Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.760  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de  
Carlos Nelson Coutinho  
Antinomies of the “Prussian path” in the Brazilian  
context of Carlos Nelson Coutinho  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção*  
Resumo: O texto objetiva discutir o uso feito por  
Carlos Nelson Coutinho da categoria de via  
prussiana para se referir ao Brasil. Para tanto,  
abordamos a sua visão da formação sócio-  
histórica brasileira e acompanhamos a gradual  
incorporação de outros conceitos à sua análise,  
como modernização conservadora e revolução  
passiva. Abordamos, ainda, a crítica de Chasin ao  
enquadramento do Brasil na via prussiana. Por  
fim, discutimos como a visão ontopositiva da  
política e o politicismo embasam e orientam a  
reflexão coutiniana sobre o país.  
Abstract: The text aims to discuss Carlos Nelson  
Coutinho’s use of the category of the Prussian  
path to refer to Brazil. To this end, we address  
his view of Brazil’s socio-historical formation  
and follow the gradual incorporation of other  
concepts into his analysis, such as conservative  
modernization and passive revolution. We also  
address  
Chasin’s  
criticism  
of  
Brazil’s  
classification in the Prussian path. Finally, we  
discuss how the ontopositive view of politics  
and politicism underpin and guide Coutinho’s  
reflection his reflection on the country.  
Palavras-chave: Via prussiana; Carlos Nelson  
Coutinho; revolução passiva; modernização  
conservadora; politicismo; J. Chasin.  
Keywords: Prussian path; Carlos Nelson  
Coutinho; passive revolution; conservative  
modernization; politicism; J. Chasin.  
A discussão sobre a conformação da sociedade e da economia brasileiras esteve  
presente em diversas reflexões do campo do pensamento conservador e, mais tarde,  
das correntes mais progressistas do país. De fato, a busca pelo entendimento do que  
somos e como chegamos a sê-lo monopolizou atenções de sociólogos, filósofos e  
historiadores a partir dos anos 1930, momento marcante da história nacional.  
Tendo estreado no cenário intelectual, ainda bastante jovem, pouco entrado  
nos 20 anos, como um crítico literário arguto e profundo, Carlos Nelson Coutinho  
(Itabuna/BA, 1943 Rio de Janeiro/RJ, 2012) também desempenhou importante papel  
na denúncia do irracionalismo e da “miséria da razão” vicejantes nos anos 1960 e  
1970, inclusive no Brasil. Este importante marxista brasileiro também intentou uma  
renovação do marxismo que fundia correntes diversas e forjou uma imagem do Brasil  
*
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br. Orcid: 0000-0003-  
4119-9987.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
bastante peculiar, intrinsecamente relacionada a suas posições políticas, que deram  
ensejo a debates cruciais nas agremiações políticas de que participou durante sua vida  
(PCB, PT, Psol) e para além delas. Embora tenha publicado livros, escreveu, em sua  
maioria, textos esparsos e relativamente curtos, muitas vezes voltados a intervenções  
políticas, as mais das vezes, ensaios, nos quais o autor quase não fazia citações diretas  
manejava os autores mencionados com alguma liberalidade.  
Embora a noção de “via prussiana” tenha sido utilizada no Brasil desde o início  
dos anos 1960 e por diversos autores (cf. SILVA, 2012, pp. 14-9), foi na obra de  
Coutinho que teve seu tratamento mais sistemático e mais influente, motivo pelo qual  
a tomamos como objeto de estudo neste texto.  
1. Formação da sociedade brasileira em Carlos Nelson Coutinho  
Foi no interior da crítica literária que Carlos Nelson Coutinho empunhou,  
inicialmente, a categoria de “via prussiana” como forma de entender o processo de  
“modernização”1 da sociedade brasileira. Inspirando-se no filósofo húngaro György  
Lukács, em artigo escrito em 1965, ele chamava a atenção para a necessidade de  
entender a literatura no seu contexto, de “conhecer a realidade não por parcelas,  
mesmo somadas”, e sim pelo “movimento da totalidade do real” (1967, p. 147).  
Assim, dizia, para bem compreender uma obra literária, era importante atentar para “o  
desenvolvimento desigual e duplamente contraditório do nosso capitalismo”, que  
opunha, de um lado, “uma sociedade semicolonial em decadência”, com “uma  
economia semifeudal” e dependente; e, de outro, um capitalismo em distintos estágios  
de desenvolvimento, também ambíguos e contraditórios, “por força da especificidade  
de nossa formação histórica e da natureza geral do próprio capitalismo”, formando  
uma sociedade “dilacerada não só pela contradição entre o feudalismo caduco e o  
capitalismo moderno, como também pelas novas contradições internas que o  
capitalismo traz necessariamente consigo(COUTINHO, 1967, pp. 160; 171; 189).  
Tratava-se, afirmava, de um sistema cujas potencialidades haviam se esgotado  
em face da não criação de uma economia e de uma sociedade modernas, dada a  
inexistência de uma transformação radical, de vez que a “decadência de nossa  
estrutura agrária semifeudal” “não foi seguida por nenhuma renovação capitalista”  
1
“Hoje se fala em ‘modernidade’; antes se dizia, e eu gostaria que se continuasse a dizer, porque me  
parece um termo mais preciso, que em [19]30 se implantou uma ordem capitalista no Brasil.”  
(COUTINHO apud NEVES, 2019, p. 240) Isso não o impediu, porém, de usar continuamente os termos  
modernidade e modernização (base de toda uma corrente sociológica influente à época).  
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(COUTINHO, 1967, pp. 140; 172-3). Daí que, conforme o autor, o “duplo caráter”  
inerente ao capitalismo nascente no Brasil, de uma parte, significou um impulso  
progressista para a saída da situação estagnada anterior; de outra, dadas sua  
debilidade e sua inaptidão para conferir organicidade a todo o complexo societário a  
partir de uma perspectiva totalizante moderna, viu-se compelido à conciliação com a  
decrepitude e a caducidade, acabando por impor empecilhos às forças de fato  
renovadoras. As consequências desse caráter duplamente contraditório eram muitas e  
profundas:  
A ausência de uma economia integrada estruturada em torno de um  
mercado interno único era causa e efeito da inexistência de uma  
classe burguesa orgânica, que estivesse em condições de promover  
uma autêntica revolução democrática. Assim, o total fracionamento de  
nossa sociedade típico de uma economia pré-capitalista impedia  
a formação de uma verdadeira comunidade humana, de uma vida  
pública democrática, afastando o povo de qualquer participação  
criadora em nossa história. (COUTINHO, 1967, pp. 140-1)  
Desta forma, para o autor, não havendo uma base econômica coesa, não se  
criou nestas plagas uma burguesia em condições de cumprir o papel revolucionário  
que desempenhou alhures. Como o capitalismo se desenvolvia no Brasil “no interior  
da economia semifeudal e dependente”, essa classe não compartilhava do élan  
revolucionário de que tal processo esteve saturado na Europa Ocidental, tendo  
renunciado, “talvez definitivamente, aos princípios democráticos e humanistas do seu  
período de ascensão revolucionária nos países hoje desenvolvidos” (COUTINHO, 1967,  
p. 156). Não havia no país o impulso e o suporte para o movimento revolucionário  
nos moldes do que fora, nos países “clássicos”, o humanismo burguês, “o máximo de  
consciência possível do gênero humano em dada etapa de sua evolução histórica”  
(COUTINHO, 1967, p. 183). Como o capitalismo brasileiro não pôde realizar uma  
revolução democrática, “jamais chegou a tentar a criação do citoyen (do homem que  
sintetiza em si a vida pública e a vida privada) ou da comunidade humana autêntica  
(na qual os interesses individuais e os interesses coletivos formam uma totalidade  
orgânica)” (COUTINHO, 1967, p. 141). Inorgânica e fracionada, a burguesia brasileira  
não se propôs a busca ideal, ao menos nem de uma autêntica comunidade humana  
nem de uma sociedade democrática, por isso mesmo mantendo o povo isolado da  
construção da sociedade e condenando-a à mediocridade e à inautenticidade. Em  
países como França e Inglaterra, ainda que a ideologia humanista tenha se revelado  
uma ilusão utópica, a sua própria existência e o impulso que deu às revoluções  
burguesas europeias de molde clássico contribuiu para a ampliação dos horizontes  
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das formações sociais emergentes. O Brasil não contou com nenhuma ideologia deste  
porte.  
No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou  
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma  
época de ilusões humanistas e de tentativas mesmo utópicas de  
realizar na prática o “cidadão” e a comunidade democrática. Os  
movimentos neste sentido, ocorridos no século passado [XIX] e no  
início deste século [XX], foram sempre agitações superficiais, sem  
nenhum caráter verdadeiramente nacional e popular. (COUTINHO,  
1967, p. 142)  
Assim, bem ao contrário de investir contra os preconceitos e privilégios pré-  
capitalistas, a burguesia em ascensão “se ligou organicamente à mesquinhez da  
sociedade semifeudal” e contribuiu para seu enrijecimento, dado o seu caráter  
conciliador (COUTINHO, 1967, p. 141). Desta forma, nem “os mais consequentes entre  
os nossos burgueses, os que encarnam a mais alta possibilidade de ambição e de  
progresso contida em sua classe”, conseguiram escapar do “cárcere do ‘pequeno  
mundo’”, com que conciliaram e a cujos limites restringiram seus esforços (COUTINHO,  
1967, p. 156-7). Efetivamente, denunciava o autor, no Brasil a burguesia, em vez de  
varrer a antiga ordem, aliou-se às classes que representavam a sociedade em  
decadência, conciliou com elas e se adequou à economia fraturada e antiquada.  
Consequentemente, deixou de realizar uma revolução para criar um novo mundo,  
efetuando apenas mudanças parciais efetivadas sem a participação do povo:  
Quando as transformações políticas se tornavam necessárias, elas  
eram feitas “pelo alto”, através de conciliações e concessões mútuas,  
sem que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente  
a sua vontade coletiva. Em suma, o capitalismo brasileiro, ao invés de  
promover uma transformação social revolucionária o que implicaria,  
pelo menos momentaneamente, a criação de um “grande mundo”  
democrático contribuiu, em muitos casos, para acentuar o  
isolamento e a solidão, a restrição dos homens ao pequeno mundo de  
uma mesquinha vida privada. (COUTINHO, 1967, p. 142)  
No Brasil não se encontrou historicamente uma solução alternativa à  
“prussiana” para a questão agrária, com um viés democrático-revolucionário que  
abrisse a possibilidade de uma industrialização estruturada em torno de um mercado  
interno de massas. Não havia, na sociedade brasileira da época, classes sociais que  
tornariam possível, se não o estabelecimento, pelo menos a possibilidade concreta da  
criação imediata de uma nova sociedade, de um ‘grande mundo’ humanista e  
democrático” (COUTINHO, 1967, p. 158). Dada “a ausência de uma classe social  
efetivamente (e não apenas potencialmente) revolucionária”, as perspectivas  
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revolucionárias e “as esperanças de renovação democrática da sociedade”  
desembocaram num aborto (COUTINHO, 1967, p. 140).  
O teórico baiano acentuava, porém, o “duplo caráter” do capitalismo nascente  
no Brasil, salientando a existência de um aspecto progressista em relação à estancada  
sociedade anterior, inobstante também ter conciliado com ela e só haver transitado  
para o capitalismo devido ao impulsionamento de fatores externos (FRANCO, 2018,  
p. 69). As consequências eram contraditórias e, a depender da situação, ora  
adentravam e habitavam no interior da antiga ordem estacionada, ora empuxavam em  
2
direção ao progresso , ora, ainda já que se tratava de sociedade prematuramente  
estagnada ou decadente , possibilitavam o nascer de canais que levavam, mesmo que  
abstratamente, a uma nova sociedade, a socialista. “Em suma, o capitalismo brasileiro,  
desde o seu surgimento, já se apresenta manifestações de crise estrutural,  
condicionando a abertura de perspectivas que lhe transcendem.” (COUTINHO, 1967,  
p. 156)  
Nestes trechos estão destacadas, portanto, a ausência de revolução  
democrático-burguesa, a permanência do latifúndio ao qual é atribuído um caráter  
pré-capitalista, semifeudal , o caráter conciliador e excludente dos processos de  
modernização. Coutinho ressaltava como consequência o fechamento das classes,  
especialmente as dominantes, em seu mundo mesquinho e a ausência de democracia,  
de forma que inexistiu aqui uma revolução e que os principais acontecimentos da  
história brasileira significaram conciliações pelo alto entre o historicamente novo e o  
historicamente velho. Assim, elementos da via prussiana” estavam dados, mesmo sem  
o uso do termo.  
A preocupação com a democracia, com o citoyen enquanto indivíduo que  
supera a divisão entre público e privado que embasa o capitalismo, manifestava-se na  
problematização de sua existência no Brasil e na denúncia da renúncia da burguesia  
autóctone a estes valores, que eram historicamente da sua classe. Também já  
priorizava claramente os aspectos político-culturais e apenas mencionava os  
econômicos, dos quais tratou muito pouco, de maneira que a própria revolução  
democrático-burguesa tem acento no primeiro aspecto, não mencionando o  
desenvolvimento das forças produtivas, por exemplo.  
2
Nessa quadra de sua elaboração intelectual, a menção resta apenas indicativa, já que o autor pouco  
especificava os aspectos novos ou progressistas aludidos. Entre as poucas menções dos traços  
concretos do capitalismo nascente estava o crescimento da mobilidade social (COUTINHO, 1967, p.  
