Determinação  
socialdo  
pensamento  
econômico  
naunidadedo  
métodomaterialista  
ElcemirPoCunha  
Verinotio  
LIVROS  
DETERMINAÇÃO SOCIAL DO  
PENSAMENTO ECONÔMICO  
na Unidade do Método Materialista  
Elcemir Paço Cunha  
DETERMINAÇÃO SOCIAL DO  
PENSAMENTO ECONÔMICO  
na unidade do método materialista  
Verinotio Livros  
Belo Horizonte  
2025  
DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PENSAMENTO ECONÔMICO:  
na unidade do método materialista  
Direção editorial: Ester Vaismam, Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Edição: Ronaldo Vielmi Fortes  
Capa: Gabriela M. Segantini Souza  
Diagramação: Ronaldo V. Fortes e Gabriela M. Segantini Souza  
Conselho Editorial  
Dr. Alexandre Aranha Arbia, UFJF, Juiz de Fora, Brasil; Dra. Ana Laura dos Reis Corrêa, UnB, Bra-  
sil; Dra. Ana Selva Castelo Branco Albinati, PUC-MG, Brasil; Dr. Antônio José Romera Valverde, PUC-  
SP, Brasil; Dr. Antônio José Lopes Alves, UFMG, Brasil; Dr. Antônio Rago Filho, PUC-SP, Brasil; Dr.  
Carlos Eduardo O. Berriel, UNICAMP, Campinas, Brasil; Dr. Celso Frederico, USP, Brasil; Dra. Cris-  
tina Lontra Nacif, UFF-Niterói, Brasil; Dr. Eduardo Ferreira Chagas, UFC, Brasil; Dr. Elcemir Paço  
Cunha,UFJF, Brasil; Dra. Fabiana Scoleso, UFT, Brasil; Dr. Francisco Garcia Chicote, CONI-  
CET/UBA, Argentina; Dr. Guilherme Leite Gonçalves, UERJ, Brasil; Dr. Juarez Duayer, UFF, Bra-  
sil; Dr. Leonardo Gomes de Deus, UFMG, Brasil; Dra. Lúcia Aparecida Valadares Sartório, UFRRJ,  
Brasil; Dr. Marco Vanzulli, Università degli Studi di Milano Bicocca, Itália; Dr. Mauro Castelo Branco  
de Moura, UFBA, Brasil; Dr. Miguel Vedda, UBA, Argentina; Dra. Mônica Hallak Martins Costa, PUC-  
MG, Brasil; Dr. Paulo Henrique Furtado de Araujo, UFF, Brasil; Dr. Ricardo Lara, UFSC, Bra-  
sil; Dr. Ricardo Prestes Pazello, UFPR, Brasil; Dr. Ronaldo Rosas Reis, UFF, Brasil; Dr. Vinícius Go-  
mes Casalino, PUC-Campinas, Brasil.  
Verinotio Livros  
Belo Horizonte, MG  
Agosto de 2025  
“…o incompreensível é, de fato,  
compreensível…”  
Goethe  
Dedicatória  
Para Helena e Kaíque.  
Agradecimento  
Agradeço a Leonardo Gomes de Deus pela recepção na UFMG para pe-  
ríodo de pós-doutoramento que possibilitou a continuidade da pesquisa  
que resultou no presente material.  
Sumário  
Capítulo I  
Unidade do método materialista  
11  
Capítulo II  
Predicação ativa do pensamento  
19  
Capítulo III  
Objeto ideológico  
36  
Capítulo IV  
Análise histórico-imanente  
58  
Capítulo V  
Análise da gênese  
79  
Capítulo VI  
Análise da eficácia  
108  
Capítulo VII  
Análise ontognosiológica  
144  
Referências  
192  
I
Unidade do método materialista  
Há uma unidade no “método materialista” relacionado à inves-  
tigação das formas de consciência filosófico-científica, especialmente  
na figura do pensamento econômico. Entretanto, essa unidade não se  
apresentou historicamente esboçada em sua integralidade pela própria  
tradição marxista. Existem razões teóricas e históricas para isso.  
Na medida em que “não existe uma estrada real para a ciência”  
(Marx, 2013, p. 93), o método, no materialismo consequente, decorre  
do objeto investigado e do caminho de fato percorrido, não constituindo  
previamente um conjunto de passos minuciosamente arranjados, orga-  
nizadores da subjetividade, antes da investigação ou à revelia da natu-  
reza do objeto investigado (Chasin, 2009). A pesquisa sobre o pensa-  
mento econômico como tal objeto de interesse colocou necessariamente  
peculiaridades não apenas em relação aos objetos concreto-empíricos  
como também em comparação com outras formas de consciência filo-  
sóficas, científica, artísticas. Isso criou alguma compreensível cautela  
diante da enunciação mais sistemática mesmo daquilo que já fora acu-  
mulado na tradição materialista nessa seara. De tal sorte, a tendência  
persistente é a de evitar a sistematização no estudo das formações ideais  
diante do risco da vulgaridade.  
Além disso, a heterogeneidade interna entre tendências teóri-  
cas naquela tradição liberou pouca energia à explicitação de caráter  
mais sistemático da unidade do método, uma vez que tais tendências  
enfatizaram elementos distintos dessa unidade quando não promove-  
ram algumas sobreposições complicadoras que obstruíram a melhor  
compreensão dela. Podemos ser lacônicos sobre isso e apenas indicar  
complicações a exemplo do tratamento do pensamento econômico e da  
Determinação social do pensamento econômico  
“ideologia” como fator exógeno, sobreposições entre “missão social” e  
os efeitos teórico-práticos desse pensamento, também entre tais efeitos  
e sua peculiaridade científica, além da intercambialidade inadvertida,  
por um lado, entre o caráter histórico do pensamento e relativismo ao  
abraçar, ainda que indiretamente, outras correntes tais como a sociolo-  
gia do conhecimento, e, por outro lado, entre tal caráter histórico e a  
indeterminação dos fatores atuantes ao admitir igualdade entre método  
materialista e a tradição weberiana da história etc. Teremos chance de  
dissolver algumas dessas complicações.  
Vale adicionar ainda sobre isso as grosseiras imputações origi-  
nadas externamente à tradição marxista, mas que ganham adesões di-  
ante do próprio caráter implícito da unidade do método materialista. É  
o caso, por exemplo, da classificação espúria do método marxista como  
“visão relativista” em oposição relativamente romântica à “visão positi-  
vista” (Curi, 2015, p. 30-31), o que gera identidades indevidas com ou-  
tras correntes.  
Importante também mencionar as corriqueiras indisposições e  
preconceitos de partida, segundo os quais as contribuições de Marx ao  
estudo da história do pensamento econômico não passariam de mera  
opinião ou coisa parecida. Intransigentemente dito a respeito do trata-  
mento histórico do pensamento econômico, “como toda narrativa his-  
tórica desse gênero”, não seria mais do que uma “reconstrução seletiva  
e viesada do registro histórico, cuja principal função é colocar em evi-  
dência os méritos relativos da perspectiva teórica defendida”. Suposta-  
mente, teria sido precisamente “esse o gênero historiográfico que pre-  
valeceu ao longo de todo o século XIX”, considerando que a “lista de  
praticantes é extensa, diversa e ilustre”, entre os quais, Marx (Su-  
prinyak; Cunha, 2019, p. 25-26).  
Cabe ainda incluir entre as presentes questões externas ao mar-  
xismo, a secular e repetida ad nauseam denúncia do determinismo me-  
cânico e econômico, fazendo do materialismo vulgar que é um desvio  
de toda sorte a ser combatido a expressão mais geral e autêntica da-  
quilo que o materialismo científico tem a fornecer ao estudo do pensa-  
mento econômico.  
O quadro geral não é dos mais favoráveis. Se na tradição mar-  
xista a explicitação da unidade do método restou pulverizada e pouco  
sistemática, fora dela prevaleceu a confusão e mal-entendidos de toda  
12  
Unidade do método materialista  
ordem, das imputações de relativismo, de determinismo mecânico, de  
não ultrapassar a qualidade opinativa, meramente “seletiva e viesada  
do registro histórico”. A investigação quanto à unidade do método fa-  
vorece o caminho diante dessas trilhas margeadas por lanças. Torná-la  
clara, acessível e desimpedida das complicações embaraçosas é precisa-  
mente a tarefa deste pequeno livro, pelo menos com respeito aos ele-  
mentos essenciais dessa unidade. Ele visa a não ser mais do que mate-  
rial introdutório e auxiliar no desenvolvimento da investigação sobre  
pensamento econômico na tradição materialista. Em linhas gerais, pre-  
tende sistematizar os elementos essenciais que formam a unidade do  
método materialista a partir dos traços comuns presentes na tradição  
marxista representada por notórios protagonistas que estiveram, direta  
ou indiretamente, dedicados ao estudo do pensamento econômico.  
É decisivo sublinhar com toda força que se trata de uma uni-  
dade de elementos conjugados, articulados de complexas maneiras e  
não de etapas ou passos metódicos dados antes da investigação e cujo  
cumprimento daria o semblante de rigor e de cientificidade. Essa res-  
salva de partida estabelece que a existência da unidade do método deve  
ser reconhecida nos limites da autenticidade de um materialismo con-  
sequente, entendendo-se que só é possível uma sistematização em li-  
nhas gerais e não nos pormenores procedimentais que, de toda forma,  
somente poderiam ser conhecidos ao término de investigações particu-  
lares. O risco da vulgarização não deve, por outro lado, impedir o me-  
lhor impulso de clareza, desembaraçando aquela unidade das sobrepo-  
sições complicadoras registradas na própria história do marxismo. No  
limite, é necessária compostura diante da crítica geral que Hartmann  
(1976) endereçou aos grandes nomes do então idealismo alemão e que  
se aplica aproximadamente à situação em tela. Segundo o filósofo ale-  
mão, “é digno de nota que nem sequer os cérebros dialéticos tenham  
podido descobrir o segredo de tal procedimento, pois têm e manejam  
um método, sem poderem mostrar como o fazem. É manifesto que nem  
eles próprios o sabem” (p. 450). Deslocada para o terreno do pensa-  
mento econômico, há uma unidade do método, sabidamente manejado,  
não sem alguns desvios, por seus protagonistas. É necessário demons-  
trá-la, nos limites daquela autenticidade do materialismo consequente.  
Nesse sentido, a partir das tendências marxistas que se debru-  
çaram especialmente sobre o pensamento econômico, encontram-se  
13  
Determinação social do pensamento econômico  
alguns traços que são mais ou menos comuns, não obstante sua distri-  
buição desigual na própria tradição. Temos clareza de que o desenvol-  
vimento mais evidente está no tripé lukácsiano resumido na “determi-  
nação da gênese”, “de sua função social”, além da “crítica imanente”  
(Chasin, 1978, p. 62) das formações ideais. Procuramos avançar, desta-  
cando mais elementos combinados. E é importante insistir que se trata  
de uma unidade de elementos articulados e não de etapas ou passos me-  
tódicos dados antes da investigação. A insistência é aqui cabível diante  
da ressalva de que essa unidade pode ser analiticamente fraturada para  
fins investigativos e em razão de problemáticas específicas de pesquisa.  
Assim, uma vez depurados tais elementos da unidade do método mate-  
rialista, podemos indicá-los sumariamente da seguinte maneira:  
Predicação ativa do pensamento: dependência das formas de  
pensamento em reciprocidade com suas condições objetivas de possibi-  
lidade sobre as quais desaguam com potencial de modificação das con-  
dições de sua gênese e de outros tempos e lugares. É o movimento geral  
para o qual a unidade do método se volta.  
Objeto ideológico: delimitação das formas de pensamento como  
objetos particulares de estudo, objetos de caráter especialmente siste-  
matizados, tais como as doutrinas econômicas. Envolve a determinação  
de sua diferença específica como forma de consciência científica e os  
recortes legítimos do pensamento econômico para investigações varia-  
das.  
Análise histórico-imanente: constitui o estudo da estrutura in-  
terna, da lógica e da natureza do conteúdo particular de expressões do  
pensamento econômico já o pressupondo como produto histórico par-  
ticular. É o desvendamento do material delimitado (e para delimitá-lo)  
em si mesmo por médio de sucessivas aproximações e depurações mi-  
nuciosas do texto.  
Análise da gênese: orientada para a constituição histórica e mis-  
são social (necessidade histórica, incluindo o falso necessário, a des-  
peito dos propósitos declarados) de expressões do pensamento econô-  
mico e seu desdobramento, considerando, na qualidade de chave expli-  
cativa, as reciprocidades entre os fatores preponderante (base material)  
e protagonistas (elementos da superestrutura ideológica e variantes das  
formas de consciência) no todo articulado. Depende do estudo do con-  
teúdo das expressões do pensamento econômico, mas a focalização está  
14  
Unidade do método materialista  
nas condições (“externas”) de possibilidade, envolvendo diversidade de  
fontes e materiais.  
Análise da eficácia: estudo de expressões do pensamento econô-  
mico tornadas ideologias, dizendo respeito à missão social revelada pela  
análise da gênese de tais formas de pensamento, mas especialmente in-  
teressada nos propósitos/finalidades, declarados ou não, e em seus po-  
tenciais, variados e não garantidos efeitos materiais sobre a vida econô-  
mica da sociedade uma vez vertidas em ideologias por grupos humanos  
no enfrentamento dos conflitos sociais fundamentais. Trata-se, em sín-  
tese, da verificação dos efeitos de expressões do pensamento econô-  
mico tornadas assim ideologias. É análise que exige considerável apro-  
ximação concreto-empírica, envolvendo as miudezas no processo histó-  
rico de conversão em ideologia.  
Análise ontognosiológica: voltada ao estudo filosófico-científico  
da correção do pensamento econômico tendo por critério de verdade a  
realidade histórica, prática e objetiva, medindo o grau de aproxima-  
ção/objetividade, isto é, verificação ontológica das relações de pressu-  
posição objetiva e verificação gnosiológica em termos históricos, esta-  
tísticos e práticos.  
Como se vê, a orientação básica da discussão é quanto ao pro-  
blema do método nos termos indicados anteriormente. Importante in-  
sistir novamente que não são etapas. Tais elementos formam uma uni-  
dade de relações e de tipos distintos. Por exemplo, a determinação da  
especificidade do pensamento econômico dependeu de sucessivas apro-  
ximações que demandam análise histórico-imanente ainda que preli-  
minar. Ao mesmo tempo, uma análise deste segundo tipo levada a cabo  
integralmente depende de delimitações importantes quanto ao próprio  
objeto. Essa análise histórico-imanente também é necessária, mas não  
suficiente ao estudo da gênese, pois este envolve investigações históri-  
cas laterais e intensificadas etc., das condições de possibilidade de uma  
formação ideal. O estudo da gênese integral, por sua vez, ilumina ques-  
tões à análise histórico-imanente por explicitar as condições históricas  
habilitadoras do pensamento econômico. Por outro lado, a investigação  
da eficácia do pensamento econômico não decorre necessariamente da  
análise histórico-imanente ao procurar pelos efeitos na realidade social  
e não implica qualquer estudo ontognosiológico acerca da objetividade  
científica. São possíveis estudos direcionados exclusivamente à  
15  
Determinação social do pensamento econômico  
natureza de um pensamento econômico em particular por via da análise  
histórico-imanente, de suas tendências internas, e em nada isso implica  
necessariamente qualquer estudo quanto à sua eficácia. Muitos outros  
exemplos são possíveis, mas esses bastam para dar o destaque à ques-  
tão.  
Está já claro que o próprio itinerário da investigação e certas  
particularidades do objeto investigado é que concederam os parâme-  
tros, ao fim, daquilo que é necessário a ser feito, incluindo os detalhes  
operacionais. Mas também é óbvio que um conhecimento aprofundado  
de qualquer forma de pensamento econômico faz a exigência de mobi-  
lização integral da unidade do método. A despeito de certa diferença e  
autonomia entre tais elementos, eles formam uma tal unidade. Assim,  
sua mobilização completa exige investigação “em que a origem, a fina-  
lidade e integridade do fato-doutrinário”, bem como a qualidade de sua  
objetividade científica fossem “respeitadas e devidamente esclarecidas  
cada uma no seu âmbito próprio, e no âmbito de suas articulações entre  
si, que de fato constituem a totalidade doutrinária posta para a análise”  
(Chasin, 1978, p. 60-61). Tomados de conjunto todos os elementos  
nessa “totalidade doutrinária”, ficará muito evidente ao longo dos capí-  
tulos que o método materialista em tela apresenta a história como fator  
articulador geral de sua unidade. E isso não por escolha do analista se-  
não pela própria natureza essencial das formações ideais como produ-  
tos históricos. E qualquer que seja o exemplar do pensamento econô-  
mico em questão, não implica o seu abono diante dessa determinação  
essencial.  
Mas por que motivo focalizar o pensamento econômico? Como  
ficará claro, essa forma de consciência científica apresenta particulari-  
dades que sempre estiveram entre as preocupações consistentes na tra-  
dição marxista. Como tal está desde a sua constituição enlaçada ao de-  
senvolvimento do modo de produção capitalista, respondendo dupla-  
mente à necessidade de explicação de sua natureza e funcionamento e  
à necessidade de acionamento e direcionamento de suas cadeias cau-  
sais. De um lado, é uma constante o assédio que a objetividade mesma  
exercita ao instigar a investigação do “modo de produção capitalista e  
suas correspondentes relações de produção e de circulação” (Marx,  
2013, p. 78). Ele exige o desvelamento da “lei econômica do movimento  
da sociedade moderna” (p. 79), o descobrimento da lógica própria da  
16  
Unidade do método materialista  
coisa. Esse assédio produziu muitas e diferentes respostas. De tal ma-  
neira, as formas de consciência científica constituem elemento obriga-  
tório na investigação da economia capitalista, no desvelamento de seu  
movimento, de sua lógica objetiva. Apenas o anti-intelectualismo mais  
grosseiro afirmaria algo ao contrário. Por isso, o pensamento econô-  
mico apresenta-se como incontornável na qualidade de formação ideal  
diretamente enlaçada mas não apenas com o desenvolvimento do  
modo de produção em tela. De outro lado, o destacado assédio da ma-  
terialidade se revela também nas posturas e imposturas. No “domínio  
da economia política”, escreveu Marx (2013), “a livre investigação cien-  
tífica” se defronta com o fato de que a “natureza peculiar do material  
com que ela lida convoca ao campo de batalha as paixões mais violentas,  
mesquinhas e execráveis do coração humano, as fúrias do interesse pri-  
vado” (p. 80). Essa peculiaridade acionou todo tipo de resposta com as-  
pirações direcionadoras das condutas humanas com variados graus de  
efetividade ao longo dos últimos séculos, particularmente quando ob-  
teve certa influência na ordem da administração da economia capita-  
lista. Por isso, é também aqui possível dizer que a “disputa sobre a efe-  
tividade ou não-efetividade do pensamento isolado da práxis é uma  
questão puramente escolástica” (Marx, 1974, p. 57). O interesse, então,  
está sempre voltado para as reciprocidades entre a vida econômica da  
sociedade e o pensamento econômico como forma de consciência cien-  
tífica na qualidade, como veremos, de produto ativo de sua sociedade  
historicamente determinada.  
Antes de prosseguir, cabe algumas ressalvas. É importante re-  
gistrar o caráter introdutório do tratamento dado a muitas questões.  
Igualmente relevante é tornar claro que a investigação que dá origem à  
presente exposição não é um exercício rigoroso do tratamento dos au-  
tores envolvidos, pois muitas vezes foi necessário inserir soluções para  
certas questões não inteiramente enfrentadas, sobretudo quando aque-  
las sobreposições complicadoras passam a ser desembaraçadas. Assim,  
o material não deve ser encarado como exercício de marxologia ou de-  
dicado a qualquer outro autor isoladamente. Ao contrário, resulta da  
retenção de variados traços comuns, mas que foram articulados para  
dar conta de obstáculos que parecem demandar atenção. Assim, alguns  
recursos expositivos, como o uso de passagens, cumprem o propósito  
descritivo dos argumentos e não fundamentam um tratamento de rigor  
17  
Determinação social do pensamento econômico  
ou probante. Estará, assim, em primeiríssimo plano a necessidade de  
explicitar os elementos da unidade do método materialista. Em última  
instância, arriscamos afirmar, esse método apresentou grande parte de  
seu desenvolvimento por derivação das investigações acumuladas na  
tradição materialista a respeito do pensamento econômico.  
18  
II  
Predicação ativa do pensamento  
Já se tornou lugar comum, pelos menos entre aqueles familia-  
rizados com a tradição marxista, a afirmação segundo a qual as ideias,  
com especial atenção às de natureza econômica, não possuem existên-  
cia autônoma. De fato, as ideias não possuem história própria, indepen-  
dentes e desgarradas das condições materiais que as tornaram histori-  
camente possíveis.  
Apenas em certas tradições foi concebível a existência de uma  
“consciência pura”, como aquelas tendências formal-racionalistas veri-  
ficadas no neopositivismo e alhures. Por outro lado, há também, a  
exemplo das tendências cético-radicais, relativistas e agnósticas, inclu-  
indo aquelas frequentadoras da sociologia do conhecimento (de ma-  
neira mais difundida desde Mannheim e que de certa maneira encon-  
tram hipérboles no chamado pós-modernismo), a condenação das  
ideias ao contágio absoluto, não sendo possível consequentemente à  
consciência distinguir a correção das próprias ideias diante da realidade  
de referência. Ambas as posições, no entanto, são inapropriadas por-  
que, de um lado, não há consciência autoexplicativa, que seja causa de  
si mesma, e, de outro, o caráter histórico de uma forma de consciência  
não é, por si mesmo, a impossibilidade de sua potência de objetividade  
científica e nem a admissão de que todas as “perspectivas” estão corre-  
tas por não serem mais do que “perspectivas”.  
Paralelamente a isso, são seculares os obstáculos do materia-  
lismo mecânico à captura da potência das ideias sobre a realidade obje-  
tiva. Desse ângulo, toda consideração a respeito dessa influência é ina-  
propriadamente caracterizada como “desvio idealista”. Ao desprezar  
tais possibilidades, perde-se qualquer chance de descoberta na  
Determinação social do pensamento econômico  
complexa relação de reciprocidades entre as condições objetivas e as  
formas de pensamento. Não haveria aí qualquer movimento para esse  
materialismo grosseiro. Mas ao assumir uma posição oposta e integral-  
mente divergente, flerta-se com os riscos da mera generalidade de se  
determinar o pensamento como fosse apenas relativo a contextos espe-  
cíficos, com os riscos da admissão da realidade como produto direto dos  
“modos de ver” imponderáveis entre si, ou ainda da indeterminação ra-  
dical na qual os fatores relacionados possuem todos o mesmo peso e  
desempenham sempre os mesmos papéis. Enquanto, no primeiro caso,  
perde-se potência explicativa, enquanto no segundo, o resultado é uma  
apreensão equivocada das tendências objetivas e contradições por meio  
das quais a realidade se move, no terceiro caso obtém-se um tipo de  
relação carente de movimento porquanto está indefinido o fator motor  
e preponderante do todo articulado em uma unidade complexa. Como  
ensinou Lukács (2012, p. 334), “nenhuma interação real (nenhuma real  
determinação de reflexão) existe sem momento predominante”. Não  
obstante, no materialismo consequente o “mundo das formas de cons-  
ciência e seus conteúdos não é visto como produto imediato da estru-  
tura econômica, mas da totalidade do ser social” (p. 308). O que não  
desabilita a apreensão da preponderância de certo fator na “condição  
de elo tônico no complexo articulado” (Chasin, 2009, p. 135).  
Teremos chance de explorar mais detidamente esse problema  
da preponderância (e do protagonismo) no capítulo dedicado à análise  
da gênese. Aqui basta reconhecer o complexo, expresso em “poucas pa-  
lavras” como um “resultado geral” das investigações, formado pela “es-  
trutura econômica da sociedade”, a “superestrutura jurídica e política”  
e as “formas sociais determinadas de consciência”, que serviu como es-  
pécie de “fio condutor” dos estudos de Marx (1974, p. 135). Em termos  
muito gerais, a “estrutura econômica” é o fator admitido como prepon-  
derante, uma vez que o “modo de produção da vida material condiciona  
o processo em geral da vida social, político e espiritual”, talhada histo-  
ricamente nas contradições das sociabilidades humanas que ensejam os  
conflitos essenciais. Não obstante essa preponderância, admite-se  
igualmente que as “formas ideológicas”, isto é, “formas jurídicas, polí-  
ticas, religiosas, artísticas ou filosóficas”, entre as quais se encontram  
as formas de consciência científica, operam como mediações “pelas  
quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o  
20  
Predicação ativa do pensamento  
fim” (Marx, 1974, p. 135-136). Como ainda veremos ao longo deste livro,  
é decisivo distinguir os fatores preponderantes e os fatores protago-  
nistas na investigação concreta desse complexo articulado em que as  
formas de consciência podem desempenhar papel específico, com gê-  
nese e influências diversas, de qualidade científica que ilumina ou obs-  
trui o entendimento das coisas. O que fará toda diferença no presente  
capítulo é destacar desses lineamentos que, entre o conflito que surge  
das condições econômicas e as formas ideológicas, apresenta-se um am-  
plo campo de possibilidades da atuação humana, de condução desses  
conflitos por médio daquelas formas.  
Assim, em diferença a tais potenciais embaraços anteriormente  
destacados, a consequente investigação integral dos chamados objetos  
ideológicos (Chasin, 1978) reconhece as formas de consciência como  
elemento precisamente desse complexo articulado. Conforme veremos  
em detalhes no capítulo a seguir, trata-se do estudo das formas de pen-  
samento especialmente sistematizadas, tais como as doutrinas econô-  
micas, políticas e filosóficas em que está presumida a captura do movi-  
mento na relação de reciprocidade entre pensamento e realidade, se-  
gundo a admissão da predicação do primeiro em relação à segunda.  
Aqui repousam os fundamentos da investigação materialista sobre as  
formas de consciência, com especial atenção ao pensamento econômico  
que ocupa lugar central neste livro. Tais fundamentos possuem por eixo  
o entendimento de tais formas de consciência social como resultantes,  
porém, resultantes operantes sobre suas condições de origem e sobre  
outros tempos e lugares para os quais são eventualmente difundidas, a  
depender de seu desenvolvimento e das circunstâncias particulares. É  
preciso dizer com ênfase que a predicação do pensamento em relação  
às suas condições de existência não forma uma hierarquia morta entre  
ser e pensar, porquanto tal predicação é ativa, isto é, potencialmente  
desemboca em suas próprias condições, preparando o terreno para  
eventuais modificações na vida material e, pois, econômica da socie-  
dade. Há questões cruciais que demandam nossa atenção nesse sentido.  
A predicação ativa das formas de consciência social na relação  
com as condições objetivas é um pressuposto objetivo e fundamental da  
unidade do método materialista. Nele estão guardados todos os elemen-  
tos dessa unidade e que são assunto deste livro: objeto ideológico, aná-  
lise histórico-imanente, análise da gênese, análise da eficácia, análise  
21  
Determinação social do pensamento econômico  
ontognosiológica. Uma útil designação geral para esse pressuposto ob-  
jetivo (predicação ativa do pensamento) encontra-se no critério onto-  
prático da determinação social do pensamento (Chasin, 2009). Dife-  
rentemente do que asseguram aquelas anteriores inclinação metidas  
em embaraços insolúveis em seus próprios termos, há uma ininterrupta  
transitividade entre pensamento e realidade, isto é, “decantação de  
subjetividade objetivada ou, o que é o mesmo, de objetividade subjeti-  
vada” (p. 97-98). A mediação desse trânsito se deu e se dá repetida-  
mente por meio da atividade social prática. Trata-se de algo confir-  
mado na história e diuturnamente repetido em termos concretos. Hou-  
vesse intransitividade dada por obstáculos intransponíveis, todo movi-  
mento de autoconstituição humana da humanidade estaria extinto em  
seus primórdios. Seria, na verdade, a própria anulação de partida dessa  
história.  
Teremos chance de considerar mais detidamente certas ques-  
tões envolvidas na práxis como critério do conhecimento no capítulo  
dedicado à análise ontognosiológica. No presente momento devemos  
nos concentrar mais em demonstrar a predicação ativa do pensamento  
na unidade do método materialista, isto é, o fato de que essa unidade  
está voltada para o movimento em que o “posicionamento subjetivo  
nasce sempre da realidade objetiva e retorna a ela” (Lukács, 2012, p.  
108). O aspecto primeiro da questão é o pensamento como predicado.  
Nessa última direção, devemos observar essencialmente as  
condições histórico-sociais de possiblidade e condicionamento sobre o  
pensamento como fator contingencialmente habilitador e limitante  
para, posteriormente, considerar a reação do pensamento sobre tais  
condições, reação cuja gênese e mediação é dada em termos prático-  
concretos. Essa questão nos levaria a considerações muito extensas caso  
seguíssemos o impulso de esquadrinhar todos os pormenores envolvi-  
dos em “como o pensamento [...] se desenvolveu, paulatinamente, das  
condições de existência e dos modos da práxis, que reagem ativamente  
a essas condições, até atingir uma autonomia na verdade, apenas re-  
lativa”. Não obstante, não se deve ignorar que no caso de ser “conduzida  
de modo consequente até o fim, a história como categoria processual  
fundamental de todo ser implica, necessariamente, que também a cons-  
ciência pensante deva ser condicionada pelo ser e ter uma gênese no  
plano ontológico, que atua de modo determinante sobre sua  
22  
Predicação ativa do pensamento  
constituição, também nos estágios superiores de um aparente depen-  
der-de-si-mesmo” (Lukács, 2010, 347). Portanto, na direção de reco-  
nhecer nossas limitações e de admitir a última colocação, podemos di-  
recionar a atenção para alguns dos enunciados fundamentais a respeito  
que são tangentes aos aspectos da unidade do método materialista.  
Com efeito, importa destacar que a relação entre teoria e reali-  
dade, entre consciência e coisa, sempre esteve presente nas preocupa-  
ções intelectuais. Com Hegel, por exemplo, por mais que fitasse o mo-  
vimento objetivo em seu idealismo, o ponto de partida se demarcou no  
plano das ideias, como se sabe claramente desde Feuerbach (1988), fa-  
bricando uma espécie de inversão na relação real entre ser e pensar en-  
quanto termos relacionados. Aqui já se apresenta todo um conjunto de  
problemas e que macularão inclusive a história do marxismo, das ten-  
dências mecanicistas e dos mal-entendidos quanto a uma alegada inva-  
são do idealismo em toda tentativa de esclarecer o lugar e o papel das  
formas de consciência social na práxis e, por consequência, sobre as  
suas condições de possibilidade. Isso costuma se manifestar na rígida  
hierarquização de via única entre tais fatores, mas também no seu  
oposto, na figura da indeterminação entre eles.  
A questão, porém, já teria sido enfrentada e, por que não dizer,  
resolvida, pelo menos desde 1843. Marx já alimentava muita clareza a  
respeito ao sublinhar que a “filosofia alemã constitui o prolongamento  
ideal da história alemã” (Marx, 2005, p. 150). Não foi a filosofia hegeli-  
ana que produziu a realidade alemã obviamente, mas tão pouco pode-  
mos descartar de partida suas influências nessa mesma realidade e  
alhures. Até mesmo porque Marx considerava naquele tempo que, em  
termos gerais, a “teoria [pode] converte-se em força material quando  
penetra nas massas” (p. 151).  
O que caberia estabelecer ainda é qual termo se apresenta como  
autêntica predicação na relação entre ser e pensar. Nesse âmbito, foi  
notória a influência de Feuerbach, e reconhecida por Marx, segundo a  
qual a “relação social” é o “princípio fundamental da teoria” (1974, p.  
40). A consciência, o pensar, o saber, perdem suas cores mistificadas e  
transcendentais do território tipicamente especulativo e tornam-se a  
consciência, o pensar e o saber destes homens concretos, e, portanto,  
produtos das relações históricas entre eles. É decisivo destacar o caráter  
histórico da predicação em tela e, ao mesmo tempo, o caráter móvel  
23  
Determinação social do pensamento econômico  
dessa historicidade. É possível capturar esses aspectos, sobretudo no  
destaque da atividade como meio superador das próprias condições de  
origem. Nesse passo, Marx sublinhou que:  
Nem objetiva nem subjetivamente está a natureza imediatamente pre-  
sente ao ser humano de modo adequado. E como tudo o que é natural  
deve nascer, assim também o homem possui seu ato de nascimento: a  
história, que, no entanto, é para ele uma história consciente, e que, por-  
tanto, como ato de nascimento acompanhado de consciência é ato de nas-  
cimento que se supera. A história é a verdadeira história natural do ho-  
mem. (Marx, 1974, p. 47)  
Depreende-se com muita clareza que a consciência tem caráter  
ativo, que é partícipe do processo de autossuperação na história, de mo-  
dificação das sociabilidades humanas. Estranho, de fato, seria supor di-  
ferente. O pensamento está, pois, entrelaçado ao “modo de existência  
efetivo”, de tal maneira que “pensar e ser são pois, na verdade, diferen-  
tes, mas, ao mesmo tempo, formam em conjunto uma unidade” (Marx,  
1974, p. 16). É uma “unidade do diverso” que demanda um fator articu-  
lador entre pensar e ser, um fator, como sugeriu Chasin (2009), que  
plasma um no outro, que ativa a subjetivação do ser e a objetivação do  
pensar. Considerando que a história é, como sublinhado na passagem  
anteriormente destacada, o nascedouro dos homens que se fazem a si  
mesmos tendo por ponto de arranque as suas relações sociais reais e  
históricas , é plenamente coerente considerar que o entrelaçamento  
entre pensar e ser, em que o primeiro é predicado do segundo, é medi-  
ado em termos prático-concretos.  
Isso fica patente quando a focalização é de fato a “práxis real”,  
dos “homens reais e suas consciências reais de suas relações sociais, que  
aparentemente os confrontam como algo independente” (Marx; Engels,  
2007, p. 100). É importante observar o contexto da crítica a Feuerbach  
por sua negligência quanto à história que coexiste, no entanto, com sua  
apreensão correta do sensível como atividade concreta. Nesse contexto,  
restou abertamente declarado que no filósofo em tela o materialismo e  
a história divergiam entre si. Partindo desse problema identificado e  
com o propósito evidente de corrigir a divergência, desenvolveu-se a  
análise a respeito dos pressupostos fundamentais de toda existência hu-  
mana e, portanto, de toda história do homem (p. 32). Num dos extratos  
sobre tais pressupostos, ficou explicado que “não são pressupostos  
24  
Predicação ativa do pensamento  
arbitrários, dogmas, mas pressupostos reais, de que só se pode abstrair  
na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições ma-  
teriais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzi-  
das por sua própria ação” (p. 86-87). Acrescentou-se em nota que “o  
primeiro ato histórico desses indivíduos, pelo qual eles se diferenciam  
dos animais, é não o fato de pensar, mas sim o de começar a produzir  
seus meios de vida” (p. 87).  
Trata-se de passagem que exige certo vagar com a precaução de  
se evitar mal-entendido. Com efeito, a indicação não é de modo algum  
que o pensamento não tenha desempenhado aí qualquer participação,  
mas que ele decorreu, teve arranque nessa produção dos meios de vida  
como pressuposto objetivo histórico-concreto da existência de qualquer  
consciência que, uma vez assim parida, desaguou novamente nesse  
mesmo território de origem, potencialmente modificando-o, produ-  
zindo novas consequências, novas alternativas e assim por diante.  
Trata-se, como já dito, de um movimento objetivo, mas de um movi-  
mento inacabável por meio do qual se faz a história. Está em jogo o re-  
conhecimento do lado ativo, atuante desses seres sociais interativos di-  
ante das forças orgânicas e inorgânicas, diante das próprias forças soci-  
ais, o reconhecimento de que “tal como os indivíduos exteriorizam sua  
vida, assim são eles”, de que o que são “depende das condições materi-  
ais de sua produção” (Marx; Engels, 2007, p. 87), do quê e de como fa-  
zem. Em suma, eles são o que fazem. E é essa atuação no interior e por  
meio de relações sociais históricas o autêntico motor do movimento, o  
fundamento material peculiar da história que permite constatar que  
tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim eles pensam”  
(Chasin, 2009, p. 110).  
Nesse movimento incidiram historicamente diversos fatores.  
Entre eles, destacam-se cinco momentos que conservam, é bom que se  
grife, algo de simultaneidade, porém, de arranque fundante na ativi-  
dade social: produção dos meios com vistas às necessidades, novas ne-  
cessidades superiores, reprodução biológica e social, isto é, a atividade  
social, um modo de cooperação social e por fim consciência social  
(Marx; Engels, 2007, p. 33-36). Não vem ao caso repisar a longa e no-  
tória passagem para descrever tais momentos simultâneos, bastando  
sublinhar que o destaque é atribuído à consciência, ao final da longa  
passagem, como um produto social inicialmente ligado à práxis, mas a  
25  
Determinação social do pensamento econômico  
histórica introdução da divisão técnica e social do trabalho desenvol-  
vida de modo natural-espontâneo criou as condições de possibilidade  
para uma certa autonomização relativa da consciência por meio de seu  
desenvolvimento heterogêneo e desigual em relação ao seu território de  
origem. Estabeleceu-se novas condições para que se pudesse imaginar  
(erroneamente) a existência da consciência desprendida de qualquer  
condição objetiva, tal como a práxis, a estrutura social etc. Mas, contra-  
riamente, a consciência está intransigentemente enlaçada às suas con-  
dições objetivas e apenas imaginativamente se pode delas abstrair. E  
não há qualquer motivo aparente para não admitir que tal consciência,  
seja imediatamente no “trabalho dos homens sobre a natureza”, seja  
mediatamente no “trabalho dos homens sobre os homens” (p. 39) – e  
por isso mesmo, relativamente autonomizada , não produza efeitos so-  
bre a própria práxis. Antes, ao contrário. Sejam falsas ou verdadeiras,  
as ideias provocam a práxis continuamente, e por isso podem produzir,  
de forma mediada novamente pela atividade concreta, modificações nas  
estruturas sociais, na divisão do trabalho etc., engendrando adiante no-  
vas formas de consciência social.  
Fosse diferente, deveríamos admitir o absurdo da atividade  
produtiva humana sem qualquer teleologia, por exemplo. Ou, ainda, ao  
tomar um momento de maior grau de desenvolvimento heterogêneo e  
desigual entre pensamento e suas condições de possibilidade, desprezar  
inteiramente que as ideias dominantes produzam efeitos sobre a vida  
social num dado contexto histórico particular. Já é amplamente reco-  
nhecido que as “ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias  
dominantes”, que “toda nova classe que toma o lugar de outra que do-  
minava anteriormente é obrigada, para atingir seus fins, a apresentar  
seu interesse como o interesse comum de todos os membros da socie-  
dade, quer dizer, expresso de forma ideal: é obrigada a dar às suas ideias  
a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais,  
universalmente válidas” (Marx; Engels, 2007, p. 47-48). Está em tela o  
nexo fundamental entre pensamento e realidade, pois “ao mudarem as  
relações de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência  
social, mudam também as suas representações, as suas concepções e  
conceitos”, isto é, “muda a sua consciência”. Demonstra a “história das  
ideias senão que a produção intelectual se transforma com a produção  
material”, que as “ideias dominantes de uma época sempre foram as  
26  
Predicação ativa do pensamento  
ideias da classe dominante” (Marx; Engels, 2005, p. 56). Aqui, é impor-  
tante dizer, não estão prioritariamente em causa a falsidade ou verdade  
dessas ideias dominantes, mas sua ancoragem nas condições objetivas  
e, simultaneamente, sua potência sobre a vida social donde foram pari-  
das.  
Diante disso, torna-se inteiramente improcedente apreender o  
plano das ideias como fosse mero epifenômeno impotente diante da  
práxis e, por decorrência, das condições possibilitadoras. Ao contrário,  
está enlaçado pela atividade social concreta. Aliás, é “na prática que ho-  
mem tem de provar a verdade, isto é, a realidade, o poder, a natureza  
citerior de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não reali-  
dade do pensamento que é isolado da prática é uma questão pura-  
mente escolástica” (Marx; Engels, 2007, p. 533). Considerando que as  
ideias dominantes em certos momentos de fato produzem efeitos sobre  
a vida da sociedade, é inteiramente consequente que a vida cotidiana  
desempenhe um “papel decisivo como mediação entre a condição eco-  
nômica e a ideologia dessa decorrente” (Lukács, 2013, p. 481). Isso  
apresenta questões importantes e que serão retomadas adiante na aná-  
lise da eficácia e na análise ontognosiológica. No momento, é impor-  
tante apenas destacar que essa vida cotidiana, essa “vida social é essen-  
cialmente prática” (Marx; Engels, 2007, p. 533) e é nela que deságuam  
formas de consciência produzidas com potencial de modificação ou pre-  
servação das próprias condições econômicas ao fundo, na medida em  
que a práxis é condicionada em direções peculiares, das quais decorre-  
ram novas formas de consciência social.  
Até este momento, estamos considerando certos elementos num  
plano mais alto de abstração. Esperamos que, no entanto, já tenha fi-  
cado clara a existência de um movimento na relação entre pensamento  
e realidade material que formam uma unidade mediada pela atividade  
social concreta. Isso vale para o plano da relação mais imediata entre  
objetividade e subjetividade, como no exemplo do trabalho mais sim-  
ples, tanto quanto vale para o plano mais mediatizado da relação entre  
condições econômicas e formas de consciência social mediadas pelo co-  
tidiano prático-concreto. Nessa direção, há exemplo significativo no 18  
Brumário, de 1851, material no qual Marx registrou análises do con-  
texto francês daqueles anos. Nessa análise surgem relacionadas as for-  
mas de consciência e os interesses sociais à luz das condições sociais de  
27  
Determinação social do pensamento econômico  
existência, não sem reconhecer o complexo de outros fatores atuantes  
o que é evidentemente importante. Numa passagem decisiva para  
nossos interesses, Marx escreveu que:  
Sob os Bourbon haviam governado a grande propriedade fundiária com  
os seus padrecos e lacaios, sob os Orléans as altas finanças, a grande in-  
dústria, o grande comércio, isto é, o capital com o seu séquito de advoga-  
dos, professores e grandíloquos. O reinado legítimo foi apenas a expres-  
são política do domínio tradicional dos senhores de terras, assim como a  
Monarquia de Julho havia sido apenas a expressão política do domínio  
usurpado dos parvenus [novos-ricos] burgueses. Portanto, o que manti-  
nha essas facções separadas não foram os seus assim chamados princí-  
pios, mas as suas condições materiais de existência, dois tipos diferentes  
de propriedade, foi a antiga contraposição de cidade e campo, a rivalidade  
entre capital e propriedade fundiária. Quem negaria que, simultanea-  
mente, velhas lembranças, inimizades pessoais, temores e esperanças,  
preconceitos e ilusões, simpatias e antipatias, convicções, artigos de fé e  
princípios os ligavam a esta ou àquela casa real? Sobre as diferentes for-  
mas da propriedade, sobre as condições sociais da existência se eleva toda  
uma superestrutura de sentimentos, ilusões, modos de pensar e visões da  
vida distintos e configurados de modo peculiar. Toda a classe a cria e a  
molda a partir do seu fundamento material e a partir das relações sociais  
correspondentes. (Marx, 2011a, p. 60; 1960, p. 139)  
Fica bastante patente a ancoragem das formas de consciência  
nas condições sociais da existência das facções envolvidas, sem menci-  
onar todo o conjunto de sentimentos, ilusões etc., sintetizados nessa  
“superestrutura”. A questão crucial é que essas formas de consciência  
social não são compreendidas na ausência do “fundamento material” e  
das “relações sociais correspondentes”. Na sequência, Marx destacou o  
papel ativo dessa superestrutura e, logo, das formas de consciência que  
nos interessa sublinhar:  
O indivíduo isolado, para o qual ela [aquela superestrutura] flui mediante  
a tradição e a educação, pode até imaginar que eles [princípios, precon-  
ceitos etc.] constituem as razões que propriamente o determinam e o  
ponto de partida da sua atuação. Enquanto os orleanistas, os legitimistas,  
cada uma das facções tentava convencer a si mesma e a outra de que a  
sua adesão às suas respectivas casas reais as separava, os fatos acabaram  
demonstrando que foi, antes, o seu interesse dividido que impedia a  
união das duas casas reais. E, assim como na vida privada se costuma  
diferenciar entre o que uma pessoa pensa e diz de si mesma e o que ela  
realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se diferenciar tanto mais as  
fraseologias e ilusões nutridas pelos partidos do seu real organismo e dos  
seus reais interesses, distinguir as suas concepções em relação à sua rea-  
lidade. (Marx, 2011a, p. 60-61; 1960, p. 139)  
28  
Predicação ativa do pensamento  
A mediação em destaque assume a figura da “tradição e a educa-  
ção” por meio das quais fluem aquela rica e diferenciada superestru-  
tura. Não obstante, a questão mais decisiva está em reconhecer que as  
formas de consciência (mas também os sentimentos, ilusões etc.) fluem  
para a vida social e alcançam inclusive a atividade singular no plano in-  
dividual. É incontornável insistir na existência de um movimento his-  
tórico na unidade geral entre ser e pensar mediados pela prática, pela  
atividade social, considerar, portanto, a relação entre as condições eco-  
nômicas, a vida cotidiana prático-concreta e as formas de consciência.  
É importante dizer que essas considerações não se alteram no  
caso de observarmos exemplaridades ainda mais específicas do que a  
proporcionada pelo 18 Brumário. Temos aqui em mente problema da  
consciência de ordem científica (categorias, teorias). Nessa direção, o  
destaque recai sobre o pensamento econômico em particular como ob-  
jeto precípuo deste livro, apreendendo a “economia política inglesa”,  
por exemplo, como “o reflexo científico das condições em que se encon-  
tra a economia inglesa” (Marx, 2010a, p. 30-31).  
Cabe, no entanto, o registro de importante ressalva. Devemos es-  
tar aqui na companhia da moderação para que o tema não seja tratado  
para além daquilo que é necessário no momento: o destaque do movi-  
mento ou da predicação ativa do pensamento (econômico, no caso). E  
não devemos abandonar o comedimento precisamente para não invadir  
demasiadamente os demais capítulos, cada qual ocupado de modo per-  
tinente com maiores detalhes. E isso tanto mais porque a predicação  
ativa do pensamento econômico que perseguimos aqui será analisada a  
partir da própria unidade do método materialista voltado precisa-  
mente, em sua integralidade, para a captura do movimento entre pen-  
samento e realidade. Além da natureza do pensamento econômico  
como objeto ideológico, de sua gênese e de seu retorno sobre a vida eco-  
nômica da sociedade convertendo-se em “força material”, haverá lugar  
para avalição dos espelhamentos científicos envolvidos, isto é, a proble-  
mática da objetividade científica do pensamento econômico em especí-  
fico.  
Isto posto, vale o registro feito na Miséria da filosofia, de 1847,  
em que Marx estabeleceu seu juízo crítico com relação a Proudhon.  
Mais importante é o fato de que, ao fazê-lo, considerou aspectos impor-  
tantes a respeito do pensamento econômico. Lá sugeriu que as  
29  
Determinação social do pensamento econômico  
“categorias econômicas são expressões teóricas, abstrações das relações  
sociais da produção” (Marx, 1985a, p. 106). É decisivo no caso sublinhar  
as categorias econômicas com as quais evidentemente opera o pensa-  
mento econômico. Explicou Marx que são estabelecidas tais “categorias  
de acordo com as suas relações sociais”, essas “categorias são tão pouco  
eternas quanto as relações que exprimem. Elas são produtos históricos  
e transitórios”. As formas de consciência de talhe econômico não for-  
mam exceções às considerações feitas anteriormente. Decorrem das  
condições materiais, das relações sociais, donde colhem as categorias  
como sua matéria-prima.  
Da mesma forma, a “produção intelectual” que caracteriza o pen-  
samento econômico é produto correspondente a tais condições, mas  
também produto ativo, interativo sobre as suas condições objetivas de  
possibilidade. À guisa de exemplo, Marx pôde sugerir, em 1844, que as  
ideias de Adam Smith, como exemplar do pensamento econômico de  
então, caracterizaram-se como “um produto da energia real e do movi-  
mento da propriedade privada [...], como produto da indústria mo-  
derna” e, ao mesmo tempo, como elemento que “acelera e enaltece a  
energia e o movimento dessa indústria, transformando-a numa força da  
consciência” (Marx, 1974, p. 9). Fica reconhecido, no caso em tela, o  
lado ativo da economia política como forma de consciência científica. O  
potencial de influência, segundo Marx, estaria confirmado naquelas  
condições históricas e não é inoportuno dizer que tal potência está  
sempre aberta a investigações complementares. Assim, tal forma de  
pensamento econômico não se caracterizou apenas como produto, mas  
também como força atuante, de efeitos averiguáveis e verificáveis.  
Esse tipo de reconhecimento das potencialidades envolvidas no  
pensamento econômico compareceu muitos anos mais tarde em estudo  
mais claramente voltado ao pensamento econômico. No material que  
ganhou nome póstumo de Teorias da mais-valia, Marx analisou “criti-  
camente as formações ideais da ciência econômica avaliando os seus di-  
ferentes graus de aproximação da realidade, nunca deixando de apontar  
os pontos de vista sociais dos quais essas promanam” (Vaisman, 1996,  
p. 206). Mais especificamente, reforçou a importância das considera-  
ções do caráter histórico de um modo de produção para que uma for-  
mação ideal se tornasse compreensível. Explicou que se “não se concebe  
a própria produção material na forma histórica específica, é impossível  
30  
Predicação ativa do pensamento  
entender o que é característico na produção intelectual correspondente  
e a interação entre ambas”. É decisivo destacar o caráter interativo entre  
a “produção intelectual” e a “forma histórica específica” da produção  
material. Assegurou que “da forma específica da produção material re-  
sulta: 1) determinada estrutura da sociedade e 2) determinada relação  
dos homens com a natureza. As duas determinam o governo e a visão  
intelectual dos homens. Em consequência, também o gênero da produ-  
ção intelectual” (Marx, 1980-1985, p. 267, ver também p. 269). Seria  
possível incluir aí a potência científica dessa “visão intelectual”, além de  
seus efeitos sobre a vida econômica donde partiram.  
Se, como dito antes na figura da “economia política inglesa”,  
podemos apreender o pensamento econômico como uma espécie de  
“reflexo científico” das condições histórico-concretas particulares, de-  
vemos considerar não apenas tais condições econômicas ao fundo, mas  
igualmente a vida cotidiana que medeia essas condições e a forma de  
consciência delimitada como pensamento econômico. Queremos com  
isso destacar não apenas o caráter de produto do pensamento econô-  
mico como também seu lado ativo, pelo menos em seus termos intelec-  
tualmente propositivos uma vez que sua influência efetiva será as-  
sunto de nossas considerações futuras. Por isso é plausível relacionar o  
pensamento econômico às questões colocadas no próprio cotidiano da  
vida material, donde é possível iluminar o caráter de resposta desse  
pensamento a tais questões objetivas postas. Como sugeriu Dobb, a  
economia política e as controvérsias de que é objeto, têm sentido como  
resposta a certos problemas de natureza essencialmente prática proble-  
mas relativos à natureza e ao comportamento do sistema econômico que  
conhecemos como capitalismo; e de que estas questões são fundamen-  
tais, tanto para a plena compreensão do desenvolvimento do pensamento  
econômico, como para relações entre esse pensamento e a prática. (Dobb,  
1937, p. vii)  
Tais respostas potencialmente retroagem sobre a realidade com  
potência variada que é, como dito, matéria de averiguação e verificação  
sistemáticas e proporciona o terreno mais adequado para considerar a  
conversão das formas de consciência (ou tais respostas) em ideologias  
propriamente, como veremos em maiores detalhes no capítulo dedi-  
cado à análise da eficácia. O que cabe destacar sumariamente no mo-  
mento, e com ênfase, é que o pensamento econômico se constitui como  
31  
Determinação social do pensamento econômico  
respostas aos problemas e contradições do modo de produção e que po-  
dem obter de fato efetividade. A questão que deveremos responder adi-  
ante é como e em quais circunstâncias uma “teoria econômica”, por as-  
sim dizer, transforma-se em ideologia com “força material”. Mas a ten-  
dência geral, mesmo no contexto do marxismo, foi mais forte na direção  
de tomar o pensamento econômico no sentido de conjunto de ideias  
produzido num tempo e lugar. A “ideologia”, nesse contexto do mar-  
xismo, foi apreendida como, por exemplo, “um sistema completo de  
pensamento, ou a um conjunto coordenado de convicções e ideias que  
formam uma estrutura, ou grupo, a nível superior, de conceitos relaci-  
onados, para chegar a noções, análises, aplicações e conclusões mais es-  
pecíficas e particulares” (Dobb, 1977, p. 10). Ainda nesse contexto, a  
“ideologia” foi considerada “como um sistema, uma totalidade orgânica  
de conceitos e proposições interconectados logicamente” (Rubin, 2014,  
p. 30). São questões às quais voltaremos para considerações mais deti-  
das adiante. Aqui cabe sublinhar que como um “sistema de pensa-  
mento” – ou como designado no próximo capítulo – como “fato doutri-  
nário”, a apreensão é correta para o pensamento econômico como  
forma de consciência, como produto histórico de condições concretas  
particulares. No entanto, reservaremos apropriadamente ideologia, se-  
guindo mais de perto a posição de Lukács (2013) e em certa medida  
também de Marx , para o pensamento econômico com o fito de desta-  
car o lado ativo dessa forma de consciência, quando retroage sobre a  
vida econômica da sociedade e não tão somente como respostas intelec-  
tualmente propositivas, mas quando tais respostas obtêm efetividade  
nesse plano, quando, verdadeiras ou falsas, puderam condicionar a prá-  
xis em contextos históricos particulares.  
Podemos antecipar em benefício de expor a unidade do método  
materialista que, em termos generalíssimos, as ideias econômicas assu-  
mem a forma de ideologia, não por sua falsidade ou correção, mas na  
medida em que passam a desempenhar uma função específica na reali-  
dade, na vida econômica da sociedade. As ideias não nascem necessari-  
amente como ideologias, como insistiu corretamente Lukács (2013),  
mas transformam-se em ideologias, uma vez que “essa transformação  
depende de vir a desempenhar uma função precisa junto às lutas sociais  
em qualquer nível destas” (Vaisman, 2010a, p. 51). A “ideologia é sobre-  
tudo a forma de elaboração ideal da realidade que serve para tornar a  
32  
Predicação ativa do pensamento  
práxis social humana consciente e capaz de agir” (Lukács, 2013, p. 465).  
Assim, certas ideias econômicas, falsas ou verdadeiras, são convertidas  
em ideologias quando grupos humanos as tomam para o desenrolar do  
conflito essencial (e derivados) materializado nas decisões sobre as re-  
lações sociais de produção e distribuição da riqueza social sob uma dada  
modalidade de organização das necessidades sociais (reais ou ilusórias)  
e das capacidades sociais (subjetivas e objetivas, incluindo os meios de  
produção). Veremos, no próximo capítulo, como essa produção e distri-  
buição da riqueza impõem a necessidade de resposta. Diante disso, clas-  
ses, camadas e suas articulações tomam tais ideias no movimento de  
dar direção àquele conflito porquanto é por mediação dessas “formas  
ideológicas” que os homens “tomam consciência deste conflito e o con-  
duzem até o fim” (Marx, 1974, p. 136). Assim, essas ideias desaguam na  
realidade social e procuram dar, com eficácia variada, certa direção aos  
variados comportamentos humanos no cotidiano da vida econômica da  
sociedade, avançando, retroagindo ou preservando as condições econô-  
micas ao fundo.  
