Determinação social do pensamento econômico
existência, não sem reconhecer o complexo de outros fatores atuantes
– o que é evidentemente importante. Numa passagem decisiva para
nossos interesses, Marx escreveu que:
Sob os Bourbon haviam governado a grande propriedade fundiária com
os seus padrecos e lacaios, sob os Orléans as altas finanças, a grande in-
dústria, o grande comércio, isto é, o capital com o seu séquito de advoga-
dos, professores e grandíloquos. O reinado legítimo foi apenas a expres-
são política do domínio tradicional dos senhores de terras, assim como a
Monarquia de Julho havia sido apenas a expressão política do domínio
usurpado dos parvenus [novos-ricos] burgueses. Portanto, o que manti-
nha essas facções separadas não foram os seus assim chamados princí-
pios, mas as suas condições materiais de existência, dois tipos diferentes
de propriedade, foi a antiga contraposição de cidade e campo, a rivalidade
entre capital e propriedade fundiária. Quem negaria que, simultanea-
mente, velhas lembranças, inimizades pessoais, temores e esperanças,
preconceitos e ilusões, simpatias e antipatias, convicções, artigos de fé e
princípios os ligavam a esta ou àquela casa real? Sobre as diferentes for-
mas da propriedade, sobre as condições sociais da existência se eleva toda
uma superestrutura de sentimentos, ilusões, modos de pensar e visões da
vida distintos e configurados de modo peculiar. Toda a classe a cria e a
molda a partir do seu fundamento material e a partir das relações sociais
correspondentes. (Marx, 2011a, p. 60; 1960, p. 139)
Fica bastante patente a ancoragem das formas de consciência
nas condições sociais da existência das facções envolvidas, sem menci-
onar todo o conjunto de sentimentos, ilusões etc., sintetizados nessa
“superestrutura”. A questão crucial é que essas formas de consciência
social não são compreendidas na ausência do “fundamento material” e
das “relações sociais correspondentes”. Na sequência, Marx destacou o
papel ativo dessa superestrutura e, logo, das formas de consciência que
nos interessa sublinhar:
O indivíduo isolado, para o qual ela [aquela superestrutura] flui mediante
a tradição e a educação, pode até imaginar que eles [princípios, precon-
ceitos etc.] constituem as razões que propriamente o determinam e o
ponto de partida da sua atuação. Enquanto os orleanistas, os legitimistas,
cada uma das facções tentava convencer a si mesma e a outra de que a
sua adesão às suas respectivas casas reais as separava, os fatos acabaram
demonstrando que foi, antes, o seu interesse dividido que impedia a
união das duas casas reais. E, assim como na vida privada se costuma
diferenciar entre o que uma pessoa pensa e diz de si mesma e o que ela
realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se diferenciar tanto mais as
fraseologias e ilusões nutridas pelos partidos do seu real organismo e dos
seus reais interesses, distinguir as suas concepções em relação à sua rea-
lidade. (Marx, 2011a, p. 60-61; 1960, p. 139)
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