153).  
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Nesse primeiro momento, os comentários do autor sobre a formação sócio-  
histórica brasileira, embora bastante percucientes e mirando o seu cerne, não foram  
antecedidos de uma análise desta realidade cuja compreensão apontava como  
necessária (cf. SILVA, 2012, p. 86). A demonstração dos elementos conclusivos pela  
análise da própria história brasileira não é feita, a não ser por alguns poucos momentos  
específicos como a Revolução de 1930 e de forma meramente alusiva, limitando-  
se a apontamentos bastante abstratos e genéricos. Nem mesmo o latifúndio, cerne do  
suposto modo de produção feudal, nem as formas possíveis de transformação agrária  
do país foram analisadas.  
Destaque-se o caráter pioneiro destas alocuções, especialmente num cenário  
em que reinavam interpretações dualistas. Bem assim, o manejo de Lukács para a  
crítica literária era inédito no país, propiciando insights teóricos significativos neste  
campo. Note-se, por fim, que, ainda que possamos fazer diversos reparos maiores ou  
menores a esta análise especialmente no que tange à caracterização do modo de  
produção, como veremos , e em que pese seu alto grau de abstração e generalidade,  
trata-se da postura de elementos fundamentais como ponto de partida para o  
entendimento da especificidade da realidade nacional mas não como seu  
desaguadouro, segundo pretendemos demonstrar.  
Coutinho reiterou suas reflexões em meados da década seguinte, e desta vez  
recorrendo explicitamente à noção de via prussiana: “o caminho do povo brasileiro  
para o progresso social um caminho lento e irregular ocorreu sempre no quadro  
de uma conciliação com o atraso, seguindo aquilo que Lênin chamou de ‘via prussiana’  
para o capitalismo” (1974, p. 3).  
Nessa via, radicalmente diferente daquela seguida pela França e pela Rússia –  
dois casos muito diferentes entre si, mas que, segundo Coutinho, tinham em comum a  
efetivação, por grandes movimentos populares, de transformações sociais que teriam  
destroçado a economia e a sociedade anteriores –, “a alteração social se faz mediante  
conciliações entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente  
político, mediante um reformismo ‘pelo alto’ que exclui inteiramente a participação  
popular” (COUTINHO, 1974, p. 3). A efetivação de mudanças pelas elites das classes  
dominantes, com exclusão das massas populares, é, asseverava, a modalidade de  
transformação social típica dos países de via prussiana, e portanto do Brasil  
(COUTINHO, 1974, p. 41). Era central alijar das grandes decisões histórico-políticas os  
setores sociais dominados, vistos como ignaros e indolentes, já que a ideologia  
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“prussiana” é “uma visão abertamente elitista e autoritária”, “antipopular”, e a evolução  
substitui uma revolução com participação popular (COUTINHO, 1984, p. 150).  
Nos países que traçaram uma rota democrática rumo ao desenvolvimento, “a  
contínua intervenção popular na criação da vida nacional assegura a formação de um  
amálgama sócio-humano relativamente homogêneo e unitário”; já naqueles que  
seguiram a “via prussiana”, pelo contrário, há uma  
fragmentação e uma  
“heterogeneidade sociais decorrentes da ausência de um sujeito nacional-popular  
unitário, que intervenha continuamente na criação da história” e a “ausência de tipos  
humanos exemplares que se expressem através de ações independentes e  
significativas” (COUTINHO, 1974, pp. 11-2). Desunidos assim povo e nação, criaram-  
se empecilhos quase intransponíveis à emersão “de uma autêntica consciência  
democrática” (1974, p. 3). Daí que Coutinho propugnasse uma rejeição integral do  
“‘modelo prussiano’ – tanto em suas versões agraristas quanto ‘modernizadoras’”  
(1974, p. 16; 21).  
Em sua produção posterior, Coutinho reafirmou constantemente a ideia de que,  
inexistentes as “autênticas revoluções” decorrentes de movimentos que abrangessem  
toda a população e contassem com a participação e o empuxo das massas, todos os  
grandes momentos da história recente do país, relativos à sua transição para o  
capitalismo, que constituíram possibilidades concretas de transformação, foram  
solucionados “à prussiana”, pela conciliação entre as classes dominantes, sob a forma  
política de “reformas ‘pelo alto’” (1984, p. 132).  
Mesmo com todas as críticas (ainda que abstratas) feitas à burguesia, enquanto  
classe que renunciou à revolução e que renunciou a um ponto de vista universal,  
surpreendentemente, Coutinho incluiu frações desta categoria entre os interessados  
na transformação da realidade contraditória nacional, agrupados sob o qualificativo  
nacionalista e democrático” de “povo brasileiro” (COUTINHO, 1967, p. 183), que  
reunia desde o  
nascente proletariado aos setores mais radicais da burguesia,  
passando pelo campesinato e pelas classes médias progressistas,  
estão realmente interessadas em destruir o velho Brasil, substituindo  
o cárcere do “pequeno mundo” mesquinho por uma renovação  
democrática, pelo “grande mundo” de uma comunidade autêntica  
(1967, p. 189).  
Patenteia-se o perfil abstrato de suas análises sobre o Brasil, cuja realidade não  
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abordou em detalhe3. Verifica-se, ainda, a manutenção da forte influência de Lukács (e  
de Lênin) no trato dos temas, incluindo a defesa da visão da totalidade, bastante  
presente no Lukács de História e consciência de classe. Se parece agora haver menor  
peso da ausência de uma revolução democrática burguesa e maior peso à forma  
prussiana de transição para o capitalismo, é interessante observar que ainda aflora a  
influência das teorias pecebistas sobre a existência de setores burgueses  
potencialmente revolucionários e a necessidade de uma revolução burguesa no país,  
entre outros temas, mesclando-se curiosamente com as censuras inspiradas por Lukács  
à burguesia nacional. Assim, inobstante tenha dado um salto ao rejeitar a identificação  
do Brasil aos casos clássicos de objetivação do capitalismo, Coutinho não ficou imune  
à influência de análises e táticas do seu partido, incluindo a crença numa suposta  
identidade de interesses entre frações burguesas “nacionais” e o povo. Pode-se  
mesmo dizer que tencionou então elaborar uma síntese conciliatória entre Lukács e o  
Partidão, que só poderia resultar num malogro, dadas as distintas fundamentações  
teóricas e políticas.  
Ao voltar seu foco para as características internas da sociabilidade brasileira,  
Coutinho findou por minimizar os obstáculos à industrialização postos pelo capital  
dominante no bojo de um sistema capitalista que, muitas vezes, concebia de forma  
abstrata (SILVA, 2012, p. 144). Talvez por isso acreditasse na possibilidade de um  
capitalismo nacional autônomo” (FRANCO, 2018, p. 69), repondo equívocos  
pecebistas. Por outro lado, mesclando-se com a defesa da democracia (que logo  
veremos), tais características levam estudiosos de sua obra a afirmar que ela é o “elo  
perdido” entre os campos nacional democrático (PCB) e democrático popular da  
esquerda brasileira (NEVES, 2019, p. 439).  
A compreensão de Coutinho sobre o modo de produção existente no Brasil  
anteriormente ao período tratado (cujos marcos temporais, aliás, não ficam claros) é  
crucial para o entendimento da especificidade do processo de transição do Brasil ao  
capitalismo, de vez que, segundo a intelecção do autor, o “historicamente velho”  
manteria sua presença no que tange a elementos nodais e legaria pesada herança ao  
capitalismo industrial que supostamente o sucede. Num primeiro momento, ainda  
estudante, ele afirmou que o Brasil era um país capitalista, inserido no capitalismo  
mercantil mundial (cf. SILVA, 2012, p. 86). Já em sua produção dos anos 1960 e  
3
O próximo que chegou de uma abordagem específica foi o cerca de um parágrafo escrito  
especificamente sobre a República Velha.  
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meados dos anos 1970, qualificou o país dos anos 1930 como “semicolonial" e até  
“semifeudal”, reverberando os piores equívocos do PCB. Posteriormente, porém, ao  
republicar textos antigos, afirmou ter feito a “supressão de uma formulação que hoje  
julgo claramente equivocada (isto é, a caracterização do Brasil como ‘semifeudal’)”,  
substituindo-a por “aspectos arcaicos” e/ou “valores pré-capitalistas” (COUTINHO,  
2011, p. 12). Isso não significou, porém, que tenha chegado a uma definição sobre o  
modo de produção no Brasil no século XIX. Ele atestava que o país havia se  
conformado enquanto formação social particular e com alguma autonomia no  
momento em que o capital mercantil criava para si um mercado em nível mundial, no  
bojo do contraditório processo de acumulação primitiva do capital. Esta seria a marca  
mais forte e permanente na sociedade brasileira, na qual foi necessário engendrar do  
princípio todo um complexo de produção diretamente atrelado ao mercado em  
constituição (1984, p. 124). O teórico, porém, advertia que “o fato de que o modo de  
produção vigente na era colonial tivesse sido posto e reposto pelo movimento  
internacional do capital não significa [...] que se tratasse de um modo de produção  
capitalista, ainda que ‘imperfeito’ ou ‘incompleto’” (1984, p. 125). Ainda, rejeitava a  
atribuição de uma excessiva autonomia ao modo de produção vigente no período  
colonial, subordinado formalmente4 ao capitalismo mercantil internacional, mas  
também descartava colonial como designativo do modo de produção então existente,  
dado que não lhe atribuía novas leis (1984, p. 126).  
O teórico baiano assumiu, então, como hipótese, que se trataria de um  
escravismo, dado que “é o elemento escravista que fornece a marca determinante da  
formação econômico-social” (COUTINHO, 1984, p. 126). Seria certamente um modo  
de produção escravista com caráter peculiar, pois que articulado com o capitalismo  
mercantil no plano internacional, do qual poderia importar cultura, instituições e  
ideologias (1981, p. 99). Inobstante, naquele momento o autor também deixava aberta  
a possibilidade de feudalismo, sem que isso, no seu entender, invalidasse suas  
considerações, por estarem embasadas na manutenção de formas de exploração do  
4 No seu entender, as economias coloniais estavam subordinadas ao capital mercantil metropolitano no  
âmbito da circulação. O autor se valia “com certa liberdade” de Marx para qualificar aquele processo  
como subordinação formal momento em que o modo de produção não era ainda capitalista , no seio  
do qual permaneceria existindo o modo de produção do povo colonizado, sem que inicialmente sofresse  
intrusões mais profundas. Porém, como consequência não planejada da exploração cada vez mais  
significativa de produtos das colônias, acabou ocorrendo a transformação das bases deste modo de  
produção “num sentido mercantil e mesmo capitalista”, passando-se gradualmente “da subordinação  
formal à subordinação real” (COUTINHO, 1984, p. 124).  
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trabalho com base na coação não econômica (1984, p. 126).  
Segundo seu entendimento, o capitalismo teria como distintivo em relação a  
outros modos de produção a vigência do trabalho assalariado, cuja existência era  
diminuta no Brasil colonial, o que interditaria designar aquele período de capitalista.  
Quando se identifica aquele modo de produção ao capitalismo, assegurava, “se termina  
por reduzir o problema geral da transição para o capitalismo no Brasil ao problema  
mais específico da industrialização”, deixando-se escapar “a possibilidade de operar  
de modo fecundo com a categoria da ‘via prussiana’, que denota precisamente um  
processo no qual a transição para o capitalismo se dá com a conservação de elementos  
pré-capitalistas, tanto na infraestrutura quanto na sociedade civil e no estado”  
(COUTINHO, 1984, p. 125).  
Temos, pois, que o autor saltou entre as definições de capitalismo,  
semifeudalismo e escravismo sem fechar um diagnóstico sobre o modo de produção  
existente no Brasil pré-industrial. De fato, ele jamais se propôs como objetivo  
pesquisar sistematicamente a veracidade do aventado modo de produção escravista,  
“‘hipótese’” com a qual trabalhou por cerca de 40 anos sem demonstrá-la (NEVES,  
2019, p. 234). E “ao deixar aberta a possibilidade de que as pesquisas nesse campo  
pudessem verificar a existência de relações feudais, o autor previne-se quanto a esta  
constatação ser utilizada para infirmar o núcleo principal de sua construção teórica, ou  
seja, a compreensão do processo de transição ao capitalismo como sendo uma  
‘transição à prussiana’, que conserva formas de trabalho fundadas na coação  
extraeconômica” (FRANCO, 2018, p. 68). De toda forma, estranha-nos que uma  
questão de tal importância fique em aberto.  
É sempre oportuno lembrar que a categoria modo de produção5 não é um  
conjunto de predicados distintivos de uma coisa singular, mas uma “síntese de várias  
determinações” cuja lógica interna ultrapassa a mera justaposição de traços  
particulares. Modo de produção capitalista diz respeito às relações sociais que ocorrem  
numa formação econômica em que o momento preponderante do processo produtivo  
é dado pelo próprio capital, sabendo muito embora que este “se perfaz por meio de  
um círculo de círculos, que instaura e ao mesmo tempo destrói formas não-capitalistas  
de produção" (GIANNOTTI, 1976, p. 167). No caso em tela, importa como “o capital  
5 Seria, aqui, impossível reproduzir mesmo que apenas alusivamente este tema central, complexa e com  
que já se gastou muita tinta. Estamos apenas elencando aspectos que nos facultem a compreensão do  
uso coutiniano de via prussiana para o processo de formação do capitalismo brasileiro.  