Não devemos ir mais longe no tema neste momento de modo a  
evitar a interferência indevida de questões a serem tratadas de maneira  
dedicada. Mas essas colocações postas são importantes para dar os con-  
tornos mais gerais do movimento entre ser e pensar que estamos con-  
siderando como predicação ativa do pensamento. Partindo de sua gê-  
nese das condições materiais por mediação da atividade social, guarda  
potencial de retroagir sobre suas condições de origem por mediação  
também da atividade social. Esse movimento é por si mesmo tão central  
a qualquer postura aberta e direta mediante a realidade objetiva que,  
não por acaso, jamais poderia ser plenamente ignorado mesmo por  
aqueles que se colocam mais refratários ao materialismo.  
Vale, pois, observar no exemplo de Roll (1973; 1977) certos as-  
pectos muito importantes que refletem com clareza solar os aponta-  
mentos realizados até aqui e que terminam por reforçá-los uma vez  
mais. O exemplo é relevante na medida em que o autor parece desco-  
nhecer todos os principais avanços que a tradição materialista já tinha  
alcançado desde Marx. Roll (1973; 1977) alimentou uma “posição inter-  
mediária” entre a visão de que o “aparecimento das ideias é inteira-  
mente fortuito” e o tipo de “interpretação unitária da História, como a  
marxista , de que este depende, no fundamental, de alguns fatores  
33  
Determinação social do pensamento econômico  
permanentemente ativos, em particular o material” (1973, p. 7, 1977, p.  
xiv). Roll parecia desconhecer que o materialismo está, na verdade, vol-  
tado para o movimento e não para uma via única por nós já criticada  
anteriormente. A despeito disso, sustentou que seu próprio “método” se  
baseava na “opinião de que o processo pelo qual as ideias se formam é  
suscetível de análise sistemática [systematic analysis]”. Insistiu que,  
em “essência, o surgimento das mais importantes manifestações do  
pensamento não é fortuito, mas dependente de causas que podem ser  
descobertas [discovered]” (1973, p. 14, 1977, p. xxvi). Sugeriu ainda o  
fundamento na “convicção de que a estrutura econômica de uma dada  
época e as mudanças que sofre são os determinantes últimos do pensa-  
mento econômico”. Depois de considerações importantes e ressalvas  
sobre as dificuldades analíticas envolvidas, dado que a “cadeia causal é  
extensa e sinuosa” e que uma “infinidade de outros fatores causais”  
(1973, p. 14, 1977, p. xxvi) operam sobre as doutrinas econômicas, con-  
siderou ser “inegável que as ideias influenciam o desenvolvimento da  
prática econômica” (1973, p. 15, 1977, p. xxvii).  
Essas indicações são suficientes para demonstrar que a preocu-  
pação com a predicação ativa do pensamento não é exclusiva do mate-  
rialismo. E por qual motivo? Uma vez que se constitui traço objetivo do  
relacionamento entre as condições de possibilidade e as formas de cons-  
ciência, essa predicação ativa do pensamento deve necessariamente sal-  
tar da realidade e mostrar-se incontornável mesmo a intelectuais afas-  
tados do materialismo. Ainda assim, foi nessa tradição que tal predica-  
ção ativa ganhou expressão mais consciente na unidade de seu método,  
mesmo que tais intelectuais não reconheçam o mérito devido.  
Por isso, devemos encaminhar a conclusão deste capítulo reto-  
mando a consideração sobre a unidade geral entre ser e pensar media-  
dos pela prática, pela atividade social, considerar, portanto, a relação  
entre a condição econômica, vida cotidiana e formas de consciência.  
Nessa unidade e relacionamento, o pensamento econômico como forma  
de consciência científica historicamente determinada, e não impor-  
tando seu grau de correção ou objetividade, pode se transformar em  
ideologia e promover efeitos concretos, potencialmente direcionando,  
modificando, retardando etc., tendências na vida cotidiana de onde foi  
parido que, por sua vez, medeia possíveis efeitos sobre as condições eco-  
nômicas. Por decorrência das possíveis mudanças estruturais da base  
34  
Predicação ativa do pensamento  
material provocadas por mediação da atividade social, altera-se tam-  
bém a prática nessa vida material, cotidiana, reconfigurando conse-  
quentemente, de maneira desigual obviamente, as formas de consciên-  
cia, incluindo o próprio pensamento econômico como reflexo científico  
peculiar.  
É desse movimento que se trata na unidade do método. Mas  
esse movimento depende de extração concreta e não se configura como  
teoria geral das ideologias ou coisa que o valha. Esse movimento da pre-  
dicação ativa do pensamento, de sua gênese à desembocadura na vida  
econômica, requer, igualmente, elementos avaliativos das formas de  
consciência ainda que estas sejam relativamente independentes dos  
seus graus de correção. Não obstante, a unidade do método materialista  
não estará jamais completa sem a análise da objetividade filosófico-ci-  
entífica envolvida. Os próximos capítulos cuidarão desses elementos  
que dão o caráter unitário ao método materialista voltado ao estudo do  
pensamento econômico. Devemos começar por sua natureza como ob-  
jeto ideológico.  
35  
III  
Objeto ideológico  
Uma vez estabelecidos, na discussão precedente, os fundamen-  
tos acerca da relação de predicação ativa do pensamento, inclusive no  
que tange ao pensamento econômico, devemos agora considerar inici-  
almente a natureza do pensamento como objeto de investigação e, da  
mesma forma, o pensamento econômico propriamente como tal objeto.  
O propósito presente é alcançar a diferença específica do pensamento  
econômico tomado como forma de consciência científica e objeto ideo-  
lógico delimitado.  
Ao fundo, a questão deve ser a seguinte: a variação das formas  
de consciência (consciência prática, consciência científica, consciência  
filosófica, consciência política etc.) cria obstáculos à consideração geral  
de um método materialista comum?  
O ponto de partida para essa questão é a diferenciação geral en-  
tre “objeto ideológico” e “objeto concreto”. Como sabemos (Chasin,  
2009; Lukács, 2012), o segundo exige expedientes tais como, abstra-  
ções, expedientes isoladores e articuladores, dados empíricos, captura  
da lógica própria e exposição científica tendo em vista o movimento  
real. Tais expedientes foram especialmente desenvolvidos tendo em  
vista o “modo de produção capitalista e suas correspondentes relações  
de produção e circulação” (Marx, 2013, p. 78) com a “finalidade última”  
de “desvelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna” (p.  
79). Por seu lado, o primeiro possui uma cristalização mais clara em  
materiais impressos e registros outros. No exemplo também de Marx,  
vale o legado das investigações críticas contidas em obras tais como A  
ideologia alemã, A sagrada família, inclusive obras econômicas, como  
Teorias da mais-valia. Quase sempre, senão sempre, o conteúdo geral  
Objeto ideológico  
do objeto ideológico assume, ou pode assumir, a forma de texto ainda  
que, em última instância, a referência seja o plano concreto correspon-  
dente. Não se trata propriamente, nesse caso, de uma investigação di-  
retamente concreta para “se apropriar da matéria [Stoff] em seus deta-  
lhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu  
nexo interno” (Marx, 2013, p. 90), como no caso do objeto concreto.  
Considerando a natureza do objeto ideológico como forma de pensa-  
mento, sem história própria ou independência das condições materiais,  
das ideias precedentes, dos condicionantes políticos etc., o método é re-  
lativamente outro. Há semelhanças, mas também diferenças importan-  
tes.  
Tais diferenças tem lugar especial na tradição materialista por  
motivos nem sempre bem esclarecidos. Mesmo porque o debate secular  
a respeito do método desenvolvido por Marx para o estudo dos objetos  
concretos deu destino muitas vezes problemáticos. Algumas tendências  
caminharam para a integração do marxismo com o kantismo, com o we-  
berianismo, com o positivismo e com outras opções disponíveis, com  
propósitos de sanar supostas lacunas do materialismo. Outras seguiram  
a trilha conhecida por materialismo histórico e dialético cujo destino,  
como panfletagem do regime soviético, não foi mais brilhante, refor-  
çando, adicionalmente, um entendimento esquemático de princípios a  
serem identificados na realidade. Isso para citar as linhas mais comuns.  
E o quadro tem piora com o predomínio especialmente de tendências  
subjetivistas da teoria do conhecimento no século XX, como alertou  
Lukács (2012), impedindo a constatação fundamental de que “todos os  
enunciados concretos” de Marx são “enunciados diretos sobre certo tipo  
de ser, ou seja, são afirmações puramente ontológicas” (p. 281).  
As implicações dessa constatação são vastas. Especificamente  
com respeito ao caminho do conhecimento, aquele que vai do concreto  
ao abstrato (Marx, 2011b, p. 54), do material ao ideal, resultou no reco-  
nhecimento de que, sem “estrada real para a ciência”, “galgar suas tri-  
lhas escarpadas” (Marx, 2013, p. 93) leva da coisa ao método e não,  
como restou notabilizado pela teoria do conhecimento predominante,  
do método à coisa. Nessa problemática:  
Se por método se entende uma arrumação operativa, a priori da subjeti-  
vidade, consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos,  
ditos científicos, com os quais o investigador deve levar a cabo seu  
37  
Determinação social do pensamento econômico  
trabalho, então, não há método em Marx. Em adjacência, se todo método  
pressupõe um fundamento gnosiológico, ou seja, uma teoria autônoma  
das faculdades humanas cognitivas, preliminarmente estabelecida, que  
sustente ao menos parcialmente a possibilidade do conhecimento, ou, en-  
tão, se envolve e tem por compreendido um modus operandi universal  
da racionalidade, não há, igualmente, um problema do conhecimento na  
reflexão marxiana. (Chasin, 2009, p. 89)  
Existe tal problema do conhecimento, entretanto, que demanda  
ser colocado de modo adequado. Sem a pretensão de considerar na ex-  
tensão que o assunto merece, mesmo porque certos aspectos essenciais  
serão retomados em capítulos posteriores, cabe aqui referir que se trata  
da “atividade do pensamento de rigor como reprodução teórica da ló-  
gica intrínseca ao objeto investigado” (Chasin, 2009, p. 90). Diante  
desse parâmetro, o método é uma resultante da investigação do objeto  
inquerido, pois é o próprio objeto que parametriza os meios adequados  
para conhecê-lo. Por isso, em termos gerais, é possível sublinhar que,  
“sob a consciente modalidade do rigor ontológico, a consciência ativa  
procura exercer os atos cognitivos na deliberada subsunção, critica-  
mente modulada, aos complexos efetivos, às coisas reais e ideias da mu-  
daneidade” (p. 58). Mas como, apesar de pertencentes e relacionadas  
na mudaneidade, as coisas reais e as ideais possuem propriedades dife-  
rentes (porém, não excludentes, como veremos em seguida), podemos  
registrar por antecipação que o caminho a ser percorrido à investigação  
das formas de pensamento possui escarpas próprias. Marx (2013) suge-  
riu que “na análise das formas econômicas [objeto peculiar, “coisa real”]  
não podemos nos servir de microscópio nem de reagentes químicos. A  
força da abstração deve substituir-se a ambos” (p. 78). Para estudar o  
pensamento econômico que se volta a tais formas, por seu lado, tais  
aparelhos e substâncias também são imprestáveis; mas não a “força da  
abstração”, a subordinação ativa da cognição à coisa investigada.  
Por isso também não parece ser o caso de recusar todo ponto de  
semelhança entre o estudo das coisas reais e das ideais. As desseme-  
lhanças não tornam o plano das ideias um outro “tipo de ser”, pois já  
sabemos que decorre das modalidades historicamente configuradas do  
ser social. Claramente, as formas de pensamento cobram postura seme-  
lhante por parte do investigador, isto é, da exigência de apropriação da  
forma de pensamento em suas minudências, analisar sua lógica, estru-  
tura e contradições, exercitando inúmeras e sucessivas aproximações e  
38  
Objeto ideológico  
sob a exigência de subordinação da subjetividade interessada ao seu ob-  
jeto de inquirição como condição à apropriação devida de sua natureza,  
de sua estrutura e suas propriedades imanentes. É um tema que nutre  
diferenças, como alertou Chasin (2009), em relação às “hermenêuticas  
da imputação” e à pura exegese do texto, tema ao qual voltaremos mais  
detidamente como parte constitutiva da unidade do método materia-  
lista, especificamente no que diz respeito à análise histórico-imanente  
e à análise ontognosiológica. O que nos interessa no momento é o re-  
conhecimento da diferença específica da forma de consciência como  
“objeto ideológico”, sua natureza desmaterializada (Vaisman; Fortes,  
2010, p. 25), por assim dizer, com o propósito de fixar o pensamento  
econômico nesse quadro. Nessa direção, considerando que as formas de  
consciência são variadas, incluindo as não sistemáticas, como no exem-  
plo da consciência prática que portam os agentes econômicos direta-  
mente envolvidos na produção, cabe a delimitação do objeto ideológico  
como “fato-doutrinário” na qualidade de:  
constelação global do pensamento de um autor, ou uma parte desse  
mesmo conjunto [abrangendo mais de um autor, inclusive períodos,  
quando for o caso]. É simples designativo de uma dada entidade de pen-  
samento, podendo ser usado para indicar qualquer manifestação de pen-  
samento explicitamente oferecida. Com ela queremos simplesmente in-  
dicar um objeto que tem nos textos sua expressão objetiva [ou que possa  
assumir essa forma]. (Chasin, 1978, p. 60)  
É importante ter em mente que as consciências prática e cien-  
tífica, por exemplo, podem se encontrar em um mesmo ideólogo. Mas  
aqui o fito é tão somente o de excluir das nossas preocupações imediatas  
o estudo das consciências eminentemente práticas, como a do capita-  
lista no jogo econômico dos ganhos e perdas etc. (ver Bicalho, 2014). Ao  
diferenciarmos, de um lado, objetos concretos e consciência prática e,  
de outro lado, objetos ideológicos como fatos doutrinários, as desseme-  
lhanças entre as formas de consciência econômica, política, jurídica  
etc., não parecem estabelecer variações tais que tornariam necessário  
um posicionamento divergente quanto ao aspecto do método, levando-  
se também em conta o caráter mais sistemático dessas formas de pen-  
samento as quais podem assumir a forma de texto, como “expressão ob-  
jetivada do pensamento” (Lukács, 2020, p. 10).  
Assim, podemos reter certa homogeneidade metodológica para  
39  
Determinação social do pensamento econômico  
tratar de objetos ideológicos enquanto fatos doutrinários dadas as se-  
melhanças, cabendo ainda a delimitação adequada de tal objeto. Nessa  
delimitação, dada por aproximação preliminar, é muito frequente me-  
todologicamente “recorrer somente ou sobretudo aos expoentes mais  
representativos de determinadas linhas” (Lukács, 2012, p. 105), mas  
não se configura como exigência incontornável. A decisão depende das  
problemáticas envolvidas, podendo ser um autor, partes de seus mate-  
riais, um conjunto de autores, de uma ou várias correntes e tendências,  
um movimento de um período ou de diferentes períodos, considerando  
as diferentes naturezas (filosófica, política, econômica etc.). A depender  
da extensão e profundidade, não se ignora a hipótese de o objeto ideo-  
lógico ter desenvolvimento histórico por etapas ou fases, cobrindo dife-  
rentes períodos. São muitas as possibilidades.  
Nisso se vê que a delimitação do objeto ideológico já pressupõe  
as aproximações sucessivas anteriormente aludidas, que produzem, en-  
tre outras coisas, certas evidências iniciais, hipóteses de trabalho, e cria  
as condições para aqueles recortes legítimos e viabilizadores e que não  
desfigurem o material sob análise.  
A caracterização geral do objeto ideológico é um passo necessá-  
rio, mas não suficiente para enquadrar o pensamento econômico como  
nossa matéria de atenção. Como passo necessário, entretanto, coloca  
diante de nós uma questão decisiva quanto à natureza do pensamento  
econômico. O passo adiante é precisamente o de delimitar esse pensa-  
mento particular como objeto ideológico.  
O que o distingue propriamente de outras formas de consciên-  
cia científica, filosófica, política etc.? Essa questão já consumiu muitas  
páginas porque é o núcleo, nem sempre reconhecido enquanto tal, das  
preocupações a respeito da definição da “ciência econômica” pelo me-  
nos desde o século XIX. Obviamente que não temos pretensão nem  
competência para tratar do longo desdobramento dessas investidas. E  
nosso interesse está mais ligado àquilo que fora acumulado pela tradi-  
ção marxista nos estudos já realizados em termos de análise da gênese  
e de análise teórico-histórica (gnosiológica) do pensamento econômico,  
conforme ainda discorremos. Logo, a própria consideração do pensa-  
mento econômico já impõe investigações prévias necessárias à determi-  
nação da especificidade do pensamento econômico como forma de  
consciência científica passível de ser delimitada como objeto ideológico.  
40  
Objeto ideológico  
Cabem ressalvas iniciais. Ainda que tenha acumulado impor-  
tantes descobertas nesse terreno, há ainda certas questões que deman-  
dam contemporização na tradição materialista. Uma vez que frequen-  
temente a posição marxista é de crítica corretiva à cientificidade do pen-  
samento econômico à luz da lógica efetiva das legalidades do modo de  
produção capitalista, constituiu-se uma tendência de exclusão do qua-  
dro geral expresso como pensamento econômico tanto o próprio pen-  
samento econômico que se originou com Marx quanto aquilo que, nessa  
tradição, recebeu a designação de “economia vulgar” (considerada “an-  
ticientífica”, pura apologia). Mas, para efeito de considerar o pensa-  
mento econômico em sua globalidade seja preponderantemente rea-  
cionário, conservador ou revolucionário , pelo menos aquele cuja re-  
ferência principal (e não exclusiva) é o modo de produção capitalista,  
devemos integrar as tendências geralmente excluídas. Isso também é  
válido para o pensamento econômico potencialmente vulgar e apologé-  
tico desdobrado nos séculos XX e XXI.  
Quanto ao pensamento econômico marxista, não há graves  
questões envolvidas. Como forma de consciência explícita e declarada-  
mente proletária desde sua gênese, nutriu pretensões de objetividade  
científica consistentes e com ampla influência ao longo do tempo. Se o  
impulso de extração da legalidade do movimento objetivo do modo de  
produção capitalista é adequadamente realizado pelos participantes  
desse grande programa científico e revolucionário é uma questão im-  
portante, porém não atua como critério de exclusão desse pensamento  
como forma de consciência científica.  
A chamada economia vulgar coloca maior dificuldade. E ela diz  
respeito exatamente ao juízo condicionante sobre seu caráter não cien-  
tífico e o de suas tendências posteriormente desdobradas. Assim, como  
considerá-las como forma de consciência científica se sua ocupação,  
como demonstrou fartamente Marx e investigações posteriores, é a apo-  
logia sem disfarces do modo de produção capitalista? A questão latente  
é a possibilidade ou não de tomar a economia vulgar no interior do pen-  
samento econômico como forma de consciência científica conside-  
rando, ao mesmo tempo, que não se trata de expressão rigorosamente  
científica e que, mesmo a apologética, não pode abrir mão integral-  
mente da referência àqueles elementos que constituem o modo de pro-  
dução capitalista como objeto de preocupação dessa forma de  
41  
Determinação social do pensamento econômico  
consciência. Mesmo porque, como Marx registrou, a economia vulgar  
fez hipérboles de certos aspectos tendencialmente apologéticos já con-  
tidos na economia política clássica e em suas tendências de objetividade  
científica para fazer da apologia seu esporte:  
Say separa as ideias vulgares que aparecem na obra de Smith e fixa-as  
como cristalização independente. Depois, Ricardo e o desenvolvimento  
posterior da economia iniciado por ele também provêm com novos supri-  
mentos o economista vulgar (este nada produz do próprio), e quanto mais  
a economia se aperfeiçoa, se aprofunda e se desenvolve como sistema  
contraditório, com tanto mais independência se lhe contrapõe seu pró-  
prio elemento vulgar, enriquecido com material que apronta a seu modo  
até encontrar por fim sua melhor expressão em compilações que são pro-  
dutos de um sincretismo erudito e de um ecletismo sem princípios.  
(Marx, 1980-1985, p. 1539)  
Vale o acréscimo, seguindo Marx (2013), da tendência também  
já contida na economia política clássica por mover-se dentro do hori-  
zonte burguês, promovendo, pelo menos como missão social de eficá-  
cia potencial (como tematizado no capítulo dedicado ao assunto), a na-  
turalização do modo de produção capitalista como derradeira forma de  
organização da vida econômica. Ou, mesmo no caso de sua mais alta  
expressão de cientificidade na figura de Ricardo, ter o capital industrial  
como ponto de vista da análise.  
Não é, de modo algum, uma envergonhada reabilitação da apo-  
logia ou coisa que o valha. Trata-se de tomar o pensamento econômico  
como um fenômeno unitário ainda que diverso, como forma de consci-  
ência científica que contém, e não exclui no caso, o déficit de objetivi-  
dade científica entre suas distintas tendências. É uma unidade que com-  
porta inclusive as imposturas intelectuais, como no exemplo da própria  
economia vulgar como reação às conclusões críticas ao capitalismo pro-  
piciadas pela economia clássica ou, ainda, como no daquelas reações ao  
marxismo que fizeram época na virada entre os séculos XIX e XX.  
Assim admitido, é possível considerar a economia vulgar e suas  
variantes no pensamento econômico, a despeito de suas hipérboles apo-  
logéticas. Somados a ela, incluem-se a economia política clássica, as  
tendências sincréticas, a escola histórica alemã, o marginalismo, os ne-  
oclássicos, institucionalistas, a escola de macroeconomia, o moneta-  
rismo, mas não sem acrescentar a escola socialista, o pensamento eco-  
nômico marxista, os românticos, os desenvolvimentistas, entre outras  
42  
Objeto ideológico  
tendências, como aquelas sob a rubrica do “neo” ou “pós” que cortam  
também os últimos dois séculos. A diversidade não se reflete apenas nas  
suas tendências divergentes, mas também, como sugeriu Dobb (1932),  
tais tendências elegeram problemas distintos a serem enfrentados.  
E o que haveria de comum entre todas essas correntes, mesmo  
contrariamente às volições de seus protagonistas ou às ramificações das  
especialidades, e que refletiria a diferença específica do pensamento  
econômico como objeto ideológico? Primeiramente, a forma de consci-  
ência científica que estamos perscrutando possui especificidades distin-  
tivas que somente veem à luz por comparação com outras formas, a  
exemplo da política e da filosofia.  
Podemos recorrer às sínteses de Lukács (2013) a esse respeito.  
Para ele a “ideologia política visa apreender de modo real, prático, os  
momentos de cada complexo de crises, cuja decisão pode levar mais ou  
menos espontaneamente ao deslindamento prático do complexo glo-  
bal”. Por seu turno, “toda filosofia significativa”, como exemplar das  
“ideologias puras” (mais “desmaterializadas” do que a política, por  
exemplo), está “empenhada em oferecer um quadro geral do estado do  
mundo, que da cosmologia até a ética, procura sintetizar todas as cone-  
xões de tal maneira que, a partir delas, também as decisões atuais se  
revelam como momentos necessários das decisões que determinam o  
destino do gênero humano” (p. 555).  
Essa diferenciação não deve nos cegar para as complexas e im-  
portantes reciprocidades tendenciais e, pois, sem garantias, como, por  
exemplo, o “princípio ativo” da vinculação criticamente moldada entre  
ciência e filosofia em que a primeira “geralmente controla “a partir de  
baixo” se as generalizações ontológicas nas sínteses filosóficas se encon-  
tram em consonância com o movimento real do ser social, se elas não  
se distanciam do ser social de modo abstrativo”. Trata-se de controle a  
partir da datidade como reguladora da filosofia. Por seu turno, esta  
“exerce uma crítica ontológica permanente das ciências “a partir de  
cima”, ao controlar continuamente em que medida cada questão singu-  
lar é tratada, tanto no plano estrutural como no plano dinâmico, onto-  
logicamente no lugar correto, no contexto correto, se em que medida a  
submersão na riqueza das experiências concretas singulares não con-  
funde, mas aumenta e aprofunda o conhecimento das tendências con-  
traditórias e desiguais de desenvolvimento da totalidade do ser social”.  
43  
Determinação social do pensamento econômico  
Em termos sintéticos, o controle atua para que, por via a ciência, não se  
construa um labirinto sem saída de minudências empíricas singulares.  
E ambas, nessa reciprocidade crítica, “estão direcionadas simultanea-  
mente também para a ontologia da vida cotidiana” (p. 570).  
Considerando a ciência mais isoladamente, é possível constatar  
que a consciência científica está sempre, mesmo contrariando as decla-  
rações de seus agentes, voltada para as propriedades das coisas às quais  
faz referência. Seu marcador principal está nas propriedades dessas coi-  
sas, do que elas são, de seus nexos e movimentos. Se as respostas apre-  
sentadas por tais agentes estão ou não alinhadas a isso, se há ou não  
admissão explícita dessa orientação, se ocorre desvio deliberado ou não,  
se predomina a honestidade subjetiva ou a perfídia, a difamação, a dis-  
torção, o mascaramento etc., é assunto inclusive explicável pelas condi-  
ções históricas então postas. Mas o que vem ao caso é a orientação bá-  
sica às coisas existentes.  
Lukács (2013) nos auxilia também nessa questão por meio da  
comparação entre ciências naturais e ciências sociais. Entre elas, está  
aquilo que as iguala, isto é, a tendência, a “aspiração por conhecer a re-  
alidade objetiva, como ela é em si” (p. 567). Sem garantias de realização  
dessa tendência ou aspiração (por ser, como veremos, uma resultante  
histórica), persevera nas ciências da natureza um “modo socialmente  
espontâneo, visto que seus resultados só podem desempenhar um papel  
ativo e positivo em caso de execução aproximadamente bem-sucedida  
de tal intenção na reprodução material do ser social” (p. 567). Isso não  
exime, mas intensifica a vinculação, mesmo que remota, das ciências da  
natureza com “posicionamentos quanto ao respectivo estado das forças  
produtivas, quanto ao respectivo estado da sociedade” (p. 568).  
Isso também é válido para as ciências sociais, mas com especi-  
ficidade importante. As ciências sociais, em termos inevitavelmente  
constitutivos, visam a “provocar modificações na consciência dos ho-  
mens” (p. 563), isto é, influir de alguma maneira na apresentação de  
alternativas, nas escolhas e nos comportamentos diante do “o que fa-  
zer?que emerge necessária e renovadamente das condições materiais  
da vida cotidiana (da forma como veremos em maiores detalhes na aná-  
lise da eficácia). Como o homem é, seguindo Lukács (2013, p. 303),  
“por natureza um ser que responde” às questões que assim brotam da  
vida cotidiana, as práticas sociais mais desenvolvidas, como as próprias  
44  
Objeto ideológico  
ciências sociais, também são respostas a tais questões cujo alvo, porém,  
passa por afetar o conjunto das alternativas, escolhas, comportamen-  
tos. Por outro lado, o “papel desempenhado por toda ciência social na  
divisão social do trabalho simultaneamente também propõe a tarefa de  
retratar, ordenar, expor etc. os fatos e as conexões por ela tratados as-  
sim como eles de fato atuaram e atuam na totalidade do ser social” (p.  
563). É decisivo insistir no aspecto da simultaneidade das tarefas, pois  
ambas não são inteiramente separáveis, a não ser em termos analíticos.  
É curioso notar que essa inseparabilidade é refletida no sempre reno-  
vado embate entre as tendências “positivas” e “normativas” presentes  
no pensamento econômico em que as primeiras se esforçam por expur-  
gar as segundas como interferência não científica nas elaborações mais  
puras da chamada “análise econômica” e suas técnicas e as segundas  
muitas vezes condenam todo e qualquer esforço científico como esteri-  
lidade positivista. Mas, como sugeriu corretamente Dobb (1977, p. 26-  
27), os “elementos “positivos” e “normativos” mostraram-se dificil-  
mente separáveis e tendem a confundir-se”.  
De tal maneira, essa especificidade constitutiva irrevogável, das  
duas tarefas simultâneas e relacionadas das ciências sociais, tem ocor-  
rência em meio às diferentes posições sociais, diante das classes sociais  
então existentes nas circunstâncias de continuidades e inflexões socie-  
tais, diante das respectivas relações sociais de produção ao fundo. Por  
isso, devemos reconhecer as ciências sociais como exercício de cientifi-  
cidade e simultaneamente de respostas aos conflitos sociais postos. É  
uma unidade dada em sua constituição, desenvolvimento e potencial  
influência no cotidiano da vida material.  
A forma de consciência científica voltada aos problemas do ser  
social, portanto, não é imune a tais problemas sociais que demandam  
respostas. Mesmo os métodos científicos empregados estão em perma-  
nente relacionamento com a tarefa de dar respostas às contradições que  
emanam das relações sociais ao fundo (ou para expurgá-las à força do  
formalismo). Não parece ser produtivo, assim, a pretensão formal de  
separar o que imaginativamente existiria em estado de pureza, como a  
“análise econômica” de Schumpeter (2006) supostamente imune ao ca-  
ráter histórico de tais expedientes. Ou, como entusiasticamente con-  
cluiu Roll (1973, 1977) ao considerar que houve um “desenvolvimento  
indubitável” do conjunto das “ciências econômicas” as quais, em sua  
45  
Determinação social do pensamento econômico  
versão moderna, teria alcançado um ponto alto de decantação. Em suas  
palavras:  
[] devemos admitir que, na sua feição moderna, a economia emanci-  
pou-se, em grau mais ou menos acentuado, dos seus antecedentes filosó-  
ficos, para transformar-se numa verdadeira ciência positiva, livre de  
quaisquer pressupostos implícitos de caráter normativo, mas suficiente-  
mente amadurecida para incorporar em seu campo de atuação certos “de-  
sideratos” de caráter social, com o que se estabelece uma relação entre a  
teoria econômica e política [pública, policy], criando assim uma relação  
entre teoria econômica e política virtualmente semelhante àquela de, di-  
gamos, física e química, por um lado, e engenharia, por outro. (Roll, 1973,  
p. 609; 1977, p. 620)  
Como vimos, mesmo a física, a química ou a engenharia estão  
implicadas, em última instância, ao “estado das forças produtivas” ao  
“respectivo estado da sociedade” (Lukács, 2013, p. 568). Ainda que  
guarde alguma sala para apelos sociais, a comparação de Roll tem o fito  
de borrar os antagonismos sociais com os quais o pensamento econô-  
mico está inteiramente envolvido. As coisas se passam ao contrário. O  
pensamento econômico, como forma de consciência científica no con-  
junto das ciências sociais, está voltado para aquelas contradições, tendo  
arranque, “sem exceção, de situações de conflito”, o que se confirma  
pelo “notório paralelismo entre o desenvolvimento do próprio capita-  
lismo e a sua verificação teórico-científica” (Lukács, 2013, p. 566) le-  
vada adiante por essa forma de pensamento, ao passo que, dada a divi-  
são do trabalho, também tem aquela tarefa de retratar, ordenar, expor  
fatos e conexões etc. A especificidade do pensamento econômico encon-  
tra-se nesses elementos aos quais nos direcionaremos a seguir, procu-  
rando capturar a diferença específica dessa forma de consciência cien-  
tífica.  
De muitas maneiras, essas questões são reconhecidas por am-  
plo espectro no estudo do pensamento econômico. Existem várias ten-  
dências quanto a isso, inclusive aquelas que fazem abstração dos con-  
flitos sociais, dos condicionantes desses conflitos, procurando apresen-  
tar uma “ciência econômica” em um estado de pureza blindada. Não por  
acaso, também têm em comum a inclinação de esboçar definições dessa  
ciência sem referência à sua constituição histórica. Mas, ainda assim,  
no esforço de precisar uma definição de “ciência econômica” (ou econo-  
mia política e terminologias assemelhadas) capturam parte daqueles  
46  
Objeto ideológico  
dois aspectos inevitavelmente constitutivos das ciências sociais e ser-  
vem aqui de mediação para nosso propósito de determinar a especifici-  
dade do pensamento econômico como forma de consciência científica.  
Não há, no entanto, qualquer pretensão de explicação sistemática desse  
esforço, o que exigiria um trabalho de investigação à parte.  
Dobb (1932) alertou para o fato de que definir o campo de atu-  
ação da “ciência econômica” (Economics) era algo muito mais compli-  
cado do que parecia à primeira vista. A despeito de considerar que a  
“Economia Política surgiu como apologética de uma certa ordem social  
e de permanecer hoje apologética” (p. 138), o autor inglês adotou a se-  
guinte resolução tendo em vista as confusões existentes:  
por enquanto, a maneira mais satisfatória de definir a Economia parece  
ser em termos do tipo de pergunta que ela faz e procura responder, e da  
mesma forma definir as escolas rivais de pensamento em termos das di-  
ferentes perguntas que colocam a si mesmas ou das diferenças no tipo de  
resposta que oferecem. Grande parte da confusão que reina no campo da  
economia hoje é, acredito, devido ao fracasso em usar esse dispositivo  
simples. Muita controvérsia estéril por exemplo, entre os economistas  
clássicos e os economistas modernos foi encenada sem nenhum pro-  
blema além de impasse e confusão, porque os competidores não percebe-  
ram que cada um encontrava-se empenhado em responder a um conjunto  
diferente de perguntas. (Dobb, 1932, p. 10-11)  
Não é possível negar a existência de diferentes conjuntos de  
questões orientadoras para as escolas de pensamento nem o alerta para  
a fonte das confusões no debate. É já antiga, por exemplo, a constatação  
de que, para a economia política clássica, importavam as questões deri-  
vadas da produção e que, para o marginalismo, eram aquelas proveni-  
entes da circulação. Podemos acrescentar nessa constatação que inte-  
ressam ao marxismo as conexões e reciprocidades entre produção e cir-  
culação, sendo a primeira aquele “fator preponderante” num todo arti-  
culado (Marx, 2011, p. 44-53), uma articulação não devidamente encon-  
trada nos silogismos dos clássicos, no subjetivismo marginalista ou no  
formalismo da “nova economia”. A questão problemática que resta é  
que o pensamento econômico não poderia ser apreendido por aquilo  
que há de comum como consciência científica se o critério forem as  
questões importantes para cada corrente da economia, como parece su-  
gerir Dobb. Teríamos, assim, possivelmente tantas “ciências econômi-  
cas” quanto são suas escolas de pensamento. Mas mesmo que existam  
47  
Determinação social do pensamento econômico  
questões orientadoras diferentes, na qualidade de consciência científica  
tal pensamento deve ser apreendido como fenômeno unitário cuja es-  
pecificidade demanda resolução.  
Nessa direção, vejamos algumas aproximações importantes da  
questão ainda que elas guardem alguma tendência de antecipar certas  
questões da análise da gênese. Seu escrutínio servirá de guia para che-  
garmos à questão que nos importa. A começar por uma das mais notó-  
rias definições, proveniente da focalização nas trocas e em oposição à  
abordagem das condições materiais do bem-estar:  
Aqui, então, está a unidade da matéria da Ciência Econômica, as formas  
assumidas pelo comportamento humano na disposição de meios escas-  
sos. (p. 15)  
O economista estuda a disposição de meios escassos. Ele está interessado  
na maneira como diferentes graus de escassez de diferentes bens dão ori-  
gem a diferentes razões de avaliação entre eles, e ele está interessado na  
maneira pela qual as mudanças nas condições de escassez, sejam elas  
provenientes de mudanças nos fins ou mudanças nos meios do lado da  
demanda ou do lado da oferta afetam essas razões. A economia é a ci-  
ência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins  
e meios escassos que têm usos alternativos. (p. 16)  
A concepção que adotamos pode ser descrita como analítica. Não tenta  
escolher certos tipos de comportamento, mas concentra a atenção em um  
aspecto particular do comportamento, a forma imposta pela influência da  
escassez. (p. 16-17)  
[] a atenção dos economistas está voltada principalmente para as com-  
plicações da Economia das Trocas. (Robbins, 1932/1984, p. 18)  
Obviamente limitado pelo ponto de partida, a especificidade do  
pensamento econômico é fornecida pela focalização dos comportamen-  
tos derivados das avaliações subjetivas diante da escassez de uma eco-  
nomia das trocas. Não é o caso para crítica extensa dessa posição –  
mesmo porque já há acúmulo nessa direção (Lipsey, 2009). Nosso pro-  
pósito é sugerir que o indicativo de uma “concepção analítica” coexiste  
com a completa abstração das condições históricas reais as quais envol-  
vem, como vimos, os problemas decorrentes do conflito social. O ex-  
purgo forçado das contradições é sintomático à focalização na generica-  
mente posta “economia das trocas”. Essa última posição parece ser con-  
sideravelmente predominante nos círculos intelectuais. Como sugeriu  
Meek (1967, p. 15), a “economia, na forma em que chegou até nós,  
48  
Objeto ideológico  
sempre se preocupou principalmente com a análise do sistema do mer-  
cado de trocas”.  
Em direção semelhante, mas com a vantagem de captar aspec-  
tos mais essenciais, Samuelson escreveu que a ciência econômica está  
ocupada com a produção e distribuição de mercadorias em diferentes  
sociedades: “Economia é o estudo de como as sociedades usam recursos  
escassos para produzir mercadorias valiosas e distribuí-las entre dife-  
rentes pessoas” (Samuelson; Nordhaus, 1998, p. 4). Apesar da genera-  
lidade e certa universalização histórica das mercadorias, não deixa de  
ser um aspecto decisivo focalizar o “como”, ou melhor, o “modo” pelo  
qual as mercadorias são produzidas e distribuídas. Ainda que avance na  
direção correta da especificidade que buscamos, é um avanço ainda no  
limite da abstração das condicionantes históricas importantes. Um ca-  
minho melhor se abre pela consideração histórica das legalidades dos  
“modos” de produção e distribuição:  
As leis que regem a produção e a distribuição também são de natureza  
histórica. O escopo histórico das leis econômicas varia; algumas leis  
atuam em todos (ou quase todos) os estágios do desenvolvimento social,  
outras têm um escopo histórico muito estreito. Mas, em primeiro lugar,  
estão as leis específicas de certos sistemas sociais e econômicos, como o  
feudalismo, o capitalismo e o socialismo. A economia política investiga  
essas leis, levando em conta seu alcance histórico. Tenta, mais particu-  
larmente, lançar luz sobre o funcionamento dos vários métodos de pro-  
dução moldados pela história e sobre seus sistemas sociais corresponden-  
tes. (Lange, 1970, p. 191)  
Como Samuelson, mas com a vantagem da demarcação histó-  
rica geral e particular, a especificidade é apresentada pela legalidade  
variada da produção e distribuição, sobretudo focalizando os métodos  
de produção forjados também historicamente. O horizonte é ampliado  
para outras formações sociais passadas.  
Algo que também encontramos em Engels (2015) junto ao re-  
forço da natureza histórica da produção e distribuição da riqueza. Para  
ele, a “economia política, no seu sentido mais amplo, é a ciência das leis  
que governam a produção e a troca do sustento material da vida na so-  
ciedade humana” (p. 177). Como as condições reais não são as mesmas  
em todos os lugares, a economia política nesse sentido “trata de uma  
matéria histórica, isto é, uma matéria em constante mudança” (p. 177).  
Vale o reforço de que, para ele, a economia política poderia ser  
49  
Determinação social do pensamento econômico  
entendida “como a ciência das condições e das formas, sob as quais as  
diferentes sociedades humanas produziram e trocaram e sob as quais,  
em cada caso, distribuíram os produtos de modo correspondente” (p.  
180). Esse sentido amplo da economia política ainda estava por ser cri-  
ado, sustentou Engels à época, uma vez que a “ciência econômica”, en-  
tão existente, lançava luzes mais “à gênese e ao desenvolvimento do  
modo de produção capitalista”. Fez a ressalva importante segundo a  
qual Marx teria avançado sobre os “traços básicos” de outros modos de  
produção precedentes “como recurso comparativo” (p. 180-181) uma  
vez que o propósito era desvelar as legalidades do movimento do modo  
de produção capitalista. Ao explicar o desdobramento dessa ciência  
com suas luzes direcionadas ao modo de produção capitalista, Engels  
iluminou aspectos importantes da especificidade. A economia política:  
começa com a crítica aos resquícios das formas feudais de produção e  
troca, demonstra a necessidade de sua substituição por formas capitalis-  
tas, explicitando, em seguida, as leis do modo de produção capitalista e  
suas correspondentes formas de troca quanto ao seu aspecto positivo –  
isto é, quanto ao aspecto segundo o qual elas promovem os fins universais  
da sociedade , e conclui com a crítica socialista do modo de produção  
capitalista, a saber, com a exposição de suas leis quanto ao seu aspecto  
negativo, comprovando que, por seu próprio desenvolvimento, esse  
modo de produção é impelido para o ponto em que se inviabiliza. (Engels,  
2015, p. 180)  
Coexistem nesse trecho sintético da discussão precedente de  
Engels no material em questão, não apenas as tarefas provenientes da  
divisão do trabalho no sentido de descobrir e revelar as legalidades do  
modo de produção capitalista, mas também as tarefas decorrentes dos  
conflitos imanentes à vida econômica da sociedade. Esse último aspecto  
se mostra não apenas no conflito com as formas passadas, precisamente  
no período de transição em que a economia política fora se consti-  
tuindo, como também no conflito posto a partir das próprias legalida-  
des do modo de produção capitalista. Diante disso, coloca-se evidenci-  
ado aquilo que Dobb havia tateado ao procurar definir a “ciência eco-  
nômica” a partir das questões colocadas por cada escola. Se coerente-  
mente posto, como o fez Dobb anos depois, compreendemos que a:  
A Economia Política e as controvérsias que a cercam têm significado  
como respostas a certas questões de tipo essencialmente prático ques-  
tões relativas à natureza e ao comportamento do sistema econômico que  
conhecemos como capitalismo; e que esse tipo de questão é crucial tanto  
50  
Objeto ideológico  
para qualquer compreensão completa do desenvolvimento do pensa-  
mento econômico quanto para a relação entre o pensamento econômico  
e a prática. (Dobb, 1937, p. vii)  
Para ele, compreender o tipo de questão é crucial ao entendi-  
mento do pensamento econômico e dos aspectos práticos. Mas o autor  
inglês também sublinhou o caráter de resposta a tais questões fáticas,  
as quais dizem respeito à natureza e ao funcionamento do modo de pro-  
dução capitalista. Queremos com isso enfatizar essa qualidade de res-  
postas que também iluminam o pensamento econômico e sua relação  
com as questões práticas aludidas. Mesmo porque, mais “fundamental,  
embora talvez mais difícil de identificar em casos particulares, é a me-  
dida em que o pensamento é moldado pelos problemas decorrentes  
dum certo contexto social” (Dobb, 1977, p. 28).  
É algo que pode ser reforçado pela importância que guarda para  
a determinação da diferença essencial que estamos buscando. Meek  
(1967, p. 15), contrariando as posições teóricas que sustentam leis eco-  
nômicas supostamente válidas para “todos os tempos e lugares” e tam-  
bém os intelectuais individuais que aderem a tais posições, insistiu que  
a análise realizada será quase sempre “relativa (em um importante sen-  
tido dessa palavra)” a um estágio histórico particular de desenvolvi-  
mento do sistema econômico, pelo momento por qual atravessa. A  
abordagem geral diante dessa circunstância é substancialmente depen-  
dente da “atitude geral com respeito ao contexto socioeconômico” que,  
por sua vez, “determinará (entre outras coisas) as respostas” oferecidas  
a questões importantes colocadas por aquele mesmo estágio.  
Não importa, no momento, que Meek considere que tais ques-  
tões sejam referentes ao livre mercado, tais como o melhor ângulo de  
análise desse sistema ou se ele é eficiente para produzir bem-estar. As  
questões colocadas pela realidade objetiva são ainda mais profundas do  
que isso, mesmo que certas tendências teóricas limitem-se aos aspectos  
mais superficiais, o que não deixa de ser sintomático daquela “atitude  
geral”. Como Engels (2010, p. 476) ilustrou muito bem, o pensamento  
econômico “não se ocupa com coisas, mas com as relações entre as pes-  
soas e, em última análise, entre classes; tais relações, porém, estão sem-  
pre atadas às coisas e aparecem como coisas. Estacionar na forma  
mais aparente, as trocas entre coisas, diz algo sobre algumas correntes  
daquele pensamento, mas isso não altera o fato de que, em última  
51  
Determinação social do pensamento econômico  
instância, são tais relações sociais que constituem a sua referência bá-  
sica. Mas o que importa destacar a partir da consideração anterior é o  
caráter historicamente determinado do pensamento econômico como  
respostas diante dos problemas e conflitos que emergem da vida econô-  
mica da sociedade. Os intelectuais são chamados a dar respostas a tais  
problemas e conflitos, formando escolas inteiras. O que ilumina, pois, o  
pensamento econômico é a riqueza, complexidade e contradição do ob-  
jeto para o qual está essencialmente voltado como forma de consciência  
científica no duplo exercício de explicar e influir na vida econômica da  
sociedade, mesmo que a explicação seja falsa e tenha amplos efeitos ou  
verdadeira e sem qualquer relevância.  
Vale insistir nos aspectos colecionados até aqui sobre a especi-  
ficidade que estamos tateando acerca do pensamento econômico como  
forma de consciência científica e delimitado como objeto ideológico.  
Com efeito, Marx (1974) sublinhou o desenvolvimento da eco-  
nomia política como “ciência autônoma” (p. 160), distinguível em sua  
particularidade, em parte pelas mãos de Petty e sua aritmética política  
em relação aos grandes enciclopedistas, como Hobbes. Marx (1980-  
1985) considerou que os “fisiocratas deslocaram a pesquisa sobre a ori-  
gem da mais-valia, da esfera da circulação para a da produção imediata,  
e assim lançaram o fundamento da análise da produção capitalista” (p.  
21). Em uma avaliação crítica da “economia vulgar”, destacou que a  
“economia política clássica” constituía-se em “toda teoria econômica  
desde W. Petty, que investiga a estrutura interna das relações burguesas  
de produção” (Marx, 2013, p. 156, nota 32).  
Essa caracterização favorece o reconhecimento de que a forma  
de consciência que estamos destacando está voltada a um conjunto de  
relações de produção e reprodução da vida como objeto de análise, isto  
é, a produção capitalista, a estrutura interna das relações sociais de pro-  
dução sobre a qual está fundamentada. Esse objeto é o “terreno vivo da  
economia política” (Marx, 2013, p. 84), sua matéria-prima. A colocação  
segundo a qual a “economia política inglesa” se desenvolveu como “o  
reflexo científico das condições em que se encontra a economia inglesa”  
(Marx, 2010a, p. 30-31) só se torna plenamente compreensível nesses  
termos. O pensamento econômico aparece, assim, como forma social de  
consciência produzida por condições da vida material, como a “ciência  
do enriquecimento” (Marx, 2015, p. 185), uma forma de consciência  
52  
Objeto ideológico  
científica que, bem-sucedida ou não sob certas circunstâncias, procura  
explicar “como se produz” a riqueza no interior e sob a forma das “rela-  
ções da produção burguesa”, debruçando-se sobre “a vida ativa e atu-  
ante dos homens” (Marx, 1985a, p. 102); os homens ativos e atuantes  
que estabelecem os “princípios, as ideias, as categorias de acordo com  
as suas relações sociais” (p. 106). Dessa maneira, as “categorias econô-  
micas são expressões teóricas, abstrações das relações sociais de produ-  
ção”; elas “são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. Elas  
são produtos históricos e transitórios” (p. 106). A vida ativa no desen-  
volvimento social implica tais categorias econômicas a partir das con-  
tradições que caracterizam o modo de produção às quais correspon-  
dem. Nesse sentido, a economia política está diretamente implicada a  
tais contradições, muitas vezes contrariamente ao modo como é apre-  
sentada autonomamente às necessidades sociais de sua época. Em ou-  
tros termos:  
Na medida em que a análise econômica se torna mais profunda, ela não  
apenas descreve contradições, mas é confrontada por sua própria contra-  
dição simultaneamente com o desenvolvimento das contradições reais na  
vida econômica da sociedade. (Marx, 2010b, p. 501)  
O “terreno vivo da economia política” é fertilizado pelas “con-  
tradições da vida econômica da sociedade”. Desde seu início, portanto,  
o pensamento econômico está necessariamente envolvido a tais contra-  
dições, diz respeito a elas, assim como suas categorias econômicas como  
abstrações das relações sociais que fundamentam o modo de produção  
material.  
Com tais aproximações gerais de conjunto, podemos estabele-  
cer melhor a especificidade do pensamento econômico como forma de  
consciência científica e delimitado como objeto ideológico de acordo  
com os propósitos aqui perseguidos. É necessário, porém, considerar  
apenas os aspectos essenciais da questão.  
Em termos tópicos, admitimos que o pensamento econômico,  
abarcado de conjunto, coloca-se no quadro daqueles citados fatores ex-  
traeconômicos relacionados no qual política, filosofia e as ciências na-  
tural e social alimentam traços comuns, diferenças e mútuas implica-  
ções importantes. Voltaremos a esse entrelaçamento no capítulo sobre  
a análise da eficácia. Aqui vale apenas o registro quase protocolar de  
53  
Determinação social do pensamento econômico  
que é desnecessário evocar, por exemplo, os efeitos das ciências natu-  
rais sobre certas tendências do pensamento econômico (sobretudo en-  
tre os séculos XIX e XX, notadamente a física e a biologia). Adicional-  
mente, essa forma de consciência social não é identificável como tal sem  
os aportes que toma do amplo campo da filosofia e da filosofia social em  
particular (veja Mill, 1996, e Robinson, 2021, para citar casos bem co-  
nhecidos). Igualmente importante são as conexões entre política e esse  
pensamento econômico. Na medida em que, como já indicado, a polí-  
tica procura capturar os “momentos de cada complexo de crises”  
(Lukács, 2013, p. 555) e acionar contingentemente os elos que “influem  
efetivamente nas tendências econômicas decisivas que entraram em  
crise” (p. 507), assistimos o pensamento econômico voltado a explicar  
o funcionamento da economia capitalista e simultaneamente a contri-  
buir com a caixa de ferramentas frente às mesmas crises para as quais  
a política busca respostas. Em outras palavras, o pensamento econô-  
mico também procura influir em termos práticos nos mesmos comple-  
xos, nas mesmas cadeias causais. Talvez por isso, desde sua constitui-  
ção, a expressão “economia política” capture melhor as coisas do que a  
artificialmente árida e puraEconomics dos nossos tempos.  
Mais importante aos nossos propósitos é a coisa ao fundo para a  
qual se volta o pensamento econômico, caracterizada pelas relações so-  
ciais de produção e distribuição da riqueza social sob uma dada moda-  
lidade histórico-particular de organização das necessidades sociais (re-  
ais ou ilusórias) e das capacidades sociais (subjetivas e objetivas, inclu-  
indo os meios de produção). Das contradições da divisão classista do  
trabalho social de produção da riqueza, decorre o problema fundamen-  
tal correspondente e permanentemente latente: como produzir e distri-  
buir a riqueza socialmente engendrada? E isso independe do grau de  
escassez ou de excedente. Trata-se da questão objetivamente posta e re-  
posta de como combinar as relações sociais de produção e as forças pro-  
dutivas, envolvendo a distribuição dos meios de produção, divisão do  
trabalho social etc., e como realizar a apropriação da riqueza social-  
mente produzida. Está em consideração, sobretudo, mas não exclusiva-  
mente, a forma capitalista da produção. Diante da questão objetiva-  
mente posta sob a forma das relações sociais capitalistas de produção,  
é específico ao pensamento econômico responder de diferentes manei-  
ras tanto ao deciframento das condições e modos de produzir e  
54  
Objeto ideológico  
distribuir a riqueza social gerada quanto ao conflito que daí emerge  
como problema fundamental sempre reposto de estabelecer as condi-  
ções e modos de organização da vida econômica da sociedade. Do lado  
da tarefa de influenciar as decisões em meio ao conflito, não estão ape-  
nas, entre outras questões que diferenciam escolas, as maneiras pelas  
quais poderia o “equilíbrio econômico” ser alcançado, quais seriam os  
melhores meios de ampliar a produtividade, quais mecanismos macro-  
econômicos gerariam o maior bem-estar possível ou em que medida o  
bem-estar geral dependeria da abolição das relações capitalistas de pro-  
dução. Também encontramos tanto a constante afirmação desse modo  
de produção como natural e derradeiro quanto sua negação reacionária  
ou revolucionária.  
Essa diferença específica do pensamento econômico apreen-  
dida em termos gerais pode ser obscurecida de muitas maneiras. Algu-  
mas das aproximações que vimos anteriormente, sobretudo as que fica-  
ram concentradas na escassez e na valorização subjetiva, ao passo que  
fizeram abstração do caráter histórico e do conflito social, atendem  
ainda correntemente à necessidade social de apresentar a “ciência eco-  
nômica” em uma pureza imaginária. Esse expediente não é novidade  
alguma.  
Existe outra maneira, talvez mais comum no próprio marxismo,  
devido às sobreposições realizadas no plano da reflexão sobre a própria  
especificidade em questão. Diferentemente dos nossos propósitos de  
sublinhar o traço comum às variantes que compõem pensamento eco-  
nômico, Mesquita atribuiu a especificidade à tendência predominante,  
por assim dizer. Escreveu o autor que a “peculiaridade da ciência eco-  
nômica não pode ser determinada somente por sua legalidade como um  
complexo científico, a saber, uma intenção voltada para o conhecimento  
do ser-em-si do objeto, o conhecimento da economia burguesa e suas  
leis de movimento”. Indo além, portanto, Mesquita sugeriu que o  
aspecto central deve ser a sua posição diante da totalidade social: o modo  
como ela responde às necessidades que [...] originaram esse complexo  
parcial, a maneira como a ciência econômica se posiciona diante das ta-  
refas postas pelo desenvolvimento socioeconômico de acordo com sua  
particularidade de complexo científico. (Mesquita, 2021, p. 12)  
O desenvolvimento da argumentação do autor aponta para a  
peculiaridade de uma variante do pensamento econômico, aquela que  
55  
Determinação social do pensamento econômico  
guarda como “finalidade, em última instância, responder às demandas  
surgidas na esfera da economia, apontando os caminhos para a repro-  
dução desta esfera” (p. 15). E isso porque a “reprodução de um sistema  
econômico não permite a existência amplamente disseminada de uma  
teoria econômica que não aponte para a resolução mais efetiva e dentro  
da ordem dos problemas e conflitos práticos surgidos nesse âmbito” (p.  
16). Mesquita está interessado na peculiaridade que expressa um hori-  
zonte específico, uma vez que a “teoria científica que predomina na so-  
ciedade burguesa deve ser aquela que mais favorece sua reprodução”  
(p. 16). Fica claro que a peculiaridade destacada pelo autor corresponde  
ao pensamento dominante, isto é, aquele que “sacrifica a verdade de  
suas proposições pela sua eficácia no plano prático-operatório, ou seja,  
pela utilidade para o capital” (p. 17). Reafirmando, como vemos sem es-  
forço, as críticas de Marx à “economia vulgar”, consolida-se uma sobre-  
posição entre a peculiaridade particular do pensamento econômico do-  
minante e o denominador comum a todo pensamento econômico, obs-  
truindo a possibilidade de demarcação de sua diferença específica como  
forma de consciência científica (incluindo a de baixa estatura).  
Ao finalizar as considerações realizadas, não deixa de ser neces-  
sário sublinhar, de conjunto, a dupla tarefa, de caráter simultâneo, di-  
ante do problema fundamental (produção e distribuição da riqueza)  
posto e reposto sob a forma capitalista e, portanto, histórica das rela-  
ções sociais de produção. Chegamos a isso pelo destaque daquilo que há  
de comum a essa forma de pensamento. Nesses termos, recolhemos o  
pensamento econômico na qualidade de fenômeno unitário, como ob-  
jeto ideológico geral a ser considerado, demandando os recortes legíti-  
mos antes indicados e de acordo com as particularidades das pesquisas  
a serem realizadas. Portanto, não está sob análise a qualidade de tais  
respostas, uma vez que trataremos do assunto na análise ontognosio-  
lógica. Também não está sob análise, no presente momento, a peculia-  
ridade daquelas respostas que serão objeto de consideração da análise  
da eficácia do pensamento econômico vertido em ideologia e sobre os  
seus veículos teóricos e práticos. Igualmente, não faz parte da presente  
preocupação atentar para a missão social que tal pensamento econô-  
mico veio a cumprir a partir das condições concretas que o tornou soci-  
almente necessário, mesmo quando falso, ou as mudanças dessa missão  
ao longo do tempo. É um assunto para a análise da gênese.  
