueles que acabam mortos  
ou presos. Essa ascensão obviamente acontece para aqueles adolescentes que  
conseguem sobreviver por muito tempo nesse meio altamente hostil. Esse ciclo de  
substituição/superação conflituosa de gerações engajadas em atividades criminosas,  
pode ser observado na história de lideranças importantes das facções brasileiras, como  
a do traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê. Jovem e ambicioso, Uê se associa com  
Orlando Jogador e depois assassina-o numa emboscada para tomar ele mesmo o  
controle do tráfico naquela região.  
Dessa maneira podemos dizer, grosso modo, que as facções ao se imporem como  
instituições de autorregulação e autodeterminação do mundo do crime, passam  
também a ter que mediar conflitos entre gerações distintas de indivíduos engajados  
em atividades criminosas em seus territórios. Esta dinâmica parece indicar que as  
facções acabam por consolidar que os mais novos sejam subordinados pelos mais  
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velhos, como acontece em Cidade de Deus, pois os bandidos mais velhos possuem  
dinheiro, armas, conhecimento e organização que os mais jovens não possuem. Os  
mais jovens, no entanto, se engajam nas facções através de um consenso ativo (ainda  
que subordinado) em vista de um retorno financeiro imediato ainda que pequeno  
(porém satisfatório visto o horizonte de expectativa). Além disso, possuem viva a  
esperança da ascese, mediante a substituição das lideranças mais velhas, caso  
consigam sobreviver à brutal violência da guerra perpétua do mundo faccional. Por  
esse motivo à figura do menor nos funks de facção sempre é associada aqueles que  
estão na linha de frente dos conflitos. Eles compõem o grosso da infantaria das  
facções, normalmente ocupados em funções na chamada contenção, cotidianamente  
preparados para “largar o aço” em polícia ou Alemão. Como em qualquer guerra no  
mundo, os mais jovens sempre estão nas trincheiras fazendo o serviço mais perigoso  
e pesado enquanto os mais velhos estão na retaguarda ocupando seus postos de  
comando, fazendo serviços de cunho mais administrativo e intelectual, ainda que  
também não escapem da violência da guerra de facções. MC Orelha, em diversos dos  
seus funks, aborda essa temática do menor como poucos no universo do proibidão:  
Desde menor aprendi, aprendi fechar com o certo  
E nunca falar demais e só mandar o papo reto  
Desde menor aprendi a conquistar minha liberdade  
E que a essência da vida sempre foi a humildade  
Comando por ideal, vermelho de natureza  
Eu represento Niterói, eu sou MC Orelha  
Tô fechado com Coqueiro, Nova Brasília, Fazendinha, Grota  
Esse é o Bonde dos 50, quer rajada no Gol Bola  
Pesadão na moral, você sabe como tá  
É o Complexo, oi bonde fiel de fechar  
Mas se correr o bonde derruba, se ficar o bonde picota  
É o Coqueiro, Nova Brasília, Fazendinha e o Bonde da Grota (2x)  
Na frequência do walk-talk, os menor tão na atividade  
Fazendo a contenção, pulando de laje em laje  
O bonde atravessa a pista com as mochila cheio de bomba  
Morador já tá ciente, é os cria fazendo a ronda  
O Complexo é CV e a bala come de repente  
Arrego é o caralho, o bonde descarrega o pente  
Em cada beco e viela, tu vai encontrar um Falcão  
Torrando um baseado, de fuzil G3 na mão  
E aqui só menor revoltado, tudo boladão com a vida  
Vacilão bate de frente, quando vê o bonde trepida  
Não adianta caguetar pensando em passar batido  
Vacilou aqui na Grota, neguinho fica fodido  
(MC Orelha, Desde Menor Aprendi, 2011)  
É mister apontar, face ao exposto acima acerca do processo de assimilação  
Verinotio  
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nova fase  
Luiz Eduardo Lopes da Silva; Ronaldo Rosas Reis  
subordinada no tempo dessa faixa geracional e social, os aspectos que lhe conformam  
no momento presente e como são enunciados e posicionados na estrutura de  
sentimento do proibidão. Neste mundo, espera-se do menor, sentimentos como  
“humildade”, no sentido de internalização da subordinação no interior da hierarquia  
faccional ou da empresa do tráfico (no caso maranhense parece não haver uma  
identidade entre elas), sem deixar, no entanto, de dar expectativas para um possível  
evolucionar no interior desta mesma cadeia hierárquica, sob o signo esperançoso da  
ascese social, em especial para os que urgem superar a gigantesca margem contrária  
de pauperização e condições desumanas de vida. Assim, nesse ideário, espera-se do  
menor envolvido no crime uma dedicação para a aprendizagem dos saberes  
necessários: “Todo gerente um dia já foi vapor/E o menor fechou com o certo e olha  
onde ele chegou”, cantam os versos de “Esse menor sou eu”, outro funk também de  
MC Orelha, icônico por trazer a primeiro plano a promessa de ascensão social a  
qualquer custo, mediante o poder das armas e do dinheiro alcançado pelo  
engajamento no crime.  
Concluindo  
Na contrafação da promessa da ascese, está o penoso e escarpado caminho para  
que ela se realize, visto que, também tidos como valores intimamente relacionados, o  
perene risco de morte ou encarceramento fazem parte da compreensão desta  
sensibilidade do mundo do crime. O realismo estatístico evidencia que a morte  
prematura ou encarceramento massivo dessa juventude são a tônica. Entretanto,  
apesar de precária a promessa, sua sustentação deriva, do ponto de vista imediato, de  
uma efetiva melhora econômica no rebaixado padrão de vida imposto a essa fração de  
classe, algo que se reconhece nas letras de funk – como a celebrada tríade: “mulher,  
ouro e poder” em sua síntese da defesa da “ostentação” – nos termos descritos  
anteriormente. Não é demais frisar que somente sob condições crescentes de  
pauperização se produz uma massa social que informa, com a peculiaridade própria  
de sua atual manifestação, que somente jovens em condições precárias de vida  
encontram num fuzil, o respeito e a dignidade por eles almejada. Neste sentido, a  
crítica e análise estéticas deste vasto material cultural produzido por essa juventude,  
do qual o funk parece ser um veículo privilegiado, passa pelo lugar da morte, sempre  
presente nesta realidade e tema recorrente nos proibidões.  
Verinotio  
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Estética, violência e solidariedade  
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Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, pp. 44-70 - jul-dez, 2023| 69  
nova fase  
Luiz Eduardo Lopes da Silva; Ronaldo Rosas Reis  
Como citar:  
SILVA, Luiz Eduardo Lopes da REIS, Ronaldo Rosas. Estética, violência e solidariedade:  
juventude faccionada no proibidão. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 44-70;  
jul-dez, 2023.  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 28, n. 2, pp. 44-70 - jul-dez, 2023  
nova fase  
dossiê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.686  
Partidarismo e crítica literária: alguns elementos  
para a compreensão da “estética comunista” de  
Georg Lukács  
Partisanship and literary criticism: some elements to understanding  
Georg Lukács' “communist aesthetics”  
Elisabeth Hess*  
Paula Alves**  
Resumo: O presente artigo busca refletir sobre a  
especificidade da crítica literária desenvolvida  
por Georg Lukács. A literatura sempre foi um  
objeto privilegiado em toda sua trajetória  
Abstract: This article aims to address the  
specific nature of the literary criticism  
developed by Georg Lukács. Literature was  
always a privileged object throughout his  
intellectual career. However, there are  
considerable differences in the way he  
approaches it, which respond largely to political  
and historical injunctions. We begin with more  
intelectual.  
No  
entanto,  
há diferenças