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demarca os bastidores, estipula as condições de existência de uma forma de  
socialização do trabalho, como se gera e perdura tal forma”; em seu percurso o capital  
está sempre criando formas de organização do trabalho desviantes em relação às  
estritas condições de extração da mais-valia, dado que parasita e usa a seu favor  
modos de produção anteriores ou periféricos (GIANNOTTI, 1976, p. 167). Como disse  
explicitamente Marx, “a própria sociedade burguesa é só uma forma antagônica do  
desenvolvimento, nela são encontradas com frequência relações de formas  
precedentes inteiramente atrofiadas ou mesmo dissimuladas” (MARX, 2011, p. 40).  
Quando se desconsidera o feixe de determinações que produz um modo de produção  
o qual se vale constantemente de elementos de modos de produção ou fases  
anteriores de desenvolvimento , deixa-se de captar exatamente a forma particular de  
objetivação da forma universal do capital, que não é abstrata, mas prenhe de  
determinações que a singularizam em cada tempo e lugar.  
De resto, o argumento sobre o enfoque na industrialização ser restritivo não  
nos parece adequado. Em primeiro lugar, porque, como Marx aponta ao estudar o  
circuito produção/distribuição/troca/consumo, “a produção é o ponto de partida  
efetivo, e, por isso, também o momento predominante [übergreifende Moment]”, “o  
ato em que todo o processo transcorre novamente”, e que marca os estágios de  
desenvolvimento social como um todo (embora o filósofo alemão sempre ressalte  
interconexão orgânica com os demais momentos, mas sempre articulados em torno do  
êxito da produção) (MARX, 2011, p. 31). A forma específica de produção do  
capitalismo era (até então) o capital industrial, o principal agente transformador das  
sociedades capitalistas, seu elemento distintivo, de maneira que sua instauração era  
idêntica ao atingimento efetivo do capitalismo. A compreensão da natureza específica  
de cada país capitalista tem, portanto, como elemento fulcral o entendimento do seu  
processo de industrialização: seu ritmo e intensidade, as modificações pelas quais  
passou ao longo do tempo, os liames que manteve com outros segmentos produtivos  
(como a agricultura) e o modo como as categorias sociais distintas e contrapostas  
lidaram com as demandas e impulsos dali advindos. Precisa ser apreendido, embora  
nunca isoladamente, porque é o momento preponderante do processo.  
A manifestação temporã de exacerbada valorização coutiniana do âmbito  
político e de invulgar apreço à democracia só se acentuaria a partir de então. No  
período seguinte, após exílio de três anos na Europa, a produção de Coutinho ficou  
cada vez mais marcada pela influência de Antonio Gramsci (1891-1937), que  
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paulatinamente deslocou Lukács como máxima referência. Coutinho encontrou no  
teórico sardo uma chave interpretativa crucial, que se adequou a suas inquietações  
teóricas e preocupações políticas. Embora o teórico sardo não tenha se valido da  
categoria de via prussiana, ele dissertou, segundo nosso autor, com grande  
propriedade sobre as consequências políticas deste processo.  
Da análise concreta da sociedade italiana feita por Gramsci, Coutinho se valeu  
fundamentalmente dos conceitos de “‘revolução-restauração’ (para sublinhar os dois  
lados do processo: o desenvolvimento das forças produtivas e a reprodução de  
elementos atrasados das relações de produção)” (1984, p. 86) e de “revolução  
passiva”, que qualifica aqueles “processos de transformação em que ocorre uma  
conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes, com a  
explícita tentativa de excluir as camadas populares de uma participação mais ampla”  
(COUTINHO, 2020, pp. 230-1).  
Gramsci discutiu o que chamou de “revolução passiva” nos Cadernos do cárcere,  
escritos durante sua longa prisão sob o fascismo de Mussolini. Tendo por base a  
“Introdução” à Crítica da economia política de Marx, ele afirmou:  
O conceito de “revolução passiva” deve ser deduzido rigorosamente  
dos dois princípios fundamentais da ciência política: 1) nenhuma  
formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela  
se desenvolveram ainda encontrarem lugar para um novo movimento  
progressista; 2) a sociedade não se põe tarefas para cuja solução  
ainda não tenham germinado as condições necessárias etc.  
Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro, desdobrados  
criticamente em toda a sua dimensão e depurados de todo resíduo de  
mecanicismo e fatalismo. (GRAMSCI, 2023, p. 321)  
O conceito de revolução passiva foi visto por Coutinho um critério de  
interpretaçãoimportante para a transição do Brasil à modernidade capitalista e  
também para a fase do CME, proporcionando instrumentos analíticos que destacariam  
traços decisivos da formação política e social do país. Coutinho destacou que no Brasil  
os processos “de transformações ou de revoluções, se quisermos –” ocorrem “pelo  
alto”, ao contrário das revoluções populares, feitas de baixo, de forma que, a um  
tempo, trazem mudanças (assimilando demandas populares e produzindo importantes  
modificações na composição das classes), mas igualmente conservam elementos da  
velha ordem, dado que são reações à possibilidade de uma revolução radical (2020,  
pp. 230-1; 2003, p. 198).  
Segundo Coutinho, Gramsci apontava duas causas-efeitos da revolução passiva:  
“por um lado, o fortalecimento do estado em detrimento da sociedade civil, ou, mais  
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concretamente, o predomínio das formas ditatoriais da supremacia em detrimento das  
formas hegemônicas; e, por outro, da prática do transformismo6 como modalidade de  
desenvolvimento histórico que implica a exclusão das massas populares” (2003, p.  
203). Resultaria daí domínio e não direção, uma ditadura sem hegemonia, de um grupo  
sobre outras forças, para radicalizá-lo. Paralelamente, a sociedade civil perderia força  
e autonomia, ligando-se mais intimamente ao estado, que ainda poderia apelar à  
violência aberta, segundo a fórmula gramsciana de consenso e força (1984, pp. 86-  
7).  
O processo de “via prussiana” à brasileira tem um marco na década de 1930,  
pois a partir deste período houve a transformação da economia nacional com base em  
uma monopolização precoce e no “prussianismo”, que já havia fortalecido a burocracia  
estatal. O estado foi prematuramente compelido a estar presente na economia para a  
efetivação da industrialização “forçada”, decorrendo daí um setor monopolista  
produtivo estatal. O processo conservara arredadas as massas e tornara o estado “o  
lócus privilegiado da conciliação e o instrumento executivo das transformações ‘pelo  
alto’”, além de cooptar as classes médias para o bloco no poder (COUTINHO, 1984, p.  
171).  
O golpe de 1964 um momento marcante, que se propôs a eliminar as  
resistências políticas ao “modelo” implantado, manifestas no período anterior no seio  
de correntes nacionalistas e populares. A ditadura que ele instalou, apesar de suas  
notórias contradições, efetivou modificações de tal monta que, de forma altamente  
contraditória, alçou o Brasil ao rol dos países industrializados, instituindo um modo  
de produção capitalista pleno e inclusive já na fase monopolista de estado (CME).  
Concretizou-se, então, uma “modernização conservadora” voltada a atender aos  
interesses dos monopólios e multinacionais (COUTINHO, 2020, p. 248).  
A forte burocracia estatal existente no Brasil, pressuposto da passagem para o  
CME, dificultaria a ação de contratendências que poderiam obstaculizar a concretização  
das tendências autoritárias, motivo pelo qual era quase inevitável que a implantação  
do CME por estas plagas tivesse perfil autoritário. Coutinho inicialmente qualificou o  
regime instituído em 1964 como “fascista (ou semifascista)”. Ele frisava, contudo, que  
o elo de origem não implicaria que o CME no Brasil fosse estruturalmente fascista e  
dispusesse de uma única política econômica, baseada na superexploração, já que a  
6 “O transformismo significa um método para implementar um programa limitado de reformas, mediante  
a cooptação pelo bloco no poder de membros da oposição.” (GRAMSCI, 2000, p. 396)  
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sua gênese não determinaria a sua estrutura (1984, pp. 172; 188). Propor algo assim,  
assegurava, seria confundir mecanicamente os níveis econômico e político, levando à  
visão de que o capitalismo no estágio do CME só seria possível no Brasil com o apelo  
ao fascismo, de forma que a derrota deste seria o fim do CME e do próprio capitalismo,  
implicando o fim do poder dos monopólios e uma transição para o socialismo – “ou,  
em última instância, uma única alternativa: fascismo ou socialismo” (COUTINHO, 1984,  
p. 189). No seu entender, haveria, assim, uma possibilidade concreta, que poderia se  
efetivar por meio da organização e da mobilização da sociedade civil, de que o CME  
brasileiro abandonasse o fardão político fascistizante que conjunturalmente vestiu,  
dado que dispunha de um variegado leque de “superestruturas políticas”, as quais  
abarcariam desde formas fascistas ou semifascistas até uma democracia mais ou menos  
consequente, como, de resto, ocorreu na Itália e na Alemanha (COUTINHO, 1984, pp.  
190-1)7.  
Num segundo momento, porém, Coutinho repensou a designação do regime  
instaurado em 1964 e afirmou ser um erro considerá-lo fascista (1984, p. 197). Ele  
compreendia o fascismo como um regime reacionário com base em massas  
organizadas, subentendendo a existência de uma sociedade civil fortalecida. O que  
houve no Brasil, de acordo com sua nova visão, foi a instauração de um “regime  
autoritário” feita pelo alto, via golpe de estado – vitorioso, em larga medida, devido à  
fragilidade da sociedade civil. Apesar de ter havido a busca (e a conquista) de consenso  
em amplas camadas da população, este seria passivo, com base na restrição da esfera  
política, ao contrário de sua “socialização totalitária” empreendida pelo fascismo  
(COUTINHO, 1984, p. 198). O regime fiou-se no baixo grau de organização e na  
despolitização da sociedade civil, na reiteração do caráter excludente da política.  
Contudo, a ditadura atuou em prol da monopolização do capital, e nesse afã acabou  
por promover a definitiva modernização conservadorado país. Com isso,  
involuntariamente pôs as bases objetivas para a “superação definitiva” do elitismo e  
da exclusão enquanto forma de se fazer política no Brasil. Assim, ao final do período:  
Além de uma numerosa e moderna classe operária, temos em nossa  
estrutura social amplos estratos de camadas médias assalariadas.  
Conhecemos, durante algum tempo, apesar de todas as limitações, um  
regime democrático-liberal, que permitiu de certo modo um início de  
7 Aqui, a inclusão do Brasil no rol dos países de via prussiana já paga seu preço, pois os países citados  
efetivamente seguiram a via prussiana e se tornaram países industrializados, dominantes e  
democráticos, diferentemente do Brasil.  
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organização autônoma da sociedade civil. (COUTINHO, 1984, p. 85)  
Mas também teriam se mantido alguns traços do prussianismo:  
1) um Executivo forte em detrimento do Parlamento, ou, de modo mais  
geral, a tendência a “desequilibrar”, em favor do estado, a relação  
entre esse e a sociedade civil; 2) mecanismos transformistas, ou seja,  
a tentativa permanente de obter apoio para o governo através da  
cooptação e dos favores clientelistas; 3) formas de populismo, isto é,  
de representação política através do vínculo direto entre líder e massa  
atomizada, sem a mediação da sociedade civil, e, em particular, dos  
partidos; 4) a tutela militar, vale dizer, a atribuição de um peso político  
às forças armadas sem nenhuma relação com o balanço de forças  
efetivamente presentes na sociedade civil. (COUTINHO apud SILVA,  
2012, p. 131)  
É interessante observar que, entre os traços do “prussianismo” acima  
elencados, não pesponta a subsunção ao capital estrangeiro. Assim, inobstante o autor  
mencione eventualmente “a dependência tecnológica ao exterior, que estão na raiz do  
modelo capitalista dependente-associado que efetivamente triunfou” (COUTINHO,  
1984, p. 134), este aspecto fundamental tem pouco peso em sua análise, que se volta  
quase exclusivamente aos aspectos internos e, destes, especialmente aos político-  
ideológicos, vistos autonomamente.  
O diagnóstico do caminho brasileiro como umbilicalmente “prussiano”  
implicava um prognóstico coerente, a extirpação do “prussianismo”: “para o conjunto  
das forças populares coloca-se assim uma tarefa de amplo alcance: a luta para inverter  
essa tendência elitista ou ‘prussiana’ da política brasileira e para eliminar suas  
consequências nas várias esferas do ser social brasileiro” (COUTINHO, 1983, p. 37).  
Como o “tipo de regime autoritário” aqui instituído em 1964 não foi um fascismo  
clássico, estaria posta concretamente a possibilidade “de transição pacífica e  
negociada para a democracia”. Para que esta não se reiterasse a prática avoenga –  
modernizada ou não de alterações pelo alto, excluindo mais uma vez as massas,  
reduzidas a posição subalterna e amorfa, não era necessária nem guerra externa nem  
resistência armada interna, mas democracia: “a renovação democrática aparece assim  
como alternativa à ‘via prussiana’ de transformação social seguida por nosso país que  
marcou com seu selo profundamente antidemocrático e antipopular as várias  
esferas do ser social brasileiro” (COUTINHO, 1980, p. 15).  
Assim, a democracia é o grande objetivo a ser perseguido, a solução para os  
males do “prussianismo” identificados por ele – sem ênfase no campo econômico,  
como vimos como vigentes ainda nos anos 1980. Uma democracia tout court, sem  
adjetivações, o objetivo político que embasa a própria reflexão e orienta a  
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Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
argumentação.  