56  
Objeto ideológico  
Não obstante, é importante reconhecer, como fizemos até aqui  
algumas vezes, que na própria tarefa de determinar a diferença especí-  
fica do pensamento econômico já estiveram implicadas muitas aproxi-  
mações sucessivas desse objeto ideológico que foram autorizadas por  
um esforço preliminar de análise da gênese desse pensamento, assim  
como por uma parcial análise histórico-imanente desse objeto ideoló-  
gico, recuperando o que fora acumulado na tradição materialista. Por  
isso é decisivo repetir o alerta antes soado, segundo o qual os elementos  
constitutivos da unidade do método não formam sucessão de etapas. Ao  
contrário, esses elementos alimentam-se em reciprocidades complexas.  
Estão em um “enlaçamento íntimo, substantivo. Enlaçamento [...] que  
o procedimento metodológico simplesmente separa para efeitos analí-  
ticos” (Chasin, 1978, p. 67). Da mesma forma em que, por exemplo, o  
pensamento econômico já é existente como fenômeno unitário inde-  
pendente de qualquer análise, é a aproximação preliminar que cria as  
condições de apreendê-lo em sua formação, características essenciais,  
sua delimitação etc., incluindo os eventuais recortes legítimos que aten-  
dem a interesses específicos de investigação. Cabe, pois, desenvolver  
tais elementos em maiores detalhes uma vez que, ao menos em termos  
gerais, nosso objeto ideológico se encontra revelado.  
57  
IV  
Análise histórico-imanente  
Devido aos incontáveis aspectos explícitos e implícitos que cer-  
cam o tema do presente capítulo, devemos realizar uma aproximação  
geral antes de abordar diretamente o núcleo decisivo quanto à postura  
e aos procedimentos investigativos que estão presentes na tradição ma-  
terialista. Assim como outros elementos que constituem a unidade do  
método em questão, as considerações acerca desse tipo de análise estão  
desigualmente distribuídas e nem sempre a especificam claramente  
porquanto comparece apenas implicitamente, ou subordinada e identi-  
ficada à “crítica ontológica”, “crítica imanente” ou ainda “crítica radi-  
cal”. Conforme veremos, levar em conta a oscilação das considerações  
aludidas é bem mais importante do que mera questão terminológica.  
Como meios de aproximação, serão auxiliares ao destacamento tanto  
da postura quanto do procedimental concernente à análise histórico-  
imanente como elemento da unidade do método materialista.  
De modo geral, aquelas considerações, que oscilam na órbita  
dessa análise que estamos perseguindo, encontraram maior grau de ex-  
plicitação no, por assim dizer, tronco filosófico da tradição marxista, do  
que no tronco econômico. Há motivos histórico-objetivos para isso.  
O primeiro pode ser remetido à divisão do trabalho nos ramos  
mais ou menos especializados entre filosofia e economia, divisão que  
afetou inclusive o desenvolvimento do método materialista, pois nada  
passa totalmente ileso. No tronco filosófico há notoriamente uma ade-  
rência e remissão direta aos textos pelas próprias exigências gerais da  
disciplina. De maneira análoga, desenvolveu-se mais no tronco econô-  
mico o tratamento dos conteúdos das teorias econômicas bem como de  
suas precisões empíricas. Não que tenha ocorrido neste tronco uma  
Análise histórico-imanente  
ignorância quanto aos textos ou que, naquele, uma desconsideração so-  
bre os conteúdos econômicos, mesmo porque, na tradição marxista, fi-  
losofia e economia, esta última como exemplar científico, são chamadas  
à indissolúvel fraternidade, como vimos e como voltaremos a sublinhar.  
Apesar disso, é possível capturar essa diferença.  
O segundo motivo decorre do fato de que o método analítico do  
qual estamos tratando remonta diretamente a Marx. De valor especial,  
nessa direção, é a sua passagem pela filosofia, como escreveu no Prefá-  
cio autobiográfico de Para a crítica da economia política, antes de se  
ver em “apuros por ter que tomar parte na discussão sobre os chamados  
interesses materiais” (Marx, 1974, p. 134). A incursão direta, posterior-  
mente a 1843, sobre o pensamento econômico e os problemas concretos  
que suscitava, desembocou na conclusão amplamente conhecida de que  
a “anatomia da sociedade burguesa” deveria “ser procurada na Econo-  
mia Política” (p. 135).  
Antes de direcionar atenção da análise diretamente ao pensa-  
mento econômico, o itinerário de Marx pela filosofia deixou impressões  
posteriormente reconhecíveis mesmo que rearticuladas tendo em vista  
sua viragem materialista. De especial valor, tal itinerário trouxe à baila  
o estudo dedicado dos textos em uma fundamentação especialmente  
histórica. Nela, ainda que embrionariamente, não apenas são reconhe-  
cidas as influências das formas de pensamento sobre a realidade social  
como também há reserva de sala ao escrutínio dessas formações ideais  
e não sem debate com o que de melhor havia na história da filosofia de  
então.  
Nessa direção, recordemos que a dissertação de Marx, de 1841,  
esteve às voltas com o pensamento filosófico grego, em particular com  
a filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Diante da identificação  
direta entre os dois, decorrente de preconceito “tão antigo quanto a his-  
tória da filosofia”, a “diferença essencial”, objetivamente existente no  
confronto entre tais pensamentos não obstante conectados, só poderia  
ser trazida à luz por meio de “micrologias” que pudessem capturar os  
“pormenores” e demonstrar “diferenças tão escondidas que só se reve-  
lam ao microscópio” (Marx, 1972, p. 138). Os cadernos preparatórios à  
dissertação sugerem a postura e procedimento do jovem Marx na lei-  
tura pormenorizada e no registro extenso de passagens probantes, mas  
também exercitação da crítica à própria história da filosofia de então.  
59  
Determinação social do pensamento econômico  
Mesmo Hegel não passou inteiramente incólume.  
O resultado direto da investigação não vem ao caso. Importa  
aos nossos propósitos sublinhar, primeiramente, o argumento de talhe  
histórico. Seguindo em alguma medida Hegel e Köppen, Marx reconhe-  
ceu nos sistemas filosóficos “sua grande importância para a história da  
filosofia grega e para o pensamento grego em geral” e em “conexão com  
a vida grega” (p. 124). Não apenas estão conectados ao modo de vida  
grego e, por isso, são veículos de compreensão dessa vida, como tam-  
bém pareceu adequado a Marx suscitar a difusão posterior e a influência  
de tais sistemas:  
O epicurismo, o estoicismo e o cepticismo serão historicamente fenôme-  
nos particulares? Não serão os protótipos do espírito romano? A forma  
sob a qual a Grécia emigra para Roma? Não terão uma essência de tal  
modo característica, intensiva e eterna que o próprio mundo moderno foi  
obrigado a conceder-lhes direitos de cidadania intelectual? (Marx, 1972,  
p. 136)  
No conjunto, vemos que se trata de uma análise minuciosa de  
formas de pensamento profundamente conectadas a modo de vida par-  
ticular e que puderam ter influência para além de seu notório território  
de origem. Embora requeridas por investigação detida, os limites não  
são dados exclusivamente pelas minudências da análise, como o pró-  
prio argumento histórico por si só já deixa plenamente entrevisto.  
Numa consideração a respeito das tarefas da historiografia filosófica  
tais limites são inteiramente fraturados. Marx estabeleceu a seguinte  
fundamentação muito reveladora ao direcionar a focalização, podería-  
mos dizer, dos objetos ideológicos:  
A historiografia filosófica deve não só deixar de perder o seu tempo a con-  
siderar a personalidade, mesmo que seja a personalidade do filósofo,  
como o núcleo e a configuração do seu sistema, como ainda se deve pre-  
ocupar muito menos com as bagatelas e as subtilezas psicológicas; deve  
pelo contrário isolar em cada sistema as próprias determinações, as cris-  
talizações reais que o atravessam, os argumentos, as justificações dadas  
no decurso de conversas sobre a forma como os filósofos se apresentam,  
se é que eles se conhecem a si mesmos; deve fazer a distinção entre a tou-  
peira do verdadeiro saber filosófico que nunca interrompe o seu trabalho  
e a consciência fenomenológica faladora, exotérica, de atitudes múltiplas  
e variadas, a consciência do sujeito que é o receptáculo e a energia desses  
desenvolvimentos. É no isolamento desta consciência que reside precisa-  
mente a sua unidade. Este momento crítico, quando se apresenta uma  
filosofia histórica, é absolutamente necessário para poder conciliar a  
apresentação científica de um sistema com a sua existência histórica; é  
60  
Análise histórico-imanente  
necessário começar por esta mediação na medida em que a existência a  
que nos referimos é uma existência histórica que é simultaneamente afir-  
mada como existência filosófica, sendo, portanto, desenvolvida de acordo  
com a sua essência. Relativamente a uma filosofia, nunca se deve aceitar,  
na base da autoridade e da boa-fé, a sua pretensão de ser uma filosofia,  
mesmo que a autoridade seja a de um povo e a fé de vários séculos. Pelo  
contrário, a prova só pode ser fornecida pela exposição da essência da  
filosofia a que nos referimos; estes dois aspectos, o essencial e o inessen-  
cial, a apresentação e o conteúdo, devem ser separados pelo historiador  
da filosofia sob pena de, não o fazendo, se limitar a copiar, não tendo já o  
direito de traduzir e ainda menos o de intervir no debate ou de rasurar  
etc. Será apenas um copiador de uma cópia. (Marx, 1972, p. 114-115)  
Por meio de uma filosofia histórica de verve analítica, sobres-  
salta-se a focalização nas determinações reais da formação ideal inves-  
tigada, sua lógica interna, mas também a sua “existência histórica”, sua  
essência além das inclinações meramente subjetivas dos protagonistas,  
daquilo que eles dizem de si mesmos, essa essência também para além  
das superficialidades das formas exteriores apresentadas pela tradição,  
pela autoridade, a necessidade das provas reveladas pela exposição de  
tal essência etc. Tudo isso expõe exigências de postura e de procedimen-  
tos que colocam o analista muito distante da posição de mero copiador  
excluído, inclusive, da eventual intervenção crítica no material anali-  
sado. Em síntese, o que já dissemos: comparecem a análise detida e mi-  
nuciosa do texto, da formação ideal, mas desde já como “existência his-  
tórica”, considerando, ainda que em germe, a influência das formações  
ideais sobre seu próprio terreno de gênese e alhures com a possibilidade  
da crítica ao material analisado, inclusive ao próprio campo intelectual  
em que estava situado, na figura da história da filosofia no caso.  
Não é o caso de estender depuração daquilo que poderia ser re-  
tido da eloquente passagem anterior, sopesando certos desvios. Mesmo  
porque, nessa fase de sua trajetória intelectual, ainda que como uma  
espécie de hegeliano anormal, Marx exibia inclinações ao idealismo ob-  
jetivo que seriam modificadas pouquíssimos anos depois. O importante  
é registrar, como tudo indica, que o itinerário de Marx por essa histori-  
ografia do pensamento filosófico deixará impressões que jamais o aban-  
donarão, ganhando, porém, em adensamento tangente ao caráter his-  
tórico das formações ideais e em diversificação dos objetos ideológicos,  
incluindo o pensamento econômico. Adensou-se igualmente a dimen-  
são “crítica” da análise de tais objetos ideológicos. Poderíamos  
61  
Determinação social do pensamento econômico  
argumentar, seguindo as trilhas de Chasin (2009), que na viragem ma-  
terialista, por volta de 1843, forjou-se uma “crítica filosófica” ou “crítica  
ontológica” às coisas reais e ideais, cujo exercício cobriu todos os anos  
vindouros. Mais especificamente, exercitou-se uma “crítica ontológica”  
também das formações ideais (confrontadas à realidade objetiva), uma  
tal “crítica” que, argumentamos, tem por pressuposto a própria análise  
histórico-imanente dos objetos ideológicos em seus pormenores e em  
sua “existência histórica”, embora tal pressuposto nem sempre tenha  
sido explicitamente reconhecido na história do marxismo quanto ao  
método de estudo do pensamento econômico, como veremos.  
Uma das razões para isso está certamente na própria coisa, isto  
é, no itinerário brevemente destacado e nos materiais legados por Marx.  
Conforme sobressaltam-se as cores da historicidade e, principalmente,  
da “crítica” às formações ideais, mais aparentes elas se tornam na forma  
expositiva dos próprios materiais de Marx ainda que tenham lastro  
na farta demonstração textual de provas aos argumentos apresentados.  
Mais aparentes nessa forma expositiva se tornam aquelas cores, mais  
certos aspectos investigativos são apagados. Na forma acabada de seus  
materiais, os passos analíticos tomados previamente tornam-se pouco  
reconhecíveis. O fato de que as impressões desses passos estejam es-  
praiadas ao longo do itinerário também não é irrelevante. Criou-se, as-  
sim, as condições que facultaram a confusão entre investigação e expo-  
sição particularmente no estudo dos objetos ideológicos. E como a crí-  
tica é, mais do que a historicidade da formação ideal analisada, o mo-  
mento mais visível na exposição, seu pressuposto metodológico-inves-  
tigativo, isto é, a análise histórico-imanente, passa a ser pouco reconhe-  
cível como elemento essencial do método materialista mesmo aos co-  
mentadores e continuadores mais perspicazes. É algo que produz con-  
sequências nas investigações sobre o pensamento econômico em parti-  
cular.  
Não faltam exemplos daquele processo de adensamento analí-  
tico pela pena de Marx no sentido do caráter histórico e da “crítica”. A  
“revisão crítica da filosofia do direito de Hegel” (Marx, 1974, p. 135), em  
1843, é um dos mais emblemáticos deles. E há evidências muito fortes  
para sugerir que, com essa “revisão crítica” da filosofia especulativa,  
aquela “existência histórica” das formações ideais que se encontrava  
apenas embrionariamente constatável entre as tarefas da historiografia  
62  
Análise histórico-imanente  
filosófica, ganhou clara expressão no lineamento que expressa as for-  
mas de pensamento como produtos sociais. Por ser também crítica, a  
revisão exibe certos contornos daquela “crítica ontológica”. Vemos isso  
no material que registra a investigação de Marx sobre a matéria e que  
demonstra profusão na demonstração de elementos probantes dos li-  
mites da filosofia especulativa, sobretudo no que se refere à relação de  
pressuposição entre estado e “sociedade civil” em que o primeiro apa-  
rece mistificado como demiurgo da segunda, invertendo, assim, a ver-  
dadeira relação de pressuposição histórico-objetiva. Essa profusão teve  
a forma de longas, agudas e detalhadas glosas aos parágrafos hegelia-  
nos como melhor exemplo do método analítico no processo investiga-  
tivo, expondo suas determinidades próprias e, ao mesmo tempo, a  
“existência histórica” tanto da filosofia alemã em geral, na qualidade de  
prolongamento ideal da história alemã” (Marx, 2005, p. 150), quanto,  
na figura de Hegel, da “filosofia especulativa do direito” que “só foi pos-  
sível na Alemanha” dadas as peculiaridades histórico-sociais do país.  
Criticamente apreendida, essa formação ideal surge, nas condições ob-  
jetivas alemãs que a tornaram possível, como “pensamento extrava-  
gante e abstrato acerca do estado moderno” (p. 151).  
Os materiais de Bruno Bauer e consortes também foram deli-  
mitados como objeto ideológico em 1845, cuja análise ampla, profunda  
e pormenorizada das obras protagonistas revelaram as provas da “espe-  
culação alemã como um todo”, das “ilusões da filosofia especulativa”,  
objetivadas na “inversão da realidade” (Marx; Engels, 2007, p. 15). Essa  
postura e procedimental para a análise rigorosa dos materiais e da con-  
sideração da “existência histórica” das formações ideais também fica-  
ram registrados em A sagrada família (Marx; Engels, 2011) e consagra-  
dos em A ideologia alemã (Marx; Engels, 2007), materiais voltados à  
crítica das inversões e insuficiências dos chamados neo-hegelianos.  
Este texto em particular, entretanto, vai além, e exibe muitas conside-  
rações emblemáticas sobre o caráter social do pensamento, incluindo  
as condicionantes históricas sobre a “teoria da utilidade”, presa às con-  
dições burguesas e vertida em “mera apologia do existente” mediante a  
“incorporação do conteúdo econômico” (p. 399-400). Consideração ge-  
ral também pode ser feita para os chamados Manuscritos de 1844 e Ca-  
dernos de Paris, datado do ano anterior, em que Hegel, Feuerbach e  
representantes do pensamento econômico, como Smith e muitos  
63  
Determinação social do pensamento econômico  
outros, compareceram como objetos ideológicos de análise e de crítica.  
O enfrentamento direto de Proudhon, em A miséria da filosofia, de  
1847, é linha de continuidade do método analítico em questão, com es-  
pecial consequência ao estudo do pensamento econômico como palco  
desse confronto com o autor francês. E assim se prolongou esse exercí-  
cio para as expressões objetivadas do pensamento econômico ao longo  
das décadas seguintes, incluindo os Grundrisse, O capital e Teorias da  
mais-valia, apenas para citar as mais conhecidas. Para todos os casos,  
são exuberantes as evidências de que esse exercício torna o analista  
abrangente e profundo conhecedor dos objetos ideológicos analisados.  
Nesse itinerário percorrido por Marx, como estamos sugerindo,  
ganharam em intensificação tanto o caráter histórico das formações  
ideais quanto a “crítica” a elas parametrizada sempre pela realidade ob-  
jetiva. Adensaram-se ao ponto da sobreposição à analítica essencial das  
minudências, ao ponto de manifestar, aos comentadores em geral, o  
exercício da crítica como momento mais visível do método materialista.  
Mas é igualmente importante aos nossos propósitos reconhecer uma  
sutil linha muito precisa de continuidade, pelo menos desde sua disser-  
tação, no que se refere a certos aspectos posturais e procedimentos ana-  
líticos que reforçam a “necessidade de repetidas observações, cuidados,  
rastreamentos e precisas elaborações de minudências” (Chasin, 1978,  
p. 24) diante dos objetos ideológicos em particular. Em O capital, mui-  
tos anos depois de sua dissertação, portanto, certa exigência científica  
cobrou tributos ao analista. Ao referir-se à análise da “forma de valor  
da mercadoria”, um “objeto real” portanto, como “forma econômica”  
essencial da sociedade capitalista, e que essa análise não é possível se-  
não por meio da “força da abstração”, dispensando microscópio ou re-  
agentes químicos, Marx escreveu que ao “leigo, a análise desse objeto  
[real] parece se perder em vãs sutilezas. Trata-se, com efeito, de sutile-  
zas, mas do mesmo tipo daquelas que interessam à anatomia microló-  
gica” (Marx, 2013, p. 78). Sopram, nessa passagem, ventos distantes de-  
sencadeados pela análise da história da filosofia. Por que motivo o ob-  
jeto ideológico, ainda que diferente e talvez menos rico do que o con-  
creto, não faria semelhante exigência ao seu analista? O material de  
Marx, denominado Teorias da mais-valia, é a mais extensa prova de  
que os tributos científicos foram devidamente quitados. Referindo-se  
ao expediente geral, Rubin apontou o alcance dos estudos de Marx e de  
64  
Análise histórico-imanente  
sua exposição. Particularmente em O capital, Marx teria retomado os  
antigos economistas, considerando detidamente cada pensamento que  
ali descobriu. Completou o autor russo que, “não importando quão ru-  
dimentarmente ou ingenuamente tal ideia pôde ser originalmente ex-  
pressa, Marx, no entanto, dá-lhe toda a sua atenção e analisa-a diligen-  
temente, a fim de descobrir o valioso núcleo oculto que passou desper-  
cebido à primeira vista” (Rubin, 1979, p. 11-12).  
No entanto, excetuando aquela passagem explícita a respeito  
das tarefas da historiografia da filosofia e pistas espraiadas de 1843 em  
diante, não parece que Marx estivesse decididamente preocupado com  
especificações do método de análise dos objetos ideológicos que ele  
mesmo exercitava. Sabia e fazia, mas não lecionou. Por isso também,  
não há clara diferenciação a respeito de duas dimensões importantes do  
método que é possível extrair das considerações até o momento, quais  
sejam, a análise voltada para a determinação da natureza da formação  
ideal e de sua historicidade, que podemos denominar por análise histó-  
rico-imanente, e a análise ocupada com a “crítica” dessa formação ideal,  
uma crítica de caráter ontológico destinada ao confronto entre a forma-  
ção ideal e as circunstâncias histórico-objetivas. A esta, podemos reser-  
var a designação de “crítica ontológica” ou, também, “crítica imanente”,  
conforme registra a história do marxismo referente à investigação dos  
objetos ideológicos em geral e do econômico em particular, conforme  
veremos a seguir mas que somente será plenamente contemporizada  
no capítulo sobre a análise ontognosiológica. Não obstante, parece ha-  
ver ganhos no tratamento diferenciado dessas dimensões aludidas, con-  
siderando que a análise histórico-imanente, como atividade básica do  
conhecimento dos objetos ideológicos, é uma das condições para a “crí-  
tica ontológica” – sendo o contrário não verdadeiro , ainda que forço-  
samente devamos reconhecer a irmandade necessária entre elas na uni-  
dade do método materialista.  
Na tradição marxista que está sob consideração, as duas dimen-  
sões foram tratadas de maneira amalgamada o que, como dissemos, pa-  
rece ter sido um dos motivos para a maneira tímida de apresentação da  
análise de tipo histórico-imanente, quase sempre subordinada e não re-  
conhecida no esforço da crítica ontológica. Por ser assim apreendida, a  
análise histórico-imanente é considerada mais implicitamente, embora  
ocupe lugar decisivo no método. É o caso quando se argumentou que a  
65  
Determinação social do pensamento econômico  
“leitura da história do pensamento econômico por Marx é parte essen-  
cial de sua construção crítica. Estudar a forma de apreensão da reali-  
dade capitalista expressa pelos cientistas sociais de sua época era o ca-  
minho de acesso à compreensão histórica dos problemas de sua época”  
(Malta; Castelo, 2012, p. 98). Ou, o que é a mesma afirmação, embora  
mais geral, diz-se que o “processo de construção e formulação das ideias  
de Marx é um processo indissociável do seu estudo dos pensadores de  
sua época e seus predecessores” (Curty, 2020, p. 15). Em termos ainda  
mais gerais, é a sugestão de um “método particular de análise histórica”  
especialmente “aplicado a certos problemas centrais no desenvolvi-  
mento da economia clássica” (Meek, 1967, p. ix). Quanto mais geral,  
mais implícita se torna o tipo de análise que procuramos destacar.  
A indicação apenas implícita da análise histórico-imanente  
muitas vezes cede à necessidade de certos procedimentos. Ela pode apa-  
recer sem a focalização devida e, ao mesmo tempo, diante da justa ne-  
cessidade de o estudo das “teorias econômicas” não se limitar às ques-  
tões puramente endógenas. Diante da necessidade de categorização de  
tais teorias, Dobb considerou que:  
é possível caracterizar e classificar teorias econômicas, mesmo as mais  
abstratas, conforme o modo como descrevem a estrutura e raízes da so-  
ciedade econômica, e conforme o significado desse modo de descrever  
para o julgamento histórico e a prática social contemporânea. Com efeito,  
proceder deste modo é parte essencial da interpretação intelectual das  
teorias em questão, e do seu lugar na história das ideias; e sem essa apre-  
ciação, algo essencial faltaria na nossa compreensão de teorias particula-  
res, tratadas isoladamente e vistas exclusivamente em termos da sua es-  
trutura lógica interna e a fortiori na nossa compreensão do desenvol-  
vimento do pensamento econômico. (Dobb, 1977, p. 52)  
Não cabe à análise em questão, tomada como “interpretação in-  
telectual”, trabalhar isolando-se uma formação ideal de todo o resto e  
extraindo exclusivamente “sua estrutura interna lógica”. Trata-se de  
algo, de fato, legado pelo próprio itinerário de Marx, como vimos. Tam-  
bém já consideramos isso antes ao determinar a predicação ativa do  
pensamento e na diferença específica do pensamento econômico como  
objeto ideológico. Voltaremos a falar desses pontos de modo mais deta-  
lhado, bastando dizer presentemente que a análise histórico-imanente  
já começa tendo tais pressupostos que Dobb ajudou a esclarecer indire-  
tamente, ainda que ela esteja timidamente apresentada no conjunto da  
66  
Análise histórico-imanente  
elaboração do prestigiado economista inglês.  
A ênfase no tratamento mais detido do pensamento econômico  
decorreu muito do interesse que comparece na própria disciplina da  
economia. Rubin, por exemplo, esteve mais do que interessado no es-  
tudo das “raízes sociais e econômicas” das formações ideais desse tipo.  
Ocupou-se de examiná-las como um “sistema”, isto é:  
[] como uma totalidade orgânica de conceitos e proposições logica-  
mente interconectados. [] [tal] significado teórico, isto é, da relação ló-  
gica interna das ideias (p. 10). Sem esse tipo de análise teórica detalhada,  
nenhuma história do pensamento econômico poderia jamais prestar o  
serviço que temos o direito de esperar dela, ou seja, agir como uma fiel  
companheira e guia, facilitando nosso estudo da teoria da economia po-  
lítica. (Rubin, 1979, p. 11)  
A análise histórico-imanente está, para Rubin, à serviço da  
apreensão da teoria da economia política, remetendo a questões impor-  
tantes tais como o “relacionamento interno lógico das ideias”. Mas, as-  
sim como Dobb, as peculiaridades dessa análise não ficam à mostra  
para uma consideração mais detida.  
Há também a tendência de subordinar ou de identificar a aná-  
lise histórico-imanente e a “crítica ontológica” pelas razões que já apre-  
sentamos. Ao considerar a “radicalidade” da crítica de Marx à economia  
política, Paula (2021a, p. 35) sugeriu a existência do amalgama inque-  
brantável entre “teoria, história econômica e pensamento econômico”.  
Segundo o autor, tratou-se de realizar uma “efetiva superação” da eco-  
nomia política por mediação de um “movimento tríplice”:  
De um lado as categorias e conceitos da economia política clássica são  
aperfeiçoados pela eliminação de impropriedades e inexatidões [...]. De  
outro lado, todas as categorias da economia política clássica são subme-  
tidas a um escrutínio decisivo, que é sua historicização, isto é, sua “des-  
naturalização”, tomadas que serão agora como fenômenos histórico-so-  
ciais concretos. Finalmente, uma terceira operação [com a] introdução,  
naquele universo analítico-conceitual, de novos problemas e perspecti-  
vas. (Paula, 2021a, p. 35)  
Evidentemente que Marx não poderia ter realizado tal movi-  
mento, de resto apreendido de modo muito justo pelo autor brasileiro,  
sem uma análise histórico-imanente dedicada ao pensamento econô-  
mico. Atos desse movimento tríplice remetem diretamente à crítica on-  
tológica à qual a análise histórico-imanente é subordinada ou iden-  
67  
Determinação social do pensamento econômico  
tificada. Ao chamar a atenção do leitor para a frequente grafia de “crí-  
tica” nos títulos e subtítulos dos textos econômicos de Marx, Lukács  
(2012, p. 295) escreveu que a “função de crítica ontológica a algumas  
falsas representações [...] tem por meta despertar a consciência cientí-  
fica no intuito de restaurar no pensamento a realidade autêntica, exis-  
tente em si”. A análise histórico-imanente surge integralmente subor-  
dinada nesse caso. Anos antes, o filósofo magiar já havia enunciado que  
a “crítica imanente [e não a análise histórico-imanente] é um elemento  
legítimo e até indispensável para a exposição e o desmascaramento das  
tendências reacionárias na filosofia” (Lukács, 2020, p. 11), dado seu  
propósito em A destruição da razão, porém de valor extensível ao pen-  
samento econômico (nos exemplos de Lippmann, Röpke, Keynes,  
Burnham etc.), conforme atesta, no mesmo material, a análise das for-  
mações ideais ligadas ao período monopolista do capital no pós-Se-  
gunda Guerra (p. 663-738).  
Posição semelhante quanto à “crítica imanente” ou “crítica on-  
tológica” pode ser depreendida da consideração sobre a economia polí-  
tica clássica, guardando ainda lugar para a subordinação que estamos  
sublinhando. Mészáros, por exemplo, seguindo a indicação de que o  
termo “crítica” comparece nos títulos das mais importantes obras eco-  
nômicas de Marx, sugeriu que o criticismo exercitado por este às “gene-  
ralizações teóricas representativas formuladas por figuras clássicas da  
economia política” só teria de fato validade ao iluminar as “determina-  
ções estruturais objetivas nas raízes das referidas teorias”. Tais deter-  
minações essenciais:  
(…) são destacadas no sentido de uma “crítica imanente” [immanent cri-  
tique]. Ou seja, uma crítica que reconhece também as circunstâncias es-  
peciais e as motivações históricas dos pensadores em questão, e não ape-  
nas suas limitações de classe vistas do ponto de vista qualitativamente  
diferente [do capital] e da distância necessária da “nova forma histórica”  
entrevista. (Mészáros, 2010, p. 319)  
A “crítica imanente” assume, como em outras ocorrências vis-  
tas, o lugar da análise histórico-imanente. Nos termos do autor, aquela  
se debruça especialmente sobre a explicação histórico-social do pensa-  
mento econômico. Nos parece pressupor a análise histórico-imanente  
das determinações específicas do pensamento em tela, envolvendo  
aquele reconhecimento de seu caráter histórico. Para Mészáros,  
68  
Análise histórico-imanente  
entretanto, a necessária “crítica imanente” não seria suficiente para  
capturar o “quadro global”, pois:  
Se assim fosse, nesse caso, a “crítica imanente” generosamente exercida  
por Marx em pleno reconhecimento do fundamento objetivo das deter-  
minações e das notáveis conquistas científicas da economia política clás-  
sica não teria sido transformada [...] em uma crítica radical das imagens  
teóricas concebidas do ponto de vista do capital.  
A razão decisiva pela qual mesmo os clássicos da economia política tive-  
ram que ser submetidos a uma crítica radical foi que sua conformidade  
com o ponto de vista do capital necessariamente trazia consigo não ape-  
nas a “ignorância”, mas, pior do que isso, a ideológica racionalização e  
justificação com devoção às características estruturais antagônicas mais  
íntimas do modo estabelecido de controle sócio-metabólico. (Mészáros,  
2010, p. 329)  
O autor estabeleceu uma diferenciação sugestiva entre “crítica  
imanente” e “crítica radical”. Enquanto a primeira focaliza sobretudo as  
condições objetivas do pensamento econômico, como já sublinhado, a  
segunda envolveria a crítica da adesão, de amplas repercussões, da eco-  
nomia política clássica ao ponto de vista do capital e à necessidade so-  
cial de sustentação do modo de produção regulado pelo próprio capital  
como forma histórica de relação social. A “crítica radical” parece assu-  
mir a posição da “crítica ontológica” e a “crítica imanente”, a da “análise  
histórico-imanente”, ainda que esta esteja pressuposta.  
Podemos fazer diagnóstico parecido quanto à subordinação no  
exemplo do estudo a respeito das “teorias econômicas do bem-estar”  
diante das quais é admitido que a “crítica ontológica pressupõe a crítica  
dos pressupostos filosófico-teóricos” dessas teorias. Mas ela pode ir  
ainda mais longe por ser uma “crítica da realidade social que permite e  
constrói (socialmente) “falsas” teorias sobre si mesma”. Esse estudo au-  
torizou a constatação de que tais teorias escrutinadas colocam-se na  
“perspectiva liberal-conservadora” assumindo o “atomismo social, a  
naturalização do capitalismo e o proferimento abstrato de valores  
emancipatórios” (Medeiros, 2013, p. 10). Mesmo subordinada à crítica  
ontológica aqui esboçada pelo economista brasileiro, a análise histó-  
rico-imanente persiste como caminho para o escrutínio derradeiro.  
Ao lado da subordinação é possível colocar a identificação. Ela  
já foi tangenciada na terminologia anterior como “crítica imanente”.  
Chasin, como um profícuo continuador de Lukács em muitos (e não em  
69  
Determinação social do pensamento econômico  
todos) os aspectos importantes, registrou que a “crítica ontológica da  
economia política, em busca da “anatomia da sociedade civil”, leva à  
raiz, que impulsiona pelo nexo intrincado das coisas, materialmente, à  
analítica da totalidade” (Chasin, 2009, p. 77). Nessa crítica ontológica  
está estabelecida a identidade, mais do que a subordinação, uma vez  
que para o filósofo brasileiro já estavam admitidas a “análise ou crítica  
imanente e sua adequação para a leitura das formações ideais” (p. 26).  
Vale insistir que, consequentemente extraída das aquisições de Marx  
em sua transição ao materialismo, a “crítica ontológica” é a:  
investigação do ente autoposto em sua imanência, seja esse uma forma-  
ção real ou ideal; procedimento teórico – “verdadeira crítica filosófica”,  
diz Marx em que a tematização, isto é, a reprodução ideal das coisas  
[reais ou ideais] é procedida a partir delas próprias, da malha ou do aglu-  
tinado de seus nexos constitutivos, processo analítico pelo qual são des-  
vendadas e determinadas em sua gênese e necessidade próprias. (Chasin,  
2009, p. 74)  
À análise histórico-imanente identifica-se a crítica imanente, a  
crítica ontológica das formações ideais, no caso. Mas o conteúdo pro-  
priamente revela a sutileza à qual a analítica também se debruça, isto é,  
a malha própria do objeto ideológico investigado. Chasin, em comple-  
mentação, adicionou a tal crítica a problemática da gênese das forma-  
ções ideais, conforme passagem anterior. E não é por menos, pois, como  
temos insistido, os elementos já considerados e interativamente aden-  
sados a outros, que ainda aguardam nossa atenção, formam a unidade  
do método materialista, irmanados em complexas relações.  
Parece que quanto mais aprofundamos em um de seus elemen-  
tos, outros são chamados à tarefa investigativa da integralidade de uma  
formação ideal. E há um espaço de transição em que esses elementos  
não são plenamente distinguíveis, o que cria sempre dificuldades para  
uma especificação metodológica cuja importância não pode ocupar, ob-  
viamente, o lugar da própria contribuição singular do método materia-  
lista em articular tais elementos ao invés de estancá-los. No entanto,  
seguindo nosso expediente, devemos considerar a análise histórico-  
imanente, até certos limites, separadamente da crítica ontológica ou  
crítica imanente e dos demais elementos da unidade do método (como  
a análise da gênese ou da análise ontognosiológica). Queremos com isso  
analiticamente isolar e combinar o caráter imanente da análise  
70  
Análise histórico-imanente  
histórica e o caráter histórico da análise imanente, tornando explícitas  
as exigências posturais e procedimentais nesse âmbito destacado do  
método. Mesmo porque, como já está muito claro e aqui voltamos a di-  
zer, a história é fator articulador da unidade do método materialista por  
consequência da própria natureza das formações ideais como resulta-  
dos históricos.  
Assim, é forçoso reconhecer, como já dissemos, que a análise  
histórico-imanente ocupa um lugar especial na unidade do método ma-  
terialista. E não é por questões opcionais. Dado que os objetos ideoló-  
gicos que elegemos anteriormente assumem ou podem assumir a mate-  
rialização no texto, a escavação do material é condição de sua apreen-  
são, acumulando assim sucessivos movimentos de aproximação. Inici-  
almente, a imanência da análise decorre da natureza própria dos obje-  
tos ideológicos em geral e, especificamente, do pensamento econômico  
como tal objeto, como fato-doutrinário voltado para a explicação do  
funcionamento do modo de produção capitalista ao passo que procura  
influir no conjunto das decisões cotidianas emolduradas pelo conflito  
social.  
De partida, vale ter permanentemente em conta que, da ma-  
neira pela qual vimos, as formações ideais não têm história própria e  
estão em relação inquebrantável de dependência com as suas condições  
materiais. Por isso, não estamos diante de um método que “confere ao  
produto ideológico explícito, origem e desenvolvimento imanente ao  
próprio campo das ideologias” (Chasin, 1978, p. 77). Ao mesmo tempo,  
não há assento nessa sala que acomode aquele materialismo grosseiro,  
pois de tal predicação do pensamento que sabemos ser ativa não  
decorre que tais expressões objetivadas das formas de consciência “não  
se constituam em entidades específicas, com características próprias  
em cada caso” (p. 77).  
A questão nuclear, que nunca deve ser perdida de vista, é o ca-  
ráter de resposta das formações ideais que estamos considerando como  
objetos ideológicos. Vimos que o pensamento econômico está voltado,  
na qualidade de forma de consciência científica com respostas diferen-  
ciadas, às contradições e conflitos sociais que decorrem do problema  
essencial do modo de produção e distribuição da riqueza socialmente  
produzida, à explicitação de suas propriedades e funcionamento. As in-  
flexões societais, as posições dos intelectuais no conflito,  
71  
o
Determinação social do pensamento econômico  
desenvolvimento das forças produtivas etc., exigem e afetam as respos-  
tas oferecidas, os meios de enfrentamento de tais contradições. Por isso,  
qualquer pensamento econômico tornar-se-ia incompreensível sem o  
“reconhecimento dessas forças motrizes primárias” (Lukács, 2020, p.  
9) permanentemente consideradas na análise imanente e que também,  
por isso mesmo, é histórica; uma análise, pois, histórico-imanente.  
Diante dessa natureza própria da coisa histórica em si mesma,  
a análise histórico-imanente não é um elemento metodológico como  
outro qualquer. Ao assumir seus “atributos científicos” por correspon-  
der à natureza da coisa investigada, ela contém posição que rejeita a  
“ideia de que os métodos se equivalem, de que se equilibram entre si  
seus valores e possiblidades analíticas”. Recusa-se, pois, o “ecletismo  
que busca justamente sua força no aditar de coisas insomáveis e cami-  
nha levianamente ao arrepio da lógica e dos princípios em nome de um  
antiortodoxismo que não é mais do que o dogmatismo do descompro-  
misso prático e científico” (Chasin, 1978, p. 61). Não se confunde com  
outras abordagens que também têm no texto seu objeto primário, so-  
bretudo aquelas que se armam no entorno da hodiernamente chamada  
“discursividade” no sentido mais abrangente que este termo alcança,  
inclusive suas celebradas tecnicidades analíticas. Por mais úteis que al-  
gumas técnicas e tecnologias possam ser em termos auxiliares em cer-  
tos procedimentos, não há qualquer identidade possível uma vez que a  
análise histórico-imanente envolve não apenas certos procedimentos  
especiais próprios como também, e igualmente importante, faz exigên-  
cia de postura investigativa que remete aos traços mais essenciais do  
método materialista.  
Postura e procedimentos são frequentemente tomados, na tra-  
dição materialista, em uma única figura. Há ganhos analíticos, entre-  
tanto, na distinção ponderada entre eles.  
Já dissemos algo a respeito das diferenças e semelhanças entre  
o “objeto real” e o “objeto ideológico”. Sugerimos que o estudo das for-  
mações ideais não pode prescindir, como já referido, daquilo que Marx  
denominou por “força da abstração”, isto é, a postura de subordinação  
ativa da cognição à coisa investigada. Nos termos que utilizamos para  
sublinhar essa postura, destacamos que a “consciência ativa procura  
exercer os atos cognitivos na deliberada subsunção, criticamente mo-  
dulada, aos complexos efetivos”, isto é, tanto “às coisas reais” quanto às  
72  
Análise histórico-imanente  
“ideias” (Chasin, 2009, p. 58). Nesse plano geral do método, vale a  
mesma postura investigativa para ambas as coisas (reais e ideais), pois  
a força da abstração é “força essencial de apropriação peculiar dos ob-  
jetos, que se realiza de acordo com sua natureza e com a natureza do  
objeto” (p. 123). Diante do objeto ideal que nos interessa, performa-se,  
em termos procedimentais, uma apropriação das propriedades ima-  
nentes ao objeto investigado. Reconhecer o objeto ideológico como exis-  
tente em si para que seja escavado. Escavá-lo para extrair as proprieda-  
des do próprio objeto sob análise. Extrair tais propriedades que sabe-  
mos, de antemão, serem produtos históricos correspondentes a condi-  
ções materiais particulares.  
Essa colocação geral remete, de início, à postura investigativa.  
Ela engloba tanto princípios orientadores gerais quanto o modo. Dado  
que importam as propriedades do objeto ideológico, a exigência de par-  
tida é, na decidida “submissão ativa do sujeito à lógica intrínseca do ob-  
jeto” (Vaisman; Alves, 2009, p. 16), exercitar postura investigativa de  
“confronto leal e honesto com os textos” (Vaisman, 2021, p. 285). Para  
dominar e extrair, é necessária a deliberada submissão ativa da cogni-  
ção ao fato-doutrinário. Sua qualidade se expressa na exigência de con-  
trole da subjetividade modulada pela própria coisa. Em outras palavras,  
tem lugar a exigência de  
propulsão categórica à objetividade, a intentio recta de apreender o texto  
na forma própria à objetividade de seu discurso enquanto discurso, ou  
seja, na efetividade de uma entificação peculiar, cuja identidade é resul-  
tante da síntese de suas imanentes e múltiplas determinações ideais.  
(Chasin, 2009, p. 25)  
O divergente a isso se mostra em outras tendências analíticas.  
Podemos citar alguns casos.  
A análise histórico-imanente difere da notória “leitura estrutu-  
ral”, cujo limite é meramente “ressaltar a estrutura de uma argumenta-  
ção, mostrando como se avança dos princípios às teses de acordo com  
uma ordem de razões, uma argumentação” (Fleck, 2019, p. 356). O ca-  
ráter do pensamento como predicação ativa é integralmente riscado,  
pois nessa “leitura estrutural” deve-se “deixar de lado os conhecimentos  
externos (sobre a situação política, social e mesmo intelectual existente  
no momento de gestação das ideias inquiridas)” (p. 356). A “leitura es-  
trutural” tem certo ímpeto de “combater tanto as interpretações  
73  
Determinação social do pensamento econômico  
genéticas dos textos filosóficos, uma forma de pesquisa que tem por ob-  
jetivo a descoberta de sua origem, seja ela histórica, social ou psicoló-  
gica (e que não seria, por isso, propriamente filosófica), quanto as in-  
terpretações dogmáticas, as quais pecariam por não serem científicas  
na medida em que se posicionavam frente a questão da verdade mate-  
rial da doutrina examinada” (Fleck, 2019, p. 353). No método materia-  
lista, mesmo que possamos distinguir, como aqui fazemos, o estudo ge-  
nético das formas de pensamento e a análise histórico-imanente, já dis-  
semos e voltaremos a destacar que são elementos relacionados na uni-  
dade do método e, portanto, mutuamente beneficiados. Isso vale tam-  
bém para a distinção e mútuo relacionamento na unidade do método  
materialista entre a análise histórico-imanente e a análise ontognosio-  
lógica em que a segunda procura estabelecer a objetividade científica  
das formas de pensamento. A “leitura estrutural” mostra-se, pois, com-  
parativamente limitante e parece ser considerada à revelia da natureza  
histórica de seus objetos.  
Da mesma forma, a análise histórico-imanente difere da “lei-  
tura sintomal” de acepção althusseriana e inspiração freudiana, que se  
“restringe à estrutura intratextual do discurso, “autonomizada” de seu  
“referente”, isto é, a realidade capitalista, apresentando-se como ins-  
crita no interior dos mais altos padrões de um rigorosismo linguístico”  
(Vaisman, 2006, p. 251) e fixando-se “no universo obliterante do visível  
e do invisível do enunciado” (p. 252). Distancia-se, pois, de qualquer  
possiblidade de “reconhecimento dessas forças motrizes primárias” in-  
contornável para a análise histórico-imanente no método materialista.  
Por fim, porém decisivas, estão as distâncias estabelecidas pe-  
las “hermenêuticas em voga” que “imputam ao texto vivências de ordem  
subjetiva por parte do leitor” (Vaisman, 2021, p. 285) e pela “debilidade  
intrínseca à especulação racionalista autorreferida” (Chasin, 2009, p.  
25). Colocada de modo consequente, a análise histórico-imanente:  
encara o texto a formação ideal em sua consistência autossignifica-  
tiva, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto  
positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e su-  
ficiências, como também as eventuais lacunas e incongruências que o  
perfaçam. (Chasin, 2009, p. 25-26)  
Diante da formação ideal, qualquer que seja, exige-se postura  
investigativa que “respeite a trama interna de suas articulações, de  
74  
Análise histórico-imanente  
modo que fique revelado objetivamente seu perfil de conteúdos e a  
forma pela qual eles se estruturam e afirmam” (Chasin, 1978, p. 77)  
como condição para “determinar sua efetiva natureza” (p. 23). No  
mesmo diapasão, podemos admitir a “atitude de respeito ao texto, em  
que o intérprete se subordina ao sentido nele existente objetivamente”  
(Vaisman; Fortes, 2020, p. xi-xii). Aqui, como em qualquer lugar dos  
estudos dessa natureza, a postura não é outra senão aquela do “pensa-  
mento de rigor” que procura apreender a “lógica intrínseca ao objeto  
investigado” (Chasin, 2009, p. 90). Não é uma tarefa que colocaria de  
lado energia e rigor. Menor esforço é exigido na atribuição ao objeto  
ideológico investigado aquilo que “subjetivamente o intérprete é capaz  
de formular, à revelia da própria tessitura significativa presente no es-  
crito” (Vaisman; Fortes, 2020, p. xi-xii). E nunca parece ser demasiado  
insistir nesse ângulo da postura de rigor na análise histórico-imanente.  
Dessa postura decorre procedimento para a execução propria-  
mente dita da análise histórico-imanente. De início, não há outro cami-  
nho senão o do confronto aberto, direto e, pelo menos primariamente,  
sem mediações ou instrumentos prévios. Trata-se de posicionamento  
semelhante ao estudo dos “objetos reais”. Na investigação dos objetos  
ideológicos o caminho também é o do “enfrentamento do indivíduo do-  
tado de forças sociais de apropriação do mundo sem a interposição de  
qualquer critério ou instrumento ideal, prévio, que o organiza para a  
tarefa em tela” (Vaisman; Alves, 2009, p. 15).  
Assim se iniciam as aproximações sucessivas do material que  
podem, obviamente, passar a requerer instrumentos auxiliares. Como  
qualquer outra técnica, diferentes dispositivos tecnológicos podem ser  
úteis ao registro, contagem, comparações etc., nunca, porém, destro-  
nando o embate direto entre o analista e o objeto ideológico. Assim, o  
procedimento aproximativo é a escavação propriamente dita, “orde-  
nando o material recolhido na marcha da investigação efetiva, no corpo  
a corpo” (Vaisman; Alves, 2009, p. 16) com o objeto ideológico. Esse  
movimento de aproximação, como vimos, visa “reproduzir pelo interior  
mesmo” do objeto sob análise, exigindo “procedimento, pois, que ad-  
quire articulação e identidade pela condução ininterrupta de uma ana-  
lítica matrizada pelo respeito radical à estrutura e à lógica inerente”  
(Chasin, 2009, p. 25). Sublinhou Engels (2017, p. 49) certa vez que  
“quando alguém quer ocupar-se com questões científicas, esse alguém  
75  
Determinação social do pensamento econômico  
tem de aprender, em primeiro lugar, a lidar corretamente com os escri-  
tos que se pretende empregar, lendo-os tal como o autor os escreveu e,  
acima de tudo, sem lhes imputar coisas que ali não constam”. Portanto,  
o procedimento deve ser capaz de “identificar a estrutura categorial das  
obras” (Vaisman; Fortes, 2020, p. xi-xii), de reproduzir tal estrutura.  
Assim, em termos gerais e considerando a variação das proble-  
máticas específicas de pesquisa, todo o procedimental aproximativo  
tem por guia a determinação da natureza da formação ideal, sendo ca-  
paz de, ao tomar o discurso como evidência do problema e não como  
critério de verdade, identificar os argumentos, os propósitos, os funda-  
mentos, as tendências, indo mesmo além daquilo que o autor ou autores  
dizem de si próprios. O próprio Marx nutria dúvidas em sua disserta-  
ção, como vimos, se de fato “eles se conhecem a si mesmos”. Anos de-  
pois escreveu que “não se julga o que um indivíduo é a partir do julga-  
mento que ele se faz de si mesmo” (Marx, 1974, p. 136). A análise em  
tela ultrapassa as camadas mais aparentes do próprio objeto analisado.  
Dado que os objetos ideológicos decorrem de condições mate-  
riais particulares, a escavação não se limita obviamente à endogenia do  
texto, que de resto não existe por si mesma, e expõe as correspondentes  
“forças motrizes primárias” e municia outras análises relacionadas,  
como vimos anteriormente, quanto à delimitação do objeto ideológico,  
mas também aquelas análises, sobre as quais ainda discorremos, ati-  
nentes à gênese, à eficácia e à objetividade científica do pensamento  
econômico como forma de consciência científica. Quanto mais aprofun-  
damos no corte histórico da análise, mais somos levados ao encontro  
desses outros elementos componentes da unidade do método. A análise  
histórico-imanente é uma condição, por exemplo, para a gradativa es-  
pecificação analítica da missão (necessidade) social de uma formação  
ideal tendo por referência tais forças motrizes dada a sabida predicação  
ativa do pensamento em relação às condições materiais. É também con-  
dição para a análise da gênese, mas ao mesmo tempo esta análise é cada  
vez mais requerida com o desdobramento da análise histórico-ima-  
nente.  
Em suma, identificamos importantes aspectos gerais quanto à  
postura de enfrentamento direto, de subordinação ativa da cognição ao  
objeto, às suas propriedades imanentes e históricas, com procedimen-  
tos que removem camadas sobrepostas por meio de aproximações, que  
76  
Análise histórico-imanente  
extraem o sentido objetivo em seus pormenores, efetivando ordena-  
mentos, comparações, especificações, articulações etc. Esses elementos  
referentes à postura e aos procedimentos trazem duas outras questões  
relevantes e, como de praxe, relacionadas: o problema da verdade e o  
das provas.  
As tendências opostas à análise histórico-imanente, nas quais é  
praticada a atribuição subjetiva por parte do analista ao objeto ideoló-  
gico, estão sempre inclinadas a admitir a “equivalência das várias inter-  
pretações ou operações hermenêuticas, uma vez que a questão da ver-  
dade sobre o objeto em exame está totalmente afastada do âmbito da  
investigação” (Vaisman; Alves, 2009, p. 8). O relativismo assume mui-  
tas formas, inclusive aquelas mais comuns ao perspectivismo em que  
todos os “pontos de vista” são equalizados uma vez que seriam nada  
mais do que são. Não haveria critério capaz de auxiliar na decisão  
quanto ao rigor da análise, à qualidade da reprodução das propriedades  
do objeto ideológico sob análise. Não devemos confundir nesse mo-  
mento o problema da verdade do texto com o problema da objetividade  
científica na análise ontognosiológica a ser tratada em outro capítulo.  
Aqui a questão é admitir que “mesmo se todo observador fosse incapaz  
de entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados  
destes não deixariam, por isso, de existir” (Chasin, 2009, p. 26). A ques-  
tão decisiva não é decidir se uma justa interpretação é possível, se exis-  
tem condições de reprodução correta da lógica do texto, da determina-  
ção de sua natureza. O problema da maior importância reside no fato  
de que a cientificidade da análise é uma resultante histórica das condi-  
ções objetivas e subjetivas que facultam ou obstruem a objetividade da  
análise, a identificação da estrutura categorial dos objetos analisados, o  
estabelecimento da natureza imanente-histórica dessas formações ide-  
ais.  
Disso resulta o incontornável exercício das provas na forma ex-  
positiva dos resultados produzidos pela análise histórico-imanente.  
Contrariamente às tendências contemporâneas para as quais o rigor  
não é decisivo, a demonstração das provas na tradição materialista é  
condição. A análise rigorosa não é opcional. Em nome de alegadas “es-  
tética”, “fluidez” e “economia”, a recomendação amplamente difundida  
hodiernamente sugere evitar citações diretas como se isso fosse o pro-  
blema a ser evitado. Perde-se totalmente de vista que o problema é a  
77  
Determinação social do pensamento econômico  
inteira secundarização da exigência de rigor em nome daquele já de-  
nunciado antidogmatismo como escudo do ecletismo. Mesmo quando  
o público é composto de versados no assunto, não está dispensada  
aquela exigência. No método materialista não é autorizada, pois, qual-  
quer fuga diante da “necessidade de provas” (Lukács, 2020, p. 11). É  
exigência postural e procedimental, tanto para a investigação quanto  
para e exposição. A extensão da demonstração depende do material e  
da problemática que o envolvem, como é claro. Em muitos casos essa  
extensão cobra esforço do leitor e pode desafiar seu interesse no as-  
sunto. Não é que se deva, entretanto, descuidar da forma expositiva,  
optando sempre pelo excesso como virtude. Mas a coleção de provas  
apresentadas na exposição “não se trata de simples alinhavo de pará-  
frases ou de atulhamento do escrito com citações em grande quanti-  
dade, enumeradas acriteriosamente pelo intérprete de acordo com suas  
próprias crenças e convicções” (Vaisman; Fortes, 2020, p. xi-xii). Trata-  
se do manejo das provas exigido na atividade científica em geral e que  
ganha peso arqueador para a investigação científico-filosófica dos obje-  
tos ideológicos e especialmente para a exposição de seus resultados. De  
modo cabal, a exposição das provas fornece o critério para a avaliação  
da compreensão, pois “antes de interpretar ou criticar é incontornavel-  
mente necessário compreender e fazer prova de haver compreendido”  
(Chasin, 2009, p. 25).  
Cabe dizer, como desfecho, que a análise histórico-imanente  
não começa do nada. Seu ponto de partida metodológico já é dado na  
fundamentação do método materialista, isto é, na predicação ativa do  
pensamento como objeto ideológico, de natureza histórica, genetica-  
mente dependente de condições materiais particulares e sobre as quais  
eventualmente deságua. A escavação imanente desse objeto ideológico  
reforça tais fundamentos, uma vez que eles próprios não foram alcan-  
çados numa bela manhã de domingo, após o voo da coruja de Minerva.  
A própria análise histórica desses objetos, remetendo-os às forças pri-  
márias por necessidade da própria coisa sob análise, trilhou o caminho  
àquela fundamentação. E a análise desse tipo necessariamente aponta,  
dadas as reciprocidades entre os elementos da unidade desse método,  
para o procedimento genético das formações ideais.  
78  
V
Análise da gênese  
A tendência mais presente quando o assunto é a origem das  
ideias, incluindo as novas, é relacioná-las às ideias precedentes. Schum-  
peter (1954) é emblemático sobre isso, uma vez que, para ele, as ideias  
econômicas decorrem sempre das ideias econômicas anteriores, susten-  
tando que o fator explicativo para certo avanço ou paralisia da circula-  
ção de novas ideias não é outra coisa senão o clima intelectual dos paí-  
ses. Mesmo recentemente essa tônica se mantém no exemplo de Arias  
(2023) em La génesis de la teoría económica contemporánea, em que  
as teorias são apreendidas como desdobramentos intelectuais rivais.  
Essa tendência também aparece entre autores marxistas, embora con-  
catenada a outras considerações. Dobb (1977), por exemplo, não obs-  
tante a clareza de considerar que tanto as ideias precedentes quanto as  
condições histórico-concretas exercem influências, pendeu para a pri-  
meira dessas forças como alvo analítico.  
Tanto no marxismo quanto fora dele, essa tendência parece ser  
explicada primariamente pelo peso do próprio objeto ideológico. Em  
outras palavras, o estudo do pensamento econômico, dada sua natureza  
teórica e em disputa entre diferentes correntes, coloca em primeiro  
plano os enunciados referenciados em teorias mutualmente rivais. O  
analista é, assim, mais assediado pelos aspectos lógicos internos das  
ideias que se desdobrariam, à primeira vista, como reações a outras  
ideias relativamente divergentes.  
Diante dessa tendência predominante, e dos nossos interesses  
marcadamente materialistas, é decisivo ter de partida o enraizamento  
do pensamento econômico nas condições históricas particulares. Dife-  
rentes fatores, inclusive as ideias anteriores e/ou divergentes, estão em  
Determinação social do pensamento econômico  
complexo relacionamento nessas condições, como já dissemos e volta-  
remos a afirmar outras vezes neste livro. E isso se dá de tal maneira que  
é exigência reconhecer, com base em um materialismo consequente,  
que o “mundo das formas de consciência e seus conteúdos não é visto  
como produto imediato da estrutura econômica, mas da totalidade do  
ser social” (Lukács, 2012, p. 308). Por isso, não se ignora a influência  
das ideias de gerações anteriores. Na verdade, frequentemente os auto-  
res apoiam-se:  
nos resultados e métodos daqueles pensadores do passado imediato ou  
remoto que se expressaram na mesma linha de pensamento a que estão  
voltados e cujas ideias são tidas por eles como essenciais. Tanto mais por-  
que as condições sociais sob as quais surgem a colocação de problemas e  
os métodos [...], em que pesem as mudanças não raro qualitativas ,  
acabam por apresentar certa continuidade, a qual, naturalmente, tem de  
se refletir no plano ideológico [das formas de consciência]. (Lukács,  
2020, p. 352)  
Como se vê, nem de longe pode ser considerado algo de menor  
importância. Temos muitos exemplos disso e especialmente interessan-  
tes aos nossos propósitos quando reconhecemos que importantes dis-  
putas nesse plano intelectual também respondem aos conflitos essenci-  
ais aos quais tais formas de consciência respondem. Nessa direção, não  
é improcedente ligar a chamada “revolução marginalista” aos conflitos  
classistas do século XIX e que foram espelhados de formas variadas. As  
figuras de Jevons e de seus continuadores são ilustrativas. Wesley Mit-  
chell retomou aquele ângulo, já muito conhecido nessa tradição, se-  
gundo o qual a “liberalização” do funcionamento dos mercados seria,  
“do ponto de vista do bem-estar econômico, o método mais vantajoso  
de organizar os esforços humanos”. Parece, disse o autor, que “esse tipo  
de análise tem sido empregado especificamente para esse fim”, isto é,  
com o propósito (ou missão social, conforme ainda trataremos) de  
apresentar o mecanismo de livre mercado como superior, cujo funcio-  
namento deveria ser isento de interferências consideradas desviantes.  
A questão é que essa defesa foi erigida especialmente em um contexto  
de ataques às contradições da economia capitalista. Mitchell, que não  
pode ser confundido com um marxista, considerou o seguinte:  
Penso que ninguém pode ler os escritores austríacos, cujo esquema geral  
de desenvolvimento era muito semelhante ao de Jevons, sem sentir que  
eles estão interessados em desenvolver o conceito do máximo de  
80  
Análise da gênese  
utilidade em grande parte porque pensavam que ele respondia à crítica  
socialista de Karl Marx à moderna organização econômica. Pareceu, pelo  
menos à primeira vista, mostrar que, afinal, enquanto reprimimos a in-  
terferência na concorrência, estamos obtendo o que é teoricamente a me-  
lhor organização possível da sociedade quando deixamos cada um perfei-  
tamente livre para tomar suas próprias decisões. (Mitchell, 1935/1949, p.  
40-41)  
As ideias pregressas jogam papel relevante e em muitas dire-  
ções, tanto no sentido anteriormente dado por Lukács, em uma linha de  
continuidade, quanto em direção diversa, no sentido reativo e em opo-  
sição, como no exemplo do marginalismo em relação ao marxismo. É  
preciso observar, entretanto, que essa ocorrência no plano intelectual  
tem as condições objetivas ao fundo e as circunstâncias conflitivas delas  
ensejadas. Não é algo puro do plano teórico, uma força intrínseca da  
teoria ou uma lógica própria das formas de consciência científicas. Por  
esse motivo mesmo, é do interesse do método materialista desvendar  
as condições essenciais da continuidade e da disputa. Sem desconside-  
rar as ideias pregressas, circulantes e muitas vezes contrastantes, trata-  
se de remeter o pensamento às suas condições de existência fundamen-  
tais. Constitui tendência interna ao próprio materialismo em tela, aliás  
como uma de suas tarefas essenciais, debruçar-se sobre o pensamento  
por meio de uma “análise histórico-teórica da gênese” (Lukács, 2013, p.  
573). Nessa direção, a preocupação premente focaliza tais condições  
históricas essenciais que formam a base direta ou indireta para o des-  
dobramento das formas de consciência científica, sobretudo na figura  
do pensamento econômico para o qual estamos voltados neste livro.  
Mesmo porque, no tratamento que Marx legou, vemos que as “condi-  
ções de possibilidade tanto dos primórdios quanto do desenvolvimento  
e dissolução da econômica clássica, que redundou na emergência da  
economia vulgar, foram engendradas no interior de clivagens decisivas  
no plano histórico-social real” (Vaisman, 1996, p. 230).  
Com efeito, o primeiro aspecto importante aos nossos propósi-  
tos é a distinção já por nós considerada anteriormente entre a estrutura  
econômica, a superestrutura jurídica e política e formas sociais de cons-  
ciência, uma vez que o “modo de produção da vida material condiciona  
o processo em geral da vida social, político e espiritual” (Marx, 1974, p.  
136). O sublinhado que demos, e que aqui ganha as mesmas tintas, des-  
taca o caráter condicionado do “processo espiritual” em que o  
81  
Determinação social do pensamento econômico  
pensamento econômico é elemento constitutivo. O pensamento econô-  
mico aparece, nesses termos, como forma social de consciência produ-  
zida por condições da vida material, uma forma de consciência cientí-  
fica que, bem-sucedida ou não sob certas circunstâncias, procura ex-  
plicar “como se produz” a riqueza no interior e sob a forma das “relações  
da produção burguesa”, debruçando-se, com ou sem admissão por  
parte de seus mais importantes protagonistas, sobre “a vida ativa e atu-  
ante dos homens” (Marx, 1985a, p. 102), como vimos anteriormente.  
São os homens ativos e atuantes estabelecem os “princípios, as ideias,  
as categorias de acordo com as suas relações sociais” (p. 106). Dessa  
maneira, as “categorias econômicas são expressões teóricas, abstrações  
das relações sociais de produção”; elas “são tão pouco eternas quanto  
as relações que exprimem. Elas são produtos históricos e transitórios”  
(p. 106). O pensamento econômico tem, em tais categorias socialmente  
postas, o material de suas elaborações com variados graus de objetivi-  
dade científica.  
Não por menos, o reconhecimento de que o pensamento econô-  
mico responde a forças condicionantes essenciais tem sido sublinhado  
com vigor na tradição marxista. Ao referirem-se a à “teoria da utilidade”  
e sua ligação com a “ciência econômica”, Marx e Engels fizeram um re-  
gistro exemplar dessa questão. Disseram eles que:  
A aparente tolice que consiste em reduzir todas as múltiplas relações dos  
indivíduos entre si a uma única relação de prestabilidade, essa aparente  
abstração metafísica deriva de que no interior da moderna sociedade bur-  
guesa todas as relações são praticamente subsumidas a uma única e abs-  
trata relação monetária e de regateio. Tal teoria surgiu com Hobbes e  
Locke, simultaneamente à primeira e à segunda Revolução inglesa, com  
os primeiros golpes pelos quais a burguesia conquistou poder político  
para si. Naturalmente ela já era, antes, um pressuposto tácito para os es-  
critores de economia. A ciência própria dessa teoria da utilidade é a eco-  
nomia; com os fisiocratas, ela recebe o seu verdadeiro conteúdo, pois fo-  
ram eles que, pela primeira vez, sintetizaram a economia de forma siste-  
mática. (Marx; Engels, 2007, p. 395)  
Essa “ciência econômica” sistematizada pelos fisiocratas, ou  
essa economia política nascente, teve como elemento, ainda que tácito,  
uma “teoria da utilidade” que não tem outro pressuposto essencial se-  
não a objetividade de uma subsunção das relações sociais à “relação  
monetária e de regateio” que demarca historicamente a “moderna soci-  
edade burguesa”. No fundamento está a progressiva generalização da  
82  
Análise da gênese  
produção de mercadorias em contraste com a feudalidade. Aqui vale o  
destaque do caráter derivado dessa teoria que, de resto, também revela  
que a própria economia política é, como tal, um produto das condições  
objetivas presentes aos fisiocratas. Vale mesmo dizer que os “acertos e  
desacertos da teoria fisiocrática não provêm simplesmente da maior ou  
menor acuidade intelectual de seus representantes, mas derivam das  
características do momento e do lugar histórico-sociais no interior dos  
quais ela é formulada” (Vaisman, 1996, p. 208-209).  
A análise da gênese também pode envolver, por exemplo, um  
“trabalho comparativo sobre os escritos e personalidades de Petty e  
Boisguillebert”, trabalho ainda a ser realizado que, “além de destacar os  
antagonismos sociais da Inglaterra e da França no final do século XVII  
e início do século XVIII, poderia ser a exposição genética do contraste  
nacional entre a economia política inglesa e francesa” (Marx, 1961, p.  
37-38). Assim, é possível considerar geneticamente expressões variadas  
do pensamento econômico, incluindo tanto uma teoria específica  
quanto aquela ciência econômica em geral que a mobiliza. Nessa última  
direção, Engels (2015) registrou que a “economia política no sentido es-  
trito, na formulação positiva que lhe foi dada pelos fisiocratas e por  
Adam Smith, é essencialmente filha do século XVIII”. Em contraditori-  
edade ao modo como foi apreendida por seus protagonistas, essa “nova  
ciência” só pode ser corretamente entendida “como expressão das con-  
dições e das necessidades de sua época” e não “como expressão da razão  
eterna”. Ao invés de admitir que as “leis da produção e da troca” se apre-  
sentavam como “leis de uma forma historicamente determinada daque-  
las atividades” econômicas, sustentaram como fossem “leis eternas da  
natureza; eles as derivaram da [suposta] natureza do ser humano”, ig-  
norando “as condições historicamente determinadas daquela época” (p.  
181). É possível que o caráter de transição tenha ofuscado as possibili-  
dades científicas envolvidas. Mas é inegável que as condições gerais do  
capitalismo em desenvolvimento ajudaram a “economia a nascer como  
ciência, mas só quando a produção capitalista já existia e se aproximava  
espontaneamente do predomínio” (Lukács, 2010, p. 324).  
Não é demais enfatizar esse ponto tão importante da gênese.  
Dobb, por exemplo, considerou que na história do pensamento econô-  
mico “há provas abundantes do condicionamento histórico da teoria  
econômica” (1977, p. 27). Esteve interessado no “como e porquê”, isto  
83  
Determinação social do pensamento econômico  
é, a “forma e os modos deste condicionamento social e histórico” (p.  
28), embora seja discutível que o autor inglês tenha sido bem-sucedido.  
Não obstante, insistiu haver “uma explicação sócio-histórica para o apa-  
recimento duma certa aproximação [teórica da realidade] num deter-  
minado momento” (p. 31). De maneira similar, Rubin sublinhou que as  
“ideias econômicas não nascem num vácuo. Frequentemente, elas de-  
correm diretamente da agitação e da luta dos conflitos sociais, sobre o  
terreno de batalha entre diferentes classes sociais” (1979, p. 9).  
Nesse diapasão, comparece na história do marxismo as preocu-  
pações com expressões mais específicas do pensamento econômico. O  
desenvolvimento da escola histórica e da escola austríaca, por exemplo,  
já foi alvo de considerações a propósito do procedimento genético. Res-  
tou sugerido que a escola histórica “surgiu como uma reação ao “cos-  
mopolitismo” e “perpetualismo” dos economistas clássicos” (Bukharin,  
1927, p. 18) em uma Alemanha em progressivo avanço do modo de pro-  
dução capitalista e desenvolvimento de suas classes dominantes, como  
uma espécie de “expressão ideológica desse processo de crescimento da  
burguesia alemã, temerosa com a competição inglesa e demandante  
portanto de proteção para as indústrias nacionais” (p. 18-19). Por sua  
vez, a escola austríaca teria por campo predominantemente o desenvol-  
vimento da “circulação dos papéis financeiros – o Mercado de Ações”  
(p. 25), configurando-se como uma espécie de “consciência social do  
rentista” (p. 28). Há muitos outros exemplos possíveis, como Dobb  
(1932; 1937; 2012) a respeito do marginalismo apreendido na qualidade  
de desdobramento da tendência da economia vulgar identificada por  
Marx como forma de pensamento econômico limitado à análise das for-  
mas superficiais das trocas abstraindo as relações de produção. Desta-  
cam-se também as análises de Lange (1963) a respeito da chamada “ori-  
entação subjetivista” da já referida “escola histórica” e do keynesia-  
nismo. Nesse último caso, as chamadas teorias do “bem-estar social”  
também já foram objeto de considerações genéticas importantes (Me-  
deiros, 2013). Vemos, pois, que não é algo menor e esporádico.  
Entretanto, a conquista realizada pelo materialismo a respeito  
do caráter histórico das formas de pensamento serviu a muitos propó-  
sitos, incluindo os de reação contra o próprio materialismo. Esse é o  
caso, por exemplo, da sociologia do conhecimento de Mannheim que  
marcou uma linha geral de muita influência, inclusive no Brasil, em que  
84  
Análise da gênese  
se exaltam as “visões de mundo” relativas a contextos específicos, os co-  
existentes e imponderáveis “pontos-de-vista parciais” (Mannheim,  
1968, p. 275-6). Curiosamente inspirado por Marx e Lukács em parte,  
também enfatizou o peso das “circunstâncias” para explicação do pen-  
samento. Há o reconhecimento de que o pensamento não é indepen-  
dente da “existência” (Mannheim, 1968, p. 324). Disso resultou, em  
seus termos, a procura por uma “teoria da determinação social ou exis-  
tencial do pensamento efetivo” (p. 288), uma teoria que explicasse a  
“influência desses fatores existenciais sobre o conteúdo concreto do co-  
nhecimento” (p. 289). Nessa sociologia, foi persistente o destaque se-  
gundo o qual “as condições de existência afetam não somente a gênese  
histórica das ideias, mas constituem uma parte essencial dos produtos  
do pensamento e se fazem sentir em seu conteúdo e forma” (p. 300).  
Houve repercussões disso no exemplo de que certas ideias econômicas  
somente podem ser avaliadas à luz das circunstâncias muito específicas  
com as quais se relacionavam (ou, eram relativas a elas) e para as quais  
estavam corretas, perdendo essa correção na medida da modificação  
das circunstâncias (Stark, 1944). Outras reverberações assemelhadas  
seguem operando mais recentemente (e.g. Repapis, 2021).  
Não é lugar para longa avaliação dessa sociologia em contra-  
pondo ao método materialista que estamos desenvolvendo, bastando  
registrar, tendo em vista os atuais propósitos, que a mera indicação de  
que as “condições de existência” ou “fatores existenciais afetam o pen-  
samento” não é garantia de exclusão dos riscos do “relativismo” (aqui  
no sentido da indeterminação) presentes na derradeira imponderabili-  
dade das “visões de mundo” coexistentes. Há, pois, um alerta para a  
pesquisa da história do pensamento econômico por via do método ma-  
terialista especialmente em razão da influência que a sociologia do co-  
nhecimento parece ter conquistado também nessa seara.  
Essa observação tem especial significado para o tratamento adi-  
ante no capítulo dedicado à análise ontognosiológica. Mas não poderí-  
amos deixar de registrar certo aspecto dessa observação uma vez que  
pelo menos parte dela tangencia a questão da gênese do pensamento  
econômico. Temos em mente a influência que a sociologia do conheci-  
mento fez soar ao fundo de uma espécie de reação à tendência do posi-  
tivismo como posição dominante no campo da história do pensamento  
econômico. Essa reação ganhou muitos nomes também no Brasil, entre  
85  
Determinação social do pensamento econômico  
os quais destacou-se a denominada “perspectiva crítica” (Ganem, 2011;  
Tolipan, 1996/2019) com a qual mantiveram ligações alguns estudos de  
declarada inspiração marxista (Malta, 2011, Curty; Malta, 2022).  
Trata-se de uma posição que ecoou ativamente muitas críticas  
já acumuladas à proposição de Schumpeter (1955/2006) que, resistente  
à passagem do tempo, sustentou certa linha do pensamento econômico,  
a “análise econômica” voltada ao método formal de estudo econômico,  
como uma espécie de “consciência pura” por estar alegadamente blin-  
dada dos condicionantes históricos, políticos etc. Aquela “perspectiva  
crítica” é defesa explícita do pluralismo diante do chamado mainstream  
no território em tela, pois uma história do pensamento econômico nesse  
sentido, “além de estabelecer um movimento das ideias com os fatos  
históricos deve ser entendida como um combate de ideias, eminente-  
mente plural e conflitivo, o espaço da controvérsia, o espaço da liber-  
dade” (Ganem, 2011, p. 55). Nessa direção, a “crítica refuta a ideia da  
história do progresso científico como um processo acumulativo linear  
que nos leva inexoravelmente a uma verdade absoluta em que o atual  
estágio do desenvolvimento teórico da ciência econômica estaria ates-  
tado pelos últimos avanços modelísticos e matemáticos do mains-  
tream” (Ganem, 2011, p. 55). Essa mesma questão já fora enfatizada,  
admitindo-se existir um “mito do progresso do conhecimento”, cujo cri-  
tério essencial seria o “binômio verdade-erro” (Tolipan, 1996/2019, p.  
149).  
Certamente é uma questão à qual voltaremos, como dito. É pos-  
sível apenas antecipar rapidamente que tais fundamentos da “perspec-  
tiva crítica” arcam com alguns tributos não declarados (e talvez não to-  
talmente deliberados) àquele relativismo da sociologia do conheci-  
mento em meio à defesa explícita do pluralismo diante do mainstream.  
Essas duas questões, na verdade, imbicam-se de tal maneira que a rea-  
ção ao positivismo parece ser a afirmação do relativismo daquela soci-  
ologia. Vemos isso no fato de que reconhecem a dependência do pensa-  
mento econômico diante das condições reais ao mesmo tempo em que  
animam uma reação romântica às tendências positivistas do mains-  
tream ao abdicar da necessidade de conhecer a diferença entre o falso  
e o verdadeiro, diferença que não pode ser abortada da tarefa filosófico-  
científica.  
86  
Análise da gênese  
O problema é ainda maior dadas as ligações que alguns estudos  
marxistas mantiveram com a “perspectiva crítica” aludida. Produz-se  
uma contradição insolúvel, uma vez que a posição inadvertidamente  
aderente à tendência cético-relativista nega as aspirações de objetivi-  
dade científica e o reconhecimento de que, em certas condições históri-  
cas, são registrados efetivos avanços, inclusive pelo pensamento econô-  
mico. Abandona-se, assim, a possibilidade do estabelecimento da ver-  
dade objetiva cara, no entanto, aos fundamentos materialistas, como  
demonstrado extensivamente por Schaff (1991). Esse problema da ob-  
jetividade também está posto na própria análise da gênese, no estabe-  
lecimento da natureza de uma forma de consciência social, da determi-  
nação mais aproximada possível de suas condições histórico-concretas  
de possibilidade. Por isso, torna-se incontornável sopesar aquela reação  
ao positivismo, despindo-a de qualquer inclinação romântica. Como  
compatibilizar, por exemplo, essa reação romântica com as notas de  
Marx (1974) acerca da história da análise da mercadoria que teria en-  
contrado em Ricardo um cume alto de desenvolvimento da economia  
política clássica, em que a verdade da determinação do valor foi cada  
vez mais estabelecida e que isso expressou de fato um progresso? Como  
reconhecer que, embora embebido do “horizonte burguês, Ricardo dis-  
seca a economia burguesa, que em suas profundezas aparece muito di-  
ferente da superfície”, que ele, “na qualidade de finalizador da econo-  
mia política clássica, foi quem formulou e desenvolveu a determinação  
do valor de troca pelo tempo de trabalho em sua forma mais pura”  
(Marx, 1974, p. 167)? Como avaliar a decadência posterior na figura da  
economia vulgar, longamente criticada por Marx em seus textos mais  
centrais?  
Se fazemos esses apontamentos aqui sob o risco de embaraçar  
certos temas não é por outro motivo senão porque uma consequente  
análise da gênese está impedida em seus próprios termos de apresentar  
concessões às insidiosas tendências cético-relativistas. Contrariamente  
às pretensões enunciadas pela “perspectiva crítica”, tais tendências pa-  
gam pesados tributos a Mannheim, colocando-a distante dos funda-  
mentos do materialismo consequente remetido a Marx. Aliás, seria até  
o caso de perguntar se a alegada imponderabilidade das representações  
da realidade não é ela mesma uma capitulação ao falso socialmente ne-  
cessário, que pretende erodir, no exercício das tarefas científicas, a  
87  
Determinação social do pensamento econômico  
potência de conhecer as formas de consciência. Ao contrário, uma au-  
têntica análise da gênese está impetuosamente voltada à decifração da  
natureza do pensamento econômico e à delimitação de suas condições  
objetivas que, se diferente fosse, não haveria mais lugar para qualquer  
explicação filosófico-científica dos objetos ideológicos.  
E isso é tanto mais verdade na medida exata em que na análise  
da gênese “classificar uma ideologia não é explicá-la, pois identificar  
sua natureza corresponde necessariamente a referi-la à totalidade con-  
creta em que emerge” (Chasin, 1978, p. 59). Há exigências aqui do  
mesmo calibre das que consideramos anteriormente quanto aos desvios  
cético-relativistas. Elas envolvem o balanço autocrítico dos mal-enten-  
didos alimentados na própria história do marxismo quanto ao caráter  
histórico do pensamento, isto é, sua qualidade de produto das relações  
sociais de produção. Nunca é demais insistir que tais relações formam  
a base material como condição objetiva de possibilidade em última ins-  
tância. Não é uma linha reta, causal e unidirecional, mas a constituição  
de pressupostos objetivos às formas de pensamento tal como conside-  
rado quando tratamos da predicação ativa do pensamento. Aqui, entre-  
tanto, estamos focalizando e expondo as questões atinentes à proble-  
mática da gênese das formas de consciência. Nisso se revela a “dimen-  
são fundamental da determinação social do pensamento”, qual seja, a  
“sociabilidade como condição de possibilidade do pensamento” uma  
vez que a “sociedade fornece a matéria, os meios e as próprias deman-  
das para a exercitação do pensamento, pois, da situação mais corri-  
queira à mais técnica ou sofisticada, é sempre como ser social que o ho-  
mem pensa” (Vaisman, 1999, p. 286).  
A compreensão distorcida do que se entende como predicação  
do pensamento econômico em relação à objetividade das relações soci-  
ais de produção é, de fato, alvo de recorrentes protestos. E isso porque  
a considerada “condição objetiva de possibilidade” foi vertida, de mui-  
tas maneiras, em um tipo de espelhamento automático e de mão única.  
Não por acaso, nunca foi uma questão meramente protocolar insistir na  
ausência de qualquer compromisso “com as fracassadas tentativas, tí-  
picas das vulgarizações do marxismo, de reduzir cada ideia singular a  
um momento da realidade que supostamente o determinaria” (Medei-  
ros, 2013, p. 34). A coerente e decidida recusa ao “determinismo redu-  
cionista” admite, em seu lugar, “simplesmente que as ideias têm sempre  
88  
Análise da gênese  
por pressuposto coisas do mundo são ideias sobre estas coisas e que  
são formadas em determinadas condições sociais. Em outros termos,  
admite-se que as ideias são parte da vida, de modo que a crítica das  
ideias não pode prescindir da crítica das formas de vida” (p. 34). Essa  
admissão corresponde ao interesse de realizar uma “crítica ontológica”  
(conforme vimos e voltaremos a considerar) às “teorias do bem-estar  
social”, mostrando a necessidade social delas. Mais importante ainda,  
procura indicar o “papel das teorias do bem-estar social” uma vez que  
são “formas de consciência compatíveis com as formas de vida do capi-  
tal” (p. 34).  
A justificada cautela diante da temeridade do materialismo  
grosseiro deve, no entanto, guardar sala para a inspeção mais detalhada  
quanto à gênese das formas de consciência econômica não se conten-  
tando com a admissão geral de que “as ideias têm sempre por pressu-  
posto coisas do mundo”, como sugerido acima. A reconstituição da “gê-  
nese das formas de consciência com as quais a ciência econômica inter-  
preta e ajuíza as “mazelas” sociais hoje” (p. 17) subordinou-se, por mais  
coerente e importante que seja, ao propósito de explicitar o papel da-  
quelas teorias, a sua função social ou, conforme desenvolveremos em  
capítulo específico, a análise da eficácia nos termos da unidade do mé-  
todo materialista.  
Essa subordinação é compreensível pelo fato de que o estudo  
da gênese inevitavelmente convoca o da eficácia dadas as interconexões  
permanentemente assediadoras, porque necessárias, entre os elemen-  
tos da unidade do método materialista. A consideração dedicada, por  
exemplo, a uma metodologia de “análise genética” extraída de Lukács,  
tomou um plano mais amplo da “emergência do conhecimento sobre a  
esfera econômica na forma de ciência” para sublinhar propriamente  
que caberia “à teoria econômica responder apropriadamente às tarefas  
socioeconômicas prementes de sua sociedade e apontar os caminhos  
possíveis de solução, sustentando teoricamente as resoluções práticas e  
a reprodução das relações econômicas existentes”. Com efeito, a “essa  
função social da ciência econômica função que justifica a autonomia  
desta atividade na divisão social do trabalho o conhecimento da esfera  
econômica, a forma assumida pela teoria e suas particularidades são  
submetidos” (Mesquita, 2021, p. 24). Essa subordinação, entretanto,  
pode ter como consequência não premeditada a limitação do potencial  
89  
Determinação social do pensamento econômico  
que guarda a própria análise da gênese.  
Por isso, tal análise da gênese pode ser retirada de sua subordi-  
nação em relação à análise da função social ou da eficácia para desen-  
volvimento particularizado. Ao mesmo tempo, demanda sala para in-  
vestigação dedicada sem os desvios do materialismo grosseiro e sem  
contentar-se com a aquela admissão correta, porém geral, de que as  
ideias pressupõem coisas do mundo. A temeridade do mecanicismo não  
deve implicar no seu oposto, impedindo a justa averiguação precisa-  
mente da “centralidade das determinações histórico-materiais dos fe-  
nômenos da consciência” (Paula, 2010, p. 7) entre os quais inclui-se o  
pensamento econômico obviamente.  
Nessa direção, o reconhecimento da forja do pensamento ilu-  
mina os problemas de gênese das formas de pensamento como ele-  
mento componente da unidade do método materialista. A análise da gê-  
nese das formas de pensamento corresponde à investida explicativa das  
formas de consciência, como dito anteriormente. Tem mira na verifica-  
ção do surgimento do pensamento econômico a partir do “terreno vivo  
da economia política” (Marx, 2013, p. 84) na qualidade de “ciência pró-  
pria no período da manufatura” (p. 438), isto é, como específica forma  
de consciência científica na “Inglaterra, com William Petty, e na França,  
com Boisguillebert” (Marx, 1961, p. 37; 2010c, p. 292. Ver também  
Marx, 2011b, p. 27). Isso inclui, como vimos, elementos específicos  
desse pensamento, teorias específicas e suas cores, em tempos e lugares  
diferentes.  
Precisamente por isso não se contorna a necessidade da virtu-  
osa interconexão entre “o procedimento histórico (genético) e o proce-  
dimento abstrativo-sistematizante, os quais evidenciam as leis e as ten-  
dências”, interconexão ao mesmo tempo aconselhada por “uma crítica  
ontológica permanente de todos os passos dados, já que ambos os mé-  
todos têm como finalidade compreender, de ângulos diversos, os mes-  
mos complexos da realidade” (Lukács, 2012, p. 306). Voltaremos à ne-  
cessária colaboração desses procedimentos no tema da análise ontog-  
nosiológica quando trataremos em melhores condições dos conteúdos  
próprios desses elementos relacionados. A ressalva aqui recai sobre o  
fato de que o puro e total isolamento da análise da gênese ou procedi-  
mento histórico pode provocar o surgimento de “uma história econô-  
mica puramente empírica, na qual desaparece  
90  
a
conexão  
Análise da gênese  
verdadeiramente histórica do processo global” (p. 306).  
Encarando esse risco de frente, devemos admitir que a “análise  
detalhada” das formas de consciência sempre envolve “derivá-las [...]  
das condições históricas concretas” uma vez que “nenhuma análise ci-  
entífica é possível sem descobrir os fundamentos reais da situação his-  
tórico-social” (Lukács, 2020, p. 21). De tal maneira, sabendo da neces-  
sária unidade do método materialista que exige aquela interconexão, a  
análise da gênese coloca em primeiro plano a investigação desses “fun-  
damentos reais” que transcendem o próprio objeto ideológico em si  
mesmo. Dito de outra maneira, indo além da análise histórico-ima-  
nente, mas sem romper os laços de mútua dependência que os ligam, o  
procedimento histórico ou genético envolve o estudo das condições his-  
tórico-concretas que criaram e criam as condições de possibilidade ao  
mirado objeto ideológico. Tanto mais porque envolve a “totalidade con-  
creta em que emerge” (Chasin, 1978, p. 59), como já sublinhado, reque-  
rendo do analista uma cobertura de fontes diversificadas, de materiais  
variados ainda que relacionados, em que se incluem tanto os conteúdos  
das próprias expressões do pensamento econômico, obviamente,  
quanto muitos outros materiais anteriores e adjacentes e de planos e  
níveis diferentes (economia, política, filosofia, jornalismo, vida cotidi-  
ana etc.), a depender das problemáticas envolvidas.  
Isso decorre mesmo de sutilezas muito importantes como, por  
exemplo, o fato de que o taylorismo como forma de consciência econô-  
mica (fronteiriça à administração) dependeu das experiências fáticas  
em setores cujas tarefas produtivas envolviam muito mais força de tra-  
balho do que apresentavam tecnologias mais sofisticadas (Moraes Neto,  
2003). Houvesse desenvolvido tais experiências fáticas no setor têxtil  
não haveria espaço para o tipo de propositura de intensificação do tra-  
balho uma vez que, como reconheceu o próprio Taylor no final do século  
XIX, a “velocidade alcançada na fabricação de produtos têxteis”, o  
“enorme número de máquinas e homens envolvidos” e a sua “produção  
máxima” obstrui a “oportunidade de melhoria” por meio do taylorismo  
se comparado a outros setores produtivos (citado em Paço Cunha; Gue-  
des, 2021, p. 677). O exemplo serve aqui como destaque das exigências  
envolvidas na análise da gênese e que transcendem a inspeção limitada  
ao objeto ideológico ou doutrinas (administrativas e) econômicas no  
caso.  
91  
Determinação social do pensamento econômico  
Dissemos que essa análise genética está precipuamente voltada  
à verificação do surgimento de espelhamentos da realidade, sobretudo  
das formas de consciência científicas representadas pelo pensamento  
econômico e suas teorias mais específicas. Essa verificação, no entanto,  
não está limitada ao surgimento propriamente, envolvendo também a  
identificação de sua natureza, como já dissemos. E isso envolve a cap-  
tura da necessidade social que ativa tais formas de consciência, a iden-  
tificação de seus propósitos, finalidades, em suma, de suas missões so-  
ciais. Não é o caso de sua função social efetivada, da análise de sua efi-  
cácia concreta, que será assunto de capítulo próprio adiante. Aqui está  
em primeiro plano tais missões envolvidas na constituição dessa forma  
de pensamento, sua necessidade social (mesmo quando falsa) de de-  
senvolvimento, dado o enraizamento prático incontornável dessas for-  
mas de consciência como respostas ao plano fático da vida econômica  
da sociedade.  
Não é do interesse considerar esse aspecto longamente. Mas  
sua importância exige alguma consideração. Mesmo porque é um as-  
pecto importante sempre evocado nas próprias investigações de Marx e  
que comparece explícita ou implicitamente na tradição marxista. Marx  
mesmo chegou a escrever que a economia política chamada clássica  
(Adam Smith e Ricardo, sobretudo), além de procurar demonstrar a su-  
perioridade do modo de produção capitalista diante das ruínas do feu-  
dalismo que ainda persistiam e por isso, essa ciência experimentou  
certa necessidade de verdade na verificação dos fatos e de seus teore-  
mas , seu desenvolvimento revelou, no entanto, que movia a missão  
social (cuja realização efetiva é matéria de investigação) de apresentar  
a “ordem capitalista como a forma última e absoluta da produção social,  
em vez de um estágio historicamente e transitório de desenvolvimento”  
(Marx, 2013, p. 85). Quer dizer, atendia a uma necessidade imanente ao  
modo de produção capitalista, confirmando-se como certo prolonga-  
mento ideal da ascensão de novas posições sociais ancoradas na nova  
organização da vida econômica. Por seu turno, a economia vulgar de-  
senvolveu-se em circunstância adversa, com deflagração aberta da luta  
de classes em uma nova configuração em que os trabalhadores apare-  
ciam como desafiantes. Esse contexto facultou uma simples apologia  
direta ao capital. Desenhava-se a consequente decadência da potência  
científica do pensamento econômico propagado pelas classes  
92  
Análise da gênese  
dominantes (Lukács, 2016). A economia política, na qualidade de forma  
de consciência científica, perdia, assim, seu impulso inicial de verdade,  
passando a uma configuração vulgar e apologética do capitalismo, prin-  
cipalmente após 1848. “Não se tratava mais”, escreveu nosso autor de  
Trier, “de saber se este ou aquele teorema era verdadeiro, mas se, para  
o capital, ele era útil ou prejudicial” (Marx, 2013, p. 86). Tal processo  
de desdobramento do pensamento econômico o levou a ter que lidar  
com e descrever as contradições do modo de produção vigente. Essa  
forma de pensamento passou a ser confrontada, escreveu Marx, “por  
sua própria contradição simultaneamente com o desenvolvimento das  
contradições reais da vida econômica da sociedade”. Com efeito, a “eco-  
nomia vulgar se torna, de maneira consciente, mais apologética e pro-  
cura, à força de charlas, exorcizar as ideias que encerram as contradi-  
ções” (Marx, 1980-1985, p. 1539). A missão social envolvida comparece  
em obscurecer aquilo que já estava revelado, em borrar as contradições  
da economia capitalista em suas teorizações. De certo modo, como cha-  
mamos a atenção anteriormente, parte do desenvolvimento posterior  
dessa “economia vulgar” surgiu também como reação à crítica marxista  
que ajudou a evidenciar as contradições da economia capitalista. Certa-  
mente isso apresentou implicações nesse plano das cruzadas intelectu-  
ais (e foi além delas). Houve, de fato, longas cadeias de consequências.  
Lukács sintetizou consideráveis aspectos disso em referência ao período  
subsequente a 1874 a partir do qual:  
consumou-se a fuga da economia diante da análise do processo global da  
produção e reprodução em direção à análise dos fenômenos superficiais  
isolados da circulação. A “teoria da utilidade marginal” do período impe-  
rialista é o ponto culminante desse esvaziamento da economia na abstra-  
ção e no formalismo. Enquanto no período clássico predominava a busca  
por compreender a conexão dos problemas sociais com os econômicos, o  
período da decadência interpõe uma barreira artificial, pseudocientífica,  
pseudometodológica entre eles, criando uma separação que só existe na  
imaginação. (Lukács, 2016, p. 113-114)  
A questão é que a própria decadência não se desdobrou sem  
uma missão social. Acionada pelas condições objetivas existentes, e  
constantemente existentes desde então, a finalidade socialmente colo-  
cada por certas posições sociais está no sentido de preservar a todo  
custo a economia capitalista pela eliminação, ao menos teórica, das con-  
tradições que permanentemente a abalam. A potência científica é  
93  
Determinação social do pensamento econômico  
sacrificada no altar dessa missão social.  
Podem ocorrer mudanças significativas nas missões sociais. Ao  
considerar outros processos importantes, Lukács sugeriu que alteradas  
condições histórico concretas compeliram posturas mais oblíquas di-  
ante da necessidade de defesa da economia capitalista. Voltaremos a  
isso na análise da eficácia quando sublinharemos a diferença e certa  
comunhão entre o “sincretismo” e a “economia vulgar”. No momento,  
vale considerar o contexto das primeiras décadas do século XX quando  
“no lugar de uma apologia direta do sistema, surge uma apologia indi-  
reta e complexa” (Lukács, 2020, p. 396), cuja missão social era “evitar  
que as tensões e explosões decorrentes disso [das crises e inflexões de  
então] se voltem contra o capitalismo” (p. 562). Algo semelhante vemos  
no caso da designada “ideologia da terceira via” em que o filósofo ma-  
giar sublinhou o propósito de evitar que se extraísse da crise a conclusão  
de que os problemas postos decorreriam dos aspectos estruturais do  
modo de produção capitalista (Lukács, 1979).  
Das circunstâncias brasileiras também é possível extrair a pro-  
blemática da missão social envolvida na análise da gênese. Temos em  
mente a formação ideal do integralismo, de talhe ruralista, expressando  
uma “crítica regressiva do liberalismo” (Chasin, 1978, p. 551). Nas con-  
dições da particularidade brasileira, a missão social, em sua gênese na  
regressividade nacional, seria, como demonstrou o filósofo brasileiro,  
retardar o processo de acumulação do capital, orientando a seta da his-  
tória para condições ruralistas anteriores em termos econômicos, polí-  
ticos e filosóficos.  
Não devemos ultrapassar essas exemplificações que demons-  
tram o lugar da missão social na análise da gênese. Esperamos já ter  
ficado claro, inclusive, que estamos isolando o propósito ou finalidade,  
deixando a análise da eficácia ou função para capítulo posterior. Essa  
diferença entre missão e sua realização nos termos que estamos consi-  
derando gera a oportunidade de reconhecer que as formas de consciên-  
cia podem ou não desencadear efeitos concretos, podem ou não se ver-  
terem em força material na relação com o cotidiano da vida e a estrutura  
econômica ao fundo, naquele movimento que destacamos na predica-  
ção ativa do pensamento. Diferentemente das tendências mecanicistas  
e grosseiras que povoam o materialismo, chegamos a destacar o papel  
ativo das ideias. Também é certo que ao evitar os prejuízos que  
94  
Análise da gênese  
acompanham o materialismo grosseiro, surge a tendência de dissolver  
a determinação mais aproximada o possível da gênese em descrições  
muito gerais. E isso porque já admitimos que existem muitos fatores  
concorrentes e que exercem influência de diferentes modos para o sur-  
gimento do pensamento econômico em particular e de suas expressões  
mais específicas. Por isso é decisivo observar a distinção entre tais fato-  
res em cada caso histórico, sopesar suas influências, considerando, po-  
rém, suas naturezas e reciprocidades, pois não são todos iguais, nem  
operam todos da mesma maneira.  
Com efeito, cabe realizar considerações que visam esclarecer  
velhos e novos mal-entendidos. A análise da gênese mobiliza direta-  
mente a correspondência já aludida entre as relações sociais que demar-  
cam a estrutura econômica e as formas de pensamento decorrentes. É,  
seguindo Marx, improcedente e acrítico fazer abstração dessa “base ma-  
terial” na análise de tais formas. Referindo-se à religião, escreveu o au-  
tor que “é muito mais fácil encontrar, por meio da análise, o núcleo ter-  
reno das nebulosas representações religiosas do que, inversamente, de-  
senvolver, a partir das condições reais de vida de cada momento, suas  
correspondentes formas celestializadas”. Não obstante, o último “é o  
único método materialista e, portanto, científico” (Marx, 2013, p. 446).  
Tal consideração, estendida com prudência ao pensamento  
econômico, exige da análise a captura do desenvolvimento dessa forma  
de consciência científica a partir das condições reais de vida dos contex-  
tos particulares, isto é, a base material como fator indispensável. A base  
material como condição de existência dessa forma de pensamento é, em  
todo caso, o fator preponderante em um todo articulado, isto é, a es-  
trutura econômica, a superestrutura jurídica e política e as formas de  
consciência correspondentes formam uma unidade em que as condi-  
ções reais de vida constituem tal fator articulador. Como vimos em  
nossa discussão a respeito da predicação ativa do pensamento, tal uni-  
dade é mediada em termos práticos pela ampla dimensão da vida coti-  
diana. Mas isso não diminui a importância de reconhecer a preponde-  
rância de um dos fatores relacionados, uma vez que “nenhuma intera-  
ção real (nenhuma real determinação de reflexão) existe sem momento  
predominante [ou preponderante]”. Quando, porém, tal “relação fun-  
damental não é levada na devida conta, tem-se ou uma série causal uni-  
lateral e, por isso, mecanicista, simplificadora e deformadora dos  
95  
Determinação social do pensamento econômico  
fenômenos, ou então aquela interação carente de direção, superficial-  
mente rutilante” (Lukács, 2012, p. 334). Não é por outro motivo que é  
forçoso reconhecer que:  
no ser social o econômico e o extraeconômico convertem-se continua-  
mente um no outro, estão numa irrevogável relação recíproca, da qual  
porém não deriva [...] nem um desenvolvimento histórico singular sem  
leis, nem uma dominação mecânica “por lei” do econômico abstrato e  
puro, mas da qual deriva, ao contrário, aquela orgânica unidade do ser  
social, na qual cabe às leis rígidas da economia precisamente e apenas o  
papel de momento [ou fator] predominante [ou preponderante]. (Lukács,  
2012, p. 310)  
O reconhecimento do fator preponderante em um todo articu-  
lado em nada menospreza a potência dos fatores superestruturais,  
como o direito e a política, e das formas de consciência, a exemplo do  
pensamento econômico, ou mesmo da atuação concreta dos homens.  
Ao contrário, o destaque recai sobre as complexas reciprocidades no in-  
terior da unidade.  
Nesse sentido, passa a ser crucial diferenciar o aludido fator  
preponderante dos fatores protagonistas. Enquanto o fator preponde-  
rante é aquela estrutura material sem a qual não haveria superestrutura  
ideológica e formas de consciência, o fator protagonista muda nas cir-  
cunstâncias concretas. Essa diferenciação restou muito clara n’O capi-  
tal, quando Marx escreveu, ao tratar da tradição em modos de produção  
passados, que “nas situações naturais e não desenvolvidas em que se  
fundamenta essa relação social de produção e o modo de produção a ela  
correspondente, a tradição tem de desempenhar um papel predomi-  
nante [übermächtige Rolle, ou protagonista]”, pois “à parte dominante  
da sociedade interessa consagrar o que já existe, conferindo-lhe o cará-  
ter de lei, e fixar como legais as barreiras estabelecidas pelo uso e pela  
tradição” (Marx, 2017, p. 853, 1983, p. 801-802). Nas sociedades arcai-  
cas, por assim dizer, a tradição se sobressaiu entre outros elementos  
superestruturais e desempenhou o protagonismo naquelas condições  
históricas. O que explica esse protagonismo da tradição são precisa-  
mente as condições reais de vida, a preponderante base material ar-  
caica então estabelecida.  
Esse tipo de comparação também é possível para a Ática antiga  
e a Idade Média. Marx sublinhou que “é claro que a Idade Média não  
podia viver do catolicismo, assim como o mundo antigo não podia viver  
96  
Análise da gênese  
da política. Ao contrário, é o modo como eles produziam sua vida [o  
fator preponderante] que explica por que lá era a política, aqui o cato-  
licismo que desempenhava o papel principal [protagonismo]” (Marx,  
2013, p. 156-157). Assim, os fatores que desempenham protagonismo  
se alteram em condições históricas, mas a preponderância do todo ar-  
ticulado é a da base material em cada caso, considerando, portanto,  
suas características, relações sociais de produção, organização social  
etc. É, pois, o fator explicativo em última instância.  
O protagonismo de certos fatores extraeconômicos em épocas  
variadas significa admitir que podem ter importantes condicionantes  
recíprocos sobre as formas de pensamento. Como já dito, trata-se de  
reconhecer que as formas de consciência são produtos de diferentes fa-  
tores no conjunto. No momento da gênese das formas de pensamento  
particulares já são incidentes a preponderância da “base material” e o  
protagonismo dos fatores extraeconômicos envolvidos (superestrutura  
ideológica e outras formas de consciência, incluindo as teorias prece-  
dentes). Assim, elementos econômicos, políticos e intelectuais nos con-  
textos particulares estão sempre em complexas interações e implicações  
mútuas.  
A dificuldade da análise, portanto, não está em realizar, como é  
procedimento mais comum, uma lista dos fatores com algum papel na  
gênese do pensamento econômico, de suas mudanças e desdobramen-  
tos em teorias. A enumeração não é de modo algum suficiente. De fato,  
a dificuldade está em, tendo de partida a preponderância da base mate-  
rial, analisar especificamente o pensamento econômico correspondente  
“a partir das condições reais de vida de cada momento” (Marx, 2013, p.  
446), demonstrando ao mesmo tempo o protagonismo de outros fatores  
relacionados no todo articulado, quando for o caso de assim proceder  
por decorrência da análise da gênese realizada.  
É possível identificar contornos gerais disso no exemplo da já  
referida história da análise da mercadoria como aspecto central da gê-  
nese e do desenvolvimento da economia política. Aqui vale como esboço  
aproximativo da questão para os fins postos e não tratamento exaustivo  
do assunto. Ainda que em esboço, há indicações suficientes para expli-  
citar o método científico aludido até o momento, inclusive certas inter-  
conexões com outros elementos da unidade do método materialista.  
97  
Determinação social do pensamento econômico  
Com efeito, Marx realizou análise (ontognosiológica) do desen-  
volvimento científico da economia política, não sem desvios por parte  
de seus protagonistas, da “determinação do valor de troca pelo tempo  
de trabalho” (Marx, 1974, p. 167) uma vez que a “determinação da gran-  
deza de valor por meio do tempo de trabalho é [...] um segredo que se  
esconde sob os movimentos manifestos dos valores relativos das mer-  
cadorias” (Marx, 2013, p. 150). A análise científica da mercadoria na  
economia política debateu-se com as formas acabadas nas quais não se  
revela aquele segredo, uma vez que “já possuem a solidez de formas na-  
turais da vida social”, sobretudo a “forma acabada – a forma-dinheiro  
do mundo das mercadorias que vela materialmente, em vez de reve-  
lar, o caráter social dos trabalhos privados e, com isso, as relações soci-  
ais entre os trabalhadores privados” (p. 150). Marx indicou inúmeras  
provas pela análise (histórico-imanente) dos conteúdos da economia  
política segundo as quais “são justamente essas formas [acabadas] que  
constituem as categorias da economia burguesa”, acrescentando que se  
trata de “formas de pensamento socialmente válidas e, portanto, dota-  
das de objetividade para as relações de produção desse modo social de  
produção historicamente determinado, a produção de mercadorias” (p.  
151).  
Já foi sublinhado por nós que a gênese da economia política,  
quando também se “separa como ciência autônoma” (Marx, 1974, p.  
160), encontrou palco na “Inglaterra, com William Petty, e na França,  
com Boisguillebert” (p. 160). A análise da gênese revelou a existência  
das condições gerais de possibilidade desdobradas a partir do desenvol-  
vimento primeiramente manufatureiro do capitalismo. Nesse contexto  
geral, a pesquisa na economia política em torno da determinação do va-  
lor decorreu, desde o seu início, não apenas da existência da mercadoria  
como forma da riqueza mesmo porque a produção da mercadoria teve  
“papel subordinado” e de ocorrência exclusiva nos poros de sociedades  
passadas (Marx, 2013, p. 154) , mas sobretudo pela progressiva gene-  
ralização da produção de mercadorias, conformando a análise da mer-  
cadoria como pedra angular para a explicação da produção da riqueza.  
Poderíamos dizer que essa generalização é uma condição importante  
enquanto “presença histórica do objeto” (Chasin, 2009, p. 112-118) ao  
qual o pensamento em tela faz referência. O grau de desenvolvimento  
desse objeto (o modo de produção capitalista, no caso) habilita e obstrui  
98  
Análise da gênese  
as possibilidades dos espelhamentos científicos. As categorias da eco-  
nomia política são, pois, representações históricas das condições reais  
de vida, mas representações extraídas daquelas formas acabadas e, por-  
tanto, válidas para produção generalizada de mercadorias.  
Não é por acaso que, já na gênese, a determinação do valor da  
mercadoria tenha animado as reflexões envolvidas, sobretudo a forma-  
dinheiro na qual, como dito, não está revelada prima facie as relações  
sociais entre os homens. Nas notas esboçadas sobre a história da análise  
da mercadoria, Marx forneceu indicativos importantes a esse respeito.  
Por um lado, Petty captou o “trabalho efetivo no conjunto de sua figura  
social, como divisão do trabalho” (Marx, 1974, p. 160). Tomou, entre-  
tanto, o “valor de troca tal como este aparece no processo de troca das  
mercadorias, isto é, como dinheiro, e o próprio dinheiro como merca-  
doria existente, como ouro e prata” (p. 161). Por outro lado, Boisguille-  
bert reduziu o “valor de troca da mercadoria a tempo de trabalho”. Mas,  
ao contrário de Petty, lutou “fanaticamente contra o dinheiro, cuja in-  
tromissão perturbaria o equilíbrio natural ou a harmonia da troca de  
mercadorias” (p. 162).  
Vemos que a generalização progressiva da produção de merca-  
dorias na Inglaterra e na França estabeleceu as condições gerais para o  
desenvolvimento do pensamento econômico ocupado em explicar a  
produção da riqueza sob a forma capitalista. Nisso se revela pelo menos  
um dos aspectos decisivos da preponderância da base material para o  
desdobramento das formas de pensamento. A já referida “presença his-  
tórica do objeto” em andamento assedia os ideólogos a darem respostas  
às questões socialmente postas pelas condições fáticas de tempos e lu-  
gares particulares. Ao inverso, a ausência desse aspecto elementar do  
“terreno vivo da economia política” (Marx, 2013, p. 84) constituiu cir-  
cunstâncias em que o “desenvolvimento histórico peculiar da sociedade  
alemã excluía, portanto, a possibilidade de todo desenvolvimento origi-  
nal da economia burguesa’” (p. 87). Num caso ou no outro, o fator pre-  
ponderante atua como habilitador ou limitador para as formas de pen-  
samento nos contextos concretos.  
Não seria adequado ignorar, em um plano mais amplo, o papel  
da luta de classes na análise genética em tela. Ao lado das condições  
gerais, das propriedades do próprio estágio de desenvolvimento do  
modo de produção capitalista, das formas de consciência pregressas,  
99  
Determinação social do pensamento econômico  
das inflexões societais significativas etc., encontra-se a posição de classe  
dos pensadores envolvidos (Chasin, 2009). Não se trata de fatalismo  
classista, mas de elemento decisivamente relevante que decorre da pró-  
pria base material. Há aqui duas direções. Por um lado, a luta de classe  
é relevante ao processo explicativo das modificações agudas no pensa-  
mento econômico, como no caso do enfraquecimento da objetividade  
científica sobretudo após 1848, dado o acirramento daquela luta, impli-  
cando a ramificação da economia política clássica tanto na figura pen-  
samento econômico sincrético (Mill) quanto no da economia vulgar e  
apologética (Bastiat), como sugeriu Marx (2013, p. 87). Nesse diapasão,  
considerou esse último autor que a “economia [pensamento econô-  
mico], à medida que se aprofunda, apresenta ela mesma contradições,  
e a ela se contrapõe sua contradição como tal, junto com o desenvolvi-  
mento das contradições reais da vida econômica da sociedade”, contra-  
dições essas expressas na própria luta de classes. Assim, vale repetir,  
“na mesma medida, a economia vulgar se torna, de maneira consciente,  
mais apologética e procura, à força de charlas, exorcizar as ideias que  
encerram as contradições” (Marx, 1980-1985, p. 1539).  
Sem dúvida alguma é relevante como fator explicativo para as  
ramificações no pensamento econômico, tornando-se elemento incon-  
tornável para as reações de diferentes tipos, da continuidade às contro-  
vérsias e disputas na história do pensamento econômico. Sobretudo  
porque quanto mais “se evidencia o caráter antagônico, mais os econo-  
mistas, os representantes científicos da produção burguesa, se embara-  
çam com a sua própria teoria e se formam diferentes escolas” (Marx,  
1985a, p. 117). Rubin (1979) sublinhou que as ideias econômicas são de-  
pendentes tanto das formas econômicas quanto da luta de classes.  
Tendo, portanto, o peso explicativo da base material e do conflito clas-  
sista, revela-se o interesse cientificamente informado em “compreender  
as contradições, disputas e rupturas teóricas e metodológicas que estão  
na essência da história do pensamento” (Curty; Malta, 2022, p. 56). Le-  
var o peso da luta de classes e a posição dos ideólogos nessa luta às úl-  
timas consequências é uma condição necessária para iluminar as rami-  
ficações do pensamento no interior das continuidades e controvérsias.  
Por outro lado, o estágio da luta de classes também é decisivo  
para explicar o pensamento econômico como reação aos resquícios do  
modo de produção feudal que não haviam desaparecido da noite para o  
100  
Análise da gênese  
dia, como já tangenciado brevemente. Nessa direção, retomando certo  
aspecto da missão social, Marx sugeriu que os autores “clássicos, como  
Adam Smith e Ricardo, representam uma burguesia que, lutando ainda  
contra os restos da sociedade feudal, trabalha apenas para depurar as  
relações econômicas das marcas feudais, para aumentar as forças pro-  
dutivas e para dar um novo impulso à indústria e ao comércio” (Marx,  
1985a, p. 117). Trata-se de uma contribuição que a análise de gênese  
fornece à explicitação da missão social do pensamento econômico em  
tela, isto é, as condições que tornaram aquele conteúdo como algo ne-  
cessário (não dizendo respeito, nesse ponto, à análise de sua objetivi-  
dade científica ou de sua eficácia). Essa missão social era, pelo menos  
enquanto finalidade socialmente ativada, a de “demonstrar como a ri-  
queza se adquire nas relações de produção burguesa, de formular estas  
relações em categorias, em leis e de demonstrar como estas leis, estas  
categorias são, para a produção de riquezas, superiores às leis e às cate-  
gorias da sociedade feudal” (1985a, p. 118).  
Temos, assim, a indicação de elementos constitutivos da base  
material como fator preponderante. Mas há questões importantes para  
destacar certos aspectos protagonistas para a análise de gênese do pen-  
samento econômico em tela. Vê-se isso, ao menos em esboço, nova-  
mente no exemplo das notas históricas sobre a análise da mercadoria.  