1.2 As três fontes do pensamento coutiniano  
Está completado o rol dos conceitos a que Coutinho recorreria para explicar o  
processo pelo qual, segundo seu entendimento, o Brasil objetivou o capitalismo: via  
prussiana de Lênin e Lukács, revolução passiva de Gramsci e modernização  
conservadora de Moore Jr. (sem prejuízo de outras influências, como a da analítica  
paulista e das análises do próprio PCB). O que primeiro foi mencionado explicitamente  
em seus textos foi via prussiana. Foi empregado de forma prática para a elucidação  
da realidade nacional, sem ter passado por um exame mais meticuloso e sem uma  
análise mais aprofundada da história ou da formação social brasileira contemporânea  
àquelas reflexões, cujo cerne  
apresenta uma abstratividade estrutural, isto é, a possibilidade da  
interpretação coutiniana só se mantém sob a condição de não abordar  
as especificidades de nosso tipo particular de desenvolvimento. Seja  
para confirmar ou para descartar a possibilidade de interpretar a  
evolução capitalista brasileira à luz do caminho prussiano, a análise  
coutiniana formulada sob a influência de Lukács não nos fornece  
elementos suficientes. Estamos mais no campo de uma fecunda  
sugestão de semelhanças entre o itinerário histórico alemão e o nosso  
do que no de sua comprovação científica (SILVA, 2012, p. 107).  
Desta maneira, inobstante ser bastante perspicaz, enquanto primeiro passo, na  
direção do objeto analisado, houve um uso conceitual da categoria leniniana, ou seja,  
ela acabou sendo manejada como um tipo ideal, esvaziada de suas determinações  
ontológicas. Curiosamente, Coutinho posteriormente pôs reparos ao uso da categoria  
leniniana, argumentando que ela não dava conta de propiciar a compreensão da  
totalidade de uma formação social, e em particular da situação brasileira, dado que,  
supostamente, estaria focada ou mesmo restrita aos aspectos estruturais:  
na medida em que se concentra prioritariamente nos aspectos  
infraestruturais do processo, o conceito de Lênin não é suficiente para  
compreender plenamente as características superestruturais que  
acompanham e, em muitos casos, determinam essa modalidade de  
transição (COUTINHO, 2003, p. 197).  
Justificava, assim, o recurso às noções de revolução passiva e modernização  
conservadora, que teriam o condão de corrigir as deficiências e/ou suprir as alegadas  
lacunas de via prussiana.  
Na medida em que esse conceito, como todos os demais conceitos  
gramscianos, sublinha fortemente o momento superestrutural, em  
particular o momento político, superando assim as tendências  
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economicistas do marxismo de III Internacional, ele se revelou de  
inestimável utilidade para contribuir à especificação e à análise do  
caminho brasileiro para o capitalismo, um caminho no qual o estado  
desempenhou frequentemente o papel de principal protagonista.  
(COUTINHO, 2003, p. 197)  
Observa-se que houve rejeição da categoria via prussiana por supostamente  
ser insuficiente, mas o autor não demonstrou o mesmo rigor no uso de outros  
conceitos; pelo contrário, era comum nele a incorporação de noções já existentes ao  
seu próprio arsenal e o seu emprego em sentidos muito próprios e/ou desconectados  
da teoria no interior da qual foram elaboradas (como é o caso de “subordinação  
formal”, “subordinação real”, “reprodução ampliada” e outros, tomados à produção  
marxiana) ou a desconsideração da distinção imanente a noções como “exploração  
extraeconômica” em distintos modos de produção.  
De fato, se Coutinho parece por vezes padecer de pouco rigor  
filológico na incorporação dos conceitos, tal procedimento não parece  
desprovido de intencionalidade antes parece sugerir um  
procedimento orientado pela hipoteca coutiniana da integração das  
categorias de Lukács e Gramsci (FRANCO, 2018, pp. 62-3).  
De toda forma, estava amalgamada a tríade analítica, entendida por ele como  
um todo orgânico, de que se valeria a partir de então para “captar algumas  
determinações decisivas da formação do estado que se gestou em nosso país”.  
Há três paradigmas que nos ajudam a pensar essa modalidade  
peculiar pela qual o Brasil transitou para a modernidade [...]. O  
primeiro desses paradigmas é o conceito de “via prussiana”,  
elaborado por Lênin. [...] Conceito análogo aparece em Gramsci, ou  
seja, o conceito de “revolução passiva”. [...] Finalmente, há um  
conceito mais “acadêmico”, ou seja, com melhor trânsito na  
universidade, que também ajuda a pensar o caso brasileiro: o conceito  
de “modernização conservadora” (COUTINHO, 2020, pp. 230-1)  
O menos trabalhado por ele foi justamente este último, que não entendeu ser  
necessário precisar melhor. Embora “modernização conservadora” seja menos  
frequente nos seus textos, o termo aparece sem ressalvas. Neves, inclusive, localiza  
nele o elo entre as duas outras categorias: “Coutinho permuta, no texto finalizado em  
1979, as duas noções, chegando a fundi-las em uma modernização conservadora  
prussiana’”, ou seja, é o conceito sociológico de Moore Jr. que promove a identificação  
entre a via prussiana de Lênin/Lukács e a revolução passiva de Gramsci no pensamento  
coutiniano (NEVES, 2019, p. 250).  
O sociólogo estadunidense Barrington Moore Jr. (1913-2005) publicou em  
1966 sua obra clássica, Origens sociais da ditadura e da democracia (MOORE JR.,  
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Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
1967), uma análise comparativa do processo de formação do capitalismo moderno no  
campo e de sua relação com a situação político-governamental que ele chamava de  
“processos de modernização” – de vários países. Sua intenção era examinar os  
métodos de resolução dos conflitos presentes nas relações sociais em transformação  
durante tais processos. Neste mister, ele divisou duas modalidades principais de  
modernização: uma que desembocou em sociedades liberal-democráticas, outra que  
levou ao que chamou de formações “totalitárias” (de diversos tipos, cujo ápice foi o  
fascismo).  
Ao observar a realidade histórica de países como a Alemanha, Moore Jr. acabou  
percebendo e destacando determinações similares às que a tradição marxista  
salientava, quais sejam, a conservação em maior ou menor medida da propriedade  
fundiária pré-capitalista e do poder dos proprietários da terra, resultando na opção da  
burguesia industrial por conciliar com os representantes do atraso, em vez de se aliar  
às classes populares. Assim, como trabalhava com a realidade histórica dos países  
selecionados, Moore Jr. identificou caracteres interessantes, corretos e que, se vistos  
com seu peso e em suas interconexões corretas, podem contribuir para a compreensão  
da formação sócio-histórica em questão8. Há que lembrar, porém, que os pressupostos  
teóricos do autor eram radicalmente diferentes daqueles dos marxistas, dado que seu  
intento era a criação de tipos ideais. Assim, se os acontecimentos históricos, dados e  
até análises trazidas pelo autor colaboram para o entendimento da realidade daqueles  
países, tomar suas conclusões ideal-típicas sobre “modernização conservadora” e usá-  
las para o caso do Brasil fere de morte os procedimentos marxistas, que estão (ou  
deveriam estar) baseados na análise concreta da situação concreta (MARX, 2011;  
CHASIN, 2009).  
Ademais, ajunte-se que a constituição (ou a ausência) da democracia era o  
ponto focal do interesse de Moore Jr., ou seja, ele partia da democracia como o  
protótipo de organização sociopolítica, tornada simultaneamente o modelo e o  
objetivo da pesquisa, a qual também acabou embasando e direcionando sua análise  
(como, aliás, faz o próprio Coutinho, como veremos). Valendo-se de uma classificação  
política, Moore Jr. arrolava autocracias como “totalitarismo” – outro tipo ideal  
classificatório, igualando, assim, o nazismo e o regime soviético, a partir da  
desconsideração completa da realidade histórica da qual emergiram (e dissociando  
8
Entendemos que foi nesse sentido que foi mencionado por Chasin, que se valeu de informações  
históricas, sem recorrer a tipos ideais do sociólogo estadunidense.  
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nazismo de capitalismo) (CHASIN, 1977b).  
Quanto à origem das duas outras categorias emprestadas por Coutinho,  
passemos rapidamente por elas, para entender a apropriação feita pelo autor. Via  
prussiana apareceu primeiramente em Lênin, no interior de um debate sobre o  
programa agrário da social-democracia russa, num contexto em que discutia  
estritamente a situação agrária da Rússia comparativamente à dos Estados Unidos e  
da Alemanha. Segundo o líder revolucionário, a objetivação do capitalismo na Rússia,  
que considerava inexorável, poderia se dar de dois modos:  
O desenvolvimento burguês pode ter lugar encabeçado pela grande  
economia latifundiária, que paulatinamente se tornará cada vez mais  
burguesa, e paulatinamente substituirá os métodos feudais de  
exploração pelos burgueses; e pode ter lugar também encabeçado  
pela pequena economia camponesa, que por via revolucionária  
extirpará do organismo social a “excrescência” dos latifúndios feudais  
e se desenvolverá depois livremente sem elos pelo caminho da  
economia capitalista. [...] No primeiro caso, o conteúdo fundamental  
da evolução é a transformação da escravidão feudal em servidão e  
exploração capitalista nas terras dos grandes proprietários feudais  
Junkers. No segundo caso, o básico é a transformação do campesinato  
patriarcal em um agricultor burguês. (LÊNIN, 1973, p. 281)  
De acordo com Lênin, o primeiro caminho implicaria uma arrastada e dolorosa  
transformação da economia feudal latifundiária em uma economia burguesa junker, a  
qual se realizaria por meio da expropriação dos camponeses, convertidos em  
agricultores sem terra e cujas condições miseráveis de vida e de servidão seriam  
asseguradas, por muitas décadas e pela força, enquanto, de outro lado, seria formado  
um pequeno grupo de camponeses burgueses ricos (LÊNIN, 1973, p. 282). “Este  
caminho de desenvolvimento exige, para ser seguido com êxito, a violência geral,  
sistemática e desenfreada contra as massas camponesas e contra o proletariado.”  
(LÊNIN, 1973, p. 471) A via prussiana, de cariz reformista, opção dos latifundiários  
russos ultrarreacionários, “implica a manutenção ao máximo da sujeição e da servidão  
(modelada ao modo burguês), o desenvolvimento menos rápido das forças produtivas  
e um lento desenvolvimento do capitalismo; implica calamidades e sofrimentos,  
exploração e opressão incomparavelmente maiores para as grandes massas  
camponesas e, por conseguinte, também ao proletariado” (LÊNIN, 1973, p. 286).  
Já a outra via de desenvolvimento do capitalismo, que ele denominou de norte-  
americana, que também subentende uma destruição violenta do velho sistema de  
propriedade agrária, poderia torná-la algo benéfico para as massas camponesas. Aqui,  
a economia latifundiária ou inexiste ou teria sido destruída por uma revolução, que as  
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confiscou e distribuiu. Neste processo, seria liberada uma gigantesca superfície de  
terras para colonização, que poderia ser a base econômica para uma imensa expansão  
da agricultura e da produção. Pode, então, desenvolver-se uma agricultura, com base  
em camponeses livres gerados no seio da própria história econômica precedente do  
país, que seriam a base do desenvolvimento do capitalismo. O camponês é que  
predomina, tornando-se o único fator da agricultura e evoluindo até se converter em  
um agricultor capitalista (LÊNIN, 1973, p. 282). Algo deste tipo é que teria ocorrido  
nos Estados Unidos (LÊNIN, 1973, p. 320). “Este caminho permitirá que o  
desenvolvimento do capitalismo avance com muito maior amplitude, liberdade e  
rapidez, como consequência do enorme crescimento do mercado interno e da elevação  
do nível de vida, do aumento da atividade, da iniciativa, da cultura de toda a  
população.” (LÊNIN, 1973, p. 473) Em suma, essa via “implica o mais rápido  
desenvolvimento das forças produtivas e as melhores condições possíveis de  
existência das massas camponesas (sob a produção mercantil)” (LÊNIN, 1973, p. 286).  
Na Rússia, o caminho revolucionário, “de real derrubamento da antiga ordem, requer,  
inevitavelmente, como base econômica, a destruição de todas as velhas formas de  
propriedade agrária junto com todas as velhas instituições políticas” (LÊNIN, 1973, p.  
471).  
Vemos que Lênin não estava fazendo uma reflexão em geral sobre vias de  
objetivação do capitalismo, mas tinha um objetivo muito específico: argumentar pela  
total extirpação das formas de propriedade agrária na Rússia, incluindo aquelas que  
alguns social-democratas reputavam revolucionárias, mas que, segundo ele, poderiam  
significar um atraso no desenvolvimento histórico do país e trazer mais sofrimento  
para as massas camponesas. Ou seja, o autor não estava nem mesmo discutindo de  
forma mais ampla a questão econômica, senão apenas a do campo uma questão  
primordial naquele momento da história do país , ainda que tenha conseguido  
alcançar alguns dos caracteres que fundamentam as diferenças históricas entre os  
países dos quais se ocupou.  