Na gênese com Petty e Boisguillebert esteve persistente a divergência já  
indicada a respeito do dinheiro, essa forma acabada das relações sociais  
sobre a qual se debateu a economia política. Na consideração dessa di-  
vergência, escreveu Marx:  
Se, por um lado, esta polêmica contra o dinheiro está ligada a circunstân-  
cias históricas determinadas Boisguillebert combatendo a cega e des-  
truidora ganância de ouro da corte de um Luís XIV, de seus “arrendatá-  
rios gerais” e de sua nobreza, enquanto Petty exalta a ganância pelo ouro  
como o impulso enérgico que estimula um povo ao desenvolvimento in-  
dustrial e à conquista do mercado mundial , por outro lado, destaca-se  
aqui a profunda oposição de princípios, que se repete como um contraste  
permanente, entre a economia caracteristicamente inglesa e a caracteris-  
ticamente francesa. (Marx, 1974, p. 162)  
As condições políticas diferenciais ajudam a explicar as oposi-  
ções relativas envolvidas na gênese do pensamento econômico sob con-  
sideração. Trata-se de um fator protagonista importante para a análise  
genética, mas que deve ser considerado cuidadosamente como tal. Já  
101  
Determinação social do pensamento econômico  
foi sugerido, por exemplo, que o “absolutismo mitigado inglês” como  
elemento explicativo para a diferença registrada entre as elaborações da  
economia política na Inglaterra e na França. Entretanto, recorreu-se a  
tal caráter político como explicação também para “criações intelectuais  
tipicamente inglesas – o empirismo, o liberalismo e o utilitarismo”  
(Paula; Cerqueira; Albuquerque, 2007, p. 360). Seria necessário verifi-  
car a base material como fator preponderante para tais particulares  
“criações intelectuais” (ver Marx; Engels, 2007, p. 399; 2011, p. 188)  
sopesada aos fatores extraeconômicos protagonistas, conforme restou  
sugerido pelas nossas considerações precedentes. De toda forma, não é  
desimportante o apontamento da política no caso em tela.  
Não obstante, no mesmo sentido anterior de reconhecer o pro-  
tagonismo das circunstâncias políticas, Marx destacou outro aspecto da  
particularidade francesa explicativo para a peculiaridade envolvida na  
gênese da economia política. Na sequência da consideração sobre a já  
mencionada polêmica contra o dinheiro, escreveu que:  
Boisguillebert olha, de fato, somente para o conteúdo material da riqueza,  
o valor de uso, o desfrute, e considera a forma burguesa do trabalho, a  
produção de valores de uso como mercadorias e o processo de troca das  
mercadorias como a forma social natural, onde o trabalho individual  
atingiria aquele fim. Por isso, cada vez que se defronta com o caráter es-  
pecífico da riqueza burguesa como no dinheiro, acredita na intromissão  
de elementos usurpadores estranhos irritando-se com o trabalho burguês  
sob uma de suas formas, ao passo que o glorifica sob outra forma. (Marx,  
1974, p. 162)  
Arrematou com tom irônico em nota de rodapé: “O socialismo  
francês na sua forma proudhoniana padece do mesmo mal nacional he-  
reditário” (Marx, 1974, p. 162). Com isso, fica sugerida uma tendência  
intelectual que se mostra em diferentes considerações a respeito da vida  
econômica da sociedade, da gênese da economia política ao socialismo  
de Proudhon. Não seria exagero, assim, sugerir que se trata de uma tra-  
dição nacional que proporciona cores, tons e estilos, cujos condicionan-  
tes se fazem sentir inclusive na gênese da economia política. Mas de  
maneira alguma essa sugestão de protagonismo elimina a preponde-  
rância da base material no quadro geral dos fatores relacionados.  
Com esse esboço sintético ficam registrados, refletindo o parâ-  
metro geral, o protagonismo das circunstâncias políticas e das tradições  
intelectuais simultaneamente à preponderância da base material na  
102  
Análise da gênese  
determinação social do pensamento econômico em tela. Esse é um pa-  
râmetro geral por meio do qual se pode distinguir o método materialista  
científico impregnado na determinação social do pensamento em rela-  
ção a outros modos procedimentais. Nesse último sentido, cabe rápida  
exemplificação de valor negativo para explicitar a unidade do método  
materialista e o lugar próprio da análise da gênese. É um reforço neces-  
sário.  
Temos, assim, o exemplo do sempre visitado método histórico  
de talhe weberiano. A despeito de certas semelhanças provocadas pelo  
fato de o método weberiano ser uma reação ao marxismo e pelas carac-  
terísticas gerais do “capitalismo” como objeto de investigação, os fun-  
damentos não possuem “perfeita consonância” como já chegou a ser su-  
gerido (Paula, 2021b, p. 31). A rápida comparação auxilia no destaca-  
mento da diferença específica daquele parâmetro do método materia-  
lista e quão problemáticas são as identidades imputadas.  
Com efeito, uma consideração geral de A ética protestante e o  
espírito do capitalismo e História econômica geral, permite averiguar  
a coleção de fatores incluindo claramente a questão da “base econô-  
mica”. A característica metodológica é marcada pelas chamadas “afini-  
dades eletivas” (Weber, 2004, p. 82-83) entre tais fatores, pelas mútuas  
atrações e confluências. É importante manter sempre em mente que es-  
tamos diante de um espécime da reação ao marxismo particularmente  
vulgar, mas que Weber projetava equivocamente como o autêntico ma-  
terialismo. Como o autor sugeriu:  
Cada tentativa de explicação deve, reconhecendo a importância funda-  
mental do fator econômico, antes de tudo levar em conta as condições  
econômicas. Mas ao mesmo tempo, a correlação oposta não deve ser dei-  
xada de lado. Pois embora o desenvolvimento do racionalismo econômico  
seja parcialmente dependente da técnica e da lei racionais, é ao mesmo  
tempo determinado pela habilidade e disposição dos homens de adotar  
certos tipos de conduta racional prática. (Weber, 1930, p. 26)  
Chegou a advertir, nesse sentido, que a “história econômica (e,  
de modo pleno, a história da luta de classes[entre aspas]) não se iden-  
tifica, como pretende a concepção materialista da história, com a his-  
tória total da cultura. Esta não é um eflúvio, nem uma simples função  
daquela”. Completou com a afirmação de que a “história econômica re-  
presenta, antes de tudo, uma subestrutura, sem cujo conhecimento não  
103  
Determinação social do pensamento econômico  
se pode imaginar, certamente, uma investigação fecunda de qualquer  
dos grandes setores da cultura” (Weber, 2006, p. 26).  
A questão aqui não poderia ser a de considerar detidamente tal  
posicionamento. Basta no momento identificar que o método das “afi-  
nidades eletivas” procura garantir lugar tanto para a “subestrutura”  
quanto para a “correlação oposta”. Muitos analistas viram nisso seme-  
lhanças com o materialismo consequente. Bem observado, porém, no  
conjunto dos lineamentos que marcam tal posicionamento vemos que,  
por princípio, todos os fatores se atraem mutuamente e possuem o  
mesmo peso. Restaria ao analista considerar se a presença ou ausência  
faria diferença nos resultados históricos, levando também em conta,  
apesar de inessenciais, aqueles eventos considerados desencadeadores  
dos processos.  
A aparente ausência de fator preponderante já seria uma difi-  
culdade. Como sublinhado anteriormente, ao abstrair o fato de que em  
toda relação de reflexão há um fator preponderante, se essa “relação  
fundamental não é levada na devida conta, tem-se ou uma série causal  
unilateral e, por isso, mecanicista, simplificadora e deformadora dos fe-  
nômenos, ou então aquela interação carente de direção, superficial-  
mente rutilante” (Lukács, 2012, p. 334). À primeira vista, a atribuição  
de iguais pesos a todos os fatores incorreria numa “interação carente de  
direção”. Entretanto, o leitor atento das obras de Weber não poderia  
deixar de observar que a tendência prevalescente no método sociológico  
em questão é a acentuação da “cultura” (direito, valores, “modos de  
ver”) como fator preponderante. Ao invés de uma “interação carente de  
direção”, a resultante é a projeção de uma direção equivocada dos pro-  
cessos sociais. Em uma reação ao materialismo mecânico, simplifica-  
dor, ou “ingênuo” nos termos de Weber, acentuou-se o oposto, diferen-  
ciando-se também do autêntico método materialista antes esboçado, na  
consideração da base material como fator preponderante e dos fatores  
protagonistas extraeconômicos articulados em uma unidade mediada  
pela práxis. Isso fica patente na consideração bastante reveladora e  
até certo ponto constrangedora – da busca da explicação do “modo de  
ver” que marca o capitalismo:  
O capitalismo hodierno, dominando de longa data a vida econômica,  
educa e cria para si mesmo, por via da seleção econômica, os sujeitos  
econômicos empresários e operários de que necessita. Para que essas  
104  
Análise da gênese  
modalidades de conduta de vida e concepção de profissão adaptadas à  
peculiaridade do capitalismo pudessem ter sido “selecionadas”, isto é, te-  
nham podido sobrepujar outras modalidades, primeiro elas tiveram que  
emergir, evidentemente, e não apenas em indivíduos singulares isolados,  
mas sim como um modo de ver portado por grupos de pessoas. Portanto,  
é essa emergência de um modo de ver que se trata propriamente de ex-  
plicar. Só alhures teremos ocasião de tratar no pormenor daquela con-  
cepção do materialismo histórico ingênuo segundo a qual “ideias” como  
essa são geradas como “reflexo” ou “superestrutura” de situações econô-  
micas. Por ora, é suficiente para nosso propósito indicar: que na terra na-  
tal de Benjamin Franklin (o Massachusetts) o “espírito do capitalismo”  
(no sentido por nós adotado) existiu incontestavelmente antes do “de-  
senvolvimento do capitalismo”. (Weber, 2004, p. 48)  
O acento recai sobre a “cultura”, como podemos observar na  
passagem. O “espírito do capitalismo” é tomado como anterioridade ao  
desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos e, por óbvio, tal  
“espírito” já fora parido em contexto europeu. Logo, contrariamente ao  
sociólogo, um capitalismo já existente foi, de toda forma, pressuposto  
desse “espírito” levado ao Massachusetts. Ainda mais contrariamente  
decisivo é o fato de que as próprias relações sociais capitalistas de pro-  
dução não foram reinventadas nos Estados Unidos a partir do “modo  
de ver”, mas levadas com os seus portadores. Ou admitiria o sociólogo  
que os desbravadores foram despidos de suas relações sociais de pro-  
dução ao desembarcarem no Novo Mundo? Como sugeriu Marx (1974,  
p. 162), a propósito da análise do valor de troca “reduzido a tempo de  
trabalho”, “Benjamin Franklin” se encontrava em circunstâncias nas  
quais as “relações burguesas de produção, importadas simultanea-  
mente com seus portadores, brotaram rapidamente em uma terra que  
compensava sua falta de tradição histórica pela abundância de húmus”.  
É preciso destacar com ênfase a correção de Marx na identificação dos  
portadores de relações que as importaram de circunstâncias previa-  
mente existentes alhures.  
Vemos assim que a reação ao mecanicismo ou “ingenuidade” de  
um tipo de materialismo grosseiro, uma reação caricatural, na verdade,  
com o propósito de frear o avanço de todo e qualquer materialismo, in-  
cluindo o consequente, nos círculos intelectuais alemães de então, al-  
cançou esse tipo de non sense sociológico pela pena de um Weber. Nada  
mal para quem, muito distante de Marx, entendeu que a “condição pré-  
via para a existência do capitalismo moderno é a contabilidade racional  
do capital, como norma para todas as grandes empresas lucrativas  
105  
Determinação social do pensamento econômico  
que se ocupam da satisfação das necessidades cotidianas” (Weber,  
2006, p. 258, grifos no original). Ficam abstraídas as verdadeiras “con-  
dições prévias”, como a acumulação anterior de capitais por meio do  
comércio e dos juros, a disponibilidade de força de trabalho para o as-  
salariamento e pré-requisito para o mercado consumidor de massa,  
além das relações sociais de produção em que se explora produtiva-  
mente a força de trabalho. No lugar dessas condições históricas efetivas  
da maior importância, apareceram ao sociólogo um tipo de “racionali-  
zação” por efeito das modificações da cultura e o borrão, devidamente  
colocado, sobre a exploração produtiva da força de trabalho em nome  
das “empresas lucrativas que se ocupam da satisfação das necessidades  
cotidianas”. Esse é o resultado da acentuação da “cultura” como fator  
preponderante no quadro dessa sociologia particular. Para o tema da  
gênese, isso tem efeitos igualmente problemáticos porque retira das  
condições reais sua preponderância, o que coloca o sociólogo em emi-  
nente perigo em ter que explicar como o “espírito” do capitalismo pôde  
ter nascido antes do próprio capitalismo que, na verdade, o possibilitou.  
A devida consideração das formas de pensamento, do seu papel  
ativo na relação recíproca com os demais fatores da vida social, não dis-  
pensa a base material como o autêntico momento preponderante do  
todo articulado. Vale dizer que:  
somente o autêntico método do marxismo, que procura examinar quanto  
ao seu ser real as formas necessárias de consciência que emergem dos  
movimentos reais do ser social, que, por essa razão, desempenham um  
papel real em seu desenvolvimento, por mais desigual e muitas vezes pa-  
radoxalmente contraditório que seja esse papel, somente esse método é  
capaz de chegar a resultados autênticos nesse ponto. (Lukács, 2013, p.  
548)  
Com tais aspectos destacados, a análise da gênese focaliza a  
emergência, no caso, do pensamento econômico a partir dos movimen-  
tos reais. Esse procedimento genético, em sua autenticidade, revela-se  
elemento central na unidade do método materialista. Evitando-se os ex-  
travios, sobreposições, identidades e reações desproporcionais, tal aná-  
lise é fundamental ao estudo desse tipo de forma de consciência cientí-  
fica. Mas não dispensa a conjunção com os demais elementos compo-  
nentes necessários à pesquisa de conjunto e ampliada, conforme ficou  
sugerido anteriormente e sobre o quê voltaremos a insistir. Após a  
106  
Análise da gênese  
consideração da gênese do pensamento econômico e de alguns de seus  
exemplares, tem lugar a inquirição quanto aos seus efeitos fáticos sobre  
a vida econômica da sociedade, de determinar, como a última passagem  
dá ensejo, o papel real que elas desempenharam e desempenham no  
desenvolvimento dessa vida.  
107  
VI  
Análise da eficácia  
O problema da análise da eficácia talvez seja um dos mais exi-  
gentes na unidade do método materialista. Nessa análise, não está mais  
em primeiro plano especificar a natureza de uma formação ideal como  
resposta a certas necessidades sociais, decifrar seu propósito diante das  
contradições impostas pela economia capitalista. Da mesma forma, não  
é mais a investida explicativa dos objetos ideológicos como produtos  
históricos tal como tratamos anteriormente. Agora, estão em primeiro  
plano os traços fundamentais do método materialista atinentes à reali-  
zação da missão social das formações ideais. A tarefa é especificar os  
aspectos centrais que envolvem os seus efeitos provocados em tempos  
e lugares, a profundidade de sua influência, a extensão também diacrô-  
nica de suas consequências, independentemente dos propósitos iniciais  
de seus protagonistas. É, portanto, a investigação do lado ativo e efetivo  
das formas de consciência ao enfrentarmos a potência historicamente  
realizada quando, desaguando por diferentes meios na vida econômica  
da sociedade, modificam ou perpetuam o modo de ação cotidiano das  
classes e grupos humanos e, portanto, atuam como força orientadora da  
práxis com efeitos variados diante da estrutura econômica.  
Essa análise é exigente em seus próprios requisitos. É igual-  
mente exigente ao analista porquanto se constituiu como elemento me-  
nos desenvolvido da unidade do método materialista. O exercício da  
isenção subjetiva nos obriga a reconhecer na tradição marxista a maior  
acentuação do procedimento explicativo das formações ideais pela con-  
sideração do seu enraizamento nas condições histórico-concretas, de  
sua missão social, de seu grau de aproximação do funcionamento obje-  
tivo da economia capitalista, de suas contradições internas etc.  
Análise da eficácia  
Comparada a isso, a investigação pormenorizada do lado factualmente  
ativo dessas formas de consciência, isto é, de seu grau de efetividade  
sobre a vida econômica, ocupou menor espaço. Dito de modo direto, a  
incontornável constatação da influência das ideias na vida econômica  
se dá paralelamente a um déficit demonstrativo de seus efeitos por  
aquela tradição.  
No que tange ao pensamento econômico especificamente, não  
há grandes dificuldades em constatar na tradição marxista os acentos  
graves e agudos na designação dos economistas como “representantes  
científicos” (Marx, 1985a, p. 117) da economia capitalista, em uma clara  
qualificação de tais intelectuais como produtos históricos, entendidos  
como porta-vozes dos agentes práticos. A peculiar influência das ideias  
econômicas, entretanto, é matéria a ser mais desenvolvida. Muitas ve-  
zes passou feito algo mais subentendido, como nos exemplos da atuação  
de Adam Smith e de Ricardo como tais representantes científicos na  
luta “contra os restos da sociedade feudal”, operando “para depurar as  
relações econômicas das marcas feudais, para aumentar as forças pro-  
dutivas e para dar um novo impulso à indústria e ao comércio” (Marx,  
1985a, p. 117).  
O necessário desenvolvimento dessa peculiar influência obriga  
nosso deslocamento do plano mais abstrato, por assim dizer, para a um  
nível concreto-empírico necessário à elucidação dos aspectos funda-  
mentais da análise da eficácia na unidade do método. Esse nível mais  
depurado é algo que demarca certa diferença do presente capítulo em  
relação aos demais. É, na verdade, inevitável pela exigência própria da  
matéria.  
Como dito, as exigências da investigação da eficácia não são  
poucas e podem ser responsabilizadas por seu menor desenvolvimento  
na tradição materialista. Um exemplo disso pode ser identificado entre  
os mais dedicados analistas do pensamento econômico que a tradição  
marxista foi capaz de forjar. A consideração de Rubin, já indicada em  
capítulo pregresso, segundo a qual o pensamento econômico não se de-  
senvolveu no vácuo e, de fato, esse é o aspecto mais aprofundado na  
obra o autor russo no sentido de dar-lhe o contexto devido , destacou  
acertadamente que a “evolução das ideias econômicas depende direta-  
mente da evolução das formas econômicas e da luta de classes”. Elas  
frequentemente, escreveu ele, “surgem diretamente da agitação dos  
109  
Determinação social do pensamento econômico  
conflitos sociais, do campo de batalha entre diferentes classes sociais”.  
Considerando essas condições, sugeriu ainda que os “economistas agi-  
ram como escudeiros dessas classes, fornecendo-lhes as armas ideoló-  
gicas necessárias para a defesa dos interesses de grupos sociais particu-  
lares”. Tal aspecto do problema, como já dito, bastante desenvolvido  
pelo autor, coexistiu ao lado da afirmação de que, historicamente, “as  
doutrinas e ideias econômicas podem ser incluídas entre as mais im-  
portantes e influentes formas de ideologia” (Rubin, 2014, p. 29). Volta-  
remos ao problema da “ideologia”. No momento o importante é consta-  
tar que nosso autor, no entanto, não parece ter recolhido evidências e  
descrições de tal importância e influência sustentadas, pois dedicou  
atenção às raízes concretas dessa “forma de ideologia” tomada como  
“sistema” e à análise das suas “conexões lógicas” e “contradições lógi-  
cas” (p. 30) internas. Tais efeitos aparecem, assim, como fossem pres-  
supostos da análise, mas não como matéria própria da investigação.  
Isso se repete entre outros exemplos como Meek (1967), para  
quem as teorias são levadas adiante em razão de “suas ligações com as  
demandas do progresso econômico” (p. 16), sublinhando o caráter de  
“força viva” das “ideias ricardianas” (p. 73) em certo contexto histórico,  
por exemplo, sem demonstrar com clareza a influência dessas ideias na-  
quele tempo e lugar. É possível concluir por esse resultado na observa-  
ção também de outro primoroso analista. Dobb sugeriu que, de um  
lado, seria muito “surpreendente não se encontrar nenhum vestígio  
desse condicionamento social” sobre o pensamento econômico. Por ou-  
tro lado, escreveu que exemplares desse pensamento, mesmo os mais  
abstratos, “ao serem examinados acabam por exprimir de maneira sur-  
preendentemente direta a realidade econômica” e, cabe sublinhar com  
ênfase, que esse mesmo exame revela que “exerceram influência consi-  
derável na política real (quando não a alteraram)” (Dobb, 1977, p. 27).  
Novamente, essa influência na “política real” é pressuposta na análise  
do economista inglês e não compareceu como uma problemática em si  
mesma ao longo de suas considerações sobre o assunto.  
Um dos casos mais emblemáticos desse diagnóstico pode ser  
observado em O poder da ideologia, de István Mészáros (1989). O título  
dessa obra exemplar antecipa por si mesmo o aspecto da eficácia das  
formas de consciência. Sua estimulante análise das várias expressões  
intelectuais no amplo campo da “teoria social” revela os parâmetros  
110  
Análise da eficácia  
gerais da “ideologia dominante” para os quais o pensamento econômico  
apresenta óbvias adições. Segundo o autor, há na teoria social a tendên-  
cia em “atenuar os conflitos vigentes e eternizar os parâmetros estru-  
turais do mundo social estabelecido” (p. 15). Nosso autor colecionou  
importantes e inúmeros apontamentos que demonstram o exercício  
(ainda que não totalmente desenvolvido) de uma análise histórico-ima-  
nente das obras de intelectuais tais como Keynes, Galbraith e muitos  
outros que figuram entre protagonistas no pensamento econômico.  
Como um dos melhores representantes da tradição marxista, Mészáros  
desdobrou essa análise em exercício probante dos argumentos mais  
centrais daqueles intelectuais. Isso o habilitou a identificar as tendên-  
cias centrais da “ideologia dominante” e a adesão das formas de consci-  
ência a elas. Explicou que “precisamente em virtude do imperativo de  
assegurar a compatibilidade entre os interesses dominantes e as ten-  
dências intelectuais adotadas”, o que se espera em essência dessas for-  
mas de consciência científicas, entre elas o pensamento econômico,  
“não é a reflexão verdadeira do mundo social, com a representação ob-  
jetiva dos principais agentes sociais e seus conflitos hegemônicos”, mas,  
antes de tudo, a apresentação de apenas uma “explicação plausível, a  
partir da qual se possa projetar a estabilidade da ordem social dada” (p.  
15). Com isso, essa “ideologia dominante” tem podido ser bem-sucedida  
diante de expressões intelectuais adversárias. As análises do filósofo  
húngaro se orientaram fundamentalmente pela explicitação das liga-  
ções de várias expressões da teoria social (na qual se localiza o pensa-  
mento econômico) com esse quadro geral da “ideologia”, demonstrando  
as profundas divergências de tais expressões com respeito às tendências  
objetivas da economia capitalista. Essa orientação da obra, pois, ocupa  
precisamente o lugar da investigação sobre os modos pelos quais tais  
expressões obtiveram a efetividade aludida, isto é, o processo por meio  
do qual o poder da “ideologia” foi efetivado.  
Em síntese, a tendência principal é, até o momento, a admissão  
prévia dos efeitos do pensamento econômico no lugar da demonstração  
minuciosa.  
Em variados momentos entre os mais importantes materiais de  
Marx esse mesmo problema pode ser identificado, o que sugere ser de  
fato um aspecto que demanda maior atenção dos interessados na inves-  
tigação dos objetos ideológicos. Entretanto, há também elementos que  
111  
Determinação social do pensamento econômico  
apontam direção promissora para a importante investigação da eficá-  
cia. Devemos observar essas duas direções.  
Com efeito, já sugerimos que Marx, desde muito cedo, admitia  
a possibilidade de conversão da “teoria” em “força material” (Marx,  
2005, p. 151). Ele tinha em mente o contexto revolucionário, em que a  
teoria apanhasse o homem pela raiz. Também chamamos a atenção  
para a sua sugestão a respeito da economia política de Adam Smith que  
efetivamente apareceu tanto como “produto da indústria moderna”  
quanto como força real que “acelera e enaltece a energia e o movimento  
dessa indústria” (Marx, 1974, p. 9). Há pouco sugerimos algum papel  
desempenhado pelo pensamento econômico na depuração das “rela-  
ções econômicas das marcas feudais” (Marx, 1985a, p. 117), no aumento  
das forças produtivas etc. Igualmente destacamos a potência das “ideias  
dominantes” e sua apresentação como interesse universal, tal como re-  
gistraram as páginas de A ideologia alemã. Também sublinhamos  
como a superestrutura flui inclusive sobre o indivíduo isolado por meio  
da tradição e da educação quando evocamos o 18 Brumário.  
E nesse último material também se encontram lineamentos so-  
bremaneira importantes do lado ativo das ideias, ainda que o contexto  
seja aquele de profundas transformações na França de meados século  
XIX. É morada da passagem conhecida e repetida, e também mal com-  
preendida, segundo a qual os “homens fazem a sua própria história;  
contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles  
quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes  
foram transmitidas assim como se encontram”. O destaque, na sequên-  
cia imediata, registra que a “tradição de todas as gerações passadas é  
como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos”. Tendo em mente  
as “épocas de crise revolucionária”, tais quais tiveram por palco aquele  
país, Marx sugeriu que os protagonistas envolvidos “conjuram temero-  
samente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus  
nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar,  
com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de  
empréstimo, as novas cenas da história mundial”. Com isso fica patente  
como as ideias, mesmo as passadas, são recuperadas e mobilizadas em  
tais contextos. E a “análise das referidas conjurações de mortos da his-  
tória mundial revela de imediato uma diferença que salta aos olhos”. No  
caso, classes e grupos humanos adotaram o “figurino romano e a  
112  
Análise da eficácia  
fraseologia romana” para enfrentarem a “missão da sua época, a saber,  
a de desencadear e erigir a moderna sociedade burguesa” (Marx, 2011a,  
p. 25-26).  
Podemos observar nisso evidências da análise da eficácia que  
pretendemos destacar, pelo menos das representações passadas toma-  
das de empréstimo por uma articulação de grupos humanos portadores  
da missão de provocar a inflexão social para parir o novo naquele tempo  
e lugar. Ainda que aqui estejam destacadas as ideias políticas, por assim  
dizer, não deixa de ser alusivo à potência historicamente realizada para  
a qual a análise da eficácia necessariamente se volta. E é forçoso reco-  
nhecer que “desencadear e erigir a moderna sociedade burguesa” na  
França foi um resultado de longo alcance, modificando ao cabo a pró-  
pria estrutura econômica então existente.  
Ao sublinharmos acima o aspecto extraeconômico (tradição,  
educação), haveria mesmo lugar decisivo para as formas de consciência  
num plano ainda mais amplo, no próprio processo histórico de forja de  
uma classe trabalhadora adequada à economia capitalista. Dissemos  
mais amplo por ser um processo que vai além do contexto inglês e re-  
força a potência do aspecto extraeconômico que estamos destacando.  
No desdobrar do modo de produção capitalista, explicou Marx:  
Não basta que as condições de trabalho apareçam num polo como capital  
e no outro como pessoas que não têm nada para vender, a não ser sua  
força de trabalho. Tampouco basta obrigá-las a se venderem voluntaria-  
mente. No evolver da produção capitalista desenvolve-se uma classe de  
trabalhadores que, por educação, tradição e hábito, reconhece as exigên-  
cias desse modo de produção como leis naturais e evidentes por si mes-  
mas. (Marx, 2013, p. 808)  
As formas de consciência fluem por meio da educação, da tra-  
dição. Alcançam os indivíduos isolados, mas também classes inteiras,  
habituando-as tanto às exigências de um modo histórico de organização  
da produção e da circulação de mercadorias quanto aos requisitos de  
suas consequências cotidianas para além da economia imediata. Tais  
formas de pensamento foram auxiliares no reforço, consagração e mis-  
tificação da realidade social, apresentando-a como pronta, acabada,  
“natural”. Alude, pois, à potência historicamente realizada, isto é, a efi-  
cácia, no caso, provocadora do reconhecimento das exigências da eco-  
nomia capitalista como algo dado, evidente em si mesma. Trata-se  
113  
Determinação social do pensamento econômico  
igualmente de algo de longo alcance, de efeitos duradouros na história.  
Há de fato variados momentos probantes do lado ativo das  
ideias de diferentes tipos. Essa admissão também tocou, como vimos, o  
pensamento econômico mais especificamente. O lado ativo do pensa-  
mento econômico, que se mostra no impulso nato de influir nas condi-  
ções histórico-objetivas das quais tem gênese, foi registrado por Marx  
em variados contextos que restaram, no entanto, relativamente negli-  
genciados pelos estudiosos sobre o assunto.  
No debate público, por exemplo, a respeito de como deveriam  
reagir os trabalhadores diante das circunstâncias econômicas desfavo-  
ráveis, muitos porta-vozes das classes econômicas dominantes vieram  
a sugerir consequências problemáticas do processo de “sindicalização”  
no contexto inglês de meados do século XIX. Nesse contexto, Marx re-  
gistrou a notação de que certos economistas insinuavam nos jornais e  
em pronunciamentos públicos aos operários que, ao coligarem-se, im-  
pediriam a marcha natural da indústria, levando-os a ter que aceitar  
salários ainda mais baixos os quais, de toda sorte, resultavam tão so-  
mente da oferta e procura por mão de obra, configurando-se assim, di-  
ziam tais porta-vozes, num “esforço tão ridículo quanto perigoso a re-  
volta contra as leis eternas da economia política” (Marx, 1985a, p. 157).  
É bastante claro como essa ideia econômica e seus portadores procura-  
vam influir no conflito social segundo esse registro de Marx, dando-lhe  
algum direcionamento na vida econômica da sociedade. O palco disso  
foi aquele chamado debate público, especialmente por meio da im-  
prensa então disponível.  
A acalorada disputa em torno do livre-comércio também na-  
quele século está de certo modo registrada no discurso de Marx a res-  
peito do tema em reunião de 1848 na Associação Democrática de Bru-  
xelas. É um caso da maior importância por apontar mais do que evidên-  
cias da análise da eficácia das ideias econômicas, porquanto direciona  
a atenção para a investigação do episódio em particular, seus agentes,  
suas articulações, as ideias que portavam, seus resultados etc. Com  
efeito, as ideias econômicas então circulantes ofereciam, em essência, o  
argumento de que os impostos sobre a importação de cereais pressio-  
navam os salários para baixo. O discurso de Marx colecionou as dife-  
rentes teses conflitantes a respeito do tema, incluindo as contestações  
dos operários fabris. Relembrou que a National Anti-Corn-Law  
114  
Análise da eficácia  
League, fundada em 1838, patrocinou a difusão de trabalhos que “mos-  
trassem a influência salutar da abolição das leis sobre os cerais na agri-  
cultura inglesa” (Marx, 1985b, p. 185). Tratou-se de prêmios concedidos  
a George Hope, Arthur Morse e W. R. Greg, cujos textos foram reunidos  
e publicados em livro em 1842, sob o título The Three Prize Essays on  
Agriculture and the Corn law (Anti-Corn-Law League, 1842). Os textos  
foram “distribuídos nas zonas rurais em milhares de exemplares”, reve-  
lou Marx. Os argumentos favoráveis ao livre-comércio obtiveram  
grande expressão pública, chegando ao parlamento inglês por meio de  
políticos como Bright e Bowning. Este último, escreveu Marx (1985b, p.  
187), “conferiu a todos estes argumentos uma consagração religiosa, ex-  
clamando numa reunião pública: ‘Jesus Cristo é o free-trade; o free-  
trade é Jesus Cristo’”. Os efeitos históricos desdobrados a partir da in-  
fluência das ideias livre-cambistas são bem conhecidos, inclusive sobre  
o próprio desenvolvimento posterior do modo de produção capitalista.  
Os debates públicos parecem ser um dos palcos privilegiados  
para a observação da circulação das ideias e de sua influência potencial  
sobre o cotidiano. Salário, preço e lucro, de 1865, testemunha o im-  
pulso e a potência que guardam as ideias econômicas em influir nas de-  
cisões e ações de grupos humanos a partir da difusão pública em jornais  
e pronunciamentos. Na ocasião, esteve em pauta a reivindicação traba-  
lhista pelo aumento dos salários, se os trabalhadores organizados deve-  
riam ou não colocar essa questão em primeiro plano em sua atuação  
política. Uma das ideias econômicas então circulantes defendia que o  
aumento dos salários incorreria em aumento dos preços das mercado-  
rias, talvez mesmo acima dos próprios ganhos da renda já obtidos. Era  
uma tese frequente entre os porta-vozes das classes econômicas domi-  
nantes, mas que também alcançou o interior do movimento dos traba-  
lhadores e encontrou um defensor na figura do socialista Weston nos  
debates da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores. Du-  
rante tais debates, Marx relembrou que a tese ecoada por Weston, da  
regulação dos preços das mercadorias pelo nível dos salários, já havia  
sido enfrentada anteriormente. Devemos a Ricardo, disse Marx (1982),  
o “grande mérito de haver destruído até os fundamentos, com a sua  
obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em 1817, o  
velho erro, tão divulgado e gasto de que os salários determinam os pre-  
ços’”. Tratava-se, explicou nosso autor, de uma “falácia já rechaçada por  
115  
Determinação social do pensamento econômico  
Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente  
científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduzi-  
ram nos seus capítulos mais superficiais e de vulgarização” (p. 152). Era,  
pois, uma ideia econômica de ampla circulação, ainda que provada er-  
rada, com a qual flertaram mesmo os “investigadores científicos” da “ci-  
ência econômica” em progresso e os socialistas como Weston. Verda-  
deira ou falsa, a potência latente dessa ideia econômica em influir na  
atuação de conjunto dos trabalhadores, de produzir efeitos sobre o de-  
senrolar dos conflitos sociais, prova-se pelo próprio debate no seio da  
Primeira Internacional.  
Há também contextos mais visitados pelos estudiosos e que ser-  
vem de ângulo mais claro para a admissão da potência do pensamento  
econômico ainda que a questão de sua efetivação se apresente com mai-  
ores dificuldades de resolução. Dada a sua importância, é necessário  
considerar certos aspectos incontornáveis. Nessa direção, já aludimos  
anteriormente à missão social no capítulo sobre a análise da gênese do  
pensamento econômico. Destacamos a necessidade social dessas ideias  
como respostas às exigências e contradições da vida econômica da soci-  
edade, mesmo quando estão carentes de objetividade científica. Trata-  
se de um aspecto sobre o qual ainda recolheremos elementos em nosso  
capítulo sobre a análise ontognosiológica. Aqui interessa sublinhar a  
potência do pensamento econômico.  
A esse respeito, Marx chegou a escrever que a economia política  
clássica, nas figuras de Adam Smith e David Ricardo, procurou, em  
atendimento àquela necessidade, apresentar o modo de produção capi-  
talista como superior ao feudalismo e aos seus resquícios então persis-  
tentes. Diante dessa necessidade, abriu-se a possibilidade de verificar  
seus teoremas à luz da realidade objetiva, guardando um impulso de  
verdade científica. E como também assim procedia como prolonga-  
mento ideal munido de impulso científico a partir da posição social as-  
cendente da burguesia sobretudo industrial, redundou na missão social  
de apresentar a “ordem capitalista como a forma última e absoluta da  
produção social, em vez de um estágio historicamente e transitório de  
desenvolvimento” (Marx, 2013, p. 85).  
Essa missão social pôde permanecer ativada no pensamento  
econômico mesmo com sua progressiva perda de potência científica.  
Isso porque a missão histórica e revolucionária desse pensamento em  
116  
Análise da eficácia  
enfrentar os resquícios feudais e provar a superioridade do capitalismo  
nascente, converteu-se gradativamente em argumentos de pura defesa  
e conservação do capitalismo diante das críticas intelectuais e especial-  
mente práticas no desenrolar do século XIX, tanto diante das crises eco-  
nômicas quanto das reivindicações trabalhistas. A elevação do conflito  
social produziu uma inflexão no pensamento econômico. Como Marx  
(2013, p. 86) mesmo escreveu, o “lugar da investigação desinteressada  
foi ocupado pelos espadachins a soldo, e a má consciência e as más in-  
tenções da apologética substituíram a investigação científica impar-  
cial”.  
O pensamento econômico assim modificado permaneceu com  
a tarefa histórica de apresentar a economia capitalista como a última  
forma, mas os meios para isso variaram já nas condições daquele sé-  
culo. Houve esforços embrionários de descrever certas tendências e  
mesmo escolas (Marx, 1985a; Marx; Engels, 2005). Marx (2013) subli-  
nhou certa vez pelos menos três, entre elas certa tendência “histórica”  
comum aos intelectuais e copiadores alemães. Mas para nosso propó-  
sito bastam a “economia vulgar” e o “sincretismo”. O propósito não  
pode ser o de longas considerações, sendo suficiente o traçado geral que  
implica a potência do pensamento econômico, mesmo porque é um  
tema a ser tratado de modo dedicado em capítulo adiante. Assim, tendo  
Bastiat como um dos seus principais expoentes, a “economia vulgar”  
moveu-se como pura apologia do capital, procurando expurgar as con-  
tradições do cenário concreto e teórico por todos os meios disponíveis  
e que não oferecessem obstáculos ao ponto de vista dos agentes práticos  
que personificavam os interesses econômicos dominantes. Tomando o  
modo de produção como algo natural e fazendo a defesa dessa natura-  
lidade, operou para impedir que as contradições objetivas emergissem  
também no plano teórico, expulsando-as por meio de todo tipo de ma-  
labarismo verbal. Aqui, qualquer impulso de verdade objetiva foi trans-  
formado em pura defesa do capital.  
Quanto ao “sincretismo”, cabe destacar a figura de J. S. Mill  
como instrutivo exemplar dessa tendência. Como explicou Marx,  
A revolução continental de 1845-1849 repercutiu também na Inglaterra.  
Homens que ainda reivindicavam alguma relevância científica e que as-  
piravam ser algo mais do que meros sofistas e sicofantas das classes do-  
minantes tentaram pôr a economia política do capital em sintonia com as  
117  
Determinação social do pensamento econômico  
exigências do proletariado, que não podiam mais ser ignoradas. Daí o  
surgimento de um sincretismo desprovido de espírito, cujo melhor repre-  
sentante é Stuart Mill. (Marx, 2013, p. 86)  
Diante da contínua insistência das contradições que (irremedi-  
avelmente) brotam da essência da economia capitalista, coube ao plano  
teórico da posição social de J. S. Mill (incluindo sua reivindicação e as-  
piração acima) acomodar as forças que renovadamente entram em con-  
flito teórico e prático e de modos diretos e indiretos. Tratava-se de res-  
posta peculiar aos conflitos decorrentes da própria essência da econo-  
mia capitalista, mas de conflitos que poderiam ser ao menos remedia-  
dos. Têm lugar especial nesse esquema as “funções governamentais ne-  
cessárias e optativas” (Mill, 1848/1996, p. 369), cobrindo uma vasta  
gama de ações delimitadas às condições de casos concretos. A atenção  
aqui concedida ao sincretismo de Mill, que o transcendeu particular-  
mente no século seguinte, tem por fito indicar certa diferença em rela-  
ção àquela “economia vulgar”. Diferentemente desta, reconhece-se em  
parte as contradições da economia capitalista e seus efeitos mais apa-  
rentes, mas grande energia é depositada nas mediações destinadas a  
harmonizar as forças em conflito. As funções governamentais surgem  
aqui como uma dessas mediações incontornáveis ao próprio desenvol-  
vimento da vida econômica da sociedade sob sua forma capitalista; um  
tipo de intervencionismo calculado que fará época daqueles anos em  
diante (aspecto ao qual votaremos ainda neste capítulo). Aqui se coloca  
o sincretismo de Mill, como escreveu Marx (2013, p. 87), “na tentativa  
de conciliar o inconciliável”. O ponto central não é tanto essa concilia-  
ção por si mesma, mas o pressuposto ali contido, e amplamente difun-  
dido a partir de então, de que as ameaçadoras contradições da econo-  
mia capitalista podem ser continuamente administradas por meio de  
modificação gradativa, experimentação cautelosa, engenharia social  
etc. Mas isso esteve colocado de modo apenas embrionário com Mill,  
sobretudo por se tratar do contexto de 1848. Foi posteriormente desen-  
volvido de maneira complexa e complicada em termos societais e  
econômicos por intelectuais aparentemente muito diferentes (tais como  
Hayek, Popper, Keynes, Galbraith, Friedman etc.).  
Não importando se de modo “vulgar” ou “sincrético”, há certa  
linha de continuidade que cortou a transição entre os séculos XIX e XX  
que habilitou a opinião segundo a qual a “economia política surgiu  
118  
Análise da eficácia  
como uma apologética de uma certa ordem social e continua sendo uma  
apologética hoje” (Dobb, 1932, p. 138) de variadas maneiras, explícitas  
ou implícitas, diretas ou oblíquas. Essa linha de continuidade, no en-  
tanto, lamentavelmente não poderá ser fixada para nossa atenção intei-  
ramente dedicada. Utilizaremos alguns pontos dessa continuidade adi-  
ante tendo por horizonte trazer à tona a problemática da análise da efi-  
cácia (que por si só já nos remente, como já alertado, ao plano mais  
concreto-empírico) como elemento da unidade do método materialista.  
Tanto mais porque se, de um lado, está muito claro o reconhecimento  
da potência do pensamento econômico em influenciar a vida econômica  
da sociedade, por outro lado não está plenamente desenvolvida a inves-  
tigação concreta quanto aos seus reais efeitos.  
Considerações adicionais são, portanto, necessárias ao avanço  
sobre o cume luminoso no que se refere mais especificamente ao pen-  
samento econômico. Por exemplo, não temos investigação dedicada aos  
efeitos daquele debate público a respeito da sindicalização e dos níveis  
dos salários sobre a ação organizada dos trabalhadores naquele tempo  
e lugar. Caberia também especificar o grau de eficácia da missão social  
do pensamento econômico em apresentar o modo de produção capita-  
lista como última forma, como algo natural e não histórico e temporário  
o que se apresenta como algo complexo e desafiador à tarefa investi-  
gativa. Teria também lugar nessa especificação às variantes dessa mis-  
são social básica, tais como a potência contida na reta apologia patroci-  
nada pela “economia vulgar” e na oblíqua defesa na forma do “sincre-  
tismo”.  
Ao mesmo tempo, há outros exemplos sugestivos da eficácia. O  
18 Brumário, como vimos, sugeriu elementos importantes do papel das  
ideias naquele contexto de desenvolvimento da economia capitalista.  
Ainda mais peculiar é o papel das ideias propriamente econômicas  
como no caso do livre-comércio. Ele é sugestivo demais para não ser  
destacado como indicativo do caminho ao cume, precisamente por tra-  
zer à baila as ideias econômicas, seus portadores, a articulação entre  
grupos de intelectuais, associação financiada de defesa do livre-comér-  
cio, políticos no parlamento com discursos evocativos, o efeito na pró-  
pria política econômica correspondentemente adotada etc.  
Esse esboço geral de indicações favoráveis e desfavoráveis não  
pode ser encarado como índice de insuficiência de formulação básica,  
119  
Determinação social do pensamento econômico  
como já insistimos neste livro a respeito do lado ativo das ideias, parti-  
cularmente quando consideramos anteriormente a predicação ativa do  
pensamento em capítulo dedicado ao assunto. Sabemos de partida,  
pois, que interessa ao materialismo precisamente capturar o movi-  
mento entre a condição econômica e as formas de consciência dela his-  
toricamente paridas, ambas mediadas pela vida cotidiana que verte  
uma na outra. Falsas ou verdadeiras, as formas de consciência circulam  
em tempos e lugares diferentes. Fluem na vida econômica da sociedade.  
Diante das contradições existentes, entram em conflitos complexos, em  
si e entre si, e obtêm efeitos em graus variados sobre as condutas hu-  
manas. Isso vale para diferentes formas de consciência, das filosófico-  
científicas às políticas, jurídicas, artísticas e seus diferentes gradientes  
de materialidade e de conexões com aparatos objetivos de mediação dos  
mais variados tipos (estado, empresa, organizações políticas, think  
tanks, institutos etc.). Serve aqui de breve exemplo o processo de difu-  
são das tendências reacionárias da filosofia na Alemanha, com as várias  
edições das obras de Schopenhauer e de Nietzsche, passando pelas uni-  
versidades, conferências, jornais etc. Como escreveu Lukács (2020, p.  
78), “Hitler e Rosenberg levaram para as ruas tudo que foi dito sobre o  
pessimismo irracionalista desde Nietzsche e Dilthey até Heidegger e  
Jaspers em confortáveis poltronas de couro, em salões intelectuais e ca-  
fés”.  
E é precisamente nesse quadro processual, isto é, do movi-  
mento para o qual a unidade do método materialista se volta, que o pen-  
samento econômico pode ser incluído de modo semelhante à filosofia,  
porém como uma forma de consciência científica, nos termos já trata-  
dos anteriormente como objeto ideológico. Naquela oportunidade, de-  
limitamos o pensamento econômico em conjunto com as ciências soci-  
ais em termos constitutivos, isto é, de que em sua gênese tais ciências  
visam “provocar modificações na consciência dos homens” (Lukács,  
2013, p. 563). De formas variadas, possuem o propósito imanente de  
influir na apresentação de alternativas, nas decisões e atuações dos gru-  
pos humanos diante das exigências fáticas que emanam da vida mate-  
rial. Chamamos a atenção para o fato de que as ciências sociais possuem  
também a tarefa de recolher materiais, verificar evidências, explicar  
eventos etc., dadas as exigências colocadas às tarefas científicas na or-  
dem da divisão do trabalho que também se impôs ao campo do  
120  
Análise da eficácia  
conhecimento. Configura-se, assim, a dupla tarefa das ciências sociais,  
tarefas simultâneas que a demarcam como exercício de cientificidade e  
de respostas aos conflitos sociais postos.  
É decisivo ter claro que da tarefa de influir nas escolhas huma-  
nas não decorre uma nata “incapacidade para constatações ou teorias  
científicas objetivas” (Lukács, 2013, p. 563-564). Há evidentes exem-  
plos do contrário no próprio pensamento econômico. Por exemplo:  
o ponto de partida da economia de Sismondi é inquestionavelmente ide-  
ológico: a luta por uma tendência de desenvolvimento da economia capi-  
talista, que teria a função de evitar as suas perigosas contradições. Porém,  
esse posicionamento é fundamentado com uma análise econômica que,  
em sua correção objetiva, marcou época na ciência: com a comprovação  
da legalidade econômica das crises econômicas a partir de um determi-  
nado patamar de desenvolvimento do capitalismo. A justificativa cientí-  
fica dessas teses teve de ser reconhecida inclusive pelo seu grande antí-  
poda Ricardo (para quem, diga-se de passagem, o fundamento de sua  
própria objetividade científica, o exame da economia capitalista do ponto  
de vista dos interesses do capital total, era igualmente determinado pela  
ideologia). (Lukács, 2013, p. 563-564)  
Os casos de Sismondi e Ricardo obviamente não devem ser ex-  
trapolados. Cumprem aqui a função de explicitar que se trata de uma  
unidade entre o impulso de conhecer a realidade objetiva em si mesma  
(ainda que a potência possa ser discutível quando não inteiramente eli-  
minada pela “vulgaridade”) e de apresentar respostas como alternativas  
às exigências historicamente postas. É uma unidade de constituição das  
ciências sociais entre as quais inclui-se o pensamento econômico. Am-  
bas as tarefas são passíveis de avaliação, isto é, tanto sua objetividade  
científica quanto sua eficácia, seus efeitos sobre a realidade social.  
É importante dizer que objetividade e eficácia não apresentam  
uma única relação. Verdades e falsidades científicas apresentam in-  
fluências diversas no cotidiano da vida material porquanto é uma ques-  
tão de ordem histórico-concreta e não um problema que possa ser re-  
solvido no puro plano da teoria do conhecimento. É, pois, plenamente  
possível considerá-las também separadamente e de modo tal que a ve-  
rificação da objetividade será assunto para a análise ontognosiológica  
que veremos em capítulo posterior.  
Quanto à sua eficácia, devemos considerar aqui a sombra que a  
já referida “ideologia” faz sobre o assunto, visando desembaraçar mal-  
entendidos seculares. E não é por outro motivo senão o fato de que se  
121  
Determinação social do pensamento econômico  
acumularam muitas páginas a respeito da relação entre teoria econô-  
mica e “ideologia”. É um tema que demandaria muito espaço. Mas é  
possível fazer um destaque de certa tendência curiosamente comum a  
diferentes tradições. Não que nuances e contraditos estejam ausentes  
nas e entre as elaborações particulares, mas comparece em Schumpeter  
(2006), Robinson (2021), Dobb (1977) e Rubin (2014), apenas para ci-  
tar alguns intelectuais de ampla repercussão e de tradições diferentes,  
a tendência em considerar a “ideologia” como um fator exógeno e intru-  
sivo ao pensamento econômico (ver Paço Cunha, 2024). Essa tendência  
é problemática e difere da posição mais consequente que apenas esbo-  
çamos no capítulo a respeito do objeto ideológico, cabendo agora esta-  
belecê-la com maior clareza, uma vez que a questão da eficácia das  
ideias econômicas como forma de consciência científica coloca em pri-  
meiríssimo plano sua conversão em ideologia. Os variados elementos  
já colecionados neste capítulo são auxiliares a esse propósito, sobretudo  
no que se refere às indicações sobre a eficácia e suas consequências  
eventualmente profundas e duradouras.  
De tal maneira, a atenção não recai sobre a suposta interferên-  
cia externa da “ideologia”, mas o próprio pensamento econômico ver-  
tido em ideologia a partir de seus efeitos concretos sobre a vida econô-  
mica da sociedade. A questão de fundo está em estabelecer como as  
ideias econômicas se transformaram em ideologia, isto é, como sua po-  
tência imanente de gênese se converteu em eficácia concreta em dife-  
rentes tempos e lugares e a profundidade de seus efeitos. Para tanto, é  
necessário estabelecer as noções fundamentais desse problema que até  
aqui foram apenas tangenciadas.  
Nessa direção, ainda que o pensamento econômico, no quadro  
geral das ciências sociais, vise, como sublinhado, “provocar modifica-  
ções na consciência dos homens” como uma de suas tarefas ao lado da  
complementar aspiração por conhecer as coisas em si, esse propósito  
imanente pode ou não receber confirmação, pode ou não ter eficácia. É  
necessário repetir que aqui estamos diante da possibilidade de conver-  
são das ideias econômicas em ideologia e não, como é mais frequente  
mesmo na tradição marxista, considerar a ideologia como fator externo  
e interferente. Temos em mente, portanto, que “a mais pura das verda-  
des objetivas pode ser manejada como meio para dirimir conflitos soci-  
ais” na medida em que “ser ideologia de modo algum constitui uma  
122  
Análise da eficácia  
propriedade social fixa das formações espirituais”. Ao contrário, a ide-  
ologia comparece essencialmente não como falsidade ou verdade, mas  
como uma “função social” (Lukács, 2013, p. 564). Vemos nisso que “não  
decorre nem que a correção científica deva inibir o poder de persuasão  
da ideologia como ideologia, nem que algo surgido de modo puramente  
científico não possa desempenhar um grande papel ideológico” (p. 565),  
isto é, influir na realidade social. Em suma, “nem um ponto de vista in-  
dividualmente verdadeiro ou falso, nem uma hipótese, teoria etc., cien-  
tífica verdadeira ou falsa constituem em si e por si só uma ideologia:  
eles podem vir a tornar-se uma ideologia”. Ocorre, assim, que “podem  
se converter em ideologia só depois que tiverem se transformado em  
veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos sociais, se-  
jam estes de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do  
mundo ou episódicos” (p. 467).  
Fica evidente que interessa o lado ativo das “formações espiri-  
tuais”, ou melhor, a ativação efetiva de sua potência imanente. “Algo”,  
é importante insistir, “transforma-se em ideologia, não nasce necessa-  
riamente ideologia, e essa transformação depende de vir a desempe-  
nhar uma função precisa junto às lutas sociais em qualquer nível des-  
tas” (Vaisman, 2010a, p. 51). Está diretamente em foco “analisar este  
fenômeno essencialmente pela função social que desempenha, ou seja,  
enquanto veículo de conscientização e prévia-ideação da prática social  
dos homens” (p. 51). Desse ângulo, entende-se que o destaque recai so-  
bre o “momento ideal da ação prática dos homens”, pois “qualquer rea-  
ção ou resposta sejam elas produzidas pela ciência, pela filosofia, pela  
religião, pela tradição etc. construídas pelos indivíduos como forma  
de atuar sobre os problemas postos pelas situações histórico-sociais,  
pode tornar-se ideologia, quando fornece elementos e condições para  
conscientizar, orientar e operacionalizar a prática social” (Fortes, 2013,  
p. 262-263). Vale agravar o aspecto prático envolvido na natureza da  
questão. Nela está o “imperativo de se tornar praticamente consciente  
do conflito social fundamental [...] com o propósito de resolvê-lo atra-  
vés da luta” (Mészáros, 1989, p. 23).  
Isso traz à baila a ativação das formações ideais como “veículo  
teórico ou prático”, da maneira dita anteriormente, como “meio para  
dirimir conflitos sociais”. Bem entendido, uma formação ideal tem sua  
potência efetivada em ideologia quando mobilizada por classes sociais  
123  
Determinação social do pensamento econômico  
e grupos humanos em meio a tais conflitos. Ganha, assim, “força mate-  
rial” por meio da ação dessas classes e grupos, engendra efeitos sobre a  
vida econômica da sociedade. É preciso sublinhar aí o fato de que de-  
sempenha uma função social específica em meio às contradições dessa  
sociedade. Todas as indicações colecionadas até aqui, tanto as direta-  
mente favoráveis quanto as parciais, apontam para uma síntese deci-  
siva: o que estabelece uma ideia econômica como ideologia não é sua  
falsidade ou verdade, mas os efeitos histórico-concretos que engendra  
por meio da ação das classes e agrupamentos sociais em meio aos con-  
flitos, sobretudo no que se refere àqueles essenciais que decorrem do  
modo de produção e distribuição da riqueza social.  
Mas, para tanto, é necessário adicionar com clareza o aspecto  
da duração desses efeitos, acima apenas aludido. Esse aspecto não é  
compreendido limitadamente ao seu sentido extensivo, mas também  
intensivo, em termos de profundidade dos efeitos, do alcance das con-  
sequências provocadas. Para colocar em primeiro plano esse aspecto  
quando referente ao pensamento econômico como forma de consciên-  
cia científica, passa a ser muito útil recorrer novamente a uma breve  
comparação geral com a política e a filosofia, tomando-as como ideolo-  
gias diferentes, como “veículo prático e teórico” respectivamente.  
Tendo em mente primeiramente a práxis política, devemos ob-  
servar as “sequências causais desencadeadas pela decisão política em  
cada caso concreto”. Não tem lugar para um mero “lapso de tempo abs-  
trato, quantitativamente determinável”, mas se e como o acionamento  
dos novos elos “influem efetivamente nas tendências econômicas deci-  
sivas que entraram em crise”. Assim, é possível sustentar que:  
a duração pode proporcionar um critério para uma decisão política so-  
mente na medida em que suas consequências atestarem claramente que  
ela, não importando com que fundamentação ideológica, foi capaz de in-  
cidir em certas tendências reais do desenvolvimento social, se e como as  
cadeias causais desencadeadas por ela influíram efetivamente nesse de-  
senvolvimento. (Lukács, 2013, p. 507)  
Por seu turno, considerando a filosofia com uma forma ideoló-  
gica particular vis-à-vis a política, sobretudo quanto ao seu objeto cen-  
tral, qual seja, o gênero humano e os grandes problemas de seu desen-  
volvimento (Lukács, 2013, p. 543), a consideração da duração das “ide-  
ologias puras” [como a filosofia] deve levar em conta que:  
124  
Análise da eficácia  
muitos desses efeitos são muito menos diretos [...], mas eles sempre po-  
dem ser derivados das questões centrais atinentes ao gênero, com as  
quais as pessoas se debatem, em cada caso concreto, no cotidiano, na po-  
lítica, nas suas tentativas de obter um rumo no plano da concepção de  
mundo, com o auxílio das quais elas tentam dirimir cada um dos seus  
conflitos. É por isso que os efeitos duradouros das ideologias puras reve-  
lam uma desigualdade tão marcante, com muita frequência um emergir  
repentino e em seguida um submergir igualmente repentino. (Lukács,  
2013, p. 557)  
Seja de maneira mais incidente sobre as tendências reais dos pro-  
cessos históricos, como a política, seja de modo menos direto e com  
efeitos muito desiguais, como na filosofia, passa a ser importante reco-  
nhecer que o “critério da duração junta-se ao da eficácia, no sentido de  
que não entendido como um intervalo de tempo abstrato, mas sim em  
termos da profundidade da ação pode indicar se realmente a cadeia  
causal posta em movimento” (Vaisman, 2010a, p. 54), pela política ou  
pelas ideologias puras, produziu efeitos no plano mais essencial do de-  
senvolvimento social em direções diversas. Dito de outro modo, as “vá-  
rias formas ideológicas de consciência social acarretam [...] diversas im-  
plicações práticas de longo alcance” (Mészáros, 1989, p. 23).  
Ainda mais decisivo é a notação de que a duração respeita as par-  
ticularidades das formas ideológicas consideradas (política e filosofia)  
e apresenta desigualdade em suas determinações reflexivas e em suas  
tendências gerais, jamais dispensando a análise histórico-concreta de-  
las em tempos e lugares particulares. O mesmo tem, pois, validade para  
o caso das ideias econômicas como forma de consciência científica em  
uma posição intermediária entre a política e a filosofia, munindo-se de  
ambas de um modo especial. Para tanto, vale retomar de capítulo pre-  
gresso as envolvidas especificidades da política, da filosofia, da ciência  
e do próprio pensamento econômico nessa seara.  
Primeiramente, devemos admitir, seguindo Lukács (2013), que a  
“ideologia política visa apreender de modo real, prático, os momentos  
de cada complexo de crises, cuja decisão pode levar mais ou menos es-  
pontaneamente ao deslindamento prático do complexo global”. Por ou-  
tro lado, “toda filosofia significativa”, como exemplar das “ideologias  
puras” (mais “desmaterializadas”, portanto), encontra-se “empenhada  
em oferecer um quadro geral do estado do mundo, que, da cosmologia  
até a ética, procura sintetizar todas as conexões de tal maneira que, a  
partir delas, também as decisões atuais se revelam como momentos  
125  
Determinação social do pensamento econômico  
necessários das decisões que determinam o destino do gênero humano”  
(p. 555).  
Por seu turno, vimos que as ciências sociais desempenham  
aquela dupla tarefa. Há a tarefa de conhecer as coisas como são e é pos-  
sível destacar nisso sua reciprocidade com a filosofia, conforme vimos  
no capítulo sobre o objeto ideológico, em que a filosofia controla a ciên-  
cia “por cima” e esta controla aquela “por baixo”. Há também a tarefa  
de influir nas alternativas, o que sugere igualmente sua interface tanto  
com a filosofia quanto com as decisões políticas, uma vez que o pensa-  
mento econômico recorre inevitavelmente ao “quadro do mundo” e si-  
multaneamente procura influir de modo prático no “complexo de cri-  
ses”. Isso se evidencia muito claramente na tendência mais ou menos  
desenvolvida de trazer para o quadro da análise econômica os destinos  
da humanidade.  
Vemos nisso nexos nada desimportantes que também se sobres-  
saltam quando observamos a especificidade do pensamento econômico  
como forma de consciência científica. Dissemos antes, no capítulo sobre  
o objeto ideológico, que é específico do pensamento econômico respon-  
der tanto ao deciframento das condições e modos de produzir e distri-  
buir a riqueza social gerada quanto ao conflito que advém do problema  
essencial continuamente produzido de estabelecer a organização da  
vida econômica da sociedade. O grau de aproximação do deciframento  
não está em questão no momento, como já dito. Quanto às respostas ao  
conflito, parece ser inevitável, ainda que em diferentes gradientes, apre-  
sentar tanto um “quadro geral do estado do mundo”, como faz a filoso-  
fia, mesmo que isso signifique focalizar a economia, e nela as dimensões  
mais depuradas e menos abstratas, quanto promover o acionamento fá-  
tico dos nexos que “influem efetivamente nas tendências econômicas  
decisivas que entraram em crise”. Está, pois, colocada a questão de des-  
crever coerente e convincentemente o que é a economia capitalista, seu  
funcionamento, suas tendências e suas implicações para o futuro do gê-  
nero humano, bem como influir na direção das decisões que procuram  
operar sobre essa matéria.  
Há diferentes manifestações dessa possibilidade, variando tam-  
bém, digamos, o seu nível e sua amplitude em tempos e lugares diferen-  
tes. O exemplo do debate público da regulação dos salários sobre os pre-  
ços das mercadorias pode sugerir uma influência localizada, episódica  
126  
Análise da eficácia  
em contendas trabalhistas de um momento histórico na Inglaterra. Mas  
decisões mais amplas a respeito do livre-comércio, por exemplo, reque-  
reu no século XIX ativação de forças políticas (e estatais) que pudessem  
generalizar as consequências pretendidas. Assim, o pensamento econô-  
mico possui uma amplitude de influência potencial, alcançando as me-  
didas específicas em unidades produtivas, o debate público, as políticas  
governamentais etc. Nisso se destaca a possibilidade de deságue na vida  
cotidiana, abarcando o conjunto de uma sociedade, especialmente por  
mediação da esfera política e de sua expressão na política econômica,  
esta última tomada aqui de modo mais amplificado do que o habitual.  
Reverbera aqui, o que já foi referido, a capacidade de provocar efeitos  
sobre as tendências reais, de acionar cadeias causais que incidem na di-  
reção da vida econômica da sociedade.  
Tendo em mente essa amplitude de influência potencial, o estudo  
da eficácia encontra as melhores condições quando importantes ocor-  
rências já se consolidaram, produziram seus efeitos que, agora, podem  
ser analisados. Marx chamou a atenção para o fato de que a análise ci-  
entífica das “formas da vida humana”, disse, “percorre um caminho  
contrário ao do desenvolvimento real” uma vez que ela “começa post  
festum e, por conseguinte, com os resultados prontos do processo de  
desenvolvimento” (Marx, 2013, p. 150). Em tais resultados prontos por  
regra não está à mostra o processo histórico desdobrado. Isso tem valor  
especial para a pesquisa dos objetos ideológicos também. Para o estudo  
do aspecto ativo da funcionalidade das ideologias, Lukács (2020) nos  
deu a relação entre as tendências reacionárias na filosofia e o nazifas-  
cismo alemão. O estudo levado a cabo pelo filósofo teve início após os  
eventos que permitiram identificar aquilo pelo que se designa concre-  
tamente por nazifascismo. Não significa que antes da coisa acabada,  
pronta, não se pudesse capturar e expressar tendências. Mas, como sa-  
bemos, são múltiplas as tendências e forças “contrarrestantes” no mo-  
vimento histórico frequentemente efetivado “aos trancos e barrancos e  
ziguezagues” (Engels, 2010, p. 475). Assim, a análise científica encontra  
condições mais adequadas com o objeto integralmente desenvolvido.  
Ou, como Chasin (2009, p. 135) designou, a “presença histórica do ob-  
jeto”, sua maturação objetiva que, no nosso caso, configura-se como a  
relação entre o pensamento econômico e determinados eventos de sua  
influência.  
127  
Determinação social do pensamento econômico  
Com o propósito de aprofundar os fundamentos da análise da efi-  
cácia nessa direção, é possível destacar aquelas ocorrências de maior  
amplitude de influência potencial do pensamento econômico. Temos  
em mente a influência dessa forma de consciência científica nas deci-  
sões políticas, sobretudo aquilo que se convencionou chamar de “polí-  
tica econômica” tomada novamente em sentido alargado. A afirmação  
pretérita, segundo a qual as ideias econômicas “exerceram influência  
considerável na política real (quando não a alteraram)” (Dobb, 1977, p.  
27), reencontra nesse particular um amplo espectro de possibilidades.  
O registro disso comparece em muitos analistas, inclusive entre os mar-  
xistas mais destacados. Lange, por exemplo, considerou que:  
Na economia política, destaca-se o papel crescente dessa ciência como  
instrumento de controle social. Nas condições capitalistas, o ponto de  
partida de tal tendência foi o interesse no estudo e controle dos ciclos  
econômicos que se desenvolveram logo após a Primeira Guerra Mundial  
e, mais tarde, o interesse nas causas do desemprego em massa e nos pro-  
blemas da política de pleno emprego. Este último estava ligado ao desen-  
volvimento de novas teorias econômicas, primeiro na Suécia e depois for-  
muladas na obra de John Maynard Keynes e na direção do pensamento  
econômico que ele iniciou. Outra linha paralela de desenvolvimento fo-  
ram os estudos ligados ao uso ótimo dos recursos que receberam o nome  
de economia do bem-estar. No entanto, esses estudos, em grande me-  
dida, adquirem significado prático apenas sob condições de planeja-  
mento econômico desenvolvidas nos países socialistas. (Lange, 1964, p.  
527)  
Em qualquer direção, do “estudo e controle dos ciclos econômi-  
cos” ou do “uso ótimo dos recursos”, sobressalta-se a potência das ideias  
econômicas as quais, por mediação do complexo político, pode obter  
deságue sobre a totalidade da vida econômica de uma sociedade, funci-  
onando tal ciência como “instrumento de controle social” – claramente  
entendido no sentido de meio de direção das economias em questão.  
Talvez essa seja a modalidade de possibilidade objetiva de eficácia que  
ganhou relevância nos séculos XX e XXI, precisamente pela abrangên-  
cia da influência de tais ideias por mediação da articulação de classes e  
grupos humanos materializada nas composições e coalizões políticas  
em dados contextos históricos. Confirma-se com isso que o pensamento  
econômico precisa dar uma descrição geral da economia capitalista, seu  
funcionamento peculiar, e recomendar quais mecanismos acionar  
como resposta às condições das crises, aos conflitos sociais sempre  
128  
Análise da eficácia  
renovados.  
Também aqui, porém, têm lugar importantes considerações a  
respeito dessa influência, mesmo para aqueles casos em que pratica-  
mente se estabeleceu predominantes pontos de vista. É o caso de ex-  
pressões tais como o “keynesianismo” que teria, segundo grande vo-  
lume de páginas, vigorado aproximadamente entre 1945 e 1975. Nessa  
rubrica são solares tanto o impulso em conhecer os nexos da economia  
capitalista quanto a volição de convencimento sobre quais e como acio-  
nar tais nexos sob a égide, pelo menos declarada, das “possibilidades  
econômicas aos nossos netos” (Keynes, 1930/2013a, p. 321). Não é fácil  
ignorar o fato de que encontramos nas muitas linhas deixadas por Key-  
nes uma espécie de síntese de respostas teóricas e práticas acumuladas  
a partir das experiências e propensões, digamos, “pré-keynesianas”, so-  
bretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos (Blaug, 1991), mas também  
na Alemanha desde o século XIX, com Bismarck, e na Rússia revoluci-  
onária após 1917.  
Isso por si só já sugere haver muitas questões embaraçadas na  
chamada “revolução keynesiana” que mereceriam atenção. Uma delas é  
a opnião do seu principal protagonista a respeito das melhores condi-  
ções de realização da doutrina. Como disse o próprio economista inglês  
em 1940, tudo indicava ser “politicamente impossível para uma demo-  
cracia capitalista organizar os gastos na escala necessária para fazer os  
grandes experimentos que comprovariam meu argumento exceto em  
condições de guerra” (Keynes, 1940/2013b, p. 149). As condições de  
guerra favoreceriam, pois, a realização da doutrina. E favoreceram de  
fato. Houvesse tempo, Keynes daria razão nesse particular a Mattick  
(1969/1981), para quem o fato mais decisivo foi que a própria guerra  
mundial em sua segunda edição teria tornado variadas medidas, como  
dispêndios governamentais, administração dos preços etc., algo neces-  
sário em termos práticos e não por efeito direto do keynesianismo. Es-  
tava em questão os altos investimentos para a reconstrução das econo-  
mias, expansão dos empregos e aumento das rendas.  
Ao mesmo tempo, porém, seria bastante imprudente suspender  
qualquer influência das ideias colecionadas sob aquela rubrica “keyne-  
sianismo”. Mesmo porque já estamos cientes, como nos informou Mat-  
tick, de algumas divergências e convergências entre as alas keynesianas  
conservadora e radical então existentes dentro e fora das burocracias  
129  
Determinação social do pensamento econômico  
estatais nas principais economias do assim chamado “ocidente”. Diante  
de certo objetivo comum em aumentar as obras públicas úteis e o pa-  
drão de vida, divergiam quanto aos meios. Os radicais, geralmente fora  
da burocracia estatal, defendiam, para tanto, “intervenções do governo  
em uma escala como ocorre apenas em condições de guerra”, as mes-  
mas sugeridas por Keynes como de fato as mais favoráveis às suas  
ideias. Já os conservadores, frequentemente ocupantes de cargos na es-  
trutura do estado, defendiam “políticas governamentais” que fortale-  
cessem “em vez de enfraquecer a economia da iniciativa privada” (Mat-  
tick, 1969/1981, p. 164). Havia, pois, grupos humanos portadores da-  
quelas ideias tanto no debate público quanto no interior da estrutura  
estatal em muitos países, procurando influir na direção de suas econo-  
mias capitalistas e, quiçá, para além delas, dadas as conexões existentes  
no mercado mundial muito bem compreendidas bem antes do acordo  
de Brentton Woods em 1944.  
Esse nó quanto às influências das ideias econômicas pode ser  
desatado apenas mediante a compreensão de que, assim como não  
existe uma causalidade mecânica entre estrutura econômica, cotidiano  
(práxis) e superestrutura ideológica, também não existe causalidade  
desse tipo em direção oposta, isto é, entre tais formas de consciência e  
as medidas efetivamente tomadas voltadas a dar uma direção sobre a  
vida econômica da sociedade. Não há qualquer razão para supor que  
haveria espelhamentos diretos desse tipo em qualquer direção que se  
considere a questão. Isso foi demonstrado de modo convincente por  
Lukács (2020, p. 77), para quem era muito clara a “preparação ideoló-  
gica” desempenhada pelas tendências reacionárias na filosofia alemã do  
período imperialista como antessala do nazifascismo. É importante fri-  
sar, portanto, a diferença entre causalidade direta e preparação. Em  
suas considerações, Lukács destacou o papel desempenhado pela filo-  
sofia irracionalista na preparação do terreno, no fornecimento da, por  
assim dizer, matéria-prima ideal, teórica, à ativação das condições sub-  
jetivas das quais dependeram os processos que levaram ao horror.  
Assim considerada a questão, fica patente tanto a potência das  
ideias econômicas na figura do keynesianismo quanto as condições his-  
tóricas que facultaram tal potência ser realizada. Não é lugar para o es-  
tudo detalhado do problema, como já alertamos, uma vez que deman-  
daria muito espaço e que nosso interesse está limitado à indicação dos  
130  
Análise da eficácia  
aspectos fundamentais da análise da eficácia no método materialista.  
Mas é possível sugerir que, em termos gerais, as condições de guerra  
serviram como contexto geral habilitador enquanto aquela doutrina  
possibilitou a preparação ideológica para a necessária reconstrução das  
economias capitalistas em que, como todos sabem, a alta escala dos gas-  
tos públicos não poderia ser totalmente contornada, nem a temporária  
acomodação (sincrética à la Mill) do potencial conflito protagonizado  
pela classe trabalhadora em diferentes países. E como foi sugerido an-  
teriormente em outro contexto de nossa discussão, o núcleo da questão  
não parece ser aquilo que surge superficialmente entre os proponentes  
da doutrina em tela. Enquanto a doutrina se apresenta como modali-  
dade de política econômica voltada ao gasto público útil e ao padrão de  
vida, essencialmente o ponto central dela é o convencimento de que as  
“democracias capitalistas”, com suas contradições e antagonismos, po-  
dem ser administradas indefinidamente em nome do futuro da huma-  
nidade (ou dos “netos”), não requerendo grandes transformações estru-  
turais nas próprias relações sociais que as fundamentam.  
Nosso argumento é que ao fundo da implementação de medidas  
keynesianas que a guerra facultou, está essa proposição básica de admi-  
nistração da economia capitalista. É possível mesmo reconhecer a efi-  
cácia dessa ideia econômica, cuja duração pode ludibriar o analista que  
se encontrava diante de esfinge histórica. Beneficiados pelo nosso pró-  
prio tempo histórico, somos obrigados a reconhecer certas coisas que  
eram mais difíceis de serem decifradas em décadas passadas. Chama-  
ram “capitalismo de organização”:  
o período contemporâneo [a partir de 1955, aproximadamente] durante  
o qual a criação e o desenvolvimento de mecanismos reguladores, devi-  
dos em primeiro lugar a intervenções estatais, permitem um impulso eco-  
nômico contínuo que tem, como consequência, a diminuição considerá-  
vel e até mesmo o estancamento das crises sociais e políticas endógenas.  
(Goldmann, 1978, p. 6-7)  
Coube à realidade histórica desaprovar esse juízo, uma vez que  
as sucessivas crises econômicas são insistentes e persistentes desde os  
anos de 1970. Aparentemente, o período privilegiado às medidas key-  
nesianas após a segunda guerra dissipou-se. Haveria aí uma data de va-  
lidade para tais medidas. Mas isso ignora pelo menos três aspectos de-  
cisivos. O primeiro é que as medidas keynesianas continuaram a ser  
131  
Determinação social do pensamento econômico  
utilizadas porquanto passaram a constituir a caixa de ferramentas da  
administração da economia capitalista. A administração dos investi-  
mentos públicos para provocar as rendas e efeitos anticíclicos está sem-  
pre na ordem do dia, variando sua medida e direção. O segundo é que o  
keynesianismo nunca abandonou totalmente a cena pública nem a es-  
trutura estatal em diferentes países. É mesmo uma questão puramente  
empírica atestar a retomada mais entusiasmada dessas ideias a partir  
da crise de 2008. O terceiro é que, como dissemos, a duração não é tão  
somente uma medida de tempo, mas de profundidade e de extensão da  
eficácia. Assim como se supôs, naqueles anos de 1950, que o “capita-  
lismo de organização” suprimiria as contradições imanentes da econo-  
mia capitalista e, portanto, suas crises, ainda hoje é persistente a in-  
fluência da proposição de sua administração ad infinitum. As divergên-  
cias agudas, entre protagonistas e que eventualmente alcançam o de-  
bate público e a vida cotidiana, comparam-se quanto aos meios mais  
adequados, quanto à medida desses meios, forma e velocidade de im-  
plementação etc., ainda que possa sofrer constantemente abalos. A du-  
ração da eficácia se revela no direcionamento da práxis política das clas-  
ses sociais em torno dos métodos de administração da economia capi-  
talista sem colocar em questão seus sempre repostos fundamentos in-  
corrigíveis que permanentemente contestam o futuro do gênero hu-  
mano.  
Voltaremos a esse ponto. Antes, porém, cabe reconhecer que  
uma consideração semelhante sobre a eficácia das ideias econômicas na  
figura do keynesianismo poderia ser tomada para o caso daquilo que  
tem sido chamado de “neoliberalismo” nas décadas a partir de 1970. Da  
mesma forma, seria impossível considerar aqui em detalhes as questões  
envolvidas diante das presentes condições e do nosso interesse em  
apontar aos aspectos fundamentais da análise da eficácia no método  
materialista. Contudo, algumas considerações gerais são ilustrativas.  
Nessa direção, muitos analistas apostaram no poder das ideias  
da escola austríaca e das ideias monetaristas de Chicago (Gerstle, 2022;  
Slobodian, 2018). Em algumas ocasiões, tais analistas pareceram flertar  
com explicações bastante discutíveis a respeito de articulações tais en-  
tre grupos capazes de simplesmente imprimir suas vontades na condu-  
ção das políticas econômicas em diferentes países como se tais medidas  
fossem reflexo direto de suas ideias e opiniões. Os episódios são  
132  
Análise da eficácia  
apresentados de tal forma como fosse um processo perpetrado de for-  
mulação de um projeto ancorado numa teoria econômica mais ou me-  
nos compartilhada, seguida de implementação da estratégia política por  
meio da distribuição de agentes em diferentes instâncias governamen-  
tais, universitárias etc. As coisas teriam se passado como resultado de  
um plano engenhoso, teoricamente informado, de agentes organizados  
em uma espécie de cabala. Não se deve negar, obviamente, as muitas  
articulações e afinidades objetivas a despeito da heterogeneidade sub-  
jetiva, teórica e das fissuras práticas. Entretanto, o mais correto, nos  
parece, seria considerar, como destacamos antes, aquela “preparação  
do terreno” em diferença às supostas causalidades tão diretas.  
Nessa direção, há uma pista curiosa deixada pelo próprio Mil-  
ton Friedman, frequentemente considerado como um dos protagonis-  
tas daquele assim chamado “neoliberalismo” e, para nós pelo menos,  
um agente insuspeito de compartilhar dos mesmos fundamentos das  
nossas análises. Mas isso não o impediu de fazer uma observação inte-  
ressante. Em 1951, período de profusão da doutrina keynesiana, chegou  
a escrever que as “ideias têm poucas chances de avançar muito contra  
uma maré forte”, mas que “sua oportunidade surge quando a maré  
deixa de correr forte, mas ainda não guinou”. Já no começo daquela dé-  
cada, considerava haver tal contexto favorável, oferecendo uma “rara  
oportunidade para aqueles que entre nós acreditam no liberalismo, in-  
fluenciar a nova direção que a maré toma”. Tratava do assunto como  
fosse uma “nova fé”, o que não deixa de ser muito curioso e mesmo sin-  
tomático, cabendo a ele e a seu círculo, na qualidade de representantes  
científicos (ou párocos, no caso) de sua classe, “deixar claro a todos o  
que é essa fé” (Friedman, 1951, p. 2). Para ele, as condições estavam, já  
naqueles anos iniciais da década de 1950, cada vez mais favoráveis para  
que sua doutrina pudesse dar direção à economia capitalista e aos con-  
flitos que ela permanentemente engendra. Não deixa de ser muito inte-  
ressante o reconhecimento por sua parte de que as condições objetivas,  
digamos, é que estavam em processo de alteração, e não necessaria-  
mente por decorrência das ideias que portava. Tais condições geravam  
a oportunidade de influir na “opinião subjacente” que se encontrava en-  
tão “confusa, vaga e caótica” (p. 2).  
Anos mais tarde teve a chance de retomar esse ponto com tona-  
lidade diferente, mas sem modificar o essencial. Sobressalta-se a  
133  
Determinação social do pensamento econômico  
volição ao convencimento. Ao considerar as motivações que o teriam  
levado a escrever Capitalism and freedom, original de 1962, registrou  
retrospectivamente, em prefácio vinte anos mais tarde, que a função  
pretendida era “manter as opções em aberto até que as circunstâncias  
tornassem a mudança necessária”. Explicou que:  
Há uma enorme inércia uma tirania do status quo em arranjos priva-  
dos e especialmente governamentais. Somente uma crise real ou perce-  
bida produz uma mudança real. Quando essa crise ocorre, as ações que  
são tomadas dependem das ideias que estão por aí. Essa, acredito, é nossa  
função básica: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las  
vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se torne politica-  
mente inevitável. (Friedman, 1962/2002, p. xiii-xiv)  
Talvez a consideração guarde algum exagero, especificamente  
no grau de dependência atribuído entre as ações tomadas e as específi-  
cas ideias disponíveis. É algo frequente entre analistas, como sugerido  
anteriormente, tomar a circulação das ideias previamente a certas ocor-  
rências como índice de causalidade entre elas, como se as medidas im-  
plementadas fossem puros reflexos da forma de consciência conside-  
rada. Mas não é incorreto reconhecer que tais ideias econômicas mone-  
taristas ajudaram a preparar o terreno para certas medidas governa-  
mentais então vindouras. O ponto destacável é precisamente a potência  
que as ideias guardam em serem tomadas de empréstimo por uma arti-  
culação contingente de grupos humanos interessados, dadas as relações  
de classes sociais que portam, e com tais ideias atuarem no conflito so-  
cial que se expressam nas próprias medidas a serem executadas diante  
do contexto de crise econômica. A articulação já foi descrita de muitas  
maneiras, sobretudo para o caso norte-americano nas figuras do pró-  
prio Friedman, Hayek, Thatcher, Reagan etc., além das muitas ramifi-  
cações em universidades, think tanks, fundos de investimento, institu-  
tos, jornalismo econômico, até familiares (Appelbaum, 2019). A des-  
peito das muitas vezes óbvias afinidades objetivas, é importante reco-  
nhecer que essa articulação consideravelmente consciente na subjetivi-  
dade foi razoavelmente frouxa na prática, não operacionalizada como  
um bloco uníssono, a despeito do fato de serem assim descritos por inú-  
meros analistas.  
Ocorre que na consideração da questão é decisivo observar a  
angulação histórico-objetiva. Para tanto, que nos seja permitido  
134  
Análise da eficácia  
recorrer ao auxílio do que chamamos aqui neoliberalismo histórico  
para jogar luz sobre problema, inclusive na parte que tem nisso a dou-  
trina keynesiana. Temos em mente a renovação do liberalismo, uma  
espécie de confluência entre a economia vulgar e o sincretismo a partir  
dos anos de 1930 que, de certa maneira, iguala variantes ideais aparen-  
temente antagônicas, tais como nas figuras de Hayek e Keynes por  
exemplo. Há nessa renovação do liberalismo certa comunhão de prin-  
cípios fundamentais na preservação da economia capitalista e de diver-  
gências quanto aos meios mais promissores de sua administração. Em  
termos comuns como expressões da tendência histórica de “manipula-  
ção” (Lukács, 2013, p. 562), encontram-se o simultâneo abandono da  
antiga ortodoxia liberal e o pânico diante de expressões “socialistas”,  
admitindo, porém, modos variados de atuação do estado na adminis-  
tração da vida econômica da sociedade. A divergência, como já destaca-  
mos anteriormente, comparece a respeito dos modos, medidas, graus,  
formas etc. É, em suma, uma questão de método.  
Assim como Keynes expressou-se como uma variante em seus  
termos visto antes, Milton Friedman é um exemplar adverso, expressão  
de outra variante daquele neoliberalismo histórico. Não obstante as di-  
ferenças entre eles nos detalhes de suas proposituras, há elementos que  
são suficientemente gerais para estabelecer certa base comum. O eco-  
nomista inglês, por exemplo, ao explicar a essência de sua doutrina, es-  
creveu que:  
o resultado de preencher as lacunas da teoria clássica não é eliminar o  
“Sistema Manchester” [políticas econômicas então liberais], mas indicar  
a natureza do ambiente que o livre jogo das forças econômicas requer  
para realizar as plenas potencialidades da produção. Os controles cen-  
trais necessários para garantir o pleno emprego envolverão, é claro, uma  
grande extensão das funções tradicionais do governo. Além disso, a pró-  
pria teoria clássica moderna chamou a atenção para várias condições nas  
quais o livre jogo das forças econômicas pode precisar ser restringido ou  
guiado. Mas ainda restará um amplo campo para o exercício da iniciativa  
privada e da responsabilidade. Dentro deste campo, as vantagens tradi-  
cionais do individualismo ainda serão válidas. (Keynes, 1936/2013c, p.  
379-380)  
É inevitável identificar aí certo eco daquelas “funções governa-  
mentais” às quais Mill, com seu sincretismo, fez referência quase um  
século antes. A posição descrita na passagem acima é eivada com con-  
troles  
estatais  
orientadores,  
considerados  
virtuosos  
ao  
135  
Determinação social do pensamento econômico  
desenvolvimento das condições adequadas ao livre jogo das forças eco-  
nômicas, de modo a garantir sala ao aproveitamento das vantagens do  
individualismo. Nessa variante do neoliberalismo histórico, é clara a  
admissão de que a economia capitalista depende de uma administração  
para o seu próprio funcionamento, preservando-se a convicção no indi-  
vidualismo etc. Nisso está plenamente resolvido que Keynes nutria re-  
cusa tanto ao laissez-faire, como se sabe, quanto ao caminho “socia-  
lista”. O pleno emprego era um meio para isso como resposta às contra-  
dições que fundamentam aquela economia.  
De outro lado, o economista norte-americano serve aqui como  
demonstração daquela base mais ou menos comum. Os contornos ofe-  
recidos por Friedman são destacados na comparação com expressões  
do que ele próprio chamou “coletivismo” – entre os quais certamente  
incluía seu colega inglês, ainda que haja realmente dúvidas de tê-lo  
compreendido corretamente. O “neoliberalismo” proposto por Fried-  
man, em 1951, recusaria não apenas o “coletivismo”, mas também o  
laissez-faire do liberalismo ortodoxo: uma dupla recusa, semelhante à  
de Keynes, em favor do fomento à chamada “ordem competitiva” exal-  
tada como método superior de administração da economia capitalista.  
Na comparação, deixou óbvia a necessidade de administração da eco-  
nomia capitalista, a disputa de métodos dessa administração, o lugar do  
individualismo etc. É uma passagem longa. Presta-se, entretanto, a essa  
finalidade comparativa e probante:  
A maior falha da filosofia coletivista que dominou o mundo ocidental não  
está em seus objetivos os coletivistas querem fazer o bem, manter e es-  
tender a liberdade e a democracia e, ao mesmo tempo, melhorar o bem-  
estar material das grandes massas de pessoas. A culpa está mais nos  
meios. Falhas em reconhecer a dificuldade do problema econômico de  
coordenar com eficiência as atividades de milhões de pessoas levaram a  
uma prontidão para descartar o sistema de preços sem um substituto  
adequado e a crença de que é fácil de fazer muito melhor com um plano  
central. [...]. Os meios que os coletivistas procuram empregar são funda-  
mentalmente inconsistentes com os fins que procuram atingir. [...]  
A crença coletivista na capacidade de ação direta do estado para remediar  
todos os males é ela mesma, no entanto, uma reação compreensível a um  
erro básico na filosofia individualista do século XIX. Essa filosofia quase  
não atribuía papel ao estado, exceto a manutenção da ordem e a execução  
de contratos. Era uma filosofia negativa. O estado só poderia causar da-  
nos. Laissez-faire deveria ser a regra. [...]  
Uma nova fé deve evitar ambos os erros [do coletivismo e do liberalismo  
136  
Análise da eficácia  
ortodoxo]. Deve dar lugar a uma limitação severa no poder do estado de  
interferir nas atividades detalhadas dos indivíduos; ao mesmo tempo,  
deve explicitamente reconhecer que existem funções positivas importan-  
tes que devem ser desempenhadas pelo estado. A doutrina às vezes cha-  
mada de neoliberalismo, que tem se desenvolvido mais ou menos simul-  
taneamente em muitas partes do mundo e que nos EUA está associada  
particularmente ao nome de Henry Simons, é essa fé. Ninguém pode di-  
zer que essa doutrina triunfará. Alguém poderia dizer apenas que ela é de  
muitas maneiras idealmente adequada para preencher o vácuo que me  
parece estar desenvolvendo-se nas crenças das classes intelectuais em  
todo o mundo.  
O neoliberalismo aceitaria a ênfase liberal do século XIX nos fundamen-  
tos da importância do indivíduo, mas substituiria a meta do século XIX  
de laissez-faire como meio para esse fim, pela meta da ordem competi-  
tiva. Procuraria usar a competição entre os produtores para proteger os  
consumidores da exploração, a competição entre os empregadores para  
proteger os trabalhadores e proprietários de bens, e a concorrência entre  
os consumidores para proteger as próprias empresas. O estado iria poli-  
ciar o sistema, estabelecer condições favoráveis para concorrência e evi-  
tar o monopólio, fornecer uma estrutura monetária estável e aliviar a mi-  
séria e a angústia. Os cidadãos seriam protegidos contra o estado pela  
existência de um mercado privado livre; e uns contra os outros pela pre-  
servação da competição. (Friedman, 1951, p. 2-3)  
Devemos evitar a tentação do escrutínio dessa “nova fé”, dessa  
relação fantasiosa entre entes puramente abstratos, em que o mercado  
competitivo aparece ao mesmo tempo como salva guarda em favor dos  
indivíduos contra o estado, em que este supostamente assumiria uma  
neutralidade como regulador do sistema, e em benefício dos indivíduos  
contra si próprios. O destaque está na admissão, também presente em  
Keynes, da necessidade de administração da economia capitalista, eco-  
ando de certa maneira “funções governamentais” de Mill. Os meios pro-  
priamente ditos, os detalhes quanto ao método dessa administração,  
quais mecanismos seriam essenciais etc., formam os elementos da dife-  
rença entre Keynes e Friedman. Nessa direção, no caso do segundo, res-  
tou consagrada a prescrição monetarista, segundo a qual caberia à “au-  
toridade monetária” adotar a “política de alcançar uma taxa de cresci-  
mento constante em um total monetário especificado”, visando à “esta-  
bilidade econômica”. O alvo primário seria obter “crescimento cons-  
tante, mas moderado”, evitando-se a “inflação ou a deflação dos preços”  
(Friedman, 1968b, p. 16-17). São bem conhecidas tais recomendações.  
O que fica evidente no trato dessas questões é a relação de se-  
melhança e de diferença entre os economistas considerados. Sem  
137  
Determinação social do pensamento econômico  
querer repisar demasiadamente sobre esse ponto, vale o último registro  
nessa direção. Para tanto, é preciso voltar a insistir que tais diferenças,  
ainda que marcantes, estão na ordem do método de administração da  
economia capitalista. É interessante notar, entretanto, que Friedman,  
ao considerar as dificuldades da abordagem keynesiana na predição do  
curso de curto prazo da economia, sugeriu, já no final da década de  
1960, que “foi essa experiência que me levou a dizer a um repórter da  
Time Magazine que ‘em um sentido, todos nós somos keynesianos  
agora; em outro, ninguém mais é keynesiano’. Todos utilizamos a lin-  
guagem keynesiana e seu aparato; nenhum de nós aceita mais as iniciais  
conclusões keynesianas” (Friedman, 1968a, p. 15). Isso forneceu espaço  
para a controvérsia de saber se Friedman era ou não um keynesiano.  
Garrison (1992) sublinhou que poderia ser assim considerado na me-  
dida que o autor norte-americano e sua contraparte britânica aborda-  
vam a macroeconomia em termos de administração da demanda agre-  
gada, mas que, contrariamente, divergiam em termos de teoria macro-  
econômica e a respeito do modo de atuação estatal sobre a vida econô-  
mica.  
Vemos com isso que as diferenças coexistem sobre uma base  
comum do que temos considerado aqui como neoliberalismo histórico.  
Aliás, parece que as divergências quanto aos métodos ajudaram a ofus-  
car historicamente essa base mais ou menos comum. A afetação da con-  
tenda teve lá sua função. Caberia saber quais modificações nas condi-  
ções históricas passaram a favorecer relativamente o método moneta-  
rista para uma “ordem competitiva”.  
Nessa direção, a crise dos anos de 1970 funcionou nas condi-  
ções objetivas como a acionadora de uma variante do neoliberalismo  
histórico. As respostas fáticas às circunstâncias da crise daquela década  
encontraram certa preparação do terreno por meio das tendências aus-  
tríacas-monetaristas (tomadas aqui conjuntamente) e de modo não tão  
aderente às afetações discursivas de seus ideólogos mais exigentes –  
Hayek, por exemplo, reprovava Tatcher e Reagan como muito “modes-  
tos em suas ambições” (citado em Wapshott, 2011, p. 288), negando que  
a primeira-ministra da Inglaterra tenha de fato espelhado suas ideias.  
O exemplo da liberalização dos capitais monetários diante da crise de  
lucratividade é um caso sugestivo da inflexão das condições objetivas.  
Como resposta à queda da taxa de lucro dos setores produtivos naquele  
138  
Análise da eficácia  
período, a liberalização financeira globalmente articulada pela media-  
ção política nas economias principais possibilitou extração de ganhos  
especulativos e continuidade da distribuição de dividendos sem afetar  
drasticamente o autofinanciamento produtivo com capital próprio  
(Guedes; Paço Cunha, 2021), ainda que ao custo futuro de bolhas espe-  
culativas e endividamento das empresas tendo os próprios Estados Uni-  
dos como epicentro (Brenner, 2006).  
Mas isso não deve ser encarado como produto mecânico do  
plano das ideias “neoliberais” e sobretudo monetaristas em circulação.  
Mas também não é possível sonegar o recurso posterior que os agentes  
econômicos buscaram ativamente nos ideólogos então disponíveis  
(Friedman entre eles) para sustentar que os melhores resultados para  
toda a sociedade adviriam do maior retorno possível aos acionistas  
(Holmberg; Schmitt, 2016): aumentar os dividendos como tarefa básica  
das grandes empresas, não importando se por meios pouco ortodoxos  
tais como a compra das próprias ações e ações de outras corporações.  
Tratou-se de uma articulação de grupos que tomaram tais ideias e lhes  
imprimiram eficácia. Fazendo-as funcionar como ideologia, afetaram a  
direção dos conflitos, a condução das grandes empresas e a vida econô-  
mica da sociedade de muitas maneiras, mas não necessariamente como  
espelho direto de suas proposições básicas.  
Mesmo porque, em termos práticos, há muita margem para a  
combinação de expedientes destinados à administração da economia  
capitalista. Reagan, por exemplo, atribuía ao estado, publicamente e  
com entusiasmo contagiante, os males econômicos identificados. Isso  
não o impediu de articular expedientes distintos. Combinou medidas  
tais como diminuição dos impostos das classes mais altas, desregula-  
mentações e diminuição de programas sociais, de um lado, com altos  
gastos militares e crescimento extraordinário do déficit público, de ou-  
tro. Alguns viram nisso, e não sem razão, um tipo de keynesianismo  
militar(Brenner, 2006) que promoveu um modo de estímulo à de-  
manda agregada ainda que contrariamente à afetação dos discursos da  
então cúpula política e de seus ideólogos de primeira hora.  
É uma característica empírica da própria administração da eco-  
nomia apresentar sala para diferentes medidas combinadas. Não é  
acaso que todas as medidas tomadas historicamente nunca são reflexos  
puros das ideias que supostamente as inspiram, como atesta o exemplo  
139  
Determinação social do pensamento econômico  
anterior de Reagan, cujas medidas contrariaram parcialmente mesmo  
sua retórica antiestatal mais inflamada. Nunca uma medida foi ou será  
suficientemente liberal, suficientemente keynesiana, suficientemente  
“libertária”, suficientemente conservadora etc.  
Isso se explica em termos práticos. Dada a missão de adminis-  
trar a economia capitalista, os agentes posicionados no estado desen-  
volvem medidas condicionadas primariamente pela natureza do modo  
de produção, pelas circunstâncias e por fatores relacionados, incluindo  
a dependência do estado diante do processo de acumulação e dos inte-  
resses classistas e de suas frações (Panitch; Gindin, 2013), mas não  
como espelhamento direto com as ideias em circulação embora elas  
não sejam desimportantes, obviamente. Há na verdade um permanente  
sussurro aos ouvidos do príncipe. Como já insistimos muitas vezes, uma  
vez difundidas de modos variados, tomadas como veículos teóricos para  
a luta social e o direcionamento dos agentes em conflito, fornecem a  
matéria-prima ideal e auxiliam sobretudo na preparação das condições  
subjetivas para determinadas medidas práticas que podem ou não obter  
efeitos sobre a vida econômica da sociedade.  
Apesar disso, não é possível ignorar a eficácia obtida pela vari-  
ante austríaca-monetarista em influenciar as decisões políticas que  
abarcaram sociedades inteiras. Pelo menos, podemos afirmar isso para  
algumas economias chamadas “ocidentais” e por uma extensão de  
tempo variada para cada uma delas. A crise de 2008, a crise sanitária  
de 2020, as exigências climáticas recentes e outros fatores, atuaram e  
atuam para a contestação de suas prescrições mais essenciais. É algo  
ainda em desdobramento e, portanto, difícil de ser plenamente anali-  
sado por que nos falta precisamente o post festum para a análise verda-  
deiramente científica. Mas não devemos subtrair a combinação sempre  
existente das medidas fáticas como respostas às circunstâncias. Dito de  
outra forma, a eficácia dessa variante em tela não foi obtida a despeito  
de medidas que refletem aproximadamente a outra variante do neoli-  
beralismo histórico, mas em conjunto com elas.  
A análise da eficácia e da duração no caso das ideias econômicas  
aqui sob análise ganha todos os seus contornos precisamente no quadro  
daquilo que temos chamado de neoliberalismo histórico. Obviamente,  
é possível estudar suas variantes separadamente, identificar suas espe-  
cíficas consequências. Mas  
a
questão ganha sua verdadeira  
140  
Análise da eficácia  
autenticidade em uma análise de conjunto dessas variantes e de suas  
mútuas hostilidades metodológicas em termos de administração da  
economia capitalista.  
Se Marx esteve com a razão, o pensamento econômico man-  
teve-se às voltas desde sua gênese com missões sociais que se somaram  
em camadas. Numa síntese, foi socialmente necessário apresentar o  
modo capitalista de produção como a última forma de organização da  
vida econômica da sociedade e não como um modo historicamente  
transitório. Os eventos desdobrados no século XIX levaram a diferenci-  
ações importantes, sobretudo entre a “economia vulgar”, que pretendia  
expulsar as contradições reais por meio de malabarismos retóricos e fal-  
seamentos teóricos, e aquele “sincretismo”, que alimentava o propósito  
de conciliar os interesses em conflito. Não parece que essas missões te-  
nham perdido sua energia, pois continuam a ser mobilizadas por exten-  
sas cadeias de agentes econômicos, institucionais etc., e de maneiras  
renovadas.  
Ao analisar aquelas duas variantes do neoliberalismo histórico,  
salta aos olhos outra camada importante, já aludida anteriormente  
quando nos referimos à missão social de convencer as classes sociais de  
que os problemas identificados na economia capitalista decorrem tão  
somente de métodos equivocados de sua administração algo aproxi-  
madamente entrevisto por Marx (2010a) para a divergência política no  
contexto inglês. As muitas divergências entre protagonistas servem à  
imputação da causa dos males ao método de administração do adversá-  
rio, evitando-se que se conclua que a causa essencial está nos funda-  
mentos incorrigíveis dessa forma histórica da vida econômica. A tem-  
pestade no céu intelectual ofusca o que se passa em termos mais funda-  
mentais.  
Assim, a eficácia e a duração tornam-se mais apreensíveis nesse  
plano amplo de análise em conjunto das variantes da renovação do li-  
beralismo, da confluência entre economia vulgar e sincretismo, pois fi-  
cam revelados os efeitos bem-sucedidos dessa ideologia de maneira se-  
cular, direcionando (mas não irreversivelmente) a práxis política das  
classes sociais para mais distante da contestação da própria estrutura  
econômica sobre a qual se ergue a vida cotidiana. Como insinuamos an-  
tes, os métodos de administração da economia capitalista não são abso-  
lutos na resolução de suas contradições. São, antes, expressões delas.  
141  
Determinação social do pensamento econômico  
Muito cedo em seu itinerário intelectual, Marx (2010a) reconheceu que  
a administração por via do estado tem a finalidade de preservar as con-  
tradições que constituem sua própria base social, isto é, uma dada  
forma histórica da vida econômica. Inevitavelmente surgirão crises, de-  
sigualdades, rachaduras, conflitos etc., diante dos quais os métodos de  
administração não produzem respostas senão temporárias. O descon-  
tentamento e a desilusão sociais estarão sempre à espreita dos fracassos  
inevitáveis desses métodos e do patrocínio que recebem de expressões  
do pensamento econômico então mais destacadas. Uma variante estará  
sempre pronta para acusar o método adversário como causa dos males  
experimentados. E a intrínseca inaptidão deles como resposta aos pro-  
blemas da economia capitalista é o élan das forças reacionárias.  
Os exemplos aqui considerados sobre a rubrica do neolibera-  
lismo histórico serviram apenas de ilustração. Não são, como dissemos,  
resultados de investigação terminada. Teve apenas a pretensão de sub-  
linhar aspectos essenciais da análise da eficácia que, por sua própria  
natureza, traz consigo a exigência de colocar o plano concreto em des-  
taque. Com tais exemplos ficam muito claros os benefícios da análise da  
eficácia em termos mais amplos, abarcando as variantes destacadas.  
Isso, entretanto, não resolve as questões atinentes às minudências, tão  
importantes quanto as análises mais abrangentes. Temos em mente a  
explicitação dos processos pormenorizados pelos quais tais ideias eco-  
nômicas consideradas (entre outras) tornaram-se ideologias. Certos  
elementos colhidos, tais como aqueles referentes às disputas em torno  
do livre comércio, são bastante indicativos do lugar das minudências. O  
papel, por exemplo, que desempenharam as “universidades, as confe-  
rências, os jornais e outros meios de difusão” (Lukács, 2020, p. 77) ao  
espraiamento da filosofia reacionária na Alemanha imperialista é algo  
a ser aprofundado também para outros casos. Mesmo os episódios aqui  
considerados daquelas variantes do neoliberalismo histórico, como dis-  
semos, carecem de detalhamento a partir da unidade do método mate-  
rialista. Nesse âmbito, estamos ainda no começo da trilha escapada que  
leva ao cume luminoso.  
Assim, os intricados caminhos desses movimentos na empiria  
dos casos específicos são matéria que também deve ocupar os interes-  
sados no assunto. Nisso se encontra uma série de questões que envol-  
vem a explicação da eficácia ou da não eficácia, os grupos e agentes  
142  
Análise da eficácia  
envolvidos, as articulações etc., questões nas quais, como podemos ver,  
encontram lugar precisamente o rigor quanto às minudências que enri-  
quecem a compressão dos processos por meio dos quais as ideias eco-  
nômicas podem desaguar na vida econômica da sociedade e dar-lhe di-  
reção sem que, com isso, haja estacionamento nos detalhes da empiria  
e se perca de vista as tendências gerais da eficácia nos contextos histó-  
ricos mais amplos. Está em jogo, pois, precisamente o movimento para  
o qual o próprio método materialista se volta. Como registrou Lukács,  
Enquanto não forem desvendadas as inter-relações entre as ideologias  
(inclusive as mais elevadas e as mais ricas) e a ontologia do cotidiano, a  
saber, a elevação do modo de dirimir os conflitos a partir do cotidiano e  
simultaneamente o ingresso e a dissolução das ideologias nele, tanto a  
continuidade do desenvolvimento da humanidade como o caráter de suas  
crises parecerão inexplicáveis. (Lukács, 2013, p. 561)  
Revelar o pensamento econômico nesse movimento é tarefa das  
mais importantes. Como elemento especial da unidade do método ma-  
terialista remete o analista, como vimos, ao plano concreto-empírico no  
qual se coloca o problema da verificação da eficácia. Não é o único, po-  
rém, que coloca esse problema em primeiro plano. A verificação da ob-  
jetividade do pensamento econômico também é uma das tarefas mais  
essenciais e demanda uma atenção separada, conforme enfrentado a se-  
guir.  
143  
VII  
Análise ontognosiológica  
A sobreposição que apontamos, em capítulo anterior, entre  
“crítica ontológica” e análise histórico-imanente não resume toda a  
questão envolvida na dificuldade de especificar a diferença entre tais  
elementos. Mas é preciso ter bem resolvido que esses elementos do mé-  
todo materialista não alimentam inimizades. Ao contrário, possuem  
complexas relações de dependência em que o aprofundamento de um  
desses elementos passa a exigir a entrada do outro conforme progride a  
investigação e o conhecimento integral das coisas ideais toma a cena.  
A unidade do método materialista sobreviveu a duras penas à  
tendência parcelar que deixou profundas sequelas no campo científico,  
sobretudo nos estudos de natureza econômica quando separados da  
história e da sociologia vício apresentado como virtude por alguns re-  
putados analistas como Schumpeter (1949). Nessa unidade resiliente  
cultiva-se ainda, como lapidou Lukács (2012), “uma cooperação perma-  
nente entre o procedimento histórico (genético) e o procedimento abs-  
trativo-sistematizante, os quais evidenciam as leis e as tendências” vi-  
giada por “uma crítica ontológica permanente de todos os passos dados,  
já que ambos os métodos têm como finalidade compreender, de ângulos  
diversos, os mesmos complexos da realidade”. Ao operar já vitimada  
pela tendência de parcialização da ciência, a ciência econômica em  
grande medida “padeceu do dualismo produzido pela rígida separação  
desses dois procedimentos”, de modo que em um polo desenvolveu-se  
“uma história econômica puramente empírica, na qual desaparece a co-  
nexão verdadeiramente histórica do processo global”. Em outro polo,  
acomodando da “teoria da utilidade marginal até as pesquisas manipu-  
latórias singulares de hoje [em 1972, entre as quais incluiríamos a  
Análise ontognosiológica  
chamada economia comportamental dos nossos tempos]”, surgiu “uma  
ciência que, de modo pseudoteórico, faz desaparecer as conexões autên-  
ticas e decisivas, mesmo que, em casos singulares, casualmente possam  
estar presentes relações reais ou seus vestígios” (Lukács, 2012, p. 306).  
Parece que o quadro tendeu à piora em seu desbotamento com a tenta-  
tiva de blindagem da “análise econômica” conforme pretendeu Schum-  
peter (2006), cindida da história e da materialidade da vida que neces-  
sariamente são evocadas pela “economia política” e pelo “pensamento  
econômico” pejorativamente condenados, segundo o autor austríaco,  
ao contágio “ideológico”, quando comparados àquela análise pura.  
Tendo a compreensão dessa íntima cooperação aludida, é deci-  
sivo esclarecer de partida que o presente propósito com a separação,  
como já anunciado anteriormente, é o de favorecer o esforço analítico  
desses elementos componentes da unidade do método, ainda que pos-  
samos admitir o emprego isolado em circunstâncias especiais, a depen-  
der das problemáticas envolvidas. Colecionamos novamente tais ressal-  
vas por dever de ofício. Essa exigência se amplia, não obstante, por con-  
sequência de novas separações devidas à compreensão da espécie de  
análise que iremos perseguir neste capítulo.  
Se a análise histórico-imanente possui, como vimos, a primária  
propriedade de revelar de maneira descritiva e explicativa a natureza  
dos objetos ideológicos, no sentido amplo que demos anteriormente a  
essa natureza, a “crítica ontológica”, como já antecipado, possui uma  
orientação geral avaliativa. Mas isso só fica inteiramente compreen-  
dido caso identifiquemos que sob tal orientação geral e primária tam-  
bém há sala para uma necessária “crítica gnosiológica” complementar.  
Bem entendido, trata-se de estudar a correção do pensamento  
econômico como forma de consciência científica tendo por parâmetro  
essencial a realidade histórico-objetiva, isto é, avaliar a validade, o grau  
de objetividade desse pensamento, de sua aproximação da realidade ob-  
jetiva para além das aparências e superficialidades. Mas essa avaliação  
não deve jamais, como escreveu Lukács (2012, p. 243) a propósito da  
“ambivalência da lógica hegeliana”, subordinar as “verificações ontoló-  
gicas aos pontos de vista lógico-hierárquicos”, ou seja, submergir o “mé-  
todo ontológico” ao “método gnosiológico”. Ao contrário, tendo tais ve-  
rificações ontológicas como fundamentação é que se pode realizar uma  
consequente “crítica gnosiológica” ou verificação gnosiológica a pro-  
145  
Determinação social do pensamento econômico  
pósito da verdade ou da falsidade daquelas formas de consciência cien-  
tífica. Ambas as “críticas” (ontológica e gnosiológica) formam, conjun-  
tamente, a análise ontognosiológica como elemento constitutivo do  
método materialista em que, no caso, filosofia e ciência econômica estão  
irmanadas pelos laços da permanente cooperação.  
Para enfrentar essa questão, devemos resistir à tentação de fo-  
calizar ostensivamente a fundamentação do conhecimento em termos  
materialistas, pois não é este nosso alvo principal, pelo menos não di-  
retamente, além de ser tarefa que exigiria longíssimas e necessárias di-  
gressões. Mas é impossível não considerar certos aspectos essenciais na  
direção de estabelecer os parâmetros gerais da avaliação do conheci-  
mento objetivado como pensamento econômico, eventualmente criti-  
cando o método geral nele contido. Apenas assim teremos condições de  
oferecer ao menos os parâmetros gerais e mais essenciais da avaliação  
filosófico-científica a respeito do pensamento econômico tal como está  
contida na unidade do método materialista.  
Com efeito, diferentemente das tradições que, na problemática  
do conhecimento, têm como ponto de partida certo estágio avançado de  
autonomização da inteligência, isto é, a prática científica aperfeiçoada,  
em forma superior de desenvolvimento em laboratório, biblioteca etc.,  
o materialismo considera como ponto de partida os aspectos genéticos  
mais regredidos. Em outras palavras, seu ponto de partida é a condição  
histórico-concreta do homem efetivo, do cotidiano, e não do homem es-  
peculativo e sistemático já inserido nas condições de alto desenvolvi-  
mento das forças produtivas (Chasin, 1988a). Esse ponto de partida é  
tanto o que municia o materialismo de condições de melhor avaliação  
da problemática do conhecimento quanto fonte de algumas dificulda-  
des indicadas adiante. Na primeira direção, vale mesmo dizer que o co-  
tidiano do homem efetivo, essa “vida social” é, como escreveu Marx,  
“essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao  
misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na  
compreensão dessa prática”. E é nessa “prática que o homem tem de  
provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior [Die-  
sseitigkeit] de seu pensamento” (Marx; Engels, 2007, p. 533-535).  
Nesse sentido, as formas de consciência e as práticas corres-  
pondentes progressivamente científicas apareceram objetivamente  
como desdobramentos cada vez mais autônomos, mas jamais  
146  
Análise ontognosiológica  
independentes, a partir da atividade humana naquela vida social, em  
primeiro lugar, do trabalho produtivo na imediata relação com a natu-  
reza e, posteriormente, tendo os próprios homens (suas consciências e  
ações) como alvos prioritários de práticas derivadas. O caminho a ser  
seguido, que jamais teríamos condições de percorrer em nossas consi-  
derações gerais aqui pertinentes, apresenta-se ladrilhado pela necessá-  
ria exposição do desenvolvimento heterogêneo da ciência a partir do  
trabalho como “estrutura originária” e o permanente relacionamento  
entre eles (Lukács, 2013, p. 137). Exigir-se-ia de nós a análise pormeno-  
rizada do processo de desenvolvimento heterogêneo da ciência a partir  
do trabalho, a captura das linhas de continuidade e de diferença, além  
das reciprocidades existentes que modificam também o próprio traba-  
lho como estrutura genética da ciência. Não é sem propósito reter ape-  
nas, no entanto, o reconhecimento fundamental de que estamos diante  
de uma linha de “continuidade superadora” (Chasin, 1988a, p. 7) entre  
trabalho e ciência em que nos interessa mais destacar a diferença para  
auxiliar no tratamento mais preciso do conhecimento científico. Nessa  
direção, destacam-se duas vias de desenvolvimento desse conheci-  
mento:  
O conhecimento obtido na práxis seguiu, portanto, no curso do desenvol-  
vimento humano, dois caminhos que decerto e com frequência se entre-  
laçaram: por um lado, os resultados da práxis, corretamente generaliza-  
dos, integravam-se à totalidade do saber até então obtido, o que se cons-  
tituía numa força motriz decisiva para o progresso da ciência, para a cor-  
reção e o alargamento verídico da concepção humana do mundo; por ou-  
tro lado, conhecimentos adquiridos na prática permaneciam em essência  
circunscritos à direta utilizabilidade na práxis imediata, vale dizer, con-  
siderava-se suficiente para empregar uma expressão moderna poder  
manipular determinados complexos objetuais com a ajuda daqueles co-  
nhecimentos práticos. As duas tendências comparecem ao mesmo tempo  
no passado, muitas vezes combinadas, e quanto menos desenvolvida era  
a ciência tanto maior devia ser a frequência com que se enquadravam em  
falsas teorias gerais, mesmo sem a intenção de manipulação, conheci-  
mentos que funcionavam corretamente na imediaticidade. (Lukács,  
2012, p. 57)  
Essas duas vias, ainda que relacionadas, denotam tanto uma li-  
nha de continuidade entre as duas formas de conhecimento quanto  
também de diferenciação entre elas. Dito sinteticamente, por um lado,  
ambas as vias reforçam o caráter de prática social desses conhecimentos  
que expressa a existência de traços comuns, tais como o sujeito ativo, os  
147  
Determinação social do pensamento econômico  
meios empregados e os objetos inqueridos. Igualmente comum entre  
elas é o fato da necessária subordinação da subjetividade à objetividade  
de tais objetos como condição à apreensão de suas características. São  
práticas que buscam espelhar, de maneira aproximada, as proprieda-  
des, as conexões, as relações causais etc. Portanto, o desenvolvimento  
heterogêneo da via que alarga os conhecimentos humanos para além da  
utilizabilidade imediata também leva consigo certas características  
muitos gerais que garantem uma linha de continuidade entre as formas  
de conhecimento.  