Lukács, partindo das reflexões leninianas, foi muito além daquilo que havia sido  
apontado pelo revolucionário russo. Em textos como A destruição da razão (2023), a  
fim de bem salientar os caracteres determinantes da via prussiana, o filósofo húngaro  
os contrapôs à via clássica, caracterizada pela existência de processos revolucionários  
de massa que varreram os vestígios do antigo regime, mas seu enfoque era claramente  
o caso alemão. Lukács fez uma profunda análise da história e da economia da  
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Alemanha do final da Idade Média ao período da II Guerra Mundial, a partir da qual  
demonstrou a determinação social das diversas correntes de pensamento irracionalista  
ali existentes. Portanto, Lukács se apropriou da categoria de via prussiana para estudar  
o desenvolvimento histórico concreto da mesma formação social que Lênin  
originariamente estudara, a alemã, com aprofundamento, detalhamento, saturação de  
determinações históricas e intensificação ontológica da categoria, assim enriquecida e  
concretizada (e não meramente “estendida”, como Coutinho chegou a dizer).  
Uma das características da análise levada a cabo por Lukács é que a  
interdeterminação existente entre a economia e a política, as ideologias etc. estava  
devidamente respeitada, quer dizer, embora partisse do campo econômico como  
aquele que tem prioridade ontológica e que é determinante, nem por isso obnubilava  
as produções espirituais, pelo contrário, esforçava-se, inclusive, por mostrar que há  
determinação recíproca entre eles em todos os momentos da história. Basta um relance  
na obra de Lukács para assegurar que ele não pode de forma alguma ser tachado  
como economicista e o próprio objetivo do texto, a denúncia visceral do irracionalismo  
contemporâneo, demonstra a importância da esfera político-cultural para o autor.  
Dito isso, fica totalmente invalidado o argumento coutiniano de que a categoria  
de via prussiana daria conta apenas dos aspectos infraestruturais, econômicos. É bem  
verdade que Coutinho não voltou a Lukács nessa justificativa da “incompletude” do  
termo, e não poderia fazê-lo, sob pena de se desdizer (curiosamente, o autor não  
abordou nem a sua própria produção inicial, que, inspirada naquela noção, fez uma  
análise literária, portanto, longe do setor econômico). Também não se debruçou sobre  
a realidade brasileira para, fazendo o “caminho de volta” que diferencia as categorias  
dos conceitos, averiguar pelo metro do real a adequação à formação social brasileira.  
Era-lhe mais fácil atribuir a insuficiência à análise leniniana que, vimos, tinha um  
escopo bastante específico e delimitado. Mas é claramente injustificada a atribuição de  
uma sorte de economicismo à noção de via prussiana, o que nos leva a indagar quais  
seriam as verdadeiras justificativas de Coutinho para recorrer às categorias  
gramscianas e acreditamos que a resposta está na estratégia política a ser proposta,  
a partir delas, para o movimento comunista.  
2. A crítica de Chasin ao emprego de “via prussiana” para o caso brasileiro  
J. Chasin discute o tema da via prussiana quando, em sua tese de doutorado,  
aborda o pensamento integralista de Plínio Salgado, que busca entender remetendo-  
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a à sociedade na qual emergiu. Neste mister, faz uma comparação com processos  
históricos assemelhados, com apoio em Marx, Engels, Lênin e Lukács, entre outros  
autores. Com base na bibliografia clássica marxista sobre o tema, Chasin sintetiza como  
principais caracteres da via prussiana: uma modalidade de objetivação do capitalismo  
tardia, lenta, com um desenvolvimento das forças produtivas vagaroso9 e que só se  
põe de forma conciliada entre os representantes da sociedade nascente e os daquela  
em desaparição, portanto, na ausência de uma ruptura revolucionária que incluísse as  
classes sociais dominadas e seus interesses. Resistente ao progresso, mas realizando  
as modificações necessárias pelo alto, efetiva, nos planos político e social, tipos  
heteróclitos de dominação, que combinam iniquidades de várias configurações de  
estado (CHASIN, 1999, pp. 571-2). Salienta, ainda, as patentes similaridades entre as  
determinações mais gerais da via prussiana e a situação brasileira: a permanência da  
questão agrária; a substituição de um processo revolucionário por um reformismo pelo  
alto excludente e exclusivista; o início tardio e o lento evolver das forças produtivas,  
que enfrentou oposição e resistência.  
Se, porém, Chasin acha plausível considerar “o caso brasileiro, sob certos  
aspectos importantes, conceitualmente determinável de forma próxima ou  
assemelhável àquela pela qual o fora o caso alemão” (1999, p. 572), pondera que  
nunca se poderia avançar ao ponto de declará-los idênticos. Mais adequado seria  
tomar “o caminho prussiano como fonte apropriada de sugestões, como referencial  
exemplar e, mais do que tudo, como um caminho histórico concreto que produziu  
certas especificidades que, em contraste, por exemplo, com os casos francês e norte-  
americano, muito se aproximam de algumas das que foram geradas no caso  
brasileiro10 (CHASIN, 1999, p. 572). De fato, salienta, a categoria via prussiana nos  
interessa de perto porque é uma via histórica concreta de objetivação do capitalismo  
diferente da clássica, um “particular contrastante aos casos clássicos, “do qual se  
avizinha o caso brasileiro, também diverso dos casos clássicos” (CHASIN, 1999, p.  
573; 2000, p. 15).  
De maneira que, ainda que constate a presença de inegáveis e expressivas  
9
Já aí percebem-se diferenças importantes com relação a Coutinho, cuja síntese do processo sublinha  
desde sempre os aspectos político-ideológicos.  
10 Chasin cita afirmativamente Coutinho, enfatizando que nele “o caminho prussiano não é tomado como  
modelo, como contorno formal aplicável a ocorrências empíricas” (1999, p. 573). Embora não volte a  
essa questão explicitamente, é bastante plausível que tenha havido uma mudança de posição, em face  
do desenvolvimento posterior do pensamento coutiniano.  
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similitudes entre as formações sócio-históricas que objetivaram o capitalismo pela via  
prussiana e a brasileira, Chasin busca entender as significativas diferenças específicas  
que as separam. De acordo com ele, os traços corretamente assinalados como  
equivalentes eram abstrações razoáveis11, de maneira que “estamos diante de  
singularidades distintas acolhíveis, do ponto de vista de certos aspectos abstratamente  
tomados, sob um mesmo particular, que antes os separa dos casos clássicos do que  
os identifica entre si” e, se tal proximidade não pode de forma alguma ser  
desconsiderada, enquanto abstrações razoáveis sua verdadeira importância “obriga a  
pensar no como se objetivam os predicados de e em cada uma das singularidades”  
(CHASIN, 1999, p. 574). Donde, para ele, não atentar com a devida ênfase para a  
especificidade histórica é promover uma equalização artificial, antiontológica,  
eventualmente positivista, que no máximo classifica os objetos por meio de vagas  
generalidades, mas não os apreende naquilo que efetivamente os peculiariza.  
No bojo do esforço de chamar a atenção para a importância de se entenderem  
as diferenças no interior do caminho universal não-clássico de objetivação do  
capitalismo, Chasin observa que, no lento, irregular e intermitente processo histórico  
que foi percorrido por Brasil e Alemanha, eles pagam um opressivo ônus ao passado,  
mas se trata de passados bem diferentes. A título de exemplo: a grande propriedade  
rural se manteve como força crucial naquele processo, mas, na Alemanha, era oriunda  
do feudo europeu característico, e no Brasil, um latifúndio procedente de outra  
gênese histórica, posto, desde suas formas originárias, no universo da economia  
mercantil pela empresa colonial” (1999, p. 574), com uso abrangente de trabalho  
escravo.  
Procedendo da mesma forma com relação ao desenvolvimento das forças  
produtivas, que em ambos os países foi lento e tardio comparativamente aos países  
clássicos, Chasin também pontua diferenças abissais:  
a industrialização alemã é das últimas décadas do século XIX, e atinge,  
no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e  
expressão, a ponto de a Alemanha alcançar a configuração  
imperialista, [enquanto] no Brasil a industrialização principia a se  
realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da  
época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua  
11 Estas, como se sabe, possibilitam uma primeira aproximação dos objetos, facultando-nos destacar e  
fixar elementos comuns e evitar repetições que tornam a exposição cansativa e que podem nos desviar  
dos pontos centrais. Trata-se de momento inescapável e rico da pesquisa, mas preliminar, tendo em  
vista que não esgota o entendimento dos objetos, que são “um conjunto complexo, um conjunto de  
determinações diferentes e divergentes”, “síntese de várias determinações” cuja apreensão mais  
profunda implica desvendar suas determinações singulares (MARX, 2011, pp. 23; 36).  
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condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia  
internacional. De sorte que o "verdadeiro capitalismo" alemão é tardio,  
enquanto o brasileiro é híper-tardio (CHASIN, 1999, p. 574).  
Vemos que Alemanha e Brasil iniciaram seus respectivos processos de  
industrialização tardiamente em relação aos países clássicos, mas não no mesmo  
momento: no país europeu a industrialização ocorreu ainda no século XIX e, embora  
tardia, foi veloz e se concluiu por completo, possibilitando à nação germânica incluir-  
se como elo débil nos países imperialistas (condição que foi determinante para seu  
papel na deflagração das duas grandes guerras mundiais). Já no Brasil, a  
industrialização se deu a partir de 1930, sendo, portanto, tardia em relação à já  
atrasada da Alemanha, que neste período estava se batendo com outras nações em  
guerras imperialistas nas quais o Brasil, como outros países de origem colonial, era  
parte do butim. Assim, na particularidade do capitalismo não-clássico, o percurso  
singular trilhado pelo capitalismo brasileiro rumo ao predomínio da indústria é híper-  
tardio, além de incompleto e incompletável, pois nunca se integralizou nem se  
constituiu de forma orgânica e articulada aos demais setores da produção da vida  
(baste exemplificar com o peso e a atualidade, no final dos anos 1970, da questão da  
indústria de base).  
Frise-se que, segundo Chasin, a questão não resulta em mero atraso  
cronológico, passível de ser suplantado no decorrer do processo; inversamente, dizia  
respeito ao patamar histórico alcançado:  
A industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em que o  
proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e práticas, e a  
estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a industrialização  
híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação monopolista  
avançada, no tempo em que as guerras imperialistas já foram travadas,  
e numa configuração mundial em que a perspectiva do trabalho já se  
materializou na ocupação do poder de estado em parcela das  
unidades nacionais que compõem o conjunto internacional. Ainda  
mais, a industrialização tardia, apesar de retardatária, é autônoma,  
enquanto a híper-tardia, além de seu atraso no tempo, dando-se em  
países de extração colonial, é realizada sem que estes tenham deixado  
de ser subordinados das economias centrais. (CHASIN, 1977a, p. 176)  
Aqui Chasin toca em outro ponto central: a burguesia prussiana conciliou com  
os Jünker, repelindo ou excluindo as classes dominadas em sua revolução pelo alto,  
mas nunca se submeteu a uma burguesia estrangeira, ou seja, “é antidemocrática,  
porém autônoma”, “realiza um caminho econômico autônomo, centrado e dinamizado  
pelos seus próprios interesses” (2000, p. 104). Enquanto isso, no caso brasileiro, a  
burguesia industrial, mantendo também as classes dominadas reprimidas ou excluídas,  
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“teve de se contentar com fatias no colegiado dos pactos e acumular sob a proteção  
do estado e o olho guloso do capital estrangeiro”, nunca rompendo sua subserviência  
às burguesias dos países do centro do capitalismo (CHASIN, 1977a, p. 177). Donde  
sua insistência na necessidade de se compreender a especificidade da objetivação do  
capitalismo nos países subordinados:  
Na medida em que um país de economia subordinada não é distinto  
dos países subordinantes simplesmente em grau; na medida em que  
sua estrutura e seu processo histórico são de natureza apropriada e  
decorrente à sua condição de subordinado, seus fenômenos  
particulares não podem ser simplesmente igualizados aos fenômenos  
de aspecto semelhante que se verificam nos países dominantes.  
Igualizá-los para efeito de análise é suprimir a distância ontológica  
que os deve separar na investigação para que se possa entendê-los  
efetivamente nos concretos que lhes correspondem. (CHASIN, 1977,  
p. 134)  
Avaliando ser ocioso ir além destes apontamentos, Chasin reitera  
conclusivamente ser injustificável equiparar, no mesmo momento histórico, a situação  
de países como Alemanha, Itália e Japão – “elos débeis da cadeia imperialista, portanto  
fenômenos do capitalismo altamente avançado, entidades da fase superior do  
capitalismo” – à do Brasil, ainda no início do seu processo de industrialização e objeto  
da disputa imperialista (2000, p. 58).  
Assim, sublinhando as notáveis discrepâncias entre os casos prussiano e  
brasileiro, abissais a ponto de mais os distanciarem dos casos clássicos do que os  
aproximarem entre si, Chasin conclui que há mais de um caminho não-clássico para o  
capitalismo; e, no caso em análise, dois casos específicos, sendo um deles o prussiano,  
e outro o brasileiro. “De maneira que ficam distinguidos, neste universal das formas  
não-clássicas, das formas que, no seu caminho lento e irregular para o progresso  
social, carregam o peso do atraso, dois particulares que, conciliando ambos com o  
historicamente velho, conciliam, no entanto, com um velho que não é nem se põe como  
o mesmo.” (1999, p. 575) Ele sublinha, ademais, as diferenças existentes no interior  
da própria via prussiana, argumentando que Itália e Alemanha, embora tenham  
seguido pelo mesmo percurso típico de objetivação do capitalismo, apresentavam  
singularidades que uma análise detida não poderia desprezar. Quanto ao caminho  
percorrido pelo Brasil, ele o denomina via colonial (cf. CHASIN, 2000).  
Observa-se que Chasin, embora se valha de referências bibliográficas  
semelhantes a Coutinho, as amplia, de uma parte, e maneja de forma diferente, de  
outra. Com base na análise imanente, a um tempo bibliográfica e histórica, Chasin  
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reproduz citações longas e esforça-se por respeitar a letra e a intenção do que é dito,  
e desta forma foge, segundo entendemos, das imputações e das interpretações “livres”  
ou mesmo viciosas. Como não parte de uma busca por uma identidade dada de  
antemão, mas quer estabelecer as particularidades, consegue perceber as abissais  
diferenças sob as parecenças abstratas e realiza o que chamou posteriormente de  
“intensificação ontológica”, saturando as abstrações razoáveis de determinações  
histórico-concretas, de forma a alcançar a especificação das vias prussiana e colonial  
de objetivação do capitalismo.  
Sem que possamos nos delongar na comparação, não podemos deixar de  
destacar dois pontos: Chasin, seguindo a trilha de Caio Prado Jr., partiu da certeza de  
que o modo de produção brasileiro anterior ao período industrial já era o capitalista.  
De outra parte, em sua perscrutação da formação sócio-histórica brasileira, parte do  
complexo de complexos de que se compõe essa realidade, tendo como momento  
preponderante o econômico, não a política. Não é este o caso de Coutinho, como  
veremos a seguir.  
3. Os reflexos do politicismo no entendimento coutiniano do caminho brasileiro  
Mencionamos, antes, que o pensamento de Carlos Nelson Coutinho sofreu  
injunções e apresentou contradições derivadas da visão política e da estratégia daí  
resultante. Referíamo-nos a uma visão ontopositiva da politicidade (cf. CHASIN, 2000b)  
aquela que não só identifica a política entre os atributos fundamentais dos seres  
sociais, como atribui a ela os caracteres humanos mais elevados , patente e, de resto,  
reconhecida pelo próprio Coutinho. Mais que isso: o politicismo12 é elemento  
estruturante do seu pensamento.  
Em parte, essa visão que analisa o real a partir do plano político, artificialmente  
inflado, decorre da influência de Gramsci ou, antes, pode ter sido determinante para  
a adesão de Coutinho às hostes dos seguidores do teórico sardo. Embora haja uma  
12 Politicizar é tomar e compreender a totalidade do real exclusivamente pela sua dimensão política e,  
ao limite mais pobre, apenas de seu lado político-institucional.” É um fenômeno simétrico ao  
economicismo. “O politicismo, entre outras coisas, fenômeno antípoda da politização, desmancha o  
complexo de especificidades, de que se faz e refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma  
das ‘partes’ (diversas do político) em pseudopolítica. Considera, teórica e praticamente, o conjunto do  
complexo social pela natureza própria e peculiar de uma única das especificidades (política) que o  
integram, descaracterizando com isto a própria dimensão do político, arbitrariamente privilegiada.”  
Trata-se de um procedimento tipicamente liberal, uma acentuação do princípio liberal segundo o qual  
a economia pertence à esfera do privado, enquanto a política, “formalmente estufada”, vai para o terreno  
da coisa pública. (CHASIN, 2000, p. 8)  
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preocupação com a questão política (e em especial a democracia) desde os seus  
primeiros textos, como vimos, ela alcança um novo patamar a partir de meados dos  
anos 1970, quando, no exílio, ele tem contato mais direto com o eurocomunismo e  
sua leitura de Gramsci. O retorno de nosso autor ao país coincidiu com o processo de  
término da ditadura, quando houve uma grande mobilização de setores da sociedade  
civil, e com uma grande onda de difusão do pensamento gramsciano no país, o qual  
foi apropriado por algumas das forças em luta, especialmente com as da chamada  
“nova esquerda”, que disputava espaço com o PCB. Mas, em geral, afora nem sempre  
haver rigor teórico na apropriação de suas ideias, tratou-se, na verdade, de  
apropriações, de leituras díspares do teórico sardo.  
Gramsci escreveu seus textos mais célebres no cárcere fascista, sem acesso  
direto a muitos dos livros que pretendia estudar motivo pelo qual teve de apelar à  
memória ou a fontes indiretas/incompletas de trabalhos importantes e tendo de  
escrever de forma cifrada, para driblar a censura, o que torna sua linguagem por vezes  
imprecisa e sujeita a diversas interpretações. Como não pôde submeter seus textos a  
uma revisão para publicação, devido à morte precoce, os materiais elaborados por ele  
na prisão mantiveram, no geral, o caráter de anotações e planos de pesquisa. É preciso  
considerar tudo isso em relação ao pensamento gramsciano: "As tentativas de  
transformar Gramsci em um pensador 'sistemático', ao colocar lado a lado passagens  
redigidas em momentos diferentes acabam impondo uma ordem artificial e perdem de  
vista o caráter multifacetado dos conceitos que estão sendo construídos." (BIANCHI,  
2008, p. 271)  
Como ficou manifesto em várias de suas publicações, Gramsci ampliava  
excessivamente o campo da política13 nos processos sociais, chegando a identificá-la  
ao conjunto da história: “História e política estão estreitamente unidas são, aliás, a  
mesma coisa; entretanto, deve-se distinguir a avaliação dos fatos históricos e dos fatos  
e atos políticos.” (2000, p. 184) Afirmou mesmo que a política é a história em ato  
(GRAMSCI, 2000, p. 246). Estendendo-se o escopo da política, desdobra-se  
igualmente o seu campo de estudos:  
13  
Gramsci distingue entre dois níveis de atuação política: “Grande política (alta política) - pequena  
política (política do dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política  
compreende as questões ligadas à fundação de novos estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela  
conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende  
as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em  
decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política.(2000,  
pp. 21-2)  
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Se ciência política significa ciência do estado e estado é todo o  
complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe  
dirigente não só justifica e mantém seu domínio, mas consegue obter  
o consenso ativo dos governados, é evidente que todas as questões  
essenciais da sociologia não passam de questões da ciência política.  
(GRAMSCI, 2000, p. 331)  
Evidentemente, o teórico sardo não desprezava, simplesmente, a questão  
econômica, mas ela aparece como uma plataforma, um momento dado, sobre o qual  
se desenrolam os fatos que são efetivamente importantes (ainda que ele chamasse a  
atenção para a ligação entre os dois aspectos14) e foco do seu. Mas ele acabava  
invertendo a determinação real, atribuindo ao político o protagonismo em processos  
de transformação (com um vocabulário conceitual pouco preciso):  
Protagonistas os “fatos”, por assim dizer, e não os “homens  
individuais”. Como, sob um determinado invólucro político,  
necessariamente se modificam as relações sociais fundamentais e  
novas forças políticas efetivas surgem e se desenvolvem, as quais  
influenciam indiretamente, com pressão lenta mas incoercível, as  
forças oficiais, que, elas próprias, se modificam sem se dar conta, ou  
quase. (GRAMSCI, 2023, p. 327)  
Bianchi afirma que “a formação do estado moderno era, para Gramsci, o ato de  
nascimento da própria modernidade” (2008, p. 257), ou seja, há uma enorme inversão  
entre a esfera mais ampla e a mais restrita, bem como entre a determinante e a  
determinada. Marx apontava, em primeiro lugar, a prioridade ontológica e a força  
determinante do modo de produção da vida material com relação às “formas jurídicas,  
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas” pelas quais os seres sociais se  
conscientizam acerca dos conflitos de sua época (1977, pp. 24-5). Ademais,  
sublinhava que todos os estados se assentam sobre a sociedade capitalista – “mais ou  
menos modificada pelas particularidades do desenvolvimento histórico de cada país,  
mais ou menos desenvolvida” (MARX, s/d, p. 221) – e são determinados pela  
sociedade civil. Os “diferentes estados, em que pese a confusa diversidade de suas  
formas, têm em comum o fato de que todos eles repousam sobre as bases da moderna  
sociedade burguesa, ainda que em alguns lugares esta se ache mais desenvolvida”  
(MARX, s/d, p. 221). A “anatomia da sociedade civil” é, portanto, válida universalmente,  
14  
“O fato da hegemonia pressupõe, indubitavelmente, que sejam levados em conta os interesses e as  
tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia é exercida, que se forme certo equilíbrio de  
compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas  
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que,  
se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu  
fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade  
econômica.” (GRAMSCI, 2002, p. 48)  
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e o estado, uma expressão genérica daquela. Ademais, o conceito político de vontade,  
duramente criticado por Marx em suas Glosas críticas marginais, era a base do que o  
teórico sardo chamava de filosofia da práxis (ainda que visto como embasado nas  
condições objetivas, cf. GRAMSCI, 2000).  
Coutinho dizia com tranquilidade que Gramsci analisava o desenvolver da  
história italiana com “a subestimação da economia – ou sua ‘abstração’ – como  
condição para um exame agudo e detalhado das superestruturas políticas” (1984, p.  
86). Chamou, aliás, a subestimação da economia de “erro fecundo” (1984, p. 72) e a  
fez passar por idêntica ao antieconomicismo. Ainda, atribuiu à política caráter  
ontológico e localização primordial na ontologia do ser social: “a política é vista por  
ele [Gramsci] como momento privilegiado da interação intersubjetiva consensual entre  
os homens e, por conseguinte, como parte ineliminável da ontologia do ser social”  
(COUTINHO, 2011, p. 114). Assim, a política em Gramsci  
identifica-se praticamente com liberdade, com universalidade, com  
toda forma de práxis que supera a mera recepção passiva ou a  
manipulação de dados imediatos (passividade e manipulação que  
caracterizam boa parte da práxis técnico-econômica e da práxis  
cotidiana em geral) e se orienta conscientemente para a totalidade  
das relações subjetivas e objetivas (COUTINHO, 1999, p. 90).  
Coutinho afirmava que isto corresponde a um fato ontológico real”, que,  
efetivamente, “todas as esferas do ser social são atravessadas pela prática política,  
contêm a política como elemento real ou potencial ineliminável(1999, p. 91). Ele  
reiterava que, em seu sentido amplo, “a política é um elemento ineliminável de toda  
práxis humana” e que “ao afirmar que ‘tudo é política’, Gramsci não deforma o real,  
mas indica um aspecto essencial da ontologia marxista do ser social, o momento da  
articulação entre subjetividade e objetividade, entre liberdade e determinismo, entre  
particular e universal” (COUTINHO, 1999, p. 95). Concepção que se aproxima muito  
mais da filosofia hegeliana do que do pensamento de Marx (que a criticou ainda muito  
jovem), no qual a ligadura da sociedade é feita pela práxis, pela atividade sensível e a  
produção da vida tem prioridade ontológica (MARX, 2011; CHASIN, 1999).  
A ampliação da esfera de abrangência e a atribuição de ontopositividade à  
política é feita com a mediação do conceito de “catarse”, de que a política seria  
sinônimo, porque significaria a passagem do momento “meramente econômico”, visto  
como egoístico-passional, para o momento ético-político, do objetivo para o subjetivo,  
“a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência” (COUTINHO,  
1999, p. 91). Ora, a bibliografia já criticou adequadamente o salto mortal que é  
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Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
contrabandear uma categoria atinente a uma esfera no caso da catarse, à arte para  
outra esfera, pirueta que possibilita as mais absurdas elucubrações (NAVES, 1981;  
MAGANE, 2007; MOARES, 1999; SARTORI, 2014; SILVA, 2012).  
O interessante é que Coutinho busca apoio em Marx cuja visão de política  
constantemente critica, por ser supostamente restrita, lacunar, focalizada e anacrônica,  
portanto, estar superada (COUTINHO, 2003, p. 140) para realizar essa translocação.  
O antigo crítico literário se baseia justamente em uma passagem de Marx sobre a  
questão da arte (MARX, 2011, pp. 62-3). Quando lido sem as deturpações da  
interpretação coutiniana, o texto deixa explícito exatamente o oposto do que ele diz:  
a relação intrínseca embora nunca determinista da obra de arte com a sociedade  
em que foi gestada, um liame estreito e inescapável, mas não mecânico e automático  
(MARX, 2011, pp. 63-4).  
A esfera da arte embora reproduzindo a mesma realidade que a ciência, a  
filosofia e a política, e de forma igualmente universal deve se caracterizar pelo  
tratamento específico daquela realidade. É que, “na arte, jamais se tem o direito de  
renunciar aos critérios propriamente artísticos”, devendo-se tratar os temas “no plano  
próprio da arte” e respeitando “a forma conveniente(LUKÁCS 1969, pp. 181-3). A  
forma deve estar adequada ao conteúdo, pois, afastada dos conflitos imediatos da  
sociedade muito diferentemente da política , a arte refere-se mais diretamente aos  
problemas humanos universais15. Donde, transferir reflexões de uma esfera do ser  
social para outra significar uma impropriedade.  
Ademais, Marx não afirmava aí (nem em outro lugar) que toda produção artística  
deve seguir uma mesma norma metodológica de validade geral, pelo contrário,  
enfatizava que, dado seu padrão altamente desenvolvido, essas obras de arte se  
mantêm como parâmetros que não podem ser repetidos, são inalcançáveis, dado que  
as sociedades em que foram gestadas não existem mais, ao tempo que nos  
proporcionam intenso desfrute estético este, sim, universal (MARX, 2011, pp. 63-4).  
Dessa forma, transferir uma reflexão do campo estético para o da política mostra-se  
completamente insustentável com base em Marx.  