Mas esse desenvolvimento é em si mesmo heterogêneo, garan-  
tindo também um desdobramento desigual ao ponto de ser possível  
capturar as diferenças essenciais. Por um lado, poderíamos dizer que “o  
que importa, no trabalho [analiticamente considerado em relação ime-  
diata com certa esfera da natureza], é simplesmente apreender correta-  
mente um fenômeno natural concreto quando a sua constituição se en-  
contra em uma vinculação necessária com o fim do trabalho”, quer di-  
zer, o horizonte é mais imediato e mediatamente pode até constituir  
uma compreensão equivocada, importando mais “um espelhamento  
correto dos nexos mais imediatos, ou seja, que aquelas representações  
não atrapalhem o sucesso do processo do trabalho” (Lukács, 2013, p.  
92). Por outro lado, a tarefa científica, mais complexa, é ultrapassagem,  
é, como já referido, “continuidade superadora” da consciência prática  
que emana da atividade sensível, dos níveis mais aparentes da reali-  
dade. Gostem ou não seus agentes, a tarefa primária da ciência é, indo  
além dos níveis mais aparentes, extrair a lógica intrínseca, mais pro-  
funda e global das coisas, realizando espelhamento aproximado da rea-  
lidade objetiva e generalização das conexões existentes: determinar o  
que são as coisas, como se relacionam, se desenvolvem, se transformam  
e são eventualmente superadas. A compreensão aprofundada admite  
que a realidade mesma não comparece por si só resolvida, mas em ca-  
madas, donde “toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação  
e a essência das coisas coincidissem imediatamente” (Marx, 2017, p.  
880).  
Cabe destacar, primeiramente, o caráter aproximado do conhe-  
cimento científico que estamos destacando. Esse caráter aproximado  
remete diretamente ao problema da verdade objetiva. O conhecimento  
objetivo não é apenas possível. A humanidade teve que, historicamente,  
148  
Análise ontognosiológica  
confirmar essa possibilidade em seu próprio desenvolvimento. Desde o  
“objeto incognoscível” kantiano, passando pelas muitas variantes do ce-  
ticismo e do relativismo, ergueu-se a “tese da impossibilidade da ver-  
dade” que, no entanto, não foi tomada criticamente ela própria como  
“um produto histórico” (Chasin, 2009, p. 103). Essa tese é flagrante-  
mente contrária às provas práticas oferecidas pelo próprio processo de  
desenvolvimento da sociedade humana em que o conhecimento obje-  
tivo teve papel fundamental. A possibilidade objetiva do conhecimento  
é, assim, a admissão histórica e materialmente referendada do espelha-  
mento potencialmente correto das propriedades e nexos das coisas  
existentes. Devemos ter em mente a possibilidade de discussão racional  
dos enunciados científicos, levando-se em conta os “critérios de crítica  
e avaliação, pelo menos segundo o seu maior ou menor grau de rea-  
lismo”, isto é, devem ser “julgados como aproximações (apenas)”. Ainda  
caberia “considerar uma aproximação mais válida que outra, e ao  
mesmo tempo sustentar que há uma explicação sócio-histórica para o  
aparecimento duma certa aproximação num determinado momento”  
(Dobb, 1977, p. 31).  
Considerar o “conhecimento como uma atividade prática con-  
creta” (Schaff, 1991, p. 84) implica levar em conta seu caráter proces-  
sual. Mas é também um “processo infinito [...] acumulando as verdades  
parciais que a humanidade estabelece nas diversas fases do seu desen-  
volvimento histórico: alargando, limitando, superando estas verdades  
parciais, o conhecimento baseia-se sempre nelas e toma-as como ponto  
de partida para um novo desenvolvimento” (p. 97). Por esse motivo de-  
vemos ter bastante claro que o processo do conhecimento é distinto de  
um “espelhamento mecânico”, como uma espécie de fotografia, de  
resto, estática da realidade. Ao mesmo tempo em que a possibilidade do  
espelhamento correto não é afastada, devemos reconhecer os perma-  
nentes refinamentos existentes das representações produzidas a res-  
peito do movimento em si da realidade objetiva. Isso evidencia a “dinâ-  
mica que é efetiva na inter-relação de sujeito e objeto da práxis”  
(Lukács, 2013, p. 415) em que surgem momentos de aperfeiçoamento  
daquelas representações. O processo do conhecimento possui, por-  
tanto, “caráter aproximativo”, aperfeiçoável, uma vez que:  
149  
Determinação social do pensamento econômico  
a realidade é constituída pela infinita interação de complexos que têm  
relações heterogêneas em seu interior e com seu exterior, relações que  
são por sua vez sínteses dinâmicas de componentes com frequência hete-  
rogêneos, cujo número de momentos ativos pode até ser infinito. Por isso,  
a aproximação ao conhecimento tem um caráter não primariamente gno-  
siológico, embora obviamente se refira também à teoria do conheci-  
mento. Trata-se muito mais do reflexo cognoscitivo da determinação on-  
tológica do próprio ser: da infinitude e da heterogeneidade dos fatores  
objetivamente ativos e das importantes consequências dessa situação, se-  
gundo as quais as leis só podem se afirmar na realidade apenas como ten-  
dências, as necessidades apenas como uma rede intrincada de forças  
opostas, apenas num processo de mediação, em meio a infinitas aciden-  
talidades. Todavia, essa estrutura do ser social não implica de modo al-  
gum a impossibilidade de conhecê-lo; aliás, a possibilidade do conheci-  
mento não sofre por isso a menor restrição. (Lukács, 2012, p. 367)  
Diante da complexidade do concreto, de seus nexos, das forças  
ativas, das tendências, do acaso etc., o conhecimento, pois, é constituído  
de momentos de aproximação que, por sua natureza, “é a apreensão  
ideal não totalizadora da malha causal intrincada da realidade, é a re-  
presentação na consciência das articulações mais gerais e preponderan-  
tes das categorias da realidade, como forma de revelar as necessidades  
responsáveis pelo engendramento dos processos decisivos do ser so-  
cial”. Isso reforça que o procedimento envolvido se realiza no sentido  
de um “galgar contínuo do conhecimento que paulatinamente se apro-  
xima sempre mais das determinações concretas dos objetos reais” (For-  
tes, 2013, p. 106). De tal maneira, a objetividade do conhecimento cien-  
tífico, isto é, sua correspondência aproximada às coisas investigadas,  
resulta de sucessivas aproximações refinadoras das representações ao  
ponto da captura da lógica intrínseca aos objetos investigados, da ex-  
tração dos nexos das próprias coisas, da, em suma, “reprodução do con-  
creto por meio do pensamento” (Marx, 2011b, p. 54). Em termos mais  
do que substanciais já empregados, a “investigação tem de se apropriar  
da matéria em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desen-  
volvimento e rastrear seu nexo interno” (Marx, 2013, p. 90).  
Não há garantias de efetivação do esforço, no entanto. Vários  
fatores concorrem para facultar ou obstruir a investida. Eles se esten-  
dem desde questões singulares dos analistas envolvidos até determi-  
nantes históricas decisivas. Portanto, não devemos descartar as ques-  
tões referentes aos meros erros procedimentais, às inclinações pessoais,  
à honestidade intelectual ou hipocrisia, incluindo circunstâncias que  
150  
Análise ontognosiológica  
efetivam ou não certas tendências previamente capturadas, a atuação  
do acaso e vários outros fatores interferentes no processo do conheci-  
mento. Mas podemos destacar aqueles fatores remetidos às condições  
históricas de possibilidade da objetividade científica que nos interes-  
sam mais diretamente em razão dos nossos propósitos.  
Na direção de tais fatores delimitados, os lineamentos de Marx  
a respeito são bem conhecidos. Possuem valor especial duas considera-  
ções exemplares. O teor de ambas aparece em diferentes lugares dos  
materiais que Marx legou, mas é possível encontrá-lo esboçado no pos-  
fácio da segunda edição de O capital. O primeiro diz respeito ao déficit  
científico da economia política por decorrência das alterações históricas  
nas relações classistas durante o século XIX. Escreveu Marx (2013, p.  
85) que por “ser burguesa, isto é, por entender a ordem capitalista como  
a forma última e absoluta da produção social, em vez de um estágio his-  
toricamente transitório de desenvolvimento, a economia política só  
pode continuar a ser uma ciência enquanto a luta de classes permanecer  
latente ou manifestar-se apenas isoladamente”. A objetividade cientí-  
fica, no caso, foi prejudicada por condições históricas objetivas nas  
quais não “se tratava mais de saber se este ou aquele teorema era ver-  
dadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou  
incômodo, se contrariava ou não as ordens policiais. O lugar da investi-  
gação desinteressada foi ocupado pelos espadachins a soldo, e a má  
consciência e as más intenções da apologética substituíram a investiga-  
ção científica imparcial” (Marx, 2013, p. 86).  
Diante dessas considerações é possível sublinhar que certas  
condições objetivas facultam ou obstruem a “investigação científica im-  
parcial” uma vez que cobram dos intelectuais envolvidos certas respos-  
tas aos problemas colocados, respostas forjadas em grande medida –  
porém, sem fatalismo a partir das posições sociais desses protagonis-  
tas em meio ao conflito social. A “condição subjetiva da isenção cientí-  
fica”, nos termos de Chasin (2009, p. 117), foi degrada a partir de então,  
pelo menos no que diz respeito à potência científica dentro do horizonte  
de entendimento do modo de produção capitalista como a última forma  
de organização da vida econômica da sociedade. Frente às condições  
deflagradas no século XIX, o pensamento econômico inclusive dividiu-  
se em ramificações conhecidas, como a figura da chamada “economia  
vulgar” – alvo direto das críticas de Marx acima , a tendência do  
151  
Determinação social do pensamento econômico  
“sincretismo” de Mill, o próprio pensamento econômico marxista, a es-  
cola histórica alemã, a teoria marginalista a partir da chamada “revolu-  
ção subjetiva” etc., sem mencionar as renovações e mesclas posteriores,  
realizadas no século XX e no presente.  
A segunda consideração de Marx chama a atenção para o de-  
senvolvimento concreto do objeto de inquirição científica. O grau de  
maturação do objeto condiciona as possibilidades de sua investigação  
sistemática. Não por acaso, as melhores condições de estudo também  
dependem das formas acabadas dos objetos e eventos. Como ele suge-  
riu, a “reflexão sobre as formas da vida humana, e, assim, também sua  
análise científica, percorre um caminho contrário ao do desenvolvi-  
mento real. Ela começa post festum e, por conseguinte, com os resulta-  
dos prontos do processo de desenvolvimento” (Marx, 2013, p. 150). Tais  
resultados prontos, uma vez ausentes, criam todo um complexo de difi-  
culdades. Ao chamar a atenção para o fato de que Gustav von Güllich já  
havia sinalizado, em 1830, certas “circunstâncias históricas” inibidoras  
do “desenvolvimento do modo de produção capitalista” na Alemanha  
de então, Marx sublinhou que “faltava, portanto, o terreno vivo da eco-  
nomia política” naquele país. Os intelectuais alemães tomaram, na ver-  
dade, aquilo que ocorria na Inglaterra e na França, importando ao pen-  
samento o que não existia ainda em terreno alemão. Nas mãos desses  
professores alemães, a “expressão teórica de uma realidade estrangeira  
transformou-se numa coleção de dogmas, que eles interpretavam –  
quer dizer, distorciam de acordo com o mundo pequeno-burguês que  
os circundava”, criando um contexto em que vigorava a “sensação de  
impotência científica” e a “má consciência por ter de lecionar numa área  
de fato estranha”. Assim, arrematou Marx (2013, p. 84), “enquanto po-  
diam praticar a economia política de modo imparcial, faltavam à reali-  
dade alemã as relações econômicas modernas. Assim que essas relações  
surgiram, isso se deu sob circunstâncias que já não permitiam seu es-  
tudo imparcial dentro do horizonte burguês”, uma vez deflagrado o con-  
flito classista naquele país.  
Assim, a maturação do objeto também é aspecto chave da de-  
terminação social das formas de consciência científica. Aqui estamos  
considerando o grau em que certo objeto sob análise já se encontra em  
presença, seu grau de consolidação. E isso, ao lado das condições sub-  
jetivas de isenção antes mencionadas, constitui em importante fator  
152  
Análise ontognosiológica  
facilitador ou obstrutivo à objetividade científica.  
O ponto central é o reconhecimento de que a objetividade cien-  
tífica não é meramente um ato de vontade individual do investigador  
por mais importante que essa postura possa ser. Não depende, em ter-  
mos essenciais, de sua adesão voluntária a esse ou àquele corpus teó-  
rico-metodológico, ele próprio forjado em condições sociais específicas.  
Em suma, a objetividade científica é um produto social, uma resultante  
histórica que decorre de condições objetivas particulares. Dito de ma-  
neira lapidar:  
as condições de possibilidade dos distintos momentos da configuração  
teórica são dadas pelas inflexões da sociabilidade [abrangentemente con-  
siderada], favorecendo ou desfavorecendo, pelo grau de desenvolvimento  
do objeto e pelas mutações de ótica correspondentes, a exercitação apro-  
priada e clarificadora da cientificidade ou, às avessas, a parcialidade des-  
figuradora da mesma. De modo que a objetividade científica é uma com-  
plexa resultante de produtivos influxos sócio-históricos, e não, mera-  
mente, a virtude de uma forma de discurso pré-moldada. Os próprios dis-  
cursos, em todas as suas modalidades, são predicações sociais, mediadas  
pelos sujeitos que integram a formação real sob clivagens de inserções  
efetivas e óticas de adoção igualmente societárias. (Chasin, 2009, p. 117)  
A objetividade científica clarificadora, objetivamente exerci-  
tada, que apanha na realidade mesma, segundo aquela aproximação su-  
cessiva refinadora como extração permanente da lógica objetiva do ob-  
jeto maturado, é, pois, uma possibilidade historicamente contingente.  
No melhor dos casos, a “conjunção cognitiva ideal depende do encontro  
entre um sujeito plasmado em posição adequada à objetivação cientí-  
fica, ou seja, portador de ótica social em condição subjetiva de isenção,  
e de um objeto desenvolvido” (Chasin, 2009, 121). Assim considerada,  
tal objetividade deve ser verificada. É uma exigência do pensamento de  
rigor “saber se este ou aquele teorema era verdadeiro”, parafraseando  
Marx. Mesmo porque, a “busca da verdade na investigação científica  
nunca pode ser evitada. De modo que o exame crítico das afirmações  
quanto ao seu próprio valor de verdade não é menos importante nas  
ciências sociais do que nas ciências naturais” (Mészáros, 2011, p. 191).  
Antes de tratarmos diretamente das duas direções importantes  
da verificação (ontológica e gnosiológica) é apropriado considerar o  
“critério de verdade” que a suporta. Sobretudo pelo fato de que na tra-  
dição materialista que estamos perscrutando estabeleceu-se a tese da  
153  
Determinação social do pensamento econômico  
práxis como tal critério. Já fizemos anteriormente referência a uma de  
suas fontes principais quando, remetendo a Marx, reconhecemos o ca-  
ráter essencialmente prático da vida social e que é nesses termos que  
decorrem as provas da correção do pensamento. Em uma das sínteses  
possíveis da questão, a “prática constitui o critério da verdade teórica.  
A exatidão ou inexatidão do reflexo teórico da realidade objetiva, que  
existe independentemente da nossa consciência, ou melhor, o grau de  
nossa aproximação dela, comprova-se na prática, pela prática” (Lukács,  
2020, p. 25). Dito de outro modo, o “critério da práxis é sem mais o  
critério que os homens aplicam de modo elementar na vida cotidiana”  
(Schaff, 1964, p. 116), considerando-a como uma “atividade do homem  
que modifica a realidade” natural e social (p. 119). Ainda que se reco-  
nheça o caráter classista da práxis em uma sociedade de classes e os  
condicionamentos por parte dos “interesses de classes em luta nessa so-  
ciedade” (p. 120) e que também se estime que tal práxis seja critério  
“último e supremo da verdade”, porém, sem excluir “critérios subordi-  
nados” (p. 120) que funcionam como auxiliares, há uma tendência,  
desde Engels pelo menos, a circunscrever essa práxis, no campo cientí-  
fico, aos experimentos e atividades mais imediatamente ligadas à natu-  
reza. Trata-se claramente de um acento à linha de continuidade entre  
trabalho e ciência que podemos constatar nas considerações críticas de  
Engels às tendências agnósticas neokantianas:  
The proof of the pudding is in the eating. Desde o momento em que apli-  
camos estas coisas, de acordo com as qualidades que percebemos nelas,  
ao nosso próprio uso, submetemos as percepções dos nossos sentidos a  
uma prova infalível no que se refere à sua exatidão ou à sua falsidade. Se  
estas percepções fossem falsas, falso seria também o nosso juízo e a nossa  
tentativa de empregá-la teria forçosamente de fracassar. Mas se conse-  
guimos o fim desejado, se achamos que a coisa corresponde à ideia que  
dela fazemos, que nos dá o que dela esperávamos ao usá-la, teremos a  
prova positiva de que, dentro desses limites, as nossas percepções acerca  
dessa coisa e das suas propriedades coincidem com a realidade existente  
fora de nós. (Engels, 1892/1984, p. 12)  
Nesse mesmo material, Engels não considerou de que maneira  
tais termos práticos seriam postos a serviço de investigação científica  
que transcenda à comparação entre finalidades e resultados típicos do  
trabalho, mesmo que seu objetivo fosse uma apresentação introdutória  
ao “materialismo histórico” e seu caráter científico. Isso é ainda mais  
154  
Análise ontognosiológica  
significativo uma vez que tal caráter obteve seu pleno desenvolvimento  
a partir das considerações dedicadas ao pensamento econômico.  
Anos antes, em tom semelhante de crítica àquelas tendências  
agnósticas neokantianas, sobressaltou-se o ambiente experimental e in-  
dustrial em que as reminiscências de linha de continuidade com o tra-  
balho são facilmente apreensíveis:  
A mais contundente refutação de tais extravagâncias, como aliás de  
quaisquer outras extravagâncias filosóficas, é a prática, ou seja, a experi-  
mentação e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão do nosso  
modo de conceber um processo natural, reproduzindo-o, nós próprios,  
criando-o como resultante das suas próprias condições, e se, além disso,  
o pomos ao serviço dos nossos próprios fins, lançamos para o cesto dos  
papéis a inapreensível “coisa em si” de Kant. (Engels, 1886/1974, p. 44)  
Aproximação exagerada entre trabalho e ciência pode provocar  
resultados que perduram muitas décadas. Schaff (1964), por exemplo,  
ecoou essa aproximação ao enfatizar que o “critério objetivo da verdade  
é a práxis, entendida como práxis social humana, atividade humana que  
modifica o mundo real; e, em particular, como experimento, como in-  
dústria e como práxis das transformações sociais, ou também como ati-  
vidade consciente dirigida à produção de uma coisa em conformidade  
com uma intenção previamente formulada” (p. 107). Adicionou adiante  
que o “critério das práxis consiste na prova da teoria submetida a deter-  
minados resultados da atividade humana sensível” (p. 121). A ciência,  
nesses termos, espelharia a estrutura original donde decorreu histori-  
camente, do trabalho, e assumiria, tendo a práxis como critério de ver-  
dade nos termos apresentados, uma forma modificadora da realidade  
social e natural.  
Fica de fora, entretanto, o dado importante de que nem toda  
ciência está imediatamente ligada à transformação social ou natural por  
mais que possa produzir tais consequências por mediação da atuação  
de grupos humanos e classes sociais inteiras. Tão importante quanto é  
o dado de que, como vimos, a dupla tarefa da ciência, sobretudo da ci-  
ência social, denota tanto o impulso de fornecer respostas que possam  
direcionar os conflitos quanto a potência de iluminar os fatos, os nexos  
e movimentos reais. No conjunto, esses direcionamentos da ciência po-  
dem provocar modificações particularmente na vida econômica da so-  
ciedade sobretudo quando vertidas em ideologias efetivamente  
155  
Determinação social do pensamento econômico  
operantes, como vimos na análise da eficácia e sua verificação , mas o  
reflexo muito direto entre trabalho e ciência nubla a diferença especí-  
fica desta e do lugar da práxis como critério de verdade nesse território  
heterogêneo.  
Vemos isso como uma tendência na tradição materialista que  
deve ser criticada. Remontando novamente a Engels, o quadro geral fica  
ainda mais problemático dada a ausência de considerações diretas e  
abrangentes sobre tal critério quando o assunto se aproxima das ciên-  
cias chamadas históricas, ou ciências sociais na terminologia que esta-  
mos adotando. Ao comentar que a “religião, uma vez criada, contém  
sempre um componente tradicional”, ponderou que “as mudanças que  
se produzem nesse componente resultam das relações de classe e, por-  
tanto, das relações econômicas dos homens que efetuam tais mudan-  
ças”. O decisivo para nós, disse ele, é que a “prova será fornecida à luz  
da própria história” (Engels, 1886/1974, p. 114) naquilo que se refere às  
“ciências históricas, incluindo a filosofia” (p. 116). E isso não é apresen-  
tado com o mesmo vigor se comparado à “experimentação e a indústria”  
como expressão de certa remissão às ciências da natureza.  
Entretanto, talvez seja possível depreender que, no caso de tais  
ciências históricas, a práxis como critério de verdade não é em si a  
transformação da realidade social, pelo menos não diretamente, mas a  
observância daquilo que efetivamente ocorreu ou ocorre em termos  
práticos, isto é, objetivos. A práxis, como critério de verdade histórico-  
social, é aquilo que os homens efetivamente fizeram e fazem na vida  
social que, em si, é essencialmente prática. Logo, é a observação desse  
caráter ativo, objetivo. Por esse motivo, todo cuidado é pouco sobretudo  
quando temos em mente o risco da absolutização do critério de verdade  
em tela como potencial desvio praticista-pragmático e as dificuldades  
envolvidas nas ciências sociais. Devemos evitar, a todo custo, subordi-  
nar, por assim dizer, a segunda tese já aludida, segundo a qual é “na  
prática que o homem tem de provar a verdade” (Marx; Engels, 2007, p.  
533), à décima primeira tese na qual podemos ler que os “filósofos ape-  
nas interpretaram o mundo de diferentes maneiras, o que importa é  
transformá-lo” (p. 535). Essa subordinação, que flerta perigosamente  
com variantes de praticismo, não é autorizada por nada na estrutura  
geral das legadas onze Teses ad Feuerbach. Ela obstrui a diferença es-  
pecífica da ciência, ela mesma como prática social munida daquelas  
156  
Análise ontognosiológica  
duas tarefas antes aludidas. Mesmo porque, como podemos ler no ma-  
terial da mesma época da redação dessas teses, “onde termina a espe-  
culação, na vida real, começa também, portanto, a ciência real, positiva,  
a exposição da atividade prática, do processo prático de desenvolvi-  
mento dos homens. As fraseologias sobre a consciência acabam e o sa-  
ber real tem de tomar o seu lugar” (Marx; Engels, 2007, p. 95). Não é  
possível abstrair esse impulso filosófico-científico de expor a “atividade  
prática”.  
Mas os riscos envolvidos são por demais evidentes e precisam  
ser considerados. Tenhamos em mente aquelas duas vias do conheci-  
mento a partir do trabalho para enfatizar o critério de verdade em seu  
âmbito. Destacamos, por um lado, a via pela qual os resultados do tra-  
balho foram integrados ao conjunto do conhecimento, alargando a  
compreensão humana das coisas, e, por outro lado, aquela via em que o  
conhecimento ficou diretamente ligado à imediaticidade do trabalho.  
Revelamos, assim, o desenvolvimento heterogêneo da ciência em rela-  
ção à sua “estrutura original”. Com isso, já diferenciamos a ciência como  
“continuidade superadora” em vista dessa estrutura, como ultrapassa-  
gem das aparências, dos aparentes paradoxos, das singularidades, em  
suma, da imediaticidade das exigências do trabalho para o qual importa  
essencialmente seus resultados correspondentes às finalidades postas,  
possibilitando a avalição dos espelhamentos aproximadamente corre-  
tos ou falsos.  
Nesse caso, “é a práxis que estabelece o critério absoluto da te-  
oria” (Lukács, 2013, p. 94). Atividades mais complexas, já sistematiza-  
das como as experiências, denotam diferenças importantes que deman-  
dam a reta compreensão desse critério para além da esfera imediata do  
trabalho. Na medida em que “toda experiência surge com vistas a uma  
generalização”, ela pode enriquecer o próprio plano do trabalho, pois  
permite “fazer um julgamento sobre o certo e o errado com a mesma  
clareza do trabalho e, além do mais, elabora esse julgamento num nível  
mais alto de generalização, aquele de uma concepção matematicamente  
formulável dos nexos quantitativos factuais que caracterizam esse com-  
plexo fenomênico” (p. 94). Nesses termos:  
quando utilizamos esse resultado para aperfeiçoar o processo de traba-  
lho, não parece de nenhum modo problemático tomar a práxis como cri-  
tério da teoria. A questão se torna mais complicada quando se quer  
157  
Determinação social do pensamento econômico  
utilizar o conhecimento assim obtido para ampliar o próprio conheci-  
mento. Com efeito, nesse caso não se trata simplesmente de saber se um  
determinado e concreto nexo causal é apropriado para favorecer, no in-  
terior de uma constelação também concreta e determinada, um pôr tele-  
ológico [colocação de finalidade para a prática] determinado e concreto,  
mas também se quer obter uma ampliação e um aprofundamento etc. ge-  
rais do nosso conhecimento sobre a natureza em geral. Nesses casos, a  
mera compreensão matemática dos aspectos quantitativos de um nexo  
material não é mais suficiente; ao contrário, o fenômeno deve ser com-  
preendido na peculiaridade real do seu ser material, e a sua essência, as-  
sim apreendida, deve ser posta em concordância com os outros modos de  
ser já adquiridos cientificamente. (Lukács, 2013, p. 94-95)  
As questões decorrentes são bastante ramificadas. Para os pro-  
pósitos aqui estabelecidos, basta reconhecer que a ciência se ocupa tam-  
bém do enriquecimento do próprio conhecimento que pode ou não ser  
direcionado ao aperfeiçoamento do trabalho, das aplicações industriais  
etc., ou mesmo às atividades sociais, a exemplo da já mencionada ad-  
ministração da economia capitalista. O que importa destacar é que a  
ciência não está delimitada aos resultados dessas aplicações. A conti-  
nuidade exageradamente imposta, de maneira consciente ou não, entre  
trabalho e ciência guarda potencial do desvio facilmente reconhecido  
em que se rejeita toda preocupação com a natureza das coisas, suas pro-  
priedades, funcionamento e transformação, condenando-a ao reino da  
“metafísica”, e estabelecendo “como único critério de verdade científica  
a crescente aplicabilidade prática” (Lukács, 2013, p. 96), como ocorre  
em muitas tendências científicas como o “neopositivismo” e seus des-  
dobramentos. Nisso se vê a diferença entre atividade científica e “mani-  
pulação prática dos nexos causais concretamente conhecidos” (p. 96).  
A subordinação da ciência a essa manipulação é notória no atual campo  
científico para além das ciências da natureza, incluindo obviamente a  
Economics”. Não apenas é uma compreensão falsa dos problemas en-  
volvidos, mas também é uma falsidade socialmente necessária com  
grande penetração uma vez que responde a necessidades sociais pre-  
ponderantes historicamente delimitadas. Vemos isso, no que tem  
“maior peso”, com a “manipulação na economia [que] se tornou fator  
decisivo para a reprodução do capitalismo atual e, a partir desse centro,  
irradiou-se para todos os campos da práxis social” (p. 96-97). Assim se  
mostra o adequado cuidado com a absolutização da práxis como critério  
da teoria. Nesse ponto se apresenta a necessidade da “crítica  
158  
Análise ontognosiológica  
ontológica” já tantas vezes anunciada, na qualidade de exercitação cor-  
retiva dos posicionamentos científico-filosóficos diante do entendi-  
mento da realidade objetiva:  
Se for verdade que esse critério [da prática] é válido para o próprio tra-  
balho e de modo parcial nas experiências, também é verdade que, em  
casos mais complexos, deve-se empreender uma crítica ontológica cons-  
ciente se não se quer comprometer a constituição fundamentalmente cor-  
reta dessa função de critério da práxis. [...] a crítica ontológica que nasce  
dessa exigência deve ser incondicionalmente concreta, fundada na res-  
pectiva totalidade social e orientada para a totalidade social. [...]. As con-  
sequências espirituais do desenvolvimento desigual da sociedade são tão  
fortes e múltiplas que qualquer esquematismo no tratamento desse com-  
plexo de problemas só pode afastar ainda mais do ser [daquilo que é]. Por  
isso, a crítica ontológica deve orientar-se pelo conjunto diferenciado da  
sociedade diferenciado concretamente em termos de classes e pelas  
inter-relações dos tipos de comportamentos que daí derivam. Só desse  
modo se pode aplicar corretamente a função da práxis como critério da  
teoria, decisiva para qualquer desenvolvimento espiritual e para qual-  
quer práxis social. (Lukács, 2013, p. 97-98)  
Vemos com isso que a “crítica ontológica” é uma exigência di-  
ante da possibilidade de absolutização da práxis como critério de ver-  
dade. Recordemos que, para o materialismo aqui considerado, a vida  
social é “essencialmente prática” e que todos os “mistérios que condu-  
zem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática  
humana e na compreensão dessa prática” (Marx; Engels, 2007, p. 533-  
535). Destaquemos a última tarefa, isto é, a “compreensão dessa prá-  
tica”, a investigação daquilo que os homens efetivamente fazem, inclu-  
indo suas representações e teorias que podem ou não contrariar a práxis  
objetiva. Coloquemos, como já aludido, em primeiríssimo plano a ne-  
cessária “ciência real, positiva, a exposição da atividade prática” (Marx;  
Engels, 2007, p. 95) antes referida.  
É nesse sentido de maior alcance que devemos considerar a  
práxis como critério de verdade para a análise verificadora em termos  
práticos da correção dos enunciados referentes à prática, isto é, proce-  
dimento ativo e concreto de análise da correspondência dos espelha-  
mentos de natureza filosófico-científicas que nutrem o próprio pensa-  
mento econômico. Trata-se, segundo nossos propósitos, da postura e  
procedimentais correspondentes à avaliação verificadora do grau de  
aproximação e correção dos espelhamentos intentados tais como estão  
objetivados no pensamento econômico enquanto forma de consciência  
159  
Determinação social do pensamento econômico  
científica. A isso denominamos propriamente em síntese por análise  
ontognosiológica.  
Essa análise está desigualmente formulada na tradição mar-  
xista. Isso decorre de questões históricas dessa tradição e das inclina-  
ções intelectuais dos formuladores mais importantes sobre o assunto  
em tela. Em geral, são tardias no século XX as preocupações declaradas  
em evidenciar os contornos da “crítica ontológica” e ocupadas em de-  
senvolvê-los. São mais frequentadas por aqueles que, de uma forma ou  
de outra, possuem ligações mais fortes com a filosofia. Isso de modo  
algum significa que traços dessa “crítica” não possam ser identificados  
entre aqueles mais ligados à economia. Do mesmo modo, não quer dizer  
que naqueles não tenha sido evidenciada qualquer atenção às questões  
de ordem gnosiológica, mas é possível dizer que elas foram mais culti-  
vadas pela ramificação econômica, por assim dizer.  
Nos próprios materiais de Marx, a crítica ontológica e a crítica  
gnosiológica compareceram coerente e articuladamente sob a tutela da  
primeira, embora na história do marxismo tenha predominado a ten-  
dência de extração exclusivamente de parâmetros provenientes do ter-  
reno da teoria do conhecimento. A dificuldade em capturar, “fora dos  
preconceitos da moda”, que os enunciados de Marx são “afirmações pu-  
ramente ontológicas” (Lukács, 2012, p. 281), decorreu, entre outras ra-  
zões, da predominância da teoria do conhecimento, suas inclinações  
subjetivas e sua missão em afastar as preocupações ontológicas  
(Lukács, 2010, p. 33), afetando inclusive o destino do marxismo na in-  
sistente busca de complementação por meio de correntes em essência  
rivais, tais como o positivismo e o neokantismo.  
Disso resulta ser decisiva a separação analítica da ontologia e  
da gnosiologia para tratar devidamente desses componentes relaciona-  
dos e com a preponderância da primeira. Devemos, pois, analitica-  
mente fragmentar a análise ontognosiológica com vistas a explicitar a  
“interação e síntese entre o procedimento de investigação filosófico  
(abstrativo-teórico) [ou crítica ontológica] e o científico (empírico-his-  
tórico) [ou crítica gnosiológica]” (Fortes, 2013, p. 260). Nesse com-  
passo, é decisivo destacar o aspecto procedimental da investigação, di-  
ferenciando-o do procedimento expositivo referente às provas em que  
a demonstração assume o protagonismo uma vez concluída a própria  
investigação.  
160  
Análise ontognosiológica  
Considerando as questões apontadas nas discussões preceden-  
tes, sobretudo no capítulo dedicado à análise histórico-imanente, temos  
já resolvido que a crítica ontológica (e suas variações terminológicas  
vistas, como “crítica imanente”, “crítica radical” etc.) recai sobre coisas  
reais e ideais. Nossa atenção está voltada, via de regra, para a crítica  
ontológica das segundas na figura do pensamento econômico, isto é, sua  
avaliação como forma de consciência científica em sua diferença espe-  
cífica.  
Não tem lugar no presente contexto para longas remissões.  
Nosso objetivo é caracterizar a crítica ontológica no que diz respeito às  
formações ideais. Inicialmente, como vimos na análise histórico-ima-  
nente, o adensamento analítico no itinerário de Marx foi encorpado  
tanto no sentido do caráter histórico quanto no da crítica. Chamamos a  
atenção para a revisão crítica da filosofia do direito de Hegel. Sinaliza-  
mos rapidamente os contornos gerais da crítica ontológica aos limites  
da filosofia especulativa, sobretudo no que diz respeito à relação de  
pressuposição objetiva entre estado e sociedade. Na filosofia especula-  
tiva essa relação aparecia invertida, estabelecendo o primeiro como o  
demiurgo da segunda quando, na realidade objetiva, passa-se o contrá-  
rio, ainda que com reciprocidades.  
É importante acrescentar a influência que Feuerbach teve nesse  
aspecto, a despeito das restrições de seu materialismo sensualista anti-  
histórico e ignorante quanto à atividade sensível, prática, dos homens  
(Marx; Engels, 2007). O ponto da influência em questão é precisamente  
a crítica de Feuerbach (1988) de 1842 endereçada à filosofia hegeliana  
ao estabelecer que a verdadeira tarefa da filosofia “é o conhecimento do  
que é. Pensar e conhecer as coisas e os seres como são” (p. 26). Nisso  
está implicado as limitações do idealismo objetivo que considera as coi-  
sas existentes como produtos do pensamento, isto é, na filosofia espe-  
culativa o “pensamento é o ser” (p. 30). Entretanto, a “verdadeira rela-  
ção entre pensamento e ser é apenas esta: o ser é o sujeito, o pensa-  
mento o predicado. O pensamento provém do ser, mas não o ser do  
pensamento” (p. 31). A influência de Feuerbach tem caráter ontológico  
para a crítica que Marx desenvolveu com respeito à filosofia do direito  
de Hegel.  
Nessa crítica de Marx está o “primeiro passo instaurador da crí-  
tica ontológica marxiana [...], o descarte da especulação”, mas “não  
161  
Determinação social do pensamento econômico  
meramente como a colocação de um universo teórico de ponta à cabeça,  
ou a seleção de alguns de seus elementos”. Colocada coerentemente, a  
“crítica da especulação e das ideias em geral, por isso, só se pode com-  
pletar quando seja feita precisamente a crítica do próprio ser, ou seja,  
uma crítica de natureza ontológica” (de Deus; Silva, 2022/2023, p.  
204). No caso em tela, a filosofia especulativa perde de vista os homens  
reais como fundamento da existência do estado, pressupondo-o como  
existente em si mesmo, como causa de si próprio o que é uma clara  
mistificação. As análises de Marx sugerem mesmo que essa ilusão não  
é produzida pela filosofia especulativa, mas que é algo decorrente da  
própria realidade da qual esta filosofia é prolongamento. Na especula-  
ção, uma aparência objetiva, produzida pelas próprias condições obje-  
tivas, ganhou uma expressão filosófica exuberante.  
Análise de fundamento semelhante pode ser identificada em  
textos da mesma época. Em Sobre a questão judaica um aspecto im-  
portante da crítica ontológica recai sobre a falsa representação nutrida  
por Bauer sobre a relação entre religião e o estado. Marx (2010d) tomou  
o caso concreto dos Estados Unidos como forma estatal mais aperfeiço-  
ada para demonstrar que não se trata da abolição da religião, mas de  
sua conversão em assunto privado. Esse ensejo serviu ao propósito de  
demonstrar que o estado se aperfeiçoa pela manutenção das contradi-  
ções que constituem sua base, a exemplo das diferenças de propriedade  
privada, educação etc.  
Adicionalmente, nas famosas Glosas críticas de 1844 há uma  
relação direta entre a economia e a política por via do pauperismo. Sem-  
pre tomando os casos concretos gerais, Marx (2010a) demonstrou que  
o modo de lidar com pauperismo na Alemanha não decorria, como sus-  
tentou Ruge, do caráter apolítico desse país. As maiores evidências de  
pauperismo entre os trabalhadores eram notórias na Inglaterra, país  
em que se desenvolveu as mesmas medidas de administração do pau-  
perismo. A própria Inglaterra, aliás, despachou agentes a outros países  
com o propósito de identificar as respostas desenvolvidas diante da ma-  
zela social com vistas a aperfeiçoar as respostas domésticas. Como Marx  
sugeriu, “na medida em que os estados se ocuparam com o pauperismo,  
restringiram-se às medidas administrativas e beneficentes ou retroce-  
deram aquém da administração e da beneficência” (p. 38) por meio do  
emprego da violência direta, concluindo que, do ponto de vista de uma  
162  
Análise ontognosiológica  
razão política, não é possível alcançar a raiz do pauperismo dos traba-  
lhadores no modo de organização da sociedade: “Quanto mais poderoso  
for o estado, ou seja, quanto mais político for um país, tanto menos es-  
tará inclinado a buscar no princípio do estado, ou seja, na atual orga-  
nização da sociedade, da qual o estado é expressão ativa, autoconsciên-  
cia e oficial, a razão das mazelas sociais e a compreender seu princípio  
universal. O entendimento político é entendimento político justamente  
porque pensa dentro dos limites da política” (p. 40). Sobressalte-se o  
confronto entre os enunciados de Ruge e a coisa mesma, a efetividade  
das respostas estatais ao pauperismo.  
Em tais Glosas já são integralmente audíveis os temas mais di-  
retos da economia política. Isso porque, nesse período, Marx já dedi-  
cava bastante tempo ao estudo do pensamento econômico. No texto ini-  
cial de 1844 sobre Mill, aparece a indicação de uma crítica ontológica  
segundo a qual a economia política teria órbita nas relações entre os  
homens, mas tais relações na forma “alienada”, reificada, como conexão  
entre proprietários em relações de regateio constatação de amplo al-  
cance, audível em materiais mais tardios como O capital:  
A comunidade dos homens, ou a manifestação da natureza humana, cujo  
resultado mútuo é a vida da espécie, vida verdadeiramente humana –  
essa comunidade é apreendida pela economia política sob a forma do in-  
tercâmbio e do comércio. A sociedade, diz Destutt de Tracy, é uma “série  
de trocas mútuas”. É precisamente tal processo de integração mútua. A  
sociedade, diz Adam Smith, é uma sociedade comercial. Cada um dos  
seus membros é um comerciante. (Marx, 2010e, p. 217)  
Isso revela que, desde as primeiras incursões de Marx ao pen-  
samento econômico disponível, a crítica ontológica iluminava a tendên-  
cia comum à economia política em tomar os resultados históricos, as  
formas historicamente determinadas e particulares, como fossem con-  
dições universais. Parece que, disse Marx, a “economia política define a  
forma estranhada das relações sociais como a forma essencial e origi-  
nal que corresponde à natureza humana” (Marx, 2010e, p. 217). O des-  
taque a essa tendência foi reforçada por Marx ao longo dos anos. Os  
exemplos não faltam. Para citar alguns casos, consideremos Trabalho  
assalariado e capital, de 1849, no qual, entre outras coisas, ficou de-  
marcado o caráter histórico que os instrumentos de trabalho assumem  
como capital sob específica relação capitalista de produção e não antes.  
163  
Determinação social do pensamento econômico  
“Uma máquina jenny de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão.  
Ela se transforma em capital apenas sob certas relações” (Marx, 2010f,  
p. 211). Capital, portanto, não é uma categoria universal. Nos Grun-  
drisse, dez anos mais tarde, a mesma crítica compareceu na indicação  
de que o indivíduo isolado aparece, para a economia política, “como  
ideal cuja existência estaria no passado. Não como um resultado histó-  
rico, mas como ponto de partida da história”, isto é, aparece como algo  
“posto pela natureza” (Marx, 2011b, p. 40). Ecoando os achados anteri-  
ores, Marx indicou que nessa ciência buscava-se eliminar a diferença  
essencial entre os diferentes modos de organização da vida econômica  
da sociedade para sustentar a “eternidade e a harmonia das relações so-  
ciais existentes” (p. 41), como no caso de igualar universalmente todo  
instrumento de trabalho e capital.  
Retomando aqueles anos de 1844 e o itinerário de Marx à eco-  
nomia política, nosso autor ainda nutria planos de realizar uma maior  
investida sobre a filosofia hegeliana. A economia política apareceu,  
nessa ocasião, como algo temporariamente acessório. Considerando re-  
alizar o que havia sido prometido, a “crítica do direito e do estado sob a  
forma de uma crítica da filosofia hegeliana do direito”, Marx (2005, p.  
237) avaliou ser necessário escrever “brochuras autônomas” para não  
misturar assuntos, como direito, moral, política etc. Planejou, ao final,  
apresentar “num trabalho específico, a conexão do todo, a relação das  
partes singulares e, finalmente, a crítica da elaboração especulativa da-  
quele material” (p. 238). Na sequência explicou dois aspectos impor-  
tantes. O primeiro, disse ele, “por essa razão, no presente escrito, a co-  
nexão da economia nacional [economia política] com o estado, o direito,  
a moral, a vida burguesa etc., apenas se encontra abordada na medida  
em que a própria economia nacional aborda ex professo esses assuntos”  
(p. 238). Não obstante o caráter aqui acessório, Marx sugeriu que os  
resultados investigativos “foram obtidos através de uma análise total-  
mente empírica, fundada num estudo crítico escrupuloso da economia  
nacional” (p. 238-239). O segundo aspecto é de fundamento e ajuda a  
iluminar o caráter “empírico” desse “estudo crítico” realizado sobre o  
pensamento econômico. Explicou ele que a “crítica da economia nacio-  
nal [economia política], tal como a crítica positiva em geral, deve a sua  
verdadeira fundação às descobertas de Feuerbach” (p. 239). A crítica da  
economia política, por decorrência de um estudo rigoroso do  
164  
Análise ontognosiológica  
pensamento econômico, foi parametrizada pela “crítica positiva”, em-  
piricamente informada, isto é, o conhecimento dado é confrontado com  
aquilo que efetivamente existe. Uma vez que a influência de Feuerbach  
foi declaradamente ontológica, como vimos, a crítica da economia polí-  
tica só pode ser também desse talhe. Trata-se da análise daquilo que  
efetivamente existe e de como é representado, ou melhor, análise do  
confronto entre esses dois planos.  
Os exemplos desse procedimento são inúmeros. Cabe consta-  
tar, diante deles, que se trata de um esforço de avaliação que corrige as  
representações à luz da objetividade para além de suas camadas super-  
ficiais. A crítica ontológica, no caso, mostra-se como exercício primari-  
amente avaliativo tendo por parâmetro essencial a realidade objetiva  
das coisas às quais certa formação ideal faz referência. Os enunciados  
interpostos sobre aquilo que é são medidos por seus próprios objetos,  
possibilitando a avaliação da correção das formações ideais, indo, ne-  
cessariamente, além das camadas superficiais pelas quais a realidade se  
apresenta. Chama a atenção nesse ponto o caráter filosófico da investi-  
gação, isto é, seu corte abstrativo-teórico prioritário, mas não exclusivo.  
Partindo, de tal modo, da crítica da filosofia especulativa, Marx galgou  
progressivamente seu caminho para a crítica ontológica da economia  
política, isto é, o procedimento abstrativo-teórico jamais será abando-  
nado; ao contrário, receberá altas cargas de intensificação. Da forma  
como deixou registrado no famoso Prefácio de 1859, a investida crítica  
à filosofia especulativa progressivamente resultou no achado decisivo  
segundo o qual:  
Relações jurídicas, tais como formas de estado, não podem ser compre-  
endidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado de-  
senvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrário, elas se en-  
raízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por  
Hegel sob o nome de “sociedade civil” (bürgerliche Gesellschaft), se-  
guindo os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da  
sociedade burguesa (bürgerliche Gesellschaft) deve ser procurada na  
Economia Política. (Marx, 1974, p. 135)  
A análise empreendida por Marx ao longo dos anos permitiu a  
chegada ao enunciado geral do lugar das relações materiais diante das  
“relações jurídicas” no todo articulado que forma a sociedade no refe-  
rido estágio histórico. O resultado é produto da exercitação, para usar  
um termo de Lukács (2013, p. 445), de uma “verificação ontológica” da  
165  
Determinação social do pensamento econômico  
filosofia especulativa. Mas é igualmente importante sinalizar que tal ve-  
rificação serviu de correção de rota dos próprios planos de Marx por  
evidenciar a necessária colocação da economia política como objeto pri-  
oritário para análise em vista do estudo da sociedade em tal estágio de  
desenvolvimento.  
Não foi por acaso a constatação do lugar da mercadoria nessa  
sociedade como fator elementar. O procedimento analítico da mercado-  
ria também não foi obtido como raio na escuridão. Para isso, basta  
acompanhar a operação do “trabalho das abstrações” na “analítica das  
coisas”, conforme Chasin (2009, p. 232-253) deixou registrado. Em-  
bora não seja adequado no momento uma longa digressão a respeito,  
não se pode deixar de dizer que tal procedimento é rigorosamente fun-  
dado em uma verificação ontológica dos enunciados da economia polí-  
tica, isto é, uma verificação parametrizada pela determinação dos ele-  
mentos relacionados que compõem a mercadoria como unidade.  
Com efeito, o primeiro capítulo de O capital é a exposição da  
investigação uma vez terminada e não a investigação em si mesma. Mas  
há elementos importantes em sua exposição que jogam luz sobre o pro-  
cesso investigativo. Nesse sentido, a questão subjacente de partida é de  
natureza ontológica: o que é a mercadoria? O desenvolvimento da res-  
posta possui arranque precisamente em um tipo de análise decanta-  
dora que coloca em primeiro plano os pressupostos mais essenciais: a  
“mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por  
meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo  
qualquer” (Marx, 2013, p. 113). Como se sabe, ser valor de uso é condi-  
ção primária da mercadoria, mas não condição suficiente. A análise glo-  
bal alcança o valor e o valor de troca como sua expressão, atinge a con-  
tradição interna da mercadoria e seu fetichismo que decorre da própria  
forma-mercadoria como coisa acabada e na qual não se reflete direta-  
mente as relações sociais subjacentes. O ponto central é a constatação  
de que qualquer resposta adequada deve prioritariamente ter partida  
nessa dimensão essencial, no “antes de tudo”, no pressuposto objetivo  
sem o qual a mercadoria não seria possível.  
Mas o resultado da análise integralizante, a unidade contradi-  
tória da mercadoria e seu fetichismo, serve de parâmetro avaliativo para  
o grau de aproximação realizado até então pela inteligência humana.  
Aristóteles, por exemplo, não pôde transpor a forma equivalente, não  
166  
Análise ontognosiológica  
porque lhe faltava genialidade, mas porque, no mundo grego antigo em  
que vigorava o “trabalho escravo e, por conseguinte, tinha como base  
natural a desigualdade entre os homens e suas forças de trabalho”, não  
estava colocada a possibilidade de decifração do “segredo da expressão  
do valor, a igualdade e equivalência de todos os trabalhos porque e na  
medida em que são trabalho humano em geral” (Marx, 2013, p. 136).  
Em síntese, o próprio objeto não estava objetivamente maturado ao  
ponto de possibilitar sua análise devida nas condições daquela Ática an-  
tiga. É um resultado a que se chega pela crítica ontológica da represen-  
tação que Aristóteles pôde produzir.  
A apreensão do valor como trabalho abstrato e sua grandeza  
como tempo de trabalho social demandou condições objetivas e subje-  
tivas historicamente mais adequadas. Mesmo a economia política clás-  
sica, no entanto, encontrou restrições em suas aproximações científicas.  
Com a natureza da mercadoria em tela, Marx pôde avaliar que a “eco-  
nomia política analisou, mesmo que incompletamente, o valor e a gran-  
deza de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas formas”  
(Marx, 2013, p. 154). Em nota, indicou certo aspecto dessa análise in-  
completa ao sugerir que, tangentemente “ao valor em geral, em nenhum  
lugar a economia política clássica diferencia expressa e claramente o  
trabalho tal como ele se expressa no valor do mesmo trabalho de sua  
expressão no valor de uso de seu produto” (p. 154). Marx foi mais longe  
na consideração ricardiana do valor em geral, demonstrando sua leitura  
problemática da posição de Destutt de Tracy que, no momento, não é  
importante para nossos fins. Importa reter que a economia política clás-  
sica não apenas produziu análise incompleta como também não pôde  
colocar a questão de saber: “por que esse conteúdo [que se esconde nas  
formas do valor e da grandeza de valor] assume aquela forma, e por que,  
portanto, o trabalho se representa no valor e a medida do trabalho, por  
meio de sua duração temporal, na grandeza de valor do produto do tra-  
balho?” (p. 154-155). Novamente em nota, Marx avaliou que:  
Uma das insuficiências fundamentais da economia política clássica está  
no fato de ela nunca ter conseguido descobrir, a partir da análise da mer-  
cadoria e, mais especificamente, do valor das mercadorias, a forma do  
valor que o converte precisamente em valor de troca. Justamente em seus  
melhores representantes, como A. Smith e Ricardo, ela trata a forma de  
valor como algo totalmente indiferente ou exterior à natureza do próprio  
valor. A razão disso não está apenas em que a análise da grandeza do valor  
167  
Determinação social do pensamento econômico  
absorve inteiramente sua atenção. Ela é mais profunda. A forma de valor  
do produto do trabalho é a forma mais abstrata, mas também mais geral  
do modo burguês de produção, que assim se caracteriza como um tipo  
particular de produção social e, ao mesmo tempo, um tipo histórico. Se  
tal forma é tomada pela forma natural eterna da produção social, também  
se perde de vista necessariamente a especificidade da forma de valor, e  
assim também da forma-mercadoria e, num estágio mais desenvolvido,  
da forma-dinheiro, da forma-capital etc. (Marx, 2013, p. 155)  
A insuficiência decorre essencialmente da ignorância quanto ao  
caráter histórico-particular do modo de produção capitalista de merca-  
dorias, isto é, de sua diferença específica, daquilo que ele é. Na econo-  
mia política clássica, na figura de seus maiores protagonistas, portava-  
se uma apreensão naturalista desse modo de produção. O horizonte  
burguês é de afirmação de sua eternidade. Nessa direção, “Tais formas  
[do valor e da grandeza de valor], em cuja testa está escrito que elas  
pertencem a uma formação social em que o processo de produção do-  
mina os homens, e não os homens o processo de produção, são consi-  
deradas por sua consciência burguesa como uma necessidade natural  
tão evidente quanto o próprio trabalho produtivo” (Marx, 2013, p. 155).  
A economia política move-se sobretudo por meio das formas acabadas,  
que por si mesmas não revelam seu conteúdo e natureza, isto é, uma  
relação social especificamente histórica de exploração econômica da  
força de trabalho. Como já foi dito anteriormente, “são justamente essas  
formas que constituem as categorias da economia burguesa. Trata-se de  
formas de pensamento socialmente válidas e, portanto, dotadas de ob-  
jetividade para as relações de produção desse modo social de produção  
historicamente determinado, a produção de mercadorias” (p. 151). Em  
outros termos, a tendência principal presente no pensamento econô-  
mico em consideração é ser ludibriado pelo “fetichismo que se cola ao  
mundo das mercadorias ou pela aparência objetiva das determinações  
sociais do trabalho” (p. 157). Trata-se de uma limitação passível de ser  
superada tendo por condição a apreensão do modo capitalista de pro-  
dução tal como é em seu caráter histórico-particular e, portanto, tran-  
sitório. De tal maneira, “todo o misticismo do mundo das mercadorias,  
toda a mágica e a assombração que anuviam os produtos do trabalho na  
base da produção de mercadorias desaparecem imediatamente, tão  
longo nos refugiemos em outras formas de produção” (p. 151), visando  
a capturar a diferença específica das formas históricas particulares. Mas  
168  
Análise ontognosiológica  
para isso, a economia política teria que despir-se de si mesma para al-  
cançar o conteúdo daquelas formas enigmáticas.  
Vemos que a análise da mercadoria se mostra como “analítica  
da reta prospecção do objeto” (Chasin, 2009, p. 252). Essa abordagem  
parametrizou a verificação ontológica do grau de aproximação realizado  
pelo pensamento econômico na figura da economia política clássica,  
conforme os exemplos sugeridos, revelando o giro desse pensamento na  
órbita das formas acabadas e, portanto, mais superficiais. Há um grau  
de aproximação, no entanto, que representa os méritos científicos da  
economia política clássica em razão das condições históricas já discuti-  
das, sobretudo se comparada à chamada “economia vulgar”. Há tam-  
bém espaço para o reconhecimento da “necessidade científica na histó-  
ria da economia” e insuficiência do método, na figura de Ricardo, que  
teve arranque na “determinação da magnitude do valor da mercadoria  
pelo tempo de trabalho” e que, com isso, “investiga se as demais condi-  
ções e categorias econômicas contradizem essa determinação ou até  
onde a modificam”. Como completou Marx (1980-1985, p. 597) na se-  
quência, a “insuficiência se revela no modo de apresentação (mera-  
mente formal) e, ademais, leva a resultados errôneos porque omite os  
necessários elos intermediários e procura de imediato provar a con-  
gruência entre as categorias econômicas”. Nesse último sentido, mesmo  
os métodos adotados se mostram objeto de inquirição ontológica, a  
exemplo do ponto de partida na grandeza do valor em que se perde de  
vista o ponto de partida material correto, como sugerem as primeiras  
linhas da introdução aos Grundrisse, isto é, a “produção dos indivíduos  
socialmente determinada” (Marx, 2011b, p. 39).  
Cabe sublinhar duas consequências que ficaram entrevistas a  
partir das considerações precedentes e que podem ser trazidas à baila.  