15 Como demonstrou Lukács (2010), por situar-se para além da imediata unidade entre teoria e prática,  
da vida cotidiana, a grande arte expressa potências universais não efetivadas, remetendo-nos à dialética  
entre possibilidades objetivas e realidade efetiva. Por isso, no campo artístico, produções de elevado  
valor estético não estão automaticamente associadas e não correspondem mecanicamente ao nível de  
desenvolvimento socioeconômico; ao mesmo tempo, só poderiam ser produzidas naquele exato tempo  
e momento. A questão aqui é justamente especificar as contradições.  
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Voltando a Coutinho, ainda de Gramsci ele tomou emprestadas as noções de  
Ocidente e Oriente16, que dão ensejo a todo um debate acerca da contraposição entre  
países, com base na relação entre estado e sociedade civil (embora não só). Nesta  
compreensão, os dois hemisférios deixam de ser anotações meramente geográficas  
para se referir a construções histórico-sociais com características distintas e passíveis  
de transformações. Assim, grosso modo, o desenvolvimento das forças produtivas teria  
fortalecido a sociedade civil, ensejando uma ampliação (“socialização”) da participação  
política nas democracias modernas, o que os gramscianos chamam de ocidentalização.  
O Brasil, como causa e efeito das “revoluções passivas”, havia sido um país  
indiscutivelmente “oriental” durante boa parte da sua história, com uma sociedade civil  
frágil e um estado forte e autoritário; a partir dos anos 1930, teria se iniciado um  
processo, não linear e inconstante, de “ocidentalização”, de crescimento e  
complexificação da sociedade civil (COUTINHO, 2001, p. 110; 2020, p. 248; 2003,  
pp. 201-2). Os 20 anos que se seguiram à “revolução passiva” de 1964 haviam  
assistido à transformação completa do Brasil em uma sociedade “Ocidental”, porque  
a ditadura teve de suportar o crescimento da luta da sociedade civil pela autonomia  
em relação ao estado e, portanto, pela “pela reordenação democrática da vida  
brasileira”, estabelecendo-se entre eles uma relação equilibrada (COUTINHO, 1984, p.  
88).  
Assim, a modernização conservadora” da sociedade teria redundado no  
engendramento dos pressupostos de sua própria superação. Para efetivar tais  
possibilidades, entretanto, seria necessário ampliar o processo de “socialização da  
política”, conferindo à sociedade civil mais poder decisório sobre os rumos da  
nacionalidade. Otimista, Coutinho acreditava que o processo de “conquista da  
hegemonia das forças democráticas no âmbito da sociedade civil” estava em  
andamento no início dos anos 1980 e seria fundamental para a constituição de um  
regime político fundado no consenso, e não na coerção: uma “democracia de massas”  
que poderia ser “ponto de partida e condição para a conquista e realização progressiva  
do socialismo entre nós” (COUTINHO, 1984, p. 89). Diversos setores da sociedade  
estariam interessados nessa conquista e todos deveriam ser aliados da esquerda,  
16 “No Oriente, o estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre  
o estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o estado, podia-se imediatamente reconhecer  
uma robusta estrutura da sociedade civil. O estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da  
qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de estado para estado,  
é claro [...].” (GRAMSCI, 2000, p. 262)  
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independentemente de como se posicionassem sobre a conservação do CME no país.  
Toda essa análise tinha consequências significativas para a estratégia  
revolucionária proposta pelo teórico baiano. Para ele, se o Brasil era Ocidental”, seria  
inconcebível apelar a “formas de transição ao socialismo centradas na ‘guerra de  
movimento’, no choque frontal com os aparelhos coercitivos de estado, em rupturas  
revolucionárias entendidas como explosões violentas e concentradas num breve lapso  
de tempo”. A esquerda moderna emergente também no Brasil, e as forças populares  
como um todo, deveriam ter como fanal a conquista de hegemonia civil, que só se  
daria com “uma difícil e prolongada ‘guerra de posições’”, isto é, “a consolidação da  
democracia pluralista, bem como seu ulterior aprofundamento numa ‘democracia de  
massas’, devem ser considerados ponto de partida e, ao mesmo tempo, condição  
permanente de nosso caminho para um socialismo democrático” (COUTINHO, 2003, p.  
218). Ele frisava, desta forma, a necessidade de adoção de uma estratégia não  
golpista, democrática, de transição para o socialismo, baseada em reformas  
profundas, sem deixar de ter claro o objetivo final, o próprio socialismo, que entendia  
como a conquista do poder do estado pelas massas trabalhadoras.  
Há um simplismo na distinção entre ocidentalidade e orientalidade, que não dá  
conta da pletora de situações reais. Assim, o suposto processo de “ocidentalização”  
não ocorreu da mesma forma em todos os lugares do mundo de maneira que nos  
anos 2000 o Brasil continuava econômica e socialmente muito longe da Itália, da  
França ou da Alemanha, mesmo sendo todos esses países “ocidentais” segundo a  
categorização proposta. Perry Anderson (1986) criticou a homogeneização promovida  
pela contraposição Ocidente/Oriente, sob a qual aparentemente as formações sociais  
dos dois hemisférios existem na mesma temporalidade, desconsiderando sua enorme  
heterogeneidade. Entre os gramscianos há quem, como Bianchi, afirme que não havia  
positividade inerente à noção de Ocidente utilizada por Gramsci, que não a tinha como  
um programa ou um ideal, mas objetivava “expressar uma situação histórico-política:  
a existência de uma sociedade civil mais densa e, contraditoriamente, de maiores  
obstáculos à revolução socialista” (BIANCHI, 2008, p. 216). Ademais, completa:  
Conceber uma relação de identidade entre o adensamento da  
sociedade civil e o aumento da participação política só é possível  
quando se perde de vista o caráter conflitivo da própria sociedade  
civil. Uma [...] sociedade civil burguesa mais densa e complexa pode,  
também, significar (e frequentemente significa) uma expansão dos  
aparelhos privados de controle e pacificação das classes subalternas.  
(BIANCHI, 2008, p. 215)  
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Percebendo, porém, que “ocidentalidade” não abarcava as distinções que  
surgiram historicamente entre Brasil e outros países ditos “ocidentais” Coutinho lhes  
agregou o complemento “periférico”, tomado de empréstimo sociólogo argentino Juan  
Carlos Portantiero (1934-2007), ao qual atribuía diferentes acepções: “somos periferia  
do capitalismo e sempre estivemos envolvidos no movimento internacional do capital  
(agora talvez ainda mais) numa posição indiscutivelmente subalterna” (COUTINHO,  
2001, pp. 112-3) e porque há “a permanência entre nós de vastas zonas tipicamente  
orientais’” (COUTINHO, 2000). Tratava-se, pois, de um “Oriente” necessário para o  
funcionamento e reprodução do “Ocidente” brasileiro, de um atraso funcional ao  
progresso. “Ocidente periférico” e que carregava o peso das transformações pelo alto,  
antipopulares, mas mesmo assim “Ocidente”.  
É bastante significativo que, vendo-se diante das diferentes trajetórias entre o  
Brasil e os países tardios, de via prussiana, Coutinho não tenha se proposto a revisão  
do enquadramento do país no rol daqueles. Embora pareça que ele em alguns  
momentos percebeu as insuficiências de suas primeiras tematizações, em vez de revê-  
las a partir de um confronto com a realidade brasileira, acabou lhes aplicando  
remendos que as transformaram quase numa colcha de retalhos teórica pois, para  
além dos três conceitos citados, ele também se apropriou de noções do weberianismo  
(como patrimonialismo), e particularmente da analítica paulista, da qual tomou  
populismo, autoritarismo, dependência e outros termos.  
Por outro lado, as consequências tiradas da leitura de Coutinho a afirmação  
da guerra de posição como estratégia exclusiva no Ocidente não parecem ser  
apoiadas na visão do próprio Gramsci, para quem:  
A verdade é que não se pode escolher a forma de guerra que se quer,  
a menos que se tenha imediatamente uma superioridade esmagadora  
sobre o inimigo [...]. A guerra de posição não é de fato constituída  
apenas pelas trincheiras propriamente ditas, mas todo o sistema  
organizativo e industrial do território que está detrás do exército  
alinhado, e é imposta pelo tiro rápido dos canhões, das  
metralhadoras, dos mosquetões e pela própria concentração de armas  
em um determinado ponto, bem como pela própria abundância do  
fornecimento que permite substituir rapidamente o material perdido  
depois de uma penetração e de um recuo. (GRAMSCI, 2000, p. 72)  
Vemos, pois, que, para Gramsci, as formas de guerra não são opções, são dados  
da realidade que caberia considerar. A guerra de posição não era um programa  
positivo, mas uma exigência da realidade objetiva, imposta pela correlação de forças,  
por isso, nem sempre mais favorável às classes subalternas. Como lembrou Bianchi,  
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“como o nome já diz, a guerra de posição é uma forma de guerra e, portanto, está  
marcada pelo conflito, e não pela tranquila interação comunicativa dos agentes”,  
“forma de conflito imposta pelas classes dominantes, bloqueando às classes  
subalternas a intervenção ‘concentrada e simultânea da insurreição’” (BIANCHI, 2008,  
p. 295). E, de fato, para Gramsci:  
A guerra de posição exige enormes sacrifícios de massas imensas de  
população; por isto, é necessária uma concentração inaudita da  
hegemonia e, portanto, uma forma de governo mais "intervencionista",  
que mais abertamente tome a ofensiva contra os opositores e  
organize permanentemente a "impossibilidade" de desagregação  
interna [...]. Ou seja, na política subsiste a guerra de movimento  
enquanto se trata de conquistar posições não decisivas e, portanto,  
não se podem mobilizar todos os recursos de hegemonia e do estado;  
mas quando, por uma razão ou por outra, estas posições perderam  
seu valor e só aquelas decisivas têm importância, então se passa à  
guerra de assédio, tensa, difícil, em que se exigem qualidades  
excepcionais de paciência e espírito inventivo. Na política o assédio é  
recíproco, apesar de todas as aparências, e o simples fato de que o  
dominante deva ostentar todos os seus recursos demonstra o cálculo  
que ele faz do adversário. (GRAMSCI, 2000, p. 255)  
Assim, embora haja momentos no pensamento deste autor em que a questão  
foi posta em termos de cancelamento da primeira pela segunda, em muitos outros o  
sardo observava que “a luta política é mais complexa que a guerra”, diferentes formas  
de combate e táticas se sucederiam ou coexistiriam (tanto no campo militar quanto no  
político) de acordo com o momento da luta política incluindo guerra de posições e  
guerra de movimento (BIANCHI, 2008, p. 209). Evidencia-se o reducionismo a  
classificação dual comporta soluções do mesmo caráter. Oblitera-se assim a riqueza  
de determinações que o real apresenta em ambos os momentos” (SILVA, 2012, pp.  
139-40).  
Tal estratégia era aquela apontada pela corrente teórica a que Coutinho havia  
aderido em seu exílio dos anos 1970, o eurocomunismo, vertente ideológica que teve  
grande penetração nos partidos comunistas europeus nos anos 1970, em especial na  
Itália, na França e na Espanha. Pretendia-se uma terceira via entre a social-democracia  
e o que alcunhava de comunismo do Leste europeu, subjugado pelo stalinismo, mas  
foi criticado por seu viés fortemente revisionista. O ponto central para tal tendência  
político-ideológica era a conjugação de socialismo e democracia, esta vista como  
manifestado em 1977 na célebre frase do secretário-geral do PCI Enrico Berlinguer:  
“A democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado  
a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma  
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original sociedade socialista.” Os eurocomunistas ainda tomaram posição sobre temas  
gramscianos como hegemonia e pluralismo político, advogando uma transição não  
explosiva ao capitalismo nas sociedades ocidentais(avançadas). Tratava-se, então,  
de rediscutir a relação entre o projeto socialista de transformação e a democracia, vista  
agora por parte da esquerda identificada com o eurocomunismo como valor  
universal e, portanto, defendida não apenas enquanto tática provisória, mas enquanto  
estratégia consistente. O momento mais significativo da introdução e difusão das  
ideias gramscianas no Brasil (o final da ditadura militar) coincidiu, ou antes foi  
proporcionado, pela interpretação eurocomunista do pensador sardo.  
Profundamente influenciado por essa visão, Coutinho (1984) defendeu o  
princípio da democracia como valor universal ou seja, a ser mantida e aprofundada  
(organizada, articulando pluralismo e hegemonia) no socialismo17. Ele asseverava que  
o “vínculo entre socialismo e democracia [...] é parte integrante do patrimônio  
categorial do marxismo”, não sendo “um objetivo tático imediato”, mas “o conteúdo  
estratégico da etapa atual da revolução brasileira” (1984, p. 20). De acordo com seu  
entendimento,  
democracia é sinônimo de soberania popular. Ou seja: podemos  
defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais  
que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na  
formação do governo e, em consequência, no controle da vida social  
(COUTINHO, 2020a, p. 186).  