Em primeiro lugar, ficou patente que estamos diante de um tipo de co-  
nhecimento das coisas reais e ideais. Vale mesmo dizer que ninguém  
precisa conhecer a relação de pressuposição objetiva entre valor de uso  
e valor de troca para realizar as operações econômicas diárias. Por isso,  
a natureza das análises precedentes não se confirma como um tipo de  
conhecimento destinado ao aperfeiçoamento dessas operações corri-  
queiras nas quais os agentes práticos estão imersos como peixes n’água  
e às quais tendencialmente o pensamento econômico tende a corres-  
ponder sem alcançar os conteúdos mais decisivos, mas para enriquecer  
169  
Determinação social do pensamento econômico  
o estoque de conhecimentos sobre fatos tanto objetivos quanto doutri-  
nários, sem mencionar as possibilidades que tais conhecimentos podem  
desencadear uma vez conhecidas as propriedades da mercadoria e as  
limitações do pensamento correspondente, as contradições internas  
dessas coisas, as relações sociais cristalizadas na forma reificada das  
coisas e as formas de consciência que expressam e potencialmente re-  
forçam a reificação. Em segundo lugar, ficou também notório que a crí-  
tica ou verificação ontológica está em estreita dependência frente à aná-  
lise histórico-imanente já por nós considerada. Por isso mesmo, quanto  
mais escavamos nas propriedades dessa avaliação em tela, mais perce-  
bemos a relação com outros procedimentos necessários de partida. A  
indispensabilidade de outros elementos revela precisamente o caráter  
unitário do método materialista.  
Antes de avançarmos em uma terceira consequência impor-  
tante, cabe considerar rapidamente as marcas da crítica ontológica na  
tradição materialista. Como já sinalizado outras vezes, esse elemento da  
unidade do método em questão não é encontrado em todas as ramifica-  
ções na história do marxismo. Apesar disso, há aspectos comuns que  
surgem com muita frequência e quase sempre dizem respeito aos fun-  
damentos já aludidos. Obviamente que entre eles ganha destaque a po-  
sição geral de que constitui princípio orientador fundamental a investi-  
gação da “realidade como ela é” (Schaff, 1964, p. 27). A verificação da  
correspondência entre teoria e aquilo que é se dá nesses termos. As aná-  
lises de Rubin, por exemplo, sobre as diferentes tendências da econo-  
mia política comprovam essa linha da avaliação que estamos desta-  
cando. A consideração da teoria do valor em Smith é emblemática, uma  
vez que o autor russo assim advertiu:  
A confusão conceitual de Smith resultou do fato de que, tendo falhado  
desde o início em compreender a natureza social do processo de “troca”  
de trabalho em uma economia mercantil, ele o confundiu com a “troca”  
de mercado, ou compra e venda de trabalho. Ele considerou o trabalho  
como uma função social igual ao trabalho que funciona como uma mer-  
cadoria. No entanto, se o trabalho atua como um artigo de compra e  
venda, pode realmente servir como medida de valor? (Rubin, 1974, p.  
191)  
O destaque da passagem recai sobre o confronto entre as pro-  
posições de Smith e a “natureza social do processo de troca”. Seme-  
lhante expediente pode ser destacado por todo conjunto de avaliações  
170  
Análise ontognosiológica  
que o autor russo empreendeu. De modo aproximado, Dobb realizou  
avaliações que podem ser consideradas sob a tutela de uma crítica on-  
tológica. Apesar de muitas vezes dar considerável ênfase às novas teo-  
rias como reações às mais antigas, demarcou também a possibilidade  
de as discutir como “reflexo duma mudança de experiência humana e  
de problemas e conflitos implícitos na atividade social humana” (Dobb,  
1977, p. 54). Com base nessa posição, obstruiu a já referida elaboração  
de Schumpeter que prevê a blindagem da “análise econômica” diante  
dos condicionantes históricos, uma vez que o autor austríaco, segundo  
Dobb (1977), pareceu desconsiderar a “teoria econômica como afirma-  
ção substancial sobre as relações reais da sociedade econômica” frente  
à qual pode ser estabelecido o “julgamento do seu grau de realismo” (p.  
52). Nesses termos, o destaque é novamente o confronto da teoria com  
a realidade de referência enquanto ângulo de uma avaliação do grau de  
“realismo” envolvido, de seu grau de aproximação em nossos termos.  
Vale mesmo insistir no ponto central de que tais enunciados ci-  
entíficos dizem respeito às “relações reais”, como sugeriu Dobb, gostem  
ou não seus protagonistas. Dito de uma maneira igualmente direta, a  
“verificação das leis e teorias da Economia Política exige, antes de mais  
nada, um confronto das categorias econômicas, que se manifestam nes-  
sas leis e teorias, com propriedades bem definidas do processo econô-  
mico concreto, ou seja, com atividades e relações econômicas determi-  
nadas” (Lange, 1963, p. 114). Isto é, a tarefa científica que implica o pen-  
samento econômico está diretamente associada à existência concreta do  
movimento e das relações que caracterizam a vida econômica da socie-  
dade. Por isso também, em referência aos ensinamentos de Lukács,  
cabe dizer que a “ciência lida com questões de ordem ontológica – ques-  
tões que em última instância, queira ou não, remetem à natureza geral  
do ser e responde a elas ontologicamente, indiferentemente de ter ou  
não consciência disto” (Fortes, 2013, p. 259). E o materialismo está de-  
vidamente equipado para atender à exigência científica de “verificar  
cada forma de consciência com base no ser social”, envolvendo uma  
“confrontação crítica com o próprio ser social ao deparar-se com esse  
complexo de representações profundamente arraigadas” (Lukács, 2013,  
p. 571). Em suma, trata-se de uma “crítica ontológica da respectiva ci-  
ência, de seu método e de seus resultados, confrontando-os com o pró-  
prio ser, em vez de “derivar” este abstrativamente das necessidades da  
171  
Determinação social do pensamento econômico  
ciência” (Lukács, 2013, p. 456). Não é demais insistir que é a coisa de  
referência, as relações e nexos reais, que funciona como parâmetro ava-  
liativo, que fornece o critério de avaliação.  
Na trilha da enunciação científica sobre aquilo que é, necessa-  
riamente referindo-se às relações de pressuposição e às relações histó-  
rico-concretas entre os homens (suas relações reais antes referidas), po-  
demos evocar à lembrança o território sempre em disputa entre repre-  
sentações teóricas divergentes. Uma das grandes e penetrantes ques-  
tões é determinar o que é o “capitalismo”. As considerações de Dobb  
(1983), em A evolução do capitalismo, são instrutivas por resgatar as  
frequentemente visitadas linhas teóricas. Podemos, a partir de tais con-  
siderações, desdobrar mais do que o nosso autor inglês. Há, nesse sen-  
tido, a sustentação, no exemplo da chamada escola austríaca, de que  
capitalismo se refere a qualquer emprego de método para encurtar tra-  
balho. É uma resposta de tendência à universalização radical. Há tam-  
bém em certa corrente a defesa de que se trata de um específico sistema  
em que ocorre a concorrência da pequena livre empresa sem interven-  
ção estatal. Temos também a definição que sugere se tratar de uma or-  
ganização da produção para um mercado distante, tendo o motivo do  
lucro como elemento presente. Frequentemente associada a essa defi-  
nição, ocorre também o destaque de que capitalismo se faz presente  
sempre que ocorre algum grau de desenvolvimento da economia mone-  
tária, tendo por fundamento a contabilidade racional, como na tendên-  
cia weberiana. Há também o destaque marxista para o qual não é outra  
coisa senão um determinado modo histórico de produção como rearti-  
culação de coisas já existentes e de peculiaridades sobre uma nova base  
distintiva em que ocupa lugar essencial a subordinação do produtor di-  
reto a um capital para a produção generalizada de mercadorias por via  
da exploração econômica do trabalho. Trata-se essencialmente de uma  
forma histórico-particular das relações sociais de produção. É impor-  
tante notar que essas posições podem ser ontologicamente verificadas.  
E vale, para isso, a observação de Mészáros (2004, p. 58) a respeito do  
fato de que, para amplos setores do campo científico, a aludida “explo-  
ração econômica do trabalho” passou a ser considerada como um mero  
“conceito ideológico”, claro que em acepção pejorativa, visando retirar  
a fundamentação científica dessa categoria, não obstante, de grande ca-  
pacidade elucidativa das relações objetivas. A aproximação mais  
172  
Análise ontognosiológica  
depurada se encontra precisamente na apreensão dessa categoria defi-  
nidora. E qualquer resposta, pois, que retire da mesa tal categoria paga  
alta tributação às tendências que obstruem o reto entendimento, mas  
igualmente não basta a sua introdução sem a consideração da diferença  
específica dessa exploração econômica, sua determinação histórica nos  
diferentes modos de produção comparados. Ao fundo, a questão a res-  
peito da natureza do “capitalismo” repousa, como podemos ver, na de-  
limitação do pressuposto fundamental ou pelo conjunto de pressupos-  
tos fundamentais ou ainda pelas propriedades caracterizadoras e dis-  
tintivas. Cabe, assim, precisamente a crítica ontológica àquelas repre-  
sentações que desviam os olhos diante da realidade objetiva que as en-  
cara.  
Retomando as consequências anteriormente indicadas, há uma  
terceira igualmente relevante e postergada para este momento por ga-  
nhar volume com as questões levantadas anteriormente. Aquelas con-  
siderações especificamente sublinhadas a respeito da análise da merca-  
doria apontaram a seta para as limitações marcantes decorrentes do ca-  
ráter anti-histórico do pensamento econômico sob escrutínio, inclusive  
sendo este uma das causas mais essenciais das insuficiências analíticas  
dessa forma de consciência científica. Essa constatação, provocada pela  
crítica ontológica, nos desloca para o campo da história e, portanto,  
para o tipo de análise complementar na figura da crítica gnosiológica ou  
procedimento empírico-histórico anunciado. Não deixa de ser necessá-  
rio sugerir, mais uma vez, que o caráter unitário do método devida-  
mente reconhecido provoca essa constatação por sua vez reforçada pela  
própria irmandade entre crítica ontológica e crítica gnosiológica no tipo  
de análise que estamos desenvolvendo a partir dos seus traços identifi-  
cados na tradição marxista.  
O procedimento empírico-histórico não possui uma natureza  
distinta a ponto de ser outra coisa senão o confronto entre os enuncia-  
dos e a realidade objetiva. No entanto, possui a diferença de dizer res-  
peito muito mais às exigências imediatamente científicas do que filosó-  
ficas, jamais ignorando a irmandade fiscalizadora necessariamente en-  
volvida entre filosofia e ciência. Dado que tais exigências possuem uma  
ancoragem mais diretamente empírica e histórica, os procedimentos  
ganham certa especificidade tendencialmente concreta e órbita em  
questões mais singulares a partir das quais a generalização filosófica se  
173  
Determinação social do pensamento econômico  
torna possível e adequadamente ancorada de modo a não se perder nas  
abstrações sem lastro. Da mesma maneira, essa generalização possibi-  
lita à ciência não perder rumo entre as árvores singulares de tipos, for-  
mas, tamanhos e cores distintas, distraindo-se na infinita coleção de fa-  
tos empíricos. Vale insistir, para evitar mal-entendidos que, na tradição  
materialista que expressa a via mais desenvolvida à obtenção do reto  
conhecimento, a análise econômica não se perde nos formalismos nem  
alça voos ao sabor dos ventos filosóficos. Ao contrário, busca “desenvol-  
ver as generalizações filosóficas a partir dos fatos verificados pela inves-  
tigação e pelo método científicos, ou seja, a constante fundação ontoló-  
gica das formulações tanto científicas quanto filosóficas”, estabele-  
cendo a “unidade entre faticidade solidamente fundada e corajosa ge-  
neralização filosófica” (Lukács, 2012, p. 321).  
Por esse motivo fundamental, nunca é demasiado insistir que a  
avaliação integral por meio da análise ontognosiológica (como crítica  
ontológica e crítica gnosiológica, com predicação desta em relação  
àquela) jamais pode se contentar à verificação de meros fatos artificial-  
mente isolados eventualmente relacionando-os com outros “territórios  
isolados de modo igualmente artificial (o direito, a sociologia etc.)”  
(Lukács, 2012, p. 291). Procedimento abstrativante este tal como  
ocorre, em geral, nas ciências parcelares instruídas pelas tradições in-  
telectuais alternativas ao materialismo. Ao contrário, coerentemente  
fundamentada, “toda verificação de um fato e toda apreensão de um  
nexo, não são simplesmente fruto de uma elaboração crítica na pers-  
pectiva de uma correção factual imediata; ao contrário, partem daí para  
ir além, para investigar ininterruptamente toda factualidade na pers-  
pectiva do seu autêntico conteúdo de ser, de sua constituição ontoló-  
gica” (p. 291-292). Dito de outra maneira, “em toda verificação de fatos  
singulares, em toda reprodução ideal de uma conexão concreta, tem  
sempre em vista a totalidade do ser social e, com base nela, sopesa a  
realidade e o significado de cada fenômeno singular” (p. 295). Não obs-  
tante, é decisivo tornar claras as exigências verificadoras no plano da  
crítica gnosiológica, isto é, da correção ou falsidade, do grau de aproxi-  
mação e realismo dos enunciados empírico-históricos uma vez que a  
crítica ontológica já foi, por sua vez, destacada.  
De partida, devemos reconhecer que está em jogo, para a avali-  
ação ou verificação desses enunciados, uma “base real da cientificidade  
174  
Análise ontognosiológica  
unicamente [fundamentada] nos próprios fatos e em suas conexões”  
(Lukács, 2012, p. 292). Trata-se de uma “abordagem universal de uma  
ciência ou de partes de sua exercitação [...] sempre correlacionando a  
formação teórica com a base social que a torna possível em sua verdade  
ou falsidade” (Chasin, 2009, p. 58). O exercício verificador deve ser  
apreendido sem preconceitos quanto aos tipos de expedientes operaci-  
onais necessários, uma vez que se constitui como um “complexo de to-  
dos os procedimentos aplicados para resolver o problema da verdade  
ou falsidade dos juízos de referência (proposições)” (Schaff, 1964, p.  
25). Do ponto de vista dos instrumentos metodológicos, o materialismo  
é tão eclético quanto são os tipos de objetos reais existentes a serem  
perscrutados e as problemáticas potencialmente envolvidas. Em outras  
palavras, para o estudo da acumulação de capital, por exemplo, cabe a  
coleção de dados quantitativos correspondentes; para a investigação  
das condições de trabalho a partir dos próprios trabalhadores, cabe  
questionário aos respondentes pertinentes, e assim por diante. Tão im-  
portante quanto, devemos levar em conta a diferença entre os fatos sob  
observação. Por isso é necessário falar com cautela em termos de “tipos  
de verificação” tais como a “verificação direta e indireta”:  
A primeira consiste em confrontar nossos julgamentos com a realidade  
através do testemunho da percepção sensível. O segundo baseia-se no  
testemunho do primeiro, mas com a diferença de que quando, por algum  
motivo, é impossível obter a verificação direta, procedemos primeiro a  
deduzir do juízo que queremos verificar, outro juízo sobre o qual a verifi-  
cação é possível. Em ambos os casos, a verificação se baseia no seguinte:  
pela percepção sensível tomamos consciência de que algo é como é, e que  
o juízo verificado afirma ou não. Tanto na prática diária quanto na pes-  
quisa, só se fala em julgamento se esse julgamento estiver de acordo com  
a realidade; no caso contrário fala-se de falsidade do juízo. A práxis hu-  
mana total incluindo a práxis da pesquisa científica é caracterizada  
por uma atitude materialista elementar, e isso independentemente das  
visões filosóficas sustentadas por pessoas individuais. (Schaff, 1964, p.  
27)  
A maioria dos problemas científicos não são dados à verificação  
direta. Além disso, já conhecemos os perigos de uma aproximação exa-  
gerada entre trabalho e ciência e que são igualmente reconhecíveis  
quando a diferenciação entre vida cotidiana e ciência é demasiada-  
mente estreita. Importa sublinhar que estamos nos referindo, com a  
passagem anterior, a uma “atitude materialista elementar” e não a uma  
175  
Determinação social do pensamento econômico  
identidade homogeneizadora entre vida cotidiana e tarefa científica. Já  
tivemos oportunidade para destacar as semelhanças e a diferença espe-  
cífica entre trabalho e a tarefa científica de modo que a vida cotidiana,  
essencialmente prática, também guarda relação de semelhança e dife-  
rença em relação à atividade científica. De toda forma, vale também o  
registro acerca dos possíveis tipos de verificação.  
Nesse sentido, e tendo todas as questões anteriores em mente,  
cabe considerar a diferenciação entre verificação histórica, estatística e  
prática como algo mais consistente para nossos propósitos. Como suge-  
riu Lange (1963, p. 298), a verificação da “verdade ou falsidade dos  
enunciados da Economia Política” pode ser “resolvida por meio de um  
confronto com a realidade, feito a partir da verificação histórica ou es-  
tatística; ou também de maneira direta, na prática, levando em conta a  
eficácia ou ineficácia da política econômica baseada nesses enuncia-  
dos”. Em termos muito suscintos, já temos claro que o motor da análise  
é a “factualidade apanhada em seus complexos contra a qual são esta-  
belecidos os textos que são analisados” (Chasin, 1988b, p. 45), factuali-  
dade apanhada em sua riqueza e estrutura imanentes. O caminho pela  
história, pelo historicamente dado, funciona “como uma espécie de cri-  
tério de verdade objetivo. Rigorosamente falando: a constatação histó-  
rica é feita a partir de critérios objetivos de verdade e não de critérios  
subjetivos” (p. 45). Em termos mais específicos e diretamente relacio-  
nados ao pensamento econômico, podemos considerar que o:  
processo da verificação histórica consiste em determinar exatamente os  
acontecimentos ou os processos históricos que podem perturbar a ação  
das leis econômicas, e a concluir daí se esses acontecimentos constituem  
uma explicação suficiente para a divergência verificada entre as afirma-  
ções da Economia Política e o desenvolvimento real do processo econô-  
mico. Se assim não suceder, temos de rejeitar essas afirmações como fal-  
sas. (Lange, 1963, p. 120)  
Mas toda cautela necessária deve ser emprega, sobretudo  
quando a atenção está voltada para a análise do pensamento econômico  
desdobrado em longa duração. É decisivo ter em conta, nessa direção,  
que a “avaliação histórica da teoria e do seu desdobramento é funda-  
mental para qualquer apreciação completa da própria teoria, se se con-  
siderar que esta é a relação (e implicações) das estruturas formais com  
a realidade, assim como a análise das estruturas formais per se” (Dobb,  
176  
Análise ontognosiológica  
1977, p. 52). A cautela necessária surge do fato de que a “avaliação e  
interpretação histórica da doutrina econômica tem consistido vulgar-  
mente em examinar os problemas reais que as doutrinas particulares  
pretendiam esclarecer”. Dobb pontuou que isso pode se apresentar  
como ponto de partida, mas não é suficiente, no entanto. Indo além  
desse limite, ensinou que a:  
interpretação histórica [...] precisa de ser concebida de um modo mais  
amplo, e em certo sentido menos literalmente. Neste aspecto, é bom ter  
em conta que o desdobramento e desenvolvimento do pensamento não  
deve ser concebido, por um lado, como uma série de respostas larga-  
mente descontinuas (ou estruturas para respostas) a problemas que são  
diferentes, em cada geração sucessiva, dos da geração precedente, nem,  
por outro lado, como elaboração linear dum conjunto básico de conceitos,  
por adaptação sucessiva destes a problemas decorrentes do contato com  
o mundo real. (Dobb, 1977, p. 52-53)  
Essa avaliação histórica obedece, claro, a problemáticas de pes-  
quisa diferentes. Estamos considerando aqui apenas uma caracteriza-  
ção geral. Nesse compasso, uma escavação do componente histórico fa-  
talmente deve nos levar ao reconhecimento de procedimentos verifica-  
dores auxiliares. Mesmo porque, muitos enunciados possuem grau de  
concretude maior expresso como relações de diferentes tipos entre fa-  
tores, como correlações e causalidades.  
Nesse sentido, parece ser importante, muito mais do que se tem  
reconhecido, o lineamento do próprio Marx a respeito da diferença de  
qualidade entre base econômica e superestrutura ideológica, especifi-  
camente no que se refere às possibilidades que guardam em termos de  
verificação científica em cada caso. No Prefácio autobiográfico de Para  
a crítica da economia política, de 1859, podemos estabelecer tal dife-  
rença:  
Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura  
se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais  
transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação  
material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de  
rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, re-  
ligiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas.  
(Marx, 1974, p. 136)  
A propósito de esclarecer as transformações do “modo de pro-  
dução da vida material” e do “processo em geral da vida social, político  
e
espiritual” por decorrência da contradição historicamente  
177  
Determinação social do pensamento econômico  
determinada entre as “forças produtivas materiais da sociedade” e as  
“relações de produção existentes” (p. 136), Marx também sugeriu, como  
podemos depreender da passagem, que as modificações ocorridas po-  
dem ser verificadas de modos distintos. No caso em tela, o elemento  
“material das condições econômicas de produção” pode receber uma  
“rigorosa verificação” tal como ocorre na “ciência natural”. Longe de  
uma equalização, que sabemos ser o oposto da “força das abstrações” já  
sugerida como adequada às formas econômicas, o essencial no ponto  
destacado é o tipo de verificação. Desse ângulo, temos em mente o  
exemplo da “verificação estatística” (Lange, 1963, p. 118), levando-se  
em conta todas as técnicas, das descritivas às mais sofisticadas.  
E aqui temos presente certas proposições e reações românticas  
que vitimam a possiblidade da reta apreensão dos problemas científi-  
cos. De um lado, situam-se as proposituras científicas frequentemente  
apresentadas como únicas possíveis por via da axiomatização dos enun-  
ciados. Aqui nos referimos a uma espécie de racionalismo que sustenta  
a linguagem matemática como única forma de expressão verdadeira-  
mente científica. O século XX e XXI testemunharam reações, ditas an-  
tipositivistas, deflagradas de tal sorte que pretenderam abandonar  
qualquer forma de linguagem matemática fazendo jus à pecha subjeti-  
vista; valeriam apenas os enunciados qualitativos, dessa forma. Colo-  
cada a questão de modo correto, não é possível admitir uma absolutiza-  
ção da matemática, encarando-a como a “chave última e definitiva de  
decifração dos fenômenos”, da maneira como “sucede com o neopositi-  
vismo” (Lukács, 2012, p. 50). Parafraseando Lukács, os fenômenos  
econômicos não devem receber “uma interpretação meramente mate-  
mática, sendo antes interpretados nos termos” da economia “com o au-  
xílio da matemática” (p. 49). Por outro lado, recusar as aquisições ins-  
trumentais dos aparatos estatísticos e informáticos para auxiliar na ve-  
rificação científica viceja de tendências céticas, relativistas e subjetivis-  
tas ampla e inoportunamente presentes no campo científico, sobretudo  
das ciências sociais.  
De toda maneira, é decisivo ter em mente que a “verificação his-  
tórica e verificação estatística não se excluem mutuamente. Podem  
completar-se: a verificação estatística desempenha muitas vezes um pa-  
pel auxiliar para a verificação histórica” (Lange, 1963, p. 123). Há mui-  
tos exemplos dessa colaboração. É instrutivo retomar no exemplo do  
178  
Análise ontognosiológica  
próprio Marx. Optamos por considerar um texto em que as aquisições  
investigativas mais essenciais sobre a economia política já estavam da-  
das. O texto, no caso se trata do já referido Salário, preço e lucro, de  
1865, tem caráter de confronto direto da tese amplamente difundida e  
ecoada pelo socialista Weston nos debates do Congresso da Associação  
Internacional naquele ano, segundo a qual os “preços das mercadorias  
são determinados ou regulados pelos salários” (Marx, 1974, p. 77). Tra-  
tava-se de contexto de amplas sublevações grevistas de reivindicações  
salariais diante das quais tal tese sugeria suposta inconsequência do  
movimento, uma vez que o aumento dos salários provocaria o aumento  
dos preços das mercadorias prementes aos próprios trabalhadores. O  
aspecto mais decisivo para nós não são todas as assertivas, mas os cla-  
ros expedientes sobretudo históricos e estatísticos considerando o  
grau de desenvolvimento então da técnica aos quais Marx recorreu  
para realizar o tipo de verificação em tela a partir da qual pôde, ao longo  
de sua exposição, demonstrar que tais ideias eram “teoricamente falsas  
e perigosas na prática” (p. 63).  
Marx desenvolveu, em vista disso, indicações de que Weston  
repetia tal tese como dogma sem a necessária incursão prévia que sus-  
tentasse suas afirmações com as provas devidas. Ao invés de provar que  
aquela regulação do nível dos salários sobre os preços das mercadorias  
constituiria de fato uma lei do movimento da produção capitalista, ape-  
nas repetia haver esse nexo como fosse lei natural apoiada em mera afir-  
mação. Chama a atenção na verificação exercitada por Marx precisa-  
mente o recurso aos elementos históricos e estatísticos combinados, vi-  
sando o confronto da tese com a realidade objetiva de então com a  
ressalva de que as estatísticas podiam esconder, como de fato esconde-  
ram em certo aspecto, movimentos objetivos importantes (Marx, 1974,  
p. 99). Não obstante a ressalva, um caso concreto que nosso autor reto-  
mou dizia respeito ao “aumento efetivo de salários operado na Grã-Bre-  
tanha de 1849 a 1859” por meio da “Leis das Dez Horas”. Não sendo  
uma coisa avulsa qualquer, mas  
uma das maiores modificações econômicas que já presenciamos. Repre-  
sentou um aumento súbito e obrigatório de salários não em umas quantas  
indústrias locais, porém nos ramos industriais mais eminentes, por meio  
dos quais a Inglaterra domina os mercados do mundo. O dr. Ure, o prof.  
Senior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia [middle class]  
no campo da economia demonstram [...] que aquilo era o dobre de  
179  
Determinação social do pensamento econômico  
finados da indústria inglesa [...]. Mas qual foi, na realidade o resultado?  
Os salários em dinheiro dos operários fabris aumentaram, apesar de se  
haver reduzido a jornada de trabalho; cresceu consideravelmente o nú-  
mero de operários em atividade nas fábricas; baixaram constantemente  
os preços dos seus produtos; desenvolveram-se às mil maravilhas as for-  
ças produtivas do seu trabalho e se expandiram progressivamente, em  
proporções nunca vistas, os mercados para o seus artigos, [...] [forçando,  
diante disso, o reconhecimento público de que os] representantes oficiais  
da ciência econômica se haviam equivocado. (Marx, 1974, p. 69, 2010g,  
p. 110)  
O aporte para essa análise foi adquirido, pelo menos em parte  
considerável, do então notório compilado History of Prices, de Thomas  
Tooke, que retratou a “história dos preços desde 1793 a 1856” (Marx,  
1974, p. 70). Há também considerações de fundamento em “dados es-  
tatísticos” extraídos de John C. Morton sobre “As Forças Empregadas  
na Agricultura(p. 71) para indicar o aumento dos salários no campo.  
Diante disso, Marx assim interditou aquela tese:  
Segundo o ponto de vista do nosso amigo Weston, e em harmonia com a  
alta simultânea operada nos salários dos operários de fábrica, durante o  
período 1849/1859, os preços dos produtos agrícolas deveriam ter regis-  
trado um aumento enorme. Mas o que aconteceu realmente? [...] os pre-  
ços médios do trigo, o produto agrícola mais importante da Inglaterra,  
baixaram [...]. Representa isto uma baixa de mais de 16 por cento no  
preço do trigo, em simultaneidade com um aumento médio de 40 por  
cento nos salários agrícolas. (Marx, 1974, p. 71)  
Marx relembra, devemos repetir aqui, que essa tese ecoada por  
Weston, da regulação dos preços das mercadorias pelo nível dos salá-  
rios, já havia sido enfrentada anteriormente. Devemos a Ricardo, disse  
ele, o “grande mérito de haver destruído até os fundamentos, com a sua  
obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em 1817, o  
velho erro, tão divulgado e gasto de que os salários determinam os pre-  
ços’”. Tratava-se, explicou nosso autor, de uma “falácia já rechaçada por  
Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente  
científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduzi-  
ram nos seus capítulos mais superficiais e de vulgarização” (p. 79).  
Na sequência de seu confronto total diante da tese, negando,  
com base nas provas, que os salários determinam os preços, Marx  
(1974, p. 103) sugeriu haver outros expedientes que aumentaram as for-  
ças produtivas disponíveis ao capital, tais como os avanços técnico-ci-  
entíficos e ampliação da escala da produção, levados adiante para  
180  
Análise ontognosiológica  
“diminuir a procura de trabalho” e “criar excedente relativo” de traba-  
lhadores, regulando, assim, os níveis dos salários no campo. Sugeriu  
também que, na verdade, “um aumento geral de salários determinaria  
uma diminuição da taxa geral do lucro, mas não afetaria os valores” (p.  
95) das mercadorias em cuja órbita oscilavam de fato os preços de mer-  
cado.  
Podemos nos contentar com essas poucas ilustrações visando a  
não tornar demasiadamente longa a consideração em tela. Mas vale adi-  
cionar, ainda que rapidamente, a possibilidade de avaliação prática, di-  
gamos assim, conforme discriminado por Lange anteriormente, ao lado  
da verificação histórica e estatística. Obviamente que há laços de mútuo  
apoio entre elas, sobretudo o aporte histórico e estatístico para a avali-  
ação prática quanto aos resultados de políticas econômicas e outras me-  
didas de mesmo talhe. Poderíamos considerar essa esfera de atividade  
estatal como “ciências camerais” (Marx, 2013, p. 84) ou cameralismo,  
dizendo respeito aos modos mais amplos de administração da econo-  
mia capitalista por nós já referida. Trata-se da administração das polí-  
ticas econômicas e das medidas correlatas ou ainda, mais abrangente-  
mente, da aqui denominada administração política do capital. A desig-  
nação, de fato, importa pouco diante de seu conteúdo. Claro que temos  
em mente aqui para avaliação as respostas práticas estatais diante dos  
problemas mais essenciais do modo de produção e não tanto aqueles  
tipicamente menores e superficiais dos quais se ocupam em grande me-  
dida administradores e politólogos.  
Com efeito, no próprio material de Marx que estamos conside-  
rando está registrada a pressão dos trabalhadores para que ocorresse a  
limitação da jornada de trabalho” já aludida por mediação da “inter-  
venção legislativa” (Marx, 1974, p. 102). Poderíamos avaliar o grau de  
eficácia dessa medida conforme suas finalidades explícitas: equalizar  
em dez horas a jornada de trabalho em todo território inglês. Dados os  
elementos históricos disponíveis, inclusive considerados por Marx  
(2013, capítulo 8) em O capital para sublinhar o processo de exploração  
econômica do trabalho em uma jornada fixa (mais-valor relativo), é  
possível capturar a generalização da medida por toda a Inglaterra do  
período, com a atuante intervenção de médicos, de juristas e de muitos  
capitais individuais os quais, isoladamente, não teriam condições con-  
correnciais de limitar a jornada independentemente de suas contra-  
181  
Determinação social do pensamento econômico  
partes. Nessa direção, a verificação prática retornaria como positiva a  
respeito da eficácia da medida que, a propósito de equalizar as diferen-  
tes jornadas, criou condições, diferentemente de suas declaradas pre-  
tensões, aos rápidos avanços técnico-científicos até então desconheci-  
dos com vistas a explorar economicamente o trabalho dentro dos limi-  
tes legais estabelecidos para um dia de trabalho normal.  
Há outras sugestões passíveis de extração dos exemplos do pró-  
prio Marx ainda nesse mesmo diapasão. Temos em mente o exemplo já  
mencionado das medidas destinadas à administração do pauperismo,  
sobretudo nos países europeus de meados do século XIX, conforme to-  
mado das referidas Glosas críticas. É interessante notar que a avaliação  
histórica, necessariamente presente na consideração feita por Marx,  
nos permite apontar a forma acabada das respostas estatais de admi-  
nistração do pauperismo e, por conseguinte, a sugestão quanto à verifi-  
cação dos resultados práticos:  
O significado universal que a Inglaterra politizada extraiu do pauperismo  
restringe-se a isto: no desdobramento do processo, apesar das medidas  
administrativas, o pauperismo foi tomando a forma de uma instituição  
nacional, tomando-se, em consequência, inevitavelmente em objeto de  
uma administração ramificada e bastante ampla, uma administração  
que, todavia, não possui mais a incumbência de sufocá-lo, mas de disci-  
pliná-lo, de perpetuá-lo. Essa administração desistiu de tentar estancar  
a fonte do pauperismo valendo-se de meios positivos; ela se restringe a  
cavar-lhe o túmulo, valendo-se da benevolência policial, toda vez que ele  
brota da superfície do país oficial. O estado inglês, longe de ir além das  
medidas administrativas e beneficentes, retrocedeu aquém delas. Ele se  
restringe a administrar aquele pauperismo que, de tão desesperado,  
deixa-se apanhar e jogar na prisão. (Marx, 2010a, p. 35)  
Desenvolveu-se historicamente um aparato de administração  
do pauperismo por decorrência dos próprios processos de acumulação  
do capital. Esse aparato destinou-se à administração e não à superação  
dessa contradição entre a maior produção e a existência da pobreza que,  
por consequência, dá ensejo ao conflito distributivista em condições  
históricas particulares, conflito este mais epidérmico do que as causas  
profundas ancoradas na lógica interna do próprio modo de produção. É  
nessa superfície que orbita a razão política que instrui tais medidas de  
administração, como vimos anteriormente. A consideração de Marx su-  
gere que tal modo de resposta à mazela social foi, até então, historica-  
mente bem-sucedida, nos termos práticos, em disciplinar a força de  
182  
Análise ontognosiológica  
trabalho excedente por meio de métodos administrativos ou direta-  
mente violentos. Poderíamos transpor essa avaliação para outros tem-  
pos e lugares com vistas à avaliação prática nos últimos 180 anos apro-  
ximadamente, mas transcenderia em muito aos nossos propósitos e  
condições atuais.  
Temos oportunidade de fazer apenas alguma referência de  
modo indireto, com auxílio da “crítica ontológica” nos termos de Me-  
deiros (2013), conforme aludida anteriormente, destacando, porém, a  
verificação prática. Com efeito, o destaque recai, no presente momento,  
ao conteúdo mais direto da crítica às teorias do bem-estar social na fi-  
gura do keynesianismo. Trata-se das respostas práticas desenvolvidas  
de diferentes modos que expressam o “aparato institucional e o con-  
junto de práticas subjacentes que caracterizam a tentativa de gerencia-  
mento racional da sociedade capitalista” (p. 273) por meio de inúmeras  
medidas conhecidas e que, por isso, dispensam detalhamento. Tendo  
por palco, principalmente, as economias centrais no pós-segunda  
guerra, desdobrou-se uma “administração das condições de reprodu-  
ção” em que se enfatiza a “capacidade de interferir decisivamente na  
trajetória da economia capitalista”, tendo em mente a acumulação de  
capital e a correspondente tendência de “piora relativa das condições de  
vida de um contingente cada vez mais amplo de trabalhadores” (p. 274).  
O conjunto de respostas que visavam interferir nessa tendência “não  
somente fez escassear o exército industrial de reserva nos países desen-  
volvidos, como o que é tão ou mais importante estabeleceu um piso  
relativamente alto para a barganha salarial (os cada vez mais amplos  
benefícios do sistema de seguridade) numa época em que os sindicatos  
encontravam-se fortes o suficiente para traduzir condições favoráveis  
em ganhos efetivos” (p. 274).  
Esse contexto de prática bem-sucedida que se estendeu até os  
anos de 1970 confundiu todos os sentidos, como já chamamos a atenção  
anteriormente. Fez revoar os mais raros pássaros no raiar de uma  
morna manhã de domingo. Considerando aqueles anos, a partir de 1955  
sobretudo, afirmou-se inadvertidamente um “capitalismo de organiza-  
ção” que teria alcançado “a diminuição considerável e até mesmo o es-  
tancamento das crises sociais e políticas endógenas” (Goldmann,  
1966/1978, p. 6-7). Registrou a história, entretanto, que nem aqueles  
benefícios anteriormente considerados foram extensíveis às e sentidos  
183  
Determinação social do pensamento econômico  
nas economias subordinadas, como também demarcou Medeiros  
(2013, p. 276), nem que as medidas adotadas foram capazes de eliminar  
a tendência à crise que caracteriza imanentemente o modo de produção  
capitalista em si.  
Mas a verificação prática dos resultados das medidas adminis-  
trativas adotadas, em seu conjunto, revela que foram bem-sucedidas lo-  
cal e temporalmente, mostrando-se impotente do ponto de vista global  
e irresoluta diante contradições enfrentadas e que brotam do cerne da  
lógica que pretendeu administrar. Tratamos disso na análise da eficácia  
do pensamento econômico como ideologia. Aqui cabe tão somente sub-  
linhar, a partir dos exemplos anteriores, certos aspectos associados à  
verificação prática das medidas econômicas conforme já presentes na  
tradição materialista desde Marx. Muitas outras possibilidades estão,  
obviamente, disponíveis aos interessados no assunto, como as retoma-  
das medidas de controle inflacionário, a regulação dos salários pela po-  
lítica monetária com efeito sobre o nível de emprego, aquelas medidas  
que dizem respeito ao chamado “estado desenvolvimentista”, ao tam-  
bém denominado “estado empreendedor”, a corrente retomada das po-  
líticas industriais, em suma, há uma lista extensa de possibilidades.  
Com essas considerações realizadas também não chegamos a  
explorar todas as questões envolvidas, tais como as verificações histó-  
rica, estatística e prática voltadas, por exemplo, especificamente aos  
enunciados de caráter preditivo nas ciências sociais, uma vez que esse  
caráter comparece com frequência nos debates desde pelo menos o iní-  
cio do século XX como definidores da própria ciência (Neurath,  
1931/2020). Nem pudemos discutir a aderência e divergência do mar-  
xismo quanto aos debates da filosofia da ciência sobre os programas de  
pesquisa (Burawoy, 1990). Também não temos no momento oportuni-  
dade para explorar a problemática da verificação quando o assunto são  
as legalidades tendenciais do modo de produção capitalista que se efe-  
tivam ou não em determinadas circunstâncias, como a tendência na  
queda da taxa de lucro. Como ensinou Marx (2017), em meio a muitas  
forças convergentes, divergentes e contraditórias, certas legalidades  
histórico-particulares se efetivam apenas em condições propícias e,  
portanto, não têm funcionamento fatalista, linear ou mecânico. E isso  
apenas para citar alguns problemas centrais deixados de fora dadas as  
margens direcionadoras estabelecidas por nossos propósitos  
184  
Análise ontognosiológica  
fundamentais. Tendo por alvo certos aspectos essenciais envolvidos na  
análise ontognosiológica do pensamento econômico na qualidade de  
forma de consciência científica, várias questões obrigatoriamente fo-  
ram abstraídas.  
Mas não poderíamos ignorar completamente o problema das  
provas tal como consideramos na análise histórico-imanente. No pre-  
sente momento, entretanto, o alvo são as provas vinculadas à análise  
ontognosiológica de conjunto.  
Tal análise, mediada pelo confronto entre enunciados científi-  
cos e a realidade mesma, esteve até o momento deliberadamente limi-  
tada ao momento investigativo a respeito do pensamento econômico.  
As corretas relações de pressuposição objetiva e histórica, assim como  
o envolvido grau de correção, de aproximação, de realismo etc., conjun-  
tam-se como resultantes, como vimos, da verificação de talhe ontoló-  
gico e gnosiológico. Uma vez determinada, no caso, a falsidade dos ne-  
xos e aproximações a partir daquele confronto, isto é, o erro, o baixo  
grau de aproximação que obstrui o entendimento ao invés de devida-  
mente facultá-lo, tem vez o papel expositivo das provas. É um momento  
também importante do conjunto da análise ontognosiológica, por-  
quanto a coleção das evidências é colocada a serviço da demonstração  
dos resultados da avaliação realizada. Como escreveu Lukács (2012, p.  
295), observando a questão do ângulo ontológico da análise em tela, a  
“função de crítica ontológica a algumas falsas representações [...] tem  
por meta despertar a consciência científica no intuito de restaurar no  
pensamento a realidade autêntica, existente em si”. Enfatizamos se tra-  
tar do momento expositivo precisamente por guardar a possibilidade de  
influir na “consciência científica” a partir da demonstração das provas  
da falsidade dos enunciados ou ao menos do problemático grau de apro-  
ximação obtido pelo pensamento econômico sob análise. Somente é  
possível produzir tal efeito após terminada a investigação que eventu-  
almente tenha comprovado a incorreção dos espelhamentos avaliados.  
Em outro contexto, Lukács também deixou entrever o mo-  
mento expositivo das provas sob a rubrica, porém, da “crítica imanente”  
que já tematizamos como componente da análise histórico-imanente.  
Uma “verdadeira crítica”, escreveu ele, “precisa apresentar concreta-  
mente no próprio material [...] a falsidade [...], a distorção das ques-  
tões [...] fundamentais, o aniquilamento de suas conquistas etc. [...].  
185  
Determinação social do pensamento econômico  
Nesse sentido, a crítica imanente é um elemento legítimo e até indis-  
pensável para a exposição e o desmascaramento das tendências [...]”.  
Ficaram enfatizadas pelo autor as “necessidades de provas” tendo em  
mira a “exposição marxista” (Lukács, 2020, p. 11) do material analisado.  
Assim, é parte da análise ontognosiológica a demonstração das provas,  
evidenciando a qualidade dos espelhamentos “no próprio material”,  
servindo à exposição, à revelação e, por fim, desmascarando ao leitor e  
interlocutor as tendências problemáticas a depender das questões de  
pesquisa enfrentadas. No mesmo diapasão, podemos apreender o papel  
da “crítica científica” por meio da qual busca-se “demonstrar a falsidade  
intrínseca da doutrina posta para análise” (Chasin, 1978, p. 72). Antes  
de demonstrar a falsidade, que obviamente não deve ser pressuposta de  
partida, é preciso descobri-la. Isto feito, sua demonstração firmemente  
ancorada nas provas obtidas via verificação ontológica (abstrativo-teó-  
rica) e gnosiológica (histórica, estatística e prática), não é, pois, de me-  
nor importância. Em suma, cabe, portanto, a apresentação das provas  
que confirmem as incorreções e insuficiências dos espelhamentos  
econômicos avaliados. É uma exigência de rigor do método materialista  
e que contrasta com a pouco trabalhosa alternativa comum de condenar  
vagamente tais espelhamentos como não “ontológicos”, “antidialéti-  
cos”, e outros expedientes de baixa estatura que dizem algo mais do  
analista do que do objeto escrutinado.  
A demonstração das provas no momento expositivo guarda ou-  
tra problemática de fundo que inevitavelmente devemos considerar.  
Uma vez que o momento expositivo demonstra a incorreção dos espe-  
lhamentos e os déficits científicos das aproximações realizadas, entram  
em jogo as condições históricas favoráveis ou desfavoráveis à avaliação  
das próprias provas por consortes e adversários no campo científico. E  
isso possui amplas repercussões que, por sua vez, nos remetem nova-  
mente às já referidas condições objetivas e subjetivas da objetividade  
científica.  
Nessa direção, já vimos antes que “a objetividade científica é uma  
complexa resultante de produtivos influxos sócio-históricos” (Chasin,  
2009, p. 117) com importantes implicações por necessariamente carac-  
terizar as formações ideais, sobretudo aqui o pensamento econômico,  
como predicações sociais portadas por indivíduos inseridos em condi-  
ções históricas particulares. Isso sugeriu que  
186  
a
potência do  
Análise ontognosiológica  
conhecimento, sempre aproximado, não é função exclusiva da vontade  
de indivíduos e grupos inclinados e intencionados à verdade embora  
a aspiração de verdade e a necessidade social da verdade ligada a deter-  
minadas posições sociais não seja algo de menor importância , mas  
também função das condições de possibilidade objetivas e subjetivas.  
Como também vimos, “a conjunção cognitiva ideal depende do encon-  
tro entre um sujeito plasmado em posição adequada à objetivação cien-  
tífica, ou seja, portador de ótica social em condição subjetiva de isenção,  
e de um objeto desenvolvido” (Chasin, 2009, p. 121). Portanto, o conhe-  
cimento aproximado, o espelhamento mais depurado da realidade é  
função de condições objetivas e subjetivas adequadas. E a própria his-  
tória se encarrega de demonstrar episódios, dados inclusive à observa-  
ção prática, em que o conhecimento das coisas não foi apenas possível  
como também necessário.  
Tivemos a chance de considerar aquele critério de verdade na  
prática e pela prática, com as ressalvas importantes que evitam mal-  
entendidos. Retomando esse critério, é possível admitir que “ao estabe-  
lecer a prática como critério de verdade, impugna e destitui ao mesmo  
tempo o próprio estatuto da teoria do conhecimento como disciplina  
filosófica” (Chasin, 2009, p. 190-191) por recolocar a questão em seus  
termos objetivos. A questão cabível não é se o conhecimento é possível,  
mas quais são as condições sócio-históricas que o habilitaram ou o obs-  
truíram. Em outras palavras, a possibilidade deve ser extraída dos casos  
concretos na história. Sendo os homens capazes de conhecer aproxima-  
damente as coisas na realidade da vida cotidiana, também o foram ci-  
entificamente, esclarecendo essa própria vida, modificando-a em dife-  
rentes direções, não sem eventuais recuos e avanços combinados.  
E aqui é possível inserir uma linha de continuidade da maior im-  
portância no raciocínio anterior: sendo capazes de conhecer, os homens  
também foram capazes de avaliar o grau de validade desse saber, sobre-  
tudo por mediação da confirmação ou não do conhecimento. Na vida  
cotidiana, o saber e sua avaliação são processos simultâneos, como des-  
tacamos com o plano do trabalho, simultaneidade dada pela imediati-  
cidade da práxis nesse cotidiano. A avaliação sobre a validade de um  
espelhamento, de seu grau de aproximação e correspondência, res-  
ponde à avaliação do próprio rigor ontológico do saber extraído das coi-  
sas. Mas devemos considerar a ciência como “continuidade superadora”  
187  
Determinação social do pensamento econômico  
nos termos já apresentados. O conhecimento obtido por via da práxis  
cotidiana pode ficar restrito ao plano da utilizabilidade, cuja avaliação  
corresponde aos resultados imediatos do processo de trabalho, e pode  
também ser desenvolvido de modo cada vez mais heterogêneo, enrique-  
cendo o estoque de conhecimentos que pode ou não beneficiar aquele  
processo.  
O ponto a ser destacado aqui é o desdobramento e desenvolvi-  
mento desigual dessa segunda via em relação à sua origem. Cabe reco-  
nhecer, pois, o contraste entre a imediaticidade dos resultados do pro-  
cesso de trabalho e, até dos experimentos isolados, como critério prá-  
tico da validade teórica e a pretensão de ultrapassagem desse momento,  
visando a ampliação do próprio conhecimento, sendo necessário proce-  
der, queiram ou não seus protagonistas, às questões de natureza onto-  
lógica que transcendem à imediaticidade dos resultados práticos, isto é,  
sobre a estrutura da realidade mesma por via do recurso abstrativo-teó-  
rico e empírico-histórico.  
Retomando a posição do materialismo que ilumina as condições  
objetivas e subjetivas do conhecimento, é decisivo ter em mente que o  
espelhamento mais depurado da realidade é função de condições obje-  
tivas e subjetivas habilitadoras. É uma resultante do objeto desenvol-  
vido e do sujeito em posição de isenção subjetiva, presença da necessi-  
dade de verdade nessa posição, do acaso etc. Assim, a validade obtida  
por via da verificação ontognosiológica tal como desenvolvida anterior-  
mente, isto é, a retidão das relações de pressuposição objetiva, o grau  
de correspondência do espelhamento histórico, estatístico e prático, seu  
grau de aproximação, de realismo etc., também resultam dessas condi-  
ções. Quer dizer, uma avaliação do próprio grau de correção do espe-  
lhamento também possui condições objetivas e subjetivas habilitadoras  
ou obstrutivas. Em suma, estamos diante de uma resultante extrema-  
mente complexa e que não respeita a simples vontade de qualquer indi-  
víduo, agrupamentos, classes etc. Isso pode ser mais evidenciado pelo  
aprofundamento do contraste com o plano do trabalho.  
Nesse último plano, com efeito, das necessidades postas e resul-  
tados imediatos, o cumprimento das finalidades já atua como critério  
principal, ainda que elementos e traços que envolvem as decisões pos-  
sam ter caráter superficial, mágico etc. Dada a própria imediaticidade  
dos resultados, a avaliação do espelhamento é mais facilmente realizada  
188  
Análise ontognosiológica  
por um critério direto, imediato, muitas vezes dado aos sentidos. Nessa  
relação homem natureza (e não homem-homem), está preservada uma  
esfera de atos cognitivos menos provocados por interesses sociais.  
Como sugeriu Lukács:  
é no trabalho, nos seus atos que transformam a causalidade espontânea  
em causalidade posta, justamente porque nele ainda temos exclusiva-  
mente uma inter-relação entre o homem e a natureza e não entre o ho-  
mem e o homem ou entre o homem e a sociedade, que o puro caráter  
cognitivo dos atos está preservado de modo menos alterado que nos ní-  
veis superiores, nos quais é inevitável que os interesses sociais interve-  
nham já no espelhamento dos fatos. (Lukács, 2013, p. 90)  
Disso não decorre que a simples presença dos interesses seja por  
si um obstáculo, pois, essencialmente, não há intransitividade inerente  
entre “interesse e verdade” (Chasin, 2009, p. 103, Vaisman, 2010b, p.  
62-63). A avaliação do espelhamento que demonstra a superioridade,  
por exemplo, de um método de trabalho, da melhor adequação de certa  
matéria-prima etc., encontra já nesse nível o caráter social dessa prática  
uma vez que envolve outros indivíduos e um processo de “convenci-  
mento” ou de “reconhecimento”, “aceitação”, “concordância”, a respeito  
daquelas provas de superioridade. Em outras palavras, a adoção de mé-  
todos de trabalho superiores já depende de indivíduos em condições de  
avaliação verificadora dessa superioridade. Já aqui temos a presença da  
comparação dos métodos por repetição e modificação dos atos e pro-  
cessos, do uso de diferentes matérias-primas, modos de aplicação de  
ingredientes etc., e os seus resultados assim obtidos, em suma, a pre-  
sença imediata da demonstração das provas. Mesmo nesse nível já po-  
demos antecipar a existência de obstáculos de todo tipo, incluindo  
aqueles de ordem religiosa, política, tradição etc. que eventualmente  
obstruem a possibilidade de reconhecimento da validade da superiori-  
dade etc. De toda forma, nesse plano do trabalho a práxis é o critério de  
verdade imediato da teoria e a unidade entre teoria e práxis também  
está dada mais imediatamente.  
No plano das objetivações superiores da consciência, como a  
forma de consciência científica na figura do pensamento econômico em  
particular, a questão é mais embaraçada não apenas em razão de um  
progressivo desenvolvimento da teoria em relação ao campo da práxis,  
mas também à crescente entrada em jogo dos interesses sociais no  
189  
Determinação social do pensamento econômico  
processo do espelhamento dos fatos. Aqui tem lugar o reconhecimento  
da necessidade social de verdade e a falsidade socialmente necessária  
nos casos históricos específicos. Basta ter em mente que muitas forma-  
ções ideais têm eficácia real e, no entanto, podem atender a necessida-  
des sociais de falsidade. Aqui ainda vale, no entanto, o critério da práxis,  
porém enriquecido com a análise ontognosiológica que pretende ultra-  
passar o plano da imediaticidade e está interessada não nos resultados  
dados imediatamente, mas no enriquecimento do conhecimento, como  
vimos.  
De tal modo, não é possível se contentar com tais resultados ime-  
diatos como critério e nem estacionar em um nível superficial onde vive  
o pragmatismo empirista, suas variantes, além das tendências manipu-  
lativas que povoam o pensamento econômico. Caberia determinar não  
apenas se, diante da realidade posta, o pensamento econômico e suas  
ramificações como formas de consciência científica efetivamente repro-  
duzem a realidade objetiva ou se apenas possibilitam a sua manipulação  
prática (claramente perceptível nos antes referidos modos de adminis-  
tração da economia), mas também determinar o grau de correção dessa  
reprodução por via da apresentação das provas pertinentes. Entretanto,  
aqui também encontramos o problema da passagem pelo “convenci-  
mento” a respeito dos achados das próprias verificações ontológica e  
gnosiológica realizadas, da demonstração das provas.  
E, nesse ponto, fica muito evidente como a potência científica  
está imersa em problemática sócio-histórica da maior dificuldade em  
que a disputa científica frequente é seu componente interno, não de-  
vendo ser reduzida, como sugeriu Paulani (2012), à questão de “retó-  
rica” por meio da qual os economistas buscam convencer uns aos ou-  
tros, abandonando-se a possibilidade da verdade objetiva. Isso porque  
deve haver condições objetivas e subjetivas não apenas propícias para  
haver um espelhamento aproximadamente correto da realidade, mas  
também indivíduos em condições de reconhecimento das conexões es-  
pelhadas, isto é, condições objetivas e subjetivas para a avaliação da va-  
lidade de uma teoria, o que envolve igualmente o estágio de desenvol-  
vimento dos métodos disponíveis, mas também a isenção subjetiva etc.  
Nos termos materialistas, isto é, nos quais temos o objeto existente em  
si como o parâmetro único do ato de conhecer, como sugeriu Lukács  
(2012, p. 135), a avalição dos espelhamentos é função, parafraseando  
190  
Análise ontognosiológica  
Chasin (2009, p. 121), da conjunção cognitiva ideal do encontro entre  
um sujeito plasmado em posição adequada à avaliação das provas de  
uma objetivação científica, ou seja, portador de ótica social em condição  
subjetiva de isenção, e de um objeto desenvolvido ao qual tal objetiva-  
ção científica fez referência.  
Essa problemática tem claras peculiaridades dadas as caracterís-  
ticas das ciências sociais. Sabemos que a gênese dessa área do conheci-  
mento já traz consigo implicada a provocação dos interesses sociais, o  
fato de as ciências sociais já nascerem potencialmente ideologias, como  
vimos outras vezes neste livro, dada a dupla tarefa que as animam, isto  
é, estabelecer os fatos e influir na consciência social. Mesmo na pre-  
sença dessa natureza das ciências sociais não se pode recuar diante de  
critérios objetivos de verdade, isto é, a avaliação da validade das teorias  
contrastantes deve ter necessariamente por parâmetro primário o ob-  
jeto existente em si e a práxis cientificamente orientada e implicada no  
caso da avaliação dos espelhamentos da realidade desse objeto. Do con-  
trário, não há alternativa ao desespero do relativismo.  
191  
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Este livro foi composto Georgia, fonte 10  
em e impresso em papel polén 80g  
na gráfica Fábrica de Livros.  
Determinaçãosocial  
dopensamentoeconômico:  
naunidadedométodomaterialista  
ElcemirPoCunha  
“O quadro geral não é dos mais favoráveis. Se  
natradiçãomarxistaaexplicitaçãodaunidade  
do método restou pulverizada e pouco  
sistemática, fora dela prevaleceu a confusão e  
mal-entendidos de toda ordem [...] A  
investigação quanto à unidade do método  
favorece o caminho diante dessas trilhas  
margeadasporlanças.Torná-laclara, acessível  
e desimpedida das complicações embaraçosas é  
precisamente a tarefa deste pequeno livro [...].  
Em linhas gerais, pretende sistematizar os  
elementos essenciais que formam a unidade do  
método materialista apartir dos traços comuns  
presentes na tradição marxista representada  
pornotóriosprotagonistasqueestiveram, direta  
ou indiretamente, dedicados ao estudo do  
pensamentoeconômico.”  
Verinotio  
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