O argumento central era o de que a dialética política levaria adiante aspectos  
decisivos da democracia, os quais seriam incompatíveis com o capitalismo e poderiam,  
num processo de longo prazo, resultar no socialismo, no qual se concretizariam  
efetivamente. A universalização da cidadania seria contraditória com a existência de  
uma sociedade de classes e por isso “não hesitaria em dizer que a ampliação da  
cidadania esse processo progressivo e permanente de construção dos direitos  
democráticos que atravessa a modernidade termina por se chocar com a lógica do  
capital” (COUTINHO, 2020a, pp. 202-3). Por isso, criticava a concepção de democracia  
como forma de dominação burguesa, taxava de “grosseiro equívoco”, nos planos  
teórico e histórico, a utilização dos termos "democracia burguesa" e pontuava que as  
17 Felipe Magane, recompondo em grandes traços o debate sobre o revisionismo no interior da social-  
democracia alemã no final do século XIX e início do século XX, demonstra como muitas das ideias  
defendidas por Coutinho já haviam sido manifestadas naquele momento; por exemplo, Kautsky propõe  
dar centralidade à luta pela democracia, bem como acredita que a revolução proletária possa ser  
realizada por “via pacífica, legislativa e moral”, sem recorrer aos “meios de força física”, em países onde  
a democracia esteja enraizada (MAGANE, 2007, p. 109 e passim).  
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conquistas democráticas resultaram das sociais (COUTINHO, 2020a, pp. 197-8).  
Pleiteando a diferenciação e dissociação entre liberalismo (este, sim, burguês) e  
democracia, o autor ponderava a oposição de correntes liberais à democracia, mas  
também afirmava que em relação ao liberalismo há “muitos elementos que  
transcendem esse vínculo genético com a burguesia e adquirem valor universal”  
(COUTINHO, 2020a, pp. 197-8)18.  
Ao propor uma espécie de “frente popular” no processo de encerramento da  
ditadura militar, num momento em que greves operárias no ABC Paulista punham em  
xeque a coluna vertebral do regime, Coutinho mostrava sua adesão “ao  
eurocomunismoda direção partidária do PCB, recusava a centralidade operária na  
própria conquista da democracia e num projeto alternativo da perspectiva do trabalho”  
(MAGANE, 2007, p. 16). A ideia era a de que se evitasse a agudização das  
contradições, evitando uma possível recidiva ditatorial (MAGANE, 2007, p. 24).  
O que fica evidente nesse raciocínio é que a conquista ou estabilização de um  
regime de democracia liberal era o grande objetivo político que o teórico punha para  
o país, o regime desejado e que independentemente de outros fatores (ou quase),  
incluindo a economia orientava toda a pesquisa e toda a argumentação, além da  
militância do autor (cf. SILVA, 2012, p. 141). Trata-se de um procedimento tipicamente  
politicista, o de recortar, autonomizar e inflar o campo específico do político, rompendo  
seus laços com outras áreas da vida social (mantidos, no máximo, como referências  
formais), com isso desentendendo não só a sociedade como um todo, mas o próprio  
político, que resta incompreendido na real envergadura que tem na efetividade.  
A história parece ter desmentido cabalmente o otimismo coutiniano. Enquanto  
ele argumentava acerca do poder da socialização da política e do avanço da  
democracia, o mundo enveredava pela via da reiteração das desigualdades econômico-  
sociais em níveis abissais, antepondo significativos empecilhos a uma democracia  
substantiva. As crises econômicas, a permanência do racismo e da misoginia, as  
consequências do colonialismo, a privatização de setores estatais estratégicos, a  
ascensão eleitoral da extrema-direita autocrática são algumas entre tantas outras  
evidências de que o fortalecimento da sociedade civil não necessariamente implica  
avanços em direção ao socialismo, porque a sociedade civil está impregnada de  
18  
Era o caso do mercado e da propriedade: “Estou convencido hoje de que algo de mercado poderá  
existir depois do desaparecimento do capitalismo afinal, o mercado é uma forma de interação que  
antecedeu o capitalismo. [...] Penso um socialismo em que há mercado, e em que pode haver um  
pluralismo de formas de propriedade.” (COUTINHO apud MAGANE, 2007, p. 31)  
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conflitos que opõem os agentes entre si e ao todo. Só a renitente desconsideração  
dos vínculos entre a democracia e a reprodução das condições socioeconômicas e  
político-ideológicas para a acumulação do capital pode levar à sua afirmação enquanto  
valor universal a ser preservado no socialismo, ou seja, a desvinculação da democracia  
de sua gênese (o capitalismo) e fundamentos implica tomar os regimes e formas de  
estado como exteriores ou independentes das lutas de classes.  
Coutinho recusava a intrínseca relação entre capitalismo e democracia (e  
sociedade de classes e política), e por isso podia propor a eliminação de aspectos do  
primeiro e a manutenção da segunda, num surto proudhoniano, sem perceber que  
supressão do estado é supressão da democracia. Ademais, via a relação entre  
democracia e socialismo como de ampliação, não de ruptura. O ponto de partida é a  
ontopositividade da política, a que o autor atribui um lugar central da vida social; não  
apenas central, mas mais elevado que outros e perpétuo. Por isso, podemos dizer que  
ele considerava o complexo político desconectado da dimensão econômica, como se  
portasse uma dialética própria. Como não percebia que a política tem sua origem e  
existência assinaladas pela divisão do trabalho, a contradição entre a vida  
pública/interesses gerais e a vida privada/interesses particulares no âmbito da  
sociedade civil (cf. CHASIN, 1999b), podia lhe conferir universalidade mesmo nos  
marcos do socialismo.  
Entendemos que há uma articulação entre a crítica a insuficiência economicista  
adjudicada à categoria de via prussiana (e não a autocrítica pela sua utilização para o  
Brasil) e a posição política do autor. Para defender a democracia como valor universal,  
era necessário renunciar totalmente a Lênin e ao suposto golpismo da esquerda,  
criticar duramente a ideia de ditadura do proletariado e defender reformas estruturais  
no interior do capitalismo. Para tanto, a apropriação e releitura das ideias de Gramsci  
pelos eurocomunistas era imprescindível.  
Considerações finais  
Esperamos ter demonstrado os principais elementos teóricos que arrimam a  
noção de via prussiana estendida ao Brasil no pensamento de Carlos Nelson Coutinho.  
Vamos tocar aqui, rapidamente, apenas em pontos mais decisivos.  
Apesar de bastante inteligente no trato com a realidade e com as diversas  
teorias com as quais trabalhou, legando inúmeras elaborações que são não só  
instigantes e sugestivas como até mesmo bastante pertinentes em vários casos, nem  
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sempre o rigor teórico esteve presente nas elaborações coutinianas. A forma como  
escreveu boa parte de seus textos, o ensaio, está em consonância com o manejo  
bastante livre de ideias de outros autores.  
Vimos que, nas suas primeiras elaborações teóricas, embora frisasse a  
importância de se compreender global e particularizadamente a formação social  
brasileira para que fosse possível analisar a contribuição efetiva da literatura nacional,  
ele próprio não empreendeu tal tarefa, não desceu do céu das abstrações. Também  
relegou a segundo plano a discussão sobre a natureza do “velho” que a fase industrial  
do capitalismo veio substituir, bem como não assinalou as especificidades do atraso e  
da estagnação internas, questão que é central, segundo compreendemos, para a  
devida apropriação da forma específica de objetivação do capitalismo no Brasil.  
Possivelmente, uma das chaves para entender a utilização da noção de “via prussiana”  
para o país está justamente no trato descuidado com o modo de produção aqui  
existente até o início do século XX. Há nesse sentido forte assimilação com as teses  
predominantes no PCB, que qualificavam nosso modo de produção como feudal ou  
semifeudal.  
A partir de 1979, os interesses de Coutinho se desviaram do campo estético  
para estudos mais diretamente políticos; e Gramsci e os eurocomunistas italianos  
deslocaram a influência filosófica de Lukács. Nesse momento, o autor declarou o  
caráter anacrônico das tematizações de Marx e Engels acerca do estado e do processo  
de transição para o socialismo, criticou o “modelo soviético” e proclamou o valor  
universal da democracia. Também se imprimiu em seu pensamento a compreensão da  
política como esfera primordial da interação humana, ao tempo que buscou solução  
política para os impasses do “prussianismo” brasileiro. Nessa etapa, houve um esforço  
ao menos aparente de superar a abstratividade de suas primeiras elaborações  
intelectuais e trazer à tona alguns caracteres da nossa modalidade específica de  
desenvolvimento.  
Esta tentativa de particularização não ocorreu, porém, sem percalços.  
Exemplifique-se com o peso da subordinação do Brasil ao capital estrangeiro, questão  
ainda pouco enfatizada em suas reflexões. Muito embora o teórico baiano tenha  
também mencionado o caráter híper-tardio do capitalismo industrial brasileiro, acabou  
não tirando todas as devidas conclusões. Ele observou que um processo de  
desenvolvimento ocorrido no bojo desse atraso implicaria uma industrialização  
necessariamente dependente ou dependente-associada, em que as burguesias  
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nacional e estrangeira compartilhariam interesses e o estado patrocinaria (inclusive  
ditatorialmente) a realização dos capitais, mas atribuiu pouco peso analítico a esta  
questão. Pior ainda, acabou elaborando propostas políticas que incluíam frações  
burguesas como aliadas na luta pela democracia, supondo a colaboração ou ao menos  
passividade das burguesias interna e externa para serem levadas a cabo. Ele não se  
deu conta de que a subsunção ao capital internacional estreitava as perspectivas de  
atuação da burguesia interna, tolhendo as possibilidades históricas de realização de  
reformas econômicas e de inclusão no campo político.  
Coutinho também rejeitou, por impertinente, a autocracia enquanto forma de  
dominação mais conforme ao tipo de capitalismo existente na formação social  
brasileira. Para ele, o patamar de industrialização já atingido no país e uma suposta  
socialização da política constituiriam base suficiente à luta por um ordenamento  
político mais democrático. Assim, a burguesia brasileira também labutaria por  
hegemonia, não apenas por dominação, o que tornaria possível sair de uma ditadura  
para a democracia sem a exigência imediata de uma revolução socialista. A partir dessa  
visão politicista é que ele abordou as possíveis opções estratégicas, acabando por  
resumi-las ao arsenal mínimo da “guerra de posições. Contudo, o caráter caudatário  
da burguesia brasileira tem até aqui impossibilitado um capitalismo mais inclusivo e,  
portanto, uma democracia liberal substantiva. Assim, a aposta na democratização da  
sociedade brasileira se mostrou irreal, como a crença numa burguesia pluralista.  
Na sua maturidade, Coutinho asseverava ser necessária a conjunção de três  
conceitos de forma intercambiada, como sinônimos, ou complementares para falar  
do Brasil: “via prussiana”, “revolução passiva” e, em menor medida, “modernização  
conservadora”. Tal conjunção seria necessária devido a uma suposta insuficiência do  
conceito de via prussiana, que se ateria mais ao campo econômico, enquanto  
“revolução passiva” captaria melhor as transformações ocorridas no campo político em  
decorrência das mudanças econômicas. Já a noção de revolução passiva ressaltava um  
dos aspectos da objetivação do capitalismo no Brasil que Coutinho passou a valorizar  
mais em relação aos outros, qual seja, a efetivação de “transformações pelo alto”, por  
meio de uma conciliação das elites e, por conseguinte, da exclusão das massas dos  
processos políticos e o fortalecimento do estado, sua contraface. O uso de tais  
conceitos foi se ampliando paulatinamente conforme se alargavam as influências  
sofridas pelo teórico, as injunções políticas conjunturais e as evidências de equívocos  
e/ou insuficiências nas reflexões anteriores.  
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Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho  
Parece-nos que a inexistência de determinações histórico-concretas, que  
apontamos em relação às primeiras produções teóricas, é que acabou tornando  
possível, epistemologicamente, o uso dos três conceitos mencionados. Mais: essa  
correspondência, quando ocorre, exige tais extensão e esvaziamento sob pena de que  
as especificidades que cada uma das categorias tem em sua formulação original  
obstruam a possibilidade do intercâmbio praticado por nosso autor.(NEVES, 2019,  
p. 260) Avaliamos que, longe de ser uma atualização do referencial categorial em face  
de mudanças no cenário mundial e/ou local, estamos diante de tentativas de remendar  
uma visão já viciada em suas origens a identificação do Brasil como um país de via  
prussiana , a qual já no primeiro momento não dava conta da realidade brasileira,  
obrigando à agregação de instrumentos heurísticos complementares. Assim, de um  
lado, o autor se viu diante de uma realidade que teimava em desmentir a identificação  
com vias de objetivação com as quais tem semelhanças aparentes e/ou abstratas. De  
outro, suas próprias convicções foram se modificando, inclinando-se para uma leitura  
ainda mais politicista, que levava necessariamente a estratégias políticas reformistas,  
que finalmente se impuseram ou fundiram com sua análise. Ainda assim, a realidade  
dos países que objetivaram o capitalismo pela via prussiana continuou testemunhando  
as largas diferenças entre eles e o Brasil, levando o autor a apelar ao conceito de  
ocidentalidade periférica.  
Segundo nossa avaliação, portanto, no tocante ao tema em análise neste artigo,  
Coutinho torceu a realidade para se enquadrar em suas proposições políticas. Assim,  
num plano estrito, suas análises políticas foram direcionadas pela importância que deu  
à conquista de um regime de democracia liberal, levando-o a priorizar a esfera política  
e perder o momento preponderante, desentendendo a própria realidade. Num plano  
mais amplo, pode-se mesmo dizer, como já apontou um comentador, que  
Carlos Nelson não foi um cientista social que buscou abordar o  
processo histórico da Formação Social Brasileira; foi, isto sim, um  
militante político que, ao buscar os fundamentos de análise para a  
construção de uma proposta política, viu-se obrigado a construir uma  
interpretação teórica que amparasse esta intervenção (FRANCO,  
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Como Citar:  
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. Antinomias da "via prussiana" à brasileira de  
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Verinotio